19. Nessas Horas

Capítulo 1

Chutaram a bola em minha direção, depois de receber e passar por dois zagueiros, eu finalmente consegui ficar de frente apenas para o goleiro. Chutei a bola no canto direito do gol sem nenhuma chance dela ser defendida. Não consegui pensar muito antes sentir o peso de um dos meus colegas de time nas minhas costas e ouvir todos os gritos vindo da arquibancada comemorando o primeiro gol do jogo.
Olhei para o lado e logo encontrei , que comemorava igual todas as outras pessoas, mas que tinha um sorriso diferente nos lábios. Dia ou noite, faça chuva ou sol, sempre estava lá, o mais próximo possível do campo. Pisquei para ela e mandei um beijo no ar, recebendo outro em seguida.
O nosso relacionamento havia começado há poucos meses, mas a nossa ligação parecia ser de outras vidas, me completava em todos os sentidos. Ela era a segunda pessoa que mais acreditava no meu sonho de viver jogando futebol, a primeira era eu mesmo. Sempre soube que era aquilo que eu amava e que tinha jeito para a coisa. Quando criança, eu sempre jogava na rua da minha casa, depois de um tempo meus pais me colocaram na escolinha e muito tempo depois eu fui chamado para jogar num pequeno time da cidade. Senti como se aquilo fosse só o início, eu queria mais, muito mais, eu sentia que algo bem mais grandioso aconteceria.
— Meu jogador. — disse antes me abraçar mesmo depois de correr por mais de 90 minutos.
— Meu troféu. — Respondi colando nossos lábios com um selinho. — Eu já volto.
Deixei conversando com outras meninas que estavam ali e fui em direção ao vestiário. Depois de ser parabenizado pelo técnico pela vitória e pelos dois gols que eu consegui fazer, tomei o meu banho fui ao encontro de novamente. Como sempre ela sorriu ao me ver e me abraçou, como eu já estava limpo, apertei seu corpo contra o meu, como se quisesse colar um ao outro.
— Pra onde a gente vai? — Ela me perguntou assim que entramos no carro.
— Não sei, você tem algum compromisso? — Perguntei enquanto começava a dirigir em direção a saída do estádio, sem saber ao certo para onde iriamos depois.
— Não tenho, . Só não posso demorar por causa dos meus pais. — Forçou um sorriso e eu apenas confirmei com a cabeça.
tinha 17 anos e uma maturidade de alguém bem mais velha. Porém os seus pais ainda não haviam notado isso. Mesmo me conhecendo, ela tinha hora para sair e para chegar. Dormir fora de casa? Em hipótese alguma. Achava tudo aquilo um exagero, mas aceitava, afinal, por aquilo valeria a pena.
— Ainda está muito cedo, acho que é uma ótima oportunidade para você conhecer a minha casa.
... — Disse receosa, já pensando no que poderia acontecer.
— Relaxa, , você confia em mim? — Perguntei e afirmou balançando a cabeça. — Só quero um momento a sós com você, ficar no sofá com seus pais de seguranças é um saco. — Ela concordou com a cabeça novamente antes de sorrir.


Capítulo 2

Apesar de morar sozinho, o meu pequeno apartamento era bem organizado. Uma vez por semana a Lucy me ajudava com o trabalho mais pesado como lavar roupas e passar, mas nos outros dias eu sempre me virava. Quando meu pai casou-se novamente, preferi continuar morando sozinho no nosso apartamento, apesar da boa relação que eu tinha com a minha madrasta e com os seus filhos.
O restante do percurso até o meu prédio só não foi em silêncio absoluto porque uma música tocava na rádio. ficou em silêncio e manteve uma expressão estranha como se estivesse com medo. Segurei em suas mãos, que estavam geladas, guiando os seus passos ate o elevador. Assim que entramos no meu apartamento, varreu o local com o olhar, admirando os quadros nas paredes, fotos e troféus na estante.
— Vem cá. — Pedi depois de sentar no sofá, apontando o lugar vazio ao meu lado para que ela se sentasse também. Assim que ela se juntou a mim, sorri tentando passar segurança enquanto colocava alguns fios de seus cabelos atrás da orelha. — Por que você está assim? Eu não te trouxe aqui pra fazermos o que você está pensando. É como se você estivesse com medo de mim, eu não vou fazer nada com você, .
— Vai dizer que você não tem vontade? — Perguntou receosa, mesmo não dizendo eu já sabia do que ela estava falando.
— É claro que eu tenho, você me atraí de todas as formas. Mas isso não me dá o direito de desrespeitar a sua vontade. Vai acontecer quando você achar que é o momento certo.
pareceu respirar com mais tranquilidade, colei as nossas mãos uma na outra e não parei de olhar dentro dos seus olhos por nenhum momento.
Eu ainda não havia me acostumado com a sua beleza, com o seu jeito e a sua timidez, conseguia me encantar de todas as formas. Era como se ela fosse uma obra de arte e eu um fã apaixonado. era diferente de todas as garotas que eu já conheci e só depois dos nossos caminhos se cruzarem que eu pude entender porque não havia dado certo com ninguém antes.
me pegou de surpresa ao me beijar, me deitando no sofá logo depois. Levantei sem desgrudar os nossos lábios, invertendo as posições. Ah se ela soubesse o poder que ela tinha sobre mim. Aquele era o momento mais íntimo que nós dois já tivemos em todo esse tempo de namoro, sempre estávamos em público ou na presença de seus pais.
... — Finalizei o beijo ao notar que as coisas haviam evoluído. — É melhor a gente parar.
— Mas estava tão bom. — Fez um bico que me fez rir ao olhar, ela era linda de todos os jeitos.
— Mas você sabe onde isso nos leva, então é melhor a gente assistir um filme e comer alguma coisa.
— E se eu quiser? — Disse me olhando se um jeito que ela nunca havia olhado antes. — E se eu quiser ser levada até o limite?
...
— Eu quero você, todo o meu nervosismo do início é insegurança que eu não consigo controlar. Mas eu quero você, sempre quis.
— Você tem certeza?
— Nunca tive dúvidas. — Disse antes de beijar e permitir que eu pudesse tê-la por completo em meus braços.


Capítulo 3

A primeira vez na qual eu havia chorado na frente de alguém foi quando a minha mãe morreu, eu odiava demonstrar fraqueza mas não consegui ser forte diante daquela notícia. Estava me arrumando para ir dormir, já era noite e fazia frio lá fora. Meu pai entrou meu quarto seus olhos estavam vermelhos e sua pele estava pálida.
— Filho, a sua mãe te mandou um recado. — Falou tentando segurar as lágrimas.
A minha mãe estava muito doente na época, um câncer havia tomado conta de sua vida e ela vivia mais no hospital do que em casa. Eu era muito novo e já entendia muito bem as coisas, mas meu pai sempre conseguia me confortar com as palavras.
Acenei com a cabeça para que ele continuasse, um sorriso brotou em meus lábios só em saber que ele me trazia notícias dela.
— Ela disse que estava sentindo muita dor e resolveu ir lá pro céu descansar. Lá ela vai ficar feliz e vai poder cuidar de você. — Disse falhando ao tentar não demonstrar que estava destruído por dentro.
A notícia da morte da minha mãe naquele dia me pegou de surpresa. Por um momento eu odiei tudo e todos. Não era justo, eu pedi tanto para que ela não me deixasse... Ele foi para o hospital mas me jurou que voltaria.
Senti uma dor que nunca havia sentido antes, um vazio e uma insuficiência insuportável. Eu não conseguia imaginar a minha vida sem ela e muito menos como eu ia viver com aquele aperto no peito. Foi a primeira vez que eu chorei na frente de alguém sem me importar se estava parecendo fraco.
Anos depois, lá estava eu, chorando novamente na frente de Will, o técnico do meu time, com aquele papel em mãos. Meu corpo todo tremia e naquele momento eu chorava de felicidade. Por mais que eu quisesse muito, eu não imaginava que aquilo aconteceria tão rápido.
— É sério isso, Will? — Perguntei pela terceira vez, eu ainda não conseguia acreditar.
— Claro que sim, . Eu estou muito orgulhoso de você. — Sorriu e me abraçou novamente.
Will havia me ligado naquela manhã dizendo que precisava falar comigo com urgência. Foi até o meu apartamento e só depois de chegar lá que ele me contou o que estava acontecendo: recebi uma proposta para jogar no time profissional do , um dos maiores clubes do país. A proposta era irrecusável e o salário era umas dez vezes maior do que eu imaginava um dia poder ganhar. Me contou também que no último jogo havia alguns olheiros lá e eu fui o jogador que mais se destacou. Naquele momento eu senti que todo o meu esforço e dedicação valeram a pena.
— Só tem mais uma coisa. — Will disse depois me explicar cada detalhe do contrato. — Você tem que mudar de estado semana que vem. Já estou providenciando um lugar perto do estádio do clube pra você.
— Se precisar, eu vou hoje mesmo. — Sorri, eu faria de tudo para não perder aquela oportunidade.
Depois de finalizar a conversa, fui até a casa do meu pai contar a novidade. Todos lá ficaram extremamente felizes e me deram todo apoio necessário. Liguei para e pedi para que ela faltasse a sua aula de dança e fosse até a minha casa, queria ter contado primeiro para ela, mas preferi esperar mais um pouco e contar pessoalmente.
Assim que chegou e me deu um abraço, toda aquela emoção da conversa que tive com Will voltou. Comecei a chorar por lembrar que a realização do meu sonho só dependia de mim, por ter consciência do apoio que tive de desde que nos conhecemos e por saber que eu tinha todos os motivos para me considerar o homem mais feliz do mundo.
— O que aconteceu, meu amor? — Ela me perguntou com a sua voz dócil, que sempre chegava aos meus ouvidos em forma de melodia.
— Eu vou realizar meu sonho, , eu vou jogar no .
— Eu não acredito! — Ela gritou, colocou a mão na boca logo em seguida, em uma falha tentativa de conter a emoção.
Depois de compartilhamos toda aquela alegria, contei todos detalhes para . Senti que ela estava extremamente feliz, mas no fundo tinha algo incomodando. Não foi necessário questionar o que era, já que no momento seguinte ela me questionou.
, como é que a gente vai ficar nessa história? Você vai pra muito longe, vai ser impossível te ver nesse tempo.
— Você acha que eu não pensei nisso, ? Você vai comigo. — Sorri, era impossível não inclui-la nos meus planos. — Você sempre quis morar em outro lugar, é uma ótima oportunidade.
— E você acha que meus pais vão deixar?
— Eles não podem nos impedir de ser feliz, . — Ela ficou pensativa, talvez por medo das coisas não saírem como planejado. — Vai dar tudo certo, confia em mim.


Capítulo 4

Minhas mãos suavam enquanto eu esperava o meu voo segurando as duas passagens. Eu era uma mistura de felicidade e realização com tristeza e saudade. Eu estava indo realizar o meu sonho em outro estado, era o que eu sempre quis, aquele era o meu maior desejo. Em compensação, estava deixando para trás um pedaço de mim de mim, o grande amor da minha vida.
Eu estava tão feliz com a notícia que nem passou pela minha cabeça que os pais da seriam contra ela viajar comigo, por um momento eu esqueci dos ciúmes dos dois e do excesso de cuidado. Saber que eu estava indo realizar o meu sonho, mas não teria ao lado doeu tanto quanto a morte da minha mãe. Ela sempre esteve presente em todos os momentos, aquilo não era justo com a gente.
Olhei pro lado e vi abraçada com os seus pais, tinha um clima estranho entre a gente que nem o barulho do aeroporto conseguia abafar.
? — O pai de me chamou, recebendo minha atenção no mesmo instante. — Posso falar com você um minutinho? — Assenti com a cabeça.
Enquanto andávamos em direção aos assentos vazios que ficavam um pouco mais afastados, consegui notar o olhar preocupado de . Talvez ela estivesse pensando o que o seu pai queria comigo já que em minha mente eu me perguntava o mesmo. Apesar do cuidado exagerado com a filha, ele sempre foi muito tranquilo comigo, porém, dificilmente tentava puxar um assunto só entre nós dois.
— Eu sei que você deve estar me odiando agora, mas eu queria dizer que sinto muito. Se é difícil pra você ficar longe da , imagina pra mim que viu ela crescer, que ouviu as primeiras palavras dela, imagina pra quem tem um laço de sangue. Não é que eu não queira que você fique com ela, eu só não consigo e nem quero permitir que o meu tesouro se vá. Eu sei que vai chegar o dia em que não vou poder fazer nada para impedir, mas enquanto eu puder fazer qualquer coisa para ficar perto dela, eu farei. Pode parecer confuso, mas se um dia você tiver um filho, eu sei que você vai se lembrar dessa conversa e provavelmente vai me entender.
Faltou palavras na minha boca e as minhas lágrimas disseram por mim. Eu não tinha filhos, mas consegui entender perfeitamente o que ele queria dizer naquele momento. Se era difícil ficar longe da , alguém que eu conhecia a poucos meses, imagina para eles que viveram sempre ao lado dela. Naquele momento, eu entendi que a preocupação deles era excesso de amor, eles só queriam cuidar da sua preciosidade. E eles fariam isso por mim enquanto eu estivesse longe.
já sabia daquela conversa, percebi isso ao voltar pra perto dela e receber um abraço acolher, não tinha mais o que dizer.
— Eu te amo, me espera tá? — Disse para , despedi de todos assim que anunciaram o meu voo, deixando ela por último.
— Eu também te amo, volta logo. — Foi as únicas coisas que ela conseguiu pronunciar.
Entrei naquele avião com uma felicidade enorme, mas com a certeza de que metade de mim estava ficando ali.


Capítulo 5

Da varanda eu conseguia olhar aquele céu, mais escuro que o normal devido à chuva. Mais de um ano havia se passado e havia acabado de falar com pelo telefone. A saudade machucava demais e saber que só estávamos longe porque eu estava realizando o meu sonho, era o que amenizada a dor.
— Quer distância cruel, pai, eu queria tanto que ela estivesse aqui comigo. — Falei ao ouvir passos que só poderiam ser do meu pai, vindo na minha direção.
Ele fazia questão de acompanhar de perto o meu trabalho, a diferença é que sempre que podia, ele visitava a sua esposa, eu só tive chance de ver uma vez, durante todo esse tempo.
— Às vezes para se ter alguma coisa, é preciso abrir mão de outras. E não estou dizendo que você abriu mão da , mas sim de estar com ela.
— É horrível ficar assistindo o tempo passar e não poder fazer nada. Nem o celular me dispersa mais. — Disse apontando para o aparelho em minhas mãos. — Eu estou muito feliz por estar aqui, pai, mas não tem um dia sequer que eu não penso nela. Por isso que meus sorrisos são passageiros, não tem como me sentir inteiro sem a .
— Eu sei a falta que ela te faz, e sei que o que te prende aqui não é o dinheiro, afinal você nem liga pra isso, mas sim o seu sonho. Mas, filho, nem tudo é como a gente quer. — Disse enquanto fazia um carinho no meu ombro, como se lembrasse de algo.
— Tenho medo de que essa distância mude o nosso sentimento, pai. Mas ao mesmo tempo eu sei que não tem espaço para eu amar alguém de novo.
— Filho, se nem a morte mexeu com o que eu sinto pela sua mãe, não vai fazer a distância entre um estado e outro que fará isso com vocês.
— Meu sentimento pela minha mãe, também não mudou. — Falei sentido a emoção tomar conta de mim.
— Então aguenta forma, na hora certa você é a vão viver esse amor. Por enquanto aproveita o seu sonho, nessas horas você tem que sentir-se privilegiado por estar aqui. Você é merecedor, . E eu tenho muito orgulho de você.
Abracei meu pai em agradecimento por tê-lo em minha e por todos os ensinamentos. Talvez se ele não estivesse ali, eu teria largado tudo por amor. Mas ele me fez entender que eu precisava realizar o meu sonho, e que se fosse amor de verdade, não seria uma distância que ia mudar isso.
Toda aquela saudade era apenas um jogo inacabado, mas eu tinha certeza que no final eu iria sair vitorioso, afinal, o meu maior troféu continuava me esperando.




Fim.



Nota da autora: Sem nota.



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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