Capítulo Único
Era só mais um dia de sentenças no Reino de Notrus. Eu, Rainha III, teria que decidir o futuro daqueles pobres súditos. Apesar da postura séria, por dentro, o tédio me dominava.
Ser rainha não estava em meus planos. Apesar de ser da família real, os planos eram para estar aqui, não eu. Mas coisas acontecerem e agora Notrus pertence a mim. Devo agir e governar sem questionamentos. "Consentir, não sentir", minha vó dizia. E assim seria. Assim está sendo.
- Rainha - Um de meus servos me chama me tirando de meus pensamentos. - O próximo súdito espera seu julgamento.
- Já irei, está bem? - Digo agradecendo sua saudação.
Respiro fundo antes de atravessar aquela gigante porta. Olho para o lado onde vejo o quadro de dela, Rainha , Minha vó. Meu coração fisga ao lembrar de sua morte. Uma coroação nunca foi tão triste. Meus olhos molham, mas seguro as lágrimas. "Consentir, não sentir", pensei.
Respirei fundo e andei. Cabeça erguida. Linha reta. Soberania. Exatamente como uma rainha deveria ser. Exatamente como eles queriam que eu fosse.
Sento-me em meu trono e o julgado já está em minha frente. Ao meu lado, os meu fiel súdito, , me acompanha.
O julgamento acontece como deve ser feito. A cada "leve-os para masmorra", meu coração aperta. Mas não posso ter emoções. Consentir, não sentir. Lembre-se, consentir, não sentir.
A tarde se aproxima e cabeças já rolaram o suficiente para limpar aquele Reino. Antes de me levantar para finalmente ir para meus aposentos, sou avisada que á um forasteiro nas redondezas. Me alertam que o invasor foi visto roubando maçãs, roupas e ferramentas da vizinhança.
Me sento novamente e espero o arteiro ser levado até mim.
Assim que os guardas chegam com o sujeito, já o estranho. Roupas sujas, amarronzadas. Um capuz de couro cobre seu cabelo e boa parte da sua testa. Sacos também de couro na mão dos guardas com alguns cobertores a mostra. Sua cabeça estava baixa. Parecia exausto. Não se reverenciou a mim como todos os outros. Simplesmente ficou ali. Parecia ri baixo para si mesmo.
- Diga o que estava querendo em meu Reino! - Digo sem rodeios.
- Me falaram que aqui tinha neve. Vim brincar nela um pouco! - Ele ergue sua cabeça levemente. Ainda me observa por baixo. Seu tom é absurdamente irônico.
- E o que o senhor pretendia fazer com todas essas tralhas? Me respondam!
- Ah, docinho. Uma aventura!
Os guardas o sacodem pela falta de modos. Esperar o que de pessoas assim? Me levanto do trono e me aproximo. Algo me chama para observa-lo de perto.
- Não pretende mostrar seu rosto, ladrãozinho de maçãs?
- Não quero que a dama se apaixone! - Ele continua a me gozar.
- Se afaste, Rainha. Ele é perigoso! - Sou alertada.
- Sua voz é fina demais para um homem tão ameaçador! - Deixo escapar. Os guardas me olham. Rainhas não falam mais do que deve ser dito.
- Por que será né, donzela? - Ele ri.
- Tirem-no o capuz. - Ordeno.
Os guardas me obedecem e para minha surpresa, á uma mulher por trás daquela sujeira física. Meu espanto é tão grande que deixo a mostra.
As pessoas presentes não param de falar e agredi-lá com palavras. Os guardas a seguram ainda mais firme. Eu observo sem reação.
- Que vergonha! - , meu primo e futuro substituto que também estava no local, grita. - Por Deuses! Fêmeas cansaram de fazer o que deve ser feito? Eu sabia que o reinado estava fraco! O caos está plantando! O que você está fazendo fora de casa, sua plebeia? Não deveria estar em casa servindo seu homem e ajudando a povoar este Reino?
- Desculpa, mas eu não nasci para ser sua vadiazinha! - A forasteira sorri irônica.
Não falo nada, pois ainda estou chocada. A discussão continua e grita cada vez mais alto. Ele parece indignado. Nunca antes, uma mulher em Notrus teria sido tão ousada. Ela contava sua aventura pelo Reino e isso no fundo me instigava, mas eu não poderia mostrar curiosidade. Afinal, "consentir, não sentir", certo?
A forasteira causava curiosidade nos que estavam presente. Ninguém jamais tinha visto uma dessas. No meu Reino não há isso. As mulheres não falam, não saem de casa. Os homens trabalham e elas cuidam das crianças. Estou assustada, mas não sei direito se estou com raiva como . A forasteira me chamou atenção. Mesmo com os homens a enfrentando, ela os encara. Mesmo sabendo que é frágil e irá morrer, ela continua ali.
De todos os súditos que julguei até hoje, ela foi a única mulher. E foi a única também a erguer a cabeça e enfrentar. Repito, estou assustada, mas não com medo.
- Quanta audácia! Não há opções, pequena aberração! - me tira do meus pensamentos com sua risada escandalosa. - Bem, da próxima vez que quiser uma maçã e cobertores, peça ao teu homem. Com certeza ele não acabará aqui!
- Desculpa, querido. Não é porque vocês tem um pau que é melhor que eu! - Ela bufa irritada.
- Por que ainda estão ouvindo as baboseiras dessa aberração? Ande, Rainha! Ordene que cortem a cabeça!
- Todos me olham, mas estou parada, embalada em mil pensamentos, encarando a mulher. Ela me olha também. Primeiramente, do mesmo jeito irônico, mas depois o sorriso amolece. Continuo a encarado sem saber o porquê.
- Ande, Rainha! - volta nossos olhares para ele.
- Hmn.. - Não sei o que dizer. Tenho que ser justa e ordenar que cortem sua cabeça, mas algo dentro de mim pede para que deixem ela ir. - Cor.. Cortem a cabeça! - Grito sem força e vontade. - Mas deixem para amanhã.
Isso não mudará muita coisa, mas assim foi decidido e assim será.
As coisas se acalmam e a noite chega. Já estou em meus aposentos e está ao lado da minha cama.
é o único do Reino que tinha mais proximidade a mim. Minha vó o salvou da guilhotina quando pequeno. Seus pais eram fiéis de minha família.
- Senhora, aquela pebleia foi o choque da noite! - Ele diz com seu jeito divertido.
Ainda estou pensando nela. - Digo olhando pro vazio.
- Pensando na criminosa? Oras, por que?
- Não sei. Ela estava presa, mas ao mesmo tempo, ela me parecia tão.. tão livre, !
- Livre, Rainha? Era me pareceu de uma ousadia imensa.
- Hm.. talvez.
- E para que liberdade, minha Rainha? Para que liberdade quando se pode ser a Rainha? Quem dera eu conseguisse pensar assim. Quem dera.
- Pois é. - Finjo concordar e me viro para dormir.
A noite passa, mas o sono não vem. Ainda penso naquela maldita forasteira. Respiro fundo e tomo uma decisão não muito boa. Decido ir até onde ela está presa. Não pretendo conversar. Só quero observar. Quero ver como a liberdade é.
Desço as escadas com a proteção para o frio de Notrus completa. Saio silenciosamente naquela ventania fria até a prisão. Ficava perto do castelo, graças aos Deuses.
Entro na prisão cuidadosamente e vejo o guarda dormindo. Bom saber. Por trás das paredes, observo a jaula onde a furtadora se encontra. Ela parece estar dormindo. Me aproximo mais. A olho ainda distante. Penso em como ele chegou até ali. Não há mais mulheres por aqui. Chego ainda mais perto. Percebo que algo brilha em seu bolso. Um brilho fraco, mas chama a atenção. A curiosidade fala mais alto e eu me aproximo.
- Para uma rainha, você é muito curiosa. - Ela sussurra quase me matando do coração. Não tenho o que falar. Estou completamente assustada e não há explicação decente para o porquê de eu estar aqui.
- Você me assustou! - Sussurrei revoltada.
- Você que invadiu minha nova casa! - Ela ri.
- A senhorita não pode levar nada a sério?
- E o que tem de sério numa rainha tentando roubar o colar de uma prisioneira?
- Não estava tentando roubar! - Aumento um pouco a voz e ela sussurra "shh!". Reviro os olhos. - Não tentei roubar. Só queria ver.
- Não sou a melhor pessoa para dizer isso, mas, se queria ver, era só pedir, Rainha.
- Me poupe de seus ensinamentos. Já estou me retirando.
- E o que veio fazer aqui, ó excelentíssima? - Ahn, costumo fazer uma visita noturna aos prisioneiros condenados a morte! - Falo a primeira coisa que vem na cabeça.
Ela me encara de sobrancelha arqueada.
- Não foi bem isso que pareceu quando você estava me observando escondida atrás da parede. - Ela dá de ombros e volta a deitar no chão.
- Como ousa? Estava me observando o tempo todo?
- Ei! Não me julga. Fiz a mesma coisa que você!
Desisto de tentar manter a pose.
- É. Eu estava te observando mesmo.
- Jura?
- Quer saber? Não sei o que estou fazendo aqui e...
- Eu! Relaxa um pouco aí. - Ela tirou o colar do bolso. O objeto brilhoso que vi mais cedo era um pingente em forma de floco de neve. - Quer saber o que significa?
-...
- Bom, esse silêncio deve significar "sim" em alguma língua!
-...
- Na verdade, ele não significa nada de muito especial pro outros. Não deve valer muitos diamantes! O significado é mais para mim mesmo.
- E o que significa afinal?
- Achei que não quisesse saber... - Ela sorri sarcástica.
- Fala logo.
- Ganhei do meu pai quando era pequena. Não sei se você sabe, mas não existe floco de neve igual o outro. Todos são diferentes, todos tem seu jeito. É mais ou menos isso que ele me passou, sabe? Eu poderia ser a neve caída no chão, branca e igual a todas, ou, eu poderia ser um floco. Eu poderia ser eu mesma, ser única e transparente e me destacar por isso.
- Isso é algum tipo de metáfora? Eu não estou compreendend...
- Deixa eu explicar melhor... Eu poderia ser a menina comum que abandona a personalidade para viver o que os outros querem, ou, eu poderia escolher meu próprio caminho. Ser mais do que um rótulo. Entendeu?
- O primeiro não deve ser tão ruim assim... - Digo mais para mim mesmo do que para a prisioneira a minha frente.
- Tá brincando? Viver pelo o que os outros dizem e querem é horrível! Não ter vontade própria. Todo mundo merece uma chance de brilhar e apagar esse brilho só porque o outro quer, não rola mesmo!
- E se isso for para um bem maior? Como o de uma população, por exemplo...
- O que adianta gastar sua vida para manter os outros felizes se você mesmo não consegue achar a felicidade em si?
-...
- Não adianta gastar sua vida pelo bem maior e esquecer que você também é um ser humano!
- Compreendo seus pensamentos. Mas foram esse que trouxeram até aqui não?
- É claro. Mas com a liberdade, vem obstáculos a todo momento. É o preço a pagar!
- Um preço não destinado a você! Como fêmea, este não é o seu lugar, este...
- Como fêmea ou como macho, eu posso fazer o que o meu coração sentir vontade! Ah, Faz parte da liberdade essa história de não ter sexo frágil!
- Como adquiriu tanto conhecimento sendo tão nova, forasteira? - Me sento a sua frente.
- Já te disse. Cansei de lavar pratos e fui viver a vida.
- Não sente falta do que o destino te ordena?
- Não. Nunca senti. Nunca sentirei. Amo minhas aventuras!
- Uma aventura... isso me parece - Respiro fundo. - Isso me parece interessante.
A forasteira me encara bem como se estivesse pensando se falaria ou não.
- Olha, amanhã tenho outra. Venha comigo, se quiser! Sabe onde estarei.
- Você acha mesmo que fugirei com você? - Me levanto.
- Eu acho que você veio até aqui procurando por isso. Ou por algo do tipo. Não se esconda, Rainha. Vi em seus olhos a vontade de sumir daqui. Sentir o gosto da liberdade. Até acho que você pensou que eu seria uma boa chance de escapar desse mar de coisas chatas. Por isso veio até aqui. Veio em busca de aventura! Por isso olhou fundo em meus olhos hoje mais cedo. Quer saber? Talvez você tenha encontrado! - Ela pisca antes de finalmente virar e dormir.
Volto pro castelo. Não durmo o resto da noite. Na manhã seguinte, sou acordada com o aviso que a furtadora havia fugido. Sorrio involuntariamente. Proíbo a busca por ela no Reino e deixo a história passar. Confesso que esperava que ela ficasse um pouco mais. É claro que se ela ficasse, perderia a cabeça. Foi esperto de sua parte.
Dias depois daquilo se passam. Ainda lembro da furtadora. Ninguém sabe seu nome ao certo. Já é hora de dormir e eu já estou deitada. Na janela da minha sacada, ouço três toques. Levanto assustada e vou olhar. É ela. A furtadora. Esta aqui. A chamo para dentro e fecho tudo antes que o frio congele o local.
- Mas o que está fazendo aqui? - Pergunto assustada.
- Vim te buscar, ué. Demorei um pouco, porque os guardas do seu Reino são complicados, mas aqui estou. Temos que ir rápido! Subiremos a montanha a noite inteira.
Continuo parada a encarando. Isso não tem o menor sentido.
- Ah, o meu nome é . Prazer!
- Eu não posso fugir com você! Nem te conheço!
- Na verdade você me conhece mais do que muita gente. Sai te contando minha vida ontem, porque tava com medo do plano não dar certo e eu morrer. Mas deu, tá vendo?
- - Eu a paro. - Eu não posso! Eu fui destinada á...
- Você foi destinada a fazer o que te faz feliz!
-...
- Ficar aqui dentro deste Castelo, dentro desse Reino, sabendo que há um mundo lá fora esperando para ser descoberto, te faz feliz?
- Não é como se eu pudesse escolher...
- Na verdade, você pode...
Respirei fundo. As coisas não poderiam estar mais bagunçadas em minha mente.
Eu queria ficar. Eu amava meu Reino. Mas eu também queria partir. Eu queria sentir a liberdade em meus dedos.
- Me dê um dia, certo? - Tomo uma decisão. - É tudo que preciso!
- Eu estarei aqui amanhã, no mesmo horário, pronta para partir. - Ela piscou antes de sair pela janela novamente.
Olho para o lado onde encontro o espelho. Ao lado, o retrato de Rainha . Pergunto a criatura no espelho se ela está feliz como vive. Pergunto se ela quer ser a sucessora de sua vó, ou, se ela quer seguir seus verdadeiros desejos. Fecho os olhos e respiro fundo como sempre. Sei que a resposta para é negativa. E isso me assusta.
O dia vem. Logo depois, a noite também. Já é hora de pular por essas janelas. Ela não demora muito, por sinal.
Me olha atenta enquanto digo sim a sua pergunta. Eu queria ser livre, e eu iria ser.
Larguei o vestido de rainha e coloquei algo que me acomodasse melhor do que frio que estava por vim. Iríamos escalar a maior montanha do Reino.
Ela me levou para uma casa abandonada no fim da colina. Lá haviam vários como ela. Todos prontos para escalar. Nos apresentamos e até que nos demos bem. Foram muitas risadas para uma primeira noite.
...
Já parada na frente da montanha, eu sorri. Descobri que a liberdade já estava ali. Os meus medos já haviam partido e eu já estava fazendo o que queria. Uma lágrima gelada caiu de meus olhos. secou.
- E aí? Tá preparada para subir? - Ela perguntou.
- Nunca estive mais. - Eu a olhei.
- Se achar que nao consegue, tudo bem. Tem o frio e as questões... - Um do que estavam na equipe alheia se aproximou.
- Sabe Rupert, eu costuma a não sentir. Costumava a viver pelas ordens dos outros para ordenar outros. No auge dos meus 20 e pouco anos. Então agora aqui estou eu, e quer saber? Eu vou ficar. O meu eu me espera lá em cima e eu já to chegando!
-...
- E sobre o frio? Hm.. - Olhei nos olhos de . - Ele nunca me incomodou mesmo.
Ser rainha não estava em meus planos. Apesar de ser da família real, os planos eram para estar aqui, não eu. Mas coisas acontecerem e agora Notrus pertence a mim. Devo agir e governar sem questionamentos. "Consentir, não sentir", minha vó dizia. E assim seria. Assim está sendo.
- Rainha - Um de meus servos me chama me tirando de meus pensamentos. - O próximo súdito espera seu julgamento.
- Já irei, está bem? - Digo agradecendo sua saudação.
Respiro fundo antes de atravessar aquela gigante porta. Olho para o lado onde vejo o quadro de dela, Rainha , Minha vó. Meu coração fisga ao lembrar de sua morte. Uma coroação nunca foi tão triste. Meus olhos molham, mas seguro as lágrimas. "Consentir, não sentir", pensei.
Respirei fundo e andei. Cabeça erguida. Linha reta. Soberania. Exatamente como uma rainha deveria ser. Exatamente como eles queriam que eu fosse.
Sento-me em meu trono e o julgado já está em minha frente. Ao meu lado, os meu fiel súdito, , me acompanha.
O julgamento acontece como deve ser feito. A cada "leve-os para masmorra", meu coração aperta. Mas não posso ter emoções. Consentir, não sentir. Lembre-se, consentir, não sentir.
A tarde se aproxima e cabeças já rolaram o suficiente para limpar aquele Reino. Antes de me levantar para finalmente ir para meus aposentos, sou avisada que á um forasteiro nas redondezas. Me alertam que o invasor foi visto roubando maçãs, roupas e ferramentas da vizinhança.
Me sento novamente e espero o arteiro ser levado até mim.
Assim que os guardas chegam com o sujeito, já o estranho. Roupas sujas, amarronzadas. Um capuz de couro cobre seu cabelo e boa parte da sua testa. Sacos também de couro na mão dos guardas com alguns cobertores a mostra. Sua cabeça estava baixa. Parecia exausto. Não se reverenciou a mim como todos os outros. Simplesmente ficou ali. Parecia ri baixo para si mesmo.
- Diga o que estava querendo em meu Reino! - Digo sem rodeios.
- Me falaram que aqui tinha neve. Vim brincar nela um pouco! - Ele ergue sua cabeça levemente. Ainda me observa por baixo. Seu tom é absurdamente irônico.
- E o que o senhor pretendia fazer com todas essas tralhas? Me respondam!
- Ah, docinho. Uma aventura!
Os guardas o sacodem pela falta de modos. Esperar o que de pessoas assim? Me levanto do trono e me aproximo. Algo me chama para observa-lo de perto.
- Não pretende mostrar seu rosto, ladrãozinho de maçãs?
- Não quero que a dama se apaixone! - Ele continua a me gozar.
- Se afaste, Rainha. Ele é perigoso! - Sou alertada.
- Sua voz é fina demais para um homem tão ameaçador! - Deixo escapar. Os guardas me olham. Rainhas não falam mais do que deve ser dito.
- Por que será né, donzela? - Ele ri.
- Tirem-no o capuz. - Ordeno.
Os guardas me obedecem e para minha surpresa, á uma mulher por trás daquela sujeira física. Meu espanto é tão grande que deixo a mostra.
As pessoas presentes não param de falar e agredi-lá com palavras. Os guardas a seguram ainda mais firme. Eu observo sem reação.
- Que vergonha! - , meu primo e futuro substituto que também estava no local, grita. - Por Deuses! Fêmeas cansaram de fazer o que deve ser feito? Eu sabia que o reinado estava fraco! O caos está plantando! O que você está fazendo fora de casa, sua plebeia? Não deveria estar em casa servindo seu homem e ajudando a povoar este Reino?
- Desculpa, mas eu não nasci para ser sua vadiazinha! - A forasteira sorri irônica.
Não falo nada, pois ainda estou chocada. A discussão continua e grita cada vez mais alto. Ele parece indignado. Nunca antes, uma mulher em Notrus teria sido tão ousada. Ela contava sua aventura pelo Reino e isso no fundo me instigava, mas eu não poderia mostrar curiosidade. Afinal, "consentir, não sentir", certo?
A forasteira causava curiosidade nos que estavam presente. Ninguém jamais tinha visto uma dessas. No meu Reino não há isso. As mulheres não falam, não saem de casa. Os homens trabalham e elas cuidam das crianças. Estou assustada, mas não sei direito se estou com raiva como . A forasteira me chamou atenção. Mesmo com os homens a enfrentando, ela os encara. Mesmo sabendo que é frágil e irá morrer, ela continua ali.
De todos os súditos que julguei até hoje, ela foi a única mulher. E foi a única também a erguer a cabeça e enfrentar. Repito, estou assustada, mas não com medo.
- Quanta audácia! Não há opções, pequena aberração! - me tira do meus pensamentos com sua risada escandalosa. - Bem, da próxima vez que quiser uma maçã e cobertores, peça ao teu homem. Com certeza ele não acabará aqui!
- Desculpa, querido. Não é porque vocês tem um pau que é melhor que eu! - Ela bufa irritada.
- Por que ainda estão ouvindo as baboseiras dessa aberração? Ande, Rainha! Ordene que cortem a cabeça!
- Todos me olham, mas estou parada, embalada em mil pensamentos, encarando a mulher. Ela me olha também. Primeiramente, do mesmo jeito irônico, mas depois o sorriso amolece. Continuo a encarado sem saber o porquê.
- Ande, Rainha! - volta nossos olhares para ele.
- Hmn.. - Não sei o que dizer. Tenho que ser justa e ordenar que cortem sua cabeça, mas algo dentro de mim pede para que deixem ela ir. - Cor.. Cortem a cabeça! - Grito sem força e vontade. - Mas deixem para amanhã.
Isso não mudará muita coisa, mas assim foi decidido e assim será.
As coisas se acalmam e a noite chega. Já estou em meus aposentos e está ao lado da minha cama.
é o único do Reino que tinha mais proximidade a mim. Minha vó o salvou da guilhotina quando pequeno. Seus pais eram fiéis de minha família.
- Senhora, aquela pebleia foi o choque da noite! - Ele diz com seu jeito divertido.
Ainda estou pensando nela. - Digo olhando pro vazio.
- Pensando na criminosa? Oras, por que?
- Não sei. Ela estava presa, mas ao mesmo tempo, ela me parecia tão.. tão livre, !
- Livre, Rainha? Era me pareceu de uma ousadia imensa.
- Hm.. talvez.
- E para que liberdade, minha Rainha? Para que liberdade quando se pode ser a Rainha? Quem dera eu conseguisse pensar assim. Quem dera.
- Pois é. - Finjo concordar e me viro para dormir.
A noite passa, mas o sono não vem. Ainda penso naquela maldita forasteira. Respiro fundo e tomo uma decisão não muito boa. Decido ir até onde ela está presa. Não pretendo conversar. Só quero observar. Quero ver como a liberdade é.
Desço as escadas com a proteção para o frio de Notrus completa. Saio silenciosamente naquela ventania fria até a prisão. Ficava perto do castelo, graças aos Deuses.
Entro na prisão cuidadosamente e vejo o guarda dormindo. Bom saber. Por trás das paredes, observo a jaula onde a furtadora se encontra. Ela parece estar dormindo. Me aproximo mais. A olho ainda distante. Penso em como ele chegou até ali. Não há mais mulheres por aqui. Chego ainda mais perto. Percebo que algo brilha em seu bolso. Um brilho fraco, mas chama a atenção. A curiosidade fala mais alto e eu me aproximo.
- Para uma rainha, você é muito curiosa. - Ela sussurra quase me matando do coração. Não tenho o que falar. Estou completamente assustada e não há explicação decente para o porquê de eu estar aqui.
- Você me assustou! - Sussurrei revoltada.
- Você que invadiu minha nova casa! - Ela ri.
- A senhorita não pode levar nada a sério?
- E o que tem de sério numa rainha tentando roubar o colar de uma prisioneira?
- Não estava tentando roubar! - Aumento um pouco a voz e ela sussurra "shh!". Reviro os olhos. - Não tentei roubar. Só queria ver.
- Não sou a melhor pessoa para dizer isso, mas, se queria ver, era só pedir, Rainha.
- Me poupe de seus ensinamentos. Já estou me retirando.
- E o que veio fazer aqui, ó excelentíssima? - Ahn, costumo fazer uma visita noturna aos prisioneiros condenados a morte! - Falo a primeira coisa que vem na cabeça.
Ela me encara de sobrancelha arqueada.
- Não foi bem isso que pareceu quando você estava me observando escondida atrás da parede. - Ela dá de ombros e volta a deitar no chão.
- Como ousa? Estava me observando o tempo todo?
- Ei! Não me julga. Fiz a mesma coisa que você!
Desisto de tentar manter a pose.
- É. Eu estava te observando mesmo.
- Jura?
- Quer saber? Não sei o que estou fazendo aqui e...
- Eu! Relaxa um pouco aí. - Ela tirou o colar do bolso. O objeto brilhoso que vi mais cedo era um pingente em forma de floco de neve. - Quer saber o que significa?
-...
- Bom, esse silêncio deve significar "sim" em alguma língua!
-...
- Na verdade, ele não significa nada de muito especial pro outros. Não deve valer muitos diamantes! O significado é mais para mim mesmo.
- E o que significa afinal?
- Achei que não quisesse saber... - Ela sorri sarcástica.
- Fala logo.
- Ganhei do meu pai quando era pequena. Não sei se você sabe, mas não existe floco de neve igual o outro. Todos são diferentes, todos tem seu jeito. É mais ou menos isso que ele me passou, sabe? Eu poderia ser a neve caída no chão, branca e igual a todas, ou, eu poderia ser um floco. Eu poderia ser eu mesma, ser única e transparente e me destacar por isso.
- Isso é algum tipo de metáfora? Eu não estou compreendend...
- Deixa eu explicar melhor... Eu poderia ser a menina comum que abandona a personalidade para viver o que os outros querem, ou, eu poderia escolher meu próprio caminho. Ser mais do que um rótulo. Entendeu?
- O primeiro não deve ser tão ruim assim... - Digo mais para mim mesmo do que para a prisioneira a minha frente.
- Tá brincando? Viver pelo o que os outros dizem e querem é horrível! Não ter vontade própria. Todo mundo merece uma chance de brilhar e apagar esse brilho só porque o outro quer, não rola mesmo!
- E se isso for para um bem maior? Como o de uma população, por exemplo...
- O que adianta gastar sua vida para manter os outros felizes se você mesmo não consegue achar a felicidade em si?
-...
- Não adianta gastar sua vida pelo bem maior e esquecer que você também é um ser humano!
- Compreendo seus pensamentos. Mas foram esse que trouxeram até aqui não?
- É claro. Mas com a liberdade, vem obstáculos a todo momento. É o preço a pagar!
- Um preço não destinado a você! Como fêmea, este não é o seu lugar, este...
- Como fêmea ou como macho, eu posso fazer o que o meu coração sentir vontade! Ah, Faz parte da liberdade essa história de não ter sexo frágil!
- Como adquiriu tanto conhecimento sendo tão nova, forasteira? - Me sento a sua frente.
- Já te disse. Cansei de lavar pratos e fui viver a vida.
- Não sente falta do que o destino te ordena?
- Não. Nunca senti. Nunca sentirei. Amo minhas aventuras!
- Uma aventura... isso me parece - Respiro fundo. - Isso me parece interessante.
A forasteira me encara bem como se estivesse pensando se falaria ou não.
- Olha, amanhã tenho outra. Venha comigo, se quiser! Sabe onde estarei.
- Você acha mesmo que fugirei com você? - Me levanto.
- Eu acho que você veio até aqui procurando por isso. Ou por algo do tipo. Não se esconda, Rainha. Vi em seus olhos a vontade de sumir daqui. Sentir o gosto da liberdade. Até acho que você pensou que eu seria uma boa chance de escapar desse mar de coisas chatas. Por isso veio até aqui. Veio em busca de aventura! Por isso olhou fundo em meus olhos hoje mais cedo. Quer saber? Talvez você tenha encontrado! - Ela pisca antes de finalmente virar e dormir.
Volto pro castelo. Não durmo o resto da noite. Na manhã seguinte, sou acordada com o aviso que a furtadora havia fugido. Sorrio involuntariamente. Proíbo a busca por ela no Reino e deixo a história passar. Confesso que esperava que ela ficasse um pouco mais. É claro que se ela ficasse, perderia a cabeça. Foi esperto de sua parte.
Dias depois daquilo se passam. Ainda lembro da furtadora. Ninguém sabe seu nome ao certo. Já é hora de dormir e eu já estou deitada. Na janela da minha sacada, ouço três toques. Levanto assustada e vou olhar. É ela. A furtadora. Esta aqui. A chamo para dentro e fecho tudo antes que o frio congele o local.
- Mas o que está fazendo aqui? - Pergunto assustada.
- Vim te buscar, ué. Demorei um pouco, porque os guardas do seu Reino são complicados, mas aqui estou. Temos que ir rápido! Subiremos a montanha a noite inteira.
Continuo parada a encarando. Isso não tem o menor sentido.
- Ah, o meu nome é . Prazer!
- Eu não posso fugir com você! Nem te conheço!
- Na verdade você me conhece mais do que muita gente. Sai te contando minha vida ontem, porque tava com medo do plano não dar certo e eu morrer. Mas deu, tá vendo?
- - Eu a paro. - Eu não posso! Eu fui destinada á...
- Você foi destinada a fazer o que te faz feliz!
-...
- Ficar aqui dentro deste Castelo, dentro desse Reino, sabendo que há um mundo lá fora esperando para ser descoberto, te faz feliz?
- Não é como se eu pudesse escolher...
- Na verdade, você pode...
Respirei fundo. As coisas não poderiam estar mais bagunçadas em minha mente.
Eu queria ficar. Eu amava meu Reino. Mas eu também queria partir. Eu queria sentir a liberdade em meus dedos.
- Me dê um dia, certo? - Tomo uma decisão. - É tudo que preciso!
- Eu estarei aqui amanhã, no mesmo horário, pronta para partir. - Ela piscou antes de sair pela janela novamente.
Olho para o lado onde encontro o espelho. Ao lado, o retrato de Rainha . Pergunto a criatura no espelho se ela está feliz como vive. Pergunto se ela quer ser a sucessora de sua vó, ou, se ela quer seguir seus verdadeiros desejos. Fecho os olhos e respiro fundo como sempre. Sei que a resposta para é negativa. E isso me assusta.
O dia vem. Logo depois, a noite também. Já é hora de pular por essas janelas. Ela não demora muito, por sinal.
Me olha atenta enquanto digo sim a sua pergunta. Eu queria ser livre, e eu iria ser.
Larguei o vestido de rainha e coloquei algo que me acomodasse melhor do que frio que estava por vim. Iríamos escalar a maior montanha do Reino.
Ela me levou para uma casa abandonada no fim da colina. Lá haviam vários como ela. Todos prontos para escalar. Nos apresentamos e até que nos demos bem. Foram muitas risadas para uma primeira noite.
...
Já parada na frente da montanha, eu sorri. Descobri que a liberdade já estava ali. Os meus medos já haviam partido e eu já estava fazendo o que queria. Uma lágrima gelada caiu de meus olhos. secou.
- E aí? Tá preparada para subir? - Ela perguntou.
- Nunca estive mais. - Eu a olhei.
- Se achar que nao consegue, tudo bem. Tem o frio e as questões... - Um do que estavam na equipe alheia se aproximou.
- Sabe Rupert, eu costuma a não sentir. Costumava a viver pelas ordens dos outros para ordenar outros. No auge dos meus 20 e pouco anos. Então agora aqui estou eu, e quer saber? Eu vou ficar. O meu eu me espera lá em cima e eu já to chegando!
-...
- E sobre o frio? Hm.. - Olhei nos olhos de . - Ele nunca me incomodou mesmo.
FIM
Nota da autora: Meu Deus!! Essa foi a história mais difícil que escrevi. Não sei porquê escrever mulheres corajosas é tão complicado ahahha Mas espero que meu objetivo tenha sido comprido. Espero que tenham achado a coragem por trás delas. Não ficou exatamente um romance, pois esse nem era o foco da música ahaha
Enfim, espero que tenham amado essa fic tanto quanto eu e que sejam tão fortes e corajosas como essa Rainha e sua nova companheira.
Ps: Tenho mais fics no site para quem quiser ahahah
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Ps: Tenho mais fics no site para quem quiser ahahah
COMENTÁRIOS: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI