FFOBS - 18. You, por Lia C.


18. You

Finalizada em: 19/08/2018

Capítulo Único

365
Os corpos se misturavam na pista de dança. As risadas e gritinhos bêbados quase encobriam a música que chacoalhava as paredes. O chão era feito de azulejos que mudavam de cor e o teto era coberto por vidro, o que coloria o céu estrelado de uma forma que eu nunca tinha visto.
Mesmo assim, entre as pessoas, o barulho e a beleza, eu me senti só. Minhas amigas e eu fazíamos passos sensuais, ríamos e jogávamos nossos cabelos, de forma a parecer tão felizes quanto possível. Mesmo assim, eu não tinha certeza se era verdade. Bem, eu sabia que não era verdade para mim. Era tudo um teatro. Quanto mais feliz eu parecesse, mais feliz eu podia fingir que era.
Enquanto eu jogava meus cabelos de um lado para o outro, me perguntei se a internet do meu dormitório continuava funcionando. Eu tinha começado a usar um novo site que corrigia minha gramática simultaneamente – o que era muito útil para os meus trabalhos.
De repente, meus olhos estacionaram em um casal entre as luzes brilhantes. Não que fosse uma cena extraordinária: o homem e a mulher eram pessoas comuns. Mesmo assim, aquilo me cativou. Ele olhava para ela – e só para ela – como se não conseguisse desviar o olhar. Ela devolvia o olhar, entre rodopios, sorrindo sem parar. A força arrebatadora daquela conexão me descompensou e eu parei de dançar, o que resultou em um esbarrão em uma de minhas amigas. Ela fez uma careta para mim e eu respondi com um aceno, avisando que eu ia sair para tomar um ar.
Atravessei os corpos mais uma vez, dessa vez tentando escapar do ambiente, que parecia se fechar sobre mim. Quando finalmente saí da balada, sentei na calçada, tentando recuperar o ritmo normal da minha respiração. Eu sabia que devia estar soando amarga, mas era muito cansativo desejar tanto uma coisa e representar outra.
Meu grande desejo sempre havia sido encontrar alguém e me sentir como aquele casal. Como se o mundo não fosse tão importante quanto aquele sentimento devastador. Eu estava cansada de sonhar, observar e simplesmente não sentir tudo aquilo. Meus olhos, então, vidrados no concreto, se encheram de lágrimas amargas.
E foi assim eu o conheci.
Não tenho certeza de quanto tempo se passou até que eu percebesse o homem sentado ao meu lado. Pisquei meus olhos com força antes de virá–los para observá–lo dos pés à cabeça. Suas pernas eram compridas e estavam cobertas por calças jeans rasgadas – e talvez um pouco apertadas. Ele vestia, também, uma camiseta lisa preta e jaqueta de couro. Seus olhos castanhos estavam semicerrados enquanto ele acendia um cigarro entre os lábios bem desenhados. A pele clara contrastava com as pintas, distribuídas pela sua face e com o seu cabelo negro, que caía em volta de seu rosto em cachos largos.
– Aquele era seu ex namorado? –ele me perguntou, sua voz melódica falhando entre uma tragada.
– Não. – respondi, quando finalmente nos olhamos. – Meu pai.
Vi seus olhos se arregalarem e continuei a encara-los, esperando que ele entendesse minha piada. Nos olhamos por mais alguns segundos antes de gargalharmos até perdermos o fôlego.
– Eu odeio o amor. – suspirei, após nos recuperarmos da crise de risadas.
– Bom, se te conforta, eu também odeio. – ele sorriu para mim.
Eu devolvi o gesto e acenei com a cabeça.
– Eu não sei se te interessa, mas me chamo Matthew. – ele disse, me oferecendo um de seus cigarros.
. – respondi ao aproximar o meu rosto do seu, de forma a acender meu fumo com o dele.
364,8
A noite caiu sobre nós rapidamente e ainda conversávamos quando o sol começou a nascer. Entre risadas, Matthew contou que sonhava em ser um pianista famoso desde que tinha descoberto que sabia tocar decentemente – aos doze anos de idade. Ele me explicou que já tinha feito diversos cursos de piano, mas não tantos quanto de economia, que era o sonho de seus pais. Aos 22 anos, ele finalmente conseguiu convencer sua família de que seu sonho era tocar e desde lá, estava no 2º ano da faculdade de música.
Eu contei a história da minha profissão de uma forma tão honesta, como nunca havia feito antes: expliquei que tinha encontrado uma revista Playboy no chão do quarto do meu irmão e, ao abrir, vi que tinham artigos. Surpresa, eu cheguei à conclusão de que, se as pessoas escreviam sobre coisas como aquelas, podiam ser escritos textos sobre tudo o que existia. Assim, decidi escrever sobre cada parte do mundo que me fascinasse.
Ele prontamente sugeriu que fôssemos uma dupla. e Matty, Matthew e . O pianista e a escritora de crônicas.
, primeiro vamos à Suécia! Com certeza faremos sucesso lá. – ele afirmou, gesticulando.
Eu ri e olhei para ele, sendo interrompida por um calafrio. Matthew sorriu e tirou uma das mangas de seu casaco. Ele se aproximou de mim e encaixou meu braço nessa manga, de forma que nós dois estivéssemos vestindo o mesmo casaco.
Assim, nossos braços estavam encostados quando ele me beijou pela primeira vez.
364,3
Eu senti cócegas na ponta do nariz antes de finalmente abrir meus olhos para o quarto iluminado somente pela tênue luz do luar. Eu estava na minha cama, coberta somente por um fino lençol branco e a primeira coisa que vi foi ele.
Matthew me olhava enquanto segurava uma risada. Ele estava meio de lado, meio sobre mim e uma mecha de seu cabelo descansava sobre o meu nariz. Eu ri, porque logo notei que era de propósito e dei um soquinho de brincadeira nele. E mais outro. E mais alguns.
– Ei! – Matty riu, na tentativa de se defender.
Finalmente, ele se posicionou sobre mim, impedindo que eu continuasse minha brincadeira. Resmunguei e reclamei, ainda gargalhando.
– Eu gosto de você, . – ele disse, ao deixar um beijo na minha testa,
– Eu também gosto de você, Matthew.
Seus lábios voltaram a cobrir os meus e, agora, os cabelos longos dele roçando contra meu rosto não eram mais tão engraçados.
332
Matthew e eu começamos a sair frequentemente depois de nos conhecermos.
Ele me contou sobre sua rotina, o quanto era focado no piano, as horas que passava na faculdade aprendendo música e ainda mais horas dentro de seu dormitório, praticando–a.
Nos primeiros dias, decidimos comer juntos, até que pareceu caro demais inclusive dividir um café. Então, sugeri cozinhar para ele. Ele simplesmente acenou com a cabeça e aprofundou com um sorriso a covinha que decorava sua bochecha.
Ele fumava um cigarro enquanto eu preparava o arroz em sua cozinha.
, sabe, um dia eu vi esse filme... Tinha um cara que colocava o cigarro entre os lábios, mas não fumava, porque era como colocar algo que poderia te matar tão próximo a você, mas não deixar que isso te matasse. – ele riu enquanto tragava – Que babaquice, não é?
– Acho que sim, Matty. Talvez todos nós estejamos nos matando lentamente. Com comida, cigarros, drogas e até com o amor. Pode ser que todos nós tenhamos certeza de que... –prendi a respiração, ponderando como prosseguir.
– De que tudo isso é só questão de tempo? – Matty concluiu.
– Sim. Todos temos essa consciência de que vamos morrer eventualmente. Então um cigarro a mais ou um cigarro a menos, qual seria a diferença?
– Acho que é tudo questão de ter um motivo pelo qual prolongar isso.
– Sim. Um motivo pelo qual sobreviver.
Me aproximei e passei minha mão pelo seu rosto, pensando que talvez e, só talvez, aquele fosse o meu motivo.
256,5
Acordei cedo demais para um sábado, o som ressonante da respiração de Matthew me despertara mais uma vez. Cobri minha cabeça com o travesseiro e respirei fundo antes de chutar a perna dele.
Rindo, ouvi o som parar e ele tirou o travesseiro do meu rosto, juntando–se às minhas gargalhadas.
– Matthew, você estava roncando de novo! – reclamei, emburrada.
– De novo? –ele riu.
– De novo! – ri junto.
Ele me olhou através das cobertas, de repente muito sério. Os cachos bagunçados se espalhavam pelo seu rosto. Matthew tocou meu rosto, circulando minhas feições lentamente. Ele puxou uma mecha de cabelo para trás da minha orelha e eu fechei os olhos. Ele depositou um beijo em cada parte da minha face até finalmente descansar sua cabeça no travesseiro e inspirar profundamente.
– Eu te amo. – ele sussurrou.
– Eu te amo. – eu respondi, escondendo meu rosto com o travesseiro mais uma vez.
201
– Chegou! –Matty gritou como uma criança ao se jogar ao meu lado na cama, a luz de seu celular iluminava todo o quarto.
– Hummm... – murmurei, cobrindo meus olhos – Que horas são?
–Horas de acordar! – ele pulou na cama, me fazendo rir um pouquinho.
–Ah, não! – puxei sua perna, rindo ao fazê-lo cair pesadamente ao meu lado.
Meus olhos estavam completamente abertos agora, apesar do sono. Matty cheirava a uma mistura de nicotina com o meu shampoo e tinha o peitoral exposto.
–Eu não esperava por essa, . Golpe baixo! – ele soltou, ainda segurando com força seu celular.
Rimos mais um pouco, abraçados carinhosamente. Eu adorava ter seus braços ao redor de mim. Ele era meu conforto.
–Eles me aceitaram. – ele disse ao restaurar o fôlego.
– Seus pais? – perguntei, passando meus dedos pela sua maior tatuagem, estampada em seu braço.
– Ok, tente fazer uma adivinhação mais realista do que essa – ele riu, posicionando seu corpo sobre o meu– o Conservatório.
Eu segurei minha respiração. O Conservatório Nacional de Música de Lyon era uma escola de música e estudar lá era um dos grandes sonhos de Matthew. Ele tinha feito uma audição no ano anterior, mas a resposta continuava no ar e, aparentemente, tinham aguardado o momento certo para envia-la.
–Na França?
–Sim, em Lyon, lembra? Eu devo ter contado, certo? –ele disse.
Eu assenti com a cabeça, na tentativa de impedir que minha frustração estampasse meu rosto. Senti como se tivesse levado um chute no estômago, a dor se alastrando por todo o meu corpo. Minha garganta estava fechada em um nó e eu podia sentir a onda de ansiedade me dominar.
– Você não está feliz por mim? –ele perguntou, seu sorriso murchando.
– Eu estou feliz por você! –respondi, tentando parecer convincente.
– Ah, certo. Dá para ver a sua empolgação. –ele virou–se e atravessou o pequeno quarto.
– Bem, Matthew, você me acorda com a notícia de que vai me deixar e ir para a França. Como você espera que eu reaja? –levantei–me e me aproximei dele.
, eu sabia que você ia surtar. –ele se afastou em um pulo ao perceber que eu tinha me aproximado– Você não consegue ficar um minuto sem mim, afinal?
Arfei, surpresa com sua reação. Mal podia acreditar no que estava ouvindo e no quão egoísta ele estava sendo. Eu não queria que ele fosse embora, só isso. Eu nunca me sentido daquela forma – era como se eu pudesse, fisicamente, sentir o meu coração se partindo.
–O que? Você diz um minuto, Matthew? Estamos falando de anos. –eu levantei, seguindo–o até a sala.
–E agora eu tenho que viver minha vida em função de você? –ele rebateu, a caminho da porta.
Eu apertei meus punhos, sem acreditar no que ele me dizia.
–Eu pensei ser minimamente relevante para você. Desculpe por isso. –falei, antes da porta bater atrás de Matty.
150
Era o último dia de Matty na cidade. Todas as coisas dele estavam socadas em malas baratas no batente da porta de seu apartamento. Saímos para nos despedir aquela noite.
–Quer ir dançar atrás do salão? –ele sugeriu, descansando seus lábios em meu pescoço.
Eu sorri e segurei sua mão, guiando–o até a parte de trás do recinto. Chegando lá, eu aninhei meus braços ao redor de seu pescoço e senti as lágrimas esquentarem meus olhos.
Ele cobriu os meus lábios com os seus e esse gesto que uma vez já tinha confortado tanto, trouxe–me mais angústia.
– Eu não quero desistir de você. –ele sussurrou.
123
Ele estava vivo. Ao menos, até onde eu sabia, ele estava.
Era mais um sábado que eu havia esperado tanto chegar. Matthew tinha partido para Lyon há duas semanas. Ele havia prometido me ligar todas as noites, mas eu já percebia as falhas rotineiras. Eu sentia sua falta terrivelmente, como um peso constante sobre minhas costas. Adormeci agarrada ao meu celular, implorando pelo seu toque.
115
O sonho era recorrente.
A porta escancarava enquanto eu terminava um de meus textos. Matthew segurava o teclado com uma das mãos e a outra prendia seus cabelos cacheados em um coque bagunçado. Ele estava lindo quando jogou o aparelho musical no meu sofá e me tomou nos braços.
– Você é um mentiroso. –eu falava entre os beijos.
– Eu te amo.
Fechava os olhos com força e de repente, já não era Matthew. Os cabelos louros se misturavam em minhas mãos enquanto eu pensava em Matthew, cujos cabelos eram escuros. Os olhos claros me encararam por mais um momento. Os de Matty eram castanhos. O corpo musculoso me envolveu em um abraço firme. O corpo de Matt era esguio.
105
A ligação de Matthew me causou um sobressalto dentro do ônibus. Atendi rapidamente, surpreendida pela ligação no meio da tarde. Quando conversávamos, o fuso horário sempre era um problema, portanto, me preocupei imediatamente.
– É preciso mais do que você para me irritar. – a voz grave gaguejou.
– Matty? Você bebeu de novo? –perguntei, aflita.
– O que te interessa? – a voz embriagada respondeu.
– Eu me preocupo com você.
– Você é uma mentirosa.
– Adeus, Matthew.
99
– Falta um pouco mais para que possamos nos odiar. – Matthew sorriu languidamente para mim.
– Se nos odiássemos, não estaríamos juntos. – eu sabia que nunca poderia odiá–lo. Pelo menos não por muito tempo.
– Exatamente. Eu senti sua falta.
Eu devolvi o sorriso para ele, meu coração doía de alegria. Por um breve momento, eu achei mesmo que tudo daria certo entre nós.
60
Eu tinha parado de contar quantas vezes Matty e eu tínhamos brigado naqueles últimos meses.
Por fim, decidimos terminar mais uma vez.
Eu finalmente tinha conseguido terminar o meu TCC – e eu nem acreditava. E eu não pensava no Matthew. Não mesmo. Às vezes, quando eu passava pelo mercado que comprávamos nosso café favorito, eu lembrava dele. Mas era só nesse momento. Bom, às vezes, eu também abria o seu perfil no Instagram, só para verificar se estava tudo bem mesmo... E se ele estava feliz. Já fazia cerca de um mês e parecia absurdo o quanto aquele tempo tinha demorado para passar.
1
Eu já tinha me recuperado. Isso, com certeza. Por esse motivo, eu combinei de encontrar as minhas amigas em um bar próximo à faculdade para comemorar o fim do semestre. Eu estava bem, eu tinha aprendido a lidar com o nó que apertava a minha garganta.
Era um bar antigo e o som dos meus saltos batendo no chão de madeira era quase abafado pelo barulho. Olhei através da sala em direção à música lânguida. O triste som do piano preencheu o recinto e o toque ritmado constatou o que eu já sabia: lá estava ele.
A melodia era simples, a batida repetitiva, mas eu podia sentir o coração dele em cada nota.
As palmas nos envolveram ao final da música e ele levantou do instrumento.
Matthew se aproximou de mim e entrelaçou nossas mãos. Ele olhava para mim – e só para mim – como se não conseguisse desviar o olhar. Eu devolvi o olhar, sorrindo sem parar. A força arrebatadora da nossa conexão me descompensou.
–É preciso um pouco mais do que tudo isso para nos separar, .


Fim



Nota da autora: Sem nota.



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus