Última atualização: 04/07/2018

Prólogo


A cidade de Elysium era a mais próspera região do País Paradiso. Em meio aos crescentes índices de criminalidade e ao caos da violência urbana, o governo apresentou uma importante, mas perigosa solução.
Como uma fênix, a antiga capital seria destruída - ao menos estruturalmente, de forma subjetiva - e de suas cinzas, renasceria o projeto de um novo modus operandi. A reestruturação de um Legislativo, muito mais forte na construção da criminalidade. O reforço de um Judiciário ainda mais repressivo. O começo de um Executivo exacerbadamente interventor.
As intensas mudanças fundamentais fizeram da nova cidade, uma região buscada por todos que se encaixavam em seu perfil elitista e seletivo. Não havia um cidadão em toda Paradiso que não cobiçasse uma vaga no projeto piloto de Elysium. Após o início do experimento, contudo, a cidade utópica isolou-se de seu entorno, sem contato com nada do que acontecia detrás dos altos muros de pedra que a cercavam.
Anos depois, a mensagem de que o êxito fora alcançado, chegou à Ordem Dirigente. E verdadeiramente, na superfície – ou ao menos até onde a vista estreita e míope do governo pudesse alcançar - não havia mais violência. Mas antes que o projeto fosse expandido para todo o resto de Paradiso, o jornalista Thomas Paladino foi mandado pelo presidente à cidade, para relatar ao resto da população curiosa, como fora alcançado tão grande intento.


Capítulo Único


Leia Alvarez aguardava, ansiosa, pela chegada do Jornalista estrangeiro. Dentre todas as advogadas qualificadas na repartição em que trabalhava, logo ela, fora designada a acompanha-lo por Elysium. Suas funções eram mostrar ao Senhor Paladino como as leis da cidade funcionavam, também lhe dando um tour panorâmico, que abrangia – ainda -uma explicação dos pontos mais importantes de seu trabalho.
Havendo nascido em Elysium, a mulher não fazia ideia de como se portaria o estrangeiro. Mas de qualquer modo, ser a advogada escolhida para escolta-lo fora uma honra, pois no fim das contas, não somente ele ficaria sabendo do que ocorria ali dentro, como ela também lançaria seu olhar aguçado para tentar entende-lo.
O soar da sirene dos portões - no setor leste da cidade – soou, com um ruído ensurdecedor. Aquilo era somente mais uma estratégia para que toda Elysium soubesse quando houvesse algum visitante ou eventual banimento. Após ser revistado, Thomas adentrou a cidade e caminhou até Leia, sendo escoltado por dois oficiais da Ordem.
- Bom dia, Senhor Paladino. – Disse, abrindo um sorriso.
- Bom dia, Senhorita Alvarez. Estou ansioso para conhecer tudo sobre Elysium. – Respondeu Thomas, estendendo sua mão para que ela a apertasse.
O homem sempre fora todo a negócios, ainda mais com aquela missão, tão importante e exclusiva. Era por certo seguro se afirmar que Thomas estava vivendo o sonho de todo repórter. O que também, por outro lado, lhe creditava uma incrível carga de responsabilidade.
- Acompanhe-me, por favor. Começaremos com um rápido Tour e depois o levarei até a Sede da Ordem.
- Tudo bem. – Replicou, buscando seu gravador e bloquinho na maleta. – Se importa se eu gravar e fizer algumas perguntas durante o percurso?
A mulher assentiu com obviedade, o que não foi passado despercebido pelo homem, lhe inspirando a realizar a primeira das muitas perguntas de sua jornada.
- Senhorita Álvarez, como descreveria o grau de vigilância de Elysium? – Indagou, caminhando e olhando à sua volta. – Pelo que vejo, há muitas câmeras direcionadas para a rua.
- A questão, Senhor Paladino, é que a segurança e a liberdade são como irmãs. Não se bicam muito, apesar de serem dependentes uma da outra para existirem em um eterno antagonismo. A privacidade é a prima da liberdade, e segue a esta mesma regra.
Inspirados nisso, nossos fundadores sacrificaram-nas em prol de nosso maior objetivo: o combate à violência.
Thomas assentiu, anotando em seu bloco mais perguntas a serem feitas acerca do tema. Seu olhar passeava pelas ruas quase vazias, exceto por uns poucos transeuntes, e a limpeza do chão. Notou que parecia haver mais oficiais passando com seus carros de patrulha, do que moradores vagando em sua rotina diária.
- Diga-me, dona Álvarez, o dia a dia da cidade costuma ser exatamente assim? Algo mudou com minha vinda?
- Não, tudo está como de costume. Embora, os residentes estejam cientes de sua vinda. De qualquer modo, não vejo nenhuma diferença.
- Por que o número de passantes na rua está tão baixo? – Questionou, vendo a mulher arquejar, surpresa.
- Acredito que este seja o número ideal para a largura da calçada, não acha?
- Não entendo... A senhorita parece um pouco incomodada.
- Bem, é que fui eu que programei a quantidade de passantes. O senhor prefere que esteja na base de quantos?
- Programou? Como fazem isso?
- Muito simples, quando os cidadãos querem circular pela cidade, apertam o botão em seus braceletes. – Gesticulou, apontando para sua própria pulseira prata. – E então, quando algum voltar para casa, o que deseja sair será avisado.
- Hmm. Mas isso não seria acabar com a liberdade de ir e vir? – Perguntou Paladino, estupefato.
- Em prol da Segurança e da Ordem, são necessários sacrifícios. – Proferiu a mulher, automaticamente, como a voz robotizada.
Paladino se perguntou se talvez, a frase houvesse sido martelada tantas vezes na mente de Leia que nem mesmo ela refletisse mais sobre o que dizia. E foi nesse momento, que o objeto de estudo do Jornalista se transmutou. Seu foco se deslocou para tentar compreender o funcionamento do emaranhado que deveria ser, a mente de alguém que nasceu em Elysium.
A cada revelação da mulher sobre suas leis arbitrárias, como não pedalar aos domingos, somente tatuar a metade superior do corpo, ou a proibição do X-Burger, Paladino ia ficando mais fascinado e duvidoso. Será que realmente queriam trazer tudo aquilo para o resto de Paradiso?
As respostas da mulher sobre o motivo da implementação de suas normas era ainda mais alarmantes: “Porque percebemos que muitos criminosos comiam X-Burguer.” “Porque tatuagens na parte inferior parecem estar relacionadas à incitação ao crime.”
- E qual o método de análise usado?
- Método? – Disse Leia, franzindo o cenho. – Foi fruto de nossa observação.
- Vocês usaram cientistas para fazê-lo? Uma equipe de psicólogos?
- Outros profissionais não podem interferir no Direito! – Exclamou. – Isso seria um absurdo. Nossos legisladores têm matérias versando sobre diversas áreas e são colocados lá pelos govern...
- Espere. – Cortou Paladino. – Você disse que eles são “colocados lá”?
- É claro. – Exclamou, confusa. – Todos os Poderes são previamente selecionados pelo Executivo.
- O Legislativo e o Judiciário são regulados completamente por ele?
- Sim. E a Ordem também!
- Então está me dizendo que vocês têm quatro poderes? É isso? – Questionou, com os olhos arregalados.
- Exatamente, Senhor Paladino. E este que acabamos de entrar agora é a Sede da Ordem.
- O que ela faz exatamente? – Perguntou, admirando o prédio suntuoso, bem no centro da cidade.
- A Ordem é quem coordena tudo. – Explicou Leia com os olhos brilhando. – Os fundadores a criaram, inicialmente, para somente se encarregar das questões entre os demais poderes, mas com o tempo ela transcendeu. Aqui que eu trabalho, com um corpo de diversos advogados, fiscalizando ativamente a efetividade e a eficácia. Em outras palavras, observamos se as leis estão funcionando como deveriam, e analisamos eventuais necessidades de adaptação às mutações na sociedade.
Nesse momento, Thomas já não mais escrevia. Deixara sua animação inicial após sua primeira pergunta a Leia. Somente desejava sair daquele lugar, o mais breve possível. Enquanto os residentes pareciam estar acostumados com toda aquela vigilância, todas as regras e sanções de banimento, Paladino era atingido mais e mais, a cada revelação, pelo medo.
De modo algum aquela forma de viver poderia espalhar-se para o resto de Paradiso. O que mais lhe amedrontava, porém, não eram as leis, a estrutura do governo, ou o Estado de Polícia maior do que o Estado Democrático. Seu medo era atraído pela forma, aparentemente irreversível, em que se encontrava Leia Álvarez. O sistema regurgitara cidadãos robotizados, propositalmente alheios ao refletir.
Thomas duvidava que se os cidadãos houvessem parado, por um segundo sequer, para refletir sobre cada uma de suas leis, teriam conseguido retornar àquela fachada despreocupada. E quase como o Universo houvesse lhe ouvido, enquanto ele e Leia se encontravam no Lobby do prédio Sede do Poder da Ordem, ouviram-se dois tiros.
Paladino, assustado, correu até as amplas vidraças do edifício, que davam para a pracinha a sua frente. Álvarez, menos impressionada, o seguiu de longe, com dois de seus colegas de trabalho a reboque.
- O que está acontecendo? – Perguntou, Thomas, observando o corpo de um senhor idoso sendo arrastado do chafariz da praça, até o chão, e dele até um saco preto. Seu sangue havia manchado as águas do chafariz de um escarlate que ia se diluindo em um pálido vermelho.
- Deve ser um desertor. – Replicou Golias, um dos seguranças do prédio.
- É raro, mas de vez em quando temos um... – Começou Leia a explicar, sendo cortada por sua colega.
- Suicida! - Riu Laura. – Não entendo porque eles fazem isso se sabem que acabarão no necrotério.
- Tomara que tenha sido Rebecca a atirar. – Terminou Golias, virando-se para Thomas para explicar. – Minha esposa é da Guarda. Quem conseguir matar o desertor primeiro, ganha uma bonificação generosa. – Piscou, animado, voltando a varrer a praça com o olhar, em busca de sua mulher.
Thomas observava, com espanto, a naturalidade com que todos a seu redor observavam a tragédia que acabara de ocorrer. A vida do homem não valia nada para eles? O fato de ser um desertor, e haver ousado pensar um pouco diferente lhes creditava o direito de executá-lo daquela forma?
E enquanto Paladino refletia, ele não ouviu os ruídos. O jornalista estava surdo ao barulho engenhoso do girar das engrenagens dos quatro Poderes da cidade. O aparato mecânico e incisivo de Elysium corria mais rápido do que o homem sequer poderia antecipar, e não tardou em entrar em prática.
Nada podia se esconder das câmeras e dos olhos do governo, e foi assim, que Leia recebeu uma ligação em seu celular. Foi para um canto, discutindo algo baixinho, e parecendo portar pela primeira vez naquele percurso todo, uma expressão de dúvida.
- Faça, imediatamente. – Falou a voz, através do telefone móvel de Leia.
- Sim, chefe. – Respondeu, sem mais hesitar.
A mulher clicou em um dos botões de seu bracelete prateado e caminhou de volta ao grupo. Laura e Golias acenaram e voltaram a seus postos, ao trocarem um olhar com Leia. Mas Thomas ainda parecia estar com a atenção voltada para a praça. Seu olhar perdido, onde antes havia respingos de sangue e tripas do homem que ousara pensar.
Mas assim como o cadáver, seu sangue já havia sido retirado da rua, quase que instantaneamente. Se Thomas houvesse fechado os olhos, poderia facilmente ser convencido que nada acontecera, que os tiros haviam sido direcionados aos céus. Quem sabe na caça de uma ave?
Se Elysium já havia caçado a liberdade, nada mais simbólico do que exterminar a classe das aves por completo. Logo elas, que ousam estender suas asas e pairar sobre todos, solenes. Como poderiam ser vigiadas se podem voar para além dos muros se assim e quando desejarem? Logo elas, que não podem ser controladas se saem de seus ninhos ou se permanecem neles até segunda ordem.
Talvez realmente houvesse imaginado tudo aquilo. Quão mais agradável seria imaginar ter sido uma ave a morrer? Afinal, como Leia mesmo dissera, em prol da Segurança e da Ordem, são necessários sacrifícios. E tudo o queriam era mais segurança. Pequenas concessões no dia a dia talvez não fossem tanto a se abrir mão por um objetivo muito maior.
E enquanto o próprio Thomas Paladino, que trouxera o indesejado questionamento para dentro de Elysium, começava a buscar dentro de si racionalizações perigosas, a Leia Álvares era entregue um par de algemas.
- Não resista. – Sussurrou, agarrando os braços do homem assustado, mas uma casca da antiga curiosidade que uma vez lhe preenchera. Mas não resistiria, e permaneceu imóvel, preso em sua mente.
Quase não ouviu a chegada da Guarda.
- Sim, senhorita Leia! O escoltaremos imediatamente.
Quase não sentiu enquanto o arrastavam para as profundezas do prédio.
- Foram ordens do presidente. Vamos até a sala de fuzilamento.
Quase não esboçou medo ao ser colocado no meio de uma sala de concreto, imaculada.
- Perdão, Thomas. Não podemos permitir que saia de Elysium, tampouco que fique. Foi detectado que a presença de estrangeiros favorece as insurgências. Sinto muito que tenha sido a cobaia, mas em prol da Segurança e da Ordem, são necessários sacrifícios. Agora não cometeremos mais o mesmo erro de deixar que invasores penetrem nossos muros.
Quase não arquejou com o sorriso imperturbável de Leia.
- Executem!
Quase não sentiu seu sangue escorrer para o ralo da sala.



Fim



Nota da autora: Olá pessoal! Obrigada por terem lido até o final. Espero que tenham gostado da Fic, amarei ler seus comentários <3 Quem desejar entrar para a família no facebook será mais do que bem vindo! Somente clicar no link abaixo! Beijinhos de Luz e até a próxima!





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