Before
Era uma manhã chuvosa. Eu estava dirigindo por uma estrada velha sem rumo algum. Alguns buracos e a falta de nivelamento da estrada contribuíam para leves tombos dentro do carro. Afastar-me da cidade era meu objetivo. Assim que me livrei da velha estrada, adentrei em uma pista que só passava um carro por vez e me vi em meio a diferentes árvores. Parei o carro, desci e sentei-me embaixo de uma grande árvore com folhas amareladas devido ao outono. Não existia uma pessoa sequer naquele lugar e eu estava disposta a transformá-lo em meu cantinho secreto.
Tentando me concentrar no silêncio daquele local, pude ouvir uma melodia de violão se aproximando.
- Quem está aí? – Perguntei sem pensar que era uma pergunta inútil.
- Me desculpe, eu... Não quis assustar você. Pelo visto não sou o único que usa esse lugar como válvula de escape. Sou .
- . Na verdade, eu nem sabia da existência desse lugar, só dirigi pra longe, precisava me afastar da cidade com certa urgência.
- Problemas? – Ele perguntou enquanto sentava ao meu lado.
- Quem não tem? – Respondi dando um suspiro longo. – Meu irmão foi acusado por um crime que não cometeu. Minha vida está um caos.
- Não conheço o seu irmão, mas se você acredita nele, também acredito. – Ele disse com um sorriso no rosto.
Eu tinha acabado de conhecer o . Não sabia nada a respeito dele. Dizem que é bom conversar com um estranho. Me vi contando toda a história que envolvia o meu irmão e ele foi muito paciente e atencioso ao me ouvir. Ofereci uma carona para voltarmos à cidade e ele prontamente aceitou. A conversa não cessou por um minuto sequer e nem sabíamos o que era um silêncio constrangedor.
Everything
e eu estamos juntos há mais ou menos dois anos e meio e tudo estava indo muito bem. Depois que ele apareceu na minha vida muitas coisas ficaram mais simples, ele tinha um jeito muito especial de tornar tudo mais leve.
- Quais os planos pra hoje? – Eu disse enquanto bocejava levantando-me da cama.
- Eu não quero levantar da cama, ta bom pra você?
- Não me faça ir até você e te puxar pelos pés.
- Já levantei. – Ele disse colocando-se de pé. – Vou buscar as correspondências lá embaixo. Faz um café pra gente?
- Faço sim. Dá uma olhada se tem alguma correspondência específica pra mim. Se for contas, você paga. – Disse em deboche.
Ele desceu as escadas e foi em direção a portaria verificar aquela grande caixa de correios dividida em portinhas identificada apenas com números dos apartamentos. Enquanto ele não voltava eu fazia um belo café da manhã para nós. Pude ouvir a porta se fechar e ele surgiu na cozinha com uma expressão não muito agradável.
- Algo interessante? – Perguntei
- Nã-não... Só as contas de sempre. – Ele estava mentindo. Eu sabia disso.
- Você vai me contar o que está acontecendo ou teremos que discutir por isso?
- Não aconteceu nada. Vamos comer.
- Como quiser.
O silêncio tomou conta de todo o apartamento e ele não conseguia me olhar nos olhos. O que ele estava escondendo? Parecia preocupado. Ele decidiu ir pelo modo difícil então terei que descobrir por conta própria o que está havendo.
- Você pode ir ao mercado pra mim? – Disse, querendo tirá-lo de casa. – Estou um tanto indisposta.
- É claro, meu anjo. Do que você precisa? Tem uma lista?
- Tenho sim, está em cima da mesa da cozinha. Pode comprar essas coisas?
- Sem problemas. Vou de carro, tudo bem? – Assenti. – Te vejo mais tarde.
Assim que ele saiu comecei minha busca pelo apartamento. Olhei as correspondências que ele pegou naquela manhã, dei uma olhada na sala, cozinha e fui até o nosso quarto. Dei uma olhada nas gavetas e ali estava. Um envelope misterioso e já aberto. Uma carta de admissão. Desde quando ele estava concorrendo a uma vaga de violinista em uma orquestra em outra cidade? Ele toca violino lindamente. É maravilhoso ouvi-lo tocar, mas eu não sabia que pretendia ir pra longe. Fiquei esperando ele chegar sentada na cama tentando não mostrar nenhuma expressão. Ele não demorou a chegar e veio diretamente ao quarto.
- Princesa, cheg... – Ele congelou ao me ver com o papel na mão.
- Quando você ia me contar? Uma orquestra?
- Sempre foi o meu sonho.
- E quando eu ficaria sabendo desse sonho? Eu não faço parte dele?
- , não dificulte as coisas.
- , eu não quero dificultar nada, você poderia ter me dito, eu não quero te impedir, quero apoiar você.
- Você quer me apoiar? Aceitar a proposta significa que teremos que nos separar. ...
- Olha só, eu te amo demais pra ser egoísta a ponto de te impedir de correr atrás do teu sonho. Sei que é uma decisão incrivelmente difícil, mas siga o seu coração. – Eu tentava incentivá-lo mesmo sabendo que me custaria nosso relacionamento. – Você tem que aceitar!
Meus olhos estavam cheios de lágrimas. Mas eu precisava apoiá-lo.
Dias se passaram e, infelizmente, o momento da despedida chegou. Fui dirigindo até a estação de trem para deixá-lo lá e incentivar mais uma vez a seguir seu sonho. Eu ficaria ao lado dele mesmo que distante. Estava doendo vê-lo partir, mas iria doer muito mais fazê-lo ficar.
- Eu não quero uma despedida dramática. Não estou indo embora pra sempre. Estaremos ligados até a eternidade. – Ele dizia tentando parecer calmo.
- Eu amo você. – Eu sorria.
O trem dele chegou a estação e trocamos um beijo tranquilo que transmitia todos os sentimentos que tínhamos um pelo outro. Assim que ele virou de costas coloquei uma carta no bolso de sua bagagem de mão e ele virou-se novamente.
- Leia quando estiver no trem. Eu te amo. – Completei e me afastei.
Peguei aquela mesma estrada velha que levava àquele lugar que nos conhecemos. Sentei embaixo da árvore e suspirei. Deixei as lágrimas de saudade tomarem meu corpo enquanto minhas memórias do dia que escrevi a carta vieram a tona.
Fui dirigindo até aquele lugar que me transmitia tanta paz. Sentei embaixo de uma árvore qualquer e peguei papel e caneta em mãos e comecei a escrever.
“Foi assim que a história aconteceu
Eu conheci alguém acidentalmente
Alguém que me tirou o fôlego
Eu queria poder deitar ao seu lado
Quando o dia acabasse
E acordar com seu rosto virado para o sol da manhã
Te deixei na estação de trem
Te vi acenando
Depois fui para casa
Eu acordei sentindo o coração pesado
Eu voltarei para onde eu comecei
Aquela manhã chuvosa
E apesar de querer você aqui
Aquela mesma velha estrada que me trouxe aqui
Está me chamando para ir para casa”
Eu tirei todas as palavras do meu coração para escrever tudo o que sentia. Eu era grata por tê-lo comigo e mais grata ainda por vê-lo seguir seu sonho.
Não queria ir para casa e, provavelmente, não iria tão cedo. Aquelas lembranças eu iria levar comigo e muitas outras que aquele lugar me trazia.