- Papai. está no hospital. – a jovem disse amargurada, sentada desconfortavelmente no banco da praça. Nunca aquele banco fora tão frio e duro.
- A hora dele chegou, filha. Você sabe o que tem de fazer.
A moça balançou a cabeça negativamente, tentando afastar a ideia de ver partir. Não queria ir em frente com a tarefa que lhe fora incumbida. Por que agora, tão cedo? Por que não dali 60 anos, quando tivesse histórias para contar e serem contadas?
- Não, papai! Eu não quero fazer isso! Ele só tem 23 anos, tanto ainda que pode viver...
- ... – chamou o pai, em tom autoritário. – Você é uma ceifadora. É sua missão levar as almas que se propôs a vigiar. Ceifadores não falham em suas missões!
- E se eu for a primeira a falhar?
- Está louca, minha filha? – lançou-lhe o homem um olhar incrédulo. – Sei o quanto você gosta do rapaz, mas, , querida, seria capaz de abdicar a imortalidade e tornar-se igual a ele, um reles humano? Seria capaz de ficar a mercê das angústias e dores de um mortal?
- Não... Humanidade é suicídio, eu sei.
- Pois bem. Agora, faça o que tem de ser feito. E logo, sim?
se levantou e foi ao hospital fazer uma última visita a . Seria simples, apenas um toque da ceifadora desprenderia a alma do rapaz de seu corpo; e, então, seu belo par de olhos se fechariam para sempre.
E para sempre é muito tempo.
- Ei, campeão! – ela chamou ao entrar no quarto do hospital. – Lembrei de trazer suas jujubas.
O rapaz sorriu abertamente ao que balançava o saquinho de jujubas no ar.
- Sabia que você não me decepcionaria! Te devo uma, pequena.
- Como se sente?
se endireitou na cama, servindo-se de uma jujuba.
- Melhor do que você, eu diria. – disse sabiamente, parecia querer decifrar um enigma no olhar de . – Que cara é essa?
- A de sempre?!
- Como se eu não conhecesse sua cara de sempre. Você não me engana, . Parece preocupada.
- Você está numa cama de hospital, acho que eu tenho o direito de ficar preocupada, não?
deu de ombros, afastando o saquinho de jujubas. Elas haviam perdido o sabor.
- Me diz... – ele se voltou para a garota ao seu lado. – Você pensa no futuro?
- Às vezes. – mentiu.
- Um futuro feliz?
- Na maioria das vezes...
- E eu faço parte dele?
Fez-se silêncio. Pensar no futuro é um luxo que se dá de projetar o desfecho de sua história e como carimbar seu ponto final. Como pensar nele quando sua história não tem fim?
- Eu gostaria que fizesse. – segredou, cúmplice de sua eterna submissão.
Ah, o ser humano e sua finitude. Tão frágil, tão simples, tão invejável.
- Eu pensava muito no futuro. Tinha tantos planos... – confessou o rapaz indiferentemente, e aquelas palavras atingiram a garota com a força de um tiro no peito.
- E não pensa mais?
- Eu deveria?!
- Bom, é o que todo mundo faz.
- Ninguém está certo quando se trata de todo mundo.
refletiu, confusa. Talvez fosse coisa de humano, melhor seria não contestar.
“Ceifadores não falham em suas missões”, ecoava a voz enérgica do pai em sua cabeça. Tantas almas já levara, tantos laços já rompera, por que ali, naquela noite, tinha de ser tão difícil?
- Estou com medo, .
- Medo de quê?
- De não estar aqui amanhã.
Outro tiro invisível se alojara na pele da jovem. Afinal, o amanhã de dependia somente dela. não sabia dizer quantos amanhãs vazios ela estaria disposta a carregar nas costas.
E essa tênue linha entre o viver e o morrer, tão fácil de se transgredir e de se querer. Era isso, ela queria. Ela queria exterminar seu vínculo com o eterno, livrar-se de missões que só sabiam destruir os corações dos que aqui ficavam. Queria rebelião, liberdade, uma vida. Daquelas que você projeta o desfecho e carimba um ponto final. Daquelas do tipo “felizes para sempre”, ainda que o para sempre dure pouco.
E, mais que isso, ela queria que estivesse ali amanhã.
- Posso te contar um segredo? – pediu o rapaz.
- O que quiser.
- Eu meio que queria ficar com você, tipo, para sempre.
se desorientou por um instante com o impacto que a frase lhe causara.
- Para sempre me parece tempo demais! – respondeu por impulso.
- E isso seria problema?
Ela pensou por um momento. O “para sempre” humano não dura e não passa de um acúmulo de amanhãs; é eterno antes de jazer, infinito até o fim.
- De forma alguma, .
Naquela noite, escolheu a dor, o sofrimento, o pecado. Escolheu a imperfeição do finito. Escolheu também ouvir aquilo que rege os humanos com tanta sabedoria, um tal de coração. Naquela noite, falhou em sua missão.
Fim
Nota da autora:
Opa, voltei! Há MESES que não escrevo uma n/a, que saudade disso tudo!
Taí, minha primeira short (shortíssima, diga-se de passagem), uma história bem simples só pra ocupar aqueles 5 minutinhos de tédio. Na verdade, Ceifa-se um Coração é um conto que escrevi num dia de inspiração e coração mole - sempre tem aquele dia que você tá mais gay -, nem cogitei enviar para o site. Até que me deu uma vontade do além de compartilhar, devo estar em outro dos meus dias gays, haha! Reparem que não me preocupei com descrições nem explicações durante a narrativa, a intenção era escrever um conto curto mesmo, sem compromisso.
That's all, folks, comentem e façam a tia Jess feliz! (:
P.s.: lembrei dessa música enquanto adaptava o conto para fic, Listen To Your Heart - DHT. Vale a pena conferir, tem tudo a ver com a história e é linda para quem tem dias gays como eu!
Nota da beta-reader: OMG! Até que enfim a Jéssica decidiu colocar Ceifa-se Um Coração no FFOBS. Aleluia, irmãos!
Jess, você sabe que eu amo esse seu conto. Sabe que eu quase chorei quando eu o li, e que eu o achei MUITO fofo. E é uma honra e tanto betar tudo o que vem de você, porque você é uma das melhores escritoras que eu conheço... Você é #foda, amiga!
Qualquer erro, por favor me mandem um e-mail ou um tweet, não mandem para o site, ok? Obrigada! xx. Marii-Marii