Meu nome é Charlie, mas eu prefiro que me chamem de Char. Tenho 16 anos e sou o único filho de e , meus pais divorciados.
Antes de eu saber da história da minha vida, achava realmente estranho meus pais serem divorciados e se darem tão bem. Era uma coisa quase que fraternal, como se ele fosse melhor amigo dela ou algo do tipo.
Moro com a minha mãe, posso dizer com sinceridade que ela é a melhor mãe do mundo: tinha tudo pra me querer morto, mas não quer.
Eu nunca fui um filho exemplar, se é que me entendem.
Pra começar, quando eu tinha 13 anos, fugi de casa e voltei dois dias depois com um piercing no lábio inferior. Ela quase me matou, mas acho que foi só dessa vez que ela passou perto de me odiar. Também, ela já tinha botado até a polícia atrás de mim!
Outro motivo: eu fumo. Não posso fazer nada quanto a isso, aprendi com o meu pai. Querem mais um motivo? Eu levo garotas pra passarem a noite lá em casa e não faço a menor questão de esconder, apesar de ter uma namorada chamada Halley.
Agora que eu resumi pra vocês a vida que eu levava antes de tudo acontecer, vou contar a parte em que tudo realmente aconteceu.
Meu pai ia fazer um churrasco na casa dele, pra reunir os velhos membros da banda McFLY. Esse era outro problema na minha vida: meu pai é um cara internacionalmente famoso, e muita gente não para de puxar meu saco por causa disso. É uma merda!
Estávamos todos lá: tio , tio e a esposa, meu pai, tio e minha mãe. Eu tava me divertindo na piscina com tio , quando percebi que a minha mãe tava com uma expressão estranha no rosto.
Outro detalhe: eu conheço cada traço da minha mãe, então não adiantava ela me dizer que tava tudo bem, porque eu sabia que não estava.
- , tá tudo bem? – Ouvi meu pai perguntar pra ela, perto da churrasqueira.
- Se tem o no meio, nunca está bem, . – Respondeu ela.
Franzi a testa. Outra coisa que eu nunca tinha entendido era esse ódio gratuito da minha mãe pelo tio . Ele parecia ser um cara legal, sempre pareceu pra mim.
Ele ficava meio desconfortável na frente da minha mãe, como se tivesse sempre querendo falar alguma coisa.
Não gostava disso, ficava na cara que ele tava afim dela e eu sou um filho BEM ciumento.
Conclusão: tomei um pouco de antipatia do cara, mas ainda achava ele maneiro.
Foi quando ele levantou da cadeira e chegou perto da minha mãe. Ela tinha o rosto lívido, indiferente.
- Posso falar com você, ? – Ele perguntou, olhando para baixo.
- O que você quer? – Perguntou ela rispidamente.
- Conversar contigo lá dentro. – Respondeu ele.
- Não há nada nesse mundo que eu queira ouvir de você, . – Respondeu a minha mãe. Um a zero pra ela!
- Por favor. – Ele pediu encarando-a.
Ela assentiu, revirando os olhos. Os dois caminharam até a casa e entraram, e a essa altura eu já estava fora da piscina e completamente entretido na situação dos dois.
Sei que fuxicar não é legal e pá, mas eu sou filho, porra! Andei até lá devagar e encostei meu ouvido na porta.
Tio parecia meio desesperado.
- Eu só quero contar a ele, ! – Ele disse.
- Como você quer contar a um garoto de 16 anos que não foi homem o suficiente pra assumi-lo e o seu melhor amigo foi quem teve de fazer isso? – Perguntou a minha mãe, alterada.
- Eu me arrependi faz tempo, você não me deixou contar! – Defendeu-se tio .
- Contar ao Charlie que você é o pai dele e não o ? Agora que ele começou a tomar jeito na vida, você quer que ele vire um revoltado? – Minha mãe chorava.
Eu entrei em uma espécie de coma momentâneo: eu era filho do tio ? Que palhaçada era aquela?
- Se você não contar, eu conto. – Disse tio .
Não consegui mais ouvir, não queria mais ouvir: precisava desesperadamente de um cigarro.
Sem pensar nos meus atos e no ponto alto da raiva, chutei a porta e saí de lá correndo.
Meu pai tentou me parar quando eu passei pela churrasqueira, mas eu não parei pra ouvir nenhum babaca que quisesse que dizer qualquer droga naquela hora.
- CHAR! – A voz da minha mãe vinha lá de trás, então apertei o passo, saí pelo portão e entrei no carro do meu pai.
Sorte que ele, por alguma idiotice qualquer, sempre deixa a chave no carro.
Dirigi o mais rápido que aquele carro me permitiu (isso é bastante coisa) por uma estrada deserta qualquer no interior da cidade.
Meus dedos estavam duros, eu estava chorando de raiva.
"Como puderam me esconder isso todo esse tempo?", era tudo que se passava pela minha cabeça.
O celular tocou: Halley.
- Oi Halley. – Atendi secamente.
- Char, onde você tá? – Ela me perguntou com voz de choro. – Você não dá notícia de vida há dias e eu to preocupada!
Senti-me culpado.
- Eu to bem. Passo aí amanhã. – Disse eu. Não queria falar com ninguém naquela hora, precisava de um tempo sozinho.
- Então tá. Cuidado! – Disse ela. – Eu te amo!
- Também amo você, ruivinha. – Eu disse, desligando o celular.
Quando olhei pra frente, vi que havia chegado à praia. Estacionei e saltei.
Não havia sinal de vida ali: exatamente o que eu queria. O sol já começava a se pôr, sentei na areia e fiquei ali pensando. Acendi um cigarro.
Depois de um tempo me senti mal por ter saído de casa sem falar com a minha mãe: peguei o celular e tentei ligar pra ela. Sem sinal.
Deitei na areia e pensei no tio . Que raiva que eu senti daquele babaca!
Era como se eu pudesse ver a minha mãe gritando em um show deles, apoiando-os bem no começo, como ela me disse que sempre apoiou meu pai (ou pelo menos, quem eu pensava que era meu pai). De repente, ela vem com a notícia de que estava grávida, e o não tem peito suficiente pra assumir a merda que fez.
Pensei no desespero dela. Senti ânsia de vômito.
Depois pensei no meu pai: ele sim era homem de verdade. Assumiu o filho do melhor amigo, só pra que a minha mãe não ficasse sozinha metida em uma confusão dessas.
Então a situação virou e eu senti nojo da minha mãe, pela primeira vez na vida: primeiro pela parte da conversa que eu escutei, quando o disse que queria ter me contado antes e ela não deixou. Segundo por ela ter aceitado a proposta do meu pai em me assumir, coisa que ela não devia ter feito. Imagina os meus avós quando o meu pai disse que ia ter um filho?
O verdadeiro herói nessa história era o meu pai, sem dúvida.
Talvez e devessem explodir, assim só eu e meu pai ficávamos no mundo.
Envolvido nesses pensamentos, não percebi que a noite começava a cair.
Decidi então pegar o carro e ir ver a Halley, a única pessoa com quem eu podia realmente contar nessa vida.
Me senti mal com esse pensamento também, visto que eu chifrava ela pelo menos uma vez no mês. Ela era a garota perfeita, o que eu tinha na cabeça?
Entrei no carro com um destino certo em mente: a casa dela.
Tinha certeza que ela me abraçaria quando eu contasse tudo, diria que me amava e então ficaria tudo bem.
Mas não foi bem assim que tudo aconteceu.
- Você o quê? – Perguntei eu, com a voz seca.
Estávamos na sala do apartamento dela, não tinha ninguém em casa.
Ela chorava compulsivamente.
- Se for verdade, como eu vou dizer isso aos meus pais, Char? – Perguntou-me ela, desesperada.
Eu fechei os olhos: que merda. E eu que tinha criticado o a tarde inteira por ter engravidado uma garota!
- Eu não sei o que você vai fazer, Halley. – Disse eu, sincero.
Ela percebeu o meu sutil "você", e encarou-me com aqueles olhos castanhos que eu tanto amo.
- Então você não vai me ajudar? – Perguntou ela.
Eu refleti. Não era tão fácil quanto eu pensei que fosse!
Silêncio.
- Sai daqui, Charlie. – Ela disse, tapando o rosto com as mãos.
O cabelo ruivo dela estava caído sobre o rosto, mas eu ainda podia ver que ela chorava.
- Halley, eu...
- SÁI, CHARLIE!
Achei melhor não falar mais nada. Eu precisava do meu pai.
Capítulo 2.
Cheguei em casa, abri a porta e me deparei com uma cena péssima: minha mãe de pijamas, dormindo na poltrona, com o rosto vermelho e olheiras enormes.
Cheguei perto: sim, ela havia chorado. Muito, por sinal.
Não quis acordá-la porque não estava mais com vontade de discutir nada naquele dia: peguei um cobertor no armário e joguei por cima dela, entrei em um banho demorado e fui dormir.
Acordei no dia seguinte, torcendo para que tudo houvesse sido um pesadelo terrível. Fui ao banheiro, escovei os dentes e troquei de roupa, tentando me convencer de que a minha realidade era outra.
Mas minha esperança durou pouco: entrei na sala e lá estavam os três me esperando: minha mãe, meu pai e .
- Charlie... Nós quatro temos que conversar. – Minha mãe disse.
- To com muita coisa na cabeça pra me preocupar com um bando de mentirosos! – Disse eu. – Pai, posso falar com você?
Inexplicavelmente, tio teve a cara de pau de levantar os olhos pra mim.
- Não estou falando com você. – Disse eu, secamente.
A expressão dele tornou-se triste, e ele baixou os olhos.
Foi então que eu me senti o maior idiota da terra por nunca ter percebido que ele era meu pai biológico: sou realmente parecido com ele, principalmente os olhos.
- O que foi, filho? – Perguntou meu pai.
- Minha namorada tá grávida. – Eu disse, sem encarar ninguém.
Minha mãe começou a soluçar. Silêncio.
- O que você vai fazer? – Perguntou .
Encarei-o.
- Não sei, esperava um conselho. Mas você é a última pessoa da terra a quem eu vou pedir um, principalmente sobre essa situação. – Disse eu.
Minha mãe começou a chorar mais.
Então olhei pra ela e vi como ela sofria com aquilo tudo. Isso me matava por dentro: minha mãe era a mulher mais linda e mais carinhosa que eu já havia conhecido na vida, e acho que no fim das contas ela não merecia tudo isso.
Fui até ela e a abracei. Ela me apertou forte, e eu enterrei meu rosto no pescoço dela e chorei como uma criança.
Chorei por ter estragado a vida dela quando ela era mais nova, chorei por continuar estragando tudo depois que nasci, chorei por estar estragando tudo naquele momento.
O perfume da minha mãe me acalma.
- Posso falar com você? – Perguntou dirigindo-se a mim.
Ele olhava pra minha mãe de uma forma estranha: como se, do modo dele, ele a amasse mais que qualquer coisa nessa vida.
Aquilo me deixou nervoso.
Minha mãe e meu pai saíram da sala, me dando um momento com meu pai biológico.
Houve um pequeno silêncio.
- Acho que você tem que assumir o seu filho. – Disse ele, olhando para mim.
- Por que você não segue seus próprios conselhos? – Perguntei eu.
- ME DESCULPA, TÁ LEGAL? EU ERA NOVO, QUERIA APROVEITAR A VIDA! – Ele deixou algumas lágrimas caírem e tapou o rosto com as mãos.
- EU TAMBÉM SOU NOVO E QUERO APROVEITAR A MINHA! – Eu gritei de volta.
- SÓ NÃO QUERO VER VOCÊ PERDER O AMOR DO SEU FILHO E DA MULHER DA SUA VIDA, COMO EU! – Ele gritou de volta.
Eu não tive resposta pra isso.
Preferi sair pela porta da sala e entrar pro meu quarto, ignorando completamente meu pai biológico sentado na sala, sozinho.
Bati a porta. Girava o piercing no lábio inferior com toda a violência. Estava nervoso.
Precisava sair dali. Precisava de um lugar... E eu sabia exatamente onde.
Capítulo 3.
Não sei por quanto tempo minha mãe ficou batendo na porta do meu quarto. Não sei por quanto tempo meu pai ficou lá, ao lado dela. Não sei por quanto tempo ficou na minha casa.
Honestamente? Eu não fazia a mínima questão de saber.
Passei o dia lá trancado, até olhar pela janela e ver que já estava escurecendo.
Eu não queria falar com ninguém, e acho que ninguém pode me culpar por isso. Raiva desse tipo acontece quando se descobre que a sua vida foi uma total mentira até o momento e que sua namorada está grávida.
Peguei um casaco vermelho da GAP, calcei meu all star preto e velho e saí do quarto.
Entrei pela sala escura. Meus olhos vasculharam a procura de alguém, mas não havia ninguém ali. Perfeito.
Mirei o sofá e a imagem de sentado com aquele olhar perdido me veio à mente.
Balancei a cabeça de leve para espantar os pensamentos.
Entrei na cozinha, minha mãe estava sentada na mesa. Estava com olheiras profundas e bebericava levemente uma xícara de chá.
Seu olhar era pensativo. Levantou os olhos em minha direção, com o rosto inexpressivo.
- Eu vou sair. – Disse eu, sem encará-la.
- Pra onde? – Perguntou ela, levantando os olhos para mim significativamente.
- Quero passar alguns dias na casa do Mark. – Respondi eu, dessa vez olhando-a, apreensivo.
Rápida apresentação: Mark é o meu melhor amigo (ou o meu único amigo de verdade, como você quiser).
Nos conhecemos desde pequenos, ele é filho do tio com a ex esposa.
Mark tem 18 anos e mora sozinho em um apartamento, no centro de Londres. Gosto de ir pra lá quando estou puto com alguma coisa.
- O Mark sabe disso? – Perguntou minha mãe.
Franzi o cenho.
- Desde quando eu preciso avisar que vou à casa dele? – Rebati eu. Senti cheiro de briga vindo.
- Desde o momento em que você usa a casa dele de refúgio pra fugir das suas responsabilidades! - Disse minha mãe, elevando um pouco a voz.
- Quer saber? Eu vou, estou saindo! – Eu já estava até com o dinheiro no bolso pra pegar um ônibus.
- Charlie , você NÃO VAI sair por essa porta! – Minha mãe exclamou.
- Por falar nisso, ... Temos que trocar meu sobrenome! – Disse eu, sarcástico, saindo e batendo a porta.
Minha mãe me disse depois que chorou a noite toda.
Só mais um pesinho na minha consciência limpa.
Entrei no ônibus e subi direto para o segundo andar: estava mais vazio, calmo, e dava espaço para algum tipo de pensamento.
Algumas gotas de chuva começaram a cair lá fora e a molhar o vidro.
Lá de cima, eu vi um casal brincando na chuva, em uma praça. Pareciam não se importar com o frio ou com a pouca iluminação daquela parte da rua.
Pensei na Halley.
O ônibus acelerou. Encostei a cabeça no banco e tentei cochilar um pouco, sem sucesso.
Como eu queria chegar logo à casa de Mark.
Entrei na portaria, nem precisei dar meu nome. Fui direto para o elevador. Apertei o quarto botão.
Algumas gotas de água caíam das pontas do meu cabelo, os ombros do meu casaco também estavam úmidos por causa da chuva.
Meus cigarros estavam molhados. Ótimo.
Cheguei ao andar e bati na porta.
Não demorou muito e Mark abriu sorridente.
- Char! Entra cara! – Disse ele, abrindo passagem. Por um momento eu havia levado um susto pensando que era o tio . Eles se parecem muito.
- Tá sozinho? – Perguntei eu, passando.
- To sim. Eu ia te chamar pra sairmos um pouco hoje à noite, você chamava a Halley e eu arranjava uma na hora... – Disse ele, rindo.
Abaixei a cabeça. Mark percebeu.
- O que foi Char? – Perguntou ele, franzindo o cenho.
Olhei para Mark.
- Não sei nem por onde começar. – Disse eu, dando de ombros.
- Pessoas normais começam do começo, babaca. – Disse ele me fazendo rir.
- Você diz isso porque não sabe tudo o que aconteceu, viadinho.
Mark sorriu.
- Conta logo, ! – Disse ele.
Sentamos no sofá da sala e eu contei.
A cada frase minha, Mark parecia mais surpreso (principalmente na parte que eu disse que a Halley estava grávida).
Quando eu terminei, ficamos um tempo em silêncio.
- Porra. – Foi tudo o que ele conseguiu dizer.
- Pois é. – Eu respondi, com o olhar perdido.
- Sua mãe deve estar passando um aperto com você... – Comentou Mark, triste.
Lancei a ele meu melhor olhar de ódio.
- EU estou passando por um aperto, concorda? – Perguntei, sarcástico.
- Eu sei, Char... Mas você já pensou em como sua mãe deve estar? Digo, o filho descobre que ela escondia quem é o verdadeiro pai, e algumas horas depois o mesmo filho diz que a namorada tá grávida! – Exclamou ele.
Não tinha jeito mesmo. Mark sempre adorou a minha mãe, isso nunca ia mudar.
Ela também adorava ele, acho que é o filho que ela queria ter tido, de certa forma. Ou isso, ou é apenas a luz vermelha do ciúme me atormentando de novo.
- Eu sei, Mark. Por que você acha que eu tô aqui na sua casa?
- Sei lá, cara. Você nunca precisou de desculpas pra vir pra cá antes. – Disse ele, sorrindo.
Eu comecei a rir.
- Ainda quer sair? – Perguntei.
- Vamos sim. Você precisa espairecer. – Disse ele. – Mas depois vamos conversar sobre tudo, você precisa ouvir um sermão de alguém mais velho, mesmo que não queira.
- Vai dar uma de pai agora? Obrigado, já tenho dois. – Disse eu, amargurado.
- Você não ouviu o que a sua família tinha pra te dizer, mas a mim você vai ouvir. Eu devo isso à sua mãe. – Disse ele, sério. – Agora vamos logo, o pub nos espera.
E fomos.
Capítulo 4.
Chegamos a um pub no centro da cidade, perto do apartamento do Mark. Estava com luzes vermelhas por toda parte, uma coisa meio tropical.
Logo de cara, vi que tinha bastante garota ali. Ótimo.
Eu sei, eu era realmente hipócrita nessa época: minha namorada com uma suspeita de gravidez e eu correndo atrás de qualquer rabo de saia. Mas eu peço que não me julguem, por favor. Eu era um cara desesperado.
E acreditem ou não, eu amava a Halley. Do meu jeito.
- Quero uma vodka. – Disse eu, chegando perto do balcão.
- Nossa, já vai começar com uma das piores? – Perguntou Mark, rindo.
- Tem que ser assim.
Tomei uma garrafa sozinho e dividi uma com Mark.
- Chega Char. Não quero sua mãe brava comigo. – Disse ele, tirando a bebida da minha mão.
- Acho que se você pudesse, casava com ela. – Eu ri debilmente. A bebida surtia efeito, eu podia sentir o álcool correndo pelas minhas veias.
- Com certeza. Sua mãe é perfeita. – Disse Mark, rindo. – Na verdade, eu queria que ela fosse minha mãe também.
Olhei pra ele. Verdade seja dita: a mãe do Mark nunca foi muito presente na vida dele.
Quando eu nasci, ele já tinha dois anos, e era mais grudado com a minha mãe do que com qualquer outra pessoa.
Ficava perto dela o tempo todo, até mesmo quando ela me fazia dormir. Acho que foi por isso que ele não ligou quando os pais dele se separaram, quatro anos depois do meu nascimento.
Ele não considerava a casa uma família de qualquer forma.
Acho que é por isso que somos tão ligados.
- Eu queria poder ser o filho que ela merece. – Disse eu. – Ou talvez eu seja uma espécie de castigo pela mentira dela.
Ele negou com a cabeça e revirou os olhos.
Ficamos mais um tempo no pub, ele beijou uma garota lá e depois fomos embora.
Enquanto eu estava longe, o apareceu lá em casa. Eu sei disso porque a minha mãe me contou depois.
Ela disse que foi mais ou menos assim...
Minha mãe andava pra lá e pra cá na sala, ligando pro Mark. Obviamente ele não atendeu, nem ouvimos o celular tocar com a música alta do pub. Acho que foi melhor assim, se ela ouvisse a música ia começar a fazer perguntas demais.
Foi quando alguém bateu na porta.
Minha mãe estava de roupão. Foi até lá e abriu, pensou que fosse meu pai ou alguém com notícias sobre a Halley.
Bom, era meu pai, de certa forma.
- ? – Ela perguntou, erguendo as sobrancelhas, surpresa.
- Oi . – Respondeu ele, sorrindo fraco. Também estava molhado por causa da chuva, e algo me diz que estava realmente parecendo comigo quando cheguei à casa de Mark.
- Posso entrar?
Minha mãe abriu passagem, olhando para o chão. Eu tenho certeza que ele reparou que ela estava de roupão, mas não falou nada por respeito. Ou porque ele tinha medo que eu partisse a cara dele, sei lá.
- O que te traz aqui? – Perguntou minha mãe.
- Eu preciso conversar direito com você, . – Respondeu .
Olha a hora da noite que o cara quer "conversar".
- O que foi, ? – Minha mãe perguntou, cruzando os braços.
Ele encolheu os ombros e olhou pra ela, triste.
- Acho que não é hora de sermos rudes um com o outro. O nosso filho tá passando por um momento difícil, e temos que ajudá-lo. – Disse ele.
- O que você acha que tem de tão útil para ensinar? Pode deixar que o cuida disso, ele é o pai aqui. – Disse ela.
Ponto pra minha mãe, de novo.
- Eu quero ser parte da vida dele. Me dá uma chance, . – disse.
Minha mãe olhou pra ele. Silêncio.
- Quer um chá? – Perguntou ela.
- Não quero dar trabalho.
- Eu vou fazer pra mim, faço pra você também. Já devo ter tomado uns três chás pra me acalmar só hoje.
Depois que minha mãe fez o chá, eles sentaram e conversaram no sofá.
- Ele parece demais com você. – Disse ela, encarando as próprias mãos que jaziam sobre as pernas.
- Mas o gênio dele é seu. Teimoso e orgulhoso. – Disse , sorrindo.
- Ele tem mais gênio seu do que você pensa. – Disse minha mãe.
- É. O caráter e as burradas que ele faz com certeza são meus. – Disse , pensativo.
Se eu ouvisse isso, cabeças iam rolar (mesmo sabendo que é a verdade).
- Você não é uma pessoa ruim, . E nem ele. – Disse a minha mãe. Ela pôs a mão sobre a dele e sorriu.
Mesmo não tendo visto, eu sei que nessa hora ela estava com pena. Afinal, não foi só culpa dele, ela também quis esconder isso tudo.
Enquanto eles estavam lá dentro no apartamento, meu pai () me disse que apareceu lá fora e estava prestes a bater na porta.
Foi quando ouviu os dois conversando. Sorriu.
"Esses dois..." pensou ele.
Decidiu que voltava depois. Minha mãe já havia ligado pra dizer que eu estava na casa do Mark, ele só apareceu pra fazer companhia a ela. Só que a companhia já estava lá.
Bom, voltemos ao interior da minha casa...
- , faz tempo que eu quero te pedir desculpa. – Disse , apertando a mão dela. – Por tudo.
Minha mãe sorriu.
- Está perdoado, . Precisamos ser amigos agora, pra ajudar o Charlie.
Ele sorriu fraco. Não queria ser só amigo dela, mas era melhor isso do que nada.
- Bom, eu já vou indo... – Disse ele, levantando-se.
- Qualquer coisa eu entro em contato com você. – Disse a minha mãe.
Olharam-se. sorriu fraco, observando os traços dela.
Foi então que a minha mãe fez uma coisa que nunca faria em sã consciência: abraçou-o. Com força.
Deixou algumas lágrimas caírem no casaco dele.
- Que bom que você está comigo dessa vez. – Disse ela.
Ele fechou os olhos, sentindo o perfume do cabelo dela.
- Estou sim. E dessa vez, eu não vou te deixar sozinha.
E não ia mesmo.
Despediram-se na porta, sorrindo tímidos um para o outro.
Algo me diz que minha mãe dormiu sorrindo naquela noite.
Capítulo 5.
Não agüentava mais ouvir. Mark não havia percebido que eu já tinha entendido?
- Eu já sei disso tudo, Mark!
- Mas não parece, Char! Vai atrás da Halley e pede desculpas, ela precisa de você cara! – Mark parecia frustrado.
Acordamos tarde naquela manhã, por causa da noite anterior. Ele fez um café e disse que precisávamos conversar.
E lá estávamos nós, conversando.
- Eu não vou deixá-la sozinha com o meu filho, Mark. Eu nunca disse que deixaria! Eu só... Não estou preparado pra dizer isso agora. – Disse eu.
O que eu tinha na cabeça naquela época?
- Acho melhor você se preparar então. Duvido que uma garota de 16 anos esteja preparada para modificar o corpo, a mente, encarar os pais e dar a luz em nove meses, sozinha. – Disse ele.
Eu baixei os olhos. Será que eu poderia fazer com meu filho o mesmo que fizeram comigo?
- Eu vou atrás dela. Hoje. – Disse eu, decidido.
- Ótimo. Se precisar de qualquer coisa, chama.
- Obrigado, Mark. Mas acho que isso eu tenho que fazer sozinho.
Senti um embrulho no estômago quando cheguei em casa naquele dia.
Inicialmente, quando abri a porta, o silêncio me deu um golpe inesperado. Minha casa NUNCA era silenciosa.
Entrei pela cozinha, passei pela sala e caminhei pelo corredor. Bati de leve na porta do quarto da minha mãe. Nada.
Girei a maçaneta e abri a porta: minha mãe estava dormindo.
Fui até lá e sentei-me na cama, ao lado dela. Passei a mão de leve em seu rosto, e ela sorriu.
Sorri instantaneamente.
Ela foi abrindo os olhos. Fez uma cara de assustada e se afastou com certa rapidez.
Fiquei parado, sem reação. Ela passou a mão na testa.
- Que susto, Charlie! Pensei que fosse... Outra pessoa.
Ela fechou os olhos e respirou fundo. Estava pálida.
No futuro, ela me contaria que pensou que eu fosse o neste momento.
Legal, ainda bem que ela teve senso e não disse isso naquela hora.
- Só queria avisar que to em casa, mãe. – Disse eu.
Ela aproximou-se de mim e segurou meu rosto entre as mãos.
- Eu queria brigar com você, mas eu não vou. Acho que você já está sofrendo demais as conseqüências do que está acontecendo. – Disse ela.
- Sobre o ou sobre a Halley? – Perguntei eu, amargurado.
- Não é hora de se fazer de coitado, Char. Não foi isso que eu te ensinei. – Ela mirou-me com "o olhar".
"O olhar" é uma coisa que eu não gosto muito de receber: indica pura decepção. Eu preferia que ela me batesse, quem sabe.
- Eu vou atrás dela hoje, mãe. Eu não vou deixar as coisas assim. – Disse eu.
Minha mãe sorriu.
- Antes de ir, liga pro . Seu pai estava preocupado ontem, mas eu disse que você estava na casa do Mark.
Eu acenti, e já estava levantando-me quando ela pôs a mão sobre o meu braço. Virei-me.
- Só tem mais uma coisa, Char... – disse ela. – Você tem que conversar com o . Ele veio aqui ontem, também está preocupado com você... Ele é seu pai, você querendo ou não.
- Tá na minha lista de coisas a fazer também, . – Disse eu, rindo.
Minha mãe sorriu.
- Eu te amo, Char. Me desculpa se eu mostrei isso da forma errada. Eu só queria proteger você.
Abracei-a.
- Eu também te amo, mãe. Desculpa se nem sempre eu sou o filho que deveria ser.
Sorrimos.
Então eu me levantei. O dia seria longo e eu tinha muitas coisas a fazer.
Pra começar, liguei pro meu pai.
- Pai? Te acordei? – Perguntei eu, ouvindo a voz rouca dele do outro lado da linha.
- Char? – Na mesma hora, a voz modificou-se de rouca e inconsciente para um tom preocupado. – Tá tudo bem com você, filho?
- Tá sim.
Silêncio.
- Já pensou no que vai fazer? – Perguntou meu pai.
- Tenho uma lista mentalizada.
- Quais são os itens? – Perguntou ele.
- Item um, ligar pra você, o que eu já estou fazendo. Item dois, procurar a minha namorada e dizer que sinto muito. Item três... Conversar com o .
- Que bom, Charlie. Vai te fazer muito bem.
Ficamos mais um tempo conversando, e desligamos. Eu iria para a casa dele mais tarde, depois de conversar com a Halley.
Se eu pudesse ver o futuro naquele momento, saberia que não falaria com a minha namorada naquele dia. Ou no seguinte. Ou no outro.
Ou durante um mês inteiro.
Saberia também que quem me ajudaria nesse momento seria justamente a pessoa que eu menos esperava: .
Capítulo 6.
Meus dedos tremiam. Minha cabeça girava. Eu estava suando frio.
Estendi o braço e toquei a campainha do apartamento da minha namorada.
Não demorou muito, a mãe dela apareceu na porta, com os olhos inchados e a expressão vazia.
- Oi Martha. – Eu cumprimentei, sem conseguir sorrir. – Posso falar com a Halley?
Martha encarou-me.
- Ela... Não está em casa, Char. Não quer entrar pra conversarmos melhor?
Por um momento, eu hesitei. Encontrar o pai dela na sala não era exatamente o que eu tinha em mente.
Em seguida, um pensamento me ocorreu: Se eu morresse, era menos um babaca no mundo. Além do mais, conversar era a única chance que eu tinha de saber o que tinha acontecido com a Halley, que aparentemente não estava em casa.
Fiz que sim com a cabeça e Martha abriu caminho para mim.
Ela me conduziu até o interior da casa bem arrumada, e então nos sentamos no sofá da sala.
- Charlie, a Halley me contou tudo. – Disse ela, olhando para as mãos que tremiam levemente.
Fiquei em choque. O que eu poderia dizer para a mãe da garota que eu engravidei?
- Eu preciso conversar com ela, Martha. Preciso mesmo.
- Receio que isso não vá acontecer nem tão cedo. Como eu já disse, a Halley não está em casa, e não tem previsão para voltar. – Disse ela, mexendo nervosamente nos cabelos, ruivos como os da filha.
- Pra onde ela foi? – Perguntei eu, sentindo minha garganta fechar.
- Ela foi para a França, passar um tempo na casa da tia. Embarcou ontem mesmo. – Respondeu-me Martha.
Fiquei nervoso. Eu realmente amava a Halley, não queria que ela passasse por tudo sozinha.
- Eu quero assumir o meu filho, Martha. Eu não sei se estou pronto, mas eu quero ter a chance de tentar. – Disse eu, mirando-a.
Ela olhou para os lados, aflita.
- Não ouse falar de filho nem de gravidez nesta casa! – Ela sussurrou, com os olhos suplicantes. – O George ainda não sabe, eu ajudei-a a ir embora para poupá-la de uma briga horrorosa com o pai!
Agora tudo fazia sentido: a Halley fugiu do pai.
- Por quanto tempo vocês acham que vão conseguir esconder essa mentira? Essa não é a solução! – Disse eu.
- Não venha me repreender, Charlie! Você é o último que pode vir me dizer como eu devo agir com a minha própria filha. O grande problema aqui foi o que você fez! – Ela parecia com raiva.
- Não fiz nada sozinho. – Eu disse, tentando manter a calma.
- Não estou falando dessa parte... Estou falando sobre depois! Você não quis ajudá-la quando ela pediu, então ela se desesperou! – Disse Martha.
- Mas agora eu quero! Liga e pede pra ela voltar, Martha! – Eu praticamente implorei.
- Não posso. Ela tem que se sentir preparada para encarar o pai. Até isso acontecer, temos que esperar. – Disse ela.
- Você pode ao menos me dar o número da casa onde ela está? – Perguntei eu.
- Ela pediu pra que eu não fizesse isso. A Halley quer um tempo sozinha, Charlie. Dê a ela o tempo que precisa.
Vi que não tinha jeito.
- As aulas começam daqui a uma semana... Acha que ela volta antes disso? – Perguntei eu, preocupado.
- Acho que não. – Ela foi curta e fria.
Eu abaixei a cabeça. Não tínhamos mais nada para conversar, então Martha me levou até a porta.
- Martha... Desculpa. – Eu fui sincero.
- Vai ficar tudo bem, Charlie. Só não espere a mesma compreensão por parte do George. – Ela me lançou um sorriso triste.
- Me deixe saber de qualquer coisa, ok? – Perguntei eu.
- Vou tentar. – Respondeu ela.
Em seguida, acenou com a cabeça e fechou a porta. Eu tenho certeza de que vi uma lágrima escorrendo antes da fresta se fechar completamente.
- Como foi lá, filho? – Meu pai perguntou assim que eu entrei na casa dele.
Fechei a porta e o encarei.
- Foi uma merda, pai.
Meus olhos se embaçaram de novo.
- O que foi, Char? – Ele levantou-se da poltrona.
Então eu soltei tudo, ali mesmo. Disse tudo o que a Martha havia me dito. Houve um silêncio.
- Você vai ter que ter calma agora. – Disse ele. – Anda, não adianta ficar assim.
- Você quer que eu fique como, pai? – Perguntei eu, frustrado. – Eu fiz com ela o que o fez com a minha mãe! A MESMA COISA!
- Calma, Charlie... – Meu pai me abraçou.
- Deve estar no sangue ser um covarde. – Disse eu, com a voz embargada.
- Não tem nada haver com sangue, filho. É normal sentir medo.
- Você não recuou por causa de medo, e nem foi você quem fez nada. – Eu disse baixo.
- Mas você correu atrás das responsabilidades, como eu te ensinei a fazer. Ela precisa de um tempo também!
Concordei em silêncio.
- Agora vai tomar um banho, moleque. Eu vou pedir uma pizza pra gente comer. – Disse meu pai, piscando.
Sorri.
- Só você, .
Capítulo 7.
Passei aquela noite na casa do meu pai, como havia combinado. Liguei pra minha mãe pra avisar, antes que ela morresse ou algo do tipo.
No dia seguinte, voltei pra casa com uma coisa na cabeça: falar com o tio .
Minha mãe me deu o número e sorriu, encorajando-me. Liguei.
- Alô? – A voz dele atendeu.
- Oi . Sou eu, Charlie.
- Oi Char! Então... Como estão correndo as coisas? – Perguntou ele, surpreso por ser eu no telefone e preocupado com a minha situação.
- Não muito bem.
Silêncio.
- Eu quero falar com você. – Disse ele.
- Eu também. – Respondi. – Tô em casa agora, se você puder aparecer aqui...
- Vou tomar um banho e te pego, a gente sai pra almoçar. Tenho muita coisa pra te dizer, Charlie. – Disse ele, visivelmente nervoso.
- Ok. – Respondi eu.
Desligamos.
- E então? – Perguntou minha mãe.
- Tudo certo, . – Disse eu, sorrindo. – Ele vai me pegar pra almoçar daqui a pouco.
- Então vai se arrumar, querido. – Minha mãe beijou a minha testa.
Não demorou muito e a campainha tocou. Minha mãe foi abrir a porta, enquanto eu continuava sentado no sofá, perdido em pensamentos.
- Oi . – Disse ela, sorrindo ao atender.
- Oi . – Ele respondeu, mirando-a e sorrindo.
- Charlie, o chegou! – Ela virou-se e me chamou. Como se eu não soubesse, certo? Relevei, ela parecia nervosa.
- Tô aqui. – Disse eu, aproximando-me.
- Então... Bom almoço pra vocês! – Disse ela, sem tirar os olhos dele nem por meio segundo.
- Se eu puder sair pela porta, tenho certeza de que o almoço vai ser bom. – Disse eu, visto que ela continuava no caminho.
Eu não podia perder essa chance de implicar com ela.
Minha mãe lançou-me um olhar mortal, vermelha.
- Tão educado! – Disse ela, abrindo passagem.
riu. No fundo, gostava de ver que a deixava desconcertada.
- Oi Char. – Disse ele, sorrindo.
- Oi . – Respondi eu, tentando sorrir. Acho que não obtive muito sucesso nessa parte.
- Tchau pra vocês dois... – Disse minha mãe. Nós acenamos com a cabeça e ela fechou a porta.
Entrei no carro do , no banco da frente.
- Belo carro. – Disse eu, sorrindo. Era realmente um carrão.
Ele entrou pelo outro lado.
- Eu tenho bom gosto. – Disse , sorrindo e girando a chave.
Ligamos o rádio e ficamos ouvindo uma música qualquer até chegar ao restaurante.
Nenhum de nós queria quebrar aquele silêncio.
Só quando sentamos e fizemos os pedidos, foi que ele começou a falar.
- Charlie, eu acho que tenho muito que explicar.
- Tem mesmo. – Disse eu, encarando-o.
- Pra começar, quero te pedir desculpas. Se eu pudesse voltar atrás, eu jamais teria hesitado quando a sua mãe me deu a notícia de que estava grávida.
Prestei bastante atenção naquela parte, pois de certa forma, era algo que eu precisava ouvir por causa da Halley.
Fiquei em silêncio, deixando-o continuar.
- Sua mãe era maravilhosa... Digo, ela é maravilhosa. Enfrentou muita coisa. Mas eu não quero que você pense que eu a deixei e continuei a vida feliz e contente. ficou um bom tempo sem falar comigo, e quando ele viu que eu não ia fazer nada, assumiu você. Eu não conseguia parar de pensar na e me culpar por tudo isso. Foi um escândalo na época, a banda estava no auge, e foi o que levou a culpa por tudo. Tínhamos 19 anos na época.
Ele respirou fundo. Continuou.
- Tempos depois, quando a banda terminou, cada um de nós seguiu um rumo na vida. casou e teve o Mark, mas o relacionamento dele não durou muito. virou empresário de bandas, e casou também. seguiu em frente e assumiu os negócios do pai. Foi quando eu parei pra pensar: eu não cresci em nada, continuei sendo o mesmo garoto inconseqüente de anos atrás, só mudei de emprego. Foi por isso que tomei a decisão de contar pra você, e eu pedi isso á sua mãe no seu aniversário de nove anos de idade. Como você pode imaginar, ela não deixou, por mais que eu insistisse. Os dias se tornaram meses, os meses se tornaram anos, e eu tornava a pedir toda vez que aparecia uma oportunidade. Ela já ficava tensa quando me via em algum lugar por causa disso.
Em uma dessas oportunidades você ouviu, e deu no que deu. – terminou de falar e esperou que eu dissesse algo.
- Obrigado por me contar tudo, . – Disse eu, sorrindo. – Eu precisava saber sobre a minha própria vida.
sorriu.
- Foi por isso que eu gritei com você lá na casa da , Char. Porque eu não quero que você seja um garoto inconseqüente pro resto da vida, eu queria que você assumisse o seu filho. – Disse ele.
- Eu tentei, . – Olhei para baixo.
- E no que deu? – Perguntou ele, preocupado.
- Não deu em merda nenhuma, só uma conversa com a mãe dela... – Então eu contei tudo ao meu pai biológico, que ouvia com atenção.
- O te deu o conselho certo. Você vai ter que esperar agora. – Disse ele.
- Eu não vou desistir dela. – Disse eu.
Então ele me olhou, me olhou de verdade: com todo o orgulho que um pai pode olhar para um filho.
- Fico feliz em ouvir isso, Char.
Capítulo 8.
parou o carro na porta da minha casa.
- Então... Valeu pelo almoço, . – Disse eu, sorrindo e tirando o cinto de segurança.
- Sempre que quiser conversar, ligue. – Ele disse sorrindo.
Acenei com a cabeça, abri a porta e desci do carro. Quando já estava chegando à entrada de casa, me chamou.
- Charlie!
Olhei pra trás e vi o vidro aberto.
- Obrigado por me dar uma segunda chance na sua vida. – Ele disse.
Eu sorri.
- Obrigado por ainda querer a chance. – Disse eu.
Entrei em casa com um sorriso de orelha a orelha, e alguma coisa me dizia que ele estava exatamente do mesmo jeito.
Liguei pro Mark e disse tudo o que tinha acontecido. Ele não tinha nenhum grande conselho pra me dar, mas beleza. Eu já esperava.
Pelo menos ele me consolou e se importou, de fato.
Passei o dia vendo filmes com a minha mãe, comendo pipoca, chocolate e porcarias em geral.
De vez em quando eu dizia que ia ao banheiro, mas na verdade eu entrava no quarto, abria a janela e fumava alguns cigarros.
Eu estava precisando.
Depois trocava de blusa, por causa do cheiro. Minha sorte é que ela é distraída e nem notou.
- Charlie, por que você não chama o Mark pra vir pra cá? Faz tanto tempo que ele não vem me ver... – Disse a minha mãe, enquanto estávamos assistindo uma maratona de “Friends”.
- Você que quer, liga você. – Disse eu, dando de ombros, sem tirar os olhos da TV.
- Grosso! – Ela atirou algumas pipocas em mim.
Eu ri e atirei algumas nela também. Preciso dizer como a sala terminou?
- CHEGA CHARLIE, O MEU SOFÁ! – Ela berrava, ofegante e com os cabelos bagunçados, enquanto eu atirava alguns biscoitos por aí.
- Você começa e não quer terminar, né?
Continuei rindo e ela não conseguiu ficar séria por muito tempo. Minha mãe parece uma criança.
- Tive uma idéia, então. Eu e você varremos tudo, e depois vemos alguns vídeos da minha adolescência. – Disse ela, com os olhos brilhando.
Encarei-a, estático.
- Vídeos da sua adolescência? De onde você tirou essa?
- Antigamente, nos shows do seu pai e dos meninos, eu sempre levava a câmera pra registrar nossos momentos juntos. Tem muita coisa guardada aqui em casa. – Disse ela, pensativa.
- Por que você nunca me mostrou? – Perguntei eu, franzindo o cenho.
- Ah, Char, sei lá... – Ela estava se enrolando nas próprias palavras.
Entendi tudo.
- Você e o estavam juntos, certo? – Perguntei eu, encorajando-a a falar.
Ela fez que sim com a cabeça.
- Acho que vai ser bom que eu assista. – Disse eu, ao que ela não respondeu.
Varremos o chão, de vez em quando ela gritava ou batia na minha bunda quando eu fazia algo errado ou passava perto de quebrar alguma coisa na preciosa sala dela.
Quando terminamos, nos jogamos no sofá.
- Vamos ver os vídeos agora. Vou pegar uma cadeira pra alcançar a parte de cima do armário. – Disse ela.
- Você passou isso pra DVD? – Perguntei eu.
- Claro que sim, Char! Acha que eu sou idiota?
- Honestamente? – Perguntei eu, sarcástico.
Ela me deu um tapa. Ainda bem que não doeu.
Ela pegou rapidamente os DVDs em cima do armário, no quarto. Depois sentamos e ela colocou o primeiro.
Parecia ser um bar, algo do tipo. Podia ver meu pai, bem mais jovem. também estava muito diferente... Tio e tio estavam com um sorriso enorme.
Então a câmera virou na direção de quem filmava: uma garota extremamente bonita, de traços delicados e cabelos compridos. Ela era estilosa. Na parte de trás de seu cabelo, pendia uma mecha rosa choque.
- É você? – Perguntei eu, sorrindo. Minha mãe sempre foi linda.
- Sim. – Ela respondeu, sorrindo também.
A garota do vídeo filmou mais três que estavam sentadas na mesma mesa que ela. Duas eram loiras, e uma delas eu reconheci como sendo a mãe do Mark.
- Essa é a tia Joanna? – Perguntei eu.
Minha mãe fez que sim com a cabeça.
Tia Joanna era exatamente como na música "Little Joanna". Os olhos azuis dela realmente chamavam atenção, ela parecia ter uma alegria sem igual.
Eu não sabia muito sobre ela, apenas coisas que eu ouvia aqui e ali, além de algumas fotos. Sabia também que tio havia escrito a música pra ela.
- Você ainda tem contato com a tia Joanna? – Perguntei eu.
- Nos falamos de vez em quando. – Disse ela, com uma expressão triste. Parei de fazer perguntas sobre a mãe do Mark, minha mãe não parecia gostar disso.
Acho que o tio realmente sofreu por causa dela.
Tia Joanna e minha mãe se abraçavam e berravam os refrões. Vez ou outra, minha mãe gritava: !
Então ouve um corte de cena, e apareceram oito pessoas em uma praia.
Alguém dedilhava um violão, enquanto minha mãe e tia Joanna dançavam em volta de uma fogueira, com garrafas na mão.
Olhei discretamente para o lado e vi minha mãe ficar vermelha de vergonha. Observei os traços dela: não pareceu ter envelhecido, mas sim amadurecido.
E é claro, ela não tinha mais a mecha rosa.
Voltei minha atenção para o vídeo.
levantou, segurou minha mãe pela cintura e começou a dançar com ela. Os dois sorriam um para o outro, como se isso fosse a única coisa que realmente importasse na vida.
- VOCÊS VÃO CASAAAAR! – Tio gritava, levantando uma garrafa na direção deles.
Minha mãe gargalhou. se aproximou e beijou-a de leve.
- AQUI NÃO, GENTE! – Meu pai, que estava sentado na areia com uma das meninas que estavam na mesa, gritou.
- Onde quisermos, ! – disse rindo. Depois se virou para minha mãe. – É só o que importa...
A câmera virou na direção de quem estava filmando: uma das garotas loiras sorria.
- Esse casal tem futuro! – Ela disse, em seguida continuou a filmar, rindo. Tia Joanna e tio estavam deitados na areia, conversando baixinho e sorrindo. Meu pai estava com a garota loira do outro lado, fazendo Deus sabe lá o quê. Tio estava enchendo a cara e as únicas pessoas que ainda sorriam na frente da fogueira eram e minha mãe.
Olhei outra vez pra ela, na sala: estava com os olhos cheios de lágrimas.
Fiquei imaginando o que a do vídeo diria se visse a de agora, ao meu lado. Será que ela continuaria com o daquela época, sabendo o que aconteceria depois?
Fui até minha mãe e a abracei. Ela deixou algumas lágrimas caírem.
- Acho que não foi uma boa idéia ver essas velharias. – Ela disse, levantando-se e desligando o DVD.
Fui dormir naquela noite com apenas um pensamento na cabeça: o olhar da minha mãe para naquela época.
Eu podia vê-la claramente, com a mecha rosa balançando enquanto dançava com ele ao redor da fogueira.
Ela bagunçava os cabelos dele.
Sorri sozinho, mas o sorriso logo se desfez: e se, no futuro, quem estiver vendo um vídeo como esse com o filho ao lado for a Halley?
Capítulo 9.
- Halley, volta aqui! – Eu gritava, enquanto uma menina de cabelos ruivos caminhava na frente.
Estava de noite, o local estava deserto. Eu podia ouvir o barulho do mar ao longe.
- Me deixa em paz, Charlie! – Halley respondeu, sem virar-se para mim.
- Por que não podemos ser como antes? – Eu perguntei frustrado.
Foi então que a menina ruiva se virou para mim. Arregalei os olhos quando vi seu rosto: era minha mãe.
- Por que você não quer assumir o nosso filho, ? – Ela perguntou, chorando.
- Eu sou o Charlie! – Disse eu, desesperado. – Mãe, sou eu! CHAR!
- Vá embora, . VÁ EMBORA! – Ela virou-se novamente e continuou andando. Agora já não eram mais os cabelos ruivos que balançavam, mas sim aquela solitária mecha rosa.
Corri atrás dela. Caí no chão, em cima de um espelho. Cortei-me.
Olhei para baixo, vendo meu reflexo, e concluí que ela estava certa: eu era o .
- MERDA! – Acordei assustado, pingando suor.
Passei a mão na testa. "O que foi isso?" eu me perguntava sobre o pesadelo.
Saí debaixo das cobertas e caminhei até o banheiro.
Acendi a luz e me olhei no espelho: um adolescente com cara de sono, piercing no lábio e usando apenas sua boxer branca me encarou de volta.
Sorri, constatando que era eu.
Você provavelmente deve estar pensando o quanto isso parece estúpido, mas no meu nível de desespero, saber que eu continuava sendo eu mesmo era uma sensação tranqüilizadora.
Sacudi o cabelo com as mãos e esfreguei os olhos.
"Ainda sou Charlie Judd", pensei.
Caminhei até a cozinha.
Minha mãe estava lá, de camisola, fazendo café.
- Bom dia mãe.
- Bom dia Char! – Ela respondeu, sorrindo.
Fiquei observando-a. Ela estava com um sorriso grande demais... Alguma coisa tinha acontecido.
- Fala logo, . – Disse eu, rindo.
- Falar o quê, menino? Parece maluco! – Disse ela, tentando parecer zangada, sem nenhum sucesso.
- Anda logo, mãe. Você tá toda feliz aí...
Ela parou de fazer o café e olhou pra mim, receosa. Prendeu os cabelos em um coque e engoliu em seco.
- O me ligou hoje de manhã. – Disse ela.
- Já? Ele não tem noção de hora não? – Perguntei eu, indignado.
- Char, já é uma hora da tarde! Você é que dorme demais! – Respondeu ela.
- Você também tá de camisola! – Rebati eu.
- Mas é porque eu estava na cama lendo um livro. Foi quando o ligou. – Explicou ela.
- Ele quer sair comigo pra fazer alguma coisa? – Perguntei eu.
- Ele quer sair COMIGO pra fazer alguma coisa. – Respondeu ela.
Franzi o cenho.
- Nossa. Há alguns dias atrás, vocês dois mal se falavam nas reuniões de amigos. – Disse eu.
- Temos que nos dar bem agora, Charlie. Por você.
- Não me mete nisso não.
- Como não te meter nisso? VOCÊ é tudo isso! – Disse ela.
Suspirei, cansado.
- Desculpa mãe. Faz o que você achar melhor. – Disse eu, sorrindo sincero.
Minha mãe sorriu. Chegou perto, passando a mão em meu cabelo.
- Você não quer fazer alguma coisa diferente nesse cabelo não, Char? Isso tá sempre assim... – Disse ela.
- Invejosa. Só porque o meu cabelo é foda. – Disse eu.
- Olha a boca, Charlie! – Ela me repreendeu. – Não é isso... É que você podia mudar um pouquinho, né filho?
Refleti sobre o assunto.
- Você me deixa fazer uma mecha branca, só na franja? – Perguntei.
- Você já não é punk o suficiente, com esse piercing aí não?
- Deixa mãe!
Ela me olhou, analisando meu cabelo.
- Só se eu fizer. Se você fizer, vai sair tudo errado e você vai ter que cortar essa parte do cabelo.
- A gente tem alguma tinta branca aí? – Perguntei eu.
- Não, mas é só ir à farmácia comprar. – Disse ela.
Então eu fui e comprei a tinta. Quando voltei pra casa, minha mãe me sentou na cadeira da cozinha e fez o que tinha que fazer.
Quando ela terminou, me olhei no espelho.
- Ficou o máximo. – Disse ela, sorrindo.
- Ficou mesmo. Obrigado, mãe.
Ela sorriu mais ainda.
- Sou experiente nessa área. – Disse ela.
- Esqueci que você já foi groupie.
Ela me deu um tapa de leve no braço, rindo.
Mexi no cabelo.
Silêncio.
- Que horas você vai sair com o ? – Perguntei eu.
- Só de noite. – Ela respondeu, corando.
- Ele tem segundas intenções?
- Acho que não, Charlie. É um jantar casual, só isso. Eu não permitiria mais nada. – Ela olhou em meus olhos. Sabia que ela estava falando a verdade.
- Então eu vou pra casa do Mark, tá?
- De novo, Char? Vai pra casa do seu pai! – Disse ela.
- Não. Eu quero sair hoje... – Disse eu, coçando a barriga, presunçoso.
- Olha o que vai fazer!
- Tá tudo bem, mãe. Vamos só sair com alguns amigos. – Disse eu.
Ela não fez mais nenhuma objeção. Parecia realmente feliz.
Será que ela ainda sentia algo pelo ?
Capítulo 10.
Estava no quarto, jogando meu Nintendo DS na cama, quando minha mãe entrou e parou à minha frente.
Parei de prestar atenção no jogo e fiquei olhando pra ela, com cara de bunda: ela estava linda.
Usava um vestido azul escuro simples, sem alças, mais ou menos até os joelhos. Estava com um único fio de cordão prateado no pescoço, dando a ela uma aparência delicada. Os cabelos estavam soltos e jogados para o lado, e ela usava uma maquiagem bem suave.
- Como estou? – Ela perguntou, mordendo os lábios. Estava nervosa, eu tinha certeza.
- Não seria melhor um vestido com alça não, mãe? – Perguntei eu, desligando o jogo e atirando-o em algum lugar sobre a cama.
- Por quê?
- Porque você pode sentir frio. – Inventei a primeira merda que veio à mente. A verdade é que eu não queria que os caras (especialmente o ) ficassem olhando o colo da minha mãe. Não sei, a idéia simplesmente não me agradava.
Ela olhou pra mim, levantando uma sobrancelha.
- Eu sei me dar ao respeito, Char. Parece até que eu sou a filha e você o pai.
Ela sorriu, e eu não consegui ficar sério.
- Vai ser um trauma na minha vida. Por que você não pode ser feia e gorda como toda mãe normal? Eu com certeza não me preocuparia quando você saísse. – Disse eu sorrindo.
Ela me deu língua.
- Você que pensa que as mães hoje em dia são assim. Todas fazem plásticas o tempo todo. – Disse ela.
- Você não precisa.
Ela sorriu mais uma vez. Em seguida, seu olhar ficou mais sério.
- Não vai tarde pra casa do Mark, Charlie. Eu não vou ter nenhum minuto de sossego se você não me ligar assim que chegar lá. – Disse ela. Em seguida, arregalou os olhos como sempre fazia quando tinha uma idéia que considerava "genial". – Já sei! Quando o vier me buscar, a gente te deixa na casa do Mark.
Olhei para ela, incrédulo.
- Era só o que me faltava. Não vai ser a primeira vez que eu pego um ônibus tarde, sabia?
Ela negou com a cabeça.
- São quase dez da noite e você vai com a gente, fim de papo.
Bufei. Ela já havia decidido e não adiantava discutir.
Vesti um casaco branco Puma, meus jeans surrados e meu all star preto de sempre. Sentei no sofá e liguei a TV, esperando a madame terminar de calçar os sapatos.
Foi quando ouvi a campainha tocar.
- Mãe! – Eu gritei para que ela pudesse ouvir. Sem resposta.
- MÃE! – De novo.
- MÃÃÃÃÃÃÃE, PORRA! – É, eu sabia que ia levar uma bronca pela última chamada.
Desisti e fui atender a porta, quando a campainha soou pela segunda vez.
Abri e dei de cara com . Estava de terno e gravata. Parecia que iam a algum restaurante de gala ou algo do tipo.
- Oi Charlie. – Ele disse sorrindo.
- Oi . Entra... – Eu disse, sorrindo também.
Ele entrou, olhando em volta. Parecia procurar pela minha mãe.
- Tá terminando de se arrumar. – Disse eu, jogando-me no sofá. – Senta aí.
Ele fez que sim com a cabeça e sentou na poltrona ao lado.
- Ei, o que fez no cabelo? – Ele perguntou sorrindo.
- Minha mãe mexeu aqui. Mudar é bom. – Disse eu, sacudindo o cabelo e ajeitando a pequena mecha branca na franja.
- Eu gostei. Uma vez um amigo nosso, James Bourne, fez uma dessa também. Só que a dele era preta. – Disse ele.
- Ah, eu lembro desse cara! Ele ainda tem aquela banda dele? – Perguntei eu, esforçando-me para lembrar o nome da banda do sujeito.
- Qual delas? – Perguntou , rindo.
Comecei a rir também.
- Você parece um punk louco com esse piercing e esse cabelo. – Disse ele, rindo.
- Não reclama, . Convivi com rockstars a minha vida inteira, é natural que eu goste dessas coisas.
- É verdade... – Ele riu.
Minha mãe apareceu na sala, e eu pude sentir a respiração dele parar. Isso não é exagero, a respiração dele LITERALMENTE parou.
Quase fui lá sacudir o cara.
- Oi . – Ela disse, pondo o cabelo para trás da orelha. Ela fazia isso quando estava com vergonha, e eu no lugar dela também estaria, por causa do olhar dele.
- Você está linda. – Disse ele.
Sem comentários sobre a minha cara nessa hora.
- Bom... Andem logo com isso. Eu ainda quero ir pro Mark. – Disse eu, levantando-me e pondo-me na frente da minha mãe.
- Você vai com a gente? – Perguntou .
Surpresa, otário!
- Eu liguei pro seu celular pra dizer, ! - Disse minha mãe, rindo da distração dele.
Os olhos dele ficaram focados, recordando alguma coisa. Então ele riu.
- Realmente, eu me esqueci. Você vai conosco então, Char?
Nossa, ele ainda não tinha entendido isso?
- Se estiver tudo ok pra você. – Disse eu.
fez que sim com a cabeça, levantando-se.
Saímos de casa, trancamos a porta e fomos até o carro, eu caminhando logo atrás dos dois.
Estava em uma posição estratégica: qualquer tentativa de aproximação eu entrava em ação.
Fomos em silêncio durante todo o caminho.
concentrado na estrada, minha mãe observando as mãos como se elas fossem a coisa mais interessante do universo, e eu divagando pela paisagem na janela, alternando olhares entre a Londres gélida e os dois bancos da frente.
Paramos na porta do apartamento do Mark, e ele estava na portaria me esperando, não sei por que motivo.
Quando ele viu a minha mãe no banco da frente, sorriu e saiu correndo.
Minha mãe desceu do carro imediatamente para abraçá-lo, deixando eu e lá dentro, ambos com cara de idiotas.
Eu a vi passando as mãos pelo rosto dele.
- Como você cresceu menino! – Ela sorria e esquadrinhava o rosto dele.
- Não posso dizer o mesmo de você, tia. Parece que fica mais nova a cada dia. – Disse ele.
- Bobo! – Ela bateu de leve no braço dele.
Eu desci do carro, deixando mais atordoado ainda.
- Você precisa ir me ver mais vezes. Quando era pequeno, não desgrudava de mim! Agora, nem quer mais saber! – Ela disse, fazendo drama.
- Para de cena, tia. Você sabe que eu te amo.
- Oi Mark. – Disse eu, cínico. Por que parecia que todo mundo tava atrás da minha mãe? , Mark... Era preciso mais de um Charlie pra cortar a onda desses babacas.
- Oi Char. Tava te esperando. – Disse Mark, consultando o relógio.
- Não sei porque você tava aqui embaixo. – Disse eu.
- Porque nós não vamos ficar lá em cima, certo? Vamos sair, porra. – Disse Mark, sorrindo.
- Olha lá o que vocês vão fazer! – Minha mãe advertiu.
- Relaxa . Eu sou um exemplo pro seu filho. – Disse Mark, dando seu melhor sorriso.
- Sei... – Disse ela. – Bom, uma boa noite pra vocês, queridos.
Ela se despediu de nós dois e entrou de novo no carro. Pelo vidro, vimos que ela sorriu pro , que retribuiu e fez a volta com o carro na direção em que viemos.
Eu e Mark seguimos caminho pela rua, procurando algum pub que parecesse bom.
- Char... Tá tudo bem pra você, né? – Perguntou ele, de repente.
- Sobre o quê? – Perguntei eu, ainda olhando para frente.
- O saindo com a sua mãe...
- Eles não estão saindo, Mark. Ela me disse que é só um jantar casual.
Continuamos andando e ele encerrou o assunto, acho que por respeito a mim.
Talvez eu devesse simplesmente desencanar e deixar a minha mãe viver a vida dela em paz.
Afinal, ela acima de qualquer pessoa, merecia ser feliz e encontrar o cara da vida dela.
Se esse cara era o , o que eu podia fazer, certo?
Errado: havia uma coisa que eu podia fazer.
Torcer para que ele não fosse um completo estúpido dessa vez.
Capítulo 11.
Enquanto eu estava com o Mark, vamos à parte da minha mãe e do (segundo ela mesma me contou).
Quando o carro parou, ele saltou primeiro para abrir a porta pra ela (típico).
Depois ele a ofereceu o braço e os dois entraram juntos pela porta de vidro do restaurante mais chique que a minha mãe já pisou na vida.
- , esse restaurante deve ser realmente caro... Se você quiser sair daqui, a gente pode comer um Big Mac... – Disse ela, baixinho para que ninguém ouvisse, enquanto os dois eram conduzidos por um garçom até a mesa reservada.
- Não se preocupe com nada. Se eu te trouxe, é porque eu quero. – Disse ele, sorrindo.
Ela sorriu instantaneamente.
Sentaram-se na mesa e observaram o cardápio, com os preços tão caros quanto minha mãe esperava.
Enquanto ela corria os olhos pelos pratos, mirava-a. Ela fingia que não estava percebendo, para evitar conversas constrangedoras.
Então, parou de olhar o cardápio e encarou-o.
- O que foi? – Perguntou ela, rindo.
- Nada. – Disse ele, olhando para as próprias mãos. Em seguida, levantou os olhos novamente em direção a ela. – Eu sentia falta de te ver assim.
- Assim como?
- Tranqüila na minha presença. – Disse ele, sorrindo. – Sem querer correr ou fugir quando eu chegasse perto.
Minha mãe olhou pra baixo.
- Desculpa por isso, . Eu não sabia como agir, depois de tudo o que aconteceu. – Ela foi sincera com ele.
- Tudo bem. O que importa é que estamos aqui agora. – Disse ele.
Ela sorriu.
Chamaram o garçom e pediram os pratos.
Houve um pequeno silêncio.
- E então... Como estão e ? Não falo com os dois há tanto tempo... – Disse minha mãe de repente.
- Estão bem, eu acho. continua vivendo o casamento, e a falta dele. – Disse , fazendo minha mãe rir.
- Quem diria que as coisas seriam assim... – Disse minha mãe.
olhou para ela, pensativo.
- Lembra quando éramos mais novos? As coisas que fazíamos? – Perguntou ele.
- Lembro sim... Todos aqueles shows de vocês!
- Depois os porres na praia...
Os dois riram.
- Você e a Jo gritando no show, geralmente com outras duas meninas que o e o arranjavam na hora. – Disse .
- Sim, eu e Joanna... – Minha mãe disse pensativa. – Éramos suas maiores fãs, com certeza!
- Vocês eram groupies, isso sim! – Disse , rindo.
- Sabe que já é a segunda vez que eu escuto isso hoje? – Perguntou ela.
- Quem disse isso?
- O Char.
sorriu.
- Queria que ele pudesse ver como nós éramos. – Disse .
- Eu e ele vimos um show de vocês que eu gravei, faz muito tempo.
- Você mostrou o luau na praia também? – Perguntou ele.
- Mostrei sim. Ele pareceu meio surpreso por me ver daquele jeito, com aquela mecha rosa no cabelo. – Disse ela.
- Eu amava aquela mecha, . – Disse , encarando-a e sorrindo.
As bochechas da minha mãe começaram a arder.
- Eu também. – Disse ela. – Eu amava ser a pessoa que eu era.
- Eu também amava a pessoa que você era. – Disse .
"Eu amo quem você é", ele pensou amargurado.
Vou me intrometer um segundo nessa merda toda aí de cima: perceberam o que a falta de diálogo faz? Ele a ama, ela definitivamente ama ele, e ninguém faz nada.
Se você perceber algo parecido com isso acontecendo na sua vida, aqui vai o conselho do Charlie: para de fazer doce e fala logo.
Voltando...
- Eu sei que amava. – Disse ela, sorrindo. – Só não soube demonstrar.
Ficaram ali se encarando.
Os pratos chegaram e os dois comeram em silêncio. Não um silêncio desagradável, mas o silêncio da tranqüilidade e do estar bem com o outro (ou pelo menos tentando estar).
Minha mãe observava dois velhinhos juntos em uma mesa. Sorriu.
- Somos tão idiotas. – Disse ela.
- Por quê? – Perguntou .
- Por desperdiçar a nossa vida nos preocupando com coisas inúteis, como trabalho, dívidas... E não nos preocuparmos com o que realmente vale a pena.
seguiu o olhar dela até a mesa onde os dois velhinhos estavam sentados. Sorriu também.
Foi então que a garota que estava tocando música ao vivo no restaurante começou a tocar "Breathe", da banda Paramore.
- Amo essa música. – Disse minha mãe.
- Quer dançar? – Perguntou .
Ela olhou em volta.
- As pessoas não estão dançando, !
- E quem se importa? – Ele estendeu a mão pra ela.
Os dois se levantaram, foram até o meio do restaurante lotado e começaram a dançar, de olhos fechados.
"Breathe for love tomorrow, cause there’s no hope for today".
Essas palavras ecoavam na cabeça da minha mãe, enquanto o perfume dele tomava conta dela.
"Respire por amor amanhã, porque não há esperança para hoje", ela repetia as palavras da música mentalmente.
Parecia dizer tanto sobre eles.
- ...
- Sim? – Perguntou ela, sem abrir os olhos.
- Acha que há esperança para o nosso amanhã? – Perguntou ele, abrindo os olhos.
Minha mãe continuou de olhos fechados, e ele observava cada movimento dela como se fosse a última vez na vida que pudesse fazer isso.
- Não sei... – Ela finalmente abriu os olhos, dando um sorriso triste para ele.
- eu... Eu te... – começou a dizer, mas por algum motivo não conseguiu terminar. Alguma coisa não deixou que ele dissesse aquelas três palavras, que poderiam resolver todos os problemas (ou não). Talvez ele não tenha dito por medo da reação dela, quem sabe?
Minha mãe preferiu não perguntar o que estava prestes a dizer. Se ele parou de falar, havia um motivo.
Então os dois continuaram dançando aquela dança do silêncio, com o peso das palavras não ditas sobre os ombros.
Qualquer som que suas gargantas tentassem emitir parecia virar poeira em suas bocas e se dissipar.
Talvez porque o momento não pedisse palavra alguma.
- Foi um jantar maravilhoso, . Obrigada. – Disse a minha mãe, quando ele parou com o carro na porta da nossa casa.
- Obrigado pela companhia. – Disse ele, abrindo um sorriso. Olhou para a mão dela no banco, e pôs a sua sobre a dela.
Minha mãe parecia prestes a sair dali, havia medo nos olhos dela. Medo de se decepcionar de novo.
- Eu senti sua falta. – Disse ele.
- Eu também. – Ela respondeu, pondo o cabelo para trás da orelha e olhando para baixo.
Ele percebeu que ela estava com vergonha.
- Não acredito que você tá com vergonha de mim! Achei que já tínhamos passado dessa fase! – Disse ele, rindo e fazendo-a gargalhar, aquela típica gargalhada que todo mundo ama (inclusive eu).
Pararam de rir e se olharam.
- Boa noite, ! – Ela chegou perto e deu-lhe um beijo no rosto.
Desceu do carro e fechou a porta, caminhando na direção de casa.
Ele ficou observando-a de costas, com a mão sobre o local que ela havia beijando. Fechou os olhos, sorrindo.
Aquele foi o primeiro beijo dela que ele conseguia em dezesseis anos.
Nem nas reuniões, quando se encontravam, ela falava direito com ele. Ela literalmente o ignorava, trocando o mínimo de palavras possíveis.
Mesmo sendo no rosto, ele não conseguia pensar em um beijo melhor em toda a sua vida.
Talvez porque esse fosse, sem dúvida, o mais esperado.
Depois que ela finalmente achou as chaves na bolsa para abrir a porta (minha mãe é muito distraída, acho que já comentei isso), ela entrou em casa e deu um breve aceno para ele, que foi embora.
Depois que fechou a porta, minha mãe tirou os dois sapatos de salto, atirou-os em algum canto da sala e jogou-se no sofá, com um sorriso idiota estampado no rosto.
Parecia uma adolescente.
"Talvez", pensou ela, "nunca seja tarde para recomeçar".
Levantou-se, ainda sorrindo, e foi tomar uma ducha para dormir.
Nunca é tarde para recomeçar... É um grande conselho para mim, não acham?
Capítulo 12.
Acordei com um barulho estrondoso naquele dia. Esfreguei os olhos: não me lembrava de onde estava.
Recapitulando a noite anterior: bebida, dança, bebida, garota morena encostada na parede. Bebida, a garota se jogando pra cima de mim, cigarros. Mais um pouco de bebida.
Será que eu estava na casa da tal garota?
Ah não, me lembrei. Eu não tive nada com ela. Minha consciência não deixou (sim, eu estava me tornando um cara com consciência).
Mas ela era gostosa, ponto. Olhar não tira pedaço.
Então restava uma opção: eu estava no quarto de hóspedes do apartamento do Mark.
Que merda de barulho era aquele?
Levantei da cama e baguncei o cabelo. Saí andando até a cozinha, de onde eu supus que o barulho vinha.
- O que você tá fazendo, seu viado? Que barulho é esse? – Fui perguntando enquanto entrava.
Cheguei à cozinha e me deparei com uma cena que era, no mínimo, estranha.
Tio estava sentado no chão, rindo, e Mark estava caído ao lado dele. Havia leite, farinha e ovos espalhados pela cozinha.
- Bom dia Char. – Tio me cumprimentou.
- Bom dia, tio. – Respondi eu.
- Vai botar uma calça, seu gay. Nós vamos sair. – Disse Mark, porque eu estava só de boxers.
- Vamos pra onde? – Perguntei eu.
- Tomar café em algum lugar. Eu e o Mark tentamos fazer um bolo, mas não deu certo, e como eu não estou vendo nada comestível por aqui... – tio disse, levantando-se e batendo as mãos na blusa para tirar a farinha.
- Vamos comer naquela padaria ali na esquina. Vai logo botar uma calça e uma blusa, Charlie! – Mark me apressou de novo.
Fui até o quarto, peguei minhas roupas, calcei meu tênis e apareci na sala.
- Vocês vão sujos de comida assim? – Perguntei eu, erguendo a sobrancelha.
Mark e tio se entreolharam.
- Só vamos trocar de blusa então. – Disse tio .
- Ah pai, to com preguiça porra. – Mark resmungou.
- Anda logo, Mark! Quer sair sujo que nem uma criança? Você tem 18 anos na cara, faça-me o favor... – tio começou as broncas e humilhações. Eu só conseguia rir da cara do Mark.
Depois que os dois foram lá pra dentro trocar as blusas, saímos do apartamento e fomos caminhando até a padaria.
Mark e tio trocaram um olhar, e Mark instantaneamente apressou o passo.
Quando me dei conta, ele já estava lá na frente, e tio caminhava ao meu lado.
- Charlie... O me contou tudo o que aconteceu. Quero que você saiba que pode contar comigo pro que precisar. – Disse ele, sorrindo.
É por isso que eu amo ter crescido com as pessoas que cresci.
- Obrigado, tio. – Disse eu. – Foi uma situação inesperada, mas acho que estou levanto na boa.
Ele sorriu de novo.
- Você e o estão se falando bem, né? Eu liguei pra ele também, pra saber mais notícias suas...
Eu fiz que sim com a cabeça.
- Foi meio difícil, mas acho que tá tudo bem agora. Minha maior preocupação não é o , tio... – Disse eu, coçando a cabeça.
- me contou sobre a Halley também. Espero que você saiba o que está fazendo, Charlie. – Disse ele.
- Pode deixar tio. Não vou ser igual ao .
Tio pareceu meio chocado com essa frase minha, mas digeriu bem depois de alguns segundos.
- Você tem que entender uma coisa, Char... O errou, mas ele é um cara legal. Eu sei disso, convivi com ele durante metade da minha vida e tenho orgulho de dizer que o conheço muito bem. Tudo o que ele fez foi errado, mas ele merece a chance de consertar. Não estou dizendo pra você colocar um sorriso no rosto e sair por aí o chamando de "papai", mas tente entender o lado dele também... – Disse tio .
- Eu entendo sim. – Assenti.
- Que bom. – Tio sorriu e deu um soquinho leve no meu braço.
Mark virou-se para ver se já tínhamos terminado de conversar. Tio fez sinal pra ele se aproximar, e ele sorriu e veio caminhando em nossa direção.
Então pusemos uma pedra naquele assunto e fomos tomar café, os três juntos.
Porém, uma idéia não parava de girar em minha mente: por que o tio apareceu assim, sem avisar, na casa do Mark?
Quer dizer, eu sei que ele não é um pai ausente, muito pelo contrário... Mas ele também não era de aparecer do nada, faltando quatro dias para terminarem as férias.
Alguma coisa me dizia que Mark estava se perguntando a mesma coisa também.
A resposta só chegaria mais tarde.
Capítulo 13.
Assim que terminamos de tomar café na padaria, eu disse ao Mark e ao tio que eu tinha que ir.
Por alguma razão, eu estava ansioso pra chegar em casa.
Ok... Vou parar de me enganar e enganar a vocês também: eu queria chegar em casa pra ver como a minha mãe estava.
Não que eu achasse que ela estava mal, pelo contrário, eu tinha certeza que ela estava bem até demais.
Esse era o problema.
Cheguei em casa, abri a porta e um grande alívio tomou conta de mim quando eu vi minha mãe sentada na mesa da cozinha, de camisola, lendo seu jornal e bebericando vagarosamente o café para não se queimar.
Sorri, reparando na cena.
Ela virou os olhos na minha direção e sorriu também.
- Como foi ontem, Char? Divertiu-se? – Perguntou ela.
- Aham. – Eu murmurei.
Cheguei perto e puxei uma cadeira, virando-a pra perto da minha mãe. Sentei ao contrário, com meus braços no encosto e a cabeça pousada sobre minhas mãos, o olhar pensativo.
- O que foi? – Perguntou ela, com um esboço de sorriso se formando no canto dos seus lábios. Ela estava morrendo de vontade de rir, eu percebi desgostoso.
- Você sabe muito bem o que foi. – Respondi eu, secamente.
- Ah Charlie, pelo amor de Deus, você acha mesmo que aconteceu alguma coisa? Foi um jantar casual, exatamente como eu disse que seria. – Disse ela, vitoriosa.
- Eu sei que não aconteceu nada! Mas isso não muda...
- Não muda o quê, garoto? – Perguntou ela, erguendo a sobrancelha exatamente como eu faço.
- Não muda que você ficou a porra do jantar inteiro olhando com cara de babaca pro . – Disse eu, fazendo uma careta.
Ela arregalou os olhos pra mim, naquela expressão de surpresa que eu conheço tão bem.
- Olha como você fala comigo, mocinho! E pra sua informação, quem ficou com cara de babaca foi ele. – Disse ela, sem conseguir esconder um sorriso.
- Agora eu tenho certeza que você também estava com cara de babaca. – Eu concluí.
- Por que isso?
- Porque se ele fez cara de babaca pra você, você deve ter ficado toda boba por ver a cara dele. – Eu concluí vitorioso.
- Vai caçar alguma coisa pra fazer! – Ela tirou rapidamente o chinelo e eu levantei correndo e rindo.
Ela atirou-o na minha bunda.
Fui tomar um banho, ligeiramente mais tranqüilo: nada havia acontecido.
Quando saí, com a toalha enrolada na cintura e os cabelos molhados e arrepiados, encontrei minha mãe na sala, tagarelando com meu pai no telefone.
- Você tinha que ver a expressão dele, ! Foi lindo! – Ela fazia gestos empolgados, seus olhos brilhavam.
Eu tinha plena certeza de que meu pai estava rindo do outro lado da linha.
- Depois ele me chamou pra dançar... – Ela parou para escutar algo que meu pai estava dizendo. Sua expressão mudou. – Claro que não, ! O que você acha que eu sou?
Mais alguns minutos.
- Você e o Charlie com a mesma paranóia! Não aconteceu nada!
Ela parou para ouvir de novo, depois sorriu.
- Eu sei que você quer que eu seja feliz, bebê.
Ela tinha essa mania estranha de chamar meu pai de "bebê" nas horas em que ele era super protetor com ela. Ridículo, na minha opinião.
Parece que ele ficou tão preocupado com ela quanto eu. A diferença estava no tipo de preocupação: ele se preocupava como um amigo, e eu como fruto do desastre que ela foi fazer quando era mais nova.
Um desastre ao qual eu sou grato, mas mesmo assim, eu não quero que se repita.
Falaram por mais algum tempo, depois ela desligou sorrindo e virou-se pra mim.
- Vai ouvir minhas conversas no telefone agora, chefe? – Perguntou ela.
Eu sorri cinicamente.
- O quer que a gente vá ao shopping com ele hoje. – Disse ela.
- Agora? – Perguntei eu. – Tá cedo!
- Não tá cedo, você é que está com essa impressão porque acordou tarde. Vai se vestir Char, porque daqui a pouco ele tá aqui.
Eu revirei os olhos.
- Um dia em família com minha mãe e meu pai. O que mais eu podia pedir? – Perguntei eu ironicamente, e ela me deu língua como uma criança de três anos faria.
Não demorou muito e meu pai estava com o carro parado na porta da nossa casa, sorrindo.
- Oi bebê! – Minha mãe entrou no banco da frente e deu um beijo estalado na bochecha dele.
- Oi ! – Ele riu.
- Oi pai. – Eu entrei no banco de trás.
- Oi Char! – Disse ele, virando-se para trás pra me olhar. – O que vocês estão com vontade de fazer?
- Achei que você tivesse nos convidado para ir ao shopping. – Disse minha mãe, confusa.
- Existem mil coisas que uma família pode fazer em um shopping, ! – Disse meu pai, rindo.
- Pra mim pode ser qualquer coisa, desde que a gente não almoce agora. Tomei café com tio e Mark na padaria da esquina, e to longe de estar com fome. – Disse eu.
- O plano A era almoçar... – Disse meu pai, pensativo.
- Qual era o plano B? – Perguntou minha mãe.
- A gente pode se divertir lá até sentir fome. – Sugeriu meu pai.
- Ótimo. – Eu e minha mãe dissemos ao mesmo tempo, e nós três rimos.
Sabem de uma coisa? Eu posso ser o filho revoltado e irresponsável que engravidou a namorada aos 16 anos, mas eu gosto de momentos como esse.
Momentos em família.
Rodamos os três pelo shopping, minha mãe parando em cada loja que ela via e meu pai parando em cada restaurante para analisar o cardápio e decidir onde iríamos almoçar.
Eu já disse que odeio momentos em família? É, eu estou me contradizendo agora.
Quando minha mãe FINALMENTE saiu da loja de sapatos (sem nada nas mãos, só pra constar) eu e meu pai estávamos entediados, sentados no banco da praça de alimentação.
- Não comprou nada? – Perguntou meu pai, com uma cara de derrotado que me deu até pena.
- Não, eles não eram muito bonitos. – Disse minha mãe, dando de ombros.
- Se não eram bonitos, por que você passou uma eternidade lá dentro? – Perguntei eu, frustrado.
- Não posso olhar as coisas agora? Acho que eu mereço! Eu nunca posso vir ao shopping durante a semana, por causa do trabalho...
- Tá bom, mãe, vamos comer. – Eu interrompi, antes que ela começasse aquele velho discurso sobre como ela tinha uma vida ocupada e pá.
- Eu achei um restaurante de massas muito bom, logo ali na frente! – Os olhos do meu pai brilharam só pela menção à palavra "comer".
- Vamos lá, então! – Disse minha mãe, dando um braço ao meu pai e o outro a mim.
O restaurante parecia ser realmente bom, então decidimos almoçar por ali mesmo.
- Há tanto tempo nós não fazíamos isso... – Disse minha mãe, quando já estávamos sentados na mesa.
- É verdade. – Eu concordei.
- Seu pai é muito compromissado. – Minha mãe implicou.
- Ei! Não vem com essa, senhora "eu tenho uma vida muito ocupada". – Ele imitou-a exatamente igual e nós rimos.
Depois meu pai ficou sério.
- Eu nunca vou estar compromissado demais ou ocupado demais pra vocês. Nunca mesmo. – Disse ele.
Minha mãe sorriu.
- OOHHN BEBÊ! – Disse ela, pulando no pescoço dele e fazendo metade do restaurante se virar na nossa direção.
Meu pai abaixou a cabeça e eu olhei para outro canto.
Minha mãe parecia indignada.
- Vocês tem vergonha de mim? Não acredito nisso!
Não agüentamos e começamos a rir, os dois.
- A gente te ama, . – Disse ele.
- Verdade. – Eu concordei.
Nossas risadas foram interrompidas pelo celular da minha mãe tocando. Ela franziu a testa.
- Ligação interurbana? Eu não conheço esse número... – Ela levantou-se para atender ao telefone fora do restaurante.
Eu e meu pai mantemos nossos olhos nela o tempo todo.
Ela estava estática, ouvindo quem quer que fosse falando do outro lado da linha. De vez em quando ela murmurava alguma coisa inaudível por causa do vidro. Demorou um certo tempo.
A expressão dela mudou, a preocupação espalhou-se pelos seus olhos.
Falou mais alguma coisa, depois desligou e entrou novamente.
- O que foi, ? – Meu pai perguntou, preocupado.
- Você não acreditaria se eu dissesse. – Disse ela.
- Tenta. – Disse eu.
Ela pareceu refletir por um momento.
- Era a Joanna no telefone, .
O rosto do meu pai encheu-se de surpresa.
- A Jo? Mãe do Mark? – Perguntou ele.
- Sim. Ela está com problemas. – Disse minha mãe.
- Logo vi que era alguma coisa, ela não telefona nem pro filho. Que tipo de problemas? – Perguntou meu pai.
- Parece que o homem com quem ela estava foi embora e deixou-a sem nada. – Disse minha mãe.
Os olhos do meu pai se arregalaram.
Eu estava muito quieto, achando melhor não me meter em nada disso.
- Ela precisa de dinheiro? – Perguntou ele.
- Não foi isso que ela pediu. Ela... Estará chegando daqui a três dias. Ela está vindo de Wembley pra ficar na minha casa. – Disse minha mãe, tentando parecer tranqüila, sem sucesso.
Meu pai encostou-se na cadeira, rígido, com os olhos vidrados.
- Você sabe que isso pode trazer problemas pro ... – Disse ele, tão baixo que eu tive que inclinar-me pra frente para poder ouvir.
- Acho que ele já sabe, só não sei como. Além do mais, eu não tenho escolha. Jo era minha melhor amiga, agora está com dificuldades. Não posso permitir. – Disse minha mãe.
Eu estava perplexo. Então o tio sabia? Acho que foi por isso que ele apareceu hoje mais cedo na casa do Mark. Ele devia estar planejando contar ao filho assim que eu fosse embora.
- Por que ela não fica na casa do Mark? – Eu me meti dessa vez. Isso não fazia o menor sentido, ela devia dizer ao próprio filho que estava voltando!
- Simplesmente porque ele não sabe que ela está vindo. Aparentemente a Joanna não teve coragem de pedir a ele, por não ligar pra saber notícias do Mark há um período considerável de tempo. – Respondeu minha mãe, olhando para baixo.
- Não acredito nisso. – Meu pai dizia, ainda baixo demais.
Eu estava pensativo. Qual seria a reação do Mark quando ele visse a mãe? E a reação do tio ?
Espera aí... Pra começar, como o tio sabia? Estava tudo muito confuso pra mim.
Mal sabia eu que esse era, sem dúvida, o início dos problemas.
Grandes problemas.
Comemos em silêncio e assim ficamos até o final do dia, quando meu pai nos deixou em casa.
Podíamos sentir as mudanças chegando. Só não sabíamos se eram boas ou ruins.
Capítulo 14.
Era isso: as férias haviam acabado.
Eu fechei os olhos e respirei fundo, entrando novamente na escola depois de tanto tempo.
Pensei nas minhas antigas preocupações, quando eu atravessei essa porta pela última vez. Tudo o que eu pensava parecia realmente idiota, se comparado aos meus pensamentos agora.
Minha preocupação máxima era o que fazer sexta à noite com Mark.
Agora, minha namorada está grávida.
E meu pai não era realmente meu pai.
Uma mudança radical, não é? Eu sei.
Conforme eu passava pelos corredores e acenava para os mesmos rostos de sempre, um pensamento desagradável me ocorria: Halley estava fora da escola.
E grande parte dessa culpa era absolutamente minha.
Meus pensamentos foram interrompidos por um grupo de meninas que passavam e acenavam pra mim também.
As líderes de torcida.
Eu sorri falsamente e acenei de volta, sem prestar mais atenção nelas do que eu normalmente prestaria.
Foi quando eu estava quase passando pelo grupo que eu ouvi o que a loira, mais alta, estava falando:
- Meninas, vocês não sabem...
- O que foi? – Uma outra perguntou.
- Sabe aquela menina ruiva, meio estranha, branquinha? Aquela Halley, do segundo ano?
- O que tem ela? – Perguntou uma outra.
Meus punhos cerraram-se instantaneamente.
- Dizem que ela está grávida!
- NÃO? SÉRIO?
A conversa parecia meio ensaiada. Como um grande teatro, esperando por mim.
- Como você sabe disso? – Perguntou uma baixinha.
- A amiga da minha mãe é vizinha dela. Parece que Charlie é um grande corno...
- Como alguém tão perfeito como ele pode estar com alguém tão vadia quanto ela?
A última parte foi dita especialmente em minha direção. Elas estavam me testando. Haviam chamado a Halley de quê?
- O filho é meu. – Disse eu, alto o suficiente para que elas me ouvissem sem que eu tivesse que me aproximar. – E com quem eu estou ou não, é problema meu.
Elas trocaram olhares nervosos e saíram andando em bando, falando bem baixo.
Eu podia sentir a raiva como veneno nas minhas veias.
Ótimo. Questão de algumas horas para a escola inteira saber.
Ao contrário do que vocês devem estar pensando, eu não sou um loser qualquer na escola. Pelo contrário: eu sou até famoso demais, em parte pela coisa do meu pai ser um rockstar e pá (meus dois pais, mas ninguém sabia dessa parte).
No começo dessa história, quando eu contei sobre Mark, eu disse que ele era meu único amigo.
Reparem bem, meu único AMIGO. Colegas eu tinha até demais.
Continuei caminhando, enquanto algumas pessoas sorriam e falavam coisas como "cabelo maneiro" e etc.
Eu não estava realmente interessado no que elas tivessem a dizer.
Peguei meus horários novos e me dirigi à primeira aula: Biologia.
Entrei na sala e mais rostos sorridentes surgiram, me convidando para sentar aqui ou ali.
Ao invés disso, fui para a última mesa. Eu só queria um pouco de paz.
Na metade da aula, já não estava mais prestando atenção.
Eu precisava dela.
Arranquei uma folha de papel do caderno e pensei em escrever uma carta. Eu sei que eu não tinha como enviar, porque eu não sabia nem ao menos o endereço.
Mas era boa essa ilusão de que ela leria. Que ela de alguma forma saberia o que eu estava passando sem ela.
"Halley,
Meus dias aqui andam piores do que você possa imaginar.
Sinto sua falta, todos os dias..."
O começo foi mais ou menos assim.
Pedi licença da aula, coloquei a folha no bolso e fui para o banheiro. A voz da professora estava me incomodando, e eu precisava pensar para escrever.
Perdi a conta de quantos cigarros eu fumei naquele banheiro.
Essa seria a primeira de muitas cartas não lidas.
Cheguei em casa e minha mãe estava sentada no sofá, com o olhar perdido.
Ela estava assim desde o dia em que tia Joanna havia ligado.
Conforme o planejado, ela chegaria amanhã.
- Oi mãe. – Eu apareci na sala, caminhei até ela e beijei-lhe a testa.
- Oi querido. – Ela disse, olhando-me e sorrindo.
Estava (inutilmente) tentando esconder a preocupação que era visível em seus olhos.
- O vai passar aqui daqui a pouco, eu e ele vamos sair pra conversar um pouco. Tudo bem se você esquentar alguma coisa pra comer hoje? – Perguntou ela.
- Tudo bem sim. Tia Julie vai com vocês? – Perguntei eu, referindo-me à esposa de tio .
- Não, ela está meio cansada, segundo o . Uma pena, ela realmente devia ir. Julie sempre me faz sorrir. – Disse minha mãe.
Eu sentei-me ao lado dela.
- Eu também te faço sorrir. – Disse eu, mirando-a.
- Faz sim. – Ela apoiou a cabeça nos meus ombros.
- Fica calma, mãe. Vai ficar tudo bem. O tio sempre tem boas idéias sobre o que fazer, tenho certeza que ele vai pensar em alguma coisa. – Eu encorajei-a, sorrindo.
- É incrível como você entende as minhas atitudes. É exatamente por isso que nós vamos sair hoje.
Mal ela terminou de falar e a campainha tocou.
Sem que eu tivesse tempo para piscar os olhos, ela já estava abrindo a porta.
- Ah, ! – Ela abraçou tio , que fechou os olhos.
A preocupação era visível no rosto dele também.
- ... Quem diria que o passado bateria à nossa porta assim, de repente. – Disse ele, com um sorriso triste.
- Nós vamos dar um jeito de não arranjar problemas. – Disse minha mãe, confiante.
Ele olhou pra ela com uma expressão duvidosa.
- Ok... QUASE não arranjar problemas! – Ela riu, e ele também.
Em seguida tio virou-se pra mim.
- Charlie! – Ele sorriu.
- Oi tio. – Eu fui até lá cumprimentá-lo.
- Como estão as coisas? – Perguntou ele.
- Na medida do possível. – Eu dei de ombros.
- Qualquer coisa, se você precisar... Pode contar comigo.
Eu sorri sincero.
- Falando nisso... Você avisou ao sobre a Jo? – Perguntou tio , cauteloso.
- Eu liguei pra ele. Eu, ele e vamos buscá-la no aeroporto. – Disse minha mãe.
"Que trio", pensei eu.
- Bom, então... Se cuida Char. – Tio bagunçou de leve meus cabelos.
- Tchau, filho. Tem tudo o que você precisar na geladeira, deixa as panelas na pia que depois eu lavo, e também...
- Vamos, . Seu filho tem 16 anos! – Tio interrompeu-a, puxando-a pela mão.
Eu esperei até os dois entrarem no elevador e fechei a porta.
Pensei no Mark.
Eu descobrindo sobre o meu pai e ele redescobrindo a mãe.
Por que nós não podíamos ter famílias normais?
Minha mãe voltou tarde pra casa.
Ela e tio acabaram chamando todo mundo para sair e conversar sobre o assunto, e parece que tio havia perdido o controle na conversa.
Ouvi minha mãe chorar a noite inteira.
Tudo estava tão confuso!
Quando eu fui pra escola no outro dia, me despedi dela sabendo o dia difícil que ela teria pela frente.
Meu pai já estava chegando lá em casa com o para buscá-la.
Tio não ia pra ficar com a tia Julie, que parecia estar doente mesmo, apesar de não ser nada grave.
Enquanto eu estava na escola, muita coisa aconteceu...
Assim que meu pai buzinou na porta de casa, minha mãe saiu.
O vento frio de Londres cortava o rosto dela, fazendo-a apertar o casaco sobre o corpo.
Andou até o carro e entrou no banco de trás.
Meu pai estava no volante, e estava logo ao lado.
- Bom dia, gente. – Disse ela, tentando sorrir.
- Bom dia. – Os dois sorriram nervosamente. Todos estavam tensos por causa da tia Joanna.
Foram o caminho todo até o aeroporto em silêncio absoluto.
- , acho que ela vai desembarcar por ali... – Meu pai apontou para o portão de desembarque B.
- Ali é a saída do vôo de Wembley? – Perguntou minha mãe.
- É sim. – afirmou.
- Então só nos resta esperar. – Minha mãe disse, com as mãos suando.
reparou que ela estava nervosa e segurou cautelosamente a mão dela, fazendo carinho com o polegar.
Meu pai deu um sorriso discreto ao ver as mãos dos dois entrelaçadas.
Os três sentaram-se em um dos bancos espalhados pelo local.
Não demorou muito e tia Joanna apareceu saindo pelo portão: Os cabelos negros e aveludados caíam-lhe pelas costas, os mesmos olhos grandes e azuis vasculhavam o aeroporto à procura de rostos conhecidos.
Havia envelhecido relativamente pouco.
Seus olhos encontraram os da minha mãe, e ela sorriu um sorriso triste.
Porém, quando estava caminhando na direção da minha mãe, do meu pai e do (a essa altura já estavam os três de pé, em sobressalto), uma menininha de cabelos lisos na altura do queixo, tão loira que seus fios eram quase brancos e de grandes olhos azuis correu e segurou a mão dela.
Tia Joanna vacilou.
Meu pai arregalou os olhos.
A respiração de ficou mais pesada.
Minha mãe parecia prestes a ter um enfarto, apesar de ser bem nova pra isso.
Tia Joanna e a menina caminharam na direção dos três.
Quando estavam todos próximos, ficaram encarando-se sem saber o que dizer.
A menininha estava envergonhada, abraçada à perna de tia Jo.
- ... – Ela murmurou, deixando as lágrimas caírem de seus olhos.
Minha mãe ficou rígida, tentando não chorar.
Obviamente, não conseguiu.
Tia Jo lançou-se em um abraço apertado, envolvendo minha mãe, ainda com a menina agarrada em suas pernas.
- Eu senti sua falta... – Minha mãe disse vacilante.
- Eu também. – Respondeu tia Joanna.
Em seguida, abraçou e meu pai também.
- Vocês não envelhecem, só ficam mais bonitos! – Disse ela, em um sorriso com lágrimas.
Após outros sorrisos cheios de saudade, todos se viraram para a menina.
- Essa é a Suzan, minha filha. – Disse tia Joanna, segurando a mão da criança, que não devia ter mais que seis anos de idade.
Minha mãe engoliu em seco e sorriu.
Abaixou-se para falar com a menina.
- Oi Suzan, eu sou . Sua mãe não me disse que tinha uma filha tão linda.
A criança sorriu um sorriso sincero e puro, de quem não entende o que está acontecendo.
- Obrigada. – Ela sussurrou, os olhos azuis brilhando.
- Ela tem os seus olhos, Jo. – Meu pai disse, sorrindo para a pequena.
- Vamos pegar as suas malas... Temos muito que conversar, todos nós. – disse, sorrindo.
Tia Joanna quase recomeçou a chorar.
Ela devia estar se sentindo hipócrita.
Os amigos que ela abandonou estavam ali, ajudando-a quando ela mais precisava.
Meu pai e carregaram as malas dela e as de Suzan para o carro.
Minha mãe parecia preocupada.
Ela não estava esperando uma criança com tia Joanna.
O problema não era espaço em casa, de maneira nenhuma.
Havia dois problemas, potencialmente difíceis de serem resolvidos: problema e problema Mark.
Minha opinião sobre tudo isso?
Pra mim, todos nessa história não passam de uns merdas.
Eu sei que estou nesse meio.
Fazer o quê? Nessa história de mentiras, a única pessoa completamente inocente entre todos nós era uma menininha loirinha com grandes olhos azuis.
Uma menininha que mudaria a minha vida para sempre.
Capítulo 15.
Lá estava eu, encarando aqueles ponteiros pela milésima vez.
Não haviam se passado nem cinco minutos.
Tempo de merda.
Mudei de posição no sofá, de novo. A televisão ligada era apenas decorativa, eu não fazia idéia do que estava passando.
A verdade era que eu estava preocupado com a minha mãe.
Como ela poderia hospedar tia Joanna aqui em casa, por tempo indeterminado, sem magoar tio ?
era uma mulher com problemas.
Eu era o filho, com problemas maiores ainda.
Como Mark reagiria quando soubesse que a mãe dele estava na minha casa? Não gostava nem de pensar no assunto.
E pra melhorar a minha ansiedade absoluta, meu pai, minha mãe e ainda não haviam voltado daquele maldito aeroporto.
Ou talvez a culpa fosse do trânsito. A porra do trânsito de Londres.
Foi então que eu ouvi um carro se aproximando da entrada.
Levantei correndo do sofá para ver quem era.
A campainha tocou.
Abri a porta, e uma abatida entrou em casa, com os ombros caídos.
- Mãe? Cadê os outros? – Eu perguntei.
- Estão tirando as malas do carro. Escuta, Char... – Ela disse, colocando as mãos nos meus ombros. – Não conte ao Mark. Não ainda.
Eu franzi o cenho.
- Não contar o quê?
Ela baixou os olhos.
- Você vai ver. Não posso te explicar agora, eles estão logo ali fora. Preciso fazer um chá, um chá bem forte... – Minha mãe foi direto para a cozinha, nessa espécie de transe.
Não contar ao Mark? Sobre o quê, sobre a mãe dele estar aqui?
Eu pensei que tio já tivesse feito isso.
As palavras da minha mãe não faziam sentido algum.
Foi então que meu pai entrou pela porta, carregando uma das malas.
logo em seguida, caminhando outra.
Meu pai nem olhou na minha direção, e eu senti que alguma coisa errada estava acontecendo. Algo não tinha saído como o planejado.
lançou um olhar furtivo na minha direção.
Eu sustentei o olhar, tentando tirar dele o máximo de informações possíveis, mas aqueles olhos idênticos aos meus não me disseram nada.
Era um olhar de alerta, e só.
Foi então que tia Jo entrou pela porta, de mãos dadas com uma menininha loira.
- CHARLIE! – Tia Joanna atirou-se em um abraço apertado.
- Tia Jo, quanto tempo... – Eu disse, meio sem graça.
- Como você está grande! – Ela disse, afastando-se para me olhar.
Enquanto ela reparava no meu crescimento, eu também reparava nela.
Tia Joanna continuava linda, como sempre fora, exceto por alguns poucos sinais de envelhecimento e olheiras fortes sob os olhos, demonstrando sua falta de sono.
Seus cabelos negros continuavam os mesmos, e seus olhos incrivelmente azuis também.
Olhos como os da menina, que estava agarrada à mão dela, exceto quando ela me abraçou.
Eu mirei a garota do cabelo no queixo, tão loiro que parecia ser branco.
Então a ficha caiu.
Oh não.
- Charlie, essa é minha filha Suzan. – Disse ela.
A menininha me encarou e, muito timidamente, sorriu.
Não consegui corresponder.
O sorriso da criança foi desaparecendo.
Minha cabeça estava em outro lugar. Em uma outra pessoa, pra ser mais exato: Mark.
Isso era, definitivamente, a pior coisa que podia ter acontecido.
Tia Joanna estava visivelmente sem graça.
- Venha tomar um chá, está pronto! – Minha mãe apareceu na porta da cozinha, chamando tia Jo.
Na hora certa. Amo a minha mãe.
Meu pai e juntaram-se a nós na mesa, em silêncio.
Tia Joanna perguntava à minha mãe o que havia acontecido nos últimos tempos, enquanto ela estava fora.
Últimos tempos? Praticamente a minha vida inteira.
- Ah, Jo... Eu continuo sendo a mesma de sempre. – Minha mãe respondeu.
Tia Joanna parecia estar fazendo uma pergunta séria, com os olhos.
Ela discretamente olhou pra mim, em seguida para .
Um gesto que ninguém nunca teria reparado, a não ser que estivesse prestando atenção na conversa.
Claro.
Ela não sabia que eu já sabia.
- Está tudo resolvido. Eu já sei. – Eu me meti, para evitar constrangimento pra minha mãe.
O que tia Joanna estava pensando? Que minha mãe ia agir como se elas ainda fossem melhores amigas, e sair contando tudo?
E o pior... Na presença do assunto? (Lê-se: eu).
Ela arregalou os olhos de surpresa.
- Fico feliz em ouvir isso, Charlie. Pensei que sua mãe e nunca fossem tomar coragem pra pôr um pai na sua vida. – Disse tia Jo.
Meu pai levantou os olhos pra ela.
- O Char sempre me teve na vida dele, Joanna. Ele é meu filho, não se esqueça.
Tia Joanna parecia se desculpar.
- Perdão, . Eu só quis dizer... Bem, vocês sabem...
Ela estava sem graça.
- Nós entendemos, Jo. Achamos que foi melhor ele saber também. – pôs um ponto final no assunto.
Nota mental: agradecer ao por acabar com essa conversa.
Tia Joanna parecia querer perguntar mais alguma coisa.
- Nas poucas vezes que eu conversei com a sua mãe no telefone... – Ela começou, dirigindo-se a mim. – Ela me disse que você e Mark eram muito amigos.
- Nós somos. – Respondi eu.
- Como ele está, Char? – Perguntou ela, a ansiedade transparecendo.
Eu hesitei. Não ia deixar que ela pensasse que fez falta na vida dele.
- Ele está perfeitamente bem, tia. Exatamente como estava ontem, anteontem, mês passado ou ano passado.
Minha mãe lançou-me um olhar de reprovação mortal.
Talvez eu tivesse sido um pouco rude.
Ok... MUITO rude.
- Eu to meio cansado. Vou deitar. – Disse eu. – Boa noite pra vocês.
Eu levantei-me da mesa, os grandes olhos azuis de Suzan me encarando.
Passei pelo corredor e entrei no meu quarto, fechando a porta de leve para não ser mais mal educado que já havia sido.
"Onde está o pai dessa menina?", eu me perguntava no escuro.
"Mark não vai gostar disso. Tio vai surtar".
Meus pensamentos não estavam me ajudando.
Eu precisava falar com alguém.
Instantaneamente, meus pensamentos voaram para aquela pessoa, aquela que me ouviria em uma hora dessas, como sempre havia feito: Halley.
Mas ela não estava aqui. A culpa era minha.
Mais um ótimo pensamento. Yeah.
Tateei no escuro, pela escrivaninha, á procura de um caderno.
Achei.
Acendi o abajur e peguei uma caneta.
"Halley,
Estou com problemas.
Eu sei, eu sei... Provavelmente você está fazendo aquela cara de 'você merece', mas mesmo assim, eu queria que você me escutasse.
Tia Joanna, mãe do Mark, voltou.
Não, você não está lendo errado: ela voltou.
Com todos os problemas que isso podia gerar, tem um maior: ela voltou com uma criança.
Deve ter uns seis anos de idade..."
Continuei aquela carta, escrevendo e escrevendo, porém tendo em mente que ninguém jamais a leria.
O pensamento de uma linda garota ruiva lendo-a, com o rosto cheio de preocupação, encheu meu peito.
Pelo menos em meus pensamentos, ela se importava comigo.
Em meus pensamentos, ela havia deixado um endereço e um telefone, ao menos.
Em meus pensamentos, ela voltaria logo, porque estava com saudades.
Terminei a carta e enfiei-a em uma gaveta, juntamente com a outra.
Tirei minha camisa e minhas calças, ficando apenas de boxers.
Estava cansado demais para fazer qualquer outra coisa.
Joguei-me na cama, dormindo um sonho leve e perturbado.
Um grito me acordou de madrugada.
Um grito agudo.
Levantei correndo, batendo o joelho na quina da cama.
- Merda!
Tinha certeza de que uma marca roxa seria deixada ali.
Corri, ainda assustado pelo grito, e girei a maçaneta.
Um choro baixo.
Vinha da sala.
Avancei pelo corredor, acendendo a luz.
Lá estava ela: Suzan, no sofá, coberta até o nariz, os olhos arregalados de medo.
Pequenas gotas de lágrima escorriam pelos cantos do seu rosto.
Suspirei.
Caminhei até lá e sentei-me ao seu lado.
- Tá tudo bem?
Ela não me respondeu. Seus olhos azuis viraram-se para mim.
- Onde está a sua mãe? – Perguntei eu, com a maior calma do mundo.
A menina hesitou.
- Ela tá com a tia . Elas estavam conversando. – A fina voz da menina saiu falhada por causa do choro.
- Acha que pode voltar a dormir? – Perguntei eu.
Ela me olhou, como se estivesse pensando em alguma coisa, sem ter certeza se devia falar.
Eu esperei.
- Você pode ficar aqui comigo, enquanto eu não durmo? – Perguntou ela.
Suspirei.
Eu não podia simplesmente ir dormir e deixá-la ali, provavelmente confusa e em um lugar que ela não conhecia.
- Chega pra lá. – Disse eu, encaixando meu corpo ligeiramente grande no sofá com ela e cobrindo-a.
Os seus olhos ainda estavam arregalados de medo.
- Quer que eu apague a luz pra você dormir? – Perguntei eu.
- Não. – Ela disse depressa, mal me deixando terminar a frase.
- Ok.
Esperei. Suzan estava quase dormindo agora.
A mão dela estava firmemente presa à minha.
Parecia tão pequena, tão delicada...
- Eu me esqueci o seu nome. – Disse ela, bem baixo.
Estava naquela fase do sono, entre a consciência e os sonhos.
- Charlie. – Disse eu, sorrindo.
Aquilo me deixou impressionado.
Como uma criança é capaz de confiar em alguém que nem ao menos sabe o nome?
- Boa noite, Char. – Ela disse, finalmente fechando os olhos.
Eu fiquei atordoado.
Char? Como ela sabia que era dessa forma que eu preferia ser chamado?
Naquele instante, eu vi que ela era realmente observadora: deve ter ouvido alguém me chamar assim.
Sorri, levantei-me bem devagar e fui para o meu quarto.
Por algum motivo qualquer, não consegui apagar a luz da sala, mesmo sabendo que Suzan já estava dormindo.
Capítulo 16.
Levantei na manhã seguinte e me arrumei para o colégio.
Hoje meu dia seria uma merda, eu sabia disso.
A essa altura, metade da escola devia saber que a Halley estava grávida.
Metade da escola devia saber que eu era o pai.
E o mais estranho: metade de mim não se importava nem um pouco.
A escola parecia ser extremamente insignificante perto de todo o resto agora.
Fui para a cozinha tomar meu café.
Tia Joanna estava lá, dando biscoitos à Suzan.
- Bom dia, Charlie. – Disse tia Joanna.
- Bom dia, tia Jo. – Eu respondi, ainda meio sem graça por ter sido rude noite passada.
- Oi Char. – Suzan abriu um sorriso.
Não pude evitar sorrir de volta.
- Tia, sobre noite passada... Eu realmente sinto muito, eu não pensei no que falava e...
Tia Joanna fez um gesto com as mãos para que eu parasse.
- Esquece isso, querido. Nada que eu não merecesse escutar. – Disse ela, dando um sorriso triste.
Eu esperei.
- Além do mais, eu vou procurar meu filho hoje mesmo. – Disse ela.
Sua voz estava decidida.
Eu gelei.
- Tia, você não acha melhor que eu ligue pro Mark e...
- Não, Char. Você e sua mãe já estão fazendo demais por mim.
Ela não olhava para o meu rosto.
Parecia estar agradecida, mas sua expressão dizia mais 'não se meta' do que 'muito obrigada'.
- Minha mãe já acordou? – Mudei de assunto.
- Ainda não. Fomos dormir tarde ontem, os meninos ficaram aqui por bastante tempo. – Disse ela.
- Ok... Vou indo então. Tchau pra vocês. – Eu disse, referindo-me a ela e a Suzan.
- Tchau Charlie. – Disse tia Joanna.
- Tchau Char! – Ouvi Suzan dizer enquanto eu fechava a porta.
Fui caminhando até a escola, não quis pegar o ônibus essa manhã.
Eu queria demorar mais, e deu certo: o trajeto nunca pareceu tão longo.
Mas na minha vida, nada tão bom dura pra sempre.
Respirei fundo, como ontem, e entrei pela porta.
Sabe aquela metade que eu disse que não se importava se soubessem que a Halley estava grávida de mim?
Pois é.
A metade que se importa começou a gritar, raivosa, em meu peito.
As aulas foram a mesma droga de sempre, eu sentei atrás como no dia anterior, dormi como no dia anterior e fumei no banheiro como no dia anterior.
Podia ser o mesmo dia, se meus pensamentos não estivessem um pouco diferentes.
Agora, não era só com a Halley que eu me preocupava: era com Mark também.
Ele ia surtar, eu tinha certeza disso.
Passei o tempo inteiro me concentrando em mais uma carta frustrada que nunca seria lida, ignorando os olhares sobre mim.
Obviamente, todos já sabiam.
Saí da escola naquele dia, feliz por ninguém ter vindo me perguntar sobre nada.
Isso faria a parte que se importa se rebelar e arrebentar a cara de alguém.
Ela parecia estar sob controle agora.
No caminho para casa, não peguei o ônibus de novo.
Não queria chegar rápido: sabia que haveria mais problemas por lá.
Era só isso, pra onde quer que eu fosse: problemas, problemas, problemas.
Alguns nem eram conseqüência dos meus atos.
Outros eram inteiramente culpa minha.
Respirei fundo.
"Pare com isso, Charlie , seu covarde! Sua mãe precisa de você agora..." a consciência dizia em minha cabeça.
Minha mãe.
Ela estava em uma fria.
E o que mais me agoniava: ela não tinha, pelo menos diretamente, nada haver com isso.
Mas parecia que as coisas insistiam em cair em cima dela.
Como se ela atraísse esses problemas, ou algo assim.
Pela primeira vez, o maior problema na vida dela não era eu. Houve um momentâneo alívio.
O trajeto não demorou tanto quanto eu esperava: lá estava a porta da minha casa.
E sentada na frente, com os cachos loiros caídos pelas costas, estava tia Julie (esposa do tio ).
Ela mantinha o rosto sereno, como sempre, mas algo em sua expressão não estava no lugar.
Como se ela estivesse preocupada.
Até que ela me viu.
- Charlie, meu querido! – Tia Julie sorriu e me puxou para um abraço, assim que eu estava perto o suficiente.
- Oi tia. – Disse eu, sorrindo. Fazia um tempo que eu não a via.
- Ainda fumando? – Perguntou ela, seu rosto ficando sério.
Claro, eu devia ter pensado em tirar o casaco. Ela sentiu o cheiro.
Levantei os ombros, envergonhado.
Tia Julie sempre foi mais atenta que a minha mãe.
Aliás, qualquer um era.
- Só não vou falar sobre isso com a agora porque eu acho que ela já tem coisas demais na cabeça. – Disse ela.
Seus olhos escuros me repreendiam veementemente.
Até que seu rosto se suavizou.
- Que bom que você chegou, Char. Eu preciso conversar com alguém enquanto espero. – Disse ela.
- Espera o quê? – Perguntei eu, com a testa franzida.
- levou Joanna para a casa de Mark agora a pouco. Ele disse que precisava ajudar em alguma coisa, já que todo mundo estava ajudando. Sua mãe foi até a casa do fazer não sei o quê, e não tive notícias nem de nem de hoje, mas acho que estava com tentando acalmá-lo. Na última reunião onde Joanna foi citada, ele não reagiu muito bem. Só estamos eu e Suzan aqui. – Disse ela. – Esperando por notícias.
Eu parei um momento para absorver tudo aquilo.
Suzan apareceu correndo pela porta, sorrindo.
- Charlie, vem ver o desenho que eu fiz pra você! – Sua pequena mãozinha já me puxava para dentro de casa, passando por tia Julie.
Mas eu estava ausente em pensamentos.
estava tentando acalmar tio ?
Provavelmente porque ele já sabia que tia Joanna pretendia falar com Mark.
Minha mãe, possivelmente se afundando em lágrimas na casa do meu pai? Nada bom.
Tia Joanna indo para a casa do Mark com tio ?
Péssima idéia.
Mark, tia Joanna e tio me explicaram isso com detalhes em um tempo futuro, quando eu perguntei como havia sido.
Então eu vou repassar aqui a minha versão dos fatos...
Tio parou na porta do apartamento.
- Obrigada, . Eu sigo sozinha daqui. – Disse tia Joanna, sorrindo nervosamente e tentando tirar o cinto.
Não conseguia: suas mãos tremiam.
Tio inclinou-se e desafivelou o cinto pra ela.
- Tem certeza que não quer que eu vá contigo? – Perguntou ele.
- Tenho sim. Eu preciso conversar com o Mark, sozinha. – Disse tia Joanna, saindo pela porta.
Virou-se mais uma vez.
- Me deseje sorte.
Bateu a porta e foi caminhando, dura, até a recepção do prédio.
"Estou torcendo por você", tio pensou, debruçando-se sobre o volante.
Tia Joanna pediu para que o porteiro avisasse sua chegada.
Devem ter sido momentos de agonia profunda.
Por algum milagre, ela estava autorizada a subir.
E assim o fez.
Ficou parada na frente da porta por longos minutos, sem saber se tocava e encarava o filho ou se saía correndo para abraçar tio , chorar e pedir que ele subisse com ela.
A escolha foi a opção A.
A campainha soou estridente, cortando o silêncio no andar e o silêncio dentro da própria Joanna.
Mark abriu a porta e encarou a mãe, pela primeira vez em bastante tempo.
Tia Joanna quase engasgou quando viu o filho: era o tio mais jovem.
O pelo qual ela se apaixonou e casou.
Apenas um garoto.
Recuperou o fôlego, lembrando-se de que era Mark ali, seu filho.
- Oi Joanna. – Disse ele, sério.
Confesso que fiquei impressionado por ele não ter batido a porta na cara dela.
Mark é bem mais calmo que eu, mas não tão calmo assim.
- Oi filho. – Disse ela, tão baixo que ele teve que fazer força para escutar.
"Filho". Ele não gostou disso nem um pouco.
- Minha mãe se chama , e eu não a vejo em nenhum lugar por aqui. – Disse ele, rude.
Outch.
Não sei se tia Jo estava preparada pra saber o quanto Mark era apegado a minha mãe.
- Posso entrar para conversarmos? – Perguntou ela.
Mark não respondeu, apenas abriu passagem.
Os olhos azuis da mãe o encararam quando ela passou pela porta.
Tia Joanna observava cada detalhe da sala bagunçada, com um sorriso escondido no rosto: estava na casa do seu filho.
- O que te traz aqui? – Perguntou Mark, sentando-se no sofá.
Ele estava tentando parecer indiferente.
Mas suas atitudes não eram refletidas em seus olhos.
- É uma longa história, meu fi... Mark. – Corrigiu-se ela.
- Tenho todo o tempo do mundo. – Disse ele, tentando manter a voz uniforme.
Ela sentou-se em uma cadeira que ele indicou com a cabeça.
Tia Joanna respirou fundo.
- Eu liguei pro seu pai pra avisar que eu estava voltando, por isso que ele sabia e provavelmente falou pra você, porque você não pareceu surpreso em me ver. não atendeu ao telefone, acho que não estava em casa... Então eu deixei uma mensagem na secretária eletrônica e liguei para a porque não tive coragem de ligar pra você. Dos meus amigos daqui, ela era a mais próxima de mim. Eu conversava com ela raramente no telefone, o que já é muito mais do que eu fazia com Julie.
Ela esperou alguma reação da parte dele, talvez por ter mencionado que ligava para a amiga e não para ele.
Ele não reagiu de forma alguma.
- Eu estava vivendo em Wembley com meu marido... – Ela estava cautelosa. – Até que ele foi embora e levou todo o meu dinheiro. Eu estava cheia de dívidas, desempregada, e em breve sem ter onde morar, pois o apartamento seria tomado para quitar as dívidas.
Ela olhou para as próprias mãos.
Ele fez um som baixo com a boca.
- Você ia pedir pro meu pai te hospedar, depois de tudo o que você fez? – Perguntou Mark.
Joanna mordeu os lábios e encarou as próprias mãos, que tremiam nervosamente sobre o seu colo. Isso porque ela ainda não havia chegado à pior parte.
- Não, eu só queria avisar pra ele não ficar surpreso quando soubesse. Além do mais, eu o conheço, e sei que se eu não contasse e deixasse que outra pessoa fizesse isso quando eu já estivesse aqui, seria muito pior. E foi por isso que eu pedi ajuda a . Seria mais fácil pedir dinheiro, mas eu não consegui fazer isso. Além do mais, eu queria deixar aquele lugar, porque tudo ali me lembrava... Dele.
Mark encarou-a, a raiva transbordando dos seus olhos.
- Mais alguma coisa? – Perguntou ele, praticamente sibilando (eu sentiria medo nessa hora).
- Sim, mais uma coisa... Talvez a mais importante.
- Vá em frente.
Ela encarou-o mais profundamente.
- Eu tive outra filha, Mark. Você tem uma irmã.
Essa não.
Que merda.
Capítulo 17.
- Eu estou angustiada, ! – Minha mãe dizia, caminhando pra lá e pra cá na sala da casa do meu pai.
Meu pai estava pacientemente sentado no sofá, observando o ritmo descompassado dela.
- Você está é cavando um buraco no meu chão. – Disse ele, calmamente, com um leve sorriso.
Ela parou de fazer o percurso que estava fazendo pela última meia hora e encarou-o.
Depois, ela começou a rir nervosamente.
- Desculpa, bebê. Eu só estou preocupada com a reação do Mark. – Disse minha mãe, sentando-se ao lado do meu pai no sofá e encostando a cabeça no ombro dele.
Ele beijou a testa dela, passando seus braços ao redor de minha mãe.
- Ele é como um filho pra mim... A idéia de que ele pode se magoar não me faz bem. – Disse ela.
- , eu sei que eu devia estar te apoiando... Mas apoiar alguém não significa mentir pra essa pessoa: ele vai se magoar, você querendo ou não. – Disse meu pai, mantendo a voz calma.
Minha mãe encarou-o.
- Você realmente não ajudou falando isso.
Ele riu, um riso seco de alguém que está passando por uma situação difícil e delicada.
- Eu avisei. – Disse meu pai.
Minha mãe fechou os olhos e tentou relaxar, sem nenhuma esperança.
- Eu não estou preocupada só com o Mark. Eu sei que a Joanna fez todas as coisas erradas que uma pessoa podia ter feito, mas eu ainda sinto que ela é minha melhor amiga. E pra piorar tudo, ainda tem a Suzan... Uma pobre criança no meio dessa confusão. – Disse minha mãe.
Meu pai segurou a mão dela.
- Você não pode carregar todos os problemas do mundo nos ombros, sabia? – Ele disse.
Ele fez soar como uma brincadeira, mas minha mãe sabia que ele estava falando muito sério.
- Eu sei, ... Mas eu me sinto tão... Responsável!
Ele franziu o cenho.
- Você não pode ser responsável por tudo. Você ficou com a responsabilidade de conversar com o Charlie quando ele descobriu que eu não era pai dele, você também ficou com a responsabilidade quando ele engravidou a Halley, você teve que ser madura o suficiente pra passar por cima de todas as suas desavenças com o ... Será que você já não viveu emoções suficientes pra uma vida, ?
Minha mãe pareceu pensar sobre isso por um momento.
- Então o que eu faço? – Perguntou ela.
- Você podia tentar relaxar um pouco, pelo menos por meia hora! Por que você não vai dar uma volta quando sair daqui? Você não tem com o que se preocupar, a Julie tá na sua casa com o Charlie e a Suzan, nossos amigos estão resolvendo seus respectivos problemas ou se metendo nos problemas dos outros... O que tem mais pra você fazer? – Meu pai fez uma cara engraçada e minha mãe riu.
- Não fale assim dos nossos amigos, ! – Ela deu um tapa leve no braço dele, que riu.
- Mas é exatamente isso que eles estão fazendo!
- Eles só estão tentando ajudar, seu grosso. Mas voltando ao assunto de dar uma volta quando eu sair daqui... Por que o senhor não vai comigo?
- Porque eu tenho que adiantar alguns documentos que eu preciso levar amanhã pro trabalho. Faça alguma coisa sem mim, pelo amor de Deus! Você é completamente dependente da minha existência. – Disse ele, convencido.
- Sou mesmo. – Minha mãe beijou a bochecha dele.
Ficaram um tempo em silêncio, pensando em tudo o que estava acontecendo.
Ou não pensando em nada, que é mais provável. Eles não pensam com muita freqüência.
Ok, parei. Voltando...
- Vou pra casa... Tá tarde, e você é um homem ocupado. – Minha mãe se levantou do sofá.
- Sou. – Ele riu. – Pensa no que eu te disse sobre tirar um tempo pra você, ok?
- Vou tentar.
Minha mãe saiu da casa do meu pai, entrou no carro e foi dirigindo pela rua escura, absorta em pensamentos.
"O que custa eu tirar um tempo pra mim um pouco?", pensou ela.
Mas ela não estava com a mínima vontade de rodar sozinha por aí.
Primeiro porque andar sozinha no ápice do crepúsculo londrino não é muito inteligente. Minha cidade tem tanta violência quanto qualquer outro lugar ou até mais, as pessoas precisam parar com essa ilusão de que tudo é perfeito.
Segundo: eu não a deixaria andar sozinha por aí tão tarde (ok, ela não pensou nisso, mas eu sim).
Então minha mãe pensou em chamar alguém pra sair com ela.
Juro que dou meu isqueiro preferido de presente pra quem adivinhar quem ela chamou.
Mentira. É muito óbvio.
E não pensem que a minha mãe é atirada, ou que ela tinha segundas, terceiras e quartas intenções. Ela era apenas uma mulher sozinha querendo companhia, ninguém pode culpá-la.
Olhem-se no espelho antes.
Desculpa, ando meio agressivo.
Minha mãe pegou o celular e discou o número do telefone de .
- Alô? – A voz rouca atendeu do outro lado.
- Te acordei? – Minha mãe perguntou, preocupada.
- ? – A voz dele endireitou-se em um segundo. – Não, eu tava só vendo TV... Tá tudo bem?
- Tá sim... Eu só estava me perguntando se... – Ela respirou fundo. – Se você tem alguma coisa pra fazer neste exato momento?
- Não exatamente. Tô só murchando em casa mesmo. Por quê?
- Quer fazer alguma coisa? Sei lá, nem que seja tomar um sorvete... Preciso me distrair um pouco. – Disse ela.
- Ok, eu encontro você. – Ele disse, rápido demais. – Lugar em você onde tá?
- O que você disse, ? – Minha mãe perguntou, sem entender a confusão de palavras que ele havia feito.
- Em que lugar você tá? – Ele perguntou calmamente.
- Eu tô exatamente a três ruas da casa do , em uma praça. Ah, como foi lá com o ?
- Foi meio complicado, mas acho que ele tá mais tranqüilo – Disse ele, hesitante. - Tô chegando aí! Não sai do carro, você tá sozinha e é perigoso ficar na rua essa hora.
- Perigoso nada! Naquela praça, o máximo que pode acontecer é eu sentar em algum mendigo que esteja deitado no banco. – Disse ela.
Minha mãe é estranha.
Ela deve achar que a vida é colorida e que todas as pessoas são do bem, vão todos dar as mãos e passar pelo arco-íris da felicidade.
Que gay.
- Você brinca com a sorte, . Não sai do carro, estaciona aí perto que eu to chegando.
Não sei por qual milagre da natureza, mas ele conseguiu fazê-la ouvir.
Isso foi legal da parte dele.
Essa noite vai ser extremamente especial pros dois, extremamente estressante pra mim.
Mas voltemos ao Mark e a tia Joanna, acho que é isso que todos querem ouvir.
Ou não.
Capítulo 18.
O silêncio já estava estabelecido há mais ou menos vinte minutos.
Tia Joanna esperou pacientemente o impacto de suas palavras.
Também, o que mais ela podia fazer? A Suzan já existia, estava na minha casa, e nada que o Mark dissesse mudaria isso.
- Mark? – Ela perguntou, quando o silêncio tornou-se insuportável.
- Qual é o seu problema com o silêncio? – Ele perguntou, rispidamente.
Tia Joanna tremeu de leve.
- Honestamente, eu não gosto muito. Nunca gostei.
- Te dá arrepios? – Ele perguntou, casualmente.
- É assustador. – Ela disse, olhando pra baixo.
Ele sorriu cinicamente, e quando falou, ela podia ouvir o veneno nas suas palavras.
- Outra música do meu pai. Provavelmente ele tirou essa de você, também. Você não faz idéia do mal que causou, faz? Eu não acho que faça. Mas não importa...
Ela esperou, sabendo que tudo que ele falava era a verdade.
Mark continuou.
- Voltando ao silêncio... Eu gosto dele. É a perfeita ausência de palavras que não prestam.
Os olhos de tia Joanna ficaram marejados. Ela segurou as lágrimas e encarou o rosto do filho.
O que ela viu deixou-a atordoada.
Não era mais um rosto de raiva, de frustração, muito menos de saudade. Era um rosto vazio e frio, ausente de emoções e olhando para o lugar nenhum.
Ausente como ela foi.
Ela encarou o olhar embaçado dele.
- Eu... Vou indo. – Disse ela.
- Você sabe onde fica a porta. – Ele ainda não a encarava.
- Eu sinto muito que tenha que ser assim, meu filho... – Disse ela, sem fazer esforço para esconder as novas lágrimas que caiam.
- Você está chorando? – Perguntou ele, com escárnio na voz. – Quem você pensa que é pra chorar?
Ela não respondeu.
- EU DEVIA ESTAR CHORANDO AQUI! EU FUI O FILHO ABANDONADO, DEIXADO PRA TRÁS! EU VI MEU PAI DEFINHAR POR SUA CAUSA, EU SENTI A SUA FALTA QUANDO CHEGAVA A NOITE, EU VIA O OLHAR DO MEU PAI MAIS VAZIO A CADA DIA POR SUA CAUSA!
Mark estava berrando. O impacto foi forte para tia Joanna, e os soluços dela aumentaram.
- Eu aprendi a lição, Mark!
- Mesmo? DESDE QUANDO ISSO VAI MUDAR TUDO O QUE EU PASSEI? NUNCA! NADA NUNCA VAI MUDAR O DIA QUE O MEU PAI SURTOU E SAIU RASGANDO AS SUAS FOTOS PELA CASA! NADA VAI MUDAR O DIA QUE EU ACORDEI E VI QUE VOCÊ NÃO ESTAVA LÁ!
Mark agora estava de pé. Tia Joanna não olhava mais para ele.
- OLHA PRA MIM! OLHA PRO RESULTADO DAS SUAS AÇÕES! EU ME TORNEI UM CARA VAZIO DE QUALQUER SENSAÇÃO, SAÍ DE CASA CEDO DEMAIS, E QUANDO EU FINALMENTE ACHO QUE SUPEREI... VOCÊ VOLTA!
Ela olhou.
- Você realmente não quer ouvir meus motivos pra ter te deixado?
Mark ignorou a pergunta dela, respirou fundo e passou a mão pelo rosto vermelho.
- Eu ainda tive que ver a tia encobrindo você pros vizinhos, pras pessoas que comentavam... "Eles se divorciaram", ela dizia. Mentira. Você simplesmente juntou as suas coisas e saiu de casa. – Disse ele.
- é uma boa amiga. – Tia Joanna disse, mais pra ela mesma do que para o filho.
- Tia foi uma boa mãe. Fez tudo que você não fez e mais um pouco. – Disse ele.
- E ainda assim, você sentiu minha falta.
Não era uma pergunta.
- Senti. Mas não faço questão de você agora. Nem de você nem dessa bastardinha que você trouxe.
- NÃO FALA ASSIM DA SUZAN! ELA NÃO TEM CULPA! – Tia Joanna gritou e deixou mais lágrimas caírem.
Mark não alterou sua expressão.
- Tanto faz.
Silêncio.
- Vá embora.
Sem trocar mais uma palavra, tia Joanna saiu pela porta, humilhada até a raiz dos cabelos.
Ela encostou a porta atrás dela, e deixou que todas as suas lágrimas caíssem enquanto pegava o elevador.
"Se você soubesse o que eu passei, os meus motivos...".
No interior do apartamento, Mark estava sozinho com seus pensamentos turbulentos.
Sozinho.
Essa palavra doentia, que ele tanto odiava.
Mark certificou-se de que ela havia fechado a porta e começou a chorar.
Quem o visse naquele momento, acharia que ele tinha cinco anos, e não dezoito.
Ele pegou o celular em cima da mesa e discou pro meu.
- Mark? – Eu atendi nervoso, assim que vi o nome dele na tela.
- Onde você tá, cara? – Ele perguntou, tentando manter a voz firme.
- Em casa, esperando notícias. – Eu não pude deixar de lançar um olhar furtivo á Suzan, que estava sentada no chão da sala fazendo desenhos.
- Esperando notícias. Então você sabia. – Disse ele, sua voz vaga.
Talvez essa não tenha sido a melhor coisa que eu já disse.
- Eu preferi não me meter. Mas tá tudo bem? – Perguntei eu.
Ele suspirou.
- Eu fui um monstro. – Disse ele, o pesar era visível.
Silêncio.
- Tão ruim assim?
- Ruim demais. Em um momento, eu estava tentando manter a calma e estava usando da ironia... No outro eu estava de pé, gritando no rosto dela. – Disse ele.
Eu fiz um som com a boca.
- Não é como se você não tivesse motivos pra gritar, mas... Você não acha que foi um pouco demais pra tia Joanna? – Perguntei eu.
Outra coisa que eu não devia ter feito.
Quando eu disse "Joanna", Suzan instintivamente arregalou os olhos na minha direção.
- Quem é? Gritaram com a mamãe? – Ela perguntou já nervosa.
Eu esqueci da capacidade dela de observar as coisas.
Mark ficou tenso do outro lado da linha.
- A garota tá aí, não é? – Perguntou ele.
- Sim. – Respondi eu, lutando para engolir o nó em minha garganta.
Outra resposta que eu não devia ter dado: Sim.
Suzan pensou que a minha resposta havia sido dirigida á pergunta dela (sobre alguém estar gritando com a tia Jo).
- Então me dá o telefone, Char. Eu quero saber quem é que gritou com a mamãe! – Ela estendeu as mãozinhas pro meu celular, já com os olhos cheios de lágrimas.
- Você parece meio ocupado. A gente se vê, Charlie. – Mark desligou o telefone.
Merda.
- VOCÊ NÃO PODIA TER FICADO QUIETA, SUZAN? – Perguntei eu, com raiva, enfiando o celular no bolso.
Eu estava me sentindo realmente mal. Mark estava lá quando eu precisei dele.
Legal. Agora além de péssimo filho e péssimo namorado, eu era um péssimo melhor amigo.
Talvez eu deva apenas encarar o fato de que eu sou uma pessoa péssima.
Suzan arregalou os olhos pra mim, decepcionada.
Então ela abaixou e continuou com o seu desenho.
Suspirei.
- Desculpa. – Sentei-me ao lado dela. – É complicado.
- Pra mim também. – Disse ela, sem tirar os olhos do desenho.
Eu franzi o cenho. Ela percebeu que eu não havia entendido.
- Minha mamãe é tudo que eu tenho. Não gosto quando gritam com ela.
Essa garota não pode ter só seis anos de idade!
- Ei, isso não é verdade! – Eu puxei-a pelos braços para o meu colo, quando reparei que pequenas gotas molhavam o desenho.
Ela chorou no meu ombro, um choro silencioso.
- Você tem a mim, a minha mãe, a tia Julie... Ninguém vai te deixar sozinha. – Disse eu.
Passei as mãos pelo cabelo dela, até que ela parou de tremer.
- Vai lavar o rosto, antes que a tia Julie volte da cozinha e te veja chorando. – Disse eu.
Ela sorriu, botou seus cabelos loiros e curtos pra trás da orelha e saiu correndo.
Eu fiquei sentado ali.
- Char... – Ela disse, virando-se novamente pra mim.
- O que foi? – Eu sorri.
- Você sabe como parar um choro. Seria um ótimo pai. – Disse Suzan, sorrindo e continuando a andar.
Eu fiquei atordoado.
Ela disse que eu seria um ótimo pai.
Isso parecia uma chance... Uma chance pra não ser péssimo em alguma coisa.
O que eu mais queria na vida era essa chance.
Capítulo 19.
- Não, ! – Minha mãe gargalhava enquanto passava o sorvete de casquinha na bochecha dela.
A praça estava calma, alguns poucos casais espalhados aqui e ali, uma criança com os pais... Nenhum grande movimento.
Minha mãe e estavam sentados em um dos bancos, logo abaixo de um poste.
Ele ria das caretas dela enquanto continuava brincando com o sorvete.
- Tá frio, ! Perdeu a graça! – Minha mãe disse, tentando não rir (sem nenhum sucesso).
- Ok, só porque eu não vou desperdiçar o meu sorvete. – Disse , terminando com a casquinha em três segundos.
Minha mãe arregalou os olhos.
- Você come rápido. Parece um animal.
- Como se você não soubesse disso. – Rebateu ele, abrindo um sorriso de orelha a orelha.
- Acho que eu tinha esquecido. – Ela sorriu fracamente e desviou o olhar para o céu.
O sorriso dele desapareceu.
Apesar de a noite estar fria, as estrelas brilhavam acima deles.
Minha mãe ficou completamente absorvida pelo brilho ofuscante... E ficou completamente absorvido pelo rosto dela.
Ela estremeceu.
- Você está com frio? Quer o meu casaco? – Ele foi perguntando enquanto já tirava os braços de dentro do agasalho.
- Não precisa não... Frio é completamente psicológico. – Minha mãe disse, tagarelando de nervoso. – Já foi comprovado, é a mais pura verdade... A mente humana faz cada coisa, sabe...
As palavras morreram na boca dela.
Ele levantou uma sobrancelha e sorriu de leve.
- Você não precisa ficar toda atrapalhada só porque eu vou te emprestar o meu casaco, . Não é como se eu fosse te agarrar nem nada assim. – Disse , jogando o casaco sobre os ombros dela, sem deixá-la argumentar.
Minha mãe se encolheu no banco, apertando o casaco contra o corpo.
Houve um silêncio.
olhou pra cima, acompanhando o olhar dela.
- É estranho, não é? – Perguntou ele de repente.
- O que é estranho?
Ela mirou-o, enquanto ele mirava o céu.
- Se sentir tão pequeno, perto de coisas tão grandes. Todos os problemas parecem mínimos aqui embaixo... – Ele explicou, seus olhos cintilando com o brilho prateado.
Ela desviou o olhar do rosto dele, corando.
Realmente, eu não estava lá, mas eu me lembro daquela noite. O céu estava indescritível, maravilhoso demais para estar no meio de uma cidade enorme como Londres.
Eu estava na janela de casa essa hora, tão maravilhado quanto eles. Mas os meus pensamentos não estavam exatamente nas estrelas, e sim na escuridão do céu em contraste com elas.
Escuros como os olhos de certa garota ruiva.
- É a coisa mais linda que eu já vi. – Minha mãe disse, depois de um tempo.
- É bonito. Mas não chega nem perto da coisa mais linda que eu já vi. – Disse ele, olhando-a atentamente.
Minha mãe olhou-o também.
- Qual foi a coisa mais linda que você já viu? – Perguntou ela, com uma curiosidade natural, mas ao mesmo tempo certo receio.
respirou fundo.
- A coisa mais linda que eu já vi foi o seu rosto durante a gravidez do Charlie.
O corpo dela enrijeceu.
- Você diz quando eu não estava chorando porque meu filho ia nascer sem pai, certo? – Perguntou ela, com uma raiva controlada até demais.
Ele pôs sua mão sobre a dela e apertou-a com força.
A cabeça dela estava meio abaixada pelas memórias, ele levantou o queixo dela com a outra mão.
Estavam completamente virados um para o outro naquele momento.
A praça, o céu, as poucas pessoas... Tudo parecia ter sumido.
- Eu estou falando sobre as horas em que te vi feliz. Como quando você andava pela casa que eu morava com os meninos, com um sorriso lindo, passando as mãos na barriga. Você tinha o olhar de alguém que estava prestes a descobrir a coisa mais linda da vida, o simples gesto de mudar tudo em você por uma pessoa que nem existia ainda. Não existia, mas já fazia a maior das diferenças. – Ele parou para olhar através dos olhos dela. Nada o impedia de continuar. – Você cantava sozinha de vez em quando, seus olhos estavam mais brilhantes, e você parecia ter tanta... Certeza. Até que eu estraguei tudo, joguei tudo pela janela. Você não tem idéia do quanto foi doloroso ver você andando pela casa, sorrindo e cantando, não mais pra mim. Você passou a agir como se eu não existisse. Eu não podia mais ouvir seu coração acelerar, porque eu não te abraçava. Eu não podia mais passar as mãos no seu cabelo, porque você já não me pertencia. Quando o Charlie nasceu, quem primeiro o segurou foi o , e isso me matou por dentro. Tudo o que eu mais queria era sentir seus braços ao meu redor de novo.
Minha mãe estava chorando.
Aquilo era tudo que ela sempre quis ouvir na vida.
Ele passou o dedo no rosto dela, secando as lágrimas.
estava prestes a terminar tudo o que sempre quis dizer.
- Eu me senti um monstro quando apaguei aquele brilho do seu olhar com a minha negação. Eu via meu filho, meu próprio filho, como um problema na minha vida. Como algo que veio de você pode ser um problema pra mim? Então os anos foram passando, e você fingindo que eu não estava ali. Seu rosto endurecia quando eu me aproximava, e isso doía demais, . Doía ver que ser mãe te fazia mais bonita a cada dia, e eu não estava do seu lado, pra segurar a sua mão e dizer pra todo mundo que você era minha. Pra dizer que o bebê perfeito que você segurava era meu, tinha os meus olhos. Eu ainda quero dizer isso. Eu ainda te amo, mais do que você imagina.
Minha mãe agora soluçava.
Ela tentava conter as lágrimas pra falar.
- Você não sabe como eu sofri também, . Eu senti sua falta, de todas as maneiras que uma pessoa pode sentir falta da outra. Sentia falta das suas brincadeiras, dos seus sorrisos, de sentir você deitado ao meu lado. Você disse que não podia mais ouvir meu coração acelerar, mas ele acelerava mesmo assim. Você disse que queria segurar minha mão e dizer que eu era sua, mas você nunca precisou disso, eu sempre fui. Você queria dizer que o filho era seu, e apesar de todos os esforços do pra se tornar o ótimo pai que ele é pro Charlie hoje, eu nunca esqueci nem por um segundo quem colocou aqueles lindos olhos na minha vida. Eu também te amo, muito, muito mais do que você imagina.
Ela o abraçou, passando seus braços ao redor dos ombros dele, as lágrimas molhando a sua blusa.
fechou os olhos e sorriu: ela o amava.
Ela verdadeiramente o amava.
Então ela levantou os olhos para encará-lo.
foi chegando perto instantaneamente, era como um ímã, não havia nada que ele pudesse fazer para parar.
Ele beijou-a, lentamente, apertando-a contra si.
Depois de um longo momento apenas aproveitando a companhia um do outro, minha mãe quebrou o silêncio.
- Como vai ser agora? – Perguntou ela.
- Vai ser do jeito que sempre devia ter sido. Eu e você. – Respondeu ele, com um sorriso bobo no rosto.
Eu odeio estragar o ápice do romance aqui, mas a fala dele me irritou um pouco.
Vou fazer um pequeno conserto.
"Vai ser do jeito que sempre devia ter sido. Eu, você, e o Char".
Definitivamente, bem melhor.
Capítulo 20.
Eu estava deitado no sofá, refletindo sobre os últimos acontecimentos.
Tia Joanna havia entrado pela porta há algum tempo, o rosto vermelho e molhado.
Eu não sou idiota, então logo percebi que ela havia chorado. Também, o que mais podia ser aquela água toda? Cuspe do Mark na cara dela?
Ele é monstruoso, mas nem tanto.
Eu levantei rápido e tentei dizer alguma coisa, mas ela correu pro quarto de hóspedes e se trancou lá dentro.
Tio estava parado na porta, com cara de enterro.
- Tão ruim assim? – Perguntei eu, franzindo o rosto.
- Péssimo. – Respondeu tio , pesaroso.
Aquela maldita palavra me perseguia.
Girei o piercing violentamente no lábio, como fazia sempre que ficava nervoso.
Não que isso fosse ajudar muito, é claro. O máximo que eu ia conseguir seria rasgar o beiço e ir parar no hospital, pro médico virar pra mim e dizer "isso parece péssimo".
Seria demais para um cara só.
- Deu pra ouvir os gritos? – Perguntei eu.
- Não. Mas aposto que foram altos. – Disse tio .
Ficamos em silêncio.
- Entra aí, tio. – Disse eu, quando percebi que ele ainda estava parado na porta.
piscou, como se tivesse acabado de sair de um transe.
Aparentemente, ele também não havia percebido que estava parado ali.
- Não, obrigado Char. Eu só vim deixar a Joanna e buscar a Julie. Pretendia falar com a sua mãe também, mas ela deve estar trancada dentro do quarto com a Joanna, certo?
- Na verdade não. Minha mãe ainda não voltou pra casa. – Disse eu, calmamente.
Tio arregalou os olhos.
- E você ainda não ligou pra ela? tá sozinha na rua a essa hora? Como? – Ele atirou as perguntas, sem dar tempo pra que eu respondesse.
- Eu liguei pro celular, ela não atendeu. Então eu liguei pra casa do meu pai, e ele disse que ela ia dar uma volta por aí antes de voltar porque ela precisava relaxar. Ele garantiu que não era pra eu me preocupar, ela não ia muito longe e além do mais ele tinha ido ao mercado comprar uma caixa de ovos quando viu o carro dela estacionado a três ruas da casa dele. Ou seja: ainda está sob campo de visão. – Expliquei eu, tomando fôlego.
Tio relaxou.
- Ah sim. Você se importa de chamar a sua tia Julie então? Eu estou realmente cansado.
Eu olhei pra ele.
O cara tava um caco.
Chamei tia Julie, que se despediu de mim com um enorme abraço, e depois foi embora com tio .
Quando eles saíram, me dei conta de que Suzan não estava em nenhum lugar por perto.
"Deve estar lá dentro com a tia Joanna", pensei eu.
Deitei no sofá de novo, tentando relaxar, quando o telefone tocou.
- Alô? – Eu atendi meio sonolento.
- Charlie ? – A voz de Martha, mãe da Halley, respondeu do outro lado da linha.
Em um pulo, eu estava de pé e fora do sofá.
- Martha, é você?
- Sou eu sim, Charlie. – Respondeu ela.
- Alguma notícia da Halley? Alguma notícia da gravidez? Ela tem passado bem? Ela precisa de dinheiro? Ela disse quando volta? – Eu não pude controlar a corrente elétrica que passava pelo meu corpo.
- Fique calmo, Charlie. Halley ligou sim, e aparentemente está tudo bem com ela. Ela não sabe que eu estou ligando pra você... – Disse Martha, receosa.
- Ela ao menos disse quando volta? – Perguntei eu, tentando não me abalar.
Um suspiro.
- Eu não sei nem porque estou fazendo isso, mas enfim... Ela pretende voltar daqui a algum tempo, porém não imediatamente. Ela está... Ocupada por lá. – Disse Martha. Eu notei o receio em sua voz.
- O que ela está fazendo?
Martha começou a chorar baixinho, eu tentei não me desesperar.
- Eu não sei, Charlie, ela não me disse. Ela apenas disse que está ocupada, mas falou pra eu não me preocupar porque não é nada demais. Disse que volta assim que estiver pronta.
Silêncio.
Eu estava absorvendo tudo isso.
- Você me disse pra te mandar notícias, eu mandei. Não se preocupe, ela não vai saber que eu estou fazendo isso. E que fique claro que eu só estou tentando te ajudar porque eu sei que, da sua maneira estranha, você ama a minha Halley. – Disse ela.
- Amo sim. – Disse eu.
Ela suspirou longamente.
- É isso. Tchau, Charlie.
- Tchau, Martha.
Desligou.
Eu baixei o telefone, sedento por mais notícias.
Eu tentei raciocinar direito. Saber que ela estava bem: isso era ótimo. Não saber o que ela estava fazendo de tão importante pra não ter voltado ainda: isso era péssimo.
Aí a palavrinha de novo.
"Péssimo".
Existe palavra pior? Eu duvido.
Isso rendeu mais uma carta pra não ser lida, mais tarde, no meu quarto.
"Sua mãe me ligou hoje e me disse que você está bem. O que você está fazendo de tão importante? Quando você volta?
Ok, eu acho que não mereço saber. De qualquer forma, como eu já disse tantas outras vezes, eu sinto a sua falta. Eu amo você, Halley".
Parecia absurdamente vago perto de tudo o que eu queria dizer.
Dei de ombros: não é como se ela fosse ler de qualquer jeito.
Enfiei na mesma gaveta onde estavam as outras e a bati com força.
Alguém tocou de leve a porta, eu estava deitado na cama, com os braços jogados atrás da cabeça, pensando.
- Entra. – Disse eu.
- Sou eu, filho. – Minha mãe entrou pela porta.
- Oi mãe. – Eu sorri.
- Tá tudo bem? – Perguntou ela.
Encarei-a.
Ela sim, parecia bem. Seus olhos estavam brilhando de uma forma que eu não via desde...
De uma forma que eu nunca vi, na verdade.
- Honestamente, não. A Martha ligou agora, a Halley não falou mais que o necessário pra ela. Tia Joanna deve estar chorando até agora no quarto ao lado, o que me leva a acreditar que a conversa com o Mark foi uma merda. Tio estava com cara de derrotado e tia Julie ficava o tempo todo tentando disfarçar pra Suzan não perceber nada. Será que eu esqueci alguma coisa?
Minha mãe mordeu os lábios e sentou-se ao meu lado na cama.
- Me desculpe por ter saído, filho. Eu realmente precisava.
Eu sorri.
- Com quem você estava?
Ela pareceu receosa.
- Com o . – Ela finalmente respondeu.
Eu encarei-a, pasmo.
- Charlie, você não sabe, não me olhe assim! Meu filho, hoje foi... – Ela começou a tagarelar, mas eu não estava ouvindo.
Sorri e pus o dedo no lábio dela.
- Fica quieta, . Tá tudo bem. Você não precisa ficar toda atrapalhada só porque eu perguntei, mãe. Não é como se eu fosse te bater nem nada. – Disse eu.
Ela piscou abobalhada.
Mais tarde ela me diria que foi porque eu falei exatamente como o .
Ficamos ali, conversando até que sentimos sono, falando sobre os últimos acontecimentos (ela generosamente me poupou de detalhes desnecessários sobre ela e o ).
Nos despedimos, eu deitei e virei pro lado me cobrindo.
Não demorou muito e eu senti um peso ao meu lado na cama, passando os braços pela minha
cintura. Sorri de olhos fechados.
- Tá com medo de dormir sozinha, mãe?
Ela riu baixinho.
- Aquela cama é muito grande. - Respondeu ela, afundando o rosto nas minhas costas largas.
Chegava a ser engraçado o quanto eu era maior que ela.
Me incomodou um pouco a declaração sobre a cama, ela nunca havia dito isso antes. Se sentir sozinha?
Ah. Cheiro de no ar.
- Eu te amo, meu filho. - Ela sussurrou, já adormecendo.
- Eu também te amo.
Não demorei a pegar no sono.
Capítulo 21.
Passaram-se duas semanas, as coisas continuaram na mesma por aqui.
Tia Joanna era um fantasma.
Não falava, mal comia, e aposto que mal dormia também.
Era triste ver as maneiras com as quais Suzan tentava chamar a sua atenção, insistentemente, sem obter resposta alguma.
Apenas os olhos vagos e amargurados, olhos de uma pessoa que estragou a própria vida.
Olhos de alguém que guardava um grave segredo.
Minha mãe tentava conter o sorriso diante de situações assim, mas conter sorrisos estava ficando mais difícil pra ela ultimamente.
Porque há exatas duas semanas, ela começou a namorar com o .
De novo.
Espero que eles não façam outro filho dessa vez.
Ok... Parei. Eu estou feliz por ela, de verdade.
Quanto a mim? Eu continuo respirando.
Vou para a escola, durmo na aula, volto pra casa, como e durmo.
Estudo de vez em quando.
Tentei ligar pro Mark algumas vezes, mas caía sempre na secretária eletrônica, e o celular dele caía sempre na caixa de mensagens.
Acho que ele estava naquela fase pós-traumática, a crise de "não quero falar com ninguém". Eu sei como é, passei por isso.
Ou talvez seja apenas "não quero falar com o Charlie".
Tanto faz.
Foi quando eu estava voltando do colégio naquela sexta-feira que as coisas mudaram de rumo.
Entrei em casa, estava tudo apagado.
Minha mãe ainda estava no trabalho, tia Julie deve ter pegado a Suzan pra dar uma volta (ela tem feito muito isso ultimamente) e tia Joanna provavelmente estava no quarto de hóspedes, no seu transe natural.
Caminhei até o sofá e joguei-me lá.
O cansaço por não fazer nada era enorme, acreditem.
Foi quando o telefone tocou.
- Alô? – Eu atendi, com a voz embargada.
- Charlie ? – A voz de Martha encheu minha mente.
- Martha? – Eu arregalei os olhos pra escuridão da sala.
- Eu mesma, Char. Tenho notícias da Halley.
Sentei-me instantaneamente.
- Pode falar. – Disse eu, minha voz saindo dura pela tensão.
- Ela ligou pra casa ontem á noite e... Bom, entre outras pequenas coisas, ela disse que volta daqui a uma semana.
Minha respiração de repente aumentou.
Seriam os sete dias mais longos da minha vida.
- Ela disse a hora? Em qual aeroporto ela vai desembarcar? Ela já comprou a passagem? – Eu percebi que estava atirando perguntas descontroladamente em Martha, de novo.
Ela suspirou.
- Ela vai vir da França, de trem, Sábado. Deve chegar aqui umas oito da noite.
É claro que ela pegaria o trem pra voltar. Morávamos na Inglaterra, não havia razão pra gastar dinheiro com avião.
- Bom, então... Posso ir buscá-la? – Perguntei eu, receoso.
Houve um pequeno silêncio.
- Acho que mesmo se eu dissesse que não, você iria... Certo? – Perguntou Martha, e eu pude ouvir um pequeno sorriso em sua voz.
Sorri também.
- Iria sim. Espero que isso não traga muitos problemas pra você. – Disse eu, sinceramente.
- O máximo que pode acontecer é uma briga entre mãe e filha... Não é com isso que eu estou preocupada. Estou preocupada com o George. – Disse Martha.
Eu estremeci e me lembrei de tudo.
- Eu disse que não era pra esconder isso dele, Martha. A essa altura, a barriga da Halley já começou a crescer, não sei se você vai simplesmente poder dizer que ela engordou na viagem pra casa da tia. – Disse eu, repentinamente aborrecido.
- Esse é o problema. Ela não vai poder ficar aqui, Charlie. Pelo menos não até que eu conte tudo pro George com calma. – Disse Martha.
Então o problema apareceu em minha cabeça: precisávamos de um lugar para Halley.
Um lugar onde o pai dela não brigasse com ela e não me desse um tiro.
Eu só consegui ver duas hipóteses na minha frente: ou era a minha casa, ou era a casa do Mark.
A opção dois estava absolutamente fora de questão, porque eu estava brigado por tempo indeterminado com meu melhor amigo.
Aliás, brigado não era a palavra... Desentendido seria melhor, porque não houve nenhum conflito.
Então a Halley ficaria aqui.
- Ela pode ficar aqui, Martha. Minha mãe não vai se importar, a casa é grande. O problema é ela aceitar. – Disse eu.
- Eu vou conversar com ela, Charlie. O George vai continuar achando que ela está na França por enquanto. – Disse Martha.
Eu franzi o cenho.
- Acho melhor contar, Martha. Mentiras só complicam...
Eu era a prova disso, certo? Viver em uma mentira não é bom pra ninguém.
- Essa parte é comigo, Charlie. Apenas certifique-se de que a não vai se importar... – Martha ia dizendo, mas eu cortei-a.
- Não tem problema. Em uma semana, eu a trarei pra cá, custe o que custar. – Disse eu.
- Obrigada, Charlie.
- É a minha obrigação.
Na verdade, eu realmente QUERIA a Halley comigo, e não era só por obrigação.
Mas a mãe dela não precisava saber que eu a amava e que estava com saudades e todas essas coisas melosas que não se diz pra qualquer um.
Martha já tinha muito no que pensar.
Desligamos o telefone, e eu senti uma necessidade imediata de escrever mais uma carta inútil.
"Sua mãe me ligou e disse que você está vindo pra cá. Isso é bom, sabe? Eu sinto sua falta mais do que é possível suportar.
Bom, as coisas por aqui estão ficando mais tumultuadas. Minha mãe e o voltaram a namorar, tia Joanna mal anda pela casa, Suzan está ficando cada dia mais triste... E eu estou tentando não sufocar.
Como você está? Daria tudo pra saber.
Bom... Nos vemos em sete dias.
Eu amo você".
Simples, mas acho que dizia tudo.
Não com a mesma intensidade, é claro, mas dizia.
Enfiei a carta na mesma gaveta e saí do quatro pra comer alguma coisa.
Se eu estava sonolento antes, isso era passado.
Agora eu estava ansioso.
Será que era possível um ser humano ficar sete dias sem dormir?
Bom... Vamos fazer um teste.
Capítulo 22.
- E aí eu disse que sim. – Finalizei eu.
Minha mãe estava sentada na poltrona da sala, tomando um chocolate quente.
Eu estava no sofá, e havia acabado de contá-la sobre a minha conversa com Martha no telefone.
Houve um silêncio.
- Não acredito que ela disse "Certifique-se de que a não vai se importar"! – Minha mãe disse, indignada.
Eu mirei-a, confuso.
Com tantas coisas pra se preocupar na conversa, ela foi se preocupar com isso.
Sorri.
- Ela tava preocupada, mãe. Só isso. – Disse eu.
Minha mãe levantou-se e me abraçou.
Isso era um "sim", é claro.
Passei a tarde daquele sábado vendo alguns desenhos animados com Suzan, no sofá.
A cada gargalhada dela, eu ria também.
O sorriso dela me enchia de alegria, era impressionante.
- Eu to com fome, Char! – Disse ela, olhando para mim com aqueles grandes olhos azuis e uma carinha de cachorro sem dono.
- Você quer que eu faça pipoca? – Perguntei eu, coçando a cabeça.
- Eu estou com FOME, como você vai me dar pipoca? – Ela perguntou, indignada. – Espero que quando o seu bebê estiver com fome, você não faça pipoca pra ele também!
Meu queixo deve ter caído uns três metros.
- Você... Como que... Hein? – Eu estava balbuciando coisas sem sentido.
Ela revirou os olhos, suas pequenas mãos empurrando meu peito.
- Vai fazer a pipoca então, Charlie.
Eu continuava atordoado.
Ela olhou pra mim e sorriu.
Enquanto eu fazia a pipoca, refletia sobre isso.
Suzan parecia saber de tudo, o tempo todo. Acho que nunca descobrirei como.
Ela me tratava como uma espécie de irmão mais velho...
Foi aí que eu tive uma idéia. Eu não sabia se daria certo ou não, mas eu precisava arriscar.
- Toma aí a pipoca, Suz. Espera um segundo que eu já volto. – Disse eu, entregando a pipoca a ela, que fez que sim com a cabeça sem tirar os olhos da televisão.
Fui até meu quarto e liguei pro celular do Mark.
- Alô? – Ele atendeu.
Eu hesitei um pouco.
Duas semanas sem ao menos ter notícias sobre meu melhor amigo.
- Mark... Sou eu, Charlie. – Disse eu.
- Oi Char. Há quanto tempo que a gente não se fala... – Disse ele.
Ele não parecia chateado comigo, mas sim chateado com alguma coisa.
Bom, motivos não faltavam.
- Eu queria fazer alguma coisa contigo hoje, cara. Nós não temos motivos pra ficar assim. Não você e eu. – Eu fui sincero.
Ele suspirou.
- Eu sei, desculpa viadinho. Eu estava um pouco... Estressado. – Disse ele, e eu sorri, percebendo que o Mark estava de volta.
- Então... Posso aparecer aí na sua casa? – Perguntei eu.
- Pode sim. Eu é que não vou à sua. – Ele disse ironicamente.
Eu ignorei.
- Então eu vou aparecer aí daqui a uma meia hora, ok?
- Ok.
Desligamos.
Meu plano era um pouco... Perigoso.
Eu podia acabar traumatizando uma garotinha pra sempre.
Eu podia acabar perdendo meu melhor amigo.
Ou... Eu podia obter um sucesso extremo.
Valia a pena tentar.
- Onde estamos, Char? – Perguntou Suzan, olhando para o prédio do Mark enquanto atravessávamos a rua.
Ela parecia estar percebendo que algo estava errado.
Sua mãozinha estava agarrada á minha, suando de nervoso.
- Fica calma, tá tudo bem. Eu to aqui.
Um sorriso tímido formou-se no rosto de anjo dela.
Entramos, eu fiz joinha para o porteiro e nós subimos.
Ele já me conhecia, não havia necessidade de avisar.
Quando paramos em frente à porta, Suzan puxou minha camisa.
Olhei para baixo.
- Me bota no seu colo? – Perguntou ela.
A criança estava com medo, era visível.
Suspirei e peguei-a no colo, ela instantaneamente passou os braços pelo meu pescoço e escondeu o rosto em meu peito.
- Fica calma, Suz... Nada vai acontecer. Só estamos na casa de um amigo. – Disse eu, firme.
Toquei a campainha.
Ouvi alguns passos dentro de casa, chegando mais perto.
Suzan apertou tanto meu pescoço que eu tinha certeza que apareceriam marcas vermelhas de seus dedinhos por ali.
Foi então que Mark abriu a porta com um sorriso.
- E aí, Char... – O sorriso murchou de repente, quando ele viu a pequena figura loira em meus braços.
- E aí, Mark. – Disse eu, agindo normalmente. – Podemos entrar?
Suzan não havia mostrado o rosto ainda.
- Podem. – Disse Mark, sem tirar os olhos da menina por um segundo.
Quando eu passei pela porta, ele me fuzilou com o olhar.
Agora era tudo ou nada: eu tinha que fazê-lo gostar de Suzan.
Ele fechou a porta atrás de si.
- Senta aí, Charlie. – Disse ele, e eu sentei no sofá, ainda com Suzan agarrada em mim.
Ela não arriscou um olhar, nem por um minuto.
Mark sentou-se ao meu lado, próximo o suficiente para observar cada detalhe (tirando o rosto, é claro) da menina.
- Pode olhar... Ninguém vai te machucar, Suzan. – Disse eu.
Muito vagarosamente, o emaranhado de cabelos loiros se moveu, dando espaço á dois grandes olhos azuis.
Mark não piscava.
Acho que ele não queria perder um só momento.
- Esse é o meu amigo Mark. – Disse eu.
Ela olhou para ele e sorriu timidamente.
- Oi Mark. – Disse ela.
Ele não sorriu.
- Oi Suzan.
Silêncio.
- Você não devia ter feito isso, Charlie. – Mark disse de repente, frustrado.
Eu continuei sério, inabalável.
Ele não podia dar um ataque agora.
- Claro que eu deveria. Você não pode culpá-la por nada. – Disse eu.
Outro pequeno silêncio, até eu perceber que Suzan estava levantando-se do meu colo.
Ela deu três pequenos passos em direção a Mark, que estava parado, cético.
Agora ela estava de frente pra ele.
- Você é o Mark meu irmão? – Perguntou Suzan.
Eu arregalei os olhos.
Então eu liguei os fatos: é claro que tia Joanna já havia falado pra Suzan sobre o Mark.
Não muito, pelo que eu podia ver. Apenas o necessário: "você tem um irmão de 18 anos e o nome dele é Mark, vamos para Londres e você pode encontrá-lo se ele quiser" ou algo do tipo.
- Sou sim. – Ele respondeu, sem receio.
Ela estendeu as mãozinhas e passou-as pelo rosto dele.
Parecia que uma corrente elétrica havia passado pelo corpo de Mark.
- Você não se parece muito com a mamãe. – Disse ela, mais pra si mesma do que pra ele.
- Eu puxei ao meu pai. – Disse Mark, ainda impassível.
Então ela recolheu as mãos, mas continuou olhando para ele.
- Você tem os olhos dela. – Mark disse, passando o polegar suavemente pela bochecha de Suzan.
A menina sorriu e corou.
Mark riu de leve.
- Mamãe me disse algumas coisas sobre você, há alguns dias atrás. Ela disse que talvez eu te visse algum dia, quando eu crescesse. – Disse Suzan, inocentemente.
- Você queria me ver? – Perguntou Mark, sem alterar a voz ou a expressão.
Eu só sabia que ele estava surpreso porque o conhecia muito bem.
- Sim. Eu sempre quis ter um irmão mais velho. – Disse ela. – Agora eu posso ter dois.
Ela olhou para mim e eu sorri.
Mark olhou pra mim e sorriu também.
Era isso: estava funcionando!
- Char, eu acho que ela dormiu... – Mark sussurrou, já quase no final do filme.
Estávamos esparramados pra cantos opostos do sofá, Suzan estava deitada entre nós.
A cabeça dela estava em minha barriga e os pés estavam no colo de Mark.
Eu olhei-a.
Sua respiração estava tranqüila.
- Dormiu sim. – Disse eu, sorrindo e desligando "Encantada".
Não pensem que eu e Mark estávamos vendo esse filme por opção.
Suzan havia escolhido, então não tínhamos nada a fazer a não ser ligar pra locadora e pedir o DVD.
- Ok... É melhor eu acordá-la e levá-la pra casa, ou minha mãe e tia Joanna chamam a polícia. – Disse eu, estremecendo.
- Não acorda ela não, babaca! Deixa que eu a levanto... – Mark levantou-se e cuidadosamente e segurou Suzan nos braços, de uma forma que ela não acordasse.
Eu levantei e ri quando reparei como ele estava desajeitado.
Ele me mandou o dedo.
- É você quem tem que aprender a segurar criança aqui, . – Disse ele, rindo.
Eu encarei-o e o sorriso dele desmanchou.
- Desculpa cara. Eu tava só brincando.
- Deixa pra lá. Eu lembrei agora de te falar... Martha me ligou e disse que a Halley volta daqui a uma semana.
Mark arregalou os olhos.
- É sério isso? Mas e o lance com o pai dela e tal?
- Ela vai ficar lá em casa, e Martha vai continuar mentindo pro George. – Respondi eu.
Conversamos um pouco sobre isso, eu perguntei a ele como andava tio , depois não tivemos escolha e eu tive realmente que acordar a Suzan.
Não podia ficar carregando-a pelas ruas da cidade e no ônibus.
Fomos os três até a porta.
- Então a gente se fala. – Disse eu, já fora do apartamento.
Suzan virou-se, ainda sonolenta, e abraçou a cintura do irmão.
Mark ficou sem reação por um momento, mas então se abaixou, ficando na altura de Suzan e beijou de leve a testa dela.
- Tchau, Suz.
Quando ela virou-se e segurou a porta do elevador, ele sorriu e moveu os lábios em um "Obrigado" mudo para que ela não ouvisse, eu acenei com a cabeça e nós fomos embora.
Uma atitude certa, finalmente.
Eu tinha que fazer disso um hábito.
Capítulo 23 – Coisas que meu filho não quer contar.
Oi, eu sou .
Eu sei, eu sei. O que eu estou fazendo aqui, certo?
Mas eu tenho meus motivos.
Uma parte muito importante da história vai acontecer agora, mas eu não acho que o Charlie seja capaz de contá-la da mesma forma que eu.
Ou melhor, ele não quer falar sobre isso.
Eis a questão: eu vou contar.
Enquanto o Charlie estava com a Suzan no apartamento do Mark, (eu não sabia que ele tinha a levado pra lá, ele me disse apenas que daria uma volta com ela e foi por isso que permiti essa loucura) eu estava em casa, deitada em minha cama, assistindo algum filme bobo que passava e comendo um prato de brigadeiro com uma colher, por falta de coisa melhor para fazer em um sábado entediante.
Não havia ninguém pra conversar.
Joanna não tinha uma conversa decente comigo há algum tempo.
Aliás, corrigindo-me: Joanna não tinha uma conversa decente COM NINGUÉM há algum tempo.
Eu não queria pressioná-la, ela precisava pensar sobre muitos assuntos.
Foi quando o telefone tocou.
- Alô? – Eu atendi, meio de má vontade, cheia de preguiça.
- Que animação é essa? – A voz de soou divertida do outro lado da linha.
- Amor! – Eu sentei na cama e derrubei o brigadeiro na colcha nova e em minha perna. – MERDA!
- O que foi? – Perguntou . Sua voz parecia preocupada.
- Derrubei brigadeiro fervendo na minha colcha nova e na minha perna. Tá doendo... Acho que me queimei. – Disse eu, bufando.
riu.
- Você é tão desastrada... – Disse ele. Eu já sabia disso, por que todo mundo tinha que ficar me lembrando o tempo todo?
- Obrigada. – Disse eu, emburrada.
Ele riu de novo.
- Então... Quer fazer alguma coisa hoje? – Perguntou ele.
- Tipo o quê? – Perguntei eu, animada. Sair de casa era tudo o que eu queria.
- Eu estava pensando em fazer um espaguete à bolonhesa pra gente aqui em casa. – Disse ele.
- Perfeito! – Disse eu, feliz.
Eu não queria ficar NA MINHA CASA, mas tudo bem ficar na casa de outra pessoa.
- Então vem pra cá agora, antes que escureça muito e você venha dirigindo sozinha por aí. – Disse ele.
- Ok. Amo você – Disse eu.
- Eu te amo mais. – Disse ele, e desligamos o telefone.
Foi então que eu percebi que horas eram: já estava escuro e o Charlie ainda não havia voltado com a Suzan.
Liguei pro celular dele, ele disse que estava pegando o ônibus e já estava chegando em casa, que o "passeio" havia demorado mais do que ele esperava.
Eu disse que era pra ele tomar cuidado, disse que ia pra casa do e que a chave ia estar embaixo do tapete.
Charlie estava aceitando muito melhor essa coisa toda do .
Acho que, no fundo, ele gostava dele, daquele jeito estranho que o Char tem de gostar dos outros.
Então eu não me preocupei e não percebi a mentira do meu filho.
Acho que ele já disse que sou realmente distraída.
Fui até o banheiro e olhei-me no espelho: Eu estava com um shortinho de ficar em casa, uma blusa de camisola e o cabelo amarrado em um coque frouxo.
Ficar em um estado aceitável precisaria de algum trabalho hoje, eu pensei suspirando.
Tomei um banho e escolhi uma roupa simples, porém bonita: uma calça jeans, uma blusa de manga comprida preta que eu amava e um all star branco.
Soltei meu cabelo e sequei-o um pouco, só pra não ir pingando.
Peguei a chave do carro, minha bolsa e saí de casa assoviando.
Quando cheguei à porta do apartamento do , senti o cheiro de molho.
A fome me abalou.
Bati na porta, e um homem maravilhoso atendeu, com um sorriso mais maravilhoso ainda.
Ele usava um avental branco.
- Amor! – Eu disse, jogando meus braços ao redor do pescoço dele. – Você fica super sexy de avental, sabia?
Ele sorriu mais ainda e me beijou.
Não me pergunte como eu fui parar dentro do apartamento, quando eu estou beijando-o eu não tenho noção de tempo ou espaço.
Eu sei que abri os olhos e estava na cozinha.
- Só falta terminar de cozinhar o espaguete. – Ele disse, sorrindo e indo dar uma olhada na panela que borbulhava no fogão.
- Quer ajuda? – Perguntei eu.
- Não precisa, termino isso em um minuto! – Disse ele, girando o botão para apagar o fogo e colocando o espaguete para escorrer.
- Nossa. Você é bom nisso! – Disse eu, sorrindo e cruzando os braços no batente da porta que dava para a sala.
- Já posso casar. – Disse ele piscando, e eu dei uma gargalhada.
Quando tudo ficou pronto, ele tirou o avental e sorriu.
- Vamos comer! – Disse ele.
Quando entrei na sala, abraçada á cintura dele enquanto ele carregava a bandeja, percebi o que havia preparado.
A mesa estava posta para dois, com velas acesas no meio.
A louça era maravilhosa, assim como a prataria.
Havia também vinho e duas taças perfeitas.
Uma rosa vermelha encontrava-se sobre a cadeira na qual eu deveria me sentar.
Meus olhos estavam vislumbrados, por isso ele riu.
- Qual é a ocasião? – Perguntei eu, sorrindo.
- A ocasião é você. – Disse ele, colocando a bandeja de espaguete no centro da mesa e me apertando contra si.
Comemos tranquilamente, conversando e rindo alto.
O vinho estava maravilhoso, também.
Falávamos sobre qualquer coisa, apenas matando o tempo, como qualquer casal normal faz de vez em quando.
Quando terminamos, eu insisti em lavar a louça, e ele disse que empregada era pra isso.
Eu ri, dando língua.
Sentei-me no sofá.
- O que vamos fazer? – Perguntei eu.
- Eu estava pensando em assistir algum filme. – Disse ele.
- Vamos assistir "O Ilusionista"? – Perguntei eu, meus olhos brilhando.
- Você não cansa desse filme? – Perguntou , rindo.
- Nop. – Disse eu. – Por favor!
Ele revirou os olhos.
- Tá legal...
- ISSO! – Eu dei beijinhos rápidos pelo rosto dele.
Preferimos assistir o DVD no tapete, sentado e encostado em uma almofada e eu entre as pernas dele.
Em algum ponto do filme, não me lembro onde, eu comecei a brincar com os dedos dele, subindo e fazendo desenhos abstratos em seu braço.
Ele beijou meu pescoço demoradamente, fazendo com que eu me arrepiasse.
riu baixinho contra meus cabelos.
Trocávamos pequenos carinhos, e quando eu percebi já estava beijando-o com toda a força.
Eram anos de amor, raiva, frustração, saudade... Tudo em um só momento.
O filme já havia acabado e já havia desligado a TV.
Agora, nós estávamos deitados no tapete.
Eu estava agarrada ao peito dele e beijava seu pescoço.
Calmamente, a mão dele que estava em minha cintura acariciou a pele por baixo da minha blusa, levantando-a um pouco.
Sem perceber, eu estava fazendo o mesmo com a dele.
Seu abdômen estava contraído por onde minhas mãos passavam.
Ele levantou minha blusa mais um pouco e voltou a me beijar.
Não demorou muito e eu ajudei-o a tirá-la, deixando-a passar por meus ombros.
Em seguida, foi a dele.
Eu fiquei um pouco tensa, meu corpo endureceu.
percebeu.
- ... Se você não quiser, nada acontece. – Disse ele, passando o polegar delicadamente pela minha bochecha.
- Eu quero. – Disse eu, sorrindo e encorajando-o.
Ele segurou-me no colo e levou-me até o quarto.
deitou-me delicadamente sobre a cama, ficando por cima de mim.
Sorri ao ver seus olhos.
Eu era capaz de desenhar cada linha e os diferentes tons daqueles olhos, que faziam parte da minha vida mesmo quando não estava por perto.
Os olhos das duas pessoas que eu mais amava eram exatamente iguais.
Ele desabotoou a minha calça, ainda sorrindo, e fez o mesmo com a própria.
Quanto a mim?
Eu agarrei-me a ele e sorri, fechando meus olhos e beijando-o.
Acordei na manhã seguinte, sentindo os braços dele ao redor da minha cintura e sua respiração calma em meu pescoço.
Olhei ao redor do quarto para as coisas dele.
Fotos dele e da banda enchiam as paredes, em um canto à frente estavam pendurados alguns instrumentos, como um violão velho.
Olhei ao lado para a mesinha de cabeceira, a gaveta estava aberta.
Dentro, havia uma foto minha e dele, há muito tempo atrás.
me abraça por trás, beijando minha bochecha, e eu sorria e dava língua para a câmera.
Minha antiga mecha rosa estava presente ali, tão comprida como meus cabelos.
Estiquei o braço para pegar a foto e vê-la de perto, com um sorriso.
Quando a peguei, senti que havia algo debaixo dela.
Mirei o fundo da gaveta, e meus olhos se arregalaram quando vislumbrei uma pequena caixinha, preta e quadrada.
Perto dela, havia o cartão da joalheria mais cara de Londres.
Oh, meu Deus!
Felicidade e medo se espalharam pelo meu corpo, enquanto a caixinha me mirava presunçosamente do fundo da gaveta.
Capítulo 24.
Estou de volta. Sim, eu mesmo, Charlie .
Se minha boca não rasgou até hoje, foi por pura sorte. Esse piercing nem devia mais estar aqui, por causa do meu nervoso.
Eu estava desesperado, frustrado por não ter nenhuma notícia sobre a minha mãe.
Isso porque ela não dormiu em casa e não avisou sobre absolutamente nada.
O celular estava desligado (novidade) e ninguém atendia na casa do .
Eu estava pensando em chamar a polícia. Algo me disse que isso seria exageradamente mórbido.
Caso não tenham percebido, eu passei por uma transformação: de delinqüente juvenil para garoto mórbido. Ótimo.
Pelo menos eu tinha um consolo, sentado ali, sozinho naquela sala: eu sabia onde ela estava.
Só não sabia se isso ajudava ou piorava as coisas.
Foi quando eu ouvi o barulho de chave na porta da sala, e uma com o rosto lívido de espanto entrou pela porta.
Parece que ela havia percebido que não me avisara nada sobre dormir fora de casa.
A raiva me consumia e ardiam meus olhos só em olhá-la: eu mal dormira durante a noite.
- Bom dia, filho... – Disse ela, claramente sem graça.
Lancei um olhar frio, em seguida olhei para baixo.
- A festinha foi boa? Espero que tenha sido. Você esqueceu que eu existo. – Disse eu, sem encará-la.
Silêncio.
Minha mãe botou a bolsa em cima de uma cadeira e veio de encontro á mim, que estava exaustivamente sentado há mais de quatro horas naquele maldito sofá.
Ajoelhou-se na minha frente e tentou olhar pra mim.
Conseguiu, finalmente, ver o foco dos meus olhos, e o arrependimento passou claro pelos seus.
- Me desculpe. A bateria do celular acabou... – Ela disse, e sua voz foi morrendo aos poucos.
- Por que o não atendeu ao telefone? – Perguntei eu.
- Ele veio me trazer em casa, Char. – Disse ela, calmamente.
Respirei fundo.
- Quando eu fazia essas coisas com você, você não gostava. – Disse eu.
- Mas eu perdoava e sempre passava por cima, não é? – Ela fez uma pergunta retórica.
Torci a boca.
Outro silêncio.
- Vou dar uma saída. Levar a Suz pra algum lugar, não sei. – Disse eu.
- Você não vai mesmo olhar direito pra mim? – Perguntou a minha mãe.
Eu olhei-a.
- Você dormiu fora de casa, nós dois sabemos o motivo. Não vamos tornar isso mais constrangedor do que já está. – Disse eu, mais calmo do que pensei ser possível.
Levantei-me e deixei-a na sala, ajoelhada, sob o efeito das minhas palavras.
Enquanto eu estava de costas, ouvi seu murmúrio baixo.
- Você é o quê? Meu marido?
Sorri cinicamente, sem parar de andar.
- Antes fosse.
Bati na porta do quarto de tia Joanna pela terceira vez.
- Entra. – Ouvi sua voz dizer.
Nossa, fazia um tempo que eu não ouvia essa voz.
Girei a maçaneta e entrei.
Tia Joanna estava sentada na poltrona que havia no quarto de hóspedes, encarando a janela.
Suzan estava na beirada da cama, sentada sobre as próprias mãos e balançando seus pequenos pés.
Olhei para ela e pisquei.
Como eu imaginava, ela entendeu aquilo como um sinal para sair.
Eu e Suzan estávamos combinando sobre como contaríamos para tia Joanna que ela conheceu o Mark.
Achei que essa era a hora perfeita, já que o quarto de hóspedes é seguramente o único lugar da casa no qual eu não preciso evitar a minha mãe.
Eu disse a Suz que ela podia deixar tudo comigo. Foi o que ela fez.
A criança fechou a porta com um baque surdo ao sair.
- Tia Jo? – Eu chamei-a.
Ela levantou os olhos grandes e azuis para mim. Sorriu.
- Sim, Char?
Eu sentei-me na beira da cama, de frente para a poltrona dela, e segurei suas mãos entre as minhas.
As minhas eram infinitamente maiores.
- Eu tenho uma coisa pra te contar, tia. Você pode gostar disso ou não. – Disse eu.
Ela continuou me encarando, encorajando-me a falar.
- Eu levei a Suz pra conhecer o Mark, tia. No começo foi meio estranho, mas eles se deram bem. Ele gostou tanto dela que ficou até meio babaca. – Disse eu, com um meio sorriso.
Tia Joanna arregalou os olhos e não disse nada.
Eu esperei pela explosão, o sermão sobre responsabilidade... Ao invés disso, ela inclinou-se para mim e me abraçou forte.
E chorou. Chorou até demais.
- Obrigada, Charlie. Muito obrigada. – Ela dizia entre os soluços.
Quando se afastou de mim, eu pude ver o alívio em seu rosto.
- Isso é tudo o que eu quero. Que ele a ame e entenda que ela não tem culpa. – Disse tia Joanna.
Então ela mordeu os lábios, como quem está prestes a contar um segredo, mas não sabe se deve.
- O que aconteceu, tia Jo? Por que você foi embora? – Eu me surpreendi com minhas próprias palavras impensadas.
Para meu espanto, ela respondeu.
A pergunta que ninguém nunca havia imaginado a resposta.
- Não foi porque eu quis. Pode ter certeza disso, Char. – Disse ela. Parou e pensou um pouco, refletindo se devia me contar ou não. – Promete guardar um segredo?
- Qualquer coisa. – Disse eu, apertando mais as mãos dela, fazendo as veias das minhas se ressaltarem.
Ela respirou fundo.
- Quando eu fui morar com o seu tio , enfrentamos muitos problemas com a família dele pela falta de um matrimônio verídico. Um desses problemas foi sobre a poupança do seu tio no banco, a qual ele só teria acesso quando se casasse, conforme o pai dele havia especificado. Eles sempre foram muito conservadores... E eu não era exatamente o tipo de garota que eles achavam ser "correta" para o filho.
Ela fez uma pausa.
- só teria acesso a um centavo do dinheiro se houvesse uma união conjugal, um casamento pelo menos em cartório. É claro que eu queria me casar, mas não naquele momento... Eu não achava que fosse a hora certa, estávamos apenas morando juntos. Isso enfureceu a família do seu tio, a ponto de todos eles me odiarem. Foi aí que a coisa saiu de controle.
Pensamos em nos mudar, mas nenhum de nós tinha emprego fixo, e dependíamos demais daquele dinheiro guardado. Estávamos cheios de dívidas, e eu comecei a pensar que só havia trazido problemas para a vida dele. Não é uma boa sensação, Charlie. Não mesmo.
Foi quando engravidei do Mark. Pensei que isso talvez amolecesse o coração da família do meu marido, mas as coisas só pioraram.
começou a querer um casamento, mas éramos tão jovens... Eu pretendia terminar a minha faculdade e tentar uma carreira antes, não queria depender do dinheiro dele de forma alguma.
Havia essa prima distante do ... Lillian era o nome dela. Uma garota linda, sempre bem vestida, da alta sociedade... A noiva ideal para ele. A família jogava-a para cima dele insistentemente.
Comecei a me sentir inferior, ofuscada pela plenitude daquela garota. Ela era melhor do que eu, em todos os sentidos.
Se ela se casasse com ele, não teria mais dívidas, poderia pegar o dinheiro que era dele por direito, enfim... Teria uma vida de verdade.
Conforme essa situação continuava, Mark crescia, sem nunca ter recebido um mínimo gesto de carinho por parte dos avós. Éramos ignorados. ficava tenso e com raiva de todos eles, mas não adiantava. – Ela parou, chorando.
- Foi por isso? – Perguntei eu, calmamente.
- Tem mais. – Disse ela. Enxugou os olhos e continuou. – Lillian não era uma santa. Três dias antes do maldito dia no qual fui embora, ela me ligou. Foi o que me fez tomar minha decisão.
Disse a mim que, se eu não fosse embora, ela faria mal ás pessoas que eu amava, infernizaria a minha vida. Ela tinha recursos para isso.
Lillian me disse que a vida de podia ser perfeita, se eu não estivesse nela. E por mais que eu negasse, eu sabia que era a mais pura verdade.
Eu devia ter simplesmente desligado o telefone e seguido com a minha vidinha merda e cheia de dívidas, vendo o homem que eu amo sofrer por causa disso. E mesmo assim, ainda me amando.
Mas esse foi o meu problema: amar demais e querer o bem dele acima de tudo. Foi quando desliguei o telefone e decidi ir embora.
Eu ia levar o Mark comigo, mas eu não sabia ao certo como começar uma nova vida em outro lugar com um filho de apenas quatro anos de idade.
Pensei que ele ficaria melhor aqui, com o pai, em uma vida perfeita e com a e meus outros amigos por perto, se algum dia ele precisasse. Eu sei o que você deve estar pensando: por que eu simplesmente não me casei, certo? Mas era mais que isso: a família dele NÃO ME APROVAVA, de maneira nenhuma. E era um rapaz brilhante, inteligente, bonito, tinha tudo para ser alguém na vida... E eu estava atrapalhando.
Fiz a maior burrice da minha vida. Fui para Wembley e vivi durante muito tempo sozinha, com algumas economias.
Foi quando conheci o Jasper, que se tornou meu melhor amigo e alguém com quem eu podia passar a vida em paz e tentando ter algum tipo de relacionamento.
Como você pode ver, não deu tão certo quanto eu esperava. – terminou ela, finalmente.
Eu fiquei encarando-a, seu cabelo negro caído em ondas pelo rosto vermelho de tanto chorar. Senti pena de tia Joanna.
Ela havia cometido um erro, porém havia sido um erro não intencional.
Assim como o meu.
- Ninguém sabe sobre essas ameaças da Lillian. Eu achei melhor ir embora e não contar nada. Era melhor que pensassem que eu era uma qualquer do que pensarem que eu era covarde e incapaz de enfrentar os outros. Exatamente o que eu sou. – Disse tia Joanna.
- Não é não. Deixar seu filho, seus amigos e quem você ama para trás pelo bem dessa pessoa é o ato mais corajoso que alguém pode ter. – Disse eu, sorrindo.
Ela sorriu pra mim e ficamos um tempo em silêncio.
- Acho que nós dois temos o mesmo problema, tia. – Disse eu.
- Como assim, Charlie?
- Nós dois sempre machucamos aqueles que mais amamos.
Capítulo 25.
A semana se arrastou como eu imaginei que seria.
A história de tia Joanna me provou o que, no fundo, eu sempre soube: ela era uma mulher nobre, e amava de verdade o tio .
Porém, como eu havia prometido, não disse nada ao Mark.
Mordia a minha língua para não dizer nada toda vez que levava a Suzan pra casa dele.
Como eu queria que ele soubesse quem a mãe realmente é.
Fiquei me perguntando se ainda era por causa das ameaças daquela tal de Lillian. Não tinha certeza... Tia Joanna me disse que Lillian estava morando em outro país agora, quando percebeu a merda que fez na vida do meu tio.
Acho que é isso o que dói mais: saber que tudo o que ela fez não adiantou em nada.
Isso não diminui a coragem dela.
Eu estava sentado na rodoviária, pensando sobre tudo isso, enquanto vasculhava a multidão atrás de uma cabeça ruiva e de cabelos lisos na multidão.
Minhas mãos suavam.
Martha estava ao meu lado, com os olhos arregalados e pensativos.
Acho que a briga dela com a Halley seria feia por ela ter me contado tudo isso.
Eu precisava de algum exemplo de coragem nessa hora.
Precisava saber como agir, não parecia haver chão algum sob os meus pés.
Respirei fundo.
"Pense como , pense como ..." eu ficava dizendo a mim mesmo.
Meu pequeno desentendimento com a minha mãe foi breve, não durou nem dois dias.
Eu sei que ela sabia o que estava fazendo, ela já era uma mulher adulta... Só era estranho demais pensar nela abraçada à cintura de um cara que não fosse eu.
E no fundo, eu tinha certeza que ela estava escondendo alguma coisa de mim. Alguma coisa séria.
Sacudi a cabeça para espantar esses pensamentos.
Espreguicei, levantando a blusa e coçando minha barriga.
Sacudi o cabelo.
Girei o piercing no lábio.
Estava inquieto.
- Assim eu vou ter que te levar a um médico, Charlie. – Disse Martha, com um meio sorriso.
- Desculpe. Eu quero muito falar com ela. – Disse eu.
Foi quando apareceu na multidão, descendo do trem, a garota que eu amo.
Seus cabelos lisos e ruivos estavam soltos, sendo constantemente jogados pelo vento da rodoviária, seu rosto de anjo estava aflito.
Segurava uma bolsa média de viagem, uma calça jeans escura e uma blusa pólo branca, e eu não pude me conter ao olhar a pequena barriga que já se formava nesse último mês e meio.
Levantei-me e estava indo em sua direção, quando senti a mão de Martha em meu ombro, como um aviso.
- Deixe-me ir à frente, Charlie. Se não, é possível que ela entre no mesmo trem e volte pra França.
Assenti com a cabeça, enquanto via Martha e seus próprios cabelos ruivos andando na direção de Halley e abraçando-a com força.
Ela ainda não havia me visto.
Já eu, não conseguia tirar os olhos dela.
Martha e ela trocaram algumas lágrimas e palavras que eu não compreendi de longe, quando Halley me viu.
Sua expressão ficou chocada, e um lampejo de raiva repentinamente cruzou seus olhos castanho-claros.
Caminhei em direção às duas, antes que as coisas piorassem.
Martha saiu do meu caminho, deixando-me de frente para aquele lindo rosto.
- Eu vou deixar vocês conversarem. – Disse ela, já saindo. – Desculpa.
A última parte ela acrescentou para Halley, e eu imaginei que a minha presença era o motivo disso.
Halley olhou para mim.
- O que faz aqui?
Era tão bom ouvir a voz dela e não estar sonhando ou tendo uma alucinação que eu nem ao menos percebi a hostilidade da pergunta.
- Vim buscar você. Como seu pai ainda não sabe e sua mãe quer que ele continue não sabendo, você vai passar um tempo lá em casa. – Eu soltei sem pensar.
Se antes ela estava com raiva, agora ela estava furiosa.
- Como minha mãe pôde? Eu não acredito... Depois de tudo o que aconteceu... – Eu já não ouvia mais o que ela dizia.
Sem pensar, eu puxei-a para mim e abracei-a com força.
Quando a toquei, uma corrente elétrica passou por todo o meu corpo.
Ela começou a se debater em meus braços, mas eu não a soltei.
- IDIOTA! VOCÊ ME NEGOU NA HORA EM QUE EU MAIS PRECISAVA DE VOCÊ! COMO VOCÊ PÔDE? – Ela agora socava meu peito, e lágrimas escorriam dos seus olhos.
Eu não a soltei.
- VOCÊ DISSE QUE ME AMAVA! – Ela desistiu de lutar. Seus socos foram virando tapas, e depois eram apenas pequenos impulsos.
Quando ela finalmente parou, eu disse bem baixo:
- Eu amo você.
Ela agarrou-se á mim e chorou mais.
Eu afundei meu rosto nos cabelos ruivos dela.
Afastei meu corpo, ainda com meus braços ao seu redor, e olhei para baixo.
- Acha que tem alguma coisa entre nós? – Perguntei eu, mirando a barriga dela e sorrindo, como vi um cara fazer em um filme uma vez.
Halley riu, enxugando as lágrimas.
- Definitivamente sim.
Foi quando seu sorriso murchou.
Eu franzi o rosto, sem entender.
- Eu não estou preparada pra te perdoar ainda, Charlie. Mas acho que podemos ser bons amigos enquanto isso durar. – Disse ela, tentando sorrir fracamente.
Eu me foquei à parte do "amigos" e a parte do "enquanto isso durar".
Eu não queria só ser amigo dela, mas acho que não podia pedir mais que isso ainda.
Enquanto isso durar? Um filho era para toda a vida! Não entendi aquela afirmação, e estava prestes a perguntar, quando decidi que não era hora de enchê-la de perguntas.
Eu queria simplesmente sentir que ela estava, finalmente, ali comigo.
Diferente, mais madura e talvez mais triste, mas ainda era a minha Halley.
No momento, a minha melhor amiga.
Em breve, teríamos mais um no nosso time.
Capítulo 26.
O silêncio no carro era absolutamente constrangedor.
Minhas mãos apertavam o volante com mais força que o necessário, meus olhos estavam focados na estrada.
Meu pai havia me emprestado o carro dele para que eu fosse buscar a Halley na estação com a Martha ( me emprestando o carro é uma coisa que raramente acontece).
Porém Martha não estava no carro conosco, ela mal teve tempo de matar a saudade da filha, quando teve que voltar ás pressas pra casa para que George não desconfiasse de nada.
Ela prometeu a Halley que iria a minha casa em breve para vê-la.
E aqui estava eu, dirigindo cautelosamente por causa da chuva fina que começava a cair na noite londrina, com uma menina ruiva sentada ao meu lado que parecia extremamente interessada nas próprias mãos.
Esgueirei meus olhos para ela, mas ela não me olhou de volta.
- Então... O que estava fazendo na França? – Perguntei eu, em uma tentativa frustrada de quebrar o silêncio.
- Eu não quero falar sobre isso, Char. – Disse ela, cortando-me imediatamente. Alguma coisa em sua voz e em sua expressão não me deixou insistir no assunto (pelo menos não naquele momento).
Outro silêncio.
Como eu podia estar tão calado, quando na verdade tinha tanta coisa pra ser dita? Eu queria dizer que eu era um babaca, que havia sentido falta dela mais do que algum dia eu imaginei poder sentir, queria dizer aquelas três palavras que podiam melhorar tudo... Ou piorar.
Foi por esse segundo pensamento sobre "piorar" que eu substituí as famosas três palavras (que eu já havia dito a ela na estação, mas ela podia pensar que era apenas para acalmá-la e não porque era a verdade) por outras três:
- Senti sua falta.
Eu sabia que já havia dito isso.
Não sei se foi apenas minha imaginação fértil, mas eu podia jurar que um pequeno sorriso havia se formado no canto de seus lábios.
Meu Deus, que lábios... Tive que me controlar completamente.
- Você fez algum exame que comprovasse a gravidez, só pra termos certeza? - Perguntei eu, sem querer ser indelicado, mas precisando mais do que tudo saber. E se estivéssemos passando por tudo isso a troco de nada?
- Fiz sim. – Respondeu ela.
Então não havia mais motivo para discussão. Era isso e pronto.
Halley passava calmamente os dedos pelo vidro embaçado, acompanhando o movimento das gotas de chuva. Suas mãos delicadas pareciam ainda mais frágeis agora, pelo menos para mim.
Fiquei pensando em como tudo isso tinha começado: basta uma sessão de filmes em um sábado á noite para várias coisas acontecerem.
E foi apenas naquela vez. Halley sempre foi tímida demais, não fazia o estilo "menina má"... O que era um grande problema antigamente, porque ela namorava comigo.
Por isso as garotas no meu apartamento: minha namorada era decente demais pra qualquer coisa que eu quisesse fazer.
Então veio aquela noite, e o espanto em meus olhos quando percebi que ela não me afastou quando abri o primeiro botão de sua blusa.
E aqui estávamos nós, poucos meses depois.
- Como está a ? – Ela me perguntou de repente, encarando-me.
Quase perdi a direção.
- Ela e o estão muito bem. – Disse eu secamente.
Ela virou-se ainda mais para mim, os olhos castanhos cheios de curiosidade. Então percebi uma coisa: em nossa última conversa, quando ela me disse que estava grávida, eu não havia tido a oportunidade de lhe contar tudo o que acontecera na minha vida.
Eu apareci na casa dela para conversar sobre meus problemas com alguém, e antes que eu pudesse começar mais problemas foram postos diante de mim.
Suspirei fundo.
- Lembra aquele dia em que eu apareci na sua casa? Houve uma razão para isso... – Então eu lhe contei tudo, não só sobre o como também sobre tia Joanna e Mark, e ela ouviu sem me interromper. Um espanto evidente tomava conta de seu rosto.
Quando eu terminei, estávamos estacionando na porta da minha casa.
- Nossa. Eu nunca imaginaria que isso tudo estivesse acontecendo em tão pouco tempo. – Disse ela, franzindo o cenho.
- Muito menos eu. – Respondi.
Descemos do carro, eu com a mala dela na mão (apesar de seus protestos) e entramos em casa.
Minha mãe estava sentada no sofá, os olhos aflitos.
- Charlie... Halley... – Disse ela, levantando-se.
Minha mãe abraçou-a.
Elas sempre se deram muito bem, aposto que sentiram falta de conversar.
Suspeito que Halley só tenha me agüentado tanto tempo devido a longas conversas com minha mãe.
As duas sentaram-se e começaram a conversar sobre alguma coisa que eu não fazia questão em saber. Tinha muita coisa na cabeça.
Foi quando Suzan entrou pela porta da sala. Olhou para Halley, para mim e depois sorriu.
Sorri de volta.
- Char... Você pode arrumar a sua cama para a Halley, por favor? – Perguntou minha mãe.
Foi uma coisa que combinamos: Halley ficaria no meu quarto e eu dormiria no sofá.
Não era tão ruim... Suz podia me fazer companhia de vez em quando.
Fiz que sim com a cabeça e dirigi-me morbidamente ao meu quarto, entrando pela porta. Joguei-me na cama e fechei os olhos só por um momento.
Depois me levantei, puxei a colcha e pus o travesseiro no lugar certo, deixando tudo preparado para ela.
Só precisava pegar uma blusa seca para liberar o quarto e dormir (eu havia molhado essa enquanto abria a mala do carro para pegar as coisas da Halley, na chuva).
Meu cabelo pingava sobre meu rosto, e eu o sacudi. Tirei a blusa molhada e me virei para pegar uma toalha no banheiro, quando vi Halley parada na porta.
Ela me encarava de cima a baixo, o rosto pálido. Demorou seus olhos em meu abdômen e em meus ombros, e eu não sabia o que fazer.
- Desculpe, eu devia ter batido... – Disse ela, virando o rosto prestes a ir embora, envergonhada. Eu segurei seu braço para que ela não saísse.
- Eu já terminei por aqui. Fique á vontade. – Eu sorri e ela retribuiu timidamente.
Peguei a toalha no banheiro e saí do quarto, sentindo o olhar de Halley em minhas costas enquanto eu passava.
Fechei a porta deixando meu sorriso se alargar.
Aquilo era estranhamente satisfatório.
Muito satisfatório.
Capítulo 27.
Naquela mesma noite, enquanto eu estava no sofá, Halley no meu quarto, tia Joanna e Suzan no quarto ao lado, minha mãe não conseguia pregar o olho.
Estava em seu quarto escuro, sob as cobertas, e o sono não chegava.
Estendeu a mão até a cômoda e tateou a procura do celular.
Ligou para o celular do .
- ? – A voz dele atendeu feliz, apesar da hora.
- Oi amor. – Ela respondeu.
- Como foram as coisas hoje? – Perguntou ele, com um ar preocupado, referindo-se a chegada da Halley.
- Melhores do que eu imaginava. – Disse ela.
Houve um silêncio.
- Tá tudo bem? Eu senti que você estava meio estranha depois que acordou lá em casa... – Disse , cautelosamente.
- Eu, estranha? De onde você tira essas coisas, ? – Minha mãe tentou mentir.
A verdade é que ela havia visto a caixinha no fundo da gaveta, mas preferiu fingir não ter visto nada. Uma parte dela queria isso mais que qualquer coisa, mas outra parte tinha medo que isso acontecesse.
Afinal, eles haviam voltado a ficar juntos muito recentemente, e ela temia que fosse precipitado, apesar de conhecê-lo muito bem e amá-lo irracionavelmente (além de ter um filho com ele, claro).
Decidiu que não tocaria no assunto enquanto ele não fizesse a proposta, e se surpreendia querendo que ele a pedisse tanto no dia seguinte como no ano seguinte.
Minha mãe é uma mulher confusa.
- Eu só precisava ouvir a sua voz. Respiro melhor assim. – Disse ela, fechando os olhos.
- Você é a minha vida. – Respondeu ele, com um sorriso enorme que ela não podia ver.
Outro curto silêncio, minha mãe já fechava os olhos pesados.
pareceu adivinhar.
- Vá descansar. Sua casa deve estar uma loucura. – Disse ele, sério.
- Eu não quero desligar... – Resmungou ela.
- Então não desligue. Apenas durma. – Disse ele. Minha mãe podia ouvir o sorriso em sua voz.
- Vou fazer isso. Só uma última coisa... Como anda o ? – Perguntou ela.
- Não muito bem. Parece que ele e o Mark discutiram recentemente, mas ele não me disse o motivo. – Respondeu com a voz preocupada novamente.
- Vou ligar pro amanhã. – Minha mãe disse. – Boa noite, não desligue.
- Boa noite. Eu amo você. – Disse ele. – Não vou desligar.
- Eu também te amo. – Sussurrou ela, caindo na inconsciência.
Aí começam os meus problemas: minha mãe disse que ligaria para o tio , o que ela fez.
Detalhe sórdido: ela não sabia que eu havia levado a Suzan para conhecer o Mark.
Até ligar para o meu tio, pelo menos.
Eu estava olhando para o teto escuro da sala, como fizera nas últimas duas horas tentando dormir.
Bufei impaciente, soprando a mecha branca para cima: o pensamento de que Halley estava tão perto de mim era perturbador, principalmente porque eu não podia dizer a ela o que eu queria ou fazer metade do que eu queria.
Suspirei.
Ouvi pequenos passos macios vindo em direção ao sofá, e não precisei acender a luz pra saber que era Suzan.
- O que faz acordada, Suz? – Perguntei, dirigindo-me para a escuridão á minha frente.
Ouvi um risinho baixo.
- Seu rosto fica engraçado quando você está pensando, Char. – Disse ela.
- Foi um tipo de piadinha sobre a minha inteligência? – Perguntei eu, sorrindo e tirando os braços de trás da cabeça: eles estavam assim há horas, e eu já não sentia mais meus bíceps.
- Eu tentei. – Disse a voz suave de criança.
Houve um tempo de silêncio.
- Chega pra lá, Charlie ! – Então pequenas mãos puxaram as cobertas de mim, e uma figura pequena e pálida entrou debaixo delas.
- Folgada. – Eu sorri.
- Chato. – Disse ela. Pela sua voz, pude perceber que ela também sorria.
Continuei encarando o teto e sentindo o pequeno corpo encostado no meu.
- Ela vai te perdoar, Char. Você só tem que mostrar que mudou. – Disse Suzan, de repente.
A essa altura, eu já não ficava mais tão surpreso com o fato de Suzan saber sobre tudo.
- Esse é o problema, Suz. Eu preciso de espaço perto dela pra mostrar que mudei, e ela não vai deixar que eu me aproxime. – Suspirei. – E sabe de uma coisa? Não posso culpar a Halley por isso.
- Não pode desistir também. – Respondeu ela.
Eu sorri tristemente.
- Quantos anos você tem, Suz? Seis ou trinta? – Perguntei eu.
- Depende. Quando meu irmão maluco precisa de ajuda, eu tenho trinta. Quando ele quer brincar comigo, eu tenho só seis. – Disse ela.
Eu ri, pensando nessas palavras.
- Acho que tá na hora da senhorita ter seis anos e ir dormir. Crianças de seis anos já deveriam estar dormindo. – Disse eu.
- Tudo bem. Mas eu vou dormir aqui. – Declarou ela. – Boa noite, Char.
- Boa noite, Suz.
Como se um anjo tivesse deitado ao meu lado, adormeci quase que instantaneamente.
Sonhei com um outro anjo, um menino pequeno e de cabelos ruivos, que me abraçava e tinha os meus olhos. O sorriso não era meu, mas era bem familiar.
Capítulo 28.
- Mark, você é patético. – Eu disse, enquanto apertava com mais força os botões da guitarra eletrônica.
Eu, Mark e Suzan estávamos no apartamento do Mark, jogando "Guitar Hero".
Pra ser mais exato, eu e Mark estávamos jogando... Suzan ficava olhando e rindo da nossa rivalidade, sentada no sofá.
- Você é que é patético... Nem parece filho de um rockstar! – Mark me desafiava, e o ritmo da música começou a acelerar.
O vídeo game estava quente, jogávamos há horas.
- Talvez eu não seja mesmo... É só o que falta acontecer. – Disse eu, sorrindo de meu próprio humor negro.
Mark gargalhou.
Foi quando o telefone tocou, Mark pausou o jogo para atender.
- Oi tia! – Ele abriu um sorriso de orelha a orelha (com certeza estava falando com a minha mãe).
De repente ele foi ficando sério, dirigindo os olhos para mim.
Merda, foi o que eu pensei. Sinal de problema.
- Foi culpa minha também. Eu quis continuar a ver a minha irmã, senão eu não pediria pro Char trazê-la aqui. – Disse ele, com um ar duro de discussão.
Ele suspirou, assentiu algumas vezes e desligou o telefone.
- Sua mãe quer que você vá pra casa, Char. Ela quer que você leve a Suzan com você. – Disse ele. – Parece que ela ligou pro meu pai, e ele falou mais do que devia.
Suzan nos observava, com seus olhos grandes e azuis cheios de preocupação.
- Ótimo. Minha vida está em risco. – Disse eu.
- Pura irresponsabilidade. – Minha mãe disse pela milésima vez.
- Eu só estava tentando ajudar. – Disse eu.
Estávamos no quarto dela, ela sentada da poltrona do canto e eu sentado na cama.
- Não temos o direito de nos metermos nisso, Char! – Disse ela, aflita. – O que eu falo pra Joanna agora?
- Nada. – Disse eu calmamente. – Eu já disse.
Ela arregalou os olhos pra mim, fazendo aquela cara de assustada que eu amo.
- Você não é normal, Charlie !
Eu sorri.
- Não podia ser mesmo... Olha a minha família. – Disse eu.
Por fim, ela cedeu e abriu um sorriso.
- Permissão pra ver TV? – Eu bati continência, como os caras do exército, fazendo minha mãe gargalhar.
- Permissão dada. – Disse ela, batendo continência também.
- Só mais uma coisa, mãe... – Disse eu, já chegando na porta e virando-me novamente. – Converse com o tio de novo. Discutir com o Mark por causa da Suz foi a coisa mais infantil e sem sentido que eu já ouvi na minha vida.
Minha mãe assentiu e piscou o olho, como se dissesse "já sei, e já estou cuidando disso".
Saí do quarto e vaguei direto para o sofá, jogando-me lá.
Foi quando Halley saiu da cozinha com uma maçã na mão.
- Já voltou da casa do Mark? – Perguntou ela, aproximando-se do sofá.
- A general deu ataque e eu tive que vir marcar presença do exército. – Disse eu, bufando.
Halley gargalhou.
Meu corpo respondeu instantaneamente ao sorriso dela, arrepiando-se. Fazia tanto tempo que eu não ouvia esse riso tão de perto...
- Chega pra lá, Char. Eu também quero ver TV. – Ela bateu com o joelho de leve na minha perna esticada.
- Eu também quero, e você tá na frente dela. – Disse eu, abrindo meu melhor sorriso.
Halley me deu um tapa de leve, então eu me locomovi e dei espaço para que ela sentasse.
- Faz tanto tempo que eu não vejo o Mark... Pede pra ele vir aqui qualquer dia desses. – Disse ela, mirando-me com os grandes olhos castanhos.
- Ele não pode. Você não lembra da coisa toda com a tia Joanna?
- Ah sim... Que chato. – Disse ela, entortando a boca.
Sorri da expressão dela.
- Que foi?
- Você me lembra minha mãe ás vezes. – Disse eu. – Esse jeito distraído.
- Eu e a nos parecemos em muita coisa. – Disse ela, e sua expressão escureceu de repente.
Parei de sorrir.
- Não queria te deixar triste, Halls. – Disse eu.
Ela olhou para mim de repente, em um movimento tão rápido que eu mal acompanhei.
- Do que você me chamou? – Perguntou ela.
Franzi o cenho.
- Halls. – Disse eu, sem me preocupar. – Você não lembra da época que eu te chamava assim? Pra abreviar o seu nome e também...
- Por causa da minha bala favorita. – Ela completou a minha frase, ainda séria. – É só que... Eu não sabia que você se lembrava da minha bala favorita. Isso faz tanto tempo, Char...
- Eu sei. Na época que eu não era um otário. – Disse eu, sorrindo.
Ela sorriu também.
Estávamos nos saindo bem com essa situação toda, apesar de ela ainda ter todo o cuidado com a lei da distância e encostar em mim o mínimo possível.
Pelo menos estávamos nos falando melhor nesses últimos dois dias... Eu queria ver como isso seria no colégio, no dia seguinte.
Naquele mesmo dia, á noite, resolvi passar na casa do meu pai pra deixar o carro que peguei pra buscar a Halley e pra passar um tempo lá com ele. Minha mãe ia sair com o , tia Joanna e Suzan provavelmente alugariam algum desenho e ficariam rindo a noite toda, e Halley... Bom, ela não ia querer fazer nada comigo, de qualquer forma.
Estávamos bem, mas não tão bem assim.
Além do mais, sabe deixar um garoto mórbido mais feliz.
- Char! – Ele sorriu, assim que abriu a porta para mim.
- Oi pai. Vim te devolver o carro. – Disse eu, sorrindo ao ver a cara de desapontamento dele. – E comer uma pizza, é claro.
Ele sorriu mais ainda e deu passagem para que eu entrasse.
- Por que você não vem mais aqui, seu merdinha? – Perguntou ele, tentando parecer bravo (sem nenhum sucesso), fechando a porta.
- Nossa, vamos ver... – Eu fingi pensar por um momento e em seguida fiz uma cara irônica. – Primeiro porque a minha namorada grávida está na minha casa, a tia que eu não vejo há alguns anos também, com uma filha. Minha mãe passa o tempo todo suspirando intocável em sua bolha de felicidade, mas mesmo assim tentando resolver os problemas de todo mundo ao invés dos próprios e eu voltei ás aulas. Esqueci alguma coisa?
Meu pai levantou a sobrancelha e sentou-se no sofá.
Joguei-me ao lado dele, e fizemos um pequeno silêncio.
- Calabresa ou mussarela? – Perguntou ele, sorrindo de leve.
Sorri instantaneamente.
- Os dois.
- Realmente. – Concordou ele, indo pegar o telefone.
Comemos e falamos besteiras durante muito tempo, na sala.
Quando paramos de rir de alguma idiotice que eu havia dito, meu pai fez um ar sério de quem tinha uma coisa importante pra falar.
- Agora é sério, Charlie... – Disse ele. – É importante que você preste atenção em mim.
Olhei para ele, engolindo a última fatia de calabresa.
- Você tem que dar tempo ao tempo agora. Não adianta ficar frustrado com as atitudes da Halley, como eu sei que você está. Não se esqueça de que ela está grávida, é meu neto que está ali, e eu não quero nem pensar que ela possa estar sofrendo algum tipo de estresse por sua causa. – Disse ele.
- Mas eu não fiz nada! – Eu protestei de boca cheia, e ele ergueu a mão para me calar.
- Eu sei que não, eu só estou te alertando. E outra coisa, sobre a e o ... Não quero que você fique importunando a minha pequena também. Ela tem o direito de ser feliz, e você sabe disso. Ciúmes todos nós temos, inclusive eu, mas ela tem que ser feliz.
Suspirei.
- É porque eu nunca tinha visto isso antes... Ela está tão diferente, tão alegre... – Disse eu, frustrado.
- E isso não é bom? – Perguntou meu pai, encarando-me e sorrindo.
- É sim. Só é... Estranho.
Ele suspirou, levantando-se do sofá e pegando as duas caixas vazias de pizza na mesinha de centro.
- Eu recusei uma oferta de emprego no Japão. Seria realmente lucrativo se eu tivesse ido. – Ele parecia estar pensando alto. Pensativo, mas não arrependido.
- Por que você não foi? – Perguntei eu. Eu não ia dizer isso, mas estava feliz por ele não ter ido.
Ele me olhou e sorriu de novo.
- Porque daqui a alguns meses o meu neto vai nascer, e o meu filho precisa de mim.
Sorri para ele, eternamente grato.
Esse era : não importa o quanto eu atrasasse a vida dele, ele sempre parava tudo por minha causa.
Eu realmente amo meu pai.
Capítulo 29.
- Pra onde está me levando, ? – Perguntou minha mãe, sorrindo.
- Você vai reconhecer na hora. – Respondeu ele, sem tirar os olhos da estrada.
Era noite, e os dois estavam no carro do indo para uma espécie de lugar especial, passando dos limites da cidade.
Chegaram a uma clareira, onde parou o carro.
Desceu e foi para o outro lado abrir a porta para a minha mãe.
- Não acredito que estamos na praia de todas as nossas reuniões de amigos... – Disse ela, sorrindo e descendo do carro também.
sorriu de orelha a orelha.
- Eu sabia que você ia reconhecer... E imaginei que não vinha aqui há algum tempo também. Você estava tentando evitar cada pedaço da sua vida no qual eu estivesse presente. – Disse ele, e seu sorriso assumiu um toque de tristeza.
Ela pôs as mãos no rosto dele.
- Estamos aqui agora. Nada mais importa. – Disse ela, sorrindo e beijando-o de leve.
Os dois foram caminhando até a areia, de mãos dadas.
Mais á frente, no limite da praia com as rochas, podiam ver o velho farol girando com sua luz forte.
A única luz presente na cena que não vinha do céu.
- O farol ainda está ali! – Minha mãe pôs a mão sobre a boca e seus olhos se encheram de lágrimas.
sorriu mais ainda.
- Vamos subir até lá? – Perguntou ele, mirando-a.
- Não vão brigar com a gente? – Perguntou ela, arregalando os olhos como uma criança.
- Você costumava ser mais corajosa. Anda logo, ! – puxou-a pelo braço e os dois começaram a correr, rindo e gritando.
Então já não eram mais um casal de meia idade, que tinha um filho de 16 anos e tantos problemas para serem resolvidos.
Eram adolescentes de novo, apenas uma garota e um garoto.
E quem olhasse a cena sob a luz entorpecida da lua, veria claramente a garota da mecha rosa correndo atrás do rapaz com o rosto parecido com o meu.
- Eu não me lembrava da vista aqui de cima. – Disse minha mãe, olhando o horizonte escuro que se confundia com o mar.
olhava para ela.
Ficaram em silêncio, presos em suas memórias, olhando a praia e vendo a si mesmos e aos amigos ali embaixo, há tantos anos atrás.
- ... – disse de repente.
Ela encarou-o, ainda sorrindo.
- Eu te trouxe aqui hoje por um motivo especial... – Disse ele, mirando a mão dela que estava entrelaçada na sua. – Eu quero te fazer um pedido.
O corpo de minha mãe ficou rígido, e ela olhou-o com um misto de dúvida e amor.
Ele continuou.
- Nós dois demos muitas voltas, mas acho que queríamos chegar ao mesmo lugar. Eu quero você, pra sempre. – Ele parou de olhar para as mãos dos dois e mirou os olhos dela. – Por isso eu quero te pedir uma coisa, e eu sei que não vai ser fácil. Não vai ser fácil porque temos as nossas diferenças, porque eu sou ciumento, porque você é extremamente mandona de vez em quando, porque temos essa capacidade de nos machucarmos tanto com nossos próprios atos, nunca intencionalmente...
- Nunca intencionalmente. – Repetiu minha mãe, deixando as lágrimas caírem.
Ele limpou-as e sorriu.
Continuou.
- Também por causa de tudo o que já vivemos e por causa do que estamos vivendo agora... E também porque eu sinto falta da minha menina da mecha rosa. No fundo, você nunca deixou de ser ela, sabe? Ela está no seu sorriso, nos seus gestos mais simples e nos seus olhos quando você olha pra mim. Ela está nesse seu jeito de ser, uma eterna criança no corpo de uma linda mulher. Talvez não seja o melhor momento, por causa dessa coisa toda do Char com a Halley, mas...
Ele respirou fundo.
A caixinha no bolso de sua blusa, tão pequena, parecia agora pesar cinco quilos a mais.
Cautelosamente, ele tirou-a do bolso e estendeu-a para ela, aberta.
Dentro havia um anel de ouro com um delicado brilhante em cima.
- Eu te amo. Quer casar comigo?
Minha mãe olhou para ele, agora sorrindo abertamente. Estava com medo, é claro, mas medo nenhum no mundo chegava perto do amor que sentia por .
Então ela jogou seus braços ao redor do pescoço dele, a caixinha entre os dois, aberta.
- Sim. – Disse ela, beijando-o com força.
E foi assim, precisamente, que pediu minha mãe em casamento.
Tudo o que eu mais queria era tomar coragem para, algum dia, fazer o mesmo pela Halley.
E eu vou.
Capítulo 30.
Bati na porta do quarto pela décima vez. Como nas outras nove, ela não abriu.
Eu só queria pegar uma bermuda. Será que era tão difícil assim?
- Halley, eu preciso das minhas roupas... – Eu disse, fechando meus olhos (minha pouca paciência se esgotando).
Então desisti de pedir permissão para entrar no MEU PRÓPRIO QUARTO, girei a maçaneta e pronto.
Não havia ninguém lá dentro. Onde ela poderia estar àquela hora da manhã?
Decidi que agora não era a hora certa pra pensar nisso. Eu precisava pegar a roupa pra ir à aula, tomar um banho correndo e pegar alguma coisa pra ir comendo no caminho.
Abri meu armário e peguei uma bermuda qualquer na primeira gaveta.
Quando estava prestes a sair com o que eu precisava, a porta do banheiro se abriu e revelou uma menina de cabelos ruivos e molhados, enrolada em uma toalha branca (que parecia curta demais pra uma toalha de banho).
Não pude evitar olhá-la do jeito que olhei. Não é sempre que eu tenho uma visão tão linda de alguma coisa.
Halley soltou uma exclamação de espanto e fechou a porta, cedo demais pros meus olhos. Não tão cedo assim pra minha mente, que já estava muitos passos à frente.
Passos que eu não tomaria, não arriscaria ser precipitado com ela.
Suspirei e cheguei perto da porta (perto o suficiente para que ela pudesse me ouvir através da madeira).
- Halls, desculpa. Eu só queria pegar algumas coisas... – Deixei minha frase no ar por algum tempo, encarando a porta ansiosamente.
- Tá ok, Char. Bate a porta quando sair, pra eu saber que você saiu e poder trocar de roupa. – Disse ela, tentando parecer calma.
- Ok. – Eu suspirei e saí do quarto, batendo a porta com mais força do que deveria.
Halley apareceu na cozinha enquanto eu preparava omeletes.
Ela sentou-se na mesa e ergueu uma sobrancelha.
- Charlie cozinha?
Tirei minha atenção da comida e encarei-a, sorrindo de lado.
- Existem muitas coisas sobre mim que você não sabe.
Ela olhou para baixo. Decidi falar outra coisa, antes que o clima ficasse ruim.
- Então, vai à escola comigo?
Ela arregalou os olhos castanhos para mim.
- Você acha que eu devo? Depois de todos esses rumores e fofocas... Não sei se vai ficar bem pra você aparecer comigo.
Encarei-a, dessa vez com raiva.
- Desde quando eu deixei de te dar a mão por vergonha? Eu posso ter sido o pior namorado do mundo, mas isso eu nunca fiz. Você sabe que não.
Meu pequeno discurso pareceu pegá-la de surpresa.
- Não foi isso que eu quis dizer, Char. É só que... É diferente agora. As pessoas estão falando coisas de mim, e eu não sei se posso enfrentar isso tudo.
Suspirei e coloquei minha mão carinhosamente sobre a dela. Halley pareceu pensar em recuar, mas não o fez.
- Não estou dizendo que vai ser fácil. Mas você não precisa estar sozinha. – Eu sorri.
Ela sorriu também, deixando um silêncio confortável pairar.
Eu jurava que podia ouvir o coração dela batendo. Ou será que era o meu?
O dia na escola foi mais difícil do que eu esperava. Logo na entrada, as pessoas olhavam e apontavam para nós, como se fôssemos atração de algum tipo de circo.
Segurei a mão de Halley com mais força. A cabeça dela estava abaixada.
Passamos pela parte dos armários, ainda com os curiosos lançando-nos olhares nem um pouco discretos. Que merda, esses inúteis não podem cuidar da própria vida?
E foi então que o maior problema aconteceu: Jane. A mesma líder de torcida que me parou no corredor, algumas semanas atrás.
- Ora... Quem decidiu voltar! Quem é vivo sempre aparece, não é? – Ela disse com sarcasmo, balançando os cabelos compridos e loiros para suas seguidoras, que riram em resposta.
Halley não respondeu.
Já eu, não tive a mesma calma.
- Você não tem que pentear seu cabelo agora? – Eu fiz uma pergunta retórica, e estava prestes a sair quando ela disse a pior coisa que poderia ter me dito.
- Quando você vai parar de correr atrás dessa vadiazinha, ? – Perguntou ela.
Apertei as mãos e me virei para encará-la.
- Quando você parar de abrir as pernas pra qualquer um que passa. – Respondi eu, dando-lhe as costas e arrastando a Halley comigo, sem dar atenção ás exclamações que ouvi atrás de nós.
Chegamos a uma parte deserta dos corredores da escola. Eu continuava espumando de raiva.
Halley me encarava, eu podia sentir. Mas meus olhos não se desviaram da frente por nenhum só minuto, até que ela falou:
- Parece que você vai correr atrás de mim pra sempre, se depender da condição que impôs a Jane...
Parei de andar e comecei a rir.
Antes que eu pudesse perceber, estávamos os dois gargalhando sozinhos no corredor, como se não existisse mais ninguém no mundo e nenhum problema: apenas eu e ela.
Por fim sentamos com as costas viradas para os armários, sem fôlego, quando ouvimos o primeiro sinal da aula soar.
- Que ótimo. Perdemos a primeira aula porque o senhor decidiu dar uma de herói. – Disse ela, sorrindo.
- Ei, Halls! – Cutuquei-a de leve.
De repente ela ficou séria e me encarou, profundamente.
- Obrigada, Char. Por tudo.
Então não era só sobre o fora na Jane que ela estava falando.
Não tive tempo de perguntar ou de me aproximar, porque o inspetor apareceu no final do corredor, com um bloquinho para anotar nossos nomes pelo atraso.
Saímos correndo e rindo de mãos dadas para o pátio, o homem gordo e de bigode puxando a calça enquanto tentava nos alcançar.
Capítulo 31.
- Uma festa aqui em casa? – Eu perguntei, sem entender.
Era quarta-feira, estávamos almoçando na mesa da sala.
- Sim Char, uma festa! – Minha mãe disse, passando o arroz para tia Joanna.
- Posso perguntar o motivo? – Perguntei.
- Você vai saber na hora. – Minha mãe olhava distraída para o garfo, com um sorriso bobo no rosto.
Franzi a testa ao ver a expressão dela. Esse sorriso não a abandonava, eu estava começando a suspeitar que fosse tatuagem.
- Jo, você pode explicar o motivo da estar tão radiante? – Halley perguntou sorrindo, fazendo todos rirem.
- Se eu soubesse... Nem pra mim ela contou! – Joanna lançou seus olhos azuis e fuzilou minha mãe.
- Vocês gostam de estragar surpresa? A tia já disse que a gente vai saber depois! – Disse a voz delicada de Suzan.
- A senhorita sabe alguma coisa sobre isso? – Joanna perguntou, fazendo cócegas na barriga da filha.
- Dessa vez eu não consegui descobrir. Mas eu vou. – Disse Suzan, com seus olhos azuis brilhando.
Sorri. Era inevitável sorrir olhando para Suz.
Enquanto comia, fiquei refletindo sobre as conseqüências de uma festa NESSE MOMENTO: Suzan e tia Joanna, Halley, Mark e tio ... Como ficaria esse povo todo junto?
Suspirei. Talvez desse tudo certo. Talvez não.
O que mais me intrigava era o sorriso que minha mãe mostrava nos lábios e nos olhos. Alguma coisa estava acontecendo, e eu não sabia. Alguma coisa estava acontecendo com , e eu não sabia.
Aquilo me deixou irritado.
Não acompanhei a conversa das pessoas na mesa pelo resto do almoço. Ouvi vagamente minha mãe dizer que a festa seria no sábado, porque aí meu pai já teria saído do trabalho e tia Julie também.
Então eu esperaria mais quatro dias pra entender a cabeça de vento da pessoa que eu mais amo no mundo?
Parecia que sim.
Eu estava com uma calça jeans escura e uma blusa social branca, o típico all star branco e o cabelo despenteado.
Bufei mais irritado ainda, olhando-me no espelho, e comecei a girar o piercing de novo.
Sacudi o cabelo com as mãos. Sorte que o meu cabelo é bom.
Saí do quarto e fui ajudar minha mãe com o coquetel. Não era uma festa chique, era só para os íntimos, mas mesmo assim... Parecia ser uma ocasião especial. Eu estava mais curioso do que nunca.
Enquanto arrumávamos o espaço lá de fora para a reunião em família/amigos/inimigos, eu tentei arrancar algumas informações da minha mãe.
- Nem uma dica? – Eu insistia, fazendo-a rir.
- Para com isso, menino! Você vai saber na hora!
Parei de arrastar a mesa para olhá-la: ela estava linda, como sempre.
Seus cabelos estavam soltos e caíam sobre os ombros e as costas, a franja presa para trás. Usava um vestido leve, de cor salmon, fazendo contraste com sua pele. Usava brincos delicados, combinando com o restante da roupa. Suspirei.
Ela olhou para mim e sorriu, colocando a mão no meu rosto.
- Me promete uma coisa, filho? – Perguntou ela, me olhando fundo nos olhos.
- Qualquer coisa. – Disse eu.
- Prometa que não vai estar bravo comigo ao final dessa noite.
Encarei-a, sem entender o pedido.
- Mas o quê...?
- Apenas prometa. – Ela cortou-me.
- Prometo.
Ela sorriu para mim, e eu sorri de volta (dois sorrisos parecidos).
- Gente, vocês precisam de ajuda em alguma coisa? – Ouvi a voz de Halley da porta.
Virei-me e minha boca deve ter caído uns três metros. Halley estava com os cabelos ruivos presos em um coque frouxo e um vestido preto sem alças. Seu rosto estava levemente maquiado.
Linda demais para ser real.
- Fecha a boca, Char. – Ouvi a voz de Mark chegando, e me virei sorrindo.
Halley sorriu e foi falar com ele, depois entrou correndo de novo para terminar de se arrumar.
- Ah , que bom que você chegou! Você pode me dar uma ajudinha aqui? – Minha mãe perguntou.
Olhei e vi tio sorrindo e indo ajudá-la, amarrotando sua blusa social.
Mark estava parado ao meu lado, vestido mais ou menos como eu.
Por algum motivo que estava fora do meu campo de visão, ele sorriu, dando a impressão de que havia um segundo ali do meu lado.
Depois entendi o motivo do sorriso, quando Suzan saiu pela porta com os cabelos loiros voando e um vestidinho rosa claro.
- MARK! – Ela pulou no colo do irmão.
Tio parou na hora o que estava fazendo e ficou olhando a cena de longe. Percebi que ele analisava cada gesto de carinho do Mark com a Suzan, e parecia estabelecer um grande conflito interior.
- , os de pérola ou os de prata? – Tia Joanna apareceu na porta com um vestido lilás que era amarrado no pescoço, mais ou menos até os joelhos. Seus cabelos negros estavam soltos, e ela segurava dois brincos nas mãos.
Seus olhos azuis se arregalaram quando ela viu tio , que a mirou com uma mistura de surpresa, raiva, angústia e... Algo mais?
Mark colocou a irmã no chão e encarou-a também, sério.
Eu lancei um olhar de “eu sabia que isso ia acontecer” pra minha mãe, que me olhou de volta com o mesmo desespero.
“Que o circo pegue fogo”, eu pensei.
Afinal, quase todos os palhaços já estavam presentes.
Capítulo 32.
- Bem... – Minha mãe começou a dizer alguma coisa, mas a frase morreu no ar pesado da situação.
Tia Joanna abaixou a cabeça e entrou de novo em casa, como se não houvesse visto nem o filho e nem o ex-marido.
Suzan continuava olhando para o rosto enfurecido de Mark, seus grandes olhos azuis cheios de lágrimas e perguntas.
“Que merda”, era tudo o que eu conseguia pensar.
- Mark, tá tudo bem? – A voz suave de Suzan perguntou.
Mark abaixou-se para ficar ao nível dos olhos dela, colocando as mãos em seu pequeno rosto, como se ela fosse a coisa mais preciosa do mundo.
Suzan sorriu para ele.
- Eu estou bem, Suz. – Disse ele, sorrindo também.
Tio ainda estava perto da minha mãe, encarando a cena de Mark e de Suzan.
Minha mãe estava inquieta, alerta para o primeiro sinal de problema que isso pudesse causar.
“Talvez fosse melhor o Mark ir pra perto do tio ”, eu pensei.
- Cara... Você não acha que talvez fosse melhor... – Comecei a dizer, mas Mark me cortou.
- Ele vai sobreviver.
Suspirei e deixei os ombros caírem. Por que eu estava passando por essa situação toda mesmo?
Ah claro. A festa sem motivos aparentes de .
- Mãe, me chama de novo se precisar de ajuda. – Disse eu, entrando em casa sem esperar resposta e sem olhar para trás.
Eu simplesmente precisava sair dali.
Joguei-me no sofá da sala e cobri o rosto com uma almofada.
- Isso não vai ajudar em nada, sabe... – Reconheci a voz da Halley vinda de algum lugar acima de mim.
- Eu sei que não. – Eu respondi com a minha voz abafada.
Senti as mãos dela tirando a almofada de cima de mim.
Encarei-a em pé ali, mais linda do que eu podia me lembrar.
- Vamos lá pra fora... Os outros convidados da devem estar chegando! – Ela disse, puxando minhas mãos para tentar me levantar (sem nenhum sucesso, é claro).
- Eles não chegaram ainda. E acredite em mim, você não vai querer ficar lá fora. Tia Jo apareceu na porta, criou um clima de merda, tio parece estar prestes á explodir, Suz está com aquela cara de dúvida e minha mãe está entrando em pânico, pelo que eu vi. Não é um bom lugar para se estar agora. – Disse eu.
Halley suspirou e sentou-se na poltrona ao lado do sofá onde eu estava deitado.
- Eu queria ao menos saber o motivo da festa... Deve ser alguma coisa séria. Sua mãe não arriscaria o bem-estar de todo mundo e não nos colocaria em uma situação desagradável assim se não fosse importante. – Disse Halley.
- Você tem razão. – Respondi eu, mais para mim mesmo do que para ela.
Ficamos um tempo em silêncio, até que ouvimos o barulho de um carro chegando ao lado de fora silencioso da casa.
- Como você está, minha pequena? – Ouvi a voz do meu pai chegando mais perto.
Levantei-me do sofá com um pulo.
Halley sorriu ao ver a minha reação.
- Agora você quer ir lá pra fora, né? – Ela perguntou com uma voz de deboche.
- Quero sim, e você vai comigo. – Eu sorri e puxei-a pela mão.
Nós dois saímos e chegamos ao jardim.
Minha mãe, meu pai e tio estavam conversando em uma mesa sobre alguma coisa, enquanto Mark e Suzan estavam do outro lado, rindo de alguma coisa.
Tio olhava discretamente para o filho de vez em quando, mas acho que nada de mais grave havia acontecido nos poucos minutos em que eu saí de lá.
- Charlie! – Meu pai sorriu assim que me viu, levantando-se da cadeira.
- Oi pai... – Eu sorri também, um pouco tímido quando ele me abraçou.
Eu nunca fui muito bom em demonstrar meus sentimentos, ainda mais em público.
- Oi Char, acho que não cheguei a falar com você. – Tio apertou minha mão e eu fiz um esforço pra sorrir.
- Oi ! – Halley sorriu e deu dois beijinhos no meu pai.
- Oi Halls. – Disse ele, sorrindo também.
Halley arregalou os olhos de surpresa quando viu que meu pai sabia o seu apelido, mas não disse nada.
Eu fuzilei-o com o olhar. Meu pai apenas deu uma gargalhada baixa e piscou pra mim.
Por sorte Halley não viu, porque estava cumprimentando o tio .
“Acerto-me com depois”, pensei eu.
Eu e Halley fomos ficar perto de Mark e Suzan, para dividir melhor o espaço ali (como se minha mãe, meu pai e meu tio fossem conversar sobre alguma coisa interessante de qualquer forma).
Não demorou muito e chegou, vestindo uma blusa social branca e uma calça de smoking. Vi minha mãe abrir um sorriso enorme e quase pensei ter escutado o coração dela bater enquanto ele se aproximava, com um sorriso ainda maior que o dela (se isso era possível).
- Amor! – Minha mãe jogou os braços ao redor do pescoço dele e beijou-o de leve.
Sorri vendo a cena. Apesar de tudo, eu tinha que admitir que eles haviam nascido um para o outro.
Olhei discretamente para o lado e vi que Halley sorria também, observando-os. Acho que, no fundo, nós dois nos víamos refletidos em minha mãe e em , e ver que eles estavam bem nos trazia uma espécie de esperança sobre o nosso próprio futuro.
Ou isso... Ou nós dois queríamos simplesmente estar juntos como eles dois.
cumprimentou meu pai e tio , e em seguida veio andando em minha direção.
- Oi Char! – Disse ele sorrindo.
Levantei-me e sorri também, apertando a mão dele. me deu um tapinha nas costas.
- Você não deu mais notícias... Como estão as coisas? – Perguntou ele, e em seus olhos idênticos aos meus eu podia ver muitas outras perguntas que ele jamais diria em voz alta, eu pelo menos não até que estivéssemos sozinhos.
- Eu tô legal. Só ando com muita coisa na cabeça. – Eu sorri.
- Que bom! – Seu sorriso era de alívio agora.
- , essa é a Halley... – Disse eu, apresentando-a para ele.
sorriu, aproximou-se e deu dois beijinhos nela.
- É muito bom conhecer a mãe do meu neto. – Disse ele, ainda sorrindo.
O sorriso de Halley foi enorme em resposta.
- É muito bom te conhecer também, !
- Hey tio ! – Mark se aproximou e apertou a mão de .
- Mark! – sorriu para ele também.
Foi então que sentiu um pequeno puxão em sua calça. Olhou para baixo e viu que era Suzan.
- Você nunca mais veio me ver, tio ! – Disse ela, emburrada.
abaixou-se para ficar á altura dela.
- Desculpe Suzan. Eu prometo vir mais vezes. – Disse ele, abraçando-a quando ela sorriu.
Senti uma coisa estranha. Uma espécie de pontada no peito, e um desejo estranho de estar no lugar da Suz naquela hora.
Com um sobressalto, percebi que estava com ciúmes.
soltou-a (para meu alívio) e virou-se para mim novamente.
- Vai lá pra mesa depois, Char. Quero conversar um pouco com o meu filho! – Disse ele, parecendo um pouco inseguro por usar a palavra “filho”.
- Já estou indo pra lá, . – Eu sorri. Ele também sorriu e saiu em direção à minha mãe.
Minha mãe estava observando tudo de pé, no mesmo lugar onde ela e estavam quando ele veio falar comigo. Ela segurava os braços ao redor do corpo com força, um sorriso duro em seu rosto, como se estivesse satisfeita e temerosa.
Suspirei quando ele segurou a mão dela e os dois sentaram-se com meu pai e tio na mesa.
- Ele é incrivelmente igual a você. – Ouvi a voz de Halley falhar em um suspiro.
- Eu sei. – Eu sorri.
- Espero que o nosso filho ou a nossa filha tenha a metade da beleza de vocês dois. – Ela pareceu estar pensando alto, sem perceber que eu ainda ouvia.
Sorri de lado pelo que ela falou, olhando-a. Halley ficou vermelha, mais vermelha do que nunca, e murmurou alguma coisa sobre precisar ir ao banheiro.
- Ela gosta de você, Char. – Mark disse, um pouco longe, com Suzan em seu colo.
- Eu sei. – Eu disse de novo, com um sorriso triste.
- Ah, claro! Quando o Mark diz isso, você fala “eu sei”. Quando sou eu que digo, você ri! – Suzan cruzou os bracinhos. – Ninguém me escuta.
Eu e Mark começamos a rir.
De repente, a festa não parecia tão absurda assim. Tudo parecia estar em seu lugar certo.
Ou quase, pelo menos.
Capítulo 33.
Tio e tia Julie foram os últimos a chegar.
Tia Julie estava linda, com um vestido azul claro meio solto, seus longos cabelos loiros caindo em suas costas, formando pesados cachos.
Tio estava vestindo uma roupa social, assim como todos os homens que estavam lá. Isso me fazia refletir ainda mais sobre os motivos dessa festa, mas parecia que ninguém sabia.
Ninguém, exceto minha mãe e .
Tia Joanna finalmente saiu de casa, mais bonita do que eu jamais a havia visto.
Mark e olharam para ela, mas não disseram nada.
Estávamos todos aproveitando a noite e bebendo o coquetel, como se nunca houvéssemos tido problemas em nossas vidas.
Tudo parecia estar bem.
- Aí a olhou pra mim e disse “, o ficou pra trás”! – disse, fazendo todos gargalharem, inclusive eu.
Estávamos sentados na mesa, relembrando histórias e coisas que aconteceram quando eles eram mais jovens.
Esta história era sobre quando eles invadiram um hotel para usar a piscina, de madrugada. Enquanto bebiam todas as garrafas que encontraram no bar, os seguranças do hotel chegaram e quase os pegaram. Só perceberam que tio havia ficado lá dentro quando já estavam do outro lado do muro.
- Eu nunca tremi tanto na minha vida! Pensei que o fosse ser preso! – Tia Joanna disse, rindo.
Tio olhou para ela com um pequeno sorriso no rosto, um momento que só eu parecia ter notado.
ainda gargalhava, e eu sorria sentado ao lado dele.
Por um momento, pensei que podia ficar ali para sempre, ouvindo tudo o que ele tinha a dizer. A companhia dele me fazia bem... Eu me sentia mais próximo, como se fosse eu que tivesse vivido tudo aquilo que contava.
Halley estava sentada do meu outro lado, com um sorriso no rosto também. Ela parecia saber exatamente como eu estava me sentindo.
- E aquela turnê nossa, quando fomos ao Brasil? – Tio lembrava, com um sorriso no rosto.
- Bons tempos aqueles... – Concordou meu pai, que estava do outro lado da mesa com tio .
- Nunca me senti tão amado na vida. Aquelas garotas eram loucas! – Tio lembrava, fazendo todos rirem.
- Se ainda tivéssemos a banda, aposto que faríamos outra turnê lá. – Disse .
- Dessa vez, nós iríamos junto. Garotas para trás, nunca mais! – Disse tia Julie, fazendo minha mãe e tia Joanna rirem.
- Imagina isso? No Brasil! – Minha mãe abraçou tia Julie, que riu.
- Vocês teriam que me mandar pelo menos um cartão postal por dia! – Disse tia Joanna, sorrindo.
Por um momento, todos deixaram de sonhar e voltaram a dura realidade de suas vidas: tia Joanna e tio não estavam mais juntos.
Eu franzi o cenho quando me lembrei disso. Como uma noite de felicidade podia fazer com que esquecêssemos de coisas tão importantes?
Foi Mark quem salvou o clima.
- Se elas podem ir, não vamos ficar pra trás, né? – Ele disse, dirigindo-se a mim.
- Não mesmo. Eu já passei por um monte de merda por ser filho de um rockstar! Alguma coisa tem que compensar. – Disse eu, fazendo todos rirem.
- Lembra do que chamavam a gente antigamente, Char? – Perguntou Mark.
- Minifly. – Eu bufei, e todos riram mais ainda.
- Agora vamos ter outro minifly, né? – Tia Julie sorriu olhando para Halley, que abaixou a cabeça envergonhada (mas ainda assim com um sorriso).
- Eu reparei que sua barriga cresceu um pouco... – Disse meu pai, inclinando-se do outro lado da mesa para vê-la.
- Jura? Que anormal, acho melhor ela ir ao médico. – Tio disse ironicamente, fazendo todos rirem.
- Vocês estão deixando-a com vergonha. Podem calar a boca? – Perguntou Mark, e Halley olhou pra ele com gratidão.
- Ela não tem que ficar envergonhada. Ela não é qualquer uma, o filho dela vai ter casa e vai ter pai. – Disse eu, sem me reconhecer por um momento.
Nada nunca vai poder descrever o olhar de orgulho que minha mãe lançou para mim.
Ficamos conversando mais um pouco, os caras relembrando sua época de glória quando foram uma das maiores bandas jovens da história, tia Joanna levando Suzan para dentro (Suz havia dormindo no colo de Mark na metade da conversa) e minha mãe parecia ficar mais nervosa a cada segundo que passava.
Estranho.
Foi quando, de repente, levantou-se da cadeira com uma taça de champanhe na mão, pedindo silêncio.
Todos se calaram.
- Acho que ninguém sabe o motivo disso tudo, não é? – Perguntou ele, rindo nervosamente. – Vocês foram chamados aqui hoje porque eu e temos uma coisa a dizer para as pessoas mais importantes de nossas vidas. Vocês acompanharam a nossa história juntos, e até mesmo nos ajudaram a escrevê-la ( olhou para mim nessa hora).
Houve um pequeno silêncio. A respiração de minha mãe estava alta e ofegante.
- Então eu gostaria de comunicar, senhoras e senhores, que eu e vamos nos casar.
A mesa inteira começou a gritar, aplaudir, assobiar... E eu fiquei parado, absorvendo o impacto da notícia.
Senti a mão de alguém no meu braço (acho que era Halley), mas eu não ouvia nada. Via os rostos felizes na minha frente, via e minha mãe se beijando, mas nada fazia sentido.
Minha visão foi ficando destorcida e preta, e comecei a sentir lágrimas em meus olhos.
Por que ela não me contou?
Por que ela pelo menos não me deu um sinal?
Então foi por isso que minha mãe havia me feito prometer que não ficaria chateado, mesmo que eu não gostasse do que estava prestes a acontecer.
Foi então que um misto de emoções se apoderou de mim, e eu percebi que estava feliz. Feliz por ela finalmente ter ado a atitude que ela durou a vida inteira querendo ar, sem nunca conseguir. Feliz por ela e serem meus pais e se amarem.
Triste porque agora ela não era mais só minha. Ciúmes por pensar que eu não era mais o homem da sua vida.
“Talvez esse nunca tenha sido o meu posto”, eu sorri tristemente, enquanto observava as estrelas brilharem no céu sobre os sorrisos das pessoas que eu mais amava.
Mas nenhuma estrela brilhava mais do que os olhos de uma certa menina da mecha rosa.
Capítulo 34
Depois da gritaria e dos assovios, todos foram se calando. Pareceram subitamente dar-se conta de que havia um adolescente de 16 anos paralisado na cadeira, com o copo de coquetel parado à caminho da boca.
- Charlie... Você tá bem? – Foi a voz de que me despertou.
- Tô ótimo. – Eu sorri forçadamente, com a voz falha.
franziu a testa, ainda de mãos dadas a minha mãe.
- É sério! – Eu assegurei.
- Filho... Quer conversar? – Ouvi meu pai se intrometer.
- Eu to bem, pai. – Meus olhos focalizaram um preocupado.
- Vamos continuar a festa então! – Mark tentou tirar a atenção de todos de cima de mim, o que não deu certo.
Minha mãe ajoelhou-se para ficar a altura dos meus olhos, já que eu estava sentado. Delicadamente ela pôs as mãos dos lados do meu rosto.
- Você sabe que pode me dizer qualquer coisa, meu filho. – Disse ela, encorajando-me com o olhar.
- Você também pode me dizer qualquer coisa. – Eu disse, respirando. – Mas não foi isso que você fez.
O silêncio era tamanho que parecia que eu havia acabado de confessar um assassinato.
Minha mãe me encarou mais profundamente, seus olhos tristes. Imediatamente tentei consertar o que eu fiz.
- Eu estou feliz por você, mãe. De verdade. – Eu sorri.
O semblante dela se tranqüilizou, mas ainda havia uma leve preocupação em seus olhos.
Os outros convidados voltaram a conversar aos poucos, mas minha mãe não se moveu, e nem eu. Ficamos nos encarando por um tempo, as palmas dela já estavam ardendo em meu rosto.
- Eu quero falar com ele, . – A mão de apareceu no ombro de minha mãe.
Vagarosamente ela se levantou, dando espaço para que se aproximasse de mim.
- Posso falar com você lá dentro? – Ele perguntou, encarando-me.
Olhei para a expressão no rosto da minha mãe, atrás de , e em seguida para o rosto da Halley.
Elas ostentavam a mesma cara de preocupação, pareciam ser a mesma pessoa.
- Tá ok. – Eu respondi, levantando-me e indo em direção à porta, ouvindo os passos de em meu encalço e sentindo os olhos de todos em minhas costas.
Entrei e sentei-me direto no sofá, alheio a realidade, até que ouvi a porta se fechar com um baque surdo.
Então estava parado no meio da sala, olhando para mim. Cautelosamente, ele sentou-se ao meu lado.
- Você pode me dizer o que pensa agora. – Disse ele.
Respirei fundo, fechando os olhos.
- Eu não menti. Estou feliz por vocês dois. É só que...
- É só que?
- Eu ainda tenho que me acostumar com a idéia de uma mãe casada. – Eu encarei-o.
sorriu.
- Eu entendo como você se sente. Eu sei que vai ser difícil no começo, mas eu quero muito fazê-la feliz, Char. Eu quero muito ser feliz. – Disse ele.
- Vocês merecem. – Eu disse, com toda a sinceridade que eu pude. – Só gostaria que ela tivesse me dito.
suspirou.
- Se ela não te disse, foi porque ela tinha medo da sua reação. Acho que no fundo ela sabe que você não gosta muito de mim, e...
- Quem disse que eu não gosto de você, porra? – Eu o interrompi, sendo até um pouco grosso.
O olhar de iluminou-se de repente.
- Tudo aponta pra isso. – Ele disse, dando de ombros.
- Então tudo está apontando para o lugar errado. – Eu retruquei. – Não é você... É qualquer um que chegue tão perto dela.
- Você se acostumou a ser o único cara por perto, não é? – bateu o ombro dele de leve no meu, e eu sorri, confirmando.
- Eu era o filho irresponsável, o babaca que não deixava ela dormir a noite, preocupada... Mas eu meio que cuidava dela também, assim como ela cuidava de mim. – Eu tentei explicar da melhor maneira que eu pude.
- Mas eu não vou tirar isso de você. Ninguém vai. – Disse ele.
- Eu sei que não. É que fomos só eu e ela por tanto tempo... Tenho medo de como vai ser de agora em diante. – Eu não podia acreditar que havia dito isso em voz alta.
pôs a mão dele em meu ombro.
- Eu vou estar aqui pra garantir que nada vai machucar vocês dois, nunca. Dessa vez eu vou estar aqui.
O que ele disse, estranhamente, me confortou. Em um momento de pura loucura, eu fiz uma coisa que eu jamais faria em plena sanidade: eu o abracei, com toda a força que eu pude.
pareceu surpreso com o meu gesto, mas retribuiu com a mesma intensidade.
Aprendi uma coisa importante nesse momento da minha vida: às vezes você só percebe como você precisava de alguma coisa depois que você a recebe. Eu jamais imaginaria que uma sensação de alívio tão grande (a sensação que eu estava buscando há algum tempo) estava no abraço de .
Depois que desfizemos o abraço, ambos meio tímidos, coçamos a nuca do mesmo jeito. Rimos alto por causa disso.
Voltamos para a festa logo em seguida, eu me sentindo melhor do que podia me lembrar em muito tempo.
Uma música lenta tocava e tio e tia Julie dançavam em um canto, Mark e minha mãe dançavam em outro.
Cutuquei o ombro de Mark e inclinei-me, como naqueles filmes antigos quando tem um cara dançando com a garota e o outro vai pedir permissão para dançar com ela também.
Mark sorriu e se afastou, e eu aproximei-me de minha mãe e colei a cintura dela na minha, gargalhando alto pela cara que ela fez.
- Pensei que você estava chateado comigo... – Ela disse, com a expressão confusa.
- É tudo uma questão de aprender a dividir. – Eu sorri de lado levantando uma sobrancelha, enquanto minha mãe gargalhava dizendo que eu havia feito uma cara extremamente .
Capítulo 35
Acordei no dia seguinte com o sol em meu rosto, entrando pela janela.
Pisquei algumas vezes, tentando conciliar quem eu era com onde eu estava. Quando consegui pensar e enxergar, reparei que estava no sofá da sala onde tenho dormido.
Levei um susto quando passei os olhos pela sala: do outro lado do sofá onde eu dormia estava tia Joanna, desacordada. Aos pés do sofá estava tio , deitado no carpete de barriga para cima e com duas garrafas próximas a ele, também dormindo. Perto da estante, deitado praticamente em cima de Mark, estava , com a camisa quase toda desabotoada. Encostado em uma almofada na parede, dormindo sentado, estava meu pai. Deitada com a cabeça no colo dele, estava a minha mãe, dormindo como uma criança. Vi dois corpos debaixo da mesa, cercados por algumas garrafas também, e percebi que eram tio e tia Julie.
O mais hilário de todos era Mark: era o mesmo que ver o tio bêbado há anos atrás, babando.
Eu não resisti ao intuito do mal. Levantei-me vagarosamente, fazendo o mínimo de barulho possível e tomando cuidado para não sacudir o sofá e acordar tia Joanna, indo em direção à cozinha.
Lá, peguei duas panelas grandes no armário e andei de novo até a sala.
- ACORDA CAMBADA DE VAGABUNDO! – Comecei a bater uma panela na outra, e as pessoas foram acordando sobressaltadas e com os rostos inchados.
Tio levantou tão rápido que bateu a cabeça na mesa, ficando mais tonto do que já estava. Tia Joanna caiu do sofá exatamente em cima de tio . Minha mãe levantou depressa demais e bateu a cabeça no queixo do meu pai, que gemeu de dor. Mark virou o braço com força e golpeou a barriga de , que se sentou subitamente e quase derrubou a estante com o cotovelo. Tia Julie gritou alguma coisa sobre o apocalipse, entrou em desespero e depois se calou quando viu que era apenas o seu sobrinho mau fazendo uma brincadeira de mau gosto.
Todos olharam para mim, enquanto eu chorava de rir.
- Preciso de gelo. – Meu pai, tio , tio e disseram ao mesmo tempo, fazendo a sala explodir em gargalhadas.
- Char, você é um babaca. – Mark disse, espreguiçando-se.
- Assim como você. – Eu respondi, ainda sem fôlego de tanto rir.
- Que barulho foi esse? – Suzan apareceu na porta da sala vestida em sua camisola amarela, com um ursinho na mão e coçando os olhinhos.
- O Charlie decidiu ser engraçado, meu amor. – Tia Joanna disse, fuzilando-me com o olhar.
- Por que eu não tenho nenhum irmão normal? – Suzan virou as costas e voltou lá pra dentro, fazendo todos rirem.
levantou-se e espreguiçou-se. Foi quando Halley apareceu pela porta onde Suzan havia aparecido (por trás de ) com cara de brava.
Sem mais explicações, ela simplesmente deu um tapa na nuca dele.
- CHARLIE, SEU IDIOTA, EU SEI QUE ISSO FOI COISA SUA! EU OUVI DO SEU QUARTO, EU ESTAVA DORMINDO, SEU...
Halley parou de gritar e pôs as mãos sobre a boca quando se virou com os olhos arregalados, massageando a nuca golpeada.
- Desculpa , eu... Eu pensei que fosse o Char... – Ela se atrapalhou e todos começaram a rir.
- Um erro muito comum. – Minha mãe disse.
Tia Joanna estava à meio metro de distância de tio , ambos pareciam estar meio constrangidos por ela ter caído em cima dele.
Foi quando ouvimos um som alto de barriga roncando.
- Ops. – Tia Julie parecia envergonhada, e todos começaram a rir de novo.
- A delicada Julie, aquela que não tem defeitos? – Tia Joanna começou a implicar.
- Tudo bem, estamos todos com fome. Vamos fazer ovos! – Minha mãe bateu palmas como uma criança.
- Não acredito que tomei um porre com meu filho. – Meu pai, que ainda apertava o queixo, disse.
Minha mãe pareceu finalmente se dar conta disso, e arregalou os olhos.
- Agora já foi. – Tio deu de ombros.
- Você diz isso porque o seu filho já é mais velho! – disse, apontando o dedo para ele.
- Isso não quer dizer nada. É meu filho também, e eu estou abismada do mesmo jeito que vocês! – Tia Joanna disse.
Mark encarou-a, fazendo-a olhar para baixo.
- Vamos comer, antes que a minha barriga me denuncie de novo. – Tia Julie disse para quebrar o clima, e todos fomos para a cozinha.
Comemos ovos até a hora do almoço, rindo da minha mãe e do Mark, que decidiram fazer um teatro de ovos enquanto todos comiam.
Não demorou muito para que Halley e Suzan se juntassem a nós, e todos parecíamos uma grande família feliz de novo.
Parecíamos.
Não éramos.
Depois de algumas horas, todos foram embora para suas casas. e tio trabalhavam ainda naquele dia e cada um foi cuidar da sua vida. Eu finalmente tive o meu sofá só para mim de novo, e dormi a tarde inteira para compensar a noite anterior.
Joanna, Halley e Suzan foram dormir também... Exceto minha mãe, que não queria dormir e chamou meu pai para ir tomar um sorvete.
- , eu quero de morango! – Ela disse, sentando-se na mesa da sorveteria.
- Eu já sabia. – Respondeu meu pai, sorrindo e indo até o balcão pedir os sorvetes.
Os dois gargalhavam, lambuzados como crianças.
- , você nunca aprendeu a tomar sorvete... – Disse meu pai, pegando um guardanapo e ajudando-a a se limpar.
- A culpa é sua se eu não sei fazer nada. Você me mima demais, . – Ela sorriu.
- É o que um melhor amigo deve fazer. – Disse ele, sorrindo também.
- Você é um verdadeiro melhor amigo. Já fez tanta coisa por mim... Até fingiu ser o pai do meu filho e fingiu casar comigo! – Minha mãe suspirou presa em lembranças.
- E depois fingi me separar de você quando o Charlie ainda era pequeno. Todo mundo acreditou! – Meu pai sorriu também.
- Somos excelentes atores, . – Minha mãe disse.
- Com certeza, . – Ele sorriu.
Depois do sorvete terminado, os dois foram dar uma volta e fazer qualquer coisa por aí, só para não voltarem para casa. Devem ter passado o dia em uma praia, ou em um desses parques de diversão na beira da estrada... É a cara deles.
Minha mãe chegou um pouco mais tarde em casa, com aquele sorriso de uma menininha que passou o dia brincando com o irmão mais velho.
Depois eu, ela e Halley fomos ver um filme de comédia que passava na televisão, “A Família da Noiva”.
- ESSE CARA É UM MERDA! – Eu ria do filme, que já estava mais ou menos na metade.
- Silêncio, Char! – Halley sussurrou. – dormiu!
Olhei para o lado e vi minha mãe dormindo, encostada em meu ombro.
- Isso é que dá não dormir de tarde e ficar rodando por aí... – Eu sussurrei, rindo baixo.
- Vamos deixá-la dormindo aqui no sofá? – Perguntou Halley.
- Não. Eu vou levá-la pra cama. – Disse eu, desligando a TV e cuidadosamente pegando minha mãe no colo.
Atravessei o corredor e, quando cheguei ao quarto dela, deixei Halley passar na minha frente para abrir a porta.
Bem devagar, entrei e coloquei minha mãe sobre a cama.
- , é você? – Ela perguntou de olhos fechados, com a voz embargada de quem fala dormindo.
- Não, mãe. Sou eu, Char. – Eu sorri e beijei a testa dela.
Ela já estava desacordada de novo. Halley cobriu-a e ajeitou o travesseiro para ela.
- Dorme tranqüila, . Você viveu muitas emoções. – Halley também beijou a testa dela, e nós dois saímos do quarto.
Ela fechou a porta devagar e sorriu pra mim.
- Sabe de uma coisa, Halls? Acho que seremos ótimos pais. – Eu disse, e ela sorriu mais ainda, me dando a mão.
E, pela primeira vez em muito tempo, eu fui dormir naquela noite sem medo do futuro.
Capítulo 36
A semana chegou ao fim sem mais surpresas.
Mas havia alguma coisa errada com a Halley.
Parecia que a cada vez que eu encostava nela ou sorria, alguma coisa a apertava por dentro. Como se ela estivesse se arrependendo de algo que tenha feito.
Naquela noite de sexta-feira, eu não agüentei mais e decidi perguntar.
Joanna e Suzan não estavam em casa, e minha mãe estava na casa do . Isso tornava a situação perfeita para uma conversa sem que ninguém ouvisse!
Ela estava sentada em minha cama fazendo alguns trabalhos atrasados do colégio quando eu bati na porta aberta e desviei sua atenção do livro.
- Posso entrar? – Eu perguntei.
- A porta está aberta, Char. – Ela sorriu pra mim e bagunçou a franja, como faz quando está nervosa.
Entrei e fiquei em pé, encarando-a sem saber por onde começar. Respirei fundo e tentei explicar as minhas suspeitas da melhor forma possível.
- Halls... Eu reparei que de alguns dias pra cá, você está meio estranha comigo. Eu realmente gostaria de saber se foi alguma coisa que eu fiz de errado, na festa ou sei lá. – Esperei que ela me respondesse.
Ela me encarou, aqueles olhos castanhos cheios de dúvidas que eu não podia ver.
- Não foi nada que você tenha feito... – Ela ponderou por um momento. – Mas aconteceu na festa sim.
Sentei-me ao lado dela na cama.
- Você pode me dizer o que aconteceu? Eu não agüento mais essa sensação de que eu fiz alguma coisa errada.
Ela olhou para baixo, desviando os olhos dos meus.
- Eu fiquei meio nervosa quando você disse que o nosso filho teria uma casa e um pai... Porque isso mexeu comigo de um jeito que eu não esperava. – Ela disse nervosamente.
- Eu não entendo. Pensei que era isso que você queria... Que eu assumisse o nosso filho, não é?
- Era isso que eu queria antes de ir pra França, Char. Agora que eu já refiz todos os meus planos e estava me preparando para continuar a minha vida, você me vem com essa! – Ela estava mais frustrada agora do que no começo da conversa.
- O que você foi fazer na França, Halley?
Ela olhou para mim com olhos de súplica. O fato de eu não tê-la chamado de Halls, como eu vinha fazendo há algum tempo, deixou-a mais alarmada ainda.
- Eu... Eu... – Ela gaguejou um pouco. Então respirou fundo e continuou – Eu fui pra França para fugir disso tudo, você sabe muito bem disso! Minha decisão errada foi tomada lá... Quando cheguei lá e contei pra minha tia os motivos da viagem, ela me deu uma sugestão e eu aceitei. Ela disse que havia uma senhora amiga dela, muito rica, que não tinha filhos e... E queria muito um. Eu fui encontrar essa senhora e ela me pareceu uma boa pessoa, uma pessoa que pode dar um futuro pra uma criança! Então eu...
Ela parou de falar, alguma coisa na minha expressão deve ter feito-a parar.
- Eu não acredito que você concordou em entregar nosso filho para uma família adotiva. – Eu disse, sentindo minha garganta seca.
- O que eu deveria ter feito, Charlie? Eu sou nova, quero ESTUDAR! Você também tem um futuro brilhante pela frente! Eu pensei que você não queria ter essa criança...
Ela começou a chorar.
Eu não dei a mínima.
- E QUANDO VOCÊ ESPERAVA ME CONTAR? QUANDO EU ESTIVESSE SEGURANDO MEU FILHO NOS MEUS BRAÇOS?
- EU QUERIA TE CONTAR! – Ela respirou profundamente, deixando as lágrimas escorrerem ainda mais. – Eu disse a ela que vinha ter o meu filho aqui, e depois entrava em contato. Eu não assinei nada, nenhum documento e nem nenhum termo de adoção! Mas talvez seja melhor assim, Charlie! PELO AMOR DE DEUS, NÓS TEMOS 16 ANOS!
- EU MUDEI POR SUA CAUSA E POR CAUSA DESSE BEBÊ! – Eu gritei, tinha certeza que estava vermelho e com uma enorme veia no pescoço.
- Eu não sabia que você tinha mudado e tomado essa decisão! – Ela disse, cobrindo o rosto com as mãos.
Quando me acalmei, tirei as mãos dela do rosto e coloquei-as entre as minhas.
Olhando bem fundo em seus olhos, eu fiz o que nunca havia feito em toda a minha vida: implorei.
- Não faça isso. – As lágrimas escorreram dos meus olhos – Eu mudei! Eu quero uma chance de provar que eu posso fazer isso! Não faz isso comigo... Eu o quero! Eu quero ter a chance de soltar pipa com meu filho, ou de levar a minha menininha para dar uma volta pelos parques de Londres. Eu quero ver se ele ou ela vai ter os meus olhos, se vai ter o seu sorriso ou as suas orelhas... Se vai parecer mais com você ou comigo, eu quero ouvir a voz de alguém me chamando de “pai”. Eu cresci, e agora eu preciso disso!
Halley começou a chorar com mais força e então jogou seus braços ao meu redor, apertando-me contra si.
- Eu não queria ter feito isso, Char... Mas eu também não quero deixar de lado todos os meus sonhos, eu ainda quero fazer muitas coisas na minha vida... – Ela disse com a voz abafada.
Foi então que uma solução veio à minha mente. Não ia resolver a questão, mas ia ajudar, pelo menos.
- Então vamos fazer o seguinte... – Eu disse sem partir o abraço – Não vamos decidir nada agora. Se até a criança nascer você ainda achar que nós não somos capazes disso, eu desisto. Eu desisto e aí você pode entregar o nosso filho pra alguém criar... Eu só te peço uma coisa: que não seja na França. Mesmo que você ache que nós não somos capazes, eu ainda assim vou querer ver o meu filho crescer.
Ela soltou-se de mim e pareceu pensar por um momento.
- Se não para a França, pra onde então? – Perguntou ela.
- Para a casa de tio e tia Julie. Eles nunca tiveram filhos, e nunca falaram sobre o assunto, mas todo mundo sabe que tia Julie sempre quis ter uma criança em todos esses anos de casada. Se você achar que nós não podemos criar o nosso filho até o nascimento dele, tio e tia Julie serão ótimos pais. E são pessoas que conhecemos e confiamos. Pode ser? – Eu encarei-a.
- Não sei. Será que vai ser bom mantermos contato? – Ela me perguntou.
- Nosso filho ou filha não vai saber quem nós somos. A não ser que, no futuro, tio e tia Julie decidam contar. Mas esse é apenas o plano B. – Disse eu.
Ela olhou para mim sem entender.
Então eu sorri de lado e aproximei-me, o meu rosto à centímetros do dela.
- Eu vou fazer você mudar de idéia. – Sussurrei, dando-lhe um rápido beijo nos lábios.
Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa (ou respirar), eu saí do quarto e fui para o lado de fora da casa, respirar um pouco.
“Preciso falar com o tio sobre isso. Não quero criar esperanças em tia Julie caso a Halley mude de idéia, o que eu espero que aconteça”, pensei eu.
Fiquei ali na porta, até ver e minha mãe chegando.
Ótimo: eu queria mesmo conversar com os dois sobre isso.
Capítulo 37
Minha mãe não disse nada: apenas ficou parada, olhando para mim e para Halley com cara de idiota.
estava vermelho e constantemente abria a boca pra falar, mas tornava a fechá-la quando percebia que só pioraria a situação.
Se uma mosca passasse naquela sala, ouviríamos com clareza o zumbido.
- Dá pra alguém falar alguma coisa? Vocês são meus pais, pelo amor de Deus! – Eu exclamei. Já estava sem paciência com aquele silêncio.
- Eu não sei o que dizer. – Minha mãe não piscava havia uns 20 minutos. – Só sei que vocês não deveriam, de forma alguma, abrir mão do filho de vocês desse jeito.
Halley abaixou a cabeça. É claro que eu não diria que a idéia havia sido dela: a última coisa que ela precisava era pressão da minha família em cima. Ao invés disso, eu disse que nós dois havíamos chegado a um consenso sobre o que fazer, mas que nada estava decidido ainda.
- Não estamos abrindo mão. Simplesmente não decidimos ainda. – Eu disse, encarando a minha mãe com o máximo de sinceridade que eu conseguia.
- O que me preocupa em tudo isso é essa coisa toda do e da Julie... – Disse . – Vocês têm que ter consciência que estão envolvendo outras pessoas nessa situação, e estão brincando com os sentimentos dos outros.
- Então o que você acha que devemos fazer? Não contar ao tio o que queremos que ele faça? – Eu perguntei.
pensou por um minuto.
- Vocês deveriam contar ao que querem que ele e Julie fiquem com a criança apenas quando tiverem certeza de que vocês mesmos não vão ficar com ela. – Disse , seu olhar sobre Halley.
Ela não conseguia olhar pra ele em resposta, o que tornava toda a minha encenação pra culpa não cair nela muito mais difícil.
- Talvez essa seja a solução. – Halley disse com a voz fraca.
- Mas o que é isso? – Minha mãe levantou-se de repente, com os olhos cheios de raiva. Ela parecia, finalmente, estar despertada de seu transe. – Enquanto vocês dois estiverem debaixo do meu teto, essa criança não vai sair daqui!
levantou-se para segurar os ombros dela.
- , a decisão cabe a eles... – Ele me fuzilou com um olhar tão mortal quanto o dela. Estremeci.
só estava dizendo isso para acalmar a situação, afinal era só olhar pro rosto dele e veríamos claramente sua vontade de gritar e apoiar a minha mãe no que ela disse.
- Vocês são... Decepcionantes. – Minha mãe disse, deixando algumas lágrimas de raiva caírem. Depois, ela simplesmente virou as costas e saiu da sala.
virou-se para nós.
- Vocês dois sabem que o que estão fazendo não é certo. – Disse ele, encarando-nos.
Halley começou a chorar. A situação não podia estar melhor pra mim!
- Eu vou fazer o que é certo, . Mas nem sempre o seu certo é o meu também. – Fui um pouco mais ríspido. – Ou talvez o nosso “certo” seja igual até demais, não é?
Então ele virou-se e foi atrás da minha mãe.
- Char, você acabou de brigar com a sua família! – Halley chorava com mais força, escondendo o rosto nas mãos.
- Briguei com a minha família para proteger você. Espero que você leve em consideração o que eu fiz e faça a escolha certa. – Eu disse, e saí da sala também.
Precisava tomar um banho e esfriar a minha cabeça.
Antes que eu acabasse matando alguém.
Por sorte ou por qualquer outra coisa, e minha mãe não disseram a mais ninguém sobre a idéia de Halley. Isso facilitaria as coisas e a daria tempo para pensar com calma.
Ao decorrer da semana, o clima foi melhorando e as pessoas da casa voltaram a se falar com mais freqüência (principalmente minha mãe a falar comigo).
Tia Joanna e Suzan pareciam meio perdidas na situação, porque nenhuma das duas sabia o motivo daquele clima ruim... Mas acho que as duas entenderam que não deveriam se meter.
Apesar do “retorno” parcial das coisas a um ambiente melhor, ninguém havia esquecido sobre a conversa que tivemos. Eu tinha um palpite que, mais cedo ou mais tarde, minha mãe viria falar sobre isso novamente.
Um dia desses, depois da escola, eu e Halley chegamos em casa e meu pai estava lá, sentado no sofá da sala com a minha mãe.
- Oi pai! – Eu sorri assim que o vi.
- Oi Char! – Ele sorriu também. Reparei que o seu sorriso estava meio duro, e minha mãe olhava para baixo.
Será que ela havia contado alguma coisa para ele? Não que eu não confiasse no meu pai, ele era a pessoa que eu mais confiava no mundo... Era só que, quanto menos gente envolvida, melhor.
- tem que falar com você, Charlie. – Minha mãe disse, olhando-se. É, uma coisa que vinha acontecendo muito: minha mãe raramente me chamava de “Char”, o que ela sabia que eu preferia. Esse “Charlie” sempre me fazia estremecer.
Então ela se levantou e Halley entrou também, alguns passos atrás dela.
Eu e meu pai ficamos a sós.
- Senta aqui, Char. – Meu pai disse, indicando o sofá.
Eu sentei-me ao seu lado.
- O que foi, pai? – Eu senti um nó na garganta.
- Eu recebi outra incrível proposta de trabalho, dessa vez na Alemanha... – Ele começou cauteloso. – Meu chefe me disse que é só por três meses. Então eu aceitei, já que dá tempo de voltar e ver meu neto nascer.
Fiquei parado, decodificando aquilo. Três meses sem ver meu pai? O problema não era o neto dele, era o filho dele que não queria que ele fosse! Mas eu jamais diria isso em voz alta. Não por orgulho nem nada disso, mas sim porque eu sabia que era importante pra ele.
- Que bom, cara! – Eu sorri falsamente e dei um tapinha no ombro dele. – Espero que você se saia bem lá!
Ele me encarou por um longo momento, então sorriu. Eu conhecia aquele sorriso: o famoso sorriso você-não-me-engana.
- Você não quer que eu vá. – Disse ele. Não era uma pergunta.
- Quero sim! – Eu disse, tentando incentivá-lo. – Quer dizer... Eu vou sentir sua falta, mas é importante que você vá.
O sorriso dele se ampliou mais ainda com a parte do “vou sentir sua falta”.
- Eu sinto muito ter que ir em um momento tão difícil, Char. Mas eu só aceitei porque é por pouco tempo.
- Você fez bem, pai.
- Então... Me leva no aeroporto sexta-feira?
Eu quase engasguei. Hoje era quarta.
- Tão cedo? – Eu deixei escapar. Ele sorriu e eu senti minhas orelhas vermelhas de vergonha. – Quer dizer... Levo sim, pai.
- Se não quiser ir comigo, eu vou entender. Não precisa se fazer de forte, filho. Não pra mim.
- Eu quero te levar. – Eu decidi, firme.
- Que bom... Então sua mãe te leva às oito, vão estar todos lá. – Disse ele.
- Tudo bem.
Depois nos despedimos e ele for embora.
Uma sensação de vazio apoderou-se de mim: eu não veria meu pai por três meses.
Três longos meses.
Capítulo 38
- Ah cara, você tá muito pra baixo! – Mark me disse pela milésima vez naquela noite.
Eu estava no apartamento dele, sem fazer nada. Estávamos jogando Guitar Hero, e eu estava errando todas as notas do jogo.
- Não consigo me concentrar! – Eu disse por fim, jogando a guitarra eletrônica em cima do sofá. Sentei-me.
- Me diz logo o motivo do seu humor, viadinho. – Mark empurrou a guitarra e sentou-se ao meu lado.
- Meu pai vai trabalhar na Alemanha por três meses. – Eu bufei, desanimado.
- Eu ouvi meu pai dizer algo sobre isso... – Mark parecia estar pensando em voz alta.
Dei um soco no ombro dele.
- Você não me disse nada por quê? – Fiquei furioso.
- AI PORRA! – Ele esfregou o braço. Acho que peguei pesado. – Como eu ia saber se era pra te contar ou não? Eu nem presto atenção em metade das coisas que meu pai fala de qualquer forma!
Não agüentei, tive que rir dessa vez.
- Você costumava prestar atenção nas coisas que tio diz. – Disse eu.
- Não presto mais, desde que ele começou a dizer coisas que eu não quero ouvir. – Os olhos de Mark escureceram.
Era sempre estranho ver os olhos de Mark desse jeito... Ele era uma pessoa muito feliz por quase cem por cento do tempo.
Exceto quando se tratava de um assunto em particular.
- Ele ainda tá de babaquice por causa da Suz, não é? – Perguntei.
- Isso nunca vai passar.
Fiquei quieto. Não tinha como argumentar com isso.
- Quer sair e beber alguma coisa? Como nos velhos tempos? – Eu sorri.
- Você, querendo sair? Mas e a Halley? – Ele franziu o cenho.
- A gente não pode sair pra beber sem ter que pegar todo mundo? – Eu levantei uma sobrancelha. – Além do mais, nós não estamos juntos de qualquer forma.
- Mas você bem que queria.
- Isso não vem ao caso.
- Ótimo então. Vamos pra um pub qualquer. – Ele levantou-se em um salto.
- Vamos.
Então eu e Mark aproveitamos a nossa noite (em um bom sentido) da maneira como fazíamos, rindo de tudo e de todo mundo.
Deixei um recado na secretária eletrônica lá de casa, avisando que dormiria no apartamento de Mark, antes que minha mãe chamasse a polícia.
Beber te faz esquecer os problemas.
Mas os problemas não somem só porque você bebeu.
Cheguei em casa na manhã seguinte e Halley estava sentada no sofá.
- Onde você estava? – Ela mal olhou na minha cara.
- Com o Mark. – Eu franzi o cenho.
- O que você fez ontem a noite? – Ela ficava mais vermelha a cada pergunta.
- Fui a um pub. – Eu respondi, ainda sem entender o interrogatório.
- Beijaram quantas lá? – Ela estava sendo ríspida.
Eu fiquei realmente estressado com essa pergunta ridícula.
- O Mark eu não sei, mas eu beijei três. Tia Joanna, tia Julie e minha mãe. – Virei as costas, puto de raiva.
- Então é só isso que você tem a dizer? Eu te conheço, Charlie! – Ela estava com olheiras, parecia realmente brava.
- Aí está a questão, Halley. Você não me conhece mais, e você não deixa eu me aproximar o suficiente pra te mostrar que mudei. Aí eu saio com um amigo e você dá esse show? Se nós não estamos juntos, é porque você não quer. Não sei que direito você tem de fazer interrogatório.
Ela ficou sem fala, olhando para mim.
- Tenha um bom dia, eu quero dormir mais um pouco antes de ter que dar explicações a minha mãe também. – Dizendo isso, entrei no meu quarto e bati a porta.
Não dormia na minha cama fazia um bom tempo. Achei a oportunidade perfeita, duvidava que ela fosse entrar ali depois de tudo que eu disse.
Foi um ótimo cochilo.
Mais tarde, o telefone tocou e era meu pai me chamando pra sair. É, acho que ele planejava uma última saída comigo antes dos três meses de merda que tínhamos pela frente. Que dramático.
Enfim, tomei um banho, vesti uma blusa pólo azul clara, uma calça jeans e meu all star preto. Baguncei a mecha branca do meu cabelo de qualquer jeito e saí do quarto para esperá-lo.
Não falei com a Halley pro resto do dia, apenas dei algumas (muitas) satisfações pra minha mãe e foi só.
Quando meu pai parou na porta da minha casa e buzinou, foi com alívio que eu caminhei até o carro e abri a porta da frente.
Levei um susto quando vi que estava sentado ali.
- Oi Char. – Os dois disseram ao mesmo tempo.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, meu pai começou a explicar a situação (ele deve ter notado minha surpresa).
- Achei melhor que o viesse conosco hoje, filho. Quero falar uma coisa com vocês dois depois. – Ele disse.
Sorri mais relaxado e entrei no banco de trás. Bati a porta e debrucei-me entre os dois bancos enquanto meu pai virava o carro.
- Você sabe o que ele quer nos dizer, ? – Eu perguntei, querendo saber de qualquer coisa que pudesse ajudar.
- Não faço idéia, Char. Estou tão perdido quanto você. – virou-se para me olhar e sorriu. Parecia ter esquecido a nossa pequena discussão naquele dia de merda.
Depois de algum tempo, surpreendi-me quando percebi que estávamos saindo dos domínios da cidade.
- Pra onde estamos indo? – Eu perguntei, olhando pela janela.
- Você se lembra daquele parque de diversões que eu te levava quando você era garoto? Aquele perto da praia? – Meu pai sorriu preso em alguma lembrança, tamborilando com os dedos no volante.
- Sei... Estamos indo pra lá? – Arregalei meus olhos.
- Estamos. E agora você já tem idade pra andar na “Dominator”. – Meu pai referiu-se ao meu sonho de moleque: andar na montanha-russa do parque.
- Nesse caso, eu topo.
- Por que “nesse caso”? – perguntou confuso.
- Porque eu estou meio grande e meio fora de proporção pra andar na xícara. – Franzi o cenho e os dois gargalharam.
Chegamos ao parque e fomos direto para a fila da montanha russa. Eu fui no meio, entre e o meu pai.
Enquanto o carrinho ia subindo e eu escutava o barulho dos trilhos, virei para o lado e reparei nas mãos de apertando o ferro.
- Não acredito que você está com medo! – Eu cutuquei meu pai e indiquei com a cabeça, e nós dois rimos.
- Não estou com medo. É só que... Faz um tempo desde a última vez que eu andei de montanha-russa. – Disse ele.
- Faz um tempo? Qual é, , nem somos tão velhos assim! – Meu pai disse, indignado.
Foi então que alguma espécie de santo pareceu se apoderar do .
- DANE-SE! – Ele soltou as mãos do ferro e gritou alto, quando o carrinho estava prestes a descer.
Sorri e imitei-o.
- Faz também! Parece um merdinha medroso! – Eu disse pro meu pai, que estava de olhos arregalados agora.
- Char, talvez não seja uma boa... – Meu pai não terminou a frase, porque o carrinho estava virando. Desistiu e levantou a mão também, na hora da queda.
A foto saiu muito engraçada, nós três gritando.
Então o dia foi terminando, e meu pai ainda não havia dito o que queria conversar comigo e com o .
A verdade é que nós três queríamos aproveitar o tempo juntos, como se fôssemos três garotos de 16 anos, ao invés de conversar sobre coisas sérias.
Mas as coisas sérias acontecem, queiramos ou não.
Capítulo 39
Depois de passar quase metade do dia andando em brinquedos que nunca imaginamos andar (especialmente os três juntos), sentamos em um pequeno café perto da praia, logo em frente ao parque.
- Alguém vai querer alguma coisa? – perguntou enquanto sentávamos em uma das mesas.
- Agora não, estou tão tonto que não consigo nem pensar. – Disse meu pai.
- Frouxo. – Disse eu, fazendo rir.
Acabamos tomando só uma água cada um.
- Então, ... O que você queria falar? – perguntou após certo tempo.
Meu pai olhou de mim para ele, e para mim de novo. Respirou fundo.
- Como vocês sabem, vou ficar três meses fora do país a trabalho... – Ele começou, e eu senti um aperto na garganta. – Eu só queria me certificar de que o Char não vai estar desamparado caso ele precise de alguma coisa. Porque eu não vou estar aqui pra ajudar, mas você vai, . Eu quero me certificar de que o Charlie não será orgulhoso e irá te chamar se precisar.
Houve um pequeno silêncio.
- Você sabe que eu vou fazer qualquer coisa que ele me pedir. – Disse , olhando para o meu pai e em seguida para mim.
- Eu... – Comecei, sem saber como continuar. – Eu não estou precisando de nada. Eu estou bem, pai. Você pode ir tranqüilo.
Os dois olharam pra mim com o mesmo olhar de você-não-me-engana.
- Charlie , eu não vou conseguir trabalhar direito se não souber que você vai chamar o quando precisar. Todo mundo precisa de um pai, e já está na hora de você deixar esse seu orgulho de lado. – Disse meu pai.
- Eu vou chamar o se eu precisar. – Eu me rendi, por fim.
- Ótimo. – Meu pai pareceu estar respirando melhor. – Agora vai dar uma volta na praia, eu preciso falar com o .
Estranhei o pedido. Por que eu tinha que sair? O que ele ia fazer com o ?
- Vai logo, Char. Ele não vai me comer. – disse, rindo.
Olhei para os dois, desconfiado, então abri a porta e saí do café.
A conversa que se seguiu entre eles foi mais ou menos assim:
- O que você quer falar comigo, ? – perguntou.
- Quero que você me prometa que não vai magoar a e nem o Charlie. – Disse meu pai, encarando-o.
franziu o cenho, sem entender o pedido.
- Eu nunca faria isso, . Eles são tudo o que eu quero na minha vida, e tendo os dois eu não preciso de mais nada. – disse sério.
Meu pai sorriu.
- Queria que você tivesse dito isso há alguns anos atrás.
- O que eu fiz está encerrado. Não posso apagar meus erros, mas posso acertar daqui pra frente. Você tem a minha palavra de que eu não vou magoá-los, e também não vou deixar o Char sozinho. – Disse .
- Obrigado. – Disse meu pai.
- Eu é que tenho que te agradecer por todos esses anos. Pelos anos com a banda, por ter assumido o meu filho... Você é o meu melhor amigo, cara. – sorriu.
- E você é o meu também, seu grande merda. – Meu pai bateu nas costas dele.
Depois os dois saíram do café e me viram na beira da praia, chutando algumas pedras, com as mãos enfiadas nos bolsos.
O vento batia contra o meu rosto, e eu fechei os olhos, sentindo toda a tranqüilidade que eu precisava sentir.
Então, por puro reflexo, olhei para trás e reparei nos dois homens de meia-idade me encarando. Eles me olhavam como se eu fosse a coisa mais importante da vida deles.
- Vocês parecem um casal de gays observando a cria. – Disse eu, fazendo os dois sorrirem.
- Talvez sejamos. Você se importa em ter dois pais gays? – Meu pai perguntou, e riu mais ainda.
- Minha mãe morreria. – Eu sorri também.
E assim o dia chegou ao fim e e meu pai me levaram em casa. Apesar de não ter ficado sozinho com o meu pai para me despedir, esse último dia com ele (durante os próximos três meses) havia valido a pena.
Deitei no meu sofá para dormir, e tive um sonho estranho naquela noite. Revivi todo o meu dia no parque com meu pai e , porém de uma forma diferente... Eu era apenas um garotinho, correndo e sorrindo. Quando entrei na roda gigante, havia outro garotinho do meu lado... Ele tinha os cabelos ruivos e os olhos iguais aos meus e aos de . Ele sorriu pra mim.
Capítulo 40.
Na manhã seguinte, acordei cedo. Tomei um banho, troquei de roupa e fiquei esperando minha mãe.
Daqui a pouco estaríamos indo para o aeroporto, e eu tentava desesperadamente ignorar essa situação (sem nenhum sucesso). Por que meu pai tinha que ir embora mesmo?
Minha mãe levantou-se, tomou um banho também e foi fazer um café da manhã. Não falamos nada um com o outro: o momento estava além de qualquer palavra.
Tia Joanna foi a próxima a aparecer na cozinha.
- Bom dia. – Disse ela com um sorriso fraco.
- Bom dia. – Eu e minha mãe murmuramos em resposta.
- Não consegui nenhuma babá pra ficar com a Suzan pela manhã, então vou ter que levá-la com a gente pro aeroporto... Eu queria tanto evitar essa situação... – Disse Joanna, parecendo aflita.
- Vai ficar tudo bem, Jo. A Suz nunca deu trabalho. – Minha mãe sorriu, tentando encorajá-la. Eu sabia que tia Jo não estava preocupada com isso, e sim com o tio , mas preferi não falar nada para não prolongar a conversa.
Halley apareceu na cozinha logo depois, apenas murmurando um bom dia.
Depois que tomamos café e tia Joanna acordou a Suz, fomos os cinco para o carro.
Minha mãe segurou o volante com tanta força que seus dedos estavam ficando brancos. Eu entrei no banco da frente ao lado dela e tia Joanna foi atrás com Suzan e Halley.
Minha mãe deu a partida e nós fomos em silêncio por todo o caminho. Ela tentou esconder, mas eu vi uma solitária lágrima descendo por sua bochecha.
Chegamos ao aeroporto e vimos que tio e tia Julie já estavam lá.
- ! – Minha mãe correu para abraçá-lo. Tio fechou os olhos e, para minha surpresa, deixou duas lágrimas caírem.
Limpou-as depressa quando percebeu que eu estava olhando.
Tia Julie abraçou minha mãe também, e em seguida foi falar com tia Joanna e Halley. Estavam todos parecendo cansados e tristes, e isso não ajudava em nada na situação toda. Meu pai não estava em nenhum lugar por perto, então eu imaginei que ele estivesse fazendo o check-in.
Não demorou muito e vimos tio e Mark se aproximando. Ficamos todos juntos ali no canto, olhando cada um em uma direção diferente.
- Mark! – Suzan foi a única que se moveu, saindo do colo de tia Joanna e indo direto para o colo do irmão.
A situação foi meio desconfortável, já que tio estava ao lado de Mark, mas ninguém deu mais atenção a isso. Estávamos ali por causa do meu pai.
- Onde está o ? – Minha mãe perguntou.
- O foi ajudá-lo a fazer o check-in. – Respondeu tio .
- Isso está sendo mais difícil do que eu pensava. Estamos todos tão tristes assim, parece até que ele vai ficar um ano fora! – Tia Julie parecia aflita.
- Acho que é porque nunca ficamos sem nos ver por tanto tempo. Não nos separamos nem mesmo depois que a banda acabou. – Tio disse, mais para ele do que pra qualquer um.
Foi então que vimos e meu pai vindo em nossa direção.
- Então... Já despacharam as minhas malas. – Disse meu pai, sorrindo forçadamente.
- Por que você não está indo de trem, já que é aqui na Europa mesmo? – Perguntou tia Joanna.
- A corporação achou melhor que eu fosse de avião. Acho que é pra causar uma boa impressão lá na Alemanha. – Respondeu meu pai, dando de ombros.
foi até a minha mãe e deu-lhe um rápido beijo. Em seguida abraçou-a por trás, encostando-se na parede e segurando a cintura dela. Todos sabiam que, para minha mãe, aquilo era muito mais difícil do que ela estava demonstrando.
- Como você vai fazer pra se comunicar lá, ? Que eu saiba, você não fala alemão. – Minha mãe foi um pouco mais ríspida do que precisava.
- Inglês é uma língua universal. – Eu respondi.
Houve um pequeno silêncio.
- Então... Acho que eu tenho mais uns 10 minutos. – Disse meu pai, parecendo mais triste do que eu jamais o vira em toda a minha vida.
Então aconteceu: minha mãe começou a chorar. Eu sabia que isso ia acontecer mais cedo ou mais tarde.
Tia Julie abraçou meu pai e falou algumas coisas que eu não pude ouvir. Tio apertou a mão dele.
- Se cuida, cara.
Meu pai puxou-o pela mão e abraçou-o, e eu vi os olhos de tio se encherem de água.
Meu pai falou com tia Joanna, com Mark e em seguida deu um beijo na testa da Suzan.
- Você volta logo, não é tio ? – Perguntou ela, os grandes olhos azuis cheios de tristeza.
- São só três meses, pequena. – Meu pai passou a mão na cabeça dela.
- Então eu não vou chorar. – Suzan abriu um enorme sorriso e lançou suas mãozinhas ao redor do pescoço dele.
Meu pai abraçou tio também, o mesmo abraço que ele deu em tio : cheio de tapas nas costas e palavras não ditas.
tirou os braços da cintura da minha mãe, já preparado para o grande abraço que ela daria no meu pai.
- ! – Ela lançou seus braços ao redor do pescoço dele, afundando seu rosto em seu peito. – Por que você tem que ir embora? Por que você tem que me deixar aqui?
Parecia uma menininha se despedindo do irmão mais velho.
- Para de chorar, pequena. – Meu pai levantou o rosto dela com as mãos. Apesar de ter dito isso, os olhos dele também estavam cheios de lágrimas. – Três meses vão passar mais depressa do que você pensa.
- Eles têm que passar! – Minha mãe enxugou as lágrimas. – Eu não me caso enquanto você não puder atravessar o altar comigo.
Meu pai olhou-a, surpreso.
- Isso foi um convite? Você está me pedindo pra entrar com você na igreja? – Ele abriu um sorriso e deixou as lágrimas caírem.
- É uma ordem. – Minha mãe ficou na ponta dos pés e beijou o nariz dele.
Em seguida ele abraçou o .
- Se cuida, cara. – disse, e eu vi os meus próprios olhos se enchendo de água, porém no rosto dele.
virou-se para Halley então, e os dois sorriam um sorriso sem graça.
- Se cuida, Halls. Cuida do meu neto também! – Meu pai beijou a testa dela.
- Vou tentar. – Halley respondeu sorrindo tristemente, tanto pelo meu pai estar indo embora quanto pelo que ele havia dito.
Em seguida meu pai veio falar comigo. Encarei-o por um tempo, até eu esquecer onde estava e quem pudesse estar vendo:
simplesmente o abracei. Não foi um abraço de homem (como foi com , e ), foi um abraço de pai e filho.
- Não se esquece do que eu disse. – Meu pai falou depois que nos soltamos. Eu sabia que ele estava falando sobre a conversa que tivemos no café.
- Não vou esquecer. – Eu sorri.
Quando ele virou-se de costas para ir embora, eu enxuguei rapidamente uma lágrima teimosa.
Eu não ia chorar.
Halley percebeu e sorriu pra mim.
Estávamos todos ali, vendo-o ir embora. Mesmo sabendo disso, meu pai não virou as costas para olhar pra trás uma única vez.
Acho que ele não olhou pra trás porque assim seria mais fácil. Ou talvez ele estivesse chorando e não quisesse que ninguém visse.
Fosse o que fosse, apenas um pensamento me ocorria: a falta que eu sentiria daquele rosto.
Capítulo 41
- Passa a pipoca, Suz. – Eu pedi preguiçosamente.
Era mais um Domingo sem nada especial em minha vida. Meu pai já havia ido embora há três semanas, e ainda assim as coisas não ficaram melhores. Todos sentiam falta dele.
Principalmente minha mãe.
Eu, Halley e Suzan estávamos criando raízes no sofá lá de casa, passando os canais sem nada especial pra assistir. Tia Joanna e tia Julie conseguiram tirar minha mãe de casa e levá-la para almoçar, portanto estávamos sozinhos.
- Quero dar uma volta no parque... – Suzan encarou-me com seus grandes olhos azuis.
- Fazer o que lá? Você já conhece cada banco daquele lugar. – Eu disse desanimado.
- Ah, vamos levá-la, Char! Eu também quero sair de casa... – Os olhos castanhos de Halley brilharam e ela sorriu.
Eu suspirei. Não sabia dizer qual das duas era mais criança!
- Vamos então. – Eu desliguei a TV e me espreguicei, enquanto as duas trocavam um olhar animado.
Chegamos ao parque e Suzan foi direto correndo em direção a um grupo de crianças que sorriam e gritavam no escorrega. Eu e Halley nos sentamos em um banco, um local próximo, onde Suz não pudesse sair de vista.
Não que fosse difícil encontrá-la em uma multidão. Era só procurar pelo cabelo mais loiro, quase branco.
Halley sorriu para uma mulher que segurava um bebê nos braços. Acompanhei seu olhar e sorri também.
Timidamente, Halley encostou a cabeça em meu ombro. Eu fechei os olhos e senti a brisa brincando com seus cabelos ruivos, e inalei profundamente seu perfume.
- Eu sinto a sua falta. – Falei sem pensar.
Ela soltou um riso baixo.
- Eu estou bem aqui, Char.
Suspirei e abri os olhos.
- Não foi isso que eu quis dizer.
Ela virou-se devagar, apenas o suficiente para mirar seus grandes olhos castanhos nos meus. Ela parecia confusa.
- Sinto falta de ter você por perto. Quer dizer, você está perto... – Eu começava a me embolar com as palavras. – Mas não está perto o suficiente.
Seu rosto corou.
- Eu também sinto a sua falta, Char. Mais do que você imagina.
- Então por que estamos assim? – Eu não pude evitar minha voz aflita.
Halley não me respondeu. Seria essa a oportunidade que eu vinha esperando? Será que eu deveria dizer algo agora, ou isso só pioraria as coisas?
Distanciei meu olhar dos cabelos dela por um minuto. Foi quando percebi que Suzan nos encarava ao longe. Já não brincava mais com as outras crianças, estava afastada e atenta.
Quando percebeu meu olhar, ela sorriu timidamente e voltou para onde estava. Eu sorri também, observando-a. Nada mais me surpreendia quanto a Suzan.
- Halls, quer namorar comigo? – Eu soltei, em uma voz tão tranqüila que me surpreendeu.
Ela olhou para mim, a expressão surpresa. Devolvi o olhar, sem desviá-lo por um só momento.
- Charlie, eu... Eu não sei se... – Os olhos dela estavam cada vez mais confusos. Eu precisava dizer algo mais, precisava dizer agora, antes que o momento se perdesse.
- Eu te amo.
Demorei um pouco para perceber que a frase havia saído de minha própria boca, e não da dela.
De repente, foi como se outra Halley estivesse na minha frente. Toda a confusão de seus olhos havia desaparecido: eram os olhos dos quais eu me lembrava. Cheios de certeza, fortes.
Fortes como ela sempre foi.
- Eu também te amo, Charlie . Mas você não fez o pedido certo. – Disse ela, um sorriso despreocupado formando-se em seus lábios.
Franzi o cenho. O que eu fiz de errado dessa vez?
- Você devia ter perguntado "Halls, quer namorar comigo de novo?" – Ela deu ênfase ao "de novo", e eu sorri em resposta.
Coloquei minhas duas mãos nos lados do rosto dela, segurando-a com todo o cuidado do mundo. Ela parecia tão decidida, tão forte... E ao mesmo tempo tão frágil. Eu estava com medo de ferrar com tudo de novo, fazer algo de errado.
Então, calmamente, encostei meus lábios nos dela.
Ela respondeu com muito mais intensidade do que eu esperava, e tive que sorrir, apesar de estar com o rosto contra o dela. Era a melhor sensação do mundo: tê-la perto de mim novamente, como eu sempre quis que fosse.
Não demorou muito e senti algo golpear minha cabeça com força.
- Que merda é essa? – Eu me virei, massageando a nuca e procurando o que havia me atingido.
Halley começou a rir, segurando algo em suas mãos. Um sapato rosa, bem pequeno.
Olhei de relance para o lado e vi Suzan, vermelha e com um ar de autoridade.
- Vocês me envergonham. Estamos em uma praça! – Disse ela, nervosa, indicando as outras crianças com a cabeça. Algumas estavam rindo baixo.
- Vamos para casa então. – Eu disse, sorrindo.
Ela inclinou a cabeça para o lado, parando para pensar por um momento.
- Acho uma boa idéia. Vocês são animais. – Disse Suzan, ajeitando o cabelo. Levantei-me e fui até ela, pegando-a pela cintura e colocando-a sentada em meus ombros.
Ela cobriu meus olhos com as mãos.
- Anda! – Ela sorriu ansiosa por um tombo.
- Se eu cair, você vai junto. – Disse eu, levantando a sobrancelha. Imediatamente as mãozinhas sumiram e eu pisquei algumas vezes.
Halley estava ao meu lado, sorriu para mim e segurou minha mão livre. Minha outra mão estava virada para trás, segurando as costas de Suzan caso ela caísse de meus ombros.
Muitas pessoas nos olhavam, algumas com sorrisos no rosto e outras com olhares de reprovação. Com certeza estávamos dando a impressão de que éramos pais da Suz, e os sorrisos deveriam ser por nos acharem corajosos ou algo do tipo. Eu sabia que a reprovação não era por causa do beijo, e sim porque nos julgavam muito novos para sermos pais.
Mas nem os sorrisos e nem os olhares me importavam. O que me importava de verdade eram as três pessoas ali, perto de mim.
Ou duas e o projeto de uma, como vocês quiserem.
Ou uma pessoa, meia pessoa e o projeto de outra. Afinal, Suzan ainda não era uma pessoa inteira.
O projeto estava chegando, cada vez maior na barriga aparente de Halley.
E assim fomos caminhando de volta pra casa, sem nada em especial para fazer. O especial era, sem dúvida, a companhia.
Capítulo 42.
Chegamos em casa e minha mãe estava sentada no sofá da sala, o olhar perdido. Halley e Suzan olharam significativamente pra mim e saíram da sala.
Eu sabia que aquele olhar queria dizer "fale com ela". Não custava tentar.
- Como foi o almoço, mãe? – Eu perguntei, jogando-me no sofá ao lado dela.
- Foi bom. – Ela respondeu simplesmente.
Franzi o cenho. Odiava vê-la infeliz assim.
- Você e o vão sair pra fazer alguma coisa hoje à noite? – Eu perguntei, ainda tentando desesperadamente puxar assunto.
Ela arregalou os olhos pra mim.
- Vocês dois parecem ter combinado! – Ela parecia frustrada. – Ele me chamou pra sair hoje.
- E por que você não vai?
- Não estou me sentindo muito bem. – Ela mentiu.
- Você não sabe mentir pra mim, . – Eu sorri.
- Ok. Vou me arrumar e ligar pra ele. A vida continua, certo? São só três meses sem o . – Ela parecia estar dizendo isso mais para si mesma do que para mim.
- Tenho uma coisa pra te dizer. – Eu falei, antes que ela se levantasse.
- O que foi, Char? – Perguntou ela, curiosa.
- Eu e a Halley estamos namorando. – Eu sorri.
Ela levou um tempo para digerir o que eu disse, e ficou me encarando, pasma. De repente deu um grito e passou os braços ao redor de meu pescoço.
- ISSO É MARAVILHOSO! – Ela distribuía beijos por meu rosto e eu ria, sufocado.
- Mãe, você tá me sufocando... – Eu revirei os olhos e ela me soltou.
- Isso é ótimo! Ah, vou ligar pro agora! – Ela levantou-se animada, os olhos brilhando.
Fiquei sorrindo e observando-a sair da sala. Se eu soubesse que a reação dela seria tão boa, teria feito isso antes.
- A propósito, Char... – Disse ela, virando-se antes de desaparecer pela porta do corredor. – Sempre soube que você e a Halley voltariam a namorar... De novo.
Arregalei os olhos com o "de novo", mas ela já havia entrado. Sorri: ela e a Halley tinham mais coisas em comum do que eu pensava.
apareceu lá em casa mais tarde, pra jantar. Ele e minha mãe decidiram não sair, e ao invés disso, ela quis fazer um jantar lá em casa mesmo.
Suzan estava rindo de algo que tia Joanna dizia, e Halley conversava com minha mãe. se servia de mais macarrão, e eu competia com ele pela vez de chegar à panela.
- MENINOS, EDUCAÇÃO! – Minha mão brigava conosco.
No meio de nossos risos e palhaçadas, eu ouvi o telefone tocar.
- CALA A BOCA! – Eu gritei para que todos me ouvissem. – O telefone tá tocando!
Minha mãe suspirou, levantou-se da mesa e foi atender.
- Oi Martha! – Minha mãe sorriu e olhou para Halley. Aos poucos o sorriso dela foi desaparecendo, e uma expressão preocupada ocupou seu rosto.
- Ela está a caminho Martha, fique calma. – Minha mãe murmurou mais algumas coisas e desligou o telefone.
- O que foi, ? – perguntou já se levantando.
- A Martha ligou pra pedir que você vá pra casa, Halley. Seu pai quer falar com você. – Minha mãe franziu o cenho.
Os olhos de Halley se arregalaram e ela pôs a mão sobre a boca.
- Charlie, me leva pra lá agora! – Ela parecia desesperada.
- Vocês não podem ir sozinhos por aí! Sua casa é do outro lado do bairro, está tarde e chovendo... – Joanna dizia nervosa.
- Eu vou com eles. – Disse , já pegando as chaves do carro.
- Pegue uma bolsa com algumas roupas, querida. Acho que sua mãe vai querer que você durma lá para que possam conversar. – Minha mãe estava mais nervosa ainda.
Halley correu para o quarto segurando a barriga razoavelmente grande, já com lágrimas nos olhos. Fiquei nervoso por vê-la assim. Será que George e Martha haviam discutido? Brigado?
deve ter percebido meu nervosismo, pois colocou a mão no meu ombro.
- Fica calmo. Vai ficar tudo bem.
Eu não disse em voz alta, mas duvidava muito disso.
Halley voltou para a sala com a bolsa nas costas e uma blusa mais larga.
- Minha pequena barriga de grávida está aparente? – Ela perguntou.
- Não se preocupe com isso, Halley. Se sua mãe ligou pra você ir pra casa, é porque seu pai já sabe de tudo com certeza. – Disse Joanna, seus grandes olhos azuis também estavam aflitos.
- Vamos. – Eu segurei a mão de Halley, abriu a porta e fomos para o carro.
Suzan olhou pra mim com olhos suplicantes, cheios de medo.
- Ligue pra cá, quero saber notícias! – Minha mãe falou antes de fecharmos as portas do carro.
foi dirigindo na frente, eu fui atrás com a Halley, segurando a sua mão. Ela estava gelada.
não tirava os olhos da estrada, cortava carros e avançava sinais vermelhos.
Halley começou a chorar.
- Calma. Talvez não seja tão ruim, Halls. – Eu tentei acalmá-la, em vão.
- Eu estou com medo, Char. – Ela me abraçou, afundando o rosto em meu peito.
olhou para nós pelo retrovisor, parecendo aflito. "Estou com medo". Ele parecia já ter ouvido isso antes, em uma situação bem parecida. Trocamos um olhar profundo, dois olhos iguais se encarando. Depois ele voltou a mirar a estrada, sempre com pressa.
Eu nada podia fazer, estava fora de meu alcance. Halley estava em meus braços, mas eles não eram o suficiente agora para protegê-la. Eu sempre soube que, mais cedo ou mais tarde, ela teria que conversar com George.
Então eu apertei-a mais forte contra meu peito, fechei os olhos e desejei com todas as forças que nós dois desaparecêssemos.
Capítulo 43.
Eu não era um cara desesperado. Quase.
Mas eu estava literalmente surtando em frente àquela casa.
Halley não quis que eu entrasse com ela (apesar de toda a minha grande insistência) porque disse que queria conversar com o pai sozinha.
Arrependi-me de não ter insistido mais no momento em que ela passou pela porta, seus cabelos ruivos desaparecendo.
- Vai ficar tudo bem, Char. – me dizia pela milésima vez. Em minha opinião, ele estava tentando tranqüilizar a si mesmo mais do que a mim.
Estávamos os dois sentados dentro do carro, na esquina. Eu encarava as paredes da casa, desejando fervorosamente enxergar através delas.
- Eu devia ter entrado com ela. – Eu disse novamente.
Ficamos em um silêncio desconfortável, cada minuto parecendo uma eternidade. À nossa frente havia apenas a escuridão do céu noturno e as luzes fracas dos postes na rua... A chuva havia cessado.
Eu esforçava-me para escutar algum grito, o barulho de algo se quebrando, qualquer coisa que eu pudesse usar como desculpa para correr direto pra lá... Mas não havia nada para ser ouvido.
Após longos 40 minutos de espera ali, eu desci do carro. Não agüentava, não podia mais ficar sem saber o que estava acontecendo lá dentro. Queria saber se Martha estava bem, se George havia tido um ataque cardíaco... Se Halley ainda estava viva.
Antes que eu pudesse chegar aos degraus da frente, a mão de segurou meu ombro com força. Virei-me para encará-lo, um olhar mórbido e furioso em meu rosto.
- Eu preciso entrar lá!
- Você não vai a lugar nenhum. Ela tem que conversar com o pai, é o momento dos dois. Eles precisam conversar sozinhos! – disse, tentando parecer calmo.
Por mais que eu não quisesse admitir, eu sabia que ele estava certo: o pai de Halley merecia uma conversa apenas com ela, para que os dois ajeitassem as coisas.
Suspirei.
Foi quando Martha abriu a porta, os olhos vermelhos e o rosto inchado. Ela havia chorado, eu podia ver claramente.
Chorado bastante.
- Martha... – Eu comecei a dizer e a subir os degraus ao mesmo tempo, o pânico bloqueando minha garganta.
estava paralisado na rua, a mão ainda meio estendida, onde estava o meu ombro. Ele parecia transtornado, sem saber como agir em uma situação como aquela.
- Vai pra casa, Charlie. A Halley vai passar a noite aqui com o pai dela. – Martha disse.
- Como ela está? O que o George disse a ela? – Eu estava ficando vermelho, podia sentir meu rosto queimando.
- Ela e o pai conversaram, e precisam passar algum tempo juntos... Pra acertar as coisas. Ela disse que te liga assim que puder. – Martha sorriu levemente pra mim.
- Eu preciso vê-la, Martha. Preciso ver se ela está bem.
Martha olhou para mim, parecendo refletir por alguns segundos.
- Acho melhor que ela te ligue. Halley está lá dentro com o pai agora, e creio que se ela vier falar contigo, ele também virá. – Esclareceu Martha.
Como se um clique houvesse estalado em sua cabeça, piscou os olhos e acordou de seu transe. Olhou diretamente de mim para Martha, e em seguida subiu os degraus e ficou ao meu lado.
Foi como se uma voz houvesse dito em sua cabeça "Ei, você é o pai, sua vez de entrar em cena".
- Se o George vier falar com ele, não vai haver problema. – sugeriu instintivamente.
Eu olhei para ele, sem ter muita certeza do que ele estava fazendo. Mas a posição dele ao meu lado e sua frase diziam basicamente a mesma coisa: se ele vier pra cima do meu filho, vai ser pai contra pai nessa história.
O problema é que havia uma mãe também. Uma mãe que eu não queria magoar.
E não era de Martha que eu estava falando, e nem de .
- Acho melhor vocês irem. Está tarde, está frio... Dêem algum crédito ao George. Ele sente falta da filha. – Martha disse.
Eu assenti, observando atentamente a expressão dela. Não parecia ter havido uma discussão horrível lá dentro, e sim uma triste conversa em família.
Abaixei a cabeça, murmurei um "tá bem" e desci as escadas, entrando no carro.
falou mais alguma coisa com Martha, mas eu não pude ouvir e nem me interessava.
O que mais me interessava no mundo estava dentro daquela casa, e eu não sabia nem ao menos se ela estava bem.
Capítulo 44.
Não dormi de noite.
Rolava de um lado pro outro, sentindo-me um estranho em meu próprio quarto. Havia muito tempo que eu não passava a noite ali.
Além do mais, aquela cama parecia extremamente vazia.
Levantei-me e fui até o banheiro, acendendo a luz.
Minhas olheiras estavam profundas debaixo de meus olhos, eu parecia estar doente. Eu sabia que era tudo preocupação.
Lavei o rosto, ainda meio tonto, e tremi quando a água gelada escorreu por meu peito.
A noite estava fria. Talvez eu devesse colocar um pijama, ao invés de dormir só com a boxer.
Sequei o rosto na toalha e voltei pra cama, caindo em uma inconsciência intranqüila, com sonhos estranhos e semi-acordados o tempo inteiro.
O clima tenso que emanava de mim parecia refletir-se em toda a casa. Suzan e tia Joanna olhavam para mim com olhos indagadores, enquanto minha mãe apenas fazia gestos por minhas costas que basicamente diziam "não perguntem nada a ele, eu digo a vocês depois". É claro, minha mãe não sabia que eu estava percebendo isso.
Mal toquei na comida durante o almoço.
apareceu lá em casa logo em seguida, e eu vi a dor em seus olhos quando ele viu o meu estado. Será que eu estava tão ruim quanto eu sentia que estava? Eu não podia ter certeza...
Mas como eu poderia estar de outra forma?
Sentei-me no sofá e liguei a TV, passando os canais sem realmente prestar atenção a eles. Eu podia sentir que todos na sala me encaravam, mas não tinham coragem para perguntar nada.
Foi quando o telefone tocou, e meu coração deu um salto.
Antes que qualquer um pudesse TENTAR pôr as mãos ali, eu voei e arranquei-o do gancho com toda a força.
- Alô? – Minha voz falhou com o desespero iminente.
- Charlie! – Eu reconheci a voz grave do meu pai do outro lado da linha.
Senti-me meio culpado quando a decepção foi a primeira sensação que tive ao ouvir sua voz, porque eu queria que outra voz houvesse me respondido. Mas esse sentimento logo passou e transformou-se em alegria (ou o mais perto que eu podia chegar disso) ao perceber que eu estava ouvindo a sua voz, depois de tanto tempo.
- Pai! Como você está? E o emprego? – Eu me vi atirando perguntas para ele, e sorrindo ao mesmo tempo.
Minha mãe sorriu, prendendo a respiração ao perceber com quem eu estava falando.
- Estou ótimo, filho. O escritório aqui da Alemanha é muito bom, foram as melhores semanas de trabalho que eu já tive! – Ele parecia realmente empolgado com tudo aquilo.
- E o apartamento? É bom?
- "Bom" não define... É ENORME! – Eu ri ao perceber o quanto ele parecia uma criança falando. – Eu queria que você visse tudo isso!
- Quem sabe eu não te visito? – Eu brinquei.
- Quem dera que você pudesse... Mas me fale da sua vida, garoto. Como está a Halley?
Ótimo. Ele havia chegado ao ponto fraco.
- Não muito bem. – Eu admiti, sabendo que mentir pra ele era inútil, mesmo por telefone.
- O que aconteceu? – Sua voz era preocupada.
Lancei um olhar para todos que estavam na sala, e eles pareceram entender que era um "saiam daqui". Os olhos da minha mãe brilhavam, e eu podia ver o quanto ela queria pegar o telefone e falar com meu pai, mas puxou-a gentilmente murmurando alguma coisa sobre "deixe que o garoto converse com o em paz".
Quando eu soube que estava sozinho, contei ao meu pai tudo o que havia acontecido, sem esquecer de nada.
Quando terminei, ele deu um suspiro pesado.
- E eu aqui, ocupando a linha telefônica. – Ele disse amargamente.
- Ela não ligou até agora, pai. Não se preocupe com isso. – Eu disse, sem querer dizer nada do tipo "é bom ouvir a sua voz". Eu não era muito bom com esse tipo de coisa sentimentalista, melosa e homossexual.
- Mais alguma coisa que você gostaria de falar comigo? – Perguntou ele, ainda meio amargo.
- Quero que você me diga o que tem feito pra se divertir. Duvido que você tenha só trabalhado. – Eu sorri ao escutar a gargalhada dele. Pelo menos eu havia conseguido mudar o assunto.
- Eu conheci uns caras legais no trabalho... E uma mulher muito legal também. – Disse ele, parecendo cauteloso.
- Já a convidou pra sair? – Eu perguntei, rindo abertamente do quanto ele parecia envergonhado em me dizer isso.
- Já sim, saímos algumas vezes... Ela é incrível. – Disse ele, e mais uma vez eu imaginei-o como uma criança.
- Qual é o nome dela?
- Você me distraiu. Estávamos falando dos seus problemas, e se havia algo que você ainda queria falar comigo. Eu quero ajudar, é você quem está com problemas e não eu. – Disse ele, severo.
Eu sorri, sabendo que era ELE quem estava tentando mudar o assunto e me distrair agora.
- Está tudo bem, eu vou resolver isso. Não ouse se preocupar comigo, . Eu sei me virar.
- Você precisa de apoio. Não vai resolver nada sozinho não senhor! – Ele estava passando para a "voz da bronca".
- O tem se saído muito bem me ajudando, não se preocupe. – Eu sorri.
Meu pai parecia aliviado ao saber que eu havia cumprido minha promessa de que chamaria o caso precisasse.
Foi quando ouvimos um clique baixo, e eu soube que minha mãe havia acabado de pegar o telefone do quarto dela.
- , QUE SAUDADE DE VOCÊ, MEU BEBÊ! – Ela começou a gritar coisas sem sentido, e eu ouvia a risada inconfundível de atrás. Ele provavelmente havia desistido de segurá-la.
- Tchau, pai. Tem uma adolescente escandalosa que precisa falar com você. – Eu e ele rimos, e antes que minha mãe começasse o protesto, eu desliguei o telefone.
A conversa com meu pai havia me animado.
Por um momento, eu coloquei em minha cabeça que tudo daria certo no final.
- Você está com cara de bobo. – Eu ouvi uma voz delicada me dizendo.
Abri os olhos, e Suzan estava me encarando com um enorme sorriso no rosto. Seus grandes olhos azuis brilhavam, e eu podia ver neles o alívio por eu estar parecendo melhor agora.
- Eu sou bobo. – Eu sorri pra ela.
- Não é como se ninguém soubesse.
Eu peguei-a no colo e comecei a fazer-lhe cócegas. Nós dois gargalhávamos, e eu parei quando pensei que ela não suportaria muito mais sem explodir.
Suas bochechas estavam vermelhas, seu rosto de anjo parecendo surpreso, um sorriso brincando em seus lábios cheios.
- O que deu em você? – Ela virou-se para mim e pôs as mãozinhas em cada lado do meu rosto, obrigando-me a encará-la.
- Eu estou feliz porque falei com meu pai. – Eu dei de ombros.
- Espero que você seja tão legal com o seu bebê quanto o tio é com você. – Disse ela.
- Eu vou ser. Especialmente se o meu bebê se parecer com você. – Eu sorri pra ela.
As bochechas dela coraram, e ela escondeu o rosto em seus curtos cabelos loiros.
Recomeçamos a brincar, enquanto ela murmurava alguma coisa sobre "bobo" e "patético".
Eu estava aproveitando a alegria, enquanto ela estava durando.
Eu sabia que se Halley não ligasse, não duraria muito.
Capítulo 45.
- Cara, você ta péssimo. – Mark disse, assim que eu abri a porta.
- Obrigado. – Eu respondi secamente. Não estava de bom humor, e meu melhor amigo babaca não estava ajudando em nada.
- Eu decidi dar uma passada aqui pra ver a Suz... Mas acho que você precisa de mim mais do que ela. – Ele disse, parecendo preocupado.
- Não há nada que você possa fazer, Mark. Sério mesmo. – Eu disse, tentando sorrir para tranqüilizá-lo.
Minha cara deve ter dado medo.
- Eu não vou embora até você me dizer por que porra de motivo você está com essa cara. – Mark disse, passando por mim e sentando no sofá.
Suspirei. Talvez fosse até bom falar com alguém.
Bati a porta e fui até ele.
- Eu realmente não quero falar sobre isso, cara. Não quero entrar em pânico. – Eu disse, com a voz falhada.
- Entrar em pânico? Por quê?
- Quando eu penso que a deixei sozinha lá...
- FALA LOGO, CACETE! – Mark estava nervoso agora. Parecia ter percebido que eu estava falando da Halley, e ficou imediatamente preocupado.
Depois de contar a ele cada detalhe do que havia acontecido, ficamos em silêncio. O silêncio não ajudou: quando está tudo quieto, você tem tempo pra pensar nas coisas que acabou de dizer. Eu não queria pensar sobre isso. Eu não queria lembrar nada disso. Eu precisava de uma distração.
Eu duvidava que o método de distração de Suzan fosse adiantar de novo.
- Se ela não ligar, a gente vai atrás dela. – Mark disse, decidido.
- Você não tem que se envolver nisso, Mark. Você tem seus próprios problemas, eu não quero ser mais um.
- Você sempre foi um problema, seu merda. Desde que nasceu. Isso não vai mudar agora. – Ele sorriu, e eu sorri de volta.
- MAAAARK! – Suzan entrou correndo pela porta e atirou-se nos braços do irmão.
- Eu estava com saudade de você, pequena. – Ele beijou a testa dela.
Os dois começaram a me ignorar. Eu levantei discretamente e fui para o quatro: a única coisa pior do que ficar entre um casal era ficar entre Mark e Suzan.
Bati a porta e peguei o celular em cima da mesa, sem pensar no que estava fazendo.
“Ela disse que ia ligar. Você tem que dar espaço pra Halley resolver a vida dela”, eu pensava. Mas esse pensamento não me impediu de discar o número que eu já sabia de cabeça.
- Alô? – A voz que eu queria atendeu.
- HALLEY! – Eu gritei exasperado. – Como você está? Por que você não ligou? O que aconteceu aí?
- Charlie, como é bom ouvir a sua voz! – Ela parecia aliviada.
- Você quer vir pra casa? Quer que eu vá te buscar? A minha mãe saiu, mas o Mark está de carro, nós podemos passar aí e...
- Eu te ligo quando for pra me buscar, Char. Agora não é a melhor hora. – Disse ela, e eu podia ouvir a cautela em sua voz.
- Você vai me dizer agora o que está acontecendo.
Ela suspirou.
- Meu pai não está bem. É por isso que eu não posso ir embora agora. – Ela disse, ainda relutante.
- Como assim o George não está bem? – Eu franzi o cenho.
- Ele teve um ataque cardíaco quando soube, Char. Outro! – Ela se desesperou um pouco.
Então era isso. Agora tudo fazia sentido: o motivo de Martha não querer que George me encontrasse não era o medo por uma briga, mas sim o medo de que o pai de Halley enfartasse. De novo.
Eu sempre soube que ele tinha problemas cardíacos, mas eu não sabia que estava ficando assim tão forte.
- Ele está bem?
- Está melhor agora, o médico disse que vai passar. Mas ele precisa ficar calmo, e eu não acho que ir embora vá mantê-lo assim...
- Então você precisa de um tempo com ele aí. – Não era uma pergunta.
- Sim.
Houve um curto silêncio.
- Como ele reagiu quando você chegou? – Eu perguntei.
- No começo, foi difícil. Ficou todo vermelho, pensei que fosse começar a gritar. Mas depois ele simplesmente sentou no sofá e ficou olhando pra baixo, como se estivesse esperando que eu dissesse alguma coisa. – Disse ela.
- Foi aí que ele teve o ataque cardíaco? – Perguntei, com medo da resposta.
- Não. Ele teve o ataque cardíaco mais cedo, quando minha mãe decidiu contar que eu estava aqui. Aí ela o levou ao médico, e o médico disse que ele tinha que ficar calmo. Ele disse a minha mãe que não ficaria calmo enquanto eu não estivesse em casa.
Outro silêncio.
- Vocês brigaram? – Perguntei.
- Um pouco... – Admitiu Halley. – Mas não foi uma briga, foi uma... Discussão. Agora ele não está mais tão bravo.
- Não? – Eu perguntei, incrédulo.
- Ele apenas me quer por perto.
“Eu também”, pensei. Mas eu não a faria escolher entre mim e o pai, por mais que eu quisesse que ela estivesse ao meu lado. George precisava dela mais do que eu.
Ou pelo menos era o que parecia.
- Me avise quando você quiser que eu te busque. – Eu pedi.
- Pode deixar. – Ela suspirou. Parecia cansada. – Eu te amo, Char.
Eu sorri sozinho.
- Também te amo, Halls.
Fiquei ouvindo o som irritante do telefone durante um tempo, depois desliguei.
“Ela está bem”, eu sorri. Isso era tranqüilizador.
“George teve outro ataque cardíaco”. Isso era perturbador.
Por que as coisas não podiam simplesmente ser perfeitas?
Que grande merda.
Capítulo 46 – Proposta.
Nunca estive aqui antes, contando uma parte minha nessa história. Tudo bem, tecnicamente a história inteira tem a ver comigo e com as minhas atitudes... Mas eu achei este capítulo pessoal demais pro meu filho contar.
Meu nome é . Sim, eu sou o homem que trocou a mulher mais linda do mundo e o filho que nós dois tivemos por alguns anos de irresponsabilidade. Sim, eu sou o homem arrependido que conseguiu reconquistar o seu lugar, depois de muito tempo. Eu sou o homem que ama e Charlie mais do que tudo nessa vida.
Mas acho que você já me conhece. Este capítulo que eu vou contar agora vai ter sérias conseqüências em minha vida, principalmente em meu noivado.
- Alô? – Eu atendi ao telefone, coçando os olhos. Quem estava me ligando naquela hora?
- ! – A voz de falou do outro lado da linha. Ele parecia empolgado.
Olhei de relance para o relógio em cima da cômoda. Minha vista estava embaçada, mas eu forcei-a a enxergar as horas.
- ... São seis horas da manhã. – Eu disse, mal-humorado.
- Eu sei, cara! Mas eu não podia esperar mais!
- O que aconteceu? – Eu tentei me concentrar na voz dele.
Justamente no dia em que eu não precisava ir trabalhar e podia dormir até tarde e depois sair com a , o babaca me telefona.
- O Fletch me mandou um e-mail ontem à noite, mas eu só pude ver hoje de manhã, aqui no trabalho...
- O Fletch? – Eu sorri sozinho. Fazia tanto tempo!
- Sim, ele mesmo. – Eu podia ouvir o sorriso na voz de . – Ele me mandou um e-mail com uma petição que parece ter passado pelo mundo inteiro, pedindo para que voltemos a tocar.
Eu demorei algum tempo para absorver isso.
- Voltar a tocar? – Foi tudo o que eu consegui balbuciar.
- Muita gente assinou, . Gente de todos os lugares do mundo, de todas as idades... Antigos fãs. Nos querem de volta, cara! Querem o McFLY de volta! – parecia mais nervoso a cada palavra.
- Quem começou essa petição? – Eu perguntei, sobressaltado.
- O próprio Fletch. No e-mail, ele ainda escreveu “grandes estrelas nunca se apagam”.
Eu sorri sozinho.
- Mas , já faz tanto tempo... A Super Records tem outras bandas, outros contratos...
- Você está esquecendo de um detalhe, . Quem fundou a gravadora?
- Nós. – Eu respondi, sem deixar de sorrir.
- Você acha mesmo que vai ser um problema tão grande falar com os NOSSOS diretores que NÓS queremos voltar a trabalhar na NOSSA gravadora? – parecia cada vez mais animado.
- Quantas assinaturas? – Eu perguntei, só por curiosidade.
- Eu não sei nem falar o número, . É muita gente querendo o McFLY de volta! E o Fletch disse que está disposto a trabalhar com a gente em um projeto novo no mês que vem!
- MÊS QUE VEM? COMO ASSIM, CARA! NÃO DÁ TEMPO PRA ISSO! – Agora eu estava sentado.
- É um PROJETO, . Vamos nos reunir com nossa antiga equipe, vamos recomeçar de onde paramos... Vamos voltar a escrever músicas! Não é como se fôssemos gravar um CD ainda esse ano, mas mesmo assim, podemos começar a trabalhar... Fazer alguns shows, que vão lotar com certeza...
continuou falando e falando, mas eu não estava mais ouvindo. Eu estava me imaginando sem aquele terno apertado que eu usava pra trabalhar todo dia. Eu estava imaginando como seria voltar a segurar a minha guitarra. Eu estava imaginando como seria sentir os holofotes de novo, ouvir os gritos... Sentir o corpo se arrepiar. Ter certeza de que o que você faz na vida é o seu motivo de existir: música.
- Eu topo. – Eu disse, sem pensar em mais nada. Devo tê-lo interrompido no meio de uma fala.
- ISSO! – deu um grito que deve ter chamado a atenção de toda a repartição no trabalho dele.
- Você ainda está trabalhando, cara. – Eu sorri.
- Espero que não por muito tempo. – Ele disse animadamente.
- Falando em trabalho... Como você acha que o vai reagir á isso, estando em uma viagem de negócios? E o ? – Eu me senti meio apreensivo.
- Eu vou mandar a petição pra todos vocês, só pra que vocês dêem uma olhada no número de pessoas. Duvido que eles vão fazer qualquer objeção quando virem isso!
Eu sorri.
- Tanta gente assim?
- Você não tem nem idéia. Membros de bandas novas da própria Super Records assinaram, cara! As pessoas realmente nos querem de volta. Nosso empresário nos quer de volta!
Eu pensei nisso por um momento. O que poderia acontecer de errado? Se não desse certo, apenas desistiríamos da idéia e a vida continuaria normalmente. Não é como se fôssemos morrer por ter perdido o emprego, já que trabalhávamos apenas por ter o que fazer... Dinheiro não faltava pra nenhum de nós.
Continuamos conversando animadamente, quando teve que desligar o telefone. Além de estar na repartição, ele ainda tinha que ligar para e .
Olhei para o meu violão pendurado na parede do quatro. Sorri sozinho.
Então minha alegria foi apagada quase que subitamente: e o meu casamento? E o meu filho, que estava passando por um momento tão difícil? Eu não podia ser tão egoísta. Não podia ficar tão envolvido com a banda e deixar que o Charlie passasse por tudo isso sozinho. Não podia me lançar a um projeto, ter que viajar e ficar longe da . Fazer turnê de shows, enquanto ela me esperava em casa com o jantar pronto. Um jantar que eu nunca comeria, porque eu nunca chegaria cedo em casa.
Ela não passaria por tudo isso. Não de novo.
Foi como um estado em minha mente: eu precisava ligar pra ela. Eu precisava conversar com ela.
Não a perderia de novo. Nem pela banda, nem por música, nem por nada nesse mundo. Nem por mim mesmo.
Se fosse o meu casamento ou a banda, eu já sabia o que escolher. , e entenderiam.
Dessa vez, eu não estaria ausente pro meu filho.
Não dessa vez.
Capítulo 47.
Sou eu, Charlie. É, eu sei que o deu uma passada aqui pra explicar algumas coisas, mas a história ainda é minha. Então não reclamem e me deixem continuar de onde eu parei, porra.
Eu estava morgando no sofá em minha casa, ainda com as minhas típicas boxers de dormir, assistindo a uma maratona de "House". Foi quando ouvi a campainha tocar. Apesar de tentar ao máximo manter o meu autocontrole, não pude impedir meu coração de acelerar.
Mas eu sabia que não era a Halley, porque ela me ligaria.
Suspirei pesadamente e fui atender.
- Oi ! – Eu disse assim que o vi parado na porta.
- Oi Char. – Ele parecia meio apreensivo, receoso até.
- Você está... Bem? – Eu levantei uma sobrancelha.
- Não muito. – Ele admitiu pensativo. – Sua mãe já acordou?
- Não, ainda não. Mas se é você quem está chamando, duvido que ela vá reclamar como sempre faz. – Eu abri caminho para que ele passasse, sem desviar os olhos de sua expressão torturada.
- Você quer, por favor, me dizer o que está acontecendo? – Eu perguntei, fechando a porta.
virou-se para mim, afrouxando a gravata que ele usava para trabalhar. Estava suando, nervoso.
- Olha Char, é o seguinte... – Ele começou. – O me ligou ontem de manhã, dizendo que havia recebido um e-mail do nosso antigo empresário, o Fletch. Ele disse que o Fletch começou uma petição pra trazer o McFLY de volta, uma petição que passou pelo mundo inteiro e foi assinada por diversas pessoas. O ficou animado e ligou logo pra todo mundo, porque o Fletch disse que pode começar a trabalhar com a gente em um novo projeto na semana que vem e...
- CARALHO, O MCFLY VAI VOLTAR? – Eu o interrompi com um berro. Sorri para ele, sem conseguir me conter. - Qual é o GRANDE PROBLEMA nisso? – Perguntei.
respirou fundo e fechou os olhos por alguns instantes.
- O problema é que eu quero me casar com a .
Ah sim. Agora a ficha havia caído: se a banda voltasse, é claro que ele não teria tempo suficiente para planejar o casamento, muito menos poderia ter uma esposa em uma hora dessas.
Minha mãe ficaria simplesmente... Arrasada.
- Então, parece que você já entendeu. – Disse , observando minha expressão. – Eu já fiz a minha escolha.
Eu ainda não conseguia falar.
- Eu escolhi vocês dois. – Ele disse. – Dessa vez, eu escolhi certo.
E ele parecia realmente 100% certo do que disse. Não havia a menor sombra de dúvida em seu olhar.
- ... Eu sinto muito pela banda. Eu queria poder ajudar, de verdade. – Eu disse, sentindo um nó na garganta. Eu podia imaginar o quanto estava sendo difícil pra ele pendurar o violão de vez na parede.
- Não se preocupe com isso, filho. Eu vou ficar bem. – sorriu pra mim, e eu sorri de volta.
Eu precisava fazer alguma coisa. Era o sonho do cara, ele não podia simplesmente largar de mão. Mas e a minha mãe? Como se eu já não tivesse os meus próprios problemas...
- Isso que eu vim conversar com a . Você sabe como ela ficaria se descobrisse por algum dos caras que a banda esteve prestes a voltar e eu não a contei nada. – Disse ele.
Nós dois estremecemos ao pensar na reação que ela teria. Amedrontador.
- Bom dia, meus amores! – Minha mãe apareceu de roupão na sala, como se estivesse respondendo aos nossos pensamentos. Estava com os cabelos soltos e molhados, então eu imaginei que ela houvesse acabado de sair de um banho.
Ela foi até o e beijou-o ternamente nos lábios. Depois caminhou em minha direção e ficou na ponta dos pés para beijar minha testa.
- Sobre o que vocês dois estavam conversando? – Ela perguntou casualmente.
Eu e trocamos um olhar, engolindo em seco.
- Vocês estão com a mesma expressão e o mesmo olhar de tortura, e eu estou começando a ficar nervosa. Não que vocês sejam diferentes, mas mesmo assim... Neste momento, vocês estão parecidos DEMAIS. – Ela estava começando a se irritar, podíamos sentir.
- Mãe... – Eu comecei.
- ... – disse exatamente ao mesmo tempo que eu.
Ela arregalou os olhos, assustada.
- Meu momento triunfante para sair. – Eu disse, já virando-me para o quarto. lançou-me um olhar de traição, que dizia "não acredito que você vai me deixar lidar com a fera sozinho". Eu o ignorei.
Eu precisava pensar em alguma coisa para ajudá-lo. Tinha de haver um jeito de tudo ficar bem!
Será que era possível ter uma banda e uma família ao mesmo tempo?
Eu não estava na sala, mas me contou exatamente o que aconteceu (minha mãe acrescentou algumas coisas). Então eu vou transmitir a vocês o relato, da forma como eu o imagino.
terminou de dizer a minha mãe tudo o que ele havia me dito mais cedo, enquanto ela apenas o encarava, sem nenhuma sombra de emoção em seu rosto que pudesse dizê-lo qual seria sua reação.
- E eu fiz a minha escolha. – Ele encerrou. – Eu escolhi você e o Charlie, como eu deveria ter feito há tanto tempo atrás.
Minha mãe estava olhando para as mãos pousadas no colo. Ela queria explodir de felicidade por saber que ele havia tomado a decisão correta, mas se sentiu egoísta. Essa era a decisão correta para ELA, mas seria para ELE?
- ... Eu acho que você deve voltar com a banda. – Disse ela, encarando-o profundamente.
Ele olhou de volta, franzindo o cenho.
- Não entendo. Pensei que você fosse ficar feliz... – Ele deixou a voz morrer.
- Eu estou feliz. – Respondeu ela. – Mas você não.
Quando ia começar a protestar, minha mãe pôs o dedo delicadamente sobre seus lábios, para calá-lo.
- Deixe-me terminar. – Pediu ela. – Casando-se comigo, você vai estar preso em Londres com uma esposa e um filho adolescente. Continuando com a banda, você vai ter o mundo de novo... Você vai realizar de novo um sonho. Você tem muito talento pra ficar preso aqui nessa cidade pra sempre comigo, . O McFLY tem muito potencial... E eu não quero ser o motivo do ódio e da tristeza de milhares de fãs.
Quando ela tirou o dedo dos lábios dele, ele segurou suas mãos.
- Você está absurdamente errada. Eu não vou estar preso em Londres com uma esposa e um filho, eu vou estar FELIZ em Londres com uma esposa e um filho. Eu quero estar com você, não estou fazendo isso por obrigação. Além do mais... Você fala como se Londres fosse uma cidade mínima onde seria um problema estar preso, e não uma das maiores cidades do mundo onde muitos matariam para estar. – Ele sorriu para ela.
Minha mãe sorriu de volta, revirando os olhos.
- Agora é sério, . Você tem que largar o seu emprego estressante e fazer o que você quer, o que você GOSTA! Eu não vou sair correndo! – Ela sorriu.
- O que você quer dizer?
- Eu quero dizer exatamente isso: que eu não vou sair correndo de você, . Eu vou estar aqui, como eu sempre estive... Te esperando. Quando você estiver longe, eu vou assistir aos shows pela TV e gritar como se eu estivesse lá. Vou ouvir as músicas no rádio e aumentar o volume, imaginando que você está perto de mim. Se os shows forem aqui no Reino Unido ou mesmo pela Europa, eu e o Charlie vamos até onde você estiver, e quando você olhar pra multidão, vai nos ver. Vamos estar lá gritando e torcendo por vocês quatro. E quando você voltar pra casa... Eu vou estar te esperando na porta. – Ela terminou, abraçando-o.
afundou o rosto nos cabelos dela.
- Você vai estar sozinha quando eu não estiver aqui... – Disse ele.
- Eu tenho um filho de 16 anos que cuidou de mim a vida toda, assim como eu cuidei dele. Posso me virar. – Ela riu.
afastou-se e colocou as mãos no rosto de minha mãe. Observou-a por um longo momento.
- Você está falando sério?
- Não precisamos casar agora, . Nós nos amamos e isso é pra vida toda. Se entrarmos no altar com cabelos brancos e rugas, eu não vou me importar... Desde que eu esteja ao seu lado. Nada mais importa! O que o tempo significa para nós dois? Já esperamos tanto um pelo outro! – Ela sorriu.
Ele beijou-a com força, fazendo-a sorrir em meio ao beijo.
- Vou correndo pra casa do dar as boas notícias! – Ele sorriu e beijou a testa dela. – Fala pro Charlie que ele é um covarde por me abandonar aqui.
Minha mãe sorriu enquanto via sair pela porta, com o sorriso de criança que ela tanto amava estampado em seu rosto.
Sorriu tristemente, fechando os olhos.
Ele nunca havia sido apenas dela: ele era do mundo também. Mas ela sabia que os dois eram a mesma alma, a mesma pessoa... E quando ele estivesse em cima do palco cantando, seria a voz dela parando as multidões também.
Parando o mundo... Porque era como o Fletch havia dito: as grandes estrelas nunca se apagam. Não estava na hora do McFLY fechar as cortinas. Mas ela estaria lá para ele, quando o momento chegasse.
E eu também.
Capítulo 48
No momento, eu não podia exigir mais nada da vida. Estava tudo ótimo.
Um mês e meio já havia se passado desde que e os caras decidiram voltar com a banda, e as negociações com a gravadora e
com o Fletch para o retorno do McFLY não poderiam estar melhores. Tio era o mais empolgado, sem dúvidas.
Halley estava, finalmente, de volta em casa após três semanas com os pais (três semanas nas quais eu não dormi). George estava aceitando tudo bem melhor, e foi
internado recentemente em uma clínica especializada em cardiologia pra monitorar e tomar os remédios necessários para evitar os ataques do coração. Halley o visitava
todo o final de semana, e Martha aparecia lá quase todos os dias.
Minha mãe estava feliz, de uma forma que eu não imaginava ser possível. Ela e continuavam perdidamente apaixonados um
pelo outro e se viam quase todos os dias, apesar das horas intermináveis em que ela ficava na frente do telefone esperando-o ligar (as horas em que ele estava na
gravadora).
Tia Joanna estava começando a resolver a vida dela também: estava quase fechando negócio para alugar um apartamento em Canterbury, próximo a Londres. Ela havia
tentado um em Oxford, mas o preço era muito alto e o salário dela de secretária do banco não pagava isso. Suzan estava meio triste por sair de Londres (por causa de
Mark e de todos nós), mas depois aceitou bem, quando pegou um dos meus livros escolares e viu em um mapa da Inglaterra que Canterbury é perto de Londres. O sorriso
de anjo dela voltou como se nunca houvesse saído dali.
Tio e tia Joanna estavam evoluindo no ramo “comunicação amigável”. Desde a festa de noivado de
e minha mãe, havia uma certa cumplicidade entre eles.
Pelo menos se cumprimentavam como bons e velhos amigos.
Pra completar a felicidade geral, meu pai estava voltando pra Inglaterra. Ele decidiu largar o emprego em plena viagem de negócios (como todos os outros) e estava
voltando antes mesmo de fechar os contratos que foi fechar. Ele estaria chegando na segunda-feira da semana que vem, e isso era um grande alívio para mim.
Depois de ter me preparado pra ficar sem vê-lo por um bom tempo, ele estava voltando.
Acordei de meus pensamentos empolgados quando senti a mão de Halley segurando a minha, enquanto assistíamos televisão na sala (ou ela assistia, eu não estava
prestando atenção). Sorri abertamente para ela e olhei sua barriga, maior do que já estava.
Agora sim, era verdadeiramente uma barriga de grávida.
Fechei os olhos, deixando-me afundar na sensação de paz. Aproveitar, enquanto eu podia.
- Não consigo vê-lo em lugar nenhum. – Minha mãe disse vasculhando a multidão com os olhos, pela milésima vez.
- Ele já vai chegar, . Está tudo bem. – apertou com mais força a mão dela e os
dois sorriram um para o outro.
O nervosismo dela estava me irritando.
Estávamos todos no aeroporto (assim como da última vez), esperando o meu pai aparecer pelo portão de desembarque com as malas e o sorriso enorme que todos nós
queríamos ver.
Minha mãe estava eufórica, é claro. Ela era assim com qualquer assunto que envolvesse meu pai, um tipo de amor materno-doentio que só uma irmã pode ter por alguém
(ou uma mãe). entendia o nervosismo dela e, a meu ver, amava isso (assim como amava qualquer coisa que viesse
dela).
- ELE CHEGOU! OLHEM LÁ! – Tia Julie estava pulando como se fosse uma adolescente empolgada, seus pesados cachos loiros balançando.
- ! - Minha mãe gritou, sorrindo.
Eu olhei imediatamente, e sorri quando reconheci meu pai caminhando na multidão. Halley sorriu, assim como tia Joanna, e Suzan saiu correndo em direção ao meu pai.
Mark, tio e tio também estavam sorrindo... Até que eu vi alguma coisa passar
pelos olhos de Mark e sua expressão se fechou. Não era raiva, ou angústia, era apenas... Surpresa.
Eu não entendi, até que olhei na mesma direção que ele: a direção de onde meu pai estava vindo. E fiquei completamente estático.
Ao lado dele, de mãos dadas, estava uma das mulheres mais lindas que eu já havia visto em toda a minha vida. Ela sorria radiante, assim como ele.
Seus cabelos eram longos e castanho-claros, os lábios eram cheios e o rosto rosado. Seus olhos eram escuros, mas não um escuro fechado como normalmente vemos por
aí... Eram grandes e expressivos, com cílios longos e sobrancelhas perfeitas. O rosto era perfeitamente simétrico, angular... Devia ter mais ou menos a idade da minha
mãe.
Eu estava tão absorto observando a mulher que não percebi que estavam chegando mais perto, até que os dois se encontravam em minha frente.
Meu pai me abraçou com força, e a parte do meu cérebro que estava funcionando retribuiu. Ele falou algumas coisas, as quais eu não ouvi com clareza... Podia sentir minha
mãe em estado de choque logo atrás de mim.
Ele não demorou a perceber o motivo do meu espanto, então sorriu e disse:
- Esta é a Lillian. Lembra quando eu te falei sobre ela, no telefone?
- Aquela que você conheceu na Alemanha? – Eu perguntei estupidamente e Lillian riu.
- Não exatamente na Alemanha, mas depois soube que ela tinha um apartamento lá. – Meu pai sorriu. – Nos conhecemos na França, pra ser mais exato, em uma de minhas
viagens de trem.
Foi quando Lillian estendeu a mãe para mim, e eu a cumprimentei.
- Como vai? – Perguntou ela com sua voz doce.
- Ótimo, e você? – Sorri de volta. Havia algo errado, eu podia sentir. Por que essa mulher tão bonita e simpática estava deixando tudo tão perturbado? Meu pai não era mais
criança, eu não devia me preocupar com esse tipo de coisa... Mas havia um peso no ar que eu não soube identificar.
Foi quando percebi que o peso vinha de duas pessoas ainda mais estáticas que todas as outras, logo atrás de mim.
Halley parecia estar morrendo de medo, sua expressão mostrava isso claramente. Eu podia dizer mesmo àquela distância que suas mãos estavam suadas... É isso que dá
conhecer alguém muito bem.
A outra pessoa estática era tia Joanna. Ela puxou Suzan para longe de Lillian e lançou-lhe um olhar penetrante de ódio, confusão e nervoso.
O que estava acontecendo aqui?
- Não acredito que esta mulher está aqui. – Tia Joanna disse, com a boca seca.
- O que houve, Jo? – Tia Julie foi até ela e pôs a mão em seu ombro, preocupada.
- É ela, Julie. Aquela prima do que estragou a minha vida. – A voz de tia Joanna era apenas um sussurro.
Tio arregalou os olhos, como se estivesse vendo um fantasma do passado entrando em sua vida de repente. Ele parecia ter
acabado de reconhecê-la.
- Vamos embora, Char! – Halley puxou meu braço, nervosa. Parecia estar tentando esconder o seu rosto para que Lillian não a visse de jeito nenhum.
- O que houve? O que está acontecendo? – Minha mãe perguntou exatamente o que eu estava pensando.
- , eu preciso sair daqui! – Halley sussurrou para minha mãe, suplicante.
- Me diga o que está acontecendo. – Eu disse, encarando-a.
- É ela. A mulher rica que vive na França e quer adotar o nosso bebê, Charlie! Eu não estou pronta para tomar essa decisão, eu não
quero que ela me veja, nós dois precisamos sair daqui... Eu disse que ligaria para ela, mas não liguei!
Eu imediatamente abracei-a. Pelo menos eu sabia que ali, em meus braços, ela estava segura.
Lancei um olhar à tia Joanna, que segurava Suzan no colo com uma das mãos e afastava Mark de Lillian com a outra. Mark parecia confuso, assim como Suzan.
E tia Joanna parecia cada vez mais determinada de que os filhos não chegariam perto da mulher.
Meu pai estava com um olhar surpreso, e Lillian parecia... Transtornada. Ela parecia não saber o que fazer, parecia estar prestes a desmoronar.
carregava no rosto a mesma expressão desnorteada que eu, e nós trocamos um olhar.
Tudo junto, de uma só vez.
Minha vida é realmente foda.
Que merda!
Capítulo 49
- SE ELA NÃO SAIR DA INGLATERRA, EU VOU SAIR! – Joanna estava berrando com meu pai ao telefone, enquanto minha mãe esfregava os dedos nas têmporas em sinal de exaustão. Quanto a mim? Eu ainda não podia acreditar que tudo isso havia acontecido de uma só vez. Essa Lillian era a personificação de todos os problemas.
Halley estava sentada ao meu lado apertando minha mão com força. O que aconteceu foi o seguinte: depois de toda aquela confusão, tia Joanna estava tão estressada e Halley estava com tanto medo que eu, Joanna, Suzan, minha mãe e Halley tivemos que voltar pra casa. Eu não havia nem conversado com meu pai direito!
trocou um olhar rápido com a minha mãe e disse que ia ficar pra dar algum tipo de apoio ao meu transtornado pai. A tal da Lillian até tentou falar alguma coisa, mas só conseguiu abrir e fechar a boca enquanto olhava de Halley para a tia Joanna e de tia Joanna para tio . Mark estava ficando vermelho, parecia prestes a pular no pescoço da mulher e rasgar-lhe a garganta... Algo me dizia que, apesar de não saber sobre as coisas que ela havia feito, ele lembrava-se de ter visto tia Joanna chorar muitas vezes por causa da mulher. A mulher que entrou de novo na vida de todos nós absolutamente do nada. A mulher que quer adotar o meu filho ou filha e levá-lo para a França.
A mulher que estava com meu pai no apartamento dele.
É coisa demais para um cara de 16 anos carregar nas costas. Eu devia estar bebendo por aí, me concentrando em estudar e aproveitar meu ensino médio. Mas minha vida era lidar com dramas familiares e paternidade não planejada. Ótimo.
- Respira fundo. – Eu beijei a testa da Halley, que estava sentada ao meu lado no sofá e ainda tremia.
- Não se mova um milímetro pra longe de mim, Charlie . – Ela disse com a voz falhando.
Havia apenas uma coisa boa nisso tudo (pelo menos para mim): a decisão da Halley de ficar com o bebê estava clara, apesar de ela não ter tocado mais no assunto. Por que outro motivo ela estaria assustada, e não feliz, pela vinda de Lillian? Eu sabia o motivo: no fundo, ela queria tanto essa criança quanto eu... Ela só não sabia e sentia-se insegura.
Essa parecia a descrição de mim mesmo há algum tempo atrás.
Tia Joanna bateu o telefone no gancho e respirou fundo.
- O que o tem na cabeça? COMO ele ainda não mandou essa mulher de volta pra França, Alemanha ou sei lá, agora que ele sabe de tudo? – A voz de Joanna estava esganiçada.
- Talvez ele goste dela, Jo. – Minha mãe disse, torcendo o nariz e fazendo uma careta. Não pude deixar de me perguntar se essa aversão repentina pela Lillian era a mesma que todos nós sentíamos ou se havia uma parte disso que era puro ciúme. Eu sabia a resposta, mas não queria tornar o clima ainda mais tenso abrindo a boca e falando merda.
- Gostar, ? Só se pode gostar de algo BOM! Do contrário, as coisas não terminam bem! Acaba-se com o relacionamento e pronto! – Pra tia Joanna, tudo parecia ser extremamente simples. Ela não estava pensando no meu pai, era evidente.
- Nem todo mundo gosta de coisas que fazem bem, Jo. Fui apaixonada pelo por uma vida inteira, e ele nem sempre me fez bem. – Minha mãe pontuou.
- Você e o nasceram um pro outro, porque são dois idiotas que tomam decisões muito tarde. O é um dos caras mais legais que eu já conheci na vida, não pode terminar com uma piranha daquelas! – Tia Joanna estava mais nervosa a cada minuto.
- Eu e o somos os idiotas? Antes tarde do que nunca, Joanna! Você e o são dois merdas que tem um filho de 18 anos, se amavam e nem se olham na cara direito por causa de um grande mal entendido e pela sua insegurança em contar a verdade sobre a prima santa dele! – Minha mãe também estava ficando estressada.
- O QUE VOCÊ QUER QUE EU FAÇA? Não venha me falar de filhos, ! Eu pelo menos tive o meu quando já era CASADA! – Tia Joanna gritou.
Minha mãe parou e ficou encarando-a por um longo tempo de silêncio.
- Não me arrependo nem um segundo sequer por ter escolhido ter o Charlie. E não venha me falar de responsabilidade, porque pelo menos a minha irresponsabilidade foi quando eu era adolescente, e não depois de velha! Você agiu pior que qualquer adolescente fugindo como fugiu, deixando tudo pra trás e ainda por cima voltando com uma criança. Quem é você pra falar sobre moral? – Minha mãe não alterou a voz e não desviou o olhar por um só segundo.
Eu estava com cara de babaca. Só esperava que Suzan não ouvisse nada disso de onde estava, no quarto.
- Eu também não me arrependo nem por um segundo por ter tido a Suzan, . A Suzan foi meu refúgio, foi a única coisa que me deu alegria em dias piores do que você pode imaginar. – Tia Joanna disse, voltando a falar com a voz normal.
- Aí está o problema: você agiu como se apenas a Suzan existisse no mundo! Você tinha outro filho aqui, um menininho que você largou pra trás! Eu o amei e cuidei dele, fui a todas as reuniões de pais na escola, comprei o primeiro uniforme dele, estava na primeira mesa quando ele se formou na escola. É por isso que o Mark me ama, e não ama você. E outra coisa... A Suzan não devia ter sido o seu refúgio, Joanna. Os pais é que devem ser o refúgio dos filhos, e não o contrário. – Minha mãe dirigiu-lhe um olhar de desprezo com os olhos cheios de lágrimas e foi em direção ao seu quarto, deixando-a sozinha na sala comigo e com a Halley.
Tia Joanna debulhou-se em lágrimas, as mãos tremendo de raiva ou tristeza (eu não sabia bem qual dos dois).
Levantei-me e fui até ela, puxando-a para um abraço.
- Vai ficar tudo bem. – Eu passei a mão em sua cabeça, sentindo-me mal por não saber se era verdade ou mentira o que eu havia acabado de dizer.
- Não vai, Char. – Ela sussurrou em meu pescoço.
- Claro que vai. Meu pai vai perceber que essa Lillian não presta, e nossas vidas vão continuar como se ela nunca houvesse existido.
- Não é sobre isso que eu estou falando, Char. – Ela fungou. – Estou falando que o passado nunca vai ficar bem. Eu nunca vou poder corrigir o mal que fiz ao meu filho, ao meu garotinho... A pessoa que eu mais amava nesse mundo. A maior dor que eu senti na vida foi acordar naquele dia e vê-lo dormindo, sabendo que eu não estaria lá pra ele quando seus olhos se abrissem. Mas eu fiz isso porque pensei que fosse ser o melhor! Eu não sabia que vida eu teria, não sabia nem ao menos se teria uma vida...
- Mas você podia ter voltado quando conseguiu uma casa pra morar, quando conseguiu um emprego e um marido. Você podia ter dado sinal de vida, podia ter vindo visitar o Mark... – Eu a apertava mais contra mim, não sei se por raiva ou por pena. Não sabia se estava ajudando ou apenas piorando tudo.
- não me deixaria chegar perto dele. Não falaria comigo. – Ela suspirou profundamente, e eu fiquei em silêncio.
Halley estava chorando abertamente agora, embalada pelo clima de tensão. Antes que eu pudesse me soltar de tia Joanna ou entender o que estava acontecendo, ela simplesmente levantou-se correndo e saiu pela porta afora, segurando a barriga com ambas as mãos.
Parecia desesperada, e eu me apavorei.
Tia Joanna levantou a cabeça tão assustada quanto eu, e por um momento nós dois esquecemos o que estávamos falando.
Eu saí correndo atrás dela.
Era isso o que eu faria enquanto a Halley precisasse de mim: eu estaria lá pra ela.
Eu correria atrás dela até o fim do mundo se fosse preciso.
Atrás dela e atrás do meu filho.
Capítulo 50
Estávamos os dois sentados em um banco na Trafalgar Square há duas horas, sem dizer nada um ao outro. A noite caía fria e sem estrelas no centro de Londres, enquanto olhávamos para o Big Ben. Eu sentia pequenos tremores vindos do corpo dela, apertado em meus braços, e sabia que ela ainda estava chorando. Eu não perguntaria o motivo de ela ter corrido nem a razão de estar triste... Halley me contaria quando achasse que devia.
- Não quero que o fique triste. – Ela disse, e sua voz saiu fraca como um sussurro.
- Nem eu. Mas se for para o nosso bem, espero que ele chute essa mulher daqui o mais rápido possível.
- Estava tudo começando a ser tão perfeito... Estavam todos tão felizes... – Ela suspirou e eu senti mais algumas lágrimas molharem minha camisa.
- Eu vou falar com o meu pai.
- Falar o quê? Pedir que ele a mande embora? Não seja ridículo, Char! Seu pai está feliz, disse isso e eu também acho! – Disse Halley.
- Não quero essa Lillian olhando pra você. Eu a quero longe do meu filho, longe da minha família e longe da minha vida. O que ela fez com a tia Joanna já foi o suficiente. – Não consegui conter a raiva em minha voz.
Ficamos mais um tempo em silêncio.
- Sabe em que eu estava pensando, Char? Eu estava percebendo o quanto não dou valor ao que tenho. O quanto eu sou uma merda de pessoa. – Halley disse de repente.
- O que quer dizer? – Eu franzi o cenho.
- Ao nosso redor, temos duas pessoas que não podem ter filhos e que fariam qualquer coisa por um: Julie e Lillian. Quando falei com ela pela primeira vez, na França, percebi pelo olhar dela sobre mim que ela faria de tudo para estar em meu lugar. Julie também faria, tenho certeza... O que ela mais queria nesse mundo era poder dar um filho ou uma filha ao . E aqui estou eu, grávida, e não querendo o meu bebê.
Eu não disse nada, apenas apertei-a com mais força contra mim.
- Eu saí correndo porque não suportei ouvir e Joanna discutindo sobre filhos... Discutindo sobre o amor que têm por eles, quem estava certa e quem estava errada. Eu não acho que nenhuma das duas esteja errada, porque elas tiveram seus filhos e fizeram o melhor que podiam. Eu estou errada! Eu não queria nem tentar... – Ela suspirou.
Sorri instantaneamente com o verbo no passado. Isso era uma mudança de planos? Fiquei quieto e deixei que ela terminasse.
- A Joanna disse que a Suzan foi o porto seguro dela, e a disse que os pais é que devem ser o porto seguro dos filhos. Eu me senti a mais errada de todas, porque meu filho não seria um porto seguro para mim e nem eu para ele. Errando ou acertando, e Joanna criaram seus filhos... E eu quero ser forte e decidida o suficiente para fazer isso. – Disse ela, respirando fundo.
- Isso é um sim? – Eu perguntei, já sorrindo por saber a resposta.
- Definitivamente. – Ela virou a cabeça para cima e me beijou.
E eu era o cara mais feliz do mundo, de novo. Não me importava se Lillian estava perto ou não, se ela apresentava uma ameaça ou não. Não importava se tia Joanna e minha mãe estavam quase se matando lá em casa. Não importava mais nada, que se ferrasse o mundo e todos os babacas que viviam nele.
Eu sabia que não seria fácil ter um filho aos 16 anos. Eu sabia que nada seria perfeito... Mas tudo podia ser perfeitamente natural, perfeitamente humano e cheio de erros. Não éramos maduros o suficiente para isso (apesar de termos amadurecido bastante), e precisaríamos da ajuda de muita gente para que tudo funcionasse bem. Éramos apenas crianças, de certo modo, mas quem não é uma criança? Aprenderíamos com os erros.
Nós três.
Minha mãe estava trancada no quarto desde o fim da briga com tia Joanna. Ela não queria pensar, não queria falar, não queria nada... Apenas ficar deitada ali, presa em suas memórias. Memórias de tempos mais felizes, onde as coisas eram muito mais simples. Tantas coisas haviam acontecido em sua vida...
estava sentada no peitoril da janela de seu novo quarto, observando a rua coberta de neve de sua nova cidade. A casa era bonita, mas ela sentiria falta do seu pequeno apartamento em Manchester. Londres era enorme, e ela era uma menina de oito anos completamente perdida. - Querida, venha desempacotar as coisas! – A Sra. gritou lá da sala. fingiu não escutar. - Oi. – Uma voz tímida falou com ela. Um menino sorridente, mais ou menos da sua idade, estava parado na calçada bem próximo a ela. - Oi. – Ela respondeu, sorrindo timidamente. – Qual é o seu nome? - . E o seu? - . [...]
- , você quer sair de cima de mim? – disse pela décima vez. - Hóquei se joga assim, . As pessoas caem de vez em quando! Se você não sabe jogar, não deveria entrar! – Ele reclamou, levantando-se. - Ótimo! – jogou o taco no chão, tirou o capacete e foi patinando pra longe. Era um típico inverno na Inglaterra, e ela estava fazendo o que todos os meninos e meninas de 12 anos faziam naquela época: jogando Hóquei com os amigos em um lago congelado, perto da escola. - O que foi? – Joanna perguntou assim que a amiga sentou-se ao seu lado, emburrada, e tirou os patins. - O não consegue ser delicado. – revirou os olhos. - É um jogo de Hóquei, amiga! Meninos não são delicados, são competitivos! – Joanna riu. As duas ficaram observando enquanto fazia vários gols em , que não conseguia agarrar um disco. - O é muito devagar! SEGURA ISSO! – Joanna gritava. achava estranho o fato de ela só torcer para ele, mas não dizia nada a respeito porque a amiga podia ficar chateada. Foi quando avistaram um garoto ao longe, observando-os. Tinha a mesma idade que todos eles, usava um casaco azul comprido e as mãos estavam enfiadas nos bolsos. - Ei, você! Quer jogar? – chamou. - Claro! – O garoto abriu um sorriso deslumbrante. - Qual é o seu nome? – perguntou. - ! [...]
- VOCÊ ME DÁ NOJO! – gritava, tentando se desvencilhar do amigo. - VOCÊ É MALUCA! – berrava, tentando segurá-la. - ME SOLTA! – estava sentindo os olhos começarem a arder. Como era estúpida! Quando ele ligou convidando-a para ver um filme, ela pensou que seriam apenas os amigos... Mas não se segurou quando viu a piranha da Serena sentada no sofá, com as pernas em cima de . - SÓ VOCÊ MESMO PRA TRAZER O SEU BRINQUEDO PRA CASA! QUE NOJO! – disse. Todos sabiam que e Serena ficavam se agarrando no muro do colégio, sem fazer nenhuma questão de esconder. Isso nunca havia a incomodado antes... Mas vê-la ali, com os seus amigos, na casa do , era um pouco demais. - A GENTE NÃO ESTAVA FAZENDO NADA! – Ele gritou vermelho de raiva. precisava sair dali. – EU NÃO DIGO NADA QUANDO VEJO VOCÊ ANDANDO POR AÍ AGARRADA AO SEU NOVO AMIGUINHO! não acreditava que ele estava falando assim com ela. Agarrada? Ele sabia muito bem que ela e eram apenas amigos! Não entendia a implicância dele com o garoto solitário que havia acabado de entrar no colégio. - Você está chorando? – Ele perguntou, soltando os braços dela, assustado. "Tarde demais", pensou. - Não é nada. – Ela disse, virando o rosto. Foi aí que aconteceu: alguma coisa despertou dentro dos dois, algo que nunca haviam sentido em seus três anos de amizade. Era como se fosse a primeira vez que olhava para : não mais uma menina de 12 anos, extremamente irritante... Ela estava totalmente mudada, atraente e crescida. o olhou pela primeira vez também: um rapaz alto, de 15 anos de idade, extremamente bonito e parado ali, encarando-a com seus olhos expressivos. Olhos que ela conhecia tão bem. Ele se aproximou lentamente e pôs a mão sobre o rosto molhado dela. segurou a mão dele ali, e deixou que se aproximasse mais e roçasse seus lábios quentes nos dela. Esse foi o primeiro beijo de muitos que viriam... E foi testemunhado apenas por alguns amigos adolescentes curiosos, espiando pela janela. [...]
Minha mãe acordou com o celular tocando. Estava tonta, e inicialmente pensou em não atender... Até olhar no visor e ver que era o .
- Oi amor!
- Estava dormindo? – riu quando ouviu a voz dela.
- Estava em uma época melhor. – Ela riu também.
- Eu faço parte dessa época?
- Com certeza. – Os dois riram novamente.
Minha mãe respirou profundamente e perguntou:
– Como o está?
Houve um momento de silêncio.
- Não muito bem. Ele parece realmente gostar dessa Lillian, ... Ele vai dar um jeito, tenho certeza. Ele só está confuso, afinal de contas, descobrimos tudo isso há apenas algumas horas.
- E o que nós vamos fazer até ele ajeitar isso? – Minha mãe perguntou.
- Seguir com a nossa vida, como se nada tivesse acontecido. É isso o que vamos todos fazer.
Capítulo 51
Minha mãe bateu na porta de novo, pela milésima vez. Sabia que ele estava em casa, assim como sabia que ele estava com Lillian. Foi para lá logo de manhã, desejando fervorosamente que a mulher ainda estivesse dormindo e que ela não precisasse encará-la.
- , eu quase posso ouvir você aí dentro. Deixa de ser covarde e abre essa porta pra mim agora. – Ela declarou.
Houve um suspiro pesado do outro lado da porta, e meu pai a abriu logo em seguida. Minha mãe ficou sem fala quando olhou para o rosto dele: olheiras profundas, rosto desesperado. Ele estava REALMENTE gostando dessa Lillian.
- Entra aí, pequena. Mesmo se eu disser pra você não entrar, eu sei que você vai passar por cima de mim. – Ele sorriu.
Minha mãe sorriu de volta e entrou no apartamento.
- Ela... Está aqui? – Ela perguntou cautelosamente.
- Não. Foi comprar algumas coisas na padaria... Como chegamos ontem, não há nada comestível nessa geladeira. – Meu pai riu nervosamente.
Minha mãe ficou atordoada. Não estava acostumada a ver meu pai nervoso ou agitado desse jeito... Não era natural.
- , eu vim aqui pra pedir que você pense bem no que está fazendo... Somos todos nós lhe pedindo... – Ela começou.
- O e o já falaram comigo sobre isso, . – Disse ele.
- E o ?
- Ele estava surpreso demais pra dizer qualquer coisa. Foi embora com o Mark um pouco depois de você.
- Ele está surpreso e não sabe nem da metade... Joanna nunca contou a ele todas as chantagens e coisas horríveis que Lillian disse a ela. Espero que ela conte algum dia. – Minha mãe disse.
- Eu não sabia de nada disso. Mas ela não é má, . Se vocês a conhecessem, saberiam disso... – Meu pai tentou argumentar.
- Nós a conhecemos, . Conhecemos o lado ruim dela, e você conhece o bom. Ninguém é inteiramente mau, somos todos feitos de coisas boas e ruins. Só temos que medir se vale a pena estar com alguém pelo seu lado bom... É isso o que você tem que julgar. – Disse ela.
- Eu gosto dela, . Depois de tantos anos, eu finalmente gosto de alguém. Eu vou dar um jeito nisso, tudo vai ficar bem. Em breve eu e os caras vamos entrar em turnê, e a Lillian vai ficar aqui no meu apartamento... Espero que quando voltarmos, as coisas estejam mais calmas. Se estiverem, eu vou apresentá-la a vocês da forma apropriada, a forma como eu imaginei que seria. – Ele disse.
- Sinto muito que as coisas não tenham saído como você queria... Eu não vim aqui pra te dar bronca nem nada disso.
- Você não pode me dar bronca... Esse é o meu papel. Lembra-se do primeiro sermão que eu dei a você? – Ele perguntou, rindo.
- Lembro sim... Eu tinha 17 anos e cheguei em casa com uma mecha rosa no cabelo. – Ela riu também.
- O e o adoraram aquilo. Eu havia achado ridículo... Mas depois me acostumei.
- Só em pensar que um ano depois eu engravidei... – Minha mãe disse em um murmúrio.
- O erro mais certo da sua vida. – Meu pai segurou a mão dela. – Da nossa vida.
Minha mãe abraçou-o com força, e os dois ficaram assim por algum tempo.
- Eu já vou indo, ... Tenho que pedir desculpas a uma melhor amiga frustrada que está na minha casa.
- Você e a Jo brigaram? – Meu pai franziu o cenho.
- Brigamos feio. Vou ajeitar as coisas, assim como você. – Ela ficou na ponta dos pés e beijou o nariz dele.
“Tantas coisas para ajeitar em apenas duas semanas...”, pensou ele.
Duas semanas para o McFLY voltar à ativa.
Duas semanas... Precisávamos de um milagre.
- Jo? – Minha mãe bateu na porta. Ninguém respondeu.
Já sem paciência, ela simplesmente abriu e... Não havia nada lá dentro. Nenhuma mala, nenhuma roupa... Nenhum dos lápis de cor de Suzan espalhados pelo chão. Em cima da cama, havia um bilhete.
“Melhor amiga, Decidi ir mais cedo para o meu novo apartamento em Canterbury, após uma ligação demorada na qual eu convenci o vendedor da imobiliária. Não pense que foi apenas por causa da nossa briga sem sentido... Essa briga apenas serviu pra me mostrar que já está na hora de eu encontrar meu rumo. Ainda não tenho telefone fixo lá, mas você sabe o meu celular. Venha me ver assim que puder! Preciso dar espaço ao para que ele seja feliz com a Lillian, e eu não posso ficar perto dela. Suzan está resmungando aqui do lado, mandando beijos pra você, pro Char e pra Halley. Já estou sentindo saudades... Com todo o amor e gratidão, Joanna.”
Minha mãe apertou o bilhete contra o peito. A casa ficaria silenciosa demais sem a risada doce de Suzan, sem os brinquedos e livros infantis espalhados pelos cantos. Sem pensar duas vezes, pegou o celular e ligou para Mark.
Só que quem atendeu ao telefone foi tio .
- Suzan, você viu aquela bolsa pequena e vermelha? – Tia Joanna perguntou, vasculhando a sala nova. Estavam colocando as coisas no lugar há mais de duas horas.
- Em cima do sofá, mãe. – Suzan revirou os olhos. – Vamos parar para almoçar? Estou com fome!
- Está chovendo muito lá fora, meu bem. Vamos esperar um pouco... Além do mais, a senhorita já foi pro banho? Vá agora e aí nós vamos almoçar no restaurante ali do lado!
- Ok! – Suzan levantou-se e foi fazer o que sua mãe havia mandado.
Tia Joanna estava cantarolando distraidamente, ouvindo os pingos grossos baterem na janela, quando alguém tocou a campainha.
“Nossa, o porteiro nem me avisou que alguém havia chegado! Será que é algum vizinho vindo dar as boas-vindas?” Ela pensou. Foi até a porta e abriu-a.
A pessoa parada ali era a última que ela imaginava.
Tio estava completamente molhado, a camisa grudada no corpo, os cabelos molhados caídos no rosto.
- ... – Ela começou a dizer perplexa, mas foi interrompida por ele.
- Eu não vou deixar você se afastar de nós por causa dela. Não outra vez. – Disse ele.
Tia Joanna estava em estado de choque.
- Eu não podia continuar lá, . E eu vinha pra cá mais cedo ou mais tarde, de qualquer forma!
- Eu preferia que fosse mais tarde. Eu não tive tempo de dizer nem a metade das coisas que eu quero falar... – Ele entrou no apartamento e foi caminhando em direção a ela, que caminhava para trás, confusa. – Eu quero dizer o quanto eu odeio você pelo que você fez, por ter me deixado desse jeito, sem nunca se explicar. Você nunca me contou a história inteira, você nunca me disse o motivo real da sua decisão... Seus malditos segredos!
Joanna tentava desviar o rosto do olhar penetrante dele, mas não podia mais. Não podia porque já estava encostada na parede.
- Eu odeio você, Joanna. Odeio você com todas as forças que alguém pode odiar o outro... – Ele continuou, e os olhos azuis de tia Joanna se encheram de lágrimas.
- , se você veio até aqui só pra isso... – Ela começou a dizer, mas ele pôs o dedo sobre os seus lábios. Estavam muito próximos agora, e Joanna queria e não queria que um buraco se abrisse na parede para que ela pudesse se afastar.
- E eu amo você ao mesmo tempo. Amo você tanto, mas tanto que chega a doer. Amo você por causa do nosso passado, por causa de todos os momentos felizes que tivemos. Amo você por causa do filho que você me deu, o meu único porto seguro durante todos esses anos.
- Os pais é que devem ser o porto seguro dos filhos. Nós dois erramos nisso. – Disse ela, repetindo o que minha mãe havia dito.
- Por que não podemos ser o porto seguro um do outro? – Perguntou ele, colocando os dois braços apoiados na parede, prendendo-a ali. Eles se encararam profundamente, em uma mistura de raiva, amor, desejo e saudade. Um turbilhão de sentimentos invadiu-os e ele beijou-a com seus lábios molhados e frios pela chuva.
Joanna se sentiu flutuando. Sentiu-se leve, como não se sentia há muito tempo... Como se fosse uma adolescente de novo.
Ele colou-a contra a parede, sua blusa molhada encharcando-a também. Joanna partiu o beijo e, chorando, abraçou-o com toda a força.
- Eu senti tanto a sua falta... – Ela sussurrou, afundando o rosto no peito dele.
levantou delicadamente o queixo dela com a mão e encarou seus olhos azuis cheios de lágrimas.
- She goes up and down in my heart... – Ele sussurrou, cantando para ela. Ela fechou os olhos e contemplou o significado daquela música que tanto amava: “Little Joanna”. Há quantos anos não cantava para ela! Ela sobe e desce em meu coração.
Era a mais pura verdade: ele a amava e a odiava, a queria por perto e a queria longe ao mesmo tempo.
- Mãe, eu estou realmente com fome e... – Suzan parou na porta do corredor ao ver a cena: sua mãe, fortemente abraçada com , parada perto da parede. Seus grandes olhos se arregalaram de surpresa, e ela ficou vermelha como um pimentão.
- Está tudo bem, querida. – Tia Joanna sorriu para ela, soltando-se de rapidamente e se aproximando da filha.
- Oi Suz. – Tio sorriu para a pequena menina loira, que sorriu timidamente em resposta. Ele parecia estar com vergonha. – Ela não tem os seus cabelos escuros, Jo... Mas os olhos são os seus.
As duas sorriram para ele.
Depois disso, tio ligou para o Mark (que estava resolvendo assuntos de faculdade sem que ninguém soubesse) e chamou-o para almoçar em Canterbury. Tinham muito que conversar.
Capítulo 52
- Isso é loucura! – Eu franzi o cenho enquanto falava com Mark ao telefone.
- Nem tanto, cara. Acho que eu sempre soube que acabaria acontecendo. – Ele respondeu tentando parecer indiferente, mas eu podia ouvir o sorriso em sua voz.
- Seu pai e sua mãe juntos, e você sempre soube? Conta outra, gay. – Eu sorri também. Mesmo que Mark não quisesse admitir, eu sabia que ele estava feliz. Não sei quanto tempo vai demorar para que tio se mude para Canterbury, mas acho que não deve demorar muito para que os dois tomem esse passo.
- E aí, como foi o almoço em família ontem? Tirando a grande notícia, é claro. – Eu disse.
- No começo eu achei estranho meu pai ter me ligado para que almoçássemos JUSTAMENTE em Canterbury, quando temos tantos restaurantes aqui em Londres... Acho que foi aí que eu comecei a entender as coisas. Mesmo assim, minha cara de surpresa quando vi meu pai, minha mãe e Suzan naquele restaurante... Nossa, deve ter sido hilária. – Ele riu.
- Queria ter visto isso! – Eu ri. – E como está a Suz?
- Está linda, como sempre. Bem mais feliz também.
- Isso é ótimo.
- E a Halley, como está? – Mark perguntou cauteloso.
Eu pensei um pouco para responder.
- Está aqui do lado, comendo pipoca feito uma vaca enquanto assiste TV. – Eu desviei de uma almofada que voou em minha direção.
- OLHA COMO VOCÊ FALA, CHARLIE! EU ESTOU GRÁVIDA!
- Ouviu isso? – Eu perguntei, rindo. Mark riu também.
- Cara... Você precisa conversar com seu pai. – Mark ficou sério de repente. – Ele não dá notícia há uns quatro dias, desde o aeroporto.
Eu fiquei em silêncio. Estava tentando não pensar no assunto, mas era difícil. Minha mãe havia chegado ontem e me dito que ele estava bem, mas eu sei que não era bem verdade. Eu sei por um simples motivo: quando ela disse isso, apareceu aquela pequena ruga entre as sobrancelhas que ela tem quando está preocupada.
- Eu vou passar lá no apartamento dele hoje. – Eu disse, decidido.
- Com aquela Lillian lá? – Mark parecia nervoso.
- Com Lillian ou sem Lillian, ele é meu pai. E não é uma mulherzinha qualquer que vai me impedir de vê-lo.
Halley estava com a pipoca à meio caminho da boca aberta, os olhos arregalados olhando para mim, paralisada.
- Me liga quando resolver isso. – Disse Mark.
- Ok.
Desligamos, e eu me virei para encarar Halley.
- Você não pode estar falando sério. Essa mulher é perigosa. – Ela disse.
- Exatamente. – Eu concluí, sustentando o olhar dela. – Eu te ligo quando sair de lá.
Ela levantou-se em um salto, segurando a barriga.
- Então eu vou com você.
Eu encarei-a novamente.
- Não seja ridícula. Quanto menos essa Lillian olhar para você, melhor. Não se esqueça de que ela quer adotar o nosso filho.
- Meu filho ficará agradecido quando souber que eu não deixei que o pai fosse sozinho até a casa de uma maluca. – Ela estava decidida, e não havia nada que eu pudesse fazer.
- Você vai ficar no carro. – Eu declarei, e pus o dedo sobre seus lábios quando percebi que ela estava prestes a me contestar.
- Vamos embora, enquanto ainda está de dia. – Ela disse com a voz falha.
Toda essa pressão é demais para mim. Vou precisar de uns três maços de cigarro depois dessa conversa, eu tenho certeza... E eu já estava parando de fumar!
Depois de muita insistência, eu havia persuadido Halley a me esperar no carro.
Agora eu estava sozinho encarando aquela porta de madeira, girando o piercing furiosamente no lábio. Estava prestes a sangrar.
Bati de novo.
Um sorridente (porém com um ar de preocupação) atendeu a porta.
- Char! – Ele me abraçou com força. Eu não estava preparado para isso, mas retribuí imediatamente. Afinal de contas, eu mal havia conversado com meu pai e sentia muita falta dele.
- Minha mãe disse que veio aqui ontem, mas eu queria conversar com você direito, pai. – Eu sorri enquanto nós dois entrávamos no apartamento.
- Claro. – Ele disse, fechando a porta e largando-se no sofá.
Eu sentei-me na poltrona, e estava prestes a começar a falar quando uma voz feminina me fez congelar.
- Quem está aí, amor? – Lillian apareceu na sala, com um dos sorrisos mais magníficos que eu já vira em minha vida.
Quando ela me viu ali, seu sorriso fechou-se imediatamente.
- Eu vou... Lá pra dentro. – Ela entrou correndo, seus cabelos fazendo uma onda castanha no ar.
Eu fiquei sem saber o que fazer por um momento, e meu pai também.
- Char, eu...
- Esquece isso. Eu não vim até aqui por causa dela, e sim por causa de você. Quero saber como você está... Em breve você e os caras estarão em turnê, e eu aposto que não vou te ver por um bom tempo. – Disse eu, firme.
Ele parecia pensativo por um momento.
- Eu sei que não falei com você nesses últimos dias, mas eu queria deixar as coisas esfriarem um pouco... Não sei como agir, não sei o que fazer! Eu estou apaixonado por ela.
Eu fiquei estático. É claro que eu sabia que o que ele sentia por ela tinha que ser algo realmente importante, senão ele não colocaria toda a família em risco por causa disso... Mas ainda assim, entre pensar uma coisa e ouvi-la há uma grande diferença.
Ficamos em silêncio.
- Posso falar com ela? – Eu perguntei de repente. Uma voz lá dentro da minha cabeça, por debaixo de todo o cabelo e da mecha branca, estava perguntando “O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO”?
Mas eu não podia responder, porque eu não sabia.
Meu pai estava tão surpreso quanto eu, e mostrava isso em seu rosto, diferentemente de mim. Eu havia perguntado com tanta casualidade... Ele devia estar achando que eu enlouqueci.
E foi exatamente por isso que ele foi lá dentro e chamou a Lillian. É incrível o que os seres humanos fazem quando são movidos pelo choque.
Os dois reapareceram na sala, eu encarei meu pai e ele foi direto para a cozinha sem dizer nada. Ele parecia estar dormindo de olhos abertos, sem pensar e sem saber o que falar. Tenho certeza que, se ele estivesse realmente consciente, jamais deixaria que eu falasse com ela sozinho. Meu pai sabia como eu era.
E agora a Lillian estava ali, na minha frente. Eu levantei-me.
Nós dois estávamos em silêncio.
- Oi Charlie. – Ela tentou sorrir. Mesmo com a expressão assustada, ela continuava sendo muito bonita para uma mulher mais velha.
- Oi Lillian. – Eu respondi em minha voz de robô. Talvez fosse essa a explicação: alguma coisa em meu caminho do carro até aqui havia me tornado uma espécie de robô.
- Seu pai disse que você queria falar comigo.
Eu pensei por um momento e encarei-a profundamente, com toda a intensidade dos meus olhos. Eu havia visto fazer essa cara algumas vezes, e como nós éramos tão parecidos... Talvez eu conseguisse o mesmo efeito.
E consegui: ela desviou seus grandes olhos castanhos e delicados para o chão.
- Eu só queria te dizer que ninguém quer causar guerra aqui. A não ser que você procure, é claro. – Eu comecei.
- Eu não quero guerra com ninguém. – Ela olhou para mim de novo.
- Que bom. Então estamos todos de acordo. Meu pai está apaixonado por você, e eu não vou deixar que você o machuque como fez com outras pessoas. Podemos ter uma boa convivência, mas o seu limite é bem simples: seus direitos acabam onde começam os da minha família e meus amigos. Se você chegar perto da Suzan, do Mark ou da Halley...
- Eu não vou chegar perto de ninguém, já não sou mais quem eu fui. Estou apaixonada pelo seu pai também. – Ela disse, com toda a sinceridade do mundo.
- Veremos. Eu estou te dando esse recado porque parece que todos são idiotas demais pra isso... Alguém tem que acabar com essa situação, e esse alguém sou eu. Espero que fique tudo bem entre você e meu pai, de verdade. Não me leve a mal, mas eu vou defendê-los a todo custo... Mesmo que o custo seja o seu.
Ela entendeu o que eu disse, e sabia que eu estava falando das pessoas que eu amava.
- Não vou fazer nada, Charlie. Já errei demais em minha vida, e agora só quero ter a chance de ser feliz como qualquer outra pessoa. Vou ficar aqui com seu pai, independentemente do que todos pensem... Mas gostaria muito que você dissesse pra eles que eu não estou atrás de confusão. – Seus olhos estavam tristes.
- Eu digo.
Ela sorriu levemente para mim, e eu retribuí como pude. Não gostava dela, mas parecíamos estar tendo algum tipo de entendimento, pelo menos.
Entrei na cozinha com Lillian logo atrás e sugeri ao meu pai que pedíssemos uma pizza, o que pareceu acordá-lo do transe. Ele não perguntou nada sobre a minha conversa com ela, mas aposto que perguntaria à Lillian depois.
Eu liguei para Halley e pedi para que ela subisse, iríamos os quatro comer juntos.Situação surreal.
Isso parecia ser loucura, mas eu não tinha medo dessa mulher. Não havia razão para sair da casa do meu pai por causa dela, ainda mais com o tempo limitado que eu tinha para conversar com ele.
Se ela não estivesse ali, eu e ele pediríamos uma pizza e conversaríamos até tarde. Então era exatamente isso o que eu ia fazer, com Lillian ou sem Lillian.
Ela e Halley mal falaram enquanto comíamos a pizza: Halley devido ao choque de toda a situação e Lillian devido a nossa conversa.
Quanto a mim? Eu simplesmente ri e conversei com meu pai, saboreando três enormes pedaços de pizza de calabresa.
As coisas começariam a se ajeitar de agora em diante, eu tinha certeza.
Capítulo 53
Semanas depois...
Ela não tirava os olhos da televisão. Não piscava, não se movia, e eu duvidava que estivesse respirando.
A falta que estava fazendo era visível em cada gesto, em cada traço de seu rosto. Ela via a multidão enlouquecida do show através da tela, e eu tinha certeza de que ela desejava ardentemente estar lá, gritando também. Torcendo por ele, como ela sempre fez (mesmo nos anos em que os dois mal se falavam).
- Faltam 10 minutos para eles entrarem, e já estão transmitindo! – Tia Joanna comentou, aflita.
- É um dos shows mais esperados do ano. É o maior que eles já fizeram até hoje. – Minha mãe disse.
- Não sei se essa expectativa está me fazendo bem. São mais de quatro semanas sem o em casa, vendo notícias sobre os shows da nova turnê em todos os jornais... E agora esse show enorme, sendo transmitido ao vivo! – Disse tia Julie, como se não acreditasse.
- É o McFLY de volta. Eu sabia que ia ser isso. – Minha mãe disse.
O show estava sendo realizado em um enorme campo aberto em Knebworth, pois nenhuma arena seria grande o bastante para comportar todas aquelas pessoas (pelo menos não na Inglaterra). Havia gente de todos os tipos e de todas as idades, e eu comecei a me perguntar o motivo de não estarmos lá.
- Por que nós não fomos mesmo? – Eu perguntei. Todos na sala olharam para mim.
- Porque estamos no meio da semana e o show está acontecendo no interior da Inglaterra. Teríamos que viajar para ir. – Disse Mark, como se fosse óbvio.
Eu sabia disso, só estava com raiva por não poder estar lá. Nenhum de nós podia parar a escola ou o trabalho, especialmente no meio da semana. Especialmente Halley, que teria que parar a escola em breve de qualquer forma.
Apertei mais forte a mão dela ao me dar conta disso. Sua barriga estava enorme agora, e teríamos uma consulta no dia seguinte para saber o sexo do bebê.
Poderíamos ter feito isso há muito tempo, mas só havíamos decidido que queríamos saber agora. Acho que nossa curiosidade venceu essa idéia toda da surpresa.
- ELES ESTÃO ENTRANDO! – Suzan deu um pulo do colo de Mark e começou a agitar as mãozinhas para a televisão, interrompendo meu fluxo de pensamentos.
Olhei para a televisão, e lá estava o palco iluminado: enorme, e mesmo assim parecendo tão pequeno em comparação com a multidão gritando logo abaixo. Eles tomaram suas posições de costume, agradeceram a presença de todos e começaram a tocar “One For The Radio”.
Estavam dando tudo de si, seus olhos brilhavam encarando a platéia, suas mãos rápidas voavam pelos instrumentos. Haviam nascido para isso, sem dúvida.
Então eu desviei meus olhos da televisão de volta para a sala, em um choque de realidade: enquanto eles estavam lá, cantando e fazendo o que sabiam fazer de melhor, nós estávamos aqui. Os rostos preocupados e franzidos, a expectativa e o orgulho visíveis em cada olhar.
Minha mãe chorava. As olheiras provocadas pelas noites acordada esperando ligar estavam visíveis em sua pele. Mas ela sempre esperava, porque ele sempre ligava.
- Minha querida, não fique assim. Todas sentimos falta deles. – Tia Joanna levantou-se da poltrona onde estava e sentou-se ao lado de minha mãe e tia Julie no sofá, abraçando-as.
Eu e Mark nos entreolhamos em uma espécie de nostalgia. Lembrávamos vagamente de noites como aquela, com nossos pais em turnê e o resto da família nessa grande expectativa. Eu era mais novo, ele provavelmente lembrava-se disso tudo mais do que eu... Mas havíamos nos desacostumado a sentir isso: esse desespero, esse orgulho e essa saudade. Nossos pais não entravam em turnê há muito tempo.
- Espero que você nunca seja um rockstar. – Halley falou baixo em meu ouvido.
- Não se preocupe. Não vou. – Eu disse, beijando a mão dela.
O show continuou até de madrugada com os maiores sucessos da banda. A última música foi “Five Colors In Her Hair”, como de costume.
Desligamos a televisão e ficamos todos parados por alguns instantes.
- Então, vamos embora. Está tarde. – Tia Julie levantou-se do sofá, assim como tia Joanna, Mark e Suzan.
- Não vou deixar que vocês saiam daqui a essa hora! Temos bastante espaço nessa casa. – Disse minha mãe, enxugando as últimas lágrimas e forçando um sorriso.
- Você tem certeza? Eu e Suzan podemos ficar na casa do Mark ou na casa da Julie para não termos que voltar para Canterbury... – Disse tia Joanna.
- Vocês vão todos ficar aqui. Além do mais, eu vou precisar me distrair amanhã para não morrer de curiosidade enquanto o Char e a Halls não me ligam pra dizer o sexo do meu neto! – Minha mãe disse e todos nós rimos.
Eu e a Halley decidimos ir sozinhos... Queríamos aproveitar o momento juntos. Minha mãe não gostou muito, mas depois aceitou a situação.
- Eu já disse que vou ligar assim que souber! – Revirei os olhos, impaciente.
Minha mãe ficou parada olhando para mim, um leve sorriso brotava no canto de seus lábios.
- Você se parece tanto com o quando revira os olhos assim. – Ela suspirou.
- , o Charlie se parece muito com o em tudo! – Tia Julie disse, rindo.
- É verdade. E ele fala como o . – Tia Joanna disse.
- Pensa como o também, de vez em quando. Nunca me livro desses dois, eles sempre deixam um fiel representante. – Minha mãe brincou.
Os travesseiros e cobertores foram distribuídos e cada um jogou-se em algum lugar da casa para dormir.
Já passava das quatro da manhã, porém eu ainda não havia pregado os olhos. Halley dormia profundamente ao meu lado, encolhida contra o meu peito na cama de solteiro do meu quarto. O perfume de seus cabelos me acalmou um pouco, apesar de eu não entender bem o motivo de estar tão eufórico. Meu coração batia tão alto que estava me deixando quase surdo.
- Charlie? – Eu ouvi minha mãe sussurrar da porta, no escuro.
- O que foi? – Sussurrei de volta.
- Você pode ficar um pouco comigo lá no meu quarto?
Levantar dali sem acordar a Halls seria uma merda. Segurei-a em meus braços e coloquei meu travesseiro cuidadosamente encostado a ela, onde eu deveria estar.
Levantei-me fazendo o mínimo de barulho possível. Esfreguei meus braços nus com as mãos: a noite estava realmente fria, mas eu nunca gostei de dormir de camisa.
Fui até a porta tateando no escuro e esfregando os olhos.
- O que aconteceu? – Eu perguntei, enquanto saía e fechava a porta de leve, causando um baque surdo.
- Não estou bem, Char. Não quero ficar sozinha. – Ela disse, olhando para baixo. Eu não conseguia ver seu rosto: estava escuro demais. Mas algo me dizia que sua expressão estava triste. Eu podia perceber isso pelo som de sua voz.
- Eu vou deitar com você, mãe. – Eu segurei-a pela mão e a conduzi até o quarto, sentindo pequenos tremores emanando dela. Sim, ela estava chorando.
Deitou-se na cama e eu deitei-me ao lado dela. Ela apoiou a cabeça em meu ombro e suspirou, passando os braços por minha cintura.
- Vai me contar o que aconteceu ou vai ficar aí, de bico? – Eu perguntei.
- Eu não estou de bico.
- Aham. E eu nasci por brotamento. – Disse eu, irônico.
- Você não pode simplesmente ficar aqui comigo? Eu não estou me sentindo bem, preciso de uma boa noite de sono. Só isso. Amanhã eu estarei bem. – Ela parecia estar convencendo a si mesma, e não a mim.
Beijei a testa dela e esperei que parasse de soluçar. Não gostava de vê-la assim, era inevitável não sentir uma certa raiva de por isso. E do meu pai também, porque eu sei que ela sentia falta dele. E de tio também, porque ele e minha mãe sempre foram muito próximos. E de tio , porque ela sempre o tratou como se ele fosse um irmão mais novo sem responsabilidade. Era por isso que ela considerava Mark como seu próprio filho.
Era inevitável não sentir raiva de todos eles. Ao mesmo tempo eu sentia orgulho: duas coisas opostas que não são fáceis de lidar.
Percebi que minha mãe havia dormido, podia sentir sua respiração calma em meu pescoço. Puxei a coberta mais para cima por causa do frio.
- ... – Ela suspirou sem abrir os olhos, apertando mais os braços contra mim.
- Não, mãe. – Eu disse com um nó na garganta. – Charlie.
- Nossa, que grande diferença! – Ela resmungou e caiu em sono pesado de novo. Eu ri baixo.
Não tive coragem de deixá-la, mesmo sabendo que ela já estava desacordada. Ela parecia tão vulnerável.
Não que eu não desejasse mais do que tudo estar deitado ao lado da linda futura mamãe ruiva que dormia no outro quarto... Mas ela me parecia ser bem mais forte e decidida do que a que estava em meus braços (pelo menos no momento).
Então eu simplesmente fechei os meus olhos e tentei dormir, mesmo que fosse um sono leve.
O dia já amanhecia e em algumas horas eu receberia a notícia mais importante da minha vida.
Capítulo 54
Abri meus olhos bem devagar. O teto que eu fitava definitivamente não era o do meu quarto.
Lembrei-me vagamente de minha mãe chorando, sussurrando meu nome no escuro. Virei-me para ver se ela ainda estava ali, mas a cama estava vazia.
Minha cabeça latejava como se estivesse fazendo força para que eu me lembrasse de algo importante. Parei um pouco para pensar, estava meio tonto...
Dei um pulo da cama no momento em que a percepção aprofundou-se em meu cérebro como uma facada: era hoje.
Corri até o meu quarto, ouvindo minha própria respiração ofegante no silêncio da casa. Abri a porta.
- Bom dia, Char. – A menina ruiva de olhos amendoados sorriu para mim de cima da minha cama.
- Bom dia, Halls. – Eu sorri de volta. – Minha mãe estava tendo uma crise ontem, então eu fui para o quarto dela... Sinto muito não ter acordado ao seu lado em um dia tão especial.
Halley revirou os olhos e abanou o ar com a mão.
- Não tem problema. Não é como se o bebê fosse nascer nem nada disso... Vamos apenas saber se é menino ou menina.
Enquanto Halley tagarelava, ela já estava de pé, abrindo gavetas, perdida entre blusas e calças, sapatos e a escova de cabelo, sem saber o que vestir.
Em certo ponto, eu parei de prestar atenção no que ela estava dizendo e comecei a reparar apenas nela em si: a camisola de ceda esvoaçando para lá e para cá conforme ela se movia, sua pele clara, o cabelo ruivo e despenteado, os olhos que diziam tudo sem proferir qualquer palavra.
Eu esperava sinceramente que o bebê fosse igual a ela em cada detalhe. Cada detalhe que eu amava, desde os olhos até os dedos dos pés.
- Char, você está prestando atenção no que eu estou dizendo? – Ela perguntou de repente, brava.
- Honestamente? Não. – Eu dei de ombros e sorri, levantando a sobrancelha.
Halley chegou mais perto e beijou de leve minha boca.
- Se veste! – Ela disse, segurando o riso e entrando no banheiro com suas próprias roupas nos braços.
Fiz o que ela disse e depois fui até a cozinha para tentar engolir alguma coisa.
- Bom dia, papai. – Mark estava sentado na mesa da cozinha comendo panquecas.
- Cala a boca, cara. – Eu disse, sentindo a irritação fluir por mim como um choque elétrico.
- Que bicho de mordeu, babaquinha? – Mark franziu a testa.
- Ansiedade, só isso.
- Relaxa, cara. Seu filho pode ser assexuado como você, não se preocupe. – Ele sorriu.
Sentei-me de frente para ele.
- Quer que eu faça uma dessas panquecas pra você? – Mark perguntou já se levantando.
- Não precisa, valeu. Você me conhece: sabe que eu não vou conseguir comer merda nenhuma agora.
- Mesmo assim, não custa tentar. Não quero que você desmaie como uma fêmea quando souber o sexo do bebê. – Disse ele, já pegando a frigideira.
- Ok. – Eu suspirei, agradecido por Mark estar ali.
- Tia saiu hoje de manhã com minha mãe e tia Julie para tomar um café e dar uma volta. Ela estava tão tensa que quase quebrou a promessa e foi para a clínica mais cedo, sem que vocês soubessem.
- Ainda bem que ela tem alguma companhia. Ela não estava nada bem ontem, cara. – Eu passei a mão pelos cabelos e apertei minha nuca, nervoso.
- O que aconteceu? – Mark perguntou, estreitando os olhos e franzindo o cenho. Parecia que eu estava vendo tio na minha frente, com sua típica cara de preocupação.
- Ela me acordou de noite e pediu que eu fosse para o quarto dela. Estava com saudade do , falou o nome dele.
Mark parou por um momento, pensativo, e coçou a nuca.
- Vou falar com ela mais tarde. Não gosto de vê-la assim, Char. Você sabe que eu não gosto.
- Eu também não, cara. Mas não toca no assunto, é melhor deixar para lá.
Mark terminou a panqueca e colocou-a em um prato na minha frente.
- E aquela Lillian, cara? Ela não deu mais sinal de vida desde aquela conversinha amigável que você teve com ela. – Mark disse, parecendo pensativo.
- Deve estar no apartamento do meu pai, ou fora da cidade esperando-o voltar, sei lá. Isso é ótimo: significa que ela entendeu o meu recado.
Ficamos em silêncio por um tempo enquanto eu mordiscava meu café da manhã.
- Já decidiram os nomes? – Perguntou ele de repente, sorrindo.
Sorri instantaneamente.
- Já sim. Se for menino, estamos pensando em Christopher ou David. Se for menina, queríamos Norah, Rachel ou Suzan.
- Norah? Isso é nome de velha! E Suzan, cara? Vocês são tão originais. Por favor, não coloquem Christopher! – Mark disse.
- Então as opções são David e Rachel pra você? – Eu perguntei, rindo.
- Mark é um ótimo nome. – Ele fingiu pensar a respeito e nós dois rimos.
Foi quando Suzan e Halley entraram na cozinha.
- Bom dia! – Suzan jogou-se em meus braços e eu beijei sua testa, colocando-a sentada em meu colo.
- Bom dia, pequena.
- Ela ficou aqui só para falar com a gente antes de irmos. Ela não é maravilhosa? – Halley disse, sorrindo para Suzan.
- Ninguém diz que eu sou maravilhoso por ter ficado aqui. E eu ainda fiz panqueca pro babaca do . – Mark disse.
- Você sabe que é o melhor, Mark! – Halley beijou-lhe o rosto e ele sorriu. – Vamos, Char?
- Você não vai comer nada, Halls? – Eu perguntei.
- Comi quando acordei e depois voltei para o quarto. Agora vamos! – Ela saiu porta a fora, mal terminando a frase.
- Tchau, Char. Não fica nervoso, você parece meio idiota assim. – Suzan sorriu e beijou meu rosto, descendo de meu colo.
- Tchau, irmão. Dê um nome decente ao meu sobrinho! – Mark me abraçou e abriu um sorriso largo.
Saí de casa e entrei no carro da minha mãe, com Halley ao meu lado. Não parecia estar presente em meu próprio corpo enquanto eu dirigia. Só estava consciente de três coisas: a estrada, minhas mãos no volante e o frio na barriga.
- Mark sugeriu David ou Rachel. – Eu disse após alguns segundos.
- São os meus preferidos também. Já está decidido então! – Halley sorriu para mim.
Ficamos o resto do caminho até a clínica em silêncio, imaginando nosso futuro.
David ou Rachel.
- Aqui está a cabeça do bebê. - A médica disse, deslizando o aparelho de ultrasson sobre o gel azul na barriga de Halley. A sala era escura (como de costume), e eu sentia que as paredes estavam se fechando com a minha ansiedade.
Eu olhei para a tela, vendo o bebê pela primeira vez. Fiquei surpreso por conseguir entender o que era e onde estava, visto que nunca entendi as imagens que as pessoas mostravam nos filmes: para mim eram apenas borrões em preto e branco.
Mas ali era diferente.
Olhei para Halley, deitada sobre a cama da clínica, imóvel e com os olhos cheios de água. Ela fazia pequenos círculos com as pontas dos dedos na parte de cima da barriga, e eu pus minha mão sobre a dela.
- Aqui está o pé... – A médica sorriu enquanto mudava o pequeno aparelho de posição, e lentamente eu enxergava um pequeno pé na tela preta e branca.
Halley apertou minha mão com força.
- Aqui está a mão... – A médica continuou a deslizar o aparelho, enquanto novas imagens do meu filho apareciam na tela. Ele estava ali, era tão real quanto eu e a Halley.
A idéia de que ele realmente existia fez com que eu me enchesse de um orgulho que eu não conseguia entender.
- Querem saber se é menino ou menina? – Perguntou a médica, virando-se para nós e repousando o aparelho em seu devido local.
Eu e Halley trocamos um longo olhar, como se estivéssemos decidindo se deveríamos ou não. Hesitamos exatamente como duas crianças prestes a descobrir um segredo fariam.
Nós éramos mesmo apenas crianças.
- Queremos. – Eu pretendia que a minha voz saísse firme, mas não obtive sucesso.
A médica abriu o arquivo que estava perto da máquina de ultrassonografia. Naquelas folhas estavam as informações sobre o bebê, tudo o que eu e Halley precisávamos saber sobre ele ou ela.
Prendi a respiração.
- Meus parabéns, é um menino!
Capítulo 55
- Mal posso acreditar que vou ser avó. – Minha mãe disse, mirando a escuridão do jardim e a noite fria que caía.
- Não se preocupe. Estaremos todos aqui. – Tia Julie pôs a mão no ombro dela e também se virou para encarar o escuro.
As duas estavam sentadas no balanço da varanda, no meio da madrugada. As xícaras de chocolate quente fumegavam, e a fumaça branca fazia desenhos engraçados no ar gelado.
Passou-se um momento de silêncio.
- Lindo o nome que os dois escolheram... Se eu tivesse um filho, esse seria o nome dele. David. – Disse tia Julie, bebericando o chocolate.
Minha mãe olhou para ela, sem realmente ver seu rosto. Uma tristeza a tomou, mas preferiu não dizer nada. O que ela poderia dizer, afinal? “Sinto muito por você não poder ter filhos”? O silêncio era melhor do que isso, com certeza.
As duas respiraram fundo e apertaram os casacos ao redor do corpo.
- Ontem um paparazzi estava tirando fotos minhas na padaria. Não acredito que esse pesadelo vai começar outra vez. – Minha mãe esfregou os dedos nas têmporas.
- O sonho deles mal recomeça, já estamos mais uma vez envolvidas em nossos pesadelos. A casa silenciosa, os fotógrafos no jardim, as matérias nas revistas de fofoca dizendo qual de nós colocou silicone... Nunca pensei que fôssemos passar por tudo isso de novo! – Tia Julie deu uma risada amarga.
- Espero que o meu neto não sofra o que o Charlie sofreu. – Disse minha mãe.
- Ele se acostuma. O Char e o Mark estão vivos, não estão?
- Pois é. Espero que as coisas fiquem mais tranqüilas quando a turnê terminar...
- Quando eles quatro voltarem, temos que aproveitar ao máximo a calmaria. Depois vem o seu casamento, o nascimento do seu neto, e aí ninguém mais tem sossego! – Tia Julie cobriu a boca para não rir alto.
Minha mãe sentiu um frio percorrer a espinha e olhou para a aliança em seu dedo. Sabia como era estar recém-casada com um dos integrantes da banda McFLY... Paz era tudo o que não se tinha.
- Espero poder lidar com isso. – Ela suspirou.
- É claro que pode. Você e o já fizeram um teatro exatamente assim. – Tia Julie sorriu.
- Mas foi diferente. Não nos casamos na igreja, simplesmente fomos ao cartório e eu me mudei pra morar com ele. Além do mais, estávamos só fingindo... Achávamos graça nos fotógrafos e nas especulações, porque era uma falsa vida. Não sei se vou conseguir ser tão paciente dessa vez, começando a minha vida de verdade.
Houve um silêncio.
Tia Julie falou:
- Vou confessar uma coisa... Quando o se ofereceu para fazer isso tudo e assumir a paternidade do Charlie, eu cheguei a pensar que vocês aprenderiam a amar um ao outro e que acabariam juntos. Vocês eram simplesmente perfeitos um para o outro... Sempre tiveram tanto em comum! Pareciam felizes e completos.
- Nunca nos amamos nesse sentido. Mas teríamos sido perfeitos um para o outro, se as coisas houvessem acontecido assim. Podíamos ter tido outros filhos, podíamos ter casado na igreja... Podíamos ter nos apaixonado. – Minha mãe disse pensativa.
- Eu sempre achei que “Falling In Love” era para você. – Tia Julie sorriu. We could have falling in love... Minha mãe cantarolou baixinho.
Era verdade. Podiam ter se apaixonado.
Mas um mundo sem o não fazia sentido.
- Eu sempre fui apaixonada, Julie. Minhas escolhas na vida me trouxeram até aqui, até este momento... Meu filho de 16 anos está lá dentro, dormindo ao lado da namorada grávida. Eu estou prestes a me casar com o homem da minha vida, depois de todas as dificuldades pelas quais passamos. É como se eu estivesse finalmente despertando de um sono muito longo, e percebendo que a minha vida mal começou. – Minha mãe fechou os olhos e sorriu.
- Em breve teremos mais um pequeno correndo por aqui... Já imaginou a cara dele quando souber que é um menino?
- Eu ia ligar hoje de tarde, mas o Charlie disse que quer ligar pra ele amanhã. Acho que ele quer dar a notícia ao pai.
- Aos dois pais. – Tia Julie sorriu.
- Aos quatro.
Alguns dias depois...
- Não vejo ninguém! – Halley apertou os olhos pela multidão.
- Por quantas vezes ainda teremos que passar por isso? – Tia Joanna indagou, passando as mãos nervosamente pelo rosto.
O aeroporto estava cheio de fãs passando para lá e para cá entre a multidão. Olhavam para nós com olhos arregalados, cochichavam e soltavam risinhos agudos e irritantes. Muitas seguravam revistas e CD’s nas mãos, e eu supus que pretendiam chegar perto o suficiente do famoso quarteto para conseguir autógrafos.
Que merda!
- ACHEI O MEU PAI! – Mark deu um berro de felicidade e apontou logo adiante.
As fãs começaram a se agitar e logo uma multidão estava cercando as quatro cabeças que eu mal tive tempo de enxergar.
Olhei para Mark e fuzilei-o com o olhar. Como alguém pode ser tão idiota?
- Bando de parasitas. – Tia Julie resmungou quando os fotógrafos passaram por nós, dirigindo-se ao aglomerado.
- Por que a demora? Eu estou com sono! – Suzan esfregou os olhos com a pequena mão, irritada. Ela sempre acorda mal-humorada, e estávamos ali desde as seis da manhã... Já eram quase nove horas.
Tia Joanna suspirou e pegou-a no colo.
Eu, Mark, Suzan, tia Joanna, tia Julie, minha mãe e Halley estávamos de pé no saguão, esperando a multidão dissipar-se.
Após alguns minutos, os rostos tão conhecidos e esperados estavam caminhando em nossa direção, seus olhos em um misto de saudade e cansaço.
Minha mãe precipitou-se e abraçou com força, quando já estava perto o suficiente.
- Seu idiota! NENHUMA ligação em quatro dias! Você sabe o quanto eu fiquei preocupada? – Ela dava tapas nos ombros dele, e lágrimas de raiva brotavam de seus olhos.
- Me desculpe. – apertou-a contra si e fechou os olhos.
Tia Julie e tio já estavam abraçados um com o outro, e tio estava com Suzan em um dos braços e o outro estava envolvendo a cintura de tia Joanna. Meu pai me abraçou e sorriu, me parabenizando pela notícia sobre David.
- Fiquei muito feliz quando você ligou e nos contou que era um menino... Mal posso esperar para segurá-lo! – Os olhos dele brilhavam de empolgação.
veio em minha direção logo em seguida, abraçando-me.
- Obrigado por me dar um neto! – Ele sorriu, e eu sorri de volta.
- Vai ser o máximo ensiná-lo a tocar! – Meu pai, que ainda estava ao meu lado, começou a sonhar em voz alta.
- Podemos ensiná-lo a jogar futebol! – virou-se para ele, empolgado.
- Podemos ensiná-lo a jogar vídeo game! – Meu pai continuou.
- Vamos assistir desenhos... – disse.
- Acho que o bebê vai ser meio pequeno para isso, pelo menos por enquanto! – Halley sorriu e abraçou os dois.
Tio e tio também vieram parabenizar-me pelo meu futuro filho.
- ! – Minha mãe pulou em cima do meu pai, que gargalhou ao segurá-la.
- É bom ver você também, pequena! – Ele beijou a testa dela.
- Senti tantas saudades! Você ao menos me ligou para dizer a hora que vocês chegavam ao aeroporto. – Minha mãe fuzilou com o olhar.
- Não seja tão rancorosa, . – Tio se meteu na conversa.
- Ela sempre foi brava, desde pequena... Aprendi a andar na linha. – Meu pai bateu continência, fazendo todos rirem.
- Agora quem tem que aprender é o ! – Tio entrou na brincadeira.
- Ok, está tudo muito lindo, o amor está no ar... Mas eu estou com fome e cansado, então nós podemos dar o fora daqui antes que alguma fã maluca apareça e nos coma? – Mark perguntou com um sorriso sarcástico.
Quando estávamos saindo pelo portão do aeroporto, vimos uma figura conhecida parada ao lado de fora, perto de um taxi. O rosto da bela mulher estava endurecido pela expectativa, seus braços estavam apertados ao redor do sobretudo, que tinha a exata cor de seus cabelos castanhos.
Lillian.
Meu pai balbuciou alguma coisa e correu em direção a ela, abraçando-a. Eu quase podia sentir a fumaça sair do corpo da minha mãe.
O silêncio dominou enquanto assistíamos ao reencontro dos dois.
- Gente, nós devíamos saber que isso ia acontecer. – Tia Julie disse, após certo tempo. – Eles estão juntos, é óbvio que ela viria até aqui.
- Ainda assim, continua sendo péssimo. – Minha mãe estava vermelha de raiva.
- Você só está com ciúmes. – Tia Julie ressaltou.
- De que lado você está? – Minha mãe perguntou indignada.
- Agora isso é uma guerra entre você e ela? – Tio ressaltou, franzindo o cenho.
- Eu estou do lado do . Quero que ele seja feliz, e você devia sentir-se envergonhada por não querer o mesmo, depois de tudo o que ele fez por você. – Tia Julie disse friamente.
Minha mãe baixou os olhos, em seguida levantou o queixo e permaneceu em silêncio.
pôs os braços ao redor dela, ao ver como estava nervosa.
- Vamos para casa. – Disse ele.
Acenamos todos para o meu pai e entramos em nossos respectivos carros.
- Será que o vai aparecer para jantar? – Minha mãe perguntou após alguns segundos.
Era uma espécie de tradição antiga: na noite da volta das turnês, sempre havia um jantar lá em casa para comemorar.
- Acho que sim... – Disse , indeciso, enquanto fazia a volta e pegava a estrada principal.
- Gostaria de ter certeza... – Minha mãe comentou.
- Você não pode prendê-lo para sempre, . Não é certo.
Eu e Halley estávamos calados no banco de trás.
Continuamos em silêncio até chegar em casa, onde eu ajudei o com as malas enquanto minha mãe e Halley corriam para dentro por causa da neve que começava a cair.
- ... – Eu o chamei, e ele virou-se para mim a meio caminho da porta.
- O que foi, Char?
- Estou feliz por você estar de volta. – Eu disse coçando a nuca, constrangido.
Ele sorriu para mim.
- Eu também estou feliz por estar de volta.
Paramos na entrada por um momento e contemplamos a casa em silêncio.
- Semana que vem eu estou morando aqui definitivamente. – comentou pensativo.
Coloquei as mãos nos bolsos do casaco, nervoso ao pensar que o casamento estava tão próximo.
Apenas uma semana.
- Eu gostaria de te pedir uma coisa, Char...
- Pode mandar. – Eu tentei falar sem que minha voz tremesse.
- Significaria muito para mim se você estivesse ao meu lado no altar, quando sua mãe entrar na igreja.
Senti meus olhos se embaçarem e, sem conseguir falar, apenas fiz que sim com a cabeça. Já sentia náuseas no estômago, e uma estranha felicidade que eu não podia explicar.
Entramos em casa, sabendo que aquela era a última vez que entrava ali como apenas um visitante.
Capítulo 56
Por que eu estava me sentindo tão patético? A roupa não se parecia nem um pouco com o tipo de coisa que eu usava normalmente.
Me olhei no espelho do quarto, ajeitando a gravata preta pela milésima vez. Eu parecia um grande e desajeitado pingüim.
Não importava o quanto eu passasse a mão no cabelo, ele nunca ficava certo. A palavra “certo” era completamente estranha no meu vocabulário, para ser sincero. Mas todos já sabem disso.
Que merda.
O celular em cima da cômoda vibrou de novo. Eu já sabia quem era, e já sabia o que estaria escrito na mensagem.
Você está atrasado. Não esquece os sapatos da sua mãe, ela não pode entrar na igreja de All Star! xx Halls.
Aquela era a quinta mensagem que a Halley me enviava no dia. O casamento aconteceria na St. Paul’s Cathedral, no centro de Londres... O que significava que demoraríamos um pouco para chegar lá.
Era a catedral mais bonita da cidade, e sem dúvida um ponto histórico. Minha mãe não falou nada sobre as despesas do casamento, mas algo me dizia que ela não se importou em pagar a quantia que fosse para realizar a cerimônia lá.
Além do mais, não é como se dinheiro fosse problema na minha família. Não mesmo.
Eu estava começando a me arrepender de não ter ido de manhã para a catedral com minha mãe e minhas tias. Eu não fui porque não queria ficar rodando que nem um babaca, enquanto elas corriam pra lá e pra cá terminando todos os preparativos. Eu não poderia ajudar em muita coisa, de qualquer forma.
A Halley foi com elas, e meu pai, e meus tios já estavam lá há duas horas. Ou seja: restávamos eu e Mark, e ele disse que passaria aqui para me buscar.
O que deveria ter acontecido há alguns séculos.
Mas o idiota do Mark esqueceu que o carro dele estava quebrado (QUEM ESQUECE QUE O PRÓPRIO CARRO ESTÁ QUEBRADO?), então pedimos o carro de um amigo emprestado.
Esse carro era um fusca verde alface, da época da minha avó. Ou seja: não muito rápido.
Senti calafrios só em imaginar a cara da minha mãe quando eu aparecesse no casamento dela nesse veículo, ainda por cima atrasado. Com os sapatos dela em minhas mãos.
Minha mãe é assim: pensou em tudo para o seu grande dia. Pensou em tantas coisas que se esqueceu do básico: os sapatos.
Conclusão: ela estava vestida de noiva em uma sala da catedral (escondida de todos, é claro) usando All Star. Eu era o príncipe encantado encarregado de levar o sapatinho.
Só que ao invés do cavalo branco, era o fusca verde alface (ou o Mark, tanto faz). E eu não era o cara que estava casando com a princesa.
A campainha tocou e interrompeu meus pensamentos. Pisquei rapidamente, peguei a caixa com os sapatos que estava em cima da minha cama e saí correndo com o celular no bolso.
Abri a porta da frente e parei abruptamente.
O carro era ainda pior do que eu imaginava.
A pintura verde alface estava gasta em algumas partes, os pneus estavam meio murchos e os vidros estavam sujos.
Engoli em seco e caminhei até aquela coisa, abrindo a porta e entrando no banco da frente ao lado de Mark.
- Desculpa a demora. – Ele disse sem tirar as mãos do volante. Sua testa suava, e ele parecia estar tão desconfortável de terno quanto eu.
- Não acredito que vamos aparecer no casamento da minha mãe nisso. – Eu esfreguei os dedos nas têmporas.
- Ninguém mais quis me emprestar o carro. – Mark resmungou. – Está com os malditos sapatos? Meu pai já me ligou umas cem vezes por causa deles!
- Minha mãe deve estar botando todo mundo louco. – Eu disse. – Estão aqui.
Abri a caixa e nós dois vimos um par de sapatos de salto cor creme, com um laço de verniz na frente. No meio do laço, onde fica o nó, havia uma pequena pedrinha que brilhava.
- Sofisticado. – Mark sorriu, acelerando o carro.
Eu ri em resposta, esquecendo um pouco a tensão.
Em 15 minutos entramos na estrada principal e fomos pegos de surpresa pelo engarrafamento.
- Merda! Temos que sair daqui, cara! – Eu disse, afrouxando a gravata. Estava suando e estava nervoso.
- Vou pegar um atalho! – Mark virou o carro abruptamente para a outra pista, na contramão. Várias pessoas buzinaram e gritaram palavrões.
Apertei mais o cinto de segurança e rezei para que não batêssemos em alguém.
- Tem certeza de que vamos chegar ao centro de Londres por esse atalho? – Eu perguntei, percebendo que ainda estávamos no caminho oposto ao do tráfego.
- Não se preocupe. Eu tenho tudo sob controle.
Entramos em uma rua deserta, onde havia uma grande ladeira.
Enorme, na verdade.
- Tem certeza que essa merda vai conseguir subir? – Eu perguntei aflito.
- Vamos ter que tentar! – Mark trocou a marcha e engatou na subida.
Pareceu uma eternidade.
Na metade da ladeira, o carro deu um solavanco e parou.
Começou a andar para trás.
- PORRA MARK, FAZ ALGUMA COISA! PUXA O FREIO, ESTAMOS INDO PARA BAIXO! – Eu gritei desesperado.
- EU ESTOU PUXANDO O FREIO, SEU IDIOTA! – Mark gritou, fazendo força enquanto o carro descia, aumentando a velocidade.
Maldito freio de mão velho!
- VAMOS BATER EM TODO MUNDO LÁ EMBAIXO! VAMOS VIRAR SANDUÍCHE DE METAL! – Eu continuava gritando, me segurando em qualquer coisa.
Foi aí que aconteceu: Mark puxou o freio com força demais, e a alavanca saiu em sua mão.
Minha voz sumiu em desespero. Olhamos um para o outro, e a cara desesperada de tio estava na minha frente.
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHH!
Começamos a gritar, enquanto o carro descia mais rápido e mais violentamente.
- CHARLIE, NÓS VAMOS MORRER! CARALHO, VAMOS MORRER! – Mark soltou o volante e colocou as mãos no rosto.
Eu segurei o volante com a minha mão livre.
- NÃO SOLTA O VOLANTE, SEU CORNO! – Eu disse.
- O QUE VOCÊ ESPERA QUE ELE VÁ FAZER? SE TRANSFORMAR EM UM PÁRA-QUEDAS?
A rua lá fora era apenas um borrão, até que um impacto profundo jogou nossos corpos para frente. Quase batemos no vidro.
Eu me virei com medo de olhar no que tínhamos batido.
Não era possível. Eu não podia ser tão amaldiçoado assim.
Era a viatura da polícia, e eu podia ver através do vidro estraçalhado que o carro havia sido arruinado.
O policial gordo e careca já estava descendo, sua expressão com tanta raiva que me fez querer correr.
Correr... Era um bom plano.
Mark parecia ter pensado a mesma coisa, e me olhou como se perguntasse se devíamos.
- No três. – Eu sussurrei. – Um... Dois... TRÊS!
Saímos os dois do carro, correndo. Isso confundiu o policial, que era apenas um.
Fomos subindo a ladeira, o mais depressa que nossas pernas nos permitiam. Corri com a caixa de sapatos na mão, olhando para trás para ver se Mark estava me acompanhando.
O carro que fosse para o inferno!
Só paramos de correr quando descemos pelo outro lado da ladeira e chegamos a uma esquina deserta, virando duas ruas adiante.
Paramos com as mãos nos joelhos, pegando fôlego.
- Odeio esse seu amigo William e o carro bosta dele. – Eu disse entre lufadas de ar.
- Não se preocupe. Ele não tem mais carro. – Mark sorriu, e eu sorri também.
- Vamos ter que pagar outro para ele. – Eu suspirei.
- Não acredito que vá ser muito caro. – Mark deu de ombros.
Levantamos os olhos para descobrir onde estávamos e mal pudemos acreditar: na frente da catedral.
Começamos a rir desesperadamente.
- Eu disse que conhecia um atalho! – Mark estava satisfeito consigo mesmo.
- Disse mesmo. Você só não acrescentou que precisaríamos quase morrer para chegar aqui.
Entramos na igreja e eu entreguei os sapatos para Mark. Ele os levaria para a sala onde a minha mãe estava.
Eu precisava ir para o altar, onde estava .
Os convidados já estavam todos sentados em seus lugares, e eu atravessei o pavimento evitando chamar a atenção.
estava de terno preto e gravata vinho, mais arrumado do que eu havia visto em toda a minha vida.
- Pensei que você não fosse chegar! – Ele sussurrou nervoso. Sorri ao perceber que o cabelo dele também estava meio bagunçado. - O que aconteceu para demorarem tanto? Você está suando!
Tirei um lenço do terno (essas frescuras vêm com a roupa alugada) e sequei a testa.
- Depois eu conto. O que importa é que eu cheguei, e a Cinderela já está com os sapatos.
Nós dois sorrimos e ficamos em silêncio, pois todos estavam de pé e o padre já estava entrando na igreja.
Capítulo 57
Todos os rostos da catedral eram familiares, mesmo que eu os houvesse visto apenas uma vez em minha vida. Ótimo: não havia imprensa dentro da St. Paul’s Cathedral.
, Julie, e Joanna estavam sentados no primeiro banco (o banco dos padrinhos).
Mark e Halley estavam no banco de trás. Sorriram para mim, encorajando-me.
Ou encorajando , não tenho certeza.
Olhei para Halley e me senti tonto. Ela estava linda: usava um vestido verde-claro de um ombro só, seus cabelos vermelhos estavam presos em um coque frouxo e sua maquiagem estava suave, realçando seus grandes olhos castanhos. As únicas jóias estavam em suas orelhas: duas pequenas esmeraldas, de um verde mais escuro que o vestido.
O fato de estar grávida (praticamente oito meses) não a tornava desengonçada: pelo contrário. Estava perfeita.
Eu não prestava realmente atenção no que acontecia ao meu redor. Tudo parecia ser fruto de um sonho distante, do qual eu acordaria a qualquer momento.
Comecei a esfregar minhas mãos uma na outra, nervoso. Olhei para o com o canto dos olhos e sorri ao perceber que ele estava fazendo o mesmo movimento.
Nada podia dar errado. Não hoje.
Foi então que a música começou e a porta principal da catedral se abriu.
Suzan vinha caminhando na frente, carregando as alianças em uma almofada. Ela era a única dama de honra, e estava parecendo um pequeno anjo em seu vestido branco rodado. Um grande laço rosa claro estava envolto em sua cintura, e uma grinalda de pequenas flores da mesma cor pendia em seus cabelos loiros e curtos. Ela sorria, orgulhosa.
Todos os convidados se viraram, e deixou as mãos penderem ao lado do corpo, impotente. Seus olhos estavam cheios de água.
Toquei rapidamente a mão dele com a ponta de meu dedo e sussurrei:
- Vai ficar tudo bem.
Coloquei-me em uma posição formal, os braços ao lado do corpo. Estava olhando para o tapete vermelho, sem coragem de encará-la...
Até que não agüentei e olhei para frente.
Minha mãe vinha caminhando, de braços dados com o meu pai. Eu nunca havia visto uma mulher tão maravilhosa quanto ela.
Seu vestido branco era longo e de ombros caídos, o que realçava seu pescoço. Sua franja estava presa para trás, e o resto do cabelo caía em suas costas, em forma de pesados cachos. Usava pequenos brincos de pérola, e nas mãos carregava um buquê de rosas vermelhas. A maquiagem era suave, seus olhos brilhavam e ela exibia um enorme sorriso.
Eu não podia dizer ao certo daquela distância, mas meu pai parecia segurar o braço dela com força. Os olhos dele estavam cheios de água, a cabeça estava erguida.
Ele usava um terno cinza escuro, e sua gravata era do mesmo vermelho que as rosas do buquê de minha mãe. Quando olhou para mim, ele sorriu.
Senti uma vontade enorme de correr até lá e abraçá-los. Mas aquele não era o momento. A música continuava fluindo, minha mãe chegava cada vez mais perto do altar.
Ela não tirava os olhos de .
Olhei para o lado, e vi que ele também não tirava os olhos dela.
Os dois sorriam um para o outro, como se apenas eles existissem no mundo inteiro. Como se compartilhassem um segredo que estavam prestes a revelar para todos.
Olhei para o banco dos padrinhos, e sorri ao ver que tia Julie chorava desesperadamente. Tia Joanna não estava longe disso também.
Comecei a imaginar a felicidade que minha mãe e deveriam estar sentindo.
Era isso o que eles sempre quiseram a vida inteira. E eu era parte dessa vida.
Meu pai e minha mãe chegaram ao altar e pararam. Meu pai pegou a mão dela e colocou-a sobre a mão de , apertando as duas entre as suas. Era como se ele estivesse entregando-a ao .
Depois, e minha mãe permaneceram em frente ao padre, e meu pai ficou ao meu lado.
Após a leitura do sermão retirado da Bíblia, os dois fizeram os votos. começou.
- , aceite esta aliança como prova do meu amor. Eu prometo te amar, te respeitar, te honrar e estar ao teu lado sempre e em todas as horas. Quero acordar olhando para você todos os dias, e quero que construamos uma vida juntos para chamar de “nossa”. – Ele sorriu, colocando a aliança no dedo dela e beijando de leve sua mão.
- , aceite esta aliança como prova do meu amor. Eu prometo te amar, te respeitar, te honrar e estar ao teu lado sempre e em todas as horas. Nós compartilhamos uma história juntos, nossas vidas estão entrelaçadas, e sem você eu não sou completa. Quero você ao meu lado em todas as horas, como meu passado, presente e futuro. – Ela colocou a aliança no dedo dele e também beijou sua mão de leve.
Os dois sorriram um para o outro, e as lágrimas escorreram abertamente pelo rosto de minha mãe.
O padre completou os votos, e finalmente os dois repetiram as famosas palavras “eu aceito”.
- Pelo poder investido em mim, eu vos declaro marido e mulher!
Todos na catedral bateram palmas, assoviaram e sorriram para o casal. Meu pai estava chorando ao meu lado, e limpou rapidamente os olhos com a manga do terno. Eu senti as lágrimas quentes escorrendo pelo meu rosto também, e sequei-as antes que aumentassem.
- Minha pequena. – Meu pai falou baixinho para si mesmo.
Sorri para a minha mãe quando ela olhou para mim, e fiz um “eu te amo” mudo com os lábios. Ela me jogou um beijo.
O casal foi saindo pelo tapete vermelho, a multidão seguindo sempre atrás. Mark encontrou-se comigo na metade do caminho, segurando Suzan nos braços. Seus olhos estavam vermelhos.
- O Mark é um fracote! Chorou o tempo inteiro! – Suzan revirou seus grandes olhos azuis.
Mark sorriu para ela e beijou sua pequena mão.
- Mamãe se casou, cara. – Ele olhou para mim, sem acreditar.
- Eles vão ser muito felizes. – Eu disse, sentindo uma pontada no peito.
Mark pôs a mão em meu ombro.
- Todos nós vamos, Char. Todos nós.
Apressamos o passo, pois a chuva de arroz lá fora estava começando e a Suzan estava louca para participar.
Capítulo 58
Eu sou uma merda com esse negócio de dança. Mas o que eu podia fazer, senão dançar valsa com a minha mãe na festa de casamento dela?
Primeiro ela dançou com o , é claro. A música era “You And Me", da banda Lifehouse. Emocionou muita gente (principalmente a Halley, que não parava de chorar um segundo ao meu lado).
And it's you and me and all of the people andI don't know why I can't keep my eyes off of you…
Eu estava meio entorpecido, como se estivesse vendo tudo acontecer de longe... Os dois rodopiavam para lá e para cá, em elegância e harmonia, sem tirar os olhos um do outro e sem errar um só passo. Sorriam como duas crianças.
As luzes da pista de dança eram claras, envolvendo-os e tornando a cena ainda mais bonita para quem estava vendo. Os dois eram apenas perfeitos um para o outro.
Imaginei-os dançando daquele mesmo jeito, porém mais jovens. Imaginei a mecha rosa que minha mãe tinha no cabelo balançando para lá e para cá, em contraste com o seu longo vestido branco.
Foi quando pisquei atordoado, percebendo que todos estavam olhando para mim. Eu havia acabado de ser chamado para dançar com ela.
Baguncei os cabelos, nervoso, e me dirigi para a pista de dança. colocou a mão dela sobre a minha e afastou-se, sorrindo, para nos observar dançando.
Eu engoli em seco. Não sabia exatamente como fazer aquilo, mas havia visto algumas cenas parecidas naqueles filmes ridículos e melosos que a Halley assistia com freqüência. Eu só precisava passar um de meus braços em torno da cintura da minha mãe, enquanto segurava a sua mão com o outro, e fazer alguns passinhos. Não podia ser tão difícil, certo?
Errado.
Ela viu que eu estava nervoso e riu. O som de sua risada estava tão leve, tão solto, que eu ri com ela ao invés de ficar bravo.
Quando me dei conta, estávamos dançando... Simplesmente sendo levados pelo ritmo, aproveitando um momento que era só nosso. “You And Me” ainda tocava ao fundo, e aquele sentimento de perda me invadiu outra vez.
Olhando para ela, tão linda e sorrindo, eu podia ter certeza de que ela estava verdadeiramente feliz. Isso bastava para mim.
Eu sabia que faria parte dessa nova vida, uma vida que era minha também (pelo menos de certa forma). Apesar disso, não podia evitar me sentir como um pai que estava perdendo a sua menininha para um cara.
O que é engraçado, afinal... O filho sou eu!
Nossa dança acabou, e ela dançou com o meu pai.
Não sei como descrever dançando valsa... Mas ver a cena foi hilário. Apesar de estar meio desajeitado, ele lutou para não perder a pose.
Todos os casais foram convidados para a pista logo em seguida, e eu vi de relance tio e tia Julie entrarem dançando ao lado de tio e tia Joanna.
Mark estava TENTANDO dançar com a Suzan, mas o tamanho dela não ajudava muito.
Então eu olhei para a Halley sorrindo e estendi a mão. Ela mirou a minha mão estendida, em seguida me olhou nos olhos e retribuiu o sorriso. Pôs a sua mão na minha, e nós dois também entramos dançando.
Eu só queria aproveitar a festa com a minha família e me divertir.
E foi o que eu fiz, até a noite terminar e minha mãe e saírem da festa direto para a lua-de-mel.
Todos aplaudiram quando os dois se beijaram antes de entrar no carro (que não foi uma limusine, mas sim um New Beetle vermelho. Idéia da minha mãe, claro). Ficamos acenando para eles da grande varanda que havia na frente da casa de festas.
A noite estava linda, a lua estava cheia e milhares de estrelas iluminavam o céu. Parecia estar de dia, e não no meio da madrugada.
Acompanhei o carro com o olhar, até que este virou a esquina e eu o perdi de vista. Antes que isso acontecesse, porém, minha mãe abriu a janela e jogou um beijo para mim.
Então eu soube que ficaria tudo bem.
- Eles devem estar a caminho do Caribe agora... – Tia Julie disse em meio ao silêncio.
A festa já havia acabado. Demorou mais do que eu previa, admito. Eu sei que é tradição que os noivos saiam da festa para a lua de mel e que os convidados continuem festejando, mas mesmo assim... Eu estava exausto.
Tia Julie, tio , tio , tia Joanna, meu pai, Mark, Suzan, Halley e eu éramos os únicos ali (além dos garçons e empregados da casa de festas, que já estavam começando a arrumar o salão).
Na verdade, Suzan não estava exatamente ali com a gente... Estava dormindo no colo de tio , para ser mais exato.
Estávamos sentados em uma das mesas, cansados demais para nos movermos.
Imaginei se minha mãe demoraria muito para chegar ao Caribe. Era um local que ela sempre desejara conhecer, com todas as praias maravilhosas e paisagens espetaculares... era uma romântica incurável, sem dúvidas.
Podia vê-la claramente, sorrindo perto do mar, com seus grandes óculos escuros de abelha e os cabelos ao vento. Sorri sozinho.
Algo me dizia que não era apenas o romantismo do lugar que havia chamado a sua atenção. Aposto que tinha alguma coisa relacionada com o filme “Piratas do Caribe”... Minha mãe era muito fã do Johnny Depp. Mas é claro que, se a curiosidade dela pelo local fosse baseada nisso, ela não diria nada ao .
Ela e queriam que a lua-de-mel fosse especial, em um lugar que nenhum dos dois jamais houvesse ido. Optaram por um lugar quente, já que passávamos frio o ano inteiro (e os dois obviamente já conheciam todos os lugares da Europa, de modo que a tradicional lua-de-mel em Paris estava vetada. Era só pegar o trem).
- Char, vamos para casa? Eu estou realmente cansada. – Halley disse, apoiando a cabeça em meu ombro.
- Vamos. – Eu disse. – Você levanta primeiro.
Ela riu e me deu um tapa leve no braço. Em seguida levantou-se e me puxou.
- Vamos todos, então. Estou morta! – Disse tia Joanna, levantando-se também.
- Eu não sei o que estamos fazendo aqui até agora! – Tio levantou-se, e todo o resto fez o mesmo.
Caminhamos juntos para o estacionamento da casa de festas. Estava quase claro e bastante frio lá fora.
Quando eu estava entrando no carro (sim, o carro me pertencia enquanto minha mãe estivesse fora), Mark puxou meu braço e eu me virei para encará-lo.
Halley já estava sentada no banco da frente, quase dormindo, me esperando.
- Char, você se importa em passar no meu apartamento amanhã? Tem uma coisa que eu preciso de contar. – Disse Mark.
Olhei para ele. Ele parecia estranho, um pouco triste... Talvez até mesmo com medo de alguma coisa.
- Pode deixar, cara. Eu acordo e te ligo.
Pensei na expressão do rosto dele durante todo o caminho para casa, enquanto ouvia a respiração calma e regular de Halley, que dormia ao meu lado.
Eu não fazia a menor idéia do que ele poderia ter para me contar.
Capítulo 59
O Caribe era tudo o que eu sempre havia sonhado e mais um pouco. Sinceramente.
Chegamos ao nosso chalé no final da tarde, quando o sol estava se pondo. Havíamos escolhido um lugar tranqüilo em uma praia afastada, apenas para desfrutar da companhia um do outro.
O carro estava estacionado ali perto, no asfalto. As malas ainda estavam lá dentro, já que insistia em que eu visse onde iríamos ficar antes de qualquer outra coisa.
Ele não parava de dizer isso, desde que descemos do avião.
Eu andava na frente, cambaleando pela areia, e vinha logo atrás de mim, com as mãos cobrindo os meus olhos.
- , eu não consigo ver! – Eu ri, protestando.
- Não é para ver! Só quando eu disser que pode. – Ele riu como uma criança.
- E isso será exatamente quando? – Eu havia acabado de tropeçar em alguma coisa.
- Agora. – sussurrou em meu ouvido, fazendo com que eu me arrepiasse.
Lentamente, ele tirou as mãos dos meus olhos...
E eu perdi o fôlego.
Quando e eu decidimos alugar um chalé ao invés de ficarmos em um hotel, eu imaginei um local simples e aconchegante. Feito de madeira, com apenas um quarto.
Bem, eu não podia estar mais enganada.
O chalé era como uma casa de verão. Uma varanda enorme cercava toda a estrutura, e havia um belo jardim na frente, onde eu podia ver altas palmeiras. As quatro paredes principais da casa eram verde-claras. Todo o resto, com exceção daquelas quatro paredes, era feito de vidro.
As escadas da frente começavam exatamente onde terminava a areia da praia. Foi quando notei que a casa havia sido construída no pé de uma montanha muito alta, coberta de coqueiros.
O céu estava manchado de púrpura, rosa e dourado, enquanto o sol se punha na imensidão do mar atrás de nós.
A paisagem era simplesmente perfeita.
Virei-me de frente para e joguei meus braços ao redor do seu pescoço.
- É tudo tão lindo! – Eu sorri, apertando-o com força.
- Você gostou mesmo? Verdade? Por um momento, eu pensei que havia exagerado e... – Uma enxurrada de palavras começou a sair de sua boca.
A certa altura, eu já não prestava mais atenção no que ele estava dizendo. Ficava reparando em seus olhos, no jeito como ele mexia no cabelo quando estava nervoso, em sua boca...
Concentrei-me nessa parte.
- , será que você pode ficar quieto só um pouquinho?
Ele parou de falar, sorriu e puxou-me mais para perto.
Então, não me contendo por mais nenhum segundo, eu o beijei.
Não ficamos ali por muito tempo, já que estava agitado para me mostrar a casa.
Subimos as escadas e abrimos a porta de vidro da frente.
Lá dentro, tudo era ainda mais bonito. Os móveis eram todos claros, combinando com o estilo da casa. As janelas eram tão grandes que vinham do chão até o teto, e longas cortinas brancas esvoaçavam ao vento da tarde.
- Você pensou em todos os detalhes! – Eu sorri, olhando-o admirada.
Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça.
- Eu queria que fosse tudo perfeito.
A cozinha era logo adiante, toda feita em xadrez preto e branco.
Virei-me para o outro lado e reparei em uma escada branca.
- Quero ver como é lá em cima! – Eu disse curiosa.
- É para lá que eu ia te levar de qualquer forma. – sussurrou em meu ouvido, beijando de leve meu ombro.
Eu não havia percebido sua aproximação repentina. Senti meus joelhos fraquejarem.
- Vamos fazer isso da forma tradicional. – Disse ele, levantando-me em seu colo.
Subimos as escadas e nos deparamos com um curto corredor, no qual havia três portas.
levou-me direto para a porta do final.
Eu a abri e perdi o fôlego outra vez.
Com exceção da parede onde ficava a porta, as outras três paredes do quarto eram feitas de vidro. Havia cortinas brancas como as das janelas, caso precisássemos de privacidade.
No momento, como estavam abertas, o quarto era iluminado pelo dourado do sol lá fora.
O mar estendia-se logo em frente, cintilando.
colocou-me delicadamente em cima da grande cama de marfim, no centro do quarto.
- O que achou? – Perguntou ele, sorrindo.
- É lindo. – Eu disse, sem conseguir desviar os meus olhos da paisagem.
Mas logo desviei.
estava em cima da cama, empurrando-me levemente para trás, até que eu estava totalmente deitada e ele por cima de mim.
Passei meus braços ao redor de seu pescoço e ele envolveu minha cintura.
O beijo começou bem leve, e depois foi se intensificando. As mãos dele passeavam pela minha cintura, levantando minha blusa.
Eu voltei minhas mãos para a gola de sua camisa e comecei a desabotoá-la.
Fiquei feliz por ser o fim do dia e não haver ninguém na praia...
Nenhum de nós dois se preocupou em fechar as cortinas.
Capítulo 60
Minha mãe já deu o depoimento dela, acho que podemos voltar de onde a MINHA história havia parado.
- E então, sobre o que você queria falar? – Eu perguntei, esparramado no sofá do apartamento de Mark.
Era o dia seguinte ao dia da festa de casamento, e estávamos ambos com a cara inchada e cansados.
Mark parecia meio frustrado. Andava de um lado para o outro na sala, mexendo nervosamente no cabelo.
- Eu andei procurando alguma coisa sobre faculdades faz algum tempo... – Ele começou, apreensivo.
- Você? Faculdades? – Eu franzi o cenho, confuso.
- Eu sei que isso vai parecer estranho, cara. Mas eu realmente quero ser médico.
Eu senti que estava de boca aberta. Era mesmo o Mark, filho do , parado ali na minha frente?
Como eu não me encontrava capaz de falar, ele continuou.
- Eu preferi não dizer nada a ninguém, até ter certeza de que era isso o que eu realmente queria. Fiz algumas provas, só para ver como a coisa funciona. E bom...
- E o quê? Você passou para alguma? – Eu perguntei, sem conseguir conter meu espanto. Não que Mark fosse um cara burro, pelo contrário... Ele só não era o tipo de cara que freqüentava a faculdade.
- Passei sim.
Eu fiquei ali olhando para ele.
Foi então que a ficha caiu.
- PARABÉNS, CARA! – Eu levantei-me do sofá e o abracei, batendo em suas costas com força. Soltei-o logo em seguida, praticamente pulando de alegria.
- Espera só até a tia Joanna saber que você... – Minha frase ficou pela metade.
Eu olhei para Mark, e sua expressão não era de alegria.
- O que foi?
Ele me encarou.
- Eu passei para uma faculdade na Austrália. No estado de Victoria, para ser mais exato. – Disse ele.
Fiquei ali parado. Não podia acreditar naquilo.
- A faculdade fica na cidade de Melbourne, que é a segunda maior cidade da Austrália. Eu não posso perder essa oportunidade, entende? – Ele começou a parecer desesperado.
- Quando você vai? – Minha voz saiu rouca.
- Melbourne é uma cidade ótima! É um pouco menor que Sydney em população, mas é maior em extenção. Cerca de quatro milhões e meio de habitantes. Vocês vão poder me visitar sempre que quiserem e...
- Mark, quando você vai? – Eu perguntei outra vez.
Ele engoliu em seco.
- O semestre começa daqui a um mês e meio.
Continuei ali, piscando.
Era informação demais para ser absorvida tão depressa.
- Então pelo menos você vai ver o seu sobrinho nascer antes de ir. – Disse eu, tentando sorrir.
Mark arregalou os olhos para mim.
- Eu vou ser mesmo o padrinho do David?
Eu franzi o cenho para ele, fingindo indignação.
- E quem mais seria? O bozo?
Mark pulou em cima de mim e começou a me dar cascudos. Depois me abraçou, mal contendo a felicidade.
- Eu vou ser padrinho do David! Eu vou ser padrinho do David! – Ele não parava de repetir.
- E a Suzan vai ser a madrinha. – Disse eu.
Mark parou e olhou para mim, sorrindo de forma triste.
- Tenho certeza de que ela vai adorar isso. – Ele suspirou.
Então eu percebi qual era o problema.
Ele estava pensando em como seria quando ele tivesse que ficar longe dela.
- Espero que os seus colegas de quarto no campus da faculdade não se incomodem com visitas familiares freqüentes. Tenho certeza de que tio , tia Joanna e Suzan vão aparecer lá muitas vezes. – Eu disse, tentando animá-lo.
- Você acha mesmo? – Ele olhou para mim, e eu vi que seus olhos estavam cheios de água.
Subitamente, entrei em desespero. Mark estava chorando? Mark, o meu melhor amigo?
- É claro que eu acho! Eu, a Halley e o David também vamos aparecer bastante. Ou você acha que meu filho vai ficar tanto tempo sem ver o padrinho?
Ele sorriu. Estava lutando para não deixar as lágrimas caírem, eu podia perceber.
- Será que a vai também? – Perguntou ele.
Agora as lágrimas rolaram.
Eu não sabia o que fazer. Não estava acostumado com aquilo!
Minha mãe significava muito para o Mark, eu sabia disso. Muito mais do que a própria tia Joanna, por questões óbvias. Foi minha mãe que esteve ao lado dele durante todos esses anos, desde que seu primeiro dente de leite caiu até quando teve sua primeira namorada.
Ela era a mãe dele também, eu sabia disso.
- Claro que sim! Ela não vai deixar de visitar o filho preferido dela.
Mark riu e enxugou as lágrimas.
- Obrigado, Char.
Eu fiquei sem graça.
- Agora anda, seu viadinho. Vamos pegar a Halley e almoçar em algum restaurante por aí. Ela deve estar morrendo de fome e de mau humor! – Eu disse.
- Como se você não estivesse com fome também! Você come feito um boi, babaca!
Então nós dois saímos do apartamento e fomos passar mais um dia sem preocupações.
Eu prometi a mim mesmo que não pensaria no pouco tempo que tínhamos, todos juntos.
Pelo menos por hoje.
Capítulo 61Algum tempo depois...
Aconteceu de repente. Sem aviso prévio, simples assim.
O pior de tudo era que eu estava sozinho em casa, com a Halley.
Depois que o e minha mãe voltaram da lua de mel, os dois estavam um pouco insuportáveis. Geralmente os recém-casados se comportam assim, como se não houvesse mais ninguém ao redor.
Podem imaginar como estava sendo morar na mesma casa que os dois, não é?
Mas eu estava feliz, de certa forma.
E então aconteceu. Na única noite em que os dois não estavam por perto para ajudar.
Estávamos assistindo “O Ilusionista” (outra vez), quando de repente Halley apertou minha mão com tanta força que senti todas as minhas juntas protestarem.
- Você sabe que ele não morreu de verdade. Pelo amor de Deus, já é a centésima vez que estamos assistindo isso! – Eu revirei os olhos impacientemente.
- Charlie.
Eu gelei. Ela havia acabado de me chamar de Charlie? Alguma coisa estava errada. MUITO errada.
Eu tirei os olhos da tela para encará-la.
- O que foi que aconte...
Minha voz morreu.
Halley continuava apertando a minha mão, enquanto segurava firmemente o ventre com a outra. Seus jeans estavam molhados.
A bolsa. Meu cérebro se recusava a processar essa informação.
QUE MERDA!
- Fica calma. Calma. Vou ligar para alguém e... – Eu estava suando frio. Eu tinha apenas 16 anos, o que deveria fazer?
- Eu estou calma. Muito calma. – A voz dela tremia.
Pulei do sofá em um salto e corri até o meu quarto. Peguei uma mala de viagem e enfiei dentro dela tudo o que Halley poderia precisar enquanto estivesse no hospital: escova de dentes, roupas limpas, sabonete antibacteriano... Tudo mesmo.
Agarrei o telefone e disquei depressa o número que eu já sabia de cor.
- Alô? – Ouvi a voz sonolenta do meu pai do outro lado da linha.
- Oi pai. Estou com problemas.
- O que houve? – Agora parecia mais que acordado.
- A bolsa da Halls estourou. Minha mãe e o foram jantar na casa dos meus avós... – de repente eu surtei – NÃO SEI O QUE FAZER!
- PORRA! EU ESTOU INDO! MEU NETO VAI NASCER!
O barulho do telefone desligado.
Pelas últimas palavras do meu pai, eu não sabia dizer se ele estava feliz ou triste. Me ocorreu que eu não tinha tempo para analisar a situação.
Pensei em ligar para a minha mãe e para o , mas podia fazer isso no caminho. Já havia conseguido alguém para me ajudar, e era isso o que importava naquele momento.
Respirei fundo, pus a mala sobre o ombro e saí correndo do quarto com as chaves do carro na mão.
Quando consegui falar com a minha mãe, já estávamos quase chegando ao hospital. Halley estava deitada no banco de trás, suando frio e fazendo sons de dor de vez em quando.
deveria ter arrebentado as cordas vocais, sem dúvidas. O grito desesperado que ela soltou deixou meu ouvido zumbindo.
- EU ESTOU INDO, CHAR! MAMÃE JÁ VAI CHEGAR!
Outra vez, o barulho insuportável do telefone sendo desligado. Mamãe já vai chegar? Na última vez em que ela havia me dito isso, eu tinha seis anos de idade e estava sozinho em casa, chorando por ter furado o dedo enquanto brincava com o grampeador de papel.
- Onde... ela... está? – Halley disse com dificuldade.
- A caminho. – Eu respondi. Não podia falar muito, ou ela perceberia que a minha voz estava tremendo. Precisava passar confiança.
- Que... bom... saber.
Eu apertava o volante com tanta força que os nós dos meus dedos estavam ficando brancos.
Um cara qualquer me cortou no trânsito, saindo do meio do nada.
- CUIDADO, SEU ESCROTO! TEM UMA MULHER GRÁVIDA NO CARRO! – Eu abri a janela, vociferando.
- EU SEI! ESTOU OLHANDO PARA ELA! – Ele gritou de volta, rindo e me mostrando o dedo médio.
- Vou matar esse babaca. – Eu cravei meus olhos nele, e já estava quase parando o carro quando me lembrei de que coisas mais importantes do que brigar requeriam a minha atenção.
Minha namorada dando a luz no banco de trás do carro, por exemplo.
- Esquece... Char... O David...
Eu meti o pé no acelerador.
Quando chegamos ao hospital, meu pai, minha mãe, e Mark já estavam lá na recepção.
Caminhei até eles o mais rápido que pude, já que o peso de Halley estava todo sobre o lado direito do meu corpo.
- Mark? - Eu estava realmente feliz em vê-lo.
Já ele, não parecia assim tão feliz em me ver.
- MEU SOBRINHO VAI NASCER, E VOCÊ NEM ME DÁ UM TELEFONEMA?
- Eu não tive tempo nem de pensar direito, cara! – Me defendi, com raiva. Não ia começar a brigar com o meu melhor amigo no meio do hospital.
- O que importa é que você está aqui, querido! E os outros já estão chegando. – Minha mãe segurou o braço de Mark e lançou-lhe um olhar severo.
Depois virou-se para mim e puxou-me em um grande abraço.
- Meu filhinho... – Ela estava chorando agora.
- , não temos tempo... – Meu pai começou a dizer educadamente.
- Eu sei! – Ela disse, enxugando os olhos. Sorriu para Halley, que estava com o braço apoiado em meus ombros.
Ela até tentou sorrir de volta, mas não conseguiu.
- Char... Acho que eu... – As pernas dela fraquejaram. Eu não conseguia segurá-la sozinho.
, que estava parado no canto com cara de assustado, correu até nós e segurou o outro lado de Halley.
- Temos que levantá-la, ela não pode ficar em pé. – Disse ele, tentando se passar por calmo.
Então nós dois a estendemos para o lado, um de cada lado.
- Precisamos falar com a recepcionista! – Meu pai correu até o balcão, seguido por mim e por , que carregávamos Halley (com esforço, diga-se de passagem). Minha mãe e Mark vinham logo atrás, cochichando nervosamente.
Meu pai estava falando de forma insistente com a recepcionista. Parecia alterado.
Eu estava entorpecido. Por mais que me esforçasse, não conseguia me focar no que eles estavam dizendo. Pareciam tão distantes.
Era algo sobre não termos formulário de preenchimento e nem reserva.
Foi quando minha mãe ficou furiosa.
- ESCUTE AQUI, MOCINHA! – Ela apontou o dedo na cara da recepcionista, que arregalou os olhos – O MEU NETO NÃO VAI NASCER NO CORREDOR IMUNDO DESSA ESPELUNCA! OU VOCÊ ARRANJA UM QUARTO PARA NÓS AGORA MESMO, OU AMANHÃ ESSA MERDA VAI ESTAR FECHADA! ENTENDEU, SUA NOJENTA, OU QUER QUE EU FALE MAIS DEVAGAR?
Todos na recepção estavam nos encarando.
A “espelunca” era simplesmente o hospital mais caro e famoso de Londres. Mas quando está nervosa, ela tem esse dom de transformar as coisas e adequá-las ao seu ponto de vista.
- Por aqui, senhora. – A recepcionista baixou os olhos e nos conduziu hospital adentro.
sorriu, olhando para minha mãe de forma apaixonada, como se ela fosse a sua heroína.
Acho que nunca vou entender aquilo. Ela me parecia assustadora.
Subimos por um elevador enorme até o terceiro andar.
Dois enfermeiros chegaram e nos ajudaram a colocar a Halley deitada em uma maca.
Um médico se materializou na minha frente e apertou a minha mão. Tinha olhos muito verdes e profundos, cabelos pretos e desalinhados. Parecia extremamente jovem.
- Sou o doutor Sebastian, e farei o parto do seu bebê.
Foi quando o torpor passou e eu comecei a entrar em pânico. Minhas mãos suavam e eu podia sentir minha pulsação por todo o corpo.
Entrei no quarto ao lado da maca, segurando com força a mão de Halley.
Capítulo 62
Halley fazia força. As contrações aumentavam.
- Agora, empurre com força. – Disse o doutor Sebastian, com toda a calma do mundo.
Olhei para ele com raiva. Aquela calma exagerada estava começando a me irritar.
Halley apertou minha mão e gritou.
Eu senti que podia vomitar a qualquer momento.
Minha mãe pôs a mão em meu ombro, em um gesto silencioso de solidariedade.
Sorri para ela, feliz por tê-la ao meu lado. Só duas pessoas poderiam entrar na sala do parto: o pai da criança (esse sou eu) e um acompanhante escolhido.
Ninguém ousou confrontar , é claro.
- Quase lá. – Disse Sebastian, seus olhos verdes ficando mais aguçados conforme ele se preparava para puxar o meu filho para fora.
- Vamos, minha querida... Agora falta pouco! – Minha mãe acariciou a testa da Halley, jogando para trás seus cabelos suados que estavam grudados no rosto.
Eu tentei sorrir para ela.
Foi então que, com um último grito, Halley conseguiu.
O choro de David encheu a sala, e eu fechei os olhos em um agradecimento silencioso. Meu filho estava bem!
A enfermeira embrulhou o bebê em uma toalha branca enquanto o doutor Sebastian cortava o cordão umbilical.
- Meus parabéns, ele é perfeito. – Disse a enfermeira, sorrindo e colocando David nos braços de Halley.
- Tão pequeno... – Halley beijou a testa de David.
Depois de alguns minutos, ele parou de chorar. Parecia com sono.
Eu me aproximei devagar.
Foi então que, pela primeira vez, eu vi o meu filho.
Algum resíduo hospitalar devia ter caído em meu olho, porque de repente eu comecei a piscar muito.
- Quer segurá-lo?
Olhei para Halley, vacilante. Ela me tranqüilizou com um grande sorriso, molhado de lágrimas.
Estendi os meus braços e segurei David desajeitadamente.
Minha mãe correu e pôs a mão debaixo da cabecinha dele, como se tivesse medo de que eu fosse deixá-lo cair a qualquer momento.
- Oi David. – Eu sussurrei.
Não que eu esperasse que o bebê me respondesse. Mesmo assim, senti uma vontade irrefreável de falar com ele. Queria que ele ouvisse minha voz, que soubesse quem eu era.
Pelos poucos fios de cabelo que David tinha, eu podia ver que ele era ruivo como a mãe.
Ele levantou as pálpebras bem devagar.
Então eu vi os meus olhos (os olhos do ) me encarando de volta.
Minha mãe suspirou pesadamente.
- Por que será que esses olhos me perseguem? – Disse ela, com a voz embargada de emoção.
Olhei para ela, e percebi o quanto ela queria segurá-lo. Passei-o para os seus braços.
Ela chorou baixinho.
- Meu netinho lindo...
- Acho que eu deveria chamar o Mark. Afinal de contas, ele é o padrinho. – Disse eu, relutante em sair do quarto.
- Faça isso, querido.
Eu saí pela porta e corri até a sala de espera, onde encontrei toda a minha família reunida. Tio , tia Julie, tio , tia Joanna, Suzan, Mark e os pais da Halley estavam lá.
Todos olharam para mim com ansiedade.
- David Williams acaba de nascer. – Disse eu, sorrindo.
Todos se levantaram e começaram a falar ao mesmo tempo, comemorando e discutindo para decidir quem seria o primeiro a entrar e ver o bebê. A confusão foi tamanha que eu até me esqueci de que havia ido até ali para chamar o Mark!
Duas enfermeiras vieram brigar conosco por causa do barulho, o que foi bem embaraçoso se tratando de adultos.
- Vocês são tão patéticos. Estamos em um hospital! – Suzan disse, revirando seus grandes olhos azuis.
Todos ficaram em silêncio, segurando o riso.
Foi quando eu tive uma idéia. Ajoelhei-me na frente de Suzan, ficando da mesma altura que ela.
- Suz, posso te pedir um favor?
- É claro que pode, cabeça de mamão. – Ela sorriu.
- Quer ser a madrinha do meu filho?
Suzan abriu a boca em um pequeno “o”. Depois sorriu e jogou os braços ao redor do meu pescoço.
- Acho que isso foi um sim. – Eu sorri e olhei para Mark, que parecia estar transbordando de orgulho.
Por fim ficou decidido que meu pai, os pais da Halley e seriam os primeiros a entrar.
David foi bajulado pelo resto do dia.
Era impossível que alguém ali estivesse mais feliz do que eu.
Eu estava sentado na poltrona bege, observando enquanto Halley dormia na cama do hospital.
Seus cabelos cor de fogo estavam bagunçados e emaranhados, ela estava pálida e tinha olheiras profundas sob os olhos. Sua respiração estava pesada e irregular, como a de alguém que acabou de passar por um grande esforço físico.
Para mim, ela nunca estivera tão linda.
Olhei para o relógio acima da porta. Três horas da manhã.
Levantei-me pesadamente da poltrona e saí do quarto.
Caminhei pelo corredor vazio e silencioso até a sala de espera, onde encontrei minha mãe, meu pai e Mark adormecidos no sofá azul.
Meu pai estava com a cabeça caída para trás, minha mãe estava apoiada em seu ombro e Mark estava com a cabeça deitada no colo dela e metade do corpo para fora do sofá.
Após terem a chance de segurar o David, todos haviam ido embora, vencidos pelo cansaço. O pai da Halley ainda estava sob observação médica, por causa dos ataques cardíacos no começo do ano, o que significava que ele precisava descansar bastante.
Martha queria ficar, mas eu disse a ela para ir embora e descansar. Ela parecia um caco.
Por fim, apenas minha mãe, meu pai, e Mark haviam ficado no hospital.
Foi então que eu percebi... Onde estava o ?
Desci o elevador, peguei mais um cappuccino na máquina de café e caminhei até o berçário, onde poderia ver o David.
Quando cheguei lá, encontrei o parado, olhando para as incubadoras através do vidro. Um pequeno sorriso brincava em seus lábios.
- Oi .
Ele virou-se assustado, como se eu houvesse acabado de acordá-lo de um transe.
- Oi Char. – Ele abriu um enorme sorriso, que eu retribuí com facilidade.
Aproximei-me e fiquei ao seu lado, observando todos aqueles bebês.
- Onde está o David? – Perguntei, procurando pelas fileiras de incubadoras.
- Bem ali. – apontou para a primeira incubadora na fileira três.
Lá estava o meu filho, com os olhos bem abertos, balançando os pequeninos pés no ar. Começou a chorar.
Parecia inquieto e irritado.
- Ele é o único recém-nascido do hospital que não dorme. – Disse , rindo.
Observei os outros bebês, e percebi que estava certo. Todas as crianças estavam dormindo, mesmo que fosse um sono agitado.
Menos o David.
- Há quanto tempo você está aqui, olhando-o? – Eu perguntei.
- Ahn... Já faz algum tempo. – deu de ombros, baixando os olhos. Parecia envergonhado.
Encarei-o abertamente. Seus olhos estavam vermelhos de cansaço, ele passava o peso do corpo de uma perna para a outra com freqüência... Como se estivesse ali de pé há horas.
- Acho que você deveria descansar. – Disse eu.
- Não preciso descansar. Só quero... Só quero ficar aqui olhando o David.
Sorri para ele.
Houve um curto silêncio.
- Obrigado por estar aqui, pai.
Mal percebi o que eu havia dito. Só reparei que havia dito algo de diferente quando se virou subitamente para me encarar, assustado.
Então eu entendi. Eu havia acabado de dizer a palavra, aquela que ele sempre quisera ouvir. desviou o olhar de mim, com um sorriso bobo e os olhos cheios de água.
Eu sorri também. Não precisávamos dizer mais nada.
Capítulo 63
Como se termina uma história que, na verdade, ainda não terminou?
Sinto muito dizer que nem tudo foi um mar de rosas no fim das contas.
As primeiras semanas com o David foram as melhores e as piores de toda a minha vida, se é que isso é possível. Mal dormíamos durante a noite, tínhamos que levá-lo ao pediatra com freqüência, vigiá-lo o tempo todo para que ele não caísse do berço (David era um bebê realmente agitado), entre outras coisas que me deixavam exausto.
A partida de Mark para Melbourne aconteceu pouco tempo depois, e foi uma das coisas mais difíceis pelas quais já passei em minha vida. É com muita vergonha que admito: não fui levá-lo ao aeroporto. Não consegui. Todos da minha família foram (inclusive a Halley), menos eu. Fiquei em casa com o David, tentando manter minha mente afastada do fato de que meu melhor amigo (meu irmão) estava indo para a Austrália, e eu não sabia quando nos veríamos novamente.
Minha mãe voltou para casa chorando naquele dia, o que foi difícil de ignorar. Para ela, era como se um filho estivesse indo embora.
Halley brigou comigo, me chamou de covarde.
Que se dane, foi o que eu pensei.
Felizmente, essa fase passou depressa. Mark nos ligava com freqüência, e não parecia estar chateado pelo fato de eu não ter me despedido dele. Acho que ele teria feito a mesma coisa, se fosse o contrário.
As semanas se passaram, e os meses... Halley e eu, com muito sacrifício, conseguimos terminar a escola. Minhas notas foram terríveis, mas não era isso o que importava.
O importante era que eu havia conseguido.
O único problema de se realizar um sonho é que, quando isso acontece, você começa a sonhar mais alto.
Foi exatamente assim comigo.
Depois que terminamos a escola, eu e Halley queríamos exercer alguma profissão. Eu não queria viver nas costas da minha mãe e do para sempre.
Como Halley sempre fora uma aluna brilhante, não fiquei surpreso quando a carta de admissão com o selo de Cambridge chegou lá em casa. Ela havia entrado em uma das melhores faculdades de toda a Inglaterra! Halls seria uma jornalista brilhante, eu tinha certeza.
Não pude deixar de me sentir um pouco minimizado. Fiz todas as entrevistas possíveis, e nunca acreditei realmente que passaria para alguma faculdade (qualquer que fosse).
Imaginem a minha surpresa quando a carta de admissão de Oxford chegou lá em casa. Eu estava prestes a me tornar um engenheiro!
Fizemos um jantar para todos da família, em comemoração ao meu futuro e ao de Halley. Minha mãe estava tão feliz que nem se incomodou com a presença da Lillian dentro de nossa própria casa.
Eu e Halley percebemos o quanto éramos jovens, o quanto ainda tínhamos para viver. Por isso, não estávamos exatamente com pressa para começar uma vida juntos.
Nossas faculdades ficavam distantes, e por isso decidimos que ela e David deveriam se mudar para um apartamento mais próximo a Cambridge. Minha mãe não gostou da idéia, mas aceitou com relutância quando Halley prometeu que levaria o David para nos visitar todos os fins de semana.
Já que eu morava no centro de Londres, Oxford era perto de casa. A única dificuldade era estar um pouco longe do meu filho (e da Halls, é claro).
Apesar do horário apertado que eu enfrentava na faculdade, dirigia até Cambridge de vez em quando para passar algum tempo com o David. Na maioria das vezes ele estava com a babá que Halley havia contratado, já que ela saía ainda mais tarde do que eu da faculdade.
Nosso relacionamento era um pouco... Estranho. Saímos com outras pessoas várias vezes, porque concordávamos que éramos muito jovens. Brigamos muitas e muitas vezes por ciúme, apesar do nosso “acordo”.
Olho para trás e vejo que aquilo foi uma grande perda de tempo. Ambos sabíamos que pertencíamos um ao outro, e mesmo assim discutíamos e nos machucávamos.
David percebia.
Minha vida continuou essa loucura durante a faculdade.
Não caia da cadeira: depois de dois anos, eu já havia terminado de cursar a primeira parte de quase todas as matérias!
A campainha tocou outra vez.
Corri para atender. Era tia Julie e tio .
- Vocês estão atrasados. – Eu disse, sorrindo.
- Sua tia demorou para se arrumar. – Tio revirou os olhos, abraçando-me logo em seguida.
- Meu querido! – Tia Julie também me abraçou.
- Entrem! Meu pai e tio já estão na churrasqueira. – Disse eu.
Foi só eu dizer isso e os dois entraram pela porta, correndo como duas crianças.
“Tio e tia Julie nunca vão mudar”, eu pensei, sorrindo sozinho.
Eu, por outro lado, havia mudado.
Psicologicamente, eu havia amadurecido e aprendido muito nos últimos tempos.
Fisicamente, eu estava muito mais alto, meu cabelo estava um pouco maior e ainda mais desalinhado do que antes. Eu já não tinha mais o piercing no lábio inferior ou a mecha branca na franja.
Não sei o motivo, mas simplesmente me cansei deles. Eu queria parecer mais sério para conseguir um emprego.
Se antes eu já era muito parecido com o , agora a semelhança era absurda.
Apesar dos poucos cabelos grisalhos e linhas de expressão no rosto, continuava o mesmo de sempre.
Assim como a minha mãe, que parecia estar cada vez mais bonita conforme os anos se passavam. Era uma beleza madura, diferente.
O único que havia engordado um pouco com a idade era o tio .Isso não me surpreendeu, já que tia Joanna cozinhava muito bem.
Meu pai e Lillian continuavam morando juntos, e todos nós tivemos que aceitá-la. Não foi tão difícil assim, admito.
Suzan estava enorme. É incrível o quanto uma criança pode crescer em apenas dois anos! Seus ombros já começavam a passar da minha cintura, seus cabelos loiros estavam compridos, e seus olhos azuis mais inteligentes.
Ela havia furado as orelhas para poder usar brincos. Estava muito orgulhosa de si mesma.
Caminhei de volta em direção ao quintal dos fundos, onde ficava a churrasqueira e a piscina. Estávamos em mais uma de nossas reuniões de família.
- Char, vem aqui comer agora! Antes que o Mark acabe com a carne! – Minha mãe gritou da mesa.
Mark estava lutando com ela por um prato cheio de comida.
- Parem com isso, vocês dois! – Meu pai ralhou.
- Vão acabar se machucando. – se juntou a ele.
- Seu doutorzinho de merda, eu também quero comer! – Eu disse, entrando na briga.
- Doutorzinho de merda? Vou ser um excelente médico quando me formar, tenho minha própria casa na Austrália, tenho namorada... O único merda aqui é você! – Mark disse, rindo.
- Falando na mulher invisível, quando vamos conhecê-la? – Minha mãe perguntou, ofegando e desviando-se dos braços de Mark.
- De invisível ela não tem nada! – Mark deu um sorriso safado e levou um tapa na nuca de tia Joanna, que estava passando por trás de nós.
A campainha tocou mais uma vez. Paramos com a brincadeira.
- Eu já atendi a porta várias vezes. – Disse eu, sentando-me depressa na cadeira mais próxima.
- Eu sou visita! Vou embora quando as férias terminarem. – Mark correu e se sentou também.
- Você não é visita coisa nenhuma! Isso é só uma desculpa pra não atender a porta. – Minha mãe resmungou, parecendo furiosa.
- Eu vou! – Tia Joanna suspirou.
Aproveitei que Mark estava distraído e peguei o prato que a minha mãe havia largado em cima da mesa.
Quando eu estava prestes a morder o primeiro pedaço de carne, ouvi a voz do David. Capítulo 64
- PAAAAIÊÊÊ! – Ele vinha correndo, tropeçando em suas perninhas curtas.
Observei-o vindo em minha direção. Seus cabelos ruivos, apesar de lisos, terminavam em pequenos cachos nas pontas. Seus olhos inocentes e idênticos aos meus observavam tudo ao redor, o que me levava a crer que David entendia muito mais do que era capaz de dizer (não conhecia muitas palavras, afinal tinha apenas dois anos).
Ele olhou para mim e abriu um sorriso, mostrando duas covinhas em cada lado das bochechas rosadas.
- Que saudade de você! – Eu disse, pegando-o no colo e abraçando-o com força.
- Aaaai paiê! – Ele começou a sacudir os pés, querendo voltar para o chão. Eu devia estar sufocando-o.
Depois que falou comigo, David correu para os braços da minha mãe.
- Meu amor! – Ela jogou-o para cima e começou a beijar cada centímetro do seu rosto.
David gargalhava, enchendo o ar de alegria.
- Posso falar com o meu sobrinho, ? – Mark levantou-se da cadeira e estendeu os braços para o David.
Eu sorria, observando como todos o bajulavam.
- Oi Char.
Senti um calafrio percorrendo todo o meu corpo. Eu estava tão entretido com o meu filho que não percebi que a Halley havia se aproximado.
- Oi Halls. – Sorri para ela, que sorriu de volta.
Usava um vestido leve e solto, em um tom vermelho claro que combinava com sua pele e com seus cabelos. Seus grandes olhos castanho-claros, mais maduros do que antes, me estudavam com atenção.
Ela sentou-se ao meu lado e começamos a conversar sobre como andavam as nossas vidas.
Foi quando eu tive uma idéia. Só precisava ficar sozinho com a Halls para colocá-la em prática.
Começou a anoitecer. Havíamos passado o dia inteiro na piscina.
Eu estava perto da churrasqueira, com meu pai, tio e tio . Mark estava jogando vídeo-game com Suzan na sala, lá dentro. Minha mãe, tia Julie, tia Joanna, Lillian e Halley conversavam em uma mesa afastada. Só havia duas pessoas dentro da piscina: David e .
havia colocado David nos ombros, os dois riam alto e jogavam água para todos os lados.
Eu sorri sozinho.
Foi quando Halley olhou para a piscina e franziu a testa.
- Acho melhor você tirar o David da água, Char! Ele vai acabar pegando um resfriado. – Ela disse.
estava de costas para ela, de modo que não lhe deu nenhuma atenção.
- Charlie , você me ouviu?
virou-se e encarou-a com um olhar irritado.
- Ah... Desculpa, ! – Halley parecia sem graça.
- Sem problemas. – bufou, saindo da piscina com o David.
Minha mãe começou a rir.
enrolou o David em uma toalha, pegou-o no colo e veio caminhando em nossa direção.
Quando já estava suficientemente perto de nós e longe da mesa das mulheres, inclinou-se para o David e sussurrou em seu ouvido:
- Sua mãe sabe ser bem chata de vez em quando.
David riu.
Halley olhava em nossa direção com um sorriso triste nos lábios. Tive vontade de abraçá-la.
acompanhou meu olhar.
- Não vai fazer nada a respeito? – Perguntou ele, erguendo as sobrancelhas.
- Eu pretendo fazer, assim que surgir a oportunidade. – Respondi eu, enquanto estendia as mãos e pegava o David.
Ele pulou para o meu colo e começou a brincar com meus cabelos.
- Um homem de verdade não espera as oportunidades, ele as constrói. – Meu pai disse.
- Nunca ouvi esse ditado. – Tio comentou, franzindo o cenho.
- Acabei de inventar. – Respondeu meu pai, parecendo orgulhoso de si mesmo.
Tio revirou os olhos.
- Só não espere demais. – Disse ele.
Assenti de forma pensativa.
Entramos todos para dentro de casa e ficamos na sala, conversando.
Halley estava sentada em um canto do sofá, sozinha. Era a primeira vez que eu a via sem ninguém em volta.
Aproveitei o momento e sentei-me ao lado dela.
- Halls... Tem uma coisa que eu preciso te pedir. – Comecei, desajeitado.
- Você sabe que pode me pedir tudo o que quiser, Char. – Ela sorriu.
Como se pede alguém em casamento no meio de tantas outras pessoas? Mesmo que essas pessoas sejam a sua família, continua sendo constrangedor da mesma forma.
Respirei fundo e tomei coragem para perguntar.
Minha mãe interrompeu o meu pedido.
- Atenção aqui, por favor! – Ela estava no centro da sala, com uma taça de champagne estendida na mão. – Eu gostaria de propor um brinde à nossa família e à nossa felicidade!
Todos gritaram e bateram palmas.
Eu suspirei.
Minha mãe entrou em um enorme discurso meloso, no qual eu confesso não ter prestado a mínima atenção.
Estava atento apenas a Halley. A forma como ela ajeitava os cabelos atrás da orelha, como seu colo subia e descia conforme ela respirava, como seus olhos claros brilhavam... Tudo.
Não podia mais esperar. Simplesmente não podia.
Inclinei-me para frente, peguei uma caneta que estava em cima da mesinha de centro e escrevi em um guardanapo:
Quer casar comigo?
Eu sei, eu sei. Patético. Mas eu estava no calor do momento!
Amassei o guardanapo e coloquei-o discretamente debaixo da mão dela, como se estivesse apenas segurando-a.
Depois a soltei, nervoso.
Tia Joanna tinha lágrimas nos olhos. Minha mãe devia estar fazendo um discurso realmente emocionante.
Todos estavam vidrados nele, exceto Suzan. Ela olhava em minha direção atentamente, como se soubesse exatamente o que eu estava fazendo naquele momento.
Ela sorriu de leve e piscou para mim.
Senti Halley prender a respiração ao meu lado. Ela havia acabado de ler.
De repente, tia Julie levantou-se, as lágrimas escorrendo abertamente pelo rosto.
- Eu tenho uma coisa a dizer.
Minha mãe parou de falar. A sala toda estava em silêncio.
- EU ESTOU GRÁVIDA! – Tia Julie gritou, rindo e chorando ao mesmo tempo.
Todos começaram a gritar e a comemorar.
Tio ficou branco como a parede. e tio tiveram que segurá-lo.
Eu parecia um deslocado. Estava explodindo de felicidade e morrendo de angústia ao mesmo tempo.
Tia Julie ia ter um bebê? Como ela havia conseguido? Isso era maravilhoso!
E se Halley dissesse não ao meu pedido? Será que eu poderia fazê-la mudar de idéia, se mostrasse a ela aquelas velhas cartas que eu escrevia? Será que eu poderia me ajoelhar e implorar?
Foi quando, em meio a toda aquela algazarra, Halley colocou o guardanapo debaixo da minha mão.
Eu o desdobrei, minhas mãos tremendo e suando.
Ali dentro, bem no centro do papel, estava escrita aquela palavrinha com três letras.
Aquelas três letras que significavam tudo para mim:
Sim.
Fim
Nota da autora: Nossa, nem sei o que dizer. Estou quase chorando aqui!
Essa fanfic foi a melhor história que eu já escrevi em toda a minha vida. Gostaria de agradecer MUITO MUITO MUITO a todas vocês, que acompanharam, prestigiaram, elogiaram, criticaram e comentaram!
Acho que a grande moral que eu tentei passar em Charlie's Life é que nem tudo é perfeito. Muitas pessoas acham que seus ídolos não têm defeitos e que uma vida ao lado deles seria um sonho... Eu quis mostrar que nenhum deles pode ser perfeito, mas que todos podem ser perfeitamente humanos! Humanos, tão cheios de fraquezas.
Outa coisa importante nessa história é o valor da família. Mesmo uma família problemática, onde todos cometem erros e se machucam (como a do Char) no fundo está repleta de amor.
Aproveitem a companhia dos seus pais, tios, irmãos.
A figura mais importante da história foi a mãe do Charlie, sem dúvidas (você). Ela fez tudo por amor, querendo apenas protegê-lo. É isso o que as mães fazem! Por isso, tratem as suas com carinho.
Bem, não sei mais o que dizer... Espero que vocês levem alguma coisa boa de cada palavra que eu escrevi aqui, alguma coisa que realmente sirva para a vida real.
Um muito obrigada especial à todas as minhas amigas maravilhosas que ouviram essa história, vocês sabem que são as melhores do mundo!
Outro muito obrigada à Gabs, que foi a beta mais paciente e prestativa que alguém poderia ter.
E, por fim, obrigada a minha mãe. Ela foi uma verdadeira inspiração, sem dúvidas (não que algo assim tenha acontecido com ela HAHAHAHA).
JÁ ESTOU MORRENDO DE SAUDADES DISSO AQUI! :/
Nos vemos em breve!
Beeeijos,
Mandi.
Nota da beta: Ai, gente, eu vou confessar que me deu um aperto no coração quando eu abri a meu email e lá tinha uma mensagem com o seguinte título 'Final de Charlie's Life!'. Sério, foi o pior email que eu já recebi na minha vida #dramaqueen. ;; HAHAHA. Como a Mandi pediu, eu to aqui fazendo a nota da beta final. Mandi, você foi uma das melhores autoras que eu já peguei. Não sei se já cheguei a contar isso pra você, mas quando a Mari (ex-beta da fic) disse que teria que passar a CL pra outra beta, eu SURTEI na janela do msn dela, só pra ela me passasse a fic. HAHAHA e hoje eu fico realmente feliz que ela tenha feito isso! É uma pena que CL tenha acabado, eu posso estar pedindo demais, mas eu acho super válido Charlie's Life 2 ou quem sabe David's Life? -Q HAHA. E eu vou parar por aqui, senão minha nota vai ficar maior que a sua! HAHAHAHA.