Um novo tipo de música agora agradava meus ouvidos. Não que eu tivesse esquecido Elvis, ou o substituído do cargo de ídolo da minha vida. Mas nos últimos tempos, toda a imagem de grande rebelde, inimigo das boas famílias, o genro que nenhum sogro gostaria de ter, começava a se desvanecer. Elvis havia sido recrutado para o serviço militar dos Estados Unidos, e ao invés de servir as Forças Especiais, onde seu trabalho seria basicamente animar as tropas com suas canções, Elvis fazia o serviço regular de soldado e ele parecia ter sido proibido de cantar. Eu tinha até mandado cartas ao Pentágono, exigindo que Elvis voltasse para os Estados Unidos e voltasse a fazer o que eu tanto amava: cantar e alegrar meus dias. E mesmo depois que voltou da Alemanha, onde cumpria seu serviço militar, Elvis não voltou diretamente para a música. Recebi noticias de que agora ele gravava filmes em Hollywood. Seria uma boa ver meu ídolo aumentado dezenas de vezes em uma tela de cinema, mas tão bom quanto era escutar suas canções.
Por essa razão, fui obrigada a me alimentar com um novo vício. Um vício chamado Beatles.
Quatro garotos – Paul, John, Ringo e George – que eram agora a sensação do Reino Unido, mostravam a mesma rebeldia que Elvis no começo de sua carreira, só que eram muito bem engravatados. Eles desde o inicio nunca esconderam que suas músicas eram influenciadas pelo Rei, e que eram grandes fãs do mesmo. Mais um motivo para eu escutar suas músicas. Suas músicas eram um pouco mais animadas e menos melancólicas que de Presley.
Eu estava completamente apaixonada pelos quatro. E já tinha até ganhado um vinil de presente do meu namorado.
Naquele momento, e eu dançávamos Roll Over Beethoven – um cover de Chuck Berry e que, por mais que me doa admitir, era muito melhor cantada na voz de Lennon – na sala do meu apartamento antes de partimos para a passeata.
Sacudíamos nossos corpos sem sintonia nenhuma, não nos importando com o ritmo, apenas inventando passos desconexos de acordo com a musica animada.
Ele me girava, me afastava e me aproximava de volta para seu corpo no mesmo segundo, arrancava beijos dos meus lábios e fingia que ia me soltar no chão, só para me puxar bruscamente para si e me beijar novamente.
Eu não me sentia tão bem há tempos. A alegria que emanava de me envolvia de tal maneira, que era impossível não rir quando ele soltava uma risada estridente ao inventar um passo ridículo.
Quando a musica finalmente parou de tocar, nos realizamos que já passava da hora de irmos à Packard Road, onde eu participaria da minha primeira manifestação libertadora.
Jovens de todas as idades, mas também adultos que não pensavam que lutávamos por uma causa perdida estavam na praça principal da Packard. Havia um grupo mais a frente com violões na mão, cantando com todos seus pulmões, numa mistura de alegria e liberdade.
Eu não podia conter o sorriso que alargava em meu rosto a cada passo que eu dava de mãos dadas com e meus amigos mais atrás. já gritava palavras desconexas, ria absurdamente com Julian e e começavam a pintar suas faces. Julian me chamou e também me entregou um vidro de tinta vermelha. As palavras Sem mais guerras estavam pintadas por todo seu rosto.
Abri o pequeno potinho e, como dedo, comecei a pintar . Escrevi Paz em sua testa e fiz um risco vermelho de cada lado em sua bochecha. O sorriso maravilhoso que surgiu em seu rosto me fez beijá-lo com vontade e, conseqüentemente, senti meu rosto completamente manchado da tinta que eu havia pintado sua face. Eu nem precisaria me pintar.
Julian se posicionou na liderança daquelas centenas de pessoas e começou a gritar palavras sabias de liberdade, citando autores e bandas ao que falava. Sua postura de líder era inegável, e a felicidade que reluzia em seu rosto por fazer parte de um movimento tão revolucionário para a história de Bolton era incrível.
Afinal, era mesmo revolucionário, por mais exagero que possa parecer. Bolton sempre fora a cidade pacata, que nem muito atingida pelas Guerras foi. Todos viviam suas vidinhas como se o mundo não estivesse se despedaçando lá fora. Isso tinha que mudar. Não podíamos simplesmente viver em uma bolha e fingir que não existe nada além de nós. Eu não estava naquela passeata apenas para me rebelar. No fundo, mesmo sabendo que era praticamente impossível, eu queria mudar o mundo de alguma forma. Mesmo sabendo que seria reprimida, que talvez meus gritos jamais chegariam aos ouvidos das autoridades. Mas não desistiria tão fácil. Eu tinha que fazer minha parte, ou ninguém mais faria.
Segurei firme a mão de quando a multidão começou a se mover em direção à rua. Havia duas pessoas andando com pernas de pau e cobertas por uma fantasia de soldados e placas revolucionarias. Cartazes coloridos com pedidos pacíficos e quase desesperados. Agora não eram apenas os garotos com os violões que faziam barulhos. Tambores faziam questão de chamar toda a atenção do até então movimentado centro comercial de Bolton. Os diversos carros agora paravam, já que começávamos a interditar completamente a larga rua.
We need peace. The world needs peace.
(Precisamos de paz. O mundo precisa de paz)
Nossos gritos não eram abafados pelas buzinas frenéticas atrás de nós. O que mais atraia meu fascínio agora eram os rostos incrédulos dos comerciantes que já saiam das suas lojas para observar os jovens mimados e delinqüentes gritarem no meio da avenida.
War is not the answer. It never was. It never will be. We should have learned from our past
(Guerra não é a resposta. Nunca foi. Nunca será. Nós devíamos ter aprendido com nosso passado)
e ao meu lado cantavam com toda sua fúria, sem se importarem com o fato de terem um show em um bar da Trafford Square naquela noite. Tocaremos roucos, se for preciso, foi o que disseram.
A animação de me contagiava. Eu sabia que ele estava ali por minha causa, mas ver que ele estava se envolvendo de verdade me alegrava de uma forma inexplicável.
Abracei sua cintura e passar a escutar seu canto raivoso mais de perto. Ele envolveu meus ombros e, mesmo não sendo a melhor das cantoras, juntei minha voz à sua.
How many innocent people will have to die so we can finally realize
(Quantas pessoas inocentes terão que morrer para que finalmente percebamos)
A Packard agora estava ainda mais cheia, com pessoas além daquelas do comitê e aquelas contadas antes da passeata começar. Alguns comerciantes começavam a se juntar a nós, mesmo sendo poucos, mas já era um grande acontecimento. Os que não tinham coragem apenas acenavam, batiam palmas e gritavam enquanto passávamos.
E ficaram ainda mais chocados ao verem , o filho do prefeito, sobre os ombros de alguém, gritando junto aos rebeldes.
No one will ever shut us. No one will ever stop us. Cause we are the future.
(Ninguém nunca irá nos calar. Ninguém nunca irá nos impedir. Porque nós somos o futuro)
- WE ARE THE YOUNG! – gritou ao meu lado, nos ombros de um estranho, completamente enérgico. – WE ARE ALRIGHT!
pareceu se inspirar e sem que eu percebesse, eu já estava em cima de seus ombros, rindo escandalosa mente e cantando e apontando para as pessoas nas calçadas que passavam por nós e tentavam nos ignorar.
Eu realmente não sabia que efeito aquele movimento iria surtir na cidade. Mas eu estava completamente instigada a descobrir.
The future is ours. And we choose peace!
(O futuro é nosso. E nós escolhemos paz!)
Assim que entramos no Nonna’s, de caras pintadas e completamente mal vestidos, recebemos dezenas de olhares reprovadores. Não era de se esperar menos, obviamente.
Mas sem nos importarmos – aquilo na verdade nos instigava – sentamos na mesa do canto, aonde sempre nos sentávamos.
- Um milk-shake de banana, por favor – pediu aos risos, enquanto a garçonete de patins nos encarava com um nojo obvio em seu rosto.
e Julian fizeram seus pedidos, enquanto , e eu simplesmente continuávamos a comentar sobre o sucesso da passeata.
Tínhamos devastado – num bom sentido – a Packard Road. Acho que mesmo depois que acabamos com a turbulência, todos ficaram traumatizados demais para simplesmente voltarem a trabalhar.
Julian dizia com convicção que havia tudo corrido de acordo com o planejado, que nem as passeatas de seus amigos em Londres tinham surtido um efeito tão positivo quanto aquela provavelmente teria. Ele tinha certeza de que quando chegasse ao comitê, haveria dezenas de novos pedidos de adesão e que conseguiriam patrocinadores para a próxima movimentação. Logo conseguiríamos chamar a atenção da mídia nacional e do próprio governo. Espalharíamos a palavra da paz por toda a Inglaterra.
Eu conversava animadamente com quando, de repente, vi toda a sorveteria ficar estranhamente silenciosa. Encarei e ela tinha os olhos fixos em um ponto, e me virei para ver o que ela olhava. Na verdade, todos da sorveteria olhavam para o mesmo ponto: uma televisão pendurada no outro canto do local. Uma garçonete foi até o aparelho e aumentou seu volume, e agora, além das imagens aterrorizantes, também podíamos escutar a voz desequilibrada do narrador do noticiário.
O lugar possuía fogo para todos os lados. Pessoas estavam sendo metralhadas. Outras jogavam o que me parecia bombas caseiras dentro de prédios. Carros blindados passando por cima de tudo e todos. Rostos desesperados passando pelas câmeras. Ferimentos. Mais fogo. Muito fogo. Soltados agredindo e sendo agredidos.
Caos.
Tudo o que eu via era caos.
- Foi declarada oficialmente hoje de madrugada, guerra nas Irlandas. Os países já viviam em constantes conflitos religiosos entre católicos e protestantes, mas outro problema pareceu acabar de vez com a paz entre o Éire e a Irlanda do Norte. Um golpe de Estado, apoiado pela União Soviética, foi aplicado na Republica da Irlanda, ou Éire, e agora o governo está nas mãos de comunistas fortemente influenciados pelos soviéticos. O governo britânico começou hoje mesmo as intervenções, mandando tropas armadas ao país, a fim de expulsar os comunistas do poder. A situação no momento está completamente fora do controle, e com apenas dez horas de guerrilha, já foram confirmados trezentos mortos na cidade de Dublin...
- Puta merda... – Julian exclamou ao meu lado, no momento em que todos da mesa prendiam a respiração ao escutar as palavras chocantes vindas do locutor do telejornal. Assim que ele terminou de anunciar a noticia impressionante, murmúrios ensurdecedores e desesperados encheram a sorveteria por completo. Já se podia ver pela vidraça do local as pessoas saindo de dentro das lojas e conversando pasmadas umas com as outras.
Nunca pareceu fazer tanto sentido nossa passeata, mesmo não tendo aqueles motivos. Estávamos principalmente gritando contra a repressão e contra a guerra que acontecia no Vietnã, mas agora percebi um sentido completamente diferente para ela.
A Grã-Bretanha havia declarado guerra contra a Republica da Irlanda.
Eu havia escutado direito?
- Puta merda! – repetiu ao meu lado, completamente absorto. Nenhum de nós ousava dizer uma palavra. O que havia para dizer num momento como aquele?
Mais uma guerra. Dessa vez, uma bem ao nosso lado.
- Puta merda. Eu tenho dezoito anos. Eu vou ser convocado! – praticamente gritou, chamando toda nossa atenção para ele, e nos realizar de vez do horror que estava acontecendo.
Levei uma mão até a boca, tentando impedir de sair um grito de horror da minha garganta. já havia explodido em lagrimas e agora balbuciava palavras desconexas no pescoço do namorado.
bagunçava nervosamente os cabelos, tentando não gritar assim como eu.
To encarava a taça de milk-shake de , sem expressão e brilho algum em seus olhos.
Julian já tinha se levantado afobadamente da mesa, correndo para fora do Nonna’s logo em seguida. Eu sabia que ele iria imediatamente ao comitê.
E ...
apertou minha mão fervorosamente, enquanto seus olhos possuíam a mesma expressão – ou a falta dela – dos de . Eu o encarei imediatamente, soltando um suspiro de alivio ao mesmo tempo em que meu coração acelerava freneticamente.
- Você ainda tem dezessete... – sussurrei apenas para que ele ouvisse, não querendo parecer egoísta diante da situação dos meus outros amigos. Eu estava completamente desesperada por eles, mas se tivesse dezoito anos como eles, eu estaria surtando – literalmente – naquele momento.
- Somente até mês que vem... – ele murmurou de volta, apertando minha mão novamente e deitado sua cabeça na mesa de vidro a qual estávamos sentados em volta.
- Até lá essa guerra estúpida já vai ter acabado – sibilei perto de seu ouvido, deixando minha cabeça cair em seu pescoço. Não pude deixar que lágrimas desesperadas e perdidas escorressem dos meus olhos.
O que diabos estava acontecendo?
Primeiro John, agora meus amigos seriam levados de mim?
Não.
Não. Não. Não e não!
- Vamos fugir! – exclamei fervorosamente depois de ter essa idéia brilhante.
Todos me olharam absortos e chocados ao mesmo tempo. Talvez por causa do meu tom de voz amedrontante, ou simplesmente por causa da frase mirabolante.
- Você ficou louca, ? – perguntou, agora que seus cabelos estavam completamente desgrenhados.
- Ela tem razão! – gritou, com um sorriso sorrateiro em seu rosto. – Vamos fugir! Vamos fugir agora! Assim ninguém tem que se apresentar em porra de Exército nenhum!
- , se não nos apresentarmos seremos presos. Presos. – tentou parecer paciente diante da namorada, mas eu sabia que o medo o corroia por dentro. Eu conhecia meu amigo.
- Até eles darem a falta de vocês, estaremos a oceanos daqui! – falei, olhando nos olhos de por apoio. Mas ele continuava com a cabeça deitada na mesa, com um olhar completamente derrotista.
O que é? Minha idéia era perfeita!
- Se não nos alistarmos e ainda fugirmos... Se nos acharem estamos arruinados! – agora foi a vez de acabar com toda a pequena alegria que fulminava dentro de mim e de . De onde veio todo aquele pessimismo? Vamos lá!
- Então o que vocês vão fazer, hein? Nos abandonar? Vão morrer nessa guerra estúpida? – minha voz soou mais enlouquecida que o normal. Imaginar meus amigos em meio daquele pequeno inferno que havia acabado de passar no noticiário era impossível. Era um pensamento completamente enlouquecedor, inaceitável. Eles não iriam para aquela porra de guerra. Eu não os deixaria!
Eu jurei que nada iria nos separar. Nada!
Ninguém mais falou uma palavra. A palavra morrer e guerra na minha frase pareceu muito mais amedrontadora do que era para ser. Ao mesmo tempo em que eu tinha flashes horrorosos imaginando os quatro no meio de uma rua em chamas, atirando em pessoas e sendo feridos, parecia que eles também viam aquelas imagens.
- Eu tenho que falar com meu pai... – se manifestou primeiro, quebrando aquele clima mórbido que se formou sobre nós. Se levantou sem falar mais nada, e simplesmente saiu da sorveteria, que já estava quase vazia por completo.
- , você também precisa falar com o seu pai – rosnou em um tom autoritário, recebendo um olhar repreensivo de . – Ele pode ser capaz de te livrar de se alistar!
- Jamais, . Eu não preciso de nada dele. Não vou fazer isso.
- , você tá mesmo disposto a morrer por causa de uma briguinha com sua família? – o tom de voz de já estava completamente alterado, e ela já estava de pé, gesticulando ferozmente.
- Não é só uma briguinha de família, você sabe disso! – gritou de volta, também se levantando e discutindo fervorosamente com a namorada.
Pronto. A guerra mal tinha começado e já destruía a nossa amizade.
O que diabos estava acontecendo?
Depois de dez minutos, os dois já estavam gritando um com o outro no meio da sorveteria. já havia ido embora sorrateiramente, com o mesmo olhar mórbido de antes. Toda o jeito alegre de ser que sempre carregava consigo tinha deixado seu corpo completamente.
Eu já nem mais escutava a discussão de e . Nem sabia se eles ainda estavam ali no Nonna’s, e nem fiz questão de procurar por eles.
Meus olhos estavam fixos em , que continuava na mesma posição de antes. Ele não me encarava, e através de suas íris completamente sem expressões, eu tentava ler seus pensamentos. Todo aquele silencio agonizante instalado entre nós estava remoendo tudo dentro de mim.
Segurei sua mão, que havia largado a minha há um tempo atrás, e a apertei levemente, tentando chamar seus olhos para os meus. Sem sucesso, no entanto.
- Olhe para mim... – sussurrei, também deitando minha cabeça na mesa gélida e vendo seus olhos pousarem nos meus lenta e tortuosamente.
- A gente vai dar um jeito, ok? Vai ficar tudo bem! – me fiz parecer o mais segura que pude. A verdade era que eu não tinha a mínima idéia se tudo ficaria bem, mas eu tentava me agarrar com unhas e dentes àquela possibilidade. – Quando eu sugeri para que fugíssemos, eu não estava brincando. , se você for chamado para o Exército, você vai fugir comigo. Você vai.
Queria que a ferocidade que coloquei sobre minhas palavras o mostrasse a certeza com a qual eu as dizia. E eu realmente estava certa sobre aquilo.
Eu fugiria com sem pensar duas vezes, assim que ele fosse obrigado a se alistar. Eu não suportaria vê-lo partindo para uma guerra. Eu não agüentaria a agonia de não saber se ele estava bem ou não, se estava vivo ou morto, ferido ou completamente inteiro. Eu me desfaleceria imediatamente. Eu tinha certeza de que não agüentaria perdê-lo, e por mais egoísta aquilo soasse, não era mais que a verdade.
John. E agora .
A idéia era inaceitável. Era completamente insana de tão inaceitável.
Um bolo de nós cortantes se formou em minha garganta. Eu não deixaria mais uma lágrima cair dos meus olhos, porque eu não me deixaria perdê-lo.
- Está entendendo? – o sacudi sutilmente, vendo-o finalmente levantar sua cabeça e me encarar com um pouco mais de brilho nos olhos. O garoto desgrenhou os cabelos e soltou um pesaroso suspiro. – Você me entendeu, ?
olhou nossas mãos entrelaçadas e, mais do que nunca, desejei poder ler sua mente embaralhada. Queria tanto, mas tanto, poder saber o que se passava lá dentro, o que ele pensava daquela situação, quais eram seus medos e suas expectativas.
Queria saber se ele estava disposto a fazer o que eu havia acabado de demandar.
O garoto assentiu após alguns segundos encarando nossas mãos, mas por alguma razão eu não via toda a certeza que esperava ver em sua confirmação. Ele desviou seu olhar das mãos, mas também não me encarou.
Aquilo me agonizou profundamente.
Puxei seu rosto bruscamente com uma mão, segurando seu maxilar com firmeza e o obrigando a olhar nos meus olhos.
- Você vai fugir comigo, ? – perguntei com firmeza, sentindo o nó afiado me incomodar ainda mais.
- Eu não vou te deixar sozinha aqui, . – Ele disse simplesmente, e uma onda de alivio percorreu cada músculo tenso do meu corpo. Seus olhos agora eram mais certos, mais convictos e mais esperançosos. Aquelas palavras foram como um balde d’água em minha cabeça, acordando-me daquele repentino pesadelo em que me encontrava há poucos minutos.
- Promete? – não resisti a perguntar novamente, querendo que ele tivesse plena certeza de que eu o arrastaria de Bolton se fosse preciso, apenas para que ele ficasse o mais longe possível daquela guerra absurda.
Eu deveria estar orgulhosa. Orgulhosa que meu namorado estaria fazendo um favor à nação, estaria salvando – ou destruindo – famílias, tirando-as das mãos de tiranos comunistas. Mas era aquela a verdade por trás da guerra? Quem eram os vilões na realidade?
Eu já não sabia mais dizer. Não sabia mais afirmar com certeza de que o comunismo era tudo aquilo de bom que havia nos livros marxistas, quando na verdade tudo que eu realmente via era repressão e nada de igualdade. Eu via uma prisão.
Mas também, como eu poderia afirmar isso com tanta convicção, já que tudo o que passava nos telejornais era aquilo que o governo capitalista e imperialista dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha queriam que víssemos? Como ser imparcial? Como saber de toda a verdade?
Tudo o que eu sabia, era que não entraria no meio daquele fogo cruzado. Eu não o deixaria.
Apertei ainda mais meus dedos em seu queixo, querendo que a resposta que eu queria saísse o mais rápido possível de seus lábios.
De repente, meu pulso estava rodeado por sua mão grande e seus lábios estavam prensados furiosamente contra os meus.
Era como se aquele susto tivesse nos deixado mais alertas, mais explosivos.
Parecia que eu não sentia seus lábios nos meus a séculos, por isso fiz questão de invadir sua boca com minha língua o mais rápido que pude. No instante seguinte, suas mãos estavam firmemente postas ao redor da minha cintura, puxando-me para mais perto de seu corpo. Meus dedos entrelaçaram de imediato em seus cabelos, intensificando ainda mais aquele beijo caloroso.
Como algum dia eu conseguiria viver sem ter o gosto de seus lábios?
Puxei seus cabelos sem carinho algum, afastando seu rosto do meu e fazendo com que me encarasse e me desse finalmente a resposta que eu queria.
Deixei que aqueles olhos maravilhosos e estonteantes me distraíssem por alguns segundos, até que encarei sua boca avermelhada, vendo-a mover lentamente.
- Eu vou fugir com você, – ele sussurrou. – Eu prometo.
Capítulo 28.
Stand by me…
’s POV
Estava tudo escuro. Tudo estranha e assustadoramente escuro. Não havia nenhum barulho também. Onde diabos eu estava?
Eu havia aparecido no apartamento de e vinte minutos atrás, e eles misteriosamente tamparam meus olhos com uma faixa preta e depois disso não tive mais a mínima noção do que estava acontecendo.
Sabia que tinha descido as escadas do prédio um pouco antes de escutar o movimento da Rua Lafayette, e finalmente entrei em um carro.
fazia de tudo para ficar calada, mas ela logo dava uma risada sapeca, sendo seguida por .
O que diabos eles estavam aprontando?
Minutos depois, fui tirado de dentro do carro e agora estava naquele ambiente escuro e silencioso. Senti a presença de e passarem por mim, e cochicharem algo mais a frente, e mesmo tirando a faixa que estava em meus olhos, tudo continuava escuro.
De repente, uma luz mais a frente se acendeu. Então finalmente me realizei onde eu estava. No bar de meu pai.
As paredes estavam decoradas com letras chamativas que se juntavam na frase Feliz Aniversário, .
A data que eu tanto temia havia finalmente chegado. E eu havia tentado tanto esquecê-la que, quando enfim consegui, ela voltou em cheio para me atormentar.
No entanto, antes que eu pudesse me martirizar mais um pouco, percebi que a fraca luz havia se acendido sobre o palco onde eu e os garotos costumávamos cantar, e que nenhum dos meus amigos estava ao meu alcance, nem mesmo .
Escutei um acorde de guitarra, e vi sobre o palco, assim como . Ela tinha um tímido sorriso no rosto, e eu estava incrédulo por vê-la ali, com um microfone em mãos. Ela faria o que eu pensava que fosse fazer? Não era possível! Aquilo era uma miragem!
Mas então sua voz doce ecoou por todo o vazio bar.
“I love you because you understand, dear, every single thing I try to do. You always land a helping hand, dear. I love you, most of all, because you’re you.”
dizia que cantava mal – e as vezes em que a escutei cantando no chuveiro realmente não foram das melhores –, então eu estava realmente surpreso pela performance. Ela movia o corpo timidamente para os lados, tentando fazer toda a vergonha por estar em cima de um palco extravasar, mesmo que somente eu estivesse vendo seu pequeno show (certo, e meus amigos que estavam escondidos em algum lugar).
Mas o que mais me surpreendeu de tudo, fora a musica que ela havia escolhido para cantar. Demorei a reconhecer de inicio, mas como eu havia me tornado um grande fã de Elvis Presley – graças a ela – percebi que se tratava de I Love You Because.
olhava no fundo de meus olhos, e eu a via do meu lado, sussurrando aquela declaração no pé do meu ouvido.
“No matter what the world may say about me, I know your love will always see me through. I love you for the way you never doubt me. Most of all I love you cause you’re you.”
Ela sorriu sutilmente, e não me contive, sorrindo também. Eu estava desesperado por saber que havia chegado aos dezoito anos e que eu provavelmente teria que enfrentar meu maior medo... Mas ao ver seu sorriso meigo e suas pequenas mãos envolvendo o microfone, enquanto seu corpo se movia numa melodia sutil... Tudo pareceu desaparecer. O mundo não pareceu estar desabando. A guerra não pareceu tão próxima. O fim não me pareceu uma opção.
Eu só via , e nada mais. Nada podia tirar aquele momento de mim.
“I love you because, because my heart is lighter honey, every time I’m walking by your side. And I love you because the future is a little bit brighter. And the door of my happiness you open wide.”
Eu sempre sentia que exagerava um pouco quando escrevia uma música ou um poema. Ela sempre me inspirava de uma maneira tão incrível que parecia surreal. Eu às vezes tinha certo receio que todos lessem as dezenas de musicas que eu havia escrito para ela. Tinha medo de que eles não entendessem. Não que eles precisassem entender alguma coisa, e ao olhar aquela garota ali, cantando para mim, não existiam razões racionais – por mais retórico que isso possa soar – para não amar . Por mais exagerado que meus sentimentos pudessem soar aos ouvidos de um estranho, eu e somente eu sabia como era amá-la. Quais as sensações que percorriam meu corpo ao tê-la por perto, ou por simplesmente imaginá-la por perto.
Chegava a ser algo tão insanamente profundo que às vezes pensava em como aquilo podia ser real.
Quero dizer, existe mesmo aquele tipo de amor a não ser em livros e filmes?
“No matter what may be the style or season, I know your heart will always be true. I love you for a hundred thousand reasons. Most of all I love you cause you’re you.”
terminou de cantar com um sorriso simples brincando no canto dos lábios, mas eu continuava ali, petrificado, encarando-a.
Eu tinha apenas dezoito recém-adquiridos anos. Era possível aquilo que eu sentia? Não era exagero?
Que se dane.
Fosse amor, fosse paixão, eu sabia o que eu sentia: aquele frio constante e subitamente apaziguado por um calor insaciável, aquele tremor que era acalmado apenas com o toque de sua pele, aquela vontade desesperada e avassaladora de tê-la, de protegê-la, de fazê-la feliz, de rir do seu sorriso, limpar cada lagrima, dormir e sonhar com apenas ela, melhor ainda poder acordar e saber que cada sonho está realizado...
Aquilo tudo podia ser uma mera ilusão, mas era a ilusão mais verdadeira e mais maravilhosa de ter.
desceu a escada do palco e começou a andar em minha direção, enquanto meus amigos começavam a aparecer subitamente.
Mas sua imagem caminhando até mim parecia em câmera lenta. Seus longos e ondulados cabelos se movimentando sincronizadamente com seu corpo; seus olhos fixos aos meus me mostravam que eu não era o único naquela maré de sentimentos tão confusamente simples; seu sorriso acalmava a tempestade de desespero dentro de mim.
Desespero por saber que talvez, daqui a alguns tempos, eu não teria mais aqueles cabelos emaranhados em meu rosto, aqueles olhos me encarando com curiosidade, aquele sorriso grudado em meus lábios.
Era oficial. Eu tinha dezoito anos. Eu poderia receber uma carta a qualquer momento.
Uma carta que acabaria com tudo, de certa forma.
Então, ela chegou tão sorrateiramente que me fez novamente esquecer sobre o que eu estava pensando.
Colou nossas bocas em um beijo muito sutil, mas ainda cheio de significados.
Envolveu meus ombros com suas mãos delicadas e sussurrou em meu ouvido:
“Feliz aniversário, meu amor”.
Eu senti o martírio em seu tom de voz. Nenhum de nós queria que aquele dia tivesse chegado tão depressa. Mas ainda assim, conseguimos esconder todo o desespero e o disfarçar com uma animação espontânea.
Tudo o que consegui fazer foi envolver sua cintura em um abraço apertado, trazendo seu corpo para perto do meu o máximo que consegui, inspirando todo aquele cheiro entorpecente que exalava de seu pescoço.
Meus amigos chegaram discretamente, envolvendo nós dois em um abraço caloroso. Nenhum disse uma palavra sequer. Todos sabiam que aquele dia não era de comemoração, por mais que quiséssemos esquecer o que aconteceria depois dele.
havia sido finalmente convocado às Forças Armadas. Ele partiria para a Irlanda em cinco dias. havia ficado duas semanas sem mal lhe dirigir a palavra, já que havia se recusado a pedir qualquer ajuda ao pai.
havia sido liberado por ter crises asmáticas freqüentemente (as quais sabíamos que o motivo era o excesso de cigarros e maconha).
tinha o pai médico que conseguira um falso atestado, alegando que o filho sofria de epilepsia.
E eu... Bem, não havia recebido nada. Até agora.
Até agora.
Tentei sorrir quando gritou ‘Agora pode entrar em bordeis!’, recebendo um tapa estralado de .
Tentei sorrir quando todos me parabenizavam – também com sorrisos tão forçados quanto o meu – e me chacoalhavam.
Tentei sorrir quando me encarou com esperanças transbordando de seus olhos. Eles sussurravam ‘Vai ficar tudo bem’. E eu tentava sorrir diante dessa possibilidade, mesmo sabendo que ela estava um pouco distante.
Meu pai veio ao meu encontro, fazendo aquele sentimento estranho de desespero aumentar ainda mais dentro de mim. Me abraçou silenciosamente.
O que seria de meu pai se eu fosse para a guerra?
Como ele sobreviveria?
Primeiro, mamãe.
Depois, tio John.
Agora, seu filho.
Ele agüentaria tantas perdas?
Mesmo que tivéssemos a pensamentos positivos em pensar que eu voltaria – porque eu voltaria –, ele conseguiria se virar sozinho?
Todos aqueles pensamentos me assombraram pavorosamente.
Então, simplesmente tentei sorrir.
Afastei fervorosamente aquelas assombrações da minha mente assim que percebi a movimentação do bar. O lugar agora se enchia de pessoas e uma musica animada tentava quebrar aquele clima mórbido formado sobre nós.
já havia me entregado um canecão de cerveja, e todos já gritavam uns com os outros devido a musica alta.
havia entrelaçado seu braço ao meu e parecia ter aderido ao modo de vida de todos ali por aquela noite: beber para esquecer.
Beber para esquecer que o mundo estava esfarelando.
Todos, sem exceção, dentro daquele bar carregavam aquele ar inconseqüente por uma noite. Todos pareciam querer esquecer.
Resolvi que faria o mesmo.
Bebi toda a cerveja em segundos, pronto para encher a caneca novamente. Arrastei para o balcão, entregando minha caneca a David, o bartender.
“Você já tem uma vaga no McFly” murmurei no ouvido de , vendo-a rir escandalosamente e envolver meu pescoço com seus braços.
“Eu sabia que você ia gostar!” ela disse animada, roubando-me um beijo. “Eu sempre disfarcei meu super dom para a música, sabe. Não queria que você ou os garotos se sentissem intimidados...”
“Oh, eu estou completamente intimidado” sussurrei novamente, apertando ainda mais seu corpo contra o meu. Senti suspirar contra meu pescoço e depositar alguns selinhos pela região, fazendo-me arrepiar por completo.
Levei minhas mãos em seu rosto, envolvendo-o completamente, e me limitei a encará-la por alguns segundos.
Se caso o pior acontecesse, eu queria ter aquele rosto gravado perfeita e detalhadamente na minha memória. Não que eu algum dia fosse esquecê-lo.
Colei nossos lábios, sentindo no mesmo instante sua língua quente começar a brincar com a minha calmamente. Seu beijo tinha um gosto de menta e cerveja perfeitamente combinados.
Ela mordeu sutilmente meu lábio inferior antes de voltar a me beijar mais avassaladoramente, entrelaçando seus dedos em meus cabelos e os puxando com furor.
Minhas mãos, que já haviam voltado para sua cintura, agora se decidiam entre os bolsos de sua calça jeans ou suas costas cobertas por uma blusa de seda.
Poder sentir minhas mãos percorrendo cada centímetro de seu corpo, que por estarmos em um local publico não me permitia aproveitá-lo ainda mais, me dava a nítida sensação de que eu jamais esqueceria cada detalhe dele, mesmo que ficasse séculos sem vê-la.
Ainda com a intenção de guardar cada pedaço do corpo de , dirigi meus lábios ao seu pescoço, inalando novamente aquele cheiro marcante de seu perfume, sentindo sua pele macia se arrepiar por onde minha língua passava...
Delineei a forma de sua cintura com as mãos, descendo-as para seu quadril e finalmente sua bunda, tão bem moldada na curva que meus dedos faziam para agarrá-la.
Agora subi para sua barriga, vendo se contrair ao ver que minhas mãos entraram sutilmente por debaixo de sua blusa. Ela já sussurrava palavras desconexas em meu ouvido, me instigando e me fazendo arrepiar ainda mais.
Preenchi uma de minhas mãos com seu seio, que parecia se encaixar tão perfeitamente nela.
Beijei sua boca, ainda mais sedento. Com sede por seu gosto.
“Vamos para o sítio. Ou para meu apartamento. Ou para o seu carro, tanto faz. Só vamos sair daqui” sibilou com dificuldade, soltando um risinho pesaroso quando terminou de falar. Apenas arranquei mais um beijo daquela boca maravilhosa e peguei a caneca de cerveja que David havia deixado ali no balcão.
Entrelacei nossos dedos e passei a andar apressadamente por entre as pessoas, levantando a caneca em sinal de cumprimento assim que vi e conversando com duas garotas. e Ro provavelmente já tinham ido para o apartamento de , então pensei que seria mais cômodo irmos para o sítio.
Já na estrada que percorreríamos por quarenta minutos, parecia decidida em não me deixar dirigir, já que beijava meu pescoço incessantemente e percorria suas unhas em meu abdome por debaixo da blusa.
Quando Oh! Darlin começou a tocar no rádio, simplesmente não agüentei e parei o carro no acostamento, no meio do nada. Estávamos rodeados de mato e árvores, nada mais. A estrada estava completamente vazia, e tudo o que iluminava o rosto de era a lua e o céu sinuosamente estrelado.
Antes que eu pudesse pensar em qualquer coisa, já estava sentada em meu colo e me beijava furiosamente. Suas mãos tiraram minha camisa com rapidez e agilidade, e seus lábios não tardaram a me dar arrepios quando encontraram meu pescoço nu.
Eu a apertava contra meu corpo, como se o espaço daquele carro pequeno ainda não me dava a proximidade que eu desejava.
Emaranhei meus dedos nos cabelos de , puxando-a para um beijo muito urgente. Seu gosto naquele dia em especial parecia muito mais viciante.
Tirei sua blusa e a encostei no volante, agradecendo mentalmente pela buzina estragada, e passei a beijar seu colo recém-descoberto e estonteante.
Os vidros do carro já estavam quase todos embaçados, aumentando ainda mais nossa privacidade e tirando ainda mais o nosso fôlego pela falta de ar corrente ali dentro.
Mas eu não ousaria em separar minha boca da de .
Puxei seu lábio inferior com os dentes, vendo-a suspirar e apertar as unhas em meus ombros.
Ela logo tratou de tirar o resto de sua roupa, também me ajudando a tirar as minhas.
Naquela noite, havia um calor diferente emanando dos nossos corpos. Talvez fosse o medo que aguçava ainda mais nossos movimentos urgentes.
Talvez fosse a incerteza do amanhã que nos fazia acabar imediatamente com qualquer possibilidade de distancia entre nossos lábios.
Talvez fossem os pensamentos amedrontadores que fazia com que ela apertasse com mais força que o usual suas unhas contra as minhas costas.
Talvez fosse o barulho das metralhadoras que atiravam no fundo da minha mente que me fizesse gritar mais alto que o normal pelo seu nome.
Talvez fosse todo o possível fim do mundo que fizesse com que nossa paixão aflorasse até a ultima gota de suor que escorria dos nossos corpos finalmente cansados.
[LINK MOTHER JOHN LENNON]
Eu dirigia ao som da nova banda favorita de , os Beatles, num silencio muito pacifico. Ela estava deitada no banco ao meu lado, vestindo apenas sua blusa de seda, já que dormiu antes que conseguisse vestir sua calça jeans. Enquanto eu vestia apenas calça jeans.
Por incrível que pareça, minha mente não vagava em nenhum lugar amedrontador, por mais que a escuridão da estrada pudesse me lembrar do que eu tentava esquecer.
Mas ter ali do lado, ressonando sutil e calmamente, fazia todos os fantasmas se afastarem de imediato.
Eu simplesmente deixei que seu sono tranqüilo me acolhesse também, protegendo minha mente dos meus medos.
Dirigi pacificamente por trinta minutos até finalmente avistar todo o verde do sitio iluminado pelo céu pacato.
Quando estacionei, coloquei em meu colo e a levei direto para meu quarto, sem escutar nenhuma manifestação de sua parte. Talvez fosse o álcool e o cansaço que a deixavam dormir tão tranquilamente. Nem assim eu conseguiria.
Observei-a por alguns instantes. Seu peito subindo e descendo lentamente de acordo com sua respiração. Os fios de cabelo caindo-lhe sobre a face serena. A boca entreaberta deixando escapar alguns suspiros calmos da garganta.
Também deixei um suspiro escapar, só que um muito pesaroso.
Me arrastei para fora do quarto, indo com o coração palpitando até a cozinha. Havia uma pilha de cartas sobre o balcão, como era de se esperar em todo final de mês. Aquela pilha sempre estava lá, cheia de contas para pagar.
As contas do mês estariam ali, empilhadas como sempre ficavam. Só estariam as contas. Somente as contas. Nenhum envelope novo.
Com alguma coragem que eu não sabia de onde vinha, comecei a folhear aqueles envelopes, um por um.
Nada de novo.
Nada de novo.
Contas.
Contas.
Mais contas.
Um envelope bege. Novo. Completamente diferente dos usuais.
, Sítio Sparks, Rodovia 101, Bolton – Manchester.
Meu coração parou de bater por alguns segundos.
Depois voltou a bater freneticamente.
E parou. E voltou.
A respiração falhou.
Forças Armadas do Reino Unido.
Minhas mãos completamente vacilantes abriram o envelope.
Prezado Sr. . Você está convocado a se juntar ao Exército Inglês para honrar com dignidade seus deveres de cidadão...
Eu já não conseguia ler mais nada. Eu não queria ler mais nada.
Me arrastei com o resto de força que ainda tinha até a varanda da casa. O vento soprava serenamente contra meu tronco despido, completamente alheio à minha inexpressividade naquele momento.
Todo o desespero foi embora, deixando um grande... nada dentro de mim. Um vazio.
Eu iria para a guerra. Essa era a única opção... Não era?
Tirei um isqueiro de dentro dos bolsos da minha calça, e o acendi, vendo o fogo envolver aquela carta maldita.
Deixei que o fogo vingasse toda a raiva que agora me assoreava. Joguei a carta em chamas dentro de um latão ali perto. O fogo não desapareceria meu problema, eu sabia. Mas ele pelo menos afastaria as assombrações.
De mim, de papai, e de . Temporariamente. Até quando eu tivesse coragem de contar-lhes a verdade.
Enquanto isso não acontecia, resolvi apenas entrar em casa novamente e deixar que minhas pernas me levassem onde meu corpo queria estar naquele momento. Em todos os momentos.
Deitei-me ao lado de , que não tinha a mínima noção do quanto nossas vidas mudariam a partir do momento que acordasse.
Envolvi seu corpo com meus braços, protegendo-a por aquele enquanto, aquele pequeno enquanto até que fossemos separados. Ou que fugíssemos.
Deixei que o sono finalmente me envolvesse, e torci para que os fantasmas da guerra não voltassem a me atormentar.
Mas com ela ali, tão perto de mim, eu duvidava que eles tivessem a coragem de chegar perto de nós.
Não por aquela noite.
Capítulo 29. There Goes My Everything…
's POV
Minha mala já estava pronta e posta em frente ao sítio. Meu pai já estava avisado, e concordara com meu plano de fuga depois que eu fui definitivamente aceito no Exército. Quando fui me alistar, ele me aconselhara a engolir bolas de algodão, alegando que, na época da Segunda Guerra, um amigo o fizera e fora liberado após um raio-X. Eu estava certo de que iria ser liberado. Tinha absoluta certeza. Aquilo não podia acontecer comigo. Era um pensamento muito egoísta, mas eu não conseguia mantê-lo longe. Muitos garotos da minha idade alistavam-se com orgulho por poder defender sua nação. Eu não conseguia sentir nada além de revolta.
De acordo com meus planos, eu ficaria fora até a Guerra acabar. Até lá eles já teriam se esquecido de mim, obviamente. O lugar mais seguro da Europa para estar naquele momento era algum país do Mediterrâneo, como Grécia ou Itália. Eu sabia que a era apaixonada por História, e com certeza escolheria a Grécia.
Ao pensar em fazê-la fugir comigo, eu me sentia mais egoísta ainda. Ela tinha uma vida ali, tinha a mãe para ajudar agora que o pai se fora. Tinha uma vida de luxo e conforto. Ainda podia entrar em Cambridge. Podia ter uma vida normal. Não de fugitiva. Ela não merecia aquilo.
Mas meu lado egocêntrico se contorcia em agonia só de pensar em ficar longe dela... Maldito eu era.
Ainda não havia lhe contado sobre meus planos. Na verdade nem havia contado que eu fora convocado. Ela com certeza surtaria e não iria ser racional a ponto de pensar em um plano.
Eu já havia pegado todas as economias juntadas até ali, e meu pai me ajudara com um pouco de dinheiro também. Arrumaríamos um lugar simples para morar, até eu conseguir um emprego e poder nos mudar para um lugar à altura de . Estava pensando em até... pedi-la em casamento. Por alguma razão, aquele pensamento me fazia sorrir como um idiota apesar dos pesares.
Eu buscaria naquele dia. Passaríamos em seu apartamento para fazer suas malas, inventariamos uma desculpa ou simplesmente enfrentaríamos sua mãe, e enfim pegaríamos um trem para a França, e depois para Atenas.
No entanto, ela não estava em seu apartamento. Esbarrei com Julian na saída do prédio; o garoto estava completamente desorientado.
“Julian, você está bem?” perguntei, vendo-o tomar fôlego e passar as mãos nervosamente pelos cabelos.
“Uma passeata, cara...” ele respondia ofegante e de olhos arregalados. “Perdemos o controle! A polícia apareceu, está tendo um confronto na Packard Road nesse momento! Estão todos lá e eu vim aqui...”
“Espere... Espere um pouco... Todos quem?” o sangue já começou a subir na minha cabeça, e só um pensamento passava pela mesma. “ não está lá, está?”
Julian abriu e fechou a boca algumas vezes, parecendo mudo por alguns segundos, até responder apreensivo:
“Ela está cara, mas...”
“ está lá?” gritei em plenos pulmões, sem me importar com os olhares reprovadores dos que passavam pela calçada. Eu perdi completamente a compostura só de pensar em no meio do caos que Julian me descreveu. “E O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI? POR QUE A DEIXOU SOZINHA?”
Sem que eu ao menos percebesse, já estava com as mãos envoltas no pescoço de Julian, prensando-o contra a parede.
“Acalme-se, ! Vim ligar para meu pai, ele é promotor e...”
“Se alguma coisa acontecer a ela, cara...” minha feição era provavelmente a de um louco. Eu na verdade estava completamente louco.
Soltei Julia com fúria e corri para meu carro. Comecei a dirigir desgovernadamente, sem me lembrar da existência de semáforos ou limite de velocidade. Eu passaria até pela calçada se os carros não me dessem passagem.
A Packard Road estava uma anarquia. Uma gritaria ensurdecedora, misturada com a voz revoltada de alguém que falava com um microfone, sem contar o barulho enlouquecedor que fazia as sirenes da polícia. Nem ao menos vi onde estacionei, provavelmente havia parado no meio da rua, e corri o máximo que consegui.
“RAFINHA?” eu gritava e gritava, corria e corria por entre aquele emaranhado de gente e nenhum sinal dela. Mais a frente a polícia já começava a conter os revoltados com cassetetes e fumaça lacrimejante. “RAFINHA?”
O desespero já tomara conta de mim completamente. Eu puxava meus cabelos sem dó alguma, ficando completamente desnorteado com todas aquelas pessoas gritando e correndo ao meu redor. E em nenhuma delas eu via o rosto de .
‘Pelo amor de Deus, onde você está?’
Corri mais a frente, sentindo meus olhos arderem enquanto passava pela barreira de fumaça. Mas foi quando escutei um grito muito conhecido, que nem agonia eu sentia mais. Apenas desespero.
“VOCÊS NÃO PODEM FAZER ISSO!” ela gritava, e por mais que eu corria, eu não parecia alcançá-la. Aquela fumaça comprometia minha visão, e seu arregalasse ainda mais meus olhos eu provavelmente ficaria cego, tamanha era a ardência. “SOLTEM-NO!”
Sua voz ia ficando mais próxima, e mesmo de olhos fechados, sabia que estava chegando perto.
“NÃO!” ela gritou mais uma vez, e eu sentia o desespero estripar tudo dentro de mim.
Quando finalmente consegui abrir meus olhos, dois policiais o dobro do tamanho seguravam pelos braços, enquanto outros três espancavam com um cassetete um garoto, de no máximo quinze anos.
“RAFINHA!” gritei, e tudo o que consegui fazer no momento seguinte foi correr para cima dos policiais que a seguravam.
“DOUGIE!” sua voz era agora apenas plano de fundo, enquanto um dos policiais, que também era muito maior que eu, acertava um murro atrás do outro em meu rosto. Eu não conseguia sentir dor, talvez devido à adrenalina e ao desespero; eu só queria que aqueles desgraçados ficassem longe dela. “DOUGIE!”
Dei uma cabeçada no nariz do sujeito, sabendo que aquilo iria fazê-lo sofrer muito com a dor antes de vir atrás de mim novamente. Fui para cima do outro policial que segurava , mas antes que eu pudesse acertá-lo, senti braços me puxarem brutalmente. Dois outros policiais me imobilizaram por trás, enquanto o que antes segurava vinha em minha direção.
Um murro na barriga. Um nas costelas. Um na bochecha.
“DOUGIE! NÃO! PAREM COM ISSO!” ela estava desesperada. É obvio que estava. Mas eu não conseguia me desvencilhar dos três policiais.
Senti alguns dos meus dentes quebrarem e minha boca se encher de sangue. No entanto, eu ficava cada vez mais fraco, e por incrível que pareça, não conseguia sentir dor. Até o momento em que eu não conseguia sentir mais nada.
End Of ’s POV
Eu estava na cela. Na cela de . Sua cabeça estava deitada em meu colo e ele ainda estava inconsciente. Já haviam se passado seis horas, e ele ainda não tinha acordado. Eu ainda não tinha saído dali. Nem iria.
No final das contas, quando viram que cedera a todos os golpes que lhe davam e meus gritos já eram insuportáveis, os policiais resolveram nos trazer para a cadeia.
Um desespero imensurável tomou conta de mim enquanto eu via ser espancado e eu nada podia fazer. Eu tentava puxar os policiais, mas com apenas um empurrãozinho eles conseguiam me colocar no chão. O sangue começava a escorrer de todos os lugares, e nem assim eles se cansavam de espancá-lo. Eu não suportava mais vê-lo naquela situação, e uma dor terrível me consumia a cada segundo.
E agora que minha mãe havia pagado minha fiança, eu me recusava a ir pra casa. Por alguma razão inexplicável, o delegado me deixara entrar na cela de para cuidar de seus ferimentos. Talvez ser filha dos ainda significava alguma coisa. Talvez pensassem que minha revolta era conseqüência da morte do meu pai, por isso os olhares de pena, por isso deixaram-me entrar na cela.
Apesar da cena horrível de ensangüentado não sair da minha cabeça, outra me atormentava ainda mais.
Quando ele estava completamente desacordado, os desgraçados fuçaram nos bolsos da calça de a procura de sua identificação. Encontraram no meio da carteira um papel dobrado, e ao lerem exclamaram: ‘Ele é do Exército. Está partindo daqui uma semana. Vamos levá-lo para a delegacia’.
Ele era do Exército? O que aquilo significava?
Um trilhão de pensamentos passavam pela minha cabeça. Eu havia estranhado o fato de nenhuma carta de convocação ter chegado ao sitio, quando na verdade o estranho era que ainda não havia me contado. Por quê?
De qualquer maneira, os motivos não tinham a mínima importância naquele momento. O que importava realmente era o fato de que ele havia sido convocado.
Uma dor ainda mais gritante apoderou-se de mim.
Nós íamos fugir. Eu tinha certeza que, pelo o que eu conhecia de , ele já havia feito todos os planos precisamente. Mas agora ele estava preso. Agora ele seria obrigado a ir.
Tudo por minha causa.
Eu era a culpada.
Ele aparecera na praça para me procurar, eu tinha certeza. Ele se metera em confusão com os policiais por minha causa. Fora brutalmente machucado por minha causa. E agora iria para a guerra por minha culpa.
Não. Não. NÃO!
Eu queria gritar, queria tanto gritar! Queria esmurrar alguém, queria bater com a minha cabeça na parede, queria esmagar alguma coisa. A raiva de mim mesma era tudo o que dominava. Senti um enjôo insuportável, uma repulsa gigantesca. Coloquei a cabeça de no colchão o mais delicado que minha situação permitia e me joguei no chão, soltado toda a minha raiva na privada ali do lado.
Eu tinha nojo de mim. Nojo do meu egoísmo, da minha incrível capacidade de prejudicar quem eu amava.
“Ei, você está bem?” o oficial que vigiava a cela perguntou visivelmente preocupado. Não deveria se preocupar com alguém como eu.
Apenas acenei e enxagüei a boca com água da piazinha precária. Deixei-me cair no chão novamente, agora completamente sem forças para agüentar meu próprio peso. Tudo o que consegui ver antes das lágrimas embaçarem minha visão completamente foi a imagem de , desacordado e com vários cortes ainda cheios de sangue no rosto.
Meu estomago embrulhou-se novamente, apenas ao imaginar algo pior acontecendo com ele.
XxX
Quando acordou, a primeira coisa que fez foi me beijar. Levantou-se da cama com dificuldade e me abraçou com toda a força que conseguiu. Tentei segurar o choro que tanto me atormentou em todas aquelas horas, numa tentativa de me mostrar forte, e fazer com que visse que eu ainda não havia desistido dele, nem do nosso plano de fuga. Daríamos um jeito, eu sei que daríamos!
“Como está se sentindo?” perguntei retoricamente. Era só olhar para ele e ver a resposta.
“Estou bem...” sorriu em meio a uma careta em seu rosto. “Minhas costelas doem um pouco, mas estou bem...”
Toquei seu rosto delicadamente, com medo de que eu pudesse machucá-lo novamente. ainda sorria, e eu desejava ter sua calma. Observei-o. cautelosamente, como se aquela fosse a ultima vez que nos veríamos, mesmo tendo a certeza de que não seria. Não seria de maneira alguma.
Eu não precisava decorar aqueles traços maravilhosos; eu já os sabia de cor.
“...” murmurei com a pouca força que ainda me restava. Ele me encarou com apreensão. Aqueles olhos que, mesmo depois de tanto tempo, ainda me deixavam desnorteada. “Eu sei que você foi convocado para a Guerra...”
Dizer aquilo em voz alta parecia ser ainda mais difícil. Talvez se eu não verbalizasse descobriria que aquele pesadelo não era real.
Mas pela expressão de , aquilo não passava da fria e crua realidade. O garoto olhou para os próprios pés, e quando me encarou novamente, vi seus olhos se avermelharem e se umedecessem.
Envolvi seu rosto com minhas mãos e encostei nossas testas, engolindo todo aquele bolo de choro goela abaixo. Eu me manteria firme. Eu precisava ser forte por ele.
“Nós daremos um jeito, ” falei com convicção, obrigando-o a me encarar quando desviou o olhar com pesar. Olhei profundamente em seus olhos e repeti. “Nós daremos um jeito.”
“Não tem mais jeito, ... Eu terei que ir...” as lagrimas começaram a cair sutilmente de seus olhos, e a dor gritante dentro de mim voltou abruptamente. “Mas vai ficar tudo bem! Vai ficar tudo bem, eu prometo...”
“Você não vai pra guerra nenhuma, ! Eu não vou deixar! Ainda mais quando a culpa é minha, eu não vou deixar!”
riu levemente e eu o encarei com confusão. A expressão tranqüila voltara para seu rosto e eu não entendia como ele podia ficar tão calmo. Foi sua vez de colocar meu rosto entre suas mãos e de me olhar com profundeza.
“Isso não é sua culpa, . Isso era algo que iria acontecer eventualmente. Eu não posso fugir da minha responsabilidade...”
“Sim, você pode!” afirmei com certeza, vendo o desespero voltar a dominar minhas ações. Entrelacei meus dedos nos seus e apertei sua mão com força. “Quando eles baixarem a guarda, nós daremos um jeito de sair daqui!”
“Ei, garoto! Tem uma visita para você” o guarda chamou nossa atenção e quando nos viramos, vimos tio Lewis do outro lado da grade. Imaginei qual foi sua reação ao ver o filho todo machucado e dentro de uma cela. Não consegui não me culpar novamente.
“Vou deixar vocês a sós... Vou em casa trazer alguma coisa decente para você comer.” Colei meus lábios nos de do modo que eu amava fazer e o abracei delicadamente.
Com relutância o soltei e passei pela grade assim que o guarda a abriu. Cumprimentei tio Lewis com um abraço caloroso e peguei um taxi quando sai da delegacia. Por alguma razão, não quis ir para o meu apartamento; alguma força maior me fez querer ir até a casa de Marry. Eu queria ter o colo de minha mãe pelo menos em um momento da minha vida. Agora que não tínhamos John, estávamos mais unidas. Precisávamos uma da outra como nunca, e nossas diferenças não prevaleciam mais como antes. O que nos unia era mais forte do que o que antes nos separava.
Assim que cheguei até a mansão, senti uma enorme saudade de atravessar aqueles enormes portões de bronze, de cruzar aquele jardim tão colorido, de adentrar aquele saguão exagerado. Eu sempre achei tudo dentro daquela casa um exagero, mas nunca pensei que pudesse sentir tanta falta daquilo tudo. Tanta falta de correr por aquele chão de mármore, descer por um dos corrimões da escada bifurcada enquanto Marry gritava desesperada lá em cima e John esperava rindo lá em baixo. Quando ela e Meredith corriam atrás de mim, com medo de que eu fizesse alguma besteira no jardim, como subir pelas árvores e cair como já fizera antes. Até das vezes em que Marry me colocara de castigo em meu quarto e o modo como eu sempre conseguia fugir pela janela e me encontrar com meus amigos.
E agora, tudo estava caindo aos pedaços. Eu nunca imaginara que me encontraria naquela situação. Todo o mundo se despedaçando, todo o meu mundo se despedaçando...
Nada era e nem seria como antes. Eu não mais tinha John. Eu e meus amigos não mais poderíamos mais curtir a vida loucamente, porque a realidade nos passara a perna.
Como tudo virara de cabeça para baixo? Como minha vida mudara drasticamente em questão de meses? Como era possível?
Eu nunca quis tanto poder voltar no tempo. Eu sabia que eu não poderia fazer nada para mudar a baderna em que eu me encontrava, mas eu com certeza poderia aproveitar um pouco mais dos momentos tranqüilos e fáceis que tive...
Poderia curtir um pouco mais meu pai...
Poderia curtir um pouco mais as festas loucas com meus amigos...
Poderia curtir um pouco mais da minha estadia no sítio dos ...
E pensar que naquela época nem imaginávamos que estaríamos juntos agora... E depois nem imaginaríamos que algo conseguiria nos separar...
A idéia de perder para a Guerra era simplesmente insuportável. Gritante. Dolorosa demais. Era como se tudo dentro de mim fosse rasgado e reconstruído novamente, só para poder ser rasgado mais uma vez.
“?” escutei a voz de minha mãe a alguns passos de mim, mas eu não conseguia mover um passo do saguão.
Solucei abruptamente várias vezes, enquanto meu desespero caia em formas de lágrimas. Senti os braços de Marry me envolverem com ternura, e vi minha fraqueza ceder ao peso do meu corpo. Vi Meredith correr em nossa direção e também me abraçar, na tentativa de me manter de pé.
Mas aquilo era inútil.
Eu havia perdido todo o meu chão.
XxX
Quando voltei à delegacia, tio Lewis ainda estava lá. Estavam os dois sentados na caminha onde dormia e se abraçavam. Nenhum dos dois chorava, pelo contrario, sorriam ternamente. Eu não queria atrapalhar o momento que eles tinham, mas minutos depois os dois pareceram notar minha presença. Tio Lewis sorriu para e se levantou, vindo em minha direção. Sem dizer uma palavra, me abraçou da mesma maneira quando me viu. Retribui com carinho, de alguma forma podendo sentir o mesmo que ele sentia naquele instante. Quando me soltou, beijou o topo da minha cabeça e deixou o local.
Olhei de esgoela para o guarda e ele sorriu discretamente. Entrei dentro da cela e me sentei ao lado de , que me encarava com calma.
“Te trouxe brownies...” abri a vasilha que carregava, com os bolinhos que Meredith havia feito. Eu sabia que adorava os brownies dela. Ele sorriu abertamente assim que os viu e não tardou a engolir um de uma vez só. Fez uma cara de prazer muito engraçada, e não pude deixar de rir. Enfiou outro brownie na boca e eu nunca achei tão divertido ver comer.
A cela estaria completamente escura se não fosse a janelinha que deixava um pouco da luz da lua entrar. O guardinha havia trancado a cela e não mais nos vigiava. Ele era incrivelmente gentil e compreensivo, por alguma razão.
Quando saciara sua fome, tampou a vasilha e a colocou no chão. Sem dizer uma palavra, entrelaçou nossas mãos e eu descansei minha cabeça em seu ombro. Ficamos em silencio por alguns instantes, apenas escutando a respiração um do outro.
“Me avisaram que terei que partir amanhã...” sussurrou.
Eu poderia ter surtado. Poderia ter chorado mais um tanto, gritado e ter feito um escândalo. Mas ao contrario de tudo o que eu imaginei, apenas continuei em silencio. Apesar de não estar conformada – longe disso –, eu cheguei à conclusão de que nós não poderíamos fazer nada para evitar aquilo. E ao invés de perder meu tempo lamentando, eu queria poder aproveitar o máximo daquele garoto sentado ao meu lado.
Eu já estava tão anestesiada à dor, que nem sentia mais aquela agonia insuportável. Naquele momento, eu não conseguia sentir nada além da presença de ao meu lado, e de todas as sensações que ele me proporcionava. Todo o amor, todo o carinho, toda a admiração que eu sentia por ele. Nada além disso.
Tirei meus sapatos e me deitei na cama, puxando para se deitar ao meu lado. Me exprimi naquele espaço pequeno, entrelaçando minhas pernas na de e o abraçando pela cintura. O garoto passou a acariciar meu rosto enquanto nos olhávamos pacificamente. Mesmo com a pouca luz, eu ainda conseguia ver todo aquele brilho em seus olhos. Conseguia perceber o pequeno e singelo sorriso em seus lábios. Conseguia enxergar toda aquela beleza que eu amava admirar.
Fechei os olhos por alguns instantes, aproveitando de seu carinho em meu rosto; ainda assim eu conseguia ver seu rosto. Quando abri os olhos novamente, deixei que uma lágrima teimosa caísse solitária. imediatamente limpou-a com o polegar.
“Eu vou voltar, ...” murmurou próximo dos meus lábios, encarando-me apreensivamente.
“Eu sei que vai...” sorri, apertando-o ainda mais contra meu corpo. Nossos narizes se tocaram e eu novamente fechei os olhos na tentativa de não chorar.
“Então por que está chorando?” sua voz saiu como um sopro. Eu sabia que ele também queria chorar. Eu sabia que ele também estava se segurando. Por alguma razão que nem nós sabíamos. Abri os olhos novamente.
“Porque já estou sentindo saudades...”
nada disse. Colou nossos lábios sutilmente e me envolveu com seus braços, juntando-nos ainda mais. Eu queria guardar o gosto de sua boca na minha memória. Queria guardar o modo que nos beijávamos, e como nossos lábios se encaixavam perfeitamente. Quando afundei meu rosto em seu pescoço, inalei o máximo de seu perfume que consegui. Quando voltei a encará-lo, me prendi a cada detalhe de seu rosto. Quando passei a mão por todo seu corpo, decorei cada curva.
Eu sabia que não me esqueceria de nada. Eu sabia que ele estava preso na minha memória. Preso no meu coração. E que nada, absolutamente nada o tiraria de mim.
Senti meus olhos pesarem e cederem ao meu cansaço, à minha fraqueza. Mas eu não queria dormir. Eu lutaria contra meu corpo até o ultimo momento. Porque eu sabia que quando eu acordasse, a hora de dizer adeus finalmente chegaria.
Lutei.
Lutei.
Lutei mais um pouco...
Até o momento em que manter os olhos abertos era uma tarefa impossível. Mas assim que fechei os meus, os de vieram imediatamente em minha mente.
“Durma bem, meu amor”
Foi tudo o que escutei antes de não sentir mais nada.
XxX
É com muito pesar que começo a pôr essas palavras no papel. Eu não consegui dormir noite passada. Tudo o que consegui fazer foi te observar dormir pesadamente, a tensão ainda te dominando. Mas eu queria gravar cada detalhe seu na minha memória, mesmo tendo em mente que eu já os sei de cor.
Nunca pensei que pudesse existir dor tão grande quanto a que estou sentindo agora. Tudo dentro de mim está massacrado, principalmente meu coração. Ele está batendo mais fraco, quase parando. Há um nó em minha garganta e o ar parece não chegar da maneira devida até meus pulmões. Minhas mãos tremem tanto quanto suam.
Resolvi deixar esta carta aqui ao invés de acordá-la. Eu não seria capaz de olhá-la nos olhos e depois partir. Eu queria que você tivesse em suas mente apenas a imagem de nós dois juntos, curtindo a presença um do outro. Não queria que me visse indo embora, que tivesse em sua lembrança o momento em que nos diríamos adeus.
Escrevendo aqui, com apenas o som da sua respiração pesada e pesarosa, ao fechar os olhos posso imaginá-la ao meu lado, sussurrando em meu ouvido palavras doces que usualmente saem de sua boca. Posso sentir o cheiro entorpecente de seus cabelos, seus lábios tocando os meus... Esses sentidos estão guardados dentro da minha mente como se fossem parte de mim.
Tenho que admitir que não sabia o que escrever quando a idéia da despedida surgiu em minha mente. Não sabia, porque o fato de ficar distante de você por uma fração de segundo pode me levar à loucura. Não ter seus beijos, seus abraços, suas juras de amor, suas brincadeiras, sua voz doce em meu ouvido, seus cabelos emaranhados no travesseiro, sua pele macia contra a minha... Não ter tudo isso me tira o ar por alguns instantes e a dor dentro de mim chega a ser insuportável.
Ficar longe de você parece ser uma tarefa impossível, porém não vejo outra saída.
A razão porque dói tanto separarmo-nos é porque as nossas almas estão ligadas. Talvez sempre tenham estado e sempre o fiquem. Talvez tenhamos vivido milhares de vidas antes desta, e em cada uma tenhamos nos reencontrado. E talvez em cada uma tenhamos sido separados pelos mesmos motivos. Isto significa que esta despedida é, ao mesmo tempo, um adeus pelos últimos dez mil anos e um prefácio ao que virá.
E sei que gastei todas as vidas antes desta à sua procura. Não de alguém como você, mas somente de você, porque a sua alma e a minha têm que andar sempre juntas. E assim, por uma razão que nenhum de nós entende, fomos obrigados a dizer-nos adeus.
Adoraria dizer que tudo correrá bem para nós, e prometo fazer tudo o que puder para garantir que assim será. Mas se nunca voltarmos a nos encontrar outra vez, e isto for verdadeiramente um adeus, sei que nos veremos ainda em outra vida. Iremos encontrar-nos de novo, e talvez as estrelas tenham mudado, e nós não apenas nos amemos nesse tempo, mas por todos os tempos que tivemos antes, e por todos que teremos depois.
Talvez um dia eu vá a muitos lugares, conheça muitas pessoas... Mas quero dizer sem qualquer esperança ou planos, que por mais tempo que fique longe, por mais pessoas que eu conheça, por mais lugares que eu visite: nem por um segundo me esquecerei de você. E meu coração, mesmo despedaçado, irá amá-la para sempre. Não só pelo que você é... Não só pelo que você já fez, mas pelo que eu passei a ser e fazer depois do momento em que você entrou na minha vida. Então aqui venho humildemente agradecer por tudo que você me deu e por tudo que nós vivemos.
Por todas as conversas, todas as vezes que cuidou de mim após uma briga estúpida, todas as vezes em que me deu um beijo por nada, por todos os abraços, por todas as calorosas brigas que sempre acabavam no sofá do seu apartamento, pelos momentos em silêncio que mais pareciam um diálogo profundo, por todas as vezes que me acolheu e principalmente: por nunca ter desistido de mim. Dei-lhe chances para me deixar em diversos momento durante nosso tempo juntos, e em nenhum deles você pareceu ser esperta o suficiente para se afastar. Talvez se você tivesse o feito, não estaria sendo tão pesaroso este momento. Entretanto, não me arrependo de nada do que vivemos. Na verdade, os momentos que passei com você foram os melhores de toda a minha existência. Momentos incríveis que pensei não ser capaz de presenciar. Você trouxe luz à minha vida no momento em que eu mais precisei. Você me estendeu as duas mãos nos diversos momentos em que caí, e nunca apontou o dedo em minha cara nos momentos em que falhei.
Dizem que somente quando encontramos o amor, é que descobrimos o que nos faltava na vida. Você era tudo o que faltava para me completar, para trazer paz em minha vida, para dar um sentindo nas coisas que eu não entendia...
Eu posso estar a milhas de você, mas quando fecho os olhos posso senti-la ao meu lado; e com essa simples imagem meu coração dispara.
Você, , é a pessoa mais maravilhosa que conheci. Seu jeito doce de me olhar, de me dizer que tudo vai ficar bem... Sua risada nem um pouco discreta...
Como amo seu sorriso. O modo como você sempre está disposta a ajudar ao próximo, o modo como você luta pela justiça, por um mundo melhor...
Pelo amor de tudo que é sagrado, sempre se lembre que eu jamais tirarei você do meu pensamento. Sempre te levarei aonde quer que eu vá.
E eu lhe peço que nunca me esqueça. Apesar de você sempre me dizer, eu sempre fico inseguro quanto a nós dois. Mesmo você sempre me dizendo que não é melhor do que eu, nada tira da minha cabeça o contrario. Você poderia ter o garoto que quisesse, e até hoje me instigo do porquê de você estar comigo. Um dia vou descobrir o que tenho de tão especial para ter te atraído.
Devo agradecer o Benjamin por ter te entregado a mim. Agradeço até pelos murros que levei, já que por você eu passaria por tudo aquilo quantas vezes que fosse preciso.
Não queria despertar a tristeza dentro do seu coração. A última coisa que eu quero nesse mundo é ver uma lagrima escorrendo do seu rosto. Eu já vi algumas vez e não quero repetir a cena. Por isso, peço que seja forte. Quando a saudade for tão grande, de modo que penses ser quase impossível de suportar, lembre-se de tudo o que vivemos, de todas as deitadas na grama do sítio, da nossa viagem à Salford, das nossas idas até o parque, de quando costumávamos dançar como se não existisse mundo à nossa volta; lembre-se das nossas mãos dadas e do cheiro do meu perfume, que logo estarei ao seu lado. A saudade pode ser enlouquecedora, não deixe que ela lhe roube a razão. Pense na saudade como uma coisa boa: quer dizer que eu ainda significo algo pra você, que seu coração ainda bate por mim.
“Para estar junto não é preciso estar perto, e sim do lado de dentro.”
Leonardo da Vinci
Tome por base esta frase, lembre-se dela toda vez que se sentir triste, sempre que a dor dominar seu coração. Lembre-se do nosso amor, lembre-se que, aonde quer que eu esteja, é você que vejo quando fecho os olhos. É você a razão do meu coração palpitar. É você o meu primeiro e ultimo pensamento no dia.
Você é todas as razões, todas as esperanças, e todos os sonhos que sempre tive, e o que quer que nos aconteça no futuro, todos os dias que passamos juntos foram os melhores dias da minha vida.
Antes de termos nos encontrado, atravessava a vida sem sentido, sem razão. Sei que de alguma maneira, todos os passos que dei desde o momento em que comecei a andar eram passos dirigidos ao seu encontro. Estávamos destinados a encontrarmo-nos. Mas agora comecei a perceber que o destino pode magoar uma pessoa tanto quanto a pode abençoar, e dou por mim a perguntar-me porque razão - de todas as pessoas do mundo inteiro que alguma vez poderia ter amado - tinha de me apaixonar por alguém que vai estar distante de mim. Parece não ter sentido.
Espero que possa me perdoar um dia. Mas não quis me despedir. Não quis, pois sei que nos veremos novamente.
Esta não é uma carta de despedida.
É apenas um breve adeus, o qual agora termina com um simples, mas sincero te amo.
, 2 de Dezembro de 1964.
Capítulo 30
I don’t know life without you anymore
Eu andava por Bolton sem ter uma direção exata. Eu não sabia para onde ir. Não sabia o que fazer. Não conseguia ver nada, pensar em nada, sentir nada. Era tudo um enorme e inacabável vazio dentro de mim. Era como se... Eu tivesse deixado de existir, e estivesse apenas vagando pelo nada. Claro que aquilo parecia muito melodramático, mas eu não conseguia ver nada com clareza. Não conseguia enxergar uma luz no fim daquele túnel. E estava tudo tão escuro... Eu precisava de algo que me ajudasse a enxergar as coisas com mais clareza. Mas eu não sabia do que precisava. Não sabia o que queria.
Quando dei por mim, estava na Rua Lafayette, em frente ao meu prédio. Com movimentos completamente automáticos, adentrei a portaria, subi as escadas até o terceiro andar e abri meu apartamento.
Estava tudo num silêncio incrível... Quase assustador. não estava mais ali. Nem a sua bagunça. Quando fui até seu quarto, o azul, suas coisas não estavam mais lá. Quero dizer, ainda tinha alguns livros na cômoda, algumas poucas roupas no armário aberto e outras jogadas na cama. Mas a sua presença, o toque que deixava a casa mais alegre, se fora. Ele provavelmente partira enquanto eu estava com . E eu nem ao menos tive a oportunidade de me despedir...
Sentei em sua cama, sem pensar em absolutamente nada. Eu estava definitivamente vazia. Anestesiada.
Até que uma ânsia enorme me atacou em cheio, e me vi correndo até o banheiro em frente ao quarto. Talvez meu nervosismo e todos os sentimentos que eu deveria estar tendo naquele momento estivessem se manifestando naquele enjoo e mal-estar. Depois de liberar todo o desconforto, enxaguei minha boca e meu rosto. Quando me olhei no espelho, levei um susto. Eu não conseguia me reconhecer. As olheiras profundas e escuras ofuscavam completamente o brilho que meus olhos sempre tiveram. O rosto pálido e a boca esbranquiçada me davam a impressão de estar doente.
Mas eu realmente estava. Podia não estar fisicamente, mas minha cabeça estava completamente debilitada.
O que eu farei agora?
Era tudo o que eu conseguia pensar. Eu queria voltar para o comitê, mas depois não queria mais. Queria ir para Cambridge, mas segundos depois a ideia parecia absurda. Queria desaparecer, mas depois a imagem de vinha em minha mente.
Ele me prometera que tudo ficaria bem. Eu confiava nele. Eu sabia que tudo ficaria bem. Eu sabia que a luz no final do túnel apareceria eventualmente; por mais que demorasse, ela apareceria. Eu não iria desistir de maneira alguma.
Peguei alguns papéis dobrados no bolso do meu moletom e os abri. A caligrafia de me fazia imaginá-lo escrevendo aquilo e, quando eu fechava os olhos, podia vê-lo bem na minha frente, sorrindo. Não me contive em sorrir também.
Comecei a ler a carta, pela terceira vez naquele dia, e podia até escutar a voz de em meu ouvido, sussurrando todas as palavras que continham naquele pedaço de papel. Enquanto lia calmamente, podia sentir seus braços envolvendo minha cintura, podia sentir o cheiro maravilhoso que exalava de seu pescoço. Podia sentir meu coração se acalmar, e o vazio dentro de mim ser preenchido por algo que eu não conseguia distinguir.
Eu imaginava onde ele já estava. Provavelmente a alguns quilômetros de Bolton, talvez em Manchester. Em que porto será que ele embarcaria? Provavelmente em Liverpool. Será que seus ferimentos ainda o incomodavam?
Eu já queria noticias. Mesmo ele tendo partido em poucas horas, eu já precisava saber como ele estava e onde estava. Queria outra carta, queria poder senti-lo novamente.
Mas eu sabia que demoraria. Sabia que teria de esperar uns bons bocados. Enquanto isso, acalmaria aquela tempestade dentro de mim com as palavras lindas daquela carta que eu tinha.
Eu não tinha a mínima ideia do que eu faria agora. Mas de uma coisa eu sabia: eu não podia ficar naquele apartamento.
“Arruma essa mesinha aí...” pediu com um nítido esforço na voz. A cor vermelha tomava conta de seu rosto pela força que fazia ao carregar minha TV. Arrumei o suporte de madeira que estava no meio da parede vermelha, e então colocou o aparelho ali com um suspiro de alívio.
“Sabia que aboliram a escravidão há séculos?” falou ofegante enquanto apoiava as mãos nos joelhos.
“Não seja frangote, vai!” empurrei-o levemente, aos risos.
No momento seguinte, John entrou no apartamento do mesmo modo que (e com caixas cobrindo até seu rosto).
“Agora virei seu escravo?” falou ao depositar as caixas no chão. cerrou os olhos, como se me desse um sermão por eles.
“Vocês são uns frescos...” rolei os olhos e me joguei no chão, abrindo cada uma das caixas em seguida.
Um mar de memórias e momentos passou com ondas violentas sobre mim, relembrando-me e atingindo-me com nostalgia. Bonecas da minha infância, retratos em tom amarronzados (tirados com máquinas dos anos trinta).
“Oh, pai!” chamei-o com a mão. “Olhe só essa foto!” falei com entusiasmo, estendendo a tal fotografia. Ela era minha favorita. John usava um boné qualquer, sua barba estava malfeita, conjunta com seu sorriso enorme e típico. Eu, no entanto, beirava meus quatro anos de idade. Usava um vestido floral e uma tiara nos cabelos; também tinha o dedo indicador na boca, dando-me um tom ainda mais angelical e infantil. Estava no colo de John, mas o que mais me chamava a atenção era o fato de Mary estar ao fundo, como se estivesse aproximando de nós, com a boca aberta (provavelmente gritando algo).
“Mary com seu humor fantástico de sempre...” papai exclamou com ironia, fazendo - que havia se aproximado para também ver a foto - e eu rir. John suspirou e se abaixou para mexer na caixa. E como muitas vezes, peguei-me imaginando as razões pelas quais ele se casara com Mary. Desde que eu me lembro, ela sempre foi ansiosa, impaciente e autoritária. Que ser humano aguentaria outro assim? Não podia ser por dinheiro, já que John era um dos mais afortunados economicamente da cidade.
“Por que vocês se casaram, pai? Quero dizer, por que você se casou com ela?” me atrevi a perguntar. John novamente suspirou pesadamente. Analisava uma foto de nós três, uma das únicas em que Mary sorria.
“Não escolhemos a quem amar, ...” balbuciou quase num sussurro, quase como um suspiro pesaroso. “O amor nasce nas, das e pelas pessoas mais inusitadas e inimagináveis...” completou pensativo, analisando outras fotografias.
Apesar dos momentos maravilhosos que eu tive ali, o medo de me prender a eles era enorme. De alguma maneira, eu precisava seguir em frente. E se eu ficasse ali, nunca me desprenderia das memórias e não seria capaz de ser feliz novamente.
“Po-pode entrar...” gaguejei, me sentei no colchão e tirei o robe, ficando apenas de sutiã e calcinha. Eu estava a mil. Minha respiração estava falha.
Vi a porta se abrir em câmera lenta, juro que vi. Nessa imagem vagarosa, vi entrar somente de samba-canção e uma toalha em mãos, secando os cabelos com ela. Seus olhos me encontraram e no momento seguinte a toalha caiu de suas mãos lentamente até o chão. Sua boca se entreabriu e seus olhos percorreram meu corpo seminu com cautela e confusão. Havia algo de errado?
Resolvi então me levantar e ir em direção a , sem pressa. Nossos olhos estavam compenetrados um no outro; eu sentia meu peito subir e descer rapidamente; meu coração parecia querer saltar de dentro de mim.
Quando a distância entre nós era mínima, envolvi sua nuca úmida com meus dedos trêmulos e o puxei, de modo que nossos lábios se encontrassem pela milésima vez. Nossos beijos possuíam uma sincronia perfeita, como se minha boca fosse moldada para ser encaixada na dele. As mãos de se posicionaram firmemente em minha cintura, levando meu corpo a se chocar com o dele. Gemi vagamente ao sentir o peitoral ligeiramente molhado contra meu colo descoberto e apertei um de seus braços fortes com veemência.
Pulei em seu colo de surpresa e senti as mãos do garoto apertarem as minhas coxas, de modo a me segurar; elas passeavam por toda região, enquanto eu puxava seus cabelos com força e sem a mínima dó.
Eu estava completamente entorpecida com o cheiro de sabonete que sua pele exalava. Minha mente estava vazia e eu agradecia por isso.
Parti nosso beijo, segurando o rosto de entre as minhas mãos. Seus olhos estavam absortos de desejo e me encaravam como se pedissem por mais. Eles eram tão maravilhosos...
Então, vi o garoto se mexer e começar a andar vagarosamente até a cama improvisada. Com delicadeza ele me deitou no colchão e se deitou por cima de mim. Seus olhos continuavam cravados nos meus como se nada pudesse partir o contato entre eles. Eu, no entanto, o parti no momento em que o puxei novamente para um beijo. se encaixou entre as minhas pernas e levou uma de suas mãos até minha coxa, enquanto a outra se apoiava no colchão, de modo a não deixar seu peso cair sobre mim.
Nosso beijo ia se intensificando a cada segundo e eu não podia mais controlar o meu desejo. Eu queria . Eu precisava de mais do que tudo naquele momento.
O garoto desceu seus beijos para o meu pescoço, fazendo-me cravar as unhas em suas costas em resposta. Sua língua ia me enlouquecendo à medida que descia do pescoço até meu peito. Desceu para a minha barriga, dando pequenos beijos espalhados por toda a região.
Empurrei o garoto e me sentei em seu colo, tirando meu sutiã em seguida. Ele ficou extasiado e estático ao mesmo tempo. Olhava para o meu corpo com atenção, no mesmo tempo em que suas mãos passeavam por minhas costas totalmente descobertas.
“Você é linda...” sua voz saiu falha, ao contrário de seus olhos que estavam certeiros, analisando cada parte do meu corpo.
Minhas bochechas não tinham como estar mais coradas. Beijei-o novamente, não só com a intenção de fazê-lo parar de me encarar, mas também para poder sentir seu gosto novamente.
Eu não sabia se percorria suas costas perfeitamente esculpidas ou vagava por seus braços contraídos.
Então, novamente me deitou. Fazia movimentos insinuantes sobre mim, e eu podia sentir todo o êxtase e excitação vindos de todas as partes de seu corpo. Seus dedos agora percorriam meu colo enquanto os meus desceram até sua cintura, apertando-o ainda mais contra mim.
Minha respiração estava totalmente descoordenada, mas eu não queria parar para respirar; isso me parecia superficial naquele momento.
“Tire sua samba-canção” falei entre nosso beijo, mais ofegante impossível. me encarou assustado, seus olhos muito abertos e sua boca deixando escapar os suspiros de desejo e confusão.
“O-o quê?” balbuciou com dificuldade. Suspirei profundamente e sussurrei bem perto de seu ouvido:
“Eu te quero, ... Te quero agora”
Por alguns longos segundos, o garoto apenas me encarou. O quarto que antes estava preenchido por nossos suspiros, agora deu lugar a um silêncio profundo, não absoluto apenas por nossas respirações descompassadas.
encostou sua testa na minha e fechou os olhos. Não tinha a mínima ideia do que se passava em sua mente e mesmo se soubesse, não entenderia. Eu mal conseguia coordenar os meus pensamentos... Em um ato inusitado, o garoto desceu suas mãos até a única peça de roupa que possuía. Observei-o tirá-la lentamente, gravando cada detalhe de seu corpo. Quando terminou, voltou a me encarar. Seus olhos transpareciam toda a segurança que eu poderia precisar. Transpareciam tudo o que o garoto sentia. Era um olhar totalmente novo.
Levei minha mão até seus lábios e os contornei com a ponta dos meus dedos. Subi para seu nariz; depois para suas sobrancelhas.
“Você é maravilhoso” falei com certeza. Um sorriso singelo e perfeito brotou em seus lábios. “Me faça sua. Agora”
Mary precisava de mim. Eu precisava dela. Por que razão ficaríamos separadas? Eu sabia que ela me aceitaria de volta em casa e, apesar de lá ter o trilhão a mais de memórias, pelo menos teríamos uma à outra para nos apoiar. Eu precisava de todo o apoio do mundo naquele momento, e sabia que ela também.
E como eu já havia previsto, a mesa que – supostamente – era para ser uma mesa de jantar, estava cheia de cartas e cinzeiros.
Os garotos gritavam histericamente no jogo, um acusando o outro de trapacearia, batiam na mesa e eu e apenas riamos de cada cena. era o mais estressadinho. Nunca conseguia chegar até o fim de qualquer partida sem apelar e gritar com todo mundo.
Nós – e eu – conseguimos no final convencê-los de largar as cartas e se juntarem a nós nos pufes, para que pudéssemos conversar sobre nada e brincar de qualquer coisa inútil.
deu a ideia de jogarmos a brincadeira dos ‘Dez Anos’. Cada um tinha que dizer como se via daqui a dez anos. Coisa simples, mas gostosa de fazer.
“Bom, eu me vejo fazendo turnês pelo mundo e ficando com uma garota a cada lugar que eu parasse...” disse com uma cara de pensativo, acendendo um Marlboro em seguida.
“Eu... Bom, eu não sei, cara. Quero estar bêbado e com duas gêmeas no meu colo.” Ah, sim. O fetiche de , tinha até me esquecido.
“Eu quero ter um ateliê famoso em Londres e estar casada com o ” disse com um sorriso enorme e deu um beijo na bochecha do namorado em seguida. Todos nós soltamos sons como ‘Oun’, fazendo com que os dois se envergonhassem. Agora todos olhavam atentamente para , esperando sua resposta.
“Não consigo me ver daqui a dez anos...” ele disse após alguns segundos pensando. Meu estômago revirou, e todos continuaram vidrados, esperando por uma explicação. “Bicho, pensa comigo: Eu não tenho muitas perspectivas. Não tenho dinheiro pra faculdade nem nada. O máximo que pode acontecer comigo é eu continuar com o bar do meu pai...” ele continuou naturalmente, sem se importar com nossas caras de espanto.
“Chapa, já te falei que você pode conseguir bolsa!” falou após soltar a fumaça do cigarro.
“E daí se eu conseguir? O que eu iria fazer? Odeio escola, você sabe. Não gosto de fazer nada, só de tocar. Quais são minhas habilidades?” ele disse como se fosse óbvio. Preferi ficar calada.
“Céus, como você é pessimista!” fez uma careta.
“Ah, tanto faz. Não gosto desses assuntos. Passo pro ” disse meio irritado, acendendo um cigarro em seguida.
O disse alguma coisa que eu não dei atenção, envolveria provavelmente. Na minha hora eu disse o que todos sabiam, fazer faculdade de literatura e publicar livros. Todos continuaram bebendo e conversando coisas sem nexo, até que levantei e fui para a cozinha. Algo me incomodava.
Seria egoísmo demais da minha parte admitir que queria escutar dizendo que queria estar comigo daqui a dez anos como e ? Será que ele não via futuro no nosso relacionamento ou talvez pensasse que era algo passageiro?
Neguei com a cabeça os meus próprios pensamentos e acabei com o resto de uísque que tinha no meu copo; abri a geladeira e peguei o uísque, despejando o líquido no meu copo.
Eu com certeza era egoísta. O quão importante eu pensava que era para ter pensamentos assim?
“Oi” escutei sua voz bem próxima do meu ouvido e seus braços envolverem minha cintura.
“Oi...” falei timidamente, tomando um gole da bebida no meu copo.
“Está tudo bem?” perguntou, ainda naquele tom doce e suave. Respondi através de um aceno com a cabeça. “Tem certeza?” insistiu. Ele lia meus pensamentos ou algo assim?
“Aham...” confirmei um pouco incerta. O garoto me virou com sutileza, de modo que eu o encarasse. Eu o fiz, tentando não demonstrar meus pensamentos através do meu olhar.
“Você pode não acreditar, mas eu te conheço...” ele disse com uma feição convencida e um pequeno sorriso.
Congelei. O pior: eu sabia que ele conhecia...
“É só que... Ah, nada, besteira minha!” sorri levemente e o abracei pela cintura, afundando meu rosto em seu pescoço. Não usava perfume, mas seu cheiro natural exalava pelos poros. Seria estranho dizer que era melhor que qualquer perfume francês?
“Posso te contar um segredo?” sussurrou.
“Claro...”
“Na brincadeira dos dez anos, eu menti...” ele começou a dizer calmamente, e eu já senti tudo dentro de mim se agitar. “Eu consigo me ver daqui a dez anos...”
“Ah é?” gaguejei um pouco, sem desgrudar minha face de seu pescoço.
“Aham... E nele eu estou deitado na grama com uma garota linda nos meus braços... Ela está mais velha, obviamente, mas ainda mais maravilhosa...” ele continuou, dando leves beijos em minha orelha.
“É verdade?” passei-me por desentendida, a fim de que ele falasse mais. Massagens no ego eram ótimas. Ainda mais vindas do garoto que você mais gostava.
“É sim. Na verdade eu não me vejo com ela só por mais dez anos... Por mais trina, cinquenta, até quando ela me aturar... Se me aturar por mais algumas horas, é claro...”
“Ah, eu tenho certeza que ela atura...” falei com um sorriso, beijando sutilmente seu pescoço.
“Tem certeza?” perguntou com um tom divertido na voz.
“Sim, eu tenho... Ela me contou...” ri de leve e afastei meu rosto de seu pescoço, com intuito de encontrar seus olhos.
Eles sempre me faziam tão bem... Sempre me davam tanta paz... Era bem difícil encontrar alguém que conseguisse sustentar seu olhar por muito tempo sem desviar, e era uma das únicas pessoas que passava segurança pelo olhar.
Senti os lábios do garoto tocarem os meus suavemente e suas mãos saíram da minha cintura e pousaram no meu rosto.
“Posso te contar outra coisa?” ele perguntou com nossos lábios colados. Afirmei com a cabeça. “Eu te amo...”
E pensar que tínhamos perspectivas tão diferentes... Que na época em que olhamos aquele apartamento jamais havíamos imaginado que estaríamos naquela posição. Eu sabia que não adiantava lamentar por algo que já acontecera, mas eu não controlava meus pensamentos.
É incrível o ciclo da vida. Quando pensamos que tudo se baseia em uma linha reta e constante, aparece uma curva de variáveis indivisíveis e complexas. E por mais impossível que tudo pareça ser, no final, toda equação tinha uma solução.
Dei uma última olhada naquele apartamento colorido antes de desligar todas as luzes e deixá-lo para trás por tempo indeterminado.
Voltei a vagar pelas ruas de Bolton novamente, até parar em frente à casa de . Eu me esquecera completamente que ela estava passando pelo mesmo que eu. Como eu era egoísta.
Assim que adentrei o jardim, pude enxergar sentada na varanda da entrada, encarando os pés. Andei a passos largos até chegar onde ela estava e sentar ao seu lado. Sem dizer uma palavra, entrelacei nossas mãos e deitei minha cabeça em seu ombro.
“Imagino onde eles estão a essa altura...” ela sussurrou, ainda encarando os pés. Sorri de leve.
“Também imagino... Você vai ver, eles vão ser como os soldados daqueles filmes... Só fumam, bebem e jogam o dia inteiro...” falei para descontrair, conseguindo arrancar uma sutil risada da minha amiga.
“Eu vou sentir tanta saudade... Dos dois...” murmurou, e tive que engolir o choro que há muito tempo não vinha para me atormentar.
“O tempo vai passar tão rápido e essa Guerra vai acabar tão rápido quanto começou” tentei ser otimista, sem saber se eu acreditava naquilo que acabara de falar. Eu tinha que acreditar. Ela iria acabar logo. “Por que não vamos ao Nonna’s tomar um sorvete? É uma boa ideia, não acha?”
concordou com a cabeça e, de mãos ainda entrelaçadas, cruzamos o jardim e tomamos rumo à Packard Road.
Cada detalhe daquela cidade me lembrava . E cada hora que passava fazia parecer que já havíamos vivido anos. Ao chagarmos no Nonna’s, tivemos a surpresa de encontrar e sentados na mesa de sempre. Era extremamente estranho ver apenas os dois ali, mas acho que eu deveria me acostumar.
Os garotos pareceram notar nossa presença e, assim que nos aproximamos, eles se levantaram e vieram em nossa direção. me abraçava enquanto abraçava . Foi tão bom ter os braços de me envolvendo, como se transmitissem certa força a mim. Toda aquela situação me fez perceber que, por mais importante que fosse para mim, por mais que o que tínhamos era muito especial, não era só eu quem sofria com sua partida. Todos ali perderam parte de si. Nós seis éramos parte de um todo, éramos um conjunto, uma cadeia inseparável. Sem e , não estávamos completos. Mas isso não significava que estávamos destruídos. Ainda tínhamos uns aos outros. Eu ainda tinha , e . ainda tinha a mim, e . tinha , e a mim. tinha , a mim e a . Por mais que faltasse um pedaço de nós, ainda éramos os mesmos. Ainda tínhamos nossa amizade e nosso amor para nos sustentar. Tínhamos de ser fortes pelos nossos amigos que estavam lá fora.
O tempo praticamente inteiro que passamos no Nonna’s foi coberto pelo silêncio. Não era algo constrangedor, era, inclusive, de algum modo reconfortante. Eu tinha certeza de que o que passava pela minha mente também passava pela mente de três ali sentados comigo. E foi com esse mesmo silêncio que eles me deixaram em frente ao portão de ferro ornamentado da mansão que, parecia milênios atrás, costumava ser minha casa. Encarei-o como se fosse uma peça de arte rara, me preparando para entrar e encarar uma fase completamente nova da minha vida. A partir do momento que eu adentrasse aqueles portões e aquela casa, tudo se tornaria real. Todos aqueles pensamentos e recentes acontecimentos que pareciam borrões na minha mente se realizariam. Eu não poderia mais fugir do que estava acontecendo. Mas, de qualquer maneira, eu não fugiria.
Um som vindo de fora dos portões da casa me chamou a atenção. Resolvi ignorar, imaginando que fosse apenas um dos bares desordenados que tinha por ali.
Tentei voltar ao meu pensamento anterior, mas algo me deixou mais intrigada quando passei a escutar aquele som com mais cautela.
Wise man say only fools rush in…
Eu conhecia aquelas palavras... Eu conhecia aquela sinfonia...
But I can’t help falling in love with you…
Aquela voz era inconfundível.
Shall I stay? Would it be a sin?
Mesmo distorcida pela distância, eu sabia de quem eram aquelas palavras...
If I can’t help falling in love with you…
Era a minha música sendo tocada a alguns metros dali...
Like a river flows surely to the sea
Darling so it goes, some things are meant to be.
Eu precisava descobrir de onde vinha aquele som. Levantei-me imediatamente da cama.
Take my hand
Take my whole life too.
Fui em direção à minha janela a procura da origem daquele som. Olhei para todos os lados, além dos muros da minha casa. Vi os guardas também procurando o causador daquele transtorno à vizinhança.
For I can’t help falling in love with you…
Apertei meus olhos na tentativa de ver melhor, na tentativa de achar uma alma viva naquela escuridão da rua, mas eu não via nada.
Like a river flows surely to the sea
Darling so it goes, some things are meant to be.
Então, após muita procura e aflição, pude identificar atrás do muro esquerdo (o qual fronteirava com o meu quarto), um carro. Um carro que eu jamais havia visto antes, e muito menos conhecia alguém, que conhecesse alguém, que o tivesse.
Possuía os vidros esfumaçados, então era fisicamente impossível enxergar qualquer coisa (ou alguém) dentro do automóvel.
A música parecia cada vez mais alta, e a voz de Elvis ecoava por toda a White River Street. Várias casas ligaram as luzes frontais e saíram bravas e inconformadas com aquela barbaridade. O que estaria um carro velhote daqueles, tocando um som em volume não permitido àquela hora (os moradores da White River seguiam à risca todas as normas do condomínio) defronte à casa dos ?
Mary já havia acordado e agora andava a passos pesados em direção à portaria.
‘DE ONDE VEM ESSE SOM? QUEM É O IMPERTINENTE QUE ATRAPALHOU MEU SONO?’ ela gritava.
Take my hand
Take my whole life too.
O porteiro apontou para o lugar de onde o som vinha, enquanto minha mãe gesticulava grosseiramente e gritava com os seguranças. De repente, um deles apontou para a janela onde eu estava pendurada, e pude ver o olhar furioso de Mary sobre mim. Por que diabos ele apontou para mim? E por que ela me olhou de maneira furiosa? Sou eu quem está naquele carro, colocando pra tocar aquela música?
For I can’t help falling in love with you...
Foi então que percebi… Percebi que a música estava sendo tocada para mim… Para mim! Aquele calhambeque estava direcionando o som para mim! Eu estava recebendo uma serenata! A primeira serenata da minha vida!
Eu estava maravilhada. Nem ao menos escutava as palavras rudes que Mary gritava abaixo da minha janela. Eu não conseguia tirar os olhos do carro com pintura amarela descascada. Meus lábios estavam abertos em um sorriso débil, minha mente trabalhava a mil por segundo, meu coração batia descompassado e parecia querer saltar do meu peito e ir de encontro ao dono do carro.
Será que a pessoa sabia o quanto eu amava Elvis Presley? Será que era coincidência o fato de que aquela era a música que tocava no meu ponto mais fraco? E a pergunta mais instigante: quem seria o dono do carro?
Vagamente vi alguns seguranças indo correndo em direção ao automóvel e pude escutar o arranco que o carro deu ao dar a partida. Ele engatou a primeira marcha, de modo que seus pneus cantassem e soltassem fumaça pelo lugar onde estava estacionado.
E pude perceber, que na última frase da música, o autor de tal escândalo aumentou o volume até o máximo que uma caixa de som poderia aguentar, fazendo com que eu escutasse-a nitidamente...
I can’t help falling in love with you...
Meu olhar imediatamente se direcionou ao local onde o carro de sempre parava quando tocava as serenatas. Me lembrei instantaneamente do efeito que elas tinham em mim. Mais do que o efeito romântico e enigmático, elas eram minha libertação da cadeia que, na época, era viver no mesmo teto que Mary. Sorri involuntariamente ao perceber, pela milésima vez, como sempre estivera me apoiando e me ajudando sem que eu conhecesse o autor daquelas serenatas misteriosas no meio da noite.
Senti uma vontade urgente de ouvir Elvis. Realizei que fazia provavelmente séculos que eu não escutava meu Rei, que eu não deixava sua poesia fluir dentro das minhas veias como um calmante natural. Talvez fosse exatamente aquilo que eu precisava naquele momento.
Abri então os pesados portões de ferro e deixei que o perfume das inúmeras flores daquele imenso jardim enchessem meus pulmões enquanto meus pés caminhavam automaticamente até a gigante varanda da mansão. A porta de madeira estava fechada da exata maneira como eu me lembrava, mas eu não escutava nenhum som vindo de dentro da casa. Girei a maçaneta e, ao contrário do que eu imaginava e para o meu alívio, o turbilhão de memórias não me atingiu em cheio. Minha cabeça estava vazia naquele momento, bem do jeito que eu queria que estivesse. Fechei os olhos e sorri, sabendo que estava preparada para as novas recordações que eu teria a partir daquele momento. Eu estava leve pela primeira vez naquele dia, e tal sensação provavelmente tinha a ver com o fato de eu avistar Meredith no topo da enorme escada bifurcada. Seu olhar em minha direção era atônito, sua boca estava entreaberta e sua expressão era a de quem acabara de ver um fantasma, e eu provavelmente parecia um.
Fiz o que meu coração apertado implorava para que eu fizesse: subi as escadas correndo e abracei-a com todas as minhas forças restantes. Acho que aquela baixinha era o que eu mais sentia falta naquela casa. De sua voz estridente, seus sermões, sua comida maravilhosa e seu jeito maternal e incrível de cuidar de mim. Quando a soltei, as lágrimas consumiam seus olhos e ela tentava falar qualquer coisa, mas não conseguia. Simplesmente sorri e abracei-a novamente, quando vi a última porta do corredor se abrir, dando espaço a uma Mary extremamente magra e feições enfermas. Ela estava em piores condições que as minhas, eu não tinha a mínima dúvida, e aquela sensação de egoísmo me acolheu novamente. Eu só pensava em mim, no meu sofrimento, em como seria minha vida sem , mas sempre me esquecia de pensar como era a vida de Mary sem John; eu pelo menos veria novamente, e eu tinha absolutamente certeza disso, mas ela jamais reencontraria o amor de sua vida.
Dessa vez corri em sua direção e a abracei como nunca havia feito antes, me rompendo em lágrimas que antes não queriam descer. Mary fez o mesmo, e não sei quanto tempo ficamos daquela maneira, minutos ou talvez horas, mas aquele abraço me fez esquecer todos os atritos que tivemos, todas as discussões, todos os gritos, todos os desaforos. Esqueci o quanto a odiava e me lembrei do quanto a amava de verdade.
“ partiu...” sussurrei em meio de soluços e lágrimas e senti seus braços me envolvendo ainda mais forte.
“Ele vai voltar...” Mary sussurrou de volta no mesmo tom que eu, e se alguém me falasse que isso aconteceria há alguns meses eu jamais acreditaria. Ela então me afastou gentilmente e depositou um beijo carinhoso em minha testa, entrelaçando nossas mãos e nos fazendo vagar pela mansão.
O dia se arrastara lentamente de uma forma boa e por algum milagre divino se manteve longe dos meus pensamentos. Eu consegui até mesmo soltar alguns risos enquanto, na cozinha, Mary, Meredith e eu relembrávamos momentos da minha infância, de como eu era uma criança extremamente difícil e encapetada. Mere cozinhava meu prato favorito – lasanha – enquanto Mary e eu conversávamos distraidamente, sem deixar que memórias difíceis trouxessem tudo aquilo que tentávamos esquecer naquele momento. No entanto, de tempos em tempos, eu era abatida por uma sensação estranha no fundo do estômago, uma náusea e um nó se formando na minha garganta enquanto eu tentava ferozmente afastar aquela sensação de vazio que resolvia me atormentar quando eu menos esperava. Chacoalhava a cabeça e voltava a prestar atenção na voz aguda de Meredith e prestando uma atenção dobrada nos movimentos que fazia com a colher na panela de molho vermelho.
Quando o jantar foi finalmente servido, minha mãe fez questão que Mere se sentasse conosco, coisa que jamais fizera, e senti uma agradável sensação de estar entre a família. Eu era apaixonada pela lasanha de Meredith, eu sempre dizia que era um pedaço de Deus na minha boca toda, e com certeza foi o que eu mais havia sentido falta em todo esse tempo que estivera fora. Todas as minhas tentativas de cozinhar para ou tio Lewis uma lasanha decente haviam sido falhas, e nada no mundo se comparava à lasanha de Mere. E foi por isso que me assustei quando, ao colocar aquele pedaço de Deus na boca, meu estômago foi embrulhado por um enjoo insuportável, me fazendo largar o garfo brutalmente e me pondo a correr em direção ao banheiro mais próximo. Eu não havia comido nada o dia inteiro, portanto não havia nada para ser jogado fora, o que fez minha garganta doer; eu ainda podia sentir o cheiro nauseante da comida em minhas narinas, fazendo meu estômago revirar novamente no momento em que Mary e Meredith adentraram o banheiro preocupadas. Mamãe sentou-se comigo no chão e segurou meus cabelos, mas nada saía.
Eu provavelmente estava mais nervosa do que eu tinha conhecimento. Eu provavelmente estava sem comer por mais tempo do que realizara. Ou poderia ser outra coisa.
Mas a ideia era absurda. Absurda demais. Tão absurda que fez meu estômago se contorcer novamente e lágrimas queimarem meus olhos sutilmente. Encarei Mary completamente assustada. Ela de algum modo entendeu o que meu olhar amedrontado significava.
Eu nunca havia me preocupado antes em contar minha menstruação, mas naquele momento desesperador eu não conseguia me lembrar da última vez em que havia de fato menstruado, a não ser por algumas gotas de sangue que saíram há duas semanas, mas não dei tanta importância. Mas fazia sentido naquele momento.
“Não...” sibilei horrorizada, sentindo um desespero gritante se apoderar de mim a cada segundo que aquela informação crescia, literalmente, dentro de mim. Não podia ser. Era coisa da minha cabeça. Aqueles enjoos não significavam nada a não ser meu choque pelos últimos acontecimentos. Não significavam nada. Não podiam significar. “Não...” soltei novamente com mais firmeza. Talvez se eu negasse com mais ferocidade aquilo realmente não aconteceria.
Encarei Mary e Meredith seguidamente, procurando em suas expressões o que aquilo poderia significar, procurando a negação que eu tanto ansiava, querendo que elas me dissessem que aquilo não era o que eu pensava que poderia ser. Mas as duas me encaravam identicamente, com a expressão num misto de surpresa e pena.
Não.
não estava ali. Aquilo simplesmente não poderia estar acontecendo.
Não.
Aquilo era um pesadelo. Eu sabia que era. Se juntaria logo com aquele pesadelo que vinha sendo os últimos dias.
Não.
Era inaceitável.
não estava ali.
Eu não podia estar grávida.
Capítulo 31
Looking from a new perspective
Eu lembrava claramente, como se fosse ontem, quando vi na TV a explicação dos médicos sobre o que era a pílula anticoncepcional. Lembrava, porque havia achado sensacional a ideia de ter tal controle sobre o próprio corpo, de poder escolher quando seria a hora certa de ter um bebê. E naquele momento eu me perguntava incessantemente a razão por não ter começado a tomá-la, enquanto esperava pelo exame de sangue que colocaria minha vida de cabeça para baixo – como se ela já não estivesse completamente revirada.
Para falar a verdade, eu estava atônita. Alienada a qualquer coisa à minha volta. Mary estava ao meu lado, segurando minha mão sem dizer uma palavra, e eu simplesmente encarava uma enorme planta ao lado da porta do médico. Ainda não havia conseguido assimilar tudo o que estava acontecendo. Eram informações demais. Minha mente estava sobrecarregada, ameaçando fundir e explodir a qualquer momento, por isso eu me limitava a encarar a planta no intuito de espantar todos os pensamentos que pudessem me atormentar naquele momento. Eu não queria pensar no futuro enquanto eu não abrisse o envelope que o médico me entregaria. Não queria pensar no que faria se eu realmente estivesse grávida, queria simplesmente voltar às horas passadas em que eu pensava no que eu faria com a minha pacata e insignificante vida agora que havia partido.
Eu não estava preparada para aquilo. Não estava nem ao menos preparada para entrar para faculdade, nem mesmo para o Comitê, imagina para aquilo. Para um filho. Definitivamente não estava. De repente, sem que eu pudesse perceber ou controlar, soltei uma gargalhada estridente, quase maníaca, fazendo Mary se assustar ao meu lado. Ela me encarou como se eu tivesse acabado de ter um colapso nervoso, o que não era inteiramente mentira. Eu estava prestes a receber a notícia que eu teria um filho, enquanto há algumas semanas minha única preocupação era procurar um lugar seguro para que eu e meus amigos pudéssemos acender um cigarro de maconha. Em que minha maior responsabilidade era pintar os cartazes revoltosos do Comitê e gritar praça a fora sobre as injustiças do governo. Em que meu único objetivo era bolar um plano para fugir com meu namorado – que agora se encontrava na Irlanda, em uma guerra.
Como eu havia parado naquele escritório esperando pelo resultado de um teste de gravidez? Quando as coisas ficaram mais complicadas do que poderiam?
“Vai dar tudo certo” minha mãe afirmou com certeza, apertando minha mão, e quis rir mais alto ainda por me encontrar naquela situação com ela. Se fosse meses atrás, se eu lhe desse a notícia que estava grávida de , ela provavelmente sofreria um ataque do coração irreversível. Mas como eu já havia chegado à conclusão, minha vida estava de ponta cabeça e nada, definitivamente nada, era como antes. Eu não tinha mais pai. Não sabia se meu namorado voltaria e agora minha mãe, que eu sempre tanto odiei, havia se tornado a única pessoa que eu jamais imaginei que me acalmaria.
Concordei com um aceno e senti meu coração quase quebrar minhas costelas quando a porta do médico finalmente se abriu, tampando a planta que havia sido meu bloqueio mental até momentos antes. Ele caminhou até mim com uma expressão que beirava a pena, mas tentava manter um sorriso no rosto na intenção de dar uma boa notícia. Eu já sabia o que estava por vir. Já sabia que minha vida nunca mais seria a mesma, e não precisava de um pedaço de papel que me confirmasse aquilo.
Involuntariamente, minha mão foi em direção à minha barriga enquanto o doutor apenas repetia as palavras que rodeavam a minha mente. Eu estava grávida. Era oficial. Eu não podia mais fugir daquilo.
Tudo aquilo seria normal, se a situação não fosse comigo. Era mais do que normal garotas da minha idade ficarem grávidas na época. Eu tinha dezoito anos e, na sociedade, qualquer garota de dezoito anos provavelmente estava casada e esperando o primeiro filho nessa idade. Mas era dessa vida que eu sempre quis fugir. Fugir dos padrões, do que a sociedade machista impunha, do que minha própria mãe impunha. Seria realmente normal. Principalmente se o pai da criança que eu esperava estivesse ali comigo, segurando a mão que minha mãe segurava, escutando aquela notícia que deixaria tantos outros felizes.
Eu ainda não havia decidido meus sentimentos. Eles eram milhares e confusos, se entrelaçavam e viravam uma completa bagunça dentro da minha cabeça. Eu me sentia revoltada por aquilo ser a última coisa que eu iria querer na vida, ansiosa por não saber qual passo dar em seguida, perdida por não ter ao meu lado quem eu mais precisava naquele momento. Não havia ainda espaço para alegria, simplesmente porque eu ainda não havia decidido se aquilo era bom ou ruim. Eu não sabia de mais nada.
Meus movimentos se tornaram completamente automáticos no caminho até a mansão, nem ao menos conseguia responder uma monossílaba para as palavras de conforto que Mary dirigia a mim. Meus pensamentos involuntariamente me levaram a . Fiquei imaginando sua reação ao receber a notícia se ele estivesse ali. Apertei o papel dentro do bolso do meu casaco e tive a certeza de que ele estaria dando pulos de alegria, diferentemente de mim. Claro que ele iria concordar comigo que seria difícil, mas sei que ele estaria feliz, muito mais feliz do que eu estava naquele momento. Ele já teria o nome na cabeça e me arrastaria a uma loja de roupinhas de bebês. Voltei a me indagar onde estaria. Em algum barco atravessando o Mar da Irlanda, provavelmente, sem a mínima ideia e sem nem ao menos cogitar a possibilidade do que estava acontecendo. Apertei ainda mais a folha em minha mão, desejando desesperadamente por outra carta de . Eu sabia que ele escreveria assim que chegasse na base do exército inglês na Irlanda, mas a agonia me corroía por dentro, por saber que demoraria semanas, até meses para que uma carta dele chegasse até mim. O que significava que demoraria ainda mais até que eu pudesse dar a notícia, e mais ainda para eu receber uma carta de volta sabendo de sua reação. Eu queria contar o mais rápido possível para que ele tivesse um motivo ainda maior para voltar logo para casa. Para mim. Para nós.
Já em casa, a primeira coisa que fiz foi contar a notícia para por telefone. Sua reação foi de extremo choque, talvez porque ela se colocou em minha posição e realizou o quão complicada aquela situação era. Provavelmente se sentia aliviada por não ter acontecido com ela, e eu não podia culpá-la. Eu não soube responder quando ela me perguntou como eu estava me sentindo ou sobre o que eu faria agora, fazendo com que aquela conversa fosse extremamente silenciosa e tensa. Eu ainda não sabia o que sentia. Sabia o que tinha que fazer, mas não sabia como fazê-lo.
Me joguei na cama e passei a encarar o teto, desejando mais do que nunca que John estivesse ali. Ele saberia o que fazer. Saberia o que falar para desfazer aquele nó que se formava em minha mente e me impedia de pensar com clareza. Ao contrário do que imaginava, não me senti triste ou angustiada com a falta dele. Suspirei pesadamente e fechei os olhos, sabendo exatamente o que ele me falaria. ‘Você é forte. Você consegue fazer isso.’
Batidas na porta me distraíram do turbilhão de pensamentos e então vi Mary adentrar o quarto. Seus cabelos loiros, antes tão sedosos e com penteados espetaculares, agora estavam opacos e desgrenhados. Seu rosto belo, sempre ostentado por maquiagens, estava extremamente magro, complementados por olheiras fundas e rugas que eu nunca vira antes. Sentou-se na beirada da cama e me encarou profundamente.
“Sei que nunca tivemos uma relação saudável e que nunca conversamos sobre isso antes...” ela começou com a voz firme e um olhar maternal que nunca ostentava antes. “Sei que deve estar perdida agora, principalmente por não estar aqui. Eu te digo, minha filha, você pode nem acreditar. Mas nunca desejei tanto que o pequeno estivesse aqui.”
Soltei uma risada leve, não só pelo fato de Mary estar dizendo, admitindo tal coisa, mas principalmente por tê-lo chamado do modo como John sempre o chamava. Ela havia soado exatamente como ele.
“O que eu mais me arrependo nesse mundo é ter afastado você de mim. Não sei como isso foi acontecer, quando começou... Sei que sempre tivemos um relacionamento difícil, já que você era a criança mais desobediente que já vi” ela sorriu divertida, me encarando um tanto quanto atônita. Eu ouvia suas palavras com todo cuidado do mundo, sentindo o peso das minhas costas se relevarem um pouco ao ver nossa relação sendo reconstruída. “Sempre fui perfeccionista, mas acho que comecei a ficar obcecada. Eu queria que tudo na minha vida fosse perfeito, desde o meu casamento à minha vida social. Queria ser invejada por tudo o que tinha, por isso, quando você começou a crescer e desenvolver a rebeldia que sempre esteve dentro de você, eu fiquei ainda mais obsessiva. Queria que você fosse como eu, que se preocupasse com status, com as festas de gala, em ser tudo aquilo que a sociedade quer que nós sejamos. Queria arrumar o namorado perfeito pra você, queria que se casasse e cuidasse de sua casa como se fosse seu trabalho, como eu fazia. Mas você nunca foi igual à mim, à nenhuma outra garota dessa cidade. Nunca gostou de brincar de bonecas ou de casinha como as outras crianças, gostava era de ler e escrever poemas que nunca entendi. Você sempre foi esperta demais para que eu a entendesse...” Mary levou as mãos aos meus cabelos, afagando-os carinhosamente enquanto sorria um tanto tristonha. “Eu podia ter tentado entendê-la e a aceitado como é. Todos teriam inveja por eu ter a filha mais inteligente da cidade” riu, levando-me a fazer o mesmo. “Eu queria que você fosse perfeita, , mas você é perfeita. Do jeito que você é. Eu vejo isso agora.”
Suspirei, tentando absorver aquelas novas informações que eram lançadas para mim. Peguei suas mãos finas e frias e as beijei.
“Você não precisa se sentir arrependida. Estamos juntas agora. Tudo é passado. Eu mais do que nunca preciso me focar no futuro, e tudo o que importa é que eu tenho você comigo agora” falei, sentindo minha garganta apertar. Mary deixou escapar uma lágrima e me abraçou.
“Você será uma ótima mãe. Melhor do que eu jamais fui” ela sussurrou.
“Você é uma ótima mãe” respondi simplesmente e, pela primeira vez, eu sabia exatamente como eu estava me sentindo. Eu estava feliz. Estava feliz porque sabia que seria uma ótima mãe. Tinha certeza absoluta disso. O que me fazia voltar ao estado anterior de confusão era saber que, a única coisa que eu não sabia, era quando o bebê que crescia em mim tomaria conhecimento do pai maravilhoso que teria.
Belfast, 17 de Dezembro de 1964
Eu pensei que talvez fosse fácil superar a saudade. Não que eu verdadeiramente conseguisse, mas que seria pelo menos fácil se acostumar com ela. Faz poucos dias que parti, mas já tenho a certeza que ela será minha companheira constante nesses tempos em que ficaremos separados. A primeira coisa que fiz quando cheguei a Belfast foi arranjar uma caneta e um papel, enquanto meus oficiais saíram distribuindo armas. E tudo o que eu queria fazer era escrever para você, numa tentativa de te sentir mais próxima, como se eu estivesse casualmente te contando tudo isso em uma tarde quente no Nonna’s. A verdade é que eu sinto você aqui. O tempo todo. Talvez seja por isso que a saudade ainda não é gritante, porque eu ainda me lembro claramente do cheiro do seu cabelo, daquele brilho único que têm seus olhos, do som da sua gargalhada e do toque dos seus beijos. Dos nossos momentos. Nosso quase primeiro beijo no vale. A vez em que você me ligou para te levar para minha casa quando não aguentava mais morar com Mary e levei alguns murros de Benjamin. O nosso primeiro beijo na festa do sítio. As vezes em que dançamos e esquecemos do mundo. Quando nos deitávamos na grama e encarávamos as estrelas, apenas sentindo a presença um do outro. O modo como você se encaixa perfeitamente em mim quando te abraço, e toda a confusão de sentimentos que você me causa quando encosta seus lábios nos meus. Como você é tão atenciosa e sempre está pronta para me ajudar – e me tirar de confusões. O jeito como me olha, como se eu não tivesse defeitos, sendo que na verdade sou o cara mais imperfeito – principalmente para você. Não me importa os caminhos que te levaram até mim, o que importa é que de alguma forma eu me sinto seu. A complexidade de tudo o que eu sinto, me faz pensar que vivi um milhão de anos ao seu lado, como se fôssemos um casal de velhinhos que se amaram a vida toda. Eu te amo a minha vida toda, desde o primeiro dia que coloquei meus olhos sobre você, sabia que você era tudo aquilo que eu precisava para ser completo. A verdade é que jamais vou esquecer de tudo o que passamos, todos esses momentos tão simples e intensos que vivemos em tão pouco tempo, e independente de quanto tempo passemos separados, essas lembranças continuarão frescas na minha mente até o momento em que nos reencontrarmos, e eu anseio desesperadamente para que esse momento chegue o mais rápido possível. São todas essas lembranças que me dão as forças necessárias para continuar aqui, firme e sem medo. Não vou negar a você, eu tenho medo. Quase o tempo todo. Não nasci para guerras, você mais do que qualquer pessoa sabe disso. Nunca me imaginei pegando em uma arma, muito menos... Se eu não tivesse essas preciosas recordações para me agarrar... Só queria que você soubesse o quão importante é para mim, agora mais do que nunca. Seu olhar me faz esquecer do lugar que estou, seu sorriso me faz ter coragem de levantar da cama e enfrentar qualquer coisa que eu tenha que enfrentar. Saiba que você é a maior motivação para me manter de cabeça erguida e fazer de tudo para te ter em meus braços novamente.
Em todo e qualquer lugar que eu vá, você estará comigo. Sempre. Para sempre.
Eu te amo.
Sinceramente,
.
Capítulo 32
Everything will be alright
Bolton, 21 de Janeiro de 1965
Sua carta não poderia ter chegado em um momento mais perfeito. Não sei como te contar o que estou prestes a contar. Não sei qual vai ser sua reação, e ter que contar através de uma carta faz tudo ser mais difícil do que já é. Nunca quis tanto você do meu lado, quero tanto, tanto, tanto que chega a ser insuportável. Ponderei a possibilidade de não te contar pelo medo da sua reação – apesar de saber que ela vai ser extremamente positiva – mas tenho medo do que você possa fazer aí. Sei como você é louco, sei que tentaria fugir e sei que seria até capaz de matar seus oficiais, e não quero que você se meta em alguma confusão que possa alongar nosso tempo separados. Quero que saiba que estou bem, e que não tem nenhum motivo para se preocupar. Vou te contar, porque quero que saiba que agora existem milhões de motivos para você voltar, e que estarei esperando ansiosamente.
Estou esperando um filho seu, . Nem preciso te dizer o choque que foi descobrir isso, e admito que foi muito difícil cair na realidade. Mas hora nenhuma duvidei de que a escolha certa era tê-lo, porque ele é a prova viva de que você sempre estará comigo. De acordo com o médico, estou grávida de dois meses e você não tem noção da sensação de ter alguém crescendo dentro de si. Agora que o choque e o desespero passaram, é maravilhoso. , e já sabem e já me deram os presentes mais lindos do mundo. Já temos algumas roupinhas – algumas que foram minhas, inclusive – e alguns brinquedinhos. está super empolgado e comprou uma guitarrinha de plástico, dizendo que nosso filho será uma estrela do rock assim que nascer. Mary está sendo incrível, pode acreditar, ela até admitiu que quer que esta guerra acabe logo para que você volte. Sim, ela disse isso, eu também não acreditaria se não tivesse escutado com meus próprios ouvidos. Ah, diga ao que ele será padrinho, ok?
E o seu pai está radiante. Implorei para que ele não mandasse uma carta antes de mim, porque sabia que ele não aguentaria esconder a surpresa. Ele está amando a ideia de ser avô e já está até construindo um berço especial para o nosso filho. É ainda meio estranho falar nosso filho. Talvez minha ficha ainda não tenha caído completamente, mas acho que aquele brilho de grávida que todos alegam existir já esteja em mim. É claro que todos da cidade já sabem, afinal, moramos em Bolton e você sabe muito bem como uma fofoca não demora a circular por aqui. Como se o povo daqui já não me olhassem torto o suficiente, agora é quase impossível entrar em algum lugar sem ser notada. Mas não me importo, de verdade.
Sei que é muito para você assimilar tudo isso que estou te contando, sei que o que você deve estar vivendo aí já é suficientemente difícil, então espero que essa notícia não torne as coisas ainda mais complicadas para você. Por favor, me prometa que não vai fazer nada estúpido. Nós estaremos esperando por você, não importa o tempo que passe. Sei que essa guerra acabará tão rápida quanto começou.
Se cuide.
Para sempre sua,
.
Para todo lugar que eu ia, levava as duas cartas de comigo. Poderia parecer besteira, mas tê-las ali dentro do meu bolso me fazia sentir como se ele estivesse andando bem do meu lado, com suas mãos entrelaçadas na minha, me dando aquela sensação de que nada poderia me atingir. Noel, o mordomo da mansão, agora dirigia meu carro por ordens de Mary. Não sei o que se passava em sua cabeça, mas ela achava que agora que eu estava grávida, eu não era capaz de dirigir.
Noel me levava para o sítio do tio Lewis. Eu fazia questão de visitá-lo praticamente todos os dias, e quando eu não estava lá, o senhor ia até a mansão me visitar. Ele agia como sei que John agiria. Me tratava como se eu fosse de porcelana e pudesse quebrar a qualquer momento. Às vezes aquela superproteção me incomodava, já que ela não vinha apenas de Lewis , mas também de Mary, Meredith, , e . O bom de tudo isso era que tudo o que eu pedia, eu conseguia, quase como se eu fosse uma Rainha. Ri do meu pensamento enquanto Noel saia do carro para abrir a porta para mim e eu era recepcionada pelas dezenas de cachorros do sítio. Bradock veio ao meu encontro todo saltitante e quando pulou sobre mim, o cachorro ficou praticamente da minha altura. Fiz um carinho atrás de sua orelha e avistei tio Lewis de longe, correndo em minha direção com um sorriso enorme.
“Sai pra lá, Bradock!” ele empurrou o cachorro com cuidado e me abraçou. “Como está minha nora e meu netinho?”
“Estamos bem” sorri com carinho, retribuindo seu abraço com força. Tudo naquele sítio me lembrava , e a sensação de estar próxima a ele era reconfortante. Noel nos acompanhou até dentro da casa e tio Lewis arrastou as cadeiras da mesinha da cozinha para que nos sentássemos.
“Fiz seu bolo de chocolate favorito, ” disse animado indo até o forno e o abrindo, deixando com que aquele cheiro maravilhoso do bolo empesteasse o ar. Minha barriga roncou e achei engraçado, já que antes eu nem ao menos estava com fome. “ devorava um tabuleiro disso aqui quando ainda morava aqui no sítio!” tio Lewis comentou com Noel alegremente, colocando o tabuleiro na nossa frente. Ele fez questão de cortar um enorme pedaço pra mim e raspou a calda de chocolate das beiradas, do modo que eu sempre fazia. Em menos de um minuto eu já tinha devorado o bolo com poucas dentadas.
Visitar tio Lewis era sempre maravilhoso. Não só pelo modo paternal como ele me tratava, mas porque podíamos dividir a saudade de ; eu sabia que ele sentia falta do filho tanto – ou até mais – quanto eu. Ele era solitário, uma vez que era viúvo e seu único amigo restante era John, que também se fora. E agora sem o filho presente eu jamais o deixaria sozinho. Tinha até pedido para que ele se mudasse para a mansão – com o alvará de Mary – mas ele insistia que aquele sítio era a vida dele, e que ele jamais seria capaz de sair dali. Ainda tinha o bar que o fazia companhia todas as noites, então eu presumia que ele não ficaria tão sozinho assim. E afinal de contas, agora com um neto a caminho, ele jamais se sentiria sozinho novamente.
Fui embora do sítio quando o sol começava a se pôr, deixando a paisagem à beira da estrada num tom dourado maravilhoso. Quando passeávamos pelas ruas principais de Bolton até a mansão, passamos em frente ao meu antigo colégio e deixei com que um sorriso escapasse dos meus lábios com todas as memorias que vieram à minha cabeça. Desde as brigas com até as risadas que sempre arrancava de mim com comentários maldosos sobre as garotas que estudavam conosco. Depois de dirigir mais um pouco, Noel passou em frente ao Nonna’s e um pouco mais a frente tinha o Block Dancing Pub, onde eu antigamente ia para dançar com Benjamin. Tudo agora parecia um passado muito distante, e a lembrança de estar com Benjamin era muito remota, quase completamente apagada na minha mente. Parecia, na verdade, que eu nunca estivera com alguém antes de . Que existia somente ele na minha vida, e sempre seria assim. Talvez pudesse ser um pensamento romântico e surreal demais, mas era como eu me sentia. Agora mais do que nunca.
Passei a mão em minha barriga e quando passamos em frente à Universidade de Bolton, um novo pensamento clareou minha mente. Pedi para que Noel voltasse e parasse ali em frente, e atravessei o saguão enorme da faculdade rapidamente, antes que sua secretaria se fechasse.
A balconista era uma garota que havia estudado comigo no Ladywood, e ela olhou curiosa e descaradamente para minha barriga. Seu nome era Alison, se eu me lembrava bem era uma garota tímida e gentil, talvez pudesse me ajudar com o que eu queria fazer. Eu ainda estava surpresa comigo, já que o pensamento de entrar em uma faculdade já era remoto antes mesmo de partir para a guerra, e seria uma das últimas coisas que uma pessoa normal – e grávida – teria vontade de fazer. Mas a gravidez em si estava causando todas aquelas confusões em mim, então resolvi simplesmente abraçar o momento.
- Oi Alison, se lembra de mim? – perguntei retoricamente, é claro que ela se lembrava; sabia até mesmo que eu estava grávida.
- Claro, – sorriu gentilmente. – Em que posso te ajudar?
- Eu sei que as inscrições da faculdade já estão fechadas... Eu havia sido aceita em Literatura em Cambridge, mas... – passei a mão com carinho em minha barriga ainda inexistente – Por razões óbvias, não posso me mudar para Cambridge.
- As aulas começaram têm dois meses, ... – ela disse com pesar, se envergonhando depois por ter me chamado pelo meu apelido.
- Não tem problema! Eu consigo acompanhar! Literatura é minha grande paixão, Alison, eu não teria dificuldades em acompanhar... – falei convincente, ainda vendo a expressão indecisa no rosto de Alison. – Tente pelo menos falar com seus superiores. Só isso que te peço.
- Tudo bem. – ela se deu por vencida, entregando-me uma prancheta. – Preencha seus dados aí e verei o que posso fazer.
Sorri agradecida e preenchi o formulário de adesão da Universidade de Bolton. Entreguei-o a Alison antes que pudesse me arrepender daquilo que estava fazendo, agradeci e corri de volta para o carro, e Noel me levou de volta a mansão.
- Você acha que isso é uma loucura? – perguntei à , ainda confusa com a escolha que acabara de fazer. Três dias depois que fui até a Universidade, Alison me ligara animada dizendo que o Conselho da faculdade concordara em me aceitar. O fato crucial talvez fosse que John sempre doara grandes quantidades de dinheiro para mantê-la, e Mary continuara fazendo mesmo depois da morte de papai. Eu não duvidava que ela mesma tivesse ligado lá e pressionado os diretores a me aceitarem. Ela achava que era uma ótima ideia eu voltar para os estudos, mesmo estando naquelas condições. Ocuparia minha cabeça e eu não pensaria tanto com o paradeiro de .
Todos os dias eu passava metade do meu tempo em frente a uma televisão, louca por notícias da guerra. A Inglaterra e a Irlanda do Norte caíam em peso sobre o Eire, e a ultima vez que tive noticias de , ele ainda estava em Belfast. Teria ele já partido para Dublin, na luta sangrenta que lá tomava lugar? Eu rezava que não.
Eu tentava ser positiva a maior parte do tempo, mas não conseguia evitar o medo que me afligia toda vez que via um bombardeio na TV. Eu deveria – agora mais do que nunca – participar das passeatas que ocorriam por todas as ruas de Bolton, mas Mary e até mesmo Julian, que depois de ficar sabendo da notícia, me visitava de tempos tem tempos, me convenceram de que aquela não era uma boa ideia para a minha segurança.
- Eu acho sensacional! – respondeu com animação enquanto eu tomava um gole do maravilhoso chá gelado que Meredith havia nos preparado. Estávamos estiradas sob o sol na beirada da minha piscina, pois meu médico aconselhara a pegar o solzinho de manhã para a minha saúde e a do bebê. estava cursando a Universidade de Bolton, fazia psicologia, então ela saberia me aconselhar. – A Universidade é fantástica. Claro que não é nenhuma Cambridge, mas você vai se dar bem. Não pode desistir assim tão fácil dos seus sonhos.
Ela tinha razão. Não era só porque estava fora – e eu agora estava grávida – que eu deveria parar a minha vida. No momento em que desisti de Direito, ideia de minha mãe na época, a minha maior vontade era cursar Literatura. Aquela vontade voltara com tudo, e eu estava certa de que aquilo seria o melhor para mim. Afinal, eu teria que arrumar um emprego, já que não poderia viver pra sempre da herança de John e muito menos iria tomar conta dos negócios do John, então eu tinha que arranjar algo para fazer e sustentar a mim e àquela criança, algo que eu amasse – de preferência.
Eu me sentia iluminada, de verdade. Às vezes me sentia um pouco mal, já que estava em uma guerra, mas... Eu tinha o direito de me sentir feliz. Não tinha a mínima ideia de como eu estaria se não tivesse aquele bebê para restaurar as forças em mim. As reviravoltas foram tantas que às vezes eu tinha dificuldades em acreditar que tudo aquilo estava acontecendo de verdade. Parecia um sonho muito surreal. Tudo tinha saído dos trilhos que eu havia planejado, nada mais era como eu pensava que seria. Mas minha vida tinha tomado um rumo que eu agora gostava, e mesmo achando que jamais poderia ser inteiramente feliz com a ausência de , a parte dele que crescia dentro de mim me completava de uma maneira incrível.
Não pude deixar de imaginar a reação de . Eu sei que ele agiria exatamente o contrario de tudo o que pedi, mas aquele era ele. Impulsivo, sempre preparado para fazer o que era certo na cabeça dele. No fundo, eu queria que ele fizesse tudo o que fosse possível para voltar à Inglaterra, mas eu sabia que as chances eram mínimas, para não dizer nulas. Na cabeça de seus superiores, a guerra era mais importante que qualquer coisa que seus soldados tivessem deixado para trás. Talvez fosse verdade, mas eu queria mais que tudo que ele estivesse ao meu lado. Entretanto, eu sentia que ele estaria, logo, logo.
- Eu serei uma madrinha fantástica... – disse, me despertando dos devaneios, e tinha certeza que ela o fez de propósito. Eu sei que ela também pensava em tanto quando eu pensava em , e era bom saber que eu a tinha do meu lado. Senti sua mão tocar minha barriga e sorri.
- A melhor do mundo inteiro. – concordei, sobrepondo minha mão na dela.
- Já pensou em um nome? – ela perguntou curiosa.
Eu já tinha pensado sim. Passava horas e horas na minha cama pensando no nome perfeito. Eu queria que me ajudasse a escolher, mas tinha certeza que o nome que eu havia pensado o agradaria tanto quanto agradava a mim.
- Joanna se for uma garota. John se for garoto.
não precisava que eu a explicasse os nomes. Queria que, independente do sexo, o nome do meu filho fosse uma homenagem ao meu pai. Talvez eu pensasse mais nele do que em . A tristeza não mais me abatia quando eu o fazia, agora tudo o que eu sentia era uma saudade enorme, mas saudável. Eu o sentia perto de mim, por mais louco que aquilo parecesse. Sabia o quão feliz ficaria com a notícia de ser avô, e aquilo fazia meu coração apertar de uma saudade quase insuportável. Mas eu me sentia incrivelmente sortuda por tê-lo tido em minha vida e por ter passado momentos fantásticos ao seu lado. Na verdade, meu bebê seria incrivelmente sortudo por ter tantas pessoas maravilhosas ao seu redor.
Mais tarde, Meredith preparara um jantar especial. , e Julian, juntamente com que continuava lá, jantariam na minha casa. Ela fez um pouco de tudo: lasanha que era meu prato favorito e não mais me fazia enjoar, batata assada com bacon que era o prato favorito de , pão de alho que era a obsessão de e torta de limão que era a sobremesa favorita de . Eu ainda não sabia qual era a comida favorita de Julian, então esperaria até a noite para descobrir.
Mary recebeu meus amigos com um sorriso alegre, fazendo com que eles me encarassem com uma cara assustada. Eles ainda não estavam acostumados com aquele lado agradável de Mary. Ri histericamente da feição de choque de para mim.
Sentamo-nos na enorme mesa de jantar, e já foi direto para a bandeja de pãezinhos. Conversávamos animadamente, sendo o tópico principal o bebê. Eu já sabia que o pobrezinho seria o mascote da turma antes mesmo de nascer.
- Eu acho um absurdo você não dar o nome do seu filho de . Acho inaceitável. John que me desculpe – olhou para o teto, como se conversasse com John lá no céu, me fazendo rir. – Mas é um nome muito mais bonito.
- Ah, cala a sua boca. Se tem um nome bonito aqui, esse nome é – o outro rebateu, como se o que tivesse acabado de falar fosse o maior absurdo do mundo.
- Pelo amor de Deus, seus nomes não são nada perto do meu. Julian... Sente só o poder! – Julian disse, entrando na brincadeira.
- Todos os nomes são lindos, garotos, mas continuo com John. Tenho certeza que não iria querer o nome de nenhum destrambelhado no filho dele... – rebati divertida, e então os três entraram numa discussão interminável sobre por que seu nome era mais bonito que o outro.
Fazia tempo que não nos reuníamos como antes. Com festas regadas a álcool, quero dizer. Na verdade, nem me lembrava de qual fora a última. Os meninos continuavam a frequentar festas, isso era óbvio, mas agora nossas reuniões se resumiam a filmes, pipoca e muita conversa jogada fora. Estávamos levando a sério a ideia de não nos afastarmos porque dois membros da nossa gangue estavam temporariamente ausentes.
Nos víamos toda a semana, geralmente nos finais de semana, e era ótimo saber que ainda éramos os mesmos e ainda sabíamos como nos divertir, apesar dos pesares. Julian havia se tornado um membro oficial da turma, apesar de não ser tão atoa como éramos e dedicar a maior parte do seu tempo ao Comitê. Na verdade, a maioria das noticias que eu tinha sobre a guerra, vinham dele. E ele também era uma das pessoas que mais me fazia sentir tranquila, sempre me dizendo que aquela guerra iria acabar logo, sempre me colocando a par das negociações do governo. começaria a trabalhar no consultório do pai e trabalhava agora com tio Lewis, ajudando-o com o bar, principalmente no que dizia respeito ao som do lugar. Ele era praticamente um roadie das bandas que tocavam lá. Pensando bem, não éramos tão atoas assim.
Eu começaria a estudar na próxima segunda-feira e estava com aquele típico frio na barriga antes do início das aulas. Todos meus amigos consideraram a ideia ótima e já diziam que eu seria uma autora famosa futuramente. Não que eu tivesse a mínima intenção de escrever profissionalmente. Na verdade, não tinha a mínima ideia do que faria quando me formasse.
Eu tinha que viver um dia de cada vez. Minha vida mudaria o suficiente daqui sete meses.
Belfast, 06 de Março de 1965
Como eu deveria começar essa carta? Eu não consigo me expressar ainda nem verbalmente, imagina pôr essas palavras no papel? Você não tem nem noção de como eu fiquei, . Eu literalmente gritei durante uma hora, e até mesmo os soldados lá da Irlanda devem ter me escutado. Eu acho que nunca me senti tão feliz e tão frustrado em toda minha vinha vida. VOCÊ ESTÁ GRÁVIDA? Eu ainda não consigo acreditar. É a melhor notícia do mundo. Mas ao mesmo tempo, eu fico com uma raiva gigante de pensar que eu não estou aí. E você me conhece bem o suficiente para saber que eu fiz de tudo – do possível ao impossível, tipo tentar fugir – mas não consegui me livrar desse exército maldito. Meu superior me rebaixou durante uma semana, e tive que limpar latrinas, você pode imaginar que não foi nem um pouco agradável.
Você me perdoa por não estar aí? Não imagino como deve estar sendo carregar essa responsabilidade tão grande sozinha. QUE ÓDIO. Eu nunca vou me perdoar por não estar aí com você. Nós devíamos ter fugido no momento em que essa guerra estourou, do jeito que você falou. Eu sei que não depende de mim, mas vou fazer de tudo para que essa merda acabe antes do nosso bebê nascer. Nosso bebê. Não dá pra acreditar. Eu estou rindo histérico aqui, e meus companheiros já sabem que eu sou louco. Todos me deram parabéns e me abraçaram quando eu saí espalhando a notícia aos sete ventos. Vocês dois já são um sucesso por aqui. Já quase bati em três aqui – de brincadeira, claro – que falaram que vão tentar roubar você de mim quando voltarmos para Londres. Eu jamais deixaria, mas agora vai ser mais impossível ainda.
Sonho todas as noites com você e com o nosso bebê. Não sei por que, mas sinto que é uma menina. Sei que é você que tem que sentir essas coisas, então acho que estou meio grávido também. Isso fez com que me chamasse de louco. Ah, acho que ele está mais animado que eu com a notícia. Disse que será o padrinho mais legal de todos os tempos. Que se for um garoto, ele vai ensiná-lo a tocar guitarra, e que se for garota, era bater em todos os garotinhos que tentarem se aproximar dela. Como se eu já não fosse fazer isso.
Mas então, voltado aos sonhos. Eu digo que acho que é uma garota, porque todos os sonhos que eu tive, vi uma pequena garotinha correndo pelo jardim do sítio. É doido, não é? Ela era linda, como você. Ela tinha seus olhos e não parecia nada comigo, graças a Deus.
Você também já pensou em todos os nomes, aposto. Já até sei que irá colocar John se ele for homem – o que tenho minhas dúvidas –, e apoio totalmente.
Três dias depois da sua carta, chegou a do meu pai contando a notícia. Acho que se sua carta atrasasse, seria ele quem teria me contado. Pode brigar com ele, eu deixo. Ele me contou que você o visita todos os dias, e eu só tenho a te agradecer por isso. Não é sua obrigação cuidar dele, e saber que você faz isso por livre e espontânea vontade só confirma ainda mais o quão maravilhosa você é.
Eu te amo mais e mais cada dia que passa e saber o que me espera quando eu voltar me faz o cara mais feliz do planeta. Quero estar aí para ver sua barriga crescer, quero ver nossa filhinha nascer e crescer em uma pessoa maravilhosa como você.
Te amo, te amo, te amo.
Sempre seu,
.
Capítulo 33.
Lead Me, Guide Me.
Bolton, 15 de maio de 1965
Cinco meses. Não dá pra acreditar que se passaram cinco meses desde que você foi pra Irlanda. A minha saudade de você é quase irracional, se quer saber. Se não fosse por essa coisinha dentro de mim, não sei o que seria de mim. Sim, eu sou dramática, mas não deixa de ser verdade. Esse bebê me trouxe novas expetativas. Por falar nele, minha barriga está cada dia mais evidente. Ainda me sinto um pouco estranha, mas o pai de disse que é normal. É, o pai de agora é meu médico, já que o Doutor Thompson teve que se mudar para Londres. Eu ando comendo mais que o normal – então você pode imaginar que estou comendo muito mesmo. Às vezes tenho alguns enjoos e minha mãe disse que eu puxei isso dela. Mary disse que certa vez foi até para o hospital do tanto que vomitava. Ainda não cheguei nesse estágio, e espero que não chegue também.
O melhor de estar grávida é que todos estão me tratando como uma princesa. Principalmente seu pai e Meredith – e sei que você seria pior que eles, duvido que me deixasse até andar. Eles agora parecem que vivem para cozinhar minhas comidas favoritas, e disso não posso reclamar.
Entrei para a faculdade! Eu sei que você iria adorar essa ideia. Está sendo fantástico. Meus professores são ótimos e estudar sobre meus autores favoritos é um sonho. Voltei a escrever também. Escrevi alguns poemas, quando eu criar coragem os mandarei para você. Agora invertemos posições, não é mais você que escreve as coisas para mim.
E escreveu para que você quebrou três dedos esmurrando uma parede quando ficou sabendo da notícia. Eu já tenho preocupações o suficiente com as bombas caindo por aí, , não me faça ter preocupações extras. Eu sei que você gostaria de estar aqui, e eu queria isso tanto quanto você, acredite em mim. Mas infelizmente não podemos fazer nada, e eu me cansei de revoltar com isso. Temos que aceitar o fato de que você estar longe e só torcer para que essa guerra acabe logo. Eu ainda estarei aqui esperando por você quando voltar, com a linda Joanna nos braços.
Eu ainda não sei o sexo, mas também sinto que é uma menina. E sim, você é louco por ter esses pressentimentos, isso é coisa de grávida! Pensei em Joanna... O que você acha? Minha mãe chorou quando sugeri esse nome. O bebê também deu a ela novas perspectivas. Acho que a ajudou a superar a morte de John. Ela voltou a pentear os cabelos e usar maquiagem, está parecendo a Mary de antigamente – tirando a maldade. Ela tem sido incrível, , queria que você estivesse aqui para ver. O enxoval já está praticamente completo graças a ela, que está completamente empolgada. Já decorou um dos quartos de hóspedes; pintou as paredes de um roxo claro – que irá agradar tanto se for menina ou menino, como se um bebê fosse importar com as cores de seu quarto – e pintou de branco o berço que seu pai fez. O quartinho está ficando uma gracinha.
está desempenhando um papel de madrinha fantástico. Deu um chá de panela incrível com as socialites de Bolton e depois dos presentes que ganhei, juro que nunca mais falo mal delas.
A mãe de também estava lá. Ela me olhava de um jeito como se agradecesse por eu não ter engravidado do seu filho.
E não seja bobo, eu quero mais do que tudo que esse bebê se pareça com você. Eu sei que sou linda – modéstia parte – mas quero que ele tenha seus lindos cabelos e esse seu sorriso maravilhoso, que sempre me deixa calma toda vez que me lembro dele.
E sobre seu pedido de desculpas... Não me faça ir até aí te dar uns tapas na cabeça, . Não é sua culpa que você está ai. Como eu já disse, não podemos mais ficar lamentando. Agora mais do que nunca temos que pensar apenas no nosso futuro.
Te amo muito, amor.
Sempre sua,
.
Eu já tinha me acostumado por completo com o fato de estar grávida. Os chutes de Joanna/John dentro de mim eram motivo de festa para todos à minha volta, e uma felicidade imensurável tomava conta de mim a cada dia que passava. Minha barriga já estava grande e meus amigos – nem eu – pareciam se cansar de tocá-la. e ficavam completamente abobalhados sempre que me viam.
Todo dia que ia me visitar me levava presentes e mais presentes, no nome dela e de . Ela sempre beijava minha barriga e conversava com o bebê que estava lá dentro, dizendo que aquele beijo fora mandado pelo tio .
Sem falar na disfunção hormonal. Eu era uma bomba relógio ambulante, prestes a chorar ou rir histericamente a qualquer momento. Também estava pesando cem quilos provavelmente, devido ao tanto que eu comia. A ansiedade me consumia mais e mais. Eu seria capaz de criar um filho sozinha?
E cada dia que passava, eu sentia ainda mais a falta de .
Dublin, 22 de Julho de 1965
Esses correios ainda vão me dar nos nervos. Ter que esperar dois meses por uma carta sua é quase tortura. Isso quer dizer que você está com sete meses! SETE MESES! Eu estou cada vez mais desesperado. Fico imaginando como você está. Se eu estivesse aí estaria surtando muito mais que você, tenho certeza. Fico imaginando como você está. Fisicamente, quero dizer. Todos sempre dizem que as grávidas ficam maravilhosas, então você deve estar perfeita. Eu estaria te mimando de todas as maneiras possíveis, pode ter certeza. Queria estar aí acariciando sua barriga linda, mas quando penso nisso ainda sinto um pouquinho de revolta. Eu sei que você disse que temos que nos conformar, mas é difícil demais.
E sim, achei sensacional você ter voltado para a faculdade. Imagino o quão empolgada você deve estar. Pare de bobeira e me manda um de seus poemas. Ter o que encarar além de suas cartas e sua foto será maravilhoso. E eu continuo escrevendo músicas, principalmente sobre você, então não queira tirar esse posto de mim! Qualquer distração a mais é ótimo para mim.
Fui transferido para a base de Dublin. Meu oficial decidiu que sou um bom soldado, então fui mandado pra cá, junto com . As coisas aqui são mais difíceis, mais perigosas. Estou escutando tiros nesse momento fora da base... Em Belfast minhas tarefas eram mais simples. Quero dizer, eu não era um soldado de campo, meu trabalho era limitado a lavar os uniformes dos meus superiores, levar e receber as cartas nos correios, até ajudava na cozinha às vezes. Aqui em Dublin as coisas são diferentes. Estou no miolo da rebelião. Vi pela primeira vez uma pessoa ser morta. Bem na minha frente. Era um civil. Uma pessoa inocente. Ainda escuto suas súplicas quando vou dormir, mas não tinha nada que eu pudesse fazer...
Mas acho que é estupido dizer isso pra você, não quero que fique preocupada. Está tudo bem. Vai ficar tudo bem. Eu sei disso porque quando começo a ficar um pouquinho desnorteado, penso em você e em todo o futuro que tempos pela frente. Você não tem noção da calma que você me traz só de olhar para o sorriso da sua foto que eu trouxe.
E sobre o nome, acho Joanna lindo. Sei que John ficaria muito feliz. E eu faço questão que você mande um enorme beijo para sua mãe, e fala que até dela eu sinto saudades. Estou falando muito sério. Sete meses parece uma eternidade.
Quero estar perto de você de novo. Não aguento mais.
Te amo mais do que tudo.
Sempre seu,
.
PS.: No verso dessa carta está uma das músicas que venho escrevendo. Ela foi toda pensada em você. Espero que goste.
“Life is getting harder day by day
And I don't know what to do, what to say
And my mind is growing weak every step I take
So uncontrollable now they think I'm fake
But I’m not alone.
And I get on the train on my own
And my tired radio keeps playing tired songs
And I know that there's not long to go
When all I wanna do is just go home
But I'm not alone
People rip me for the clothes I wear
Everyday seems to be the same, they just swear
They just don't care
But I'm not alone”
Um mês e meio havia se passado desde que eu enviara a ultima carta para , no dia 10 de Setembro. A ultima que ele havia enviado fez com que meu coração se apertasse insuportavelmente dentro do meu peito. Estava muito mais melancólica se comparada às outras, que ainda tinham um pouco de humor. Eu sabia que aquela guerra estava o afetando cada dia mais, e não havia nada que eu pudesse fazer.
O desespero me acolhia a cada segundo que passava. A guerra tinha tomado um novo nível de violência, sendo comparada com a Segunda Guerra Mundial, em menores proporções. Para piorar tudo, Julian me dizia que as negociações entre os governos iam de mal a pior, e aquela guerra não tinha nem previsões para acabar.
O mundo inteiro estava dividido entre apoiar a Inglaterra e a Irlanda do Norte ou o Eire. Eu não importava quem apoiava quem, só queria meu de volta para casa. As imagens que passavam na TV não me ajudavam em nada; eram tiroteios, pessoas sangrando e gritando, bombas destruindo ruas inteiras. Eu chorava desesperada toda vez, rezando para que não estivesse no meio daquele caos, e então vinha Meredith e desligava a TV numa inútil tentativa de tentar me acalmar. Ela dizia que eu não poderia ter aquele tipo de estresse tão próximo ao dia de dar à luz.
Aí sim eu me desesperei por completo. Eu poderia ter um bebê a qualquer momento. Eu estava tão acostumada em tê-lo ali dentro de mim que eu tinha medo de não saber o que fazer assim que ele nascesse. Teria a ajuda de Mary e Meredith, claro, mas era diferente. Eu não sabia como ser uma mãe. Tinha medo de estragar tudo. Eu só tinha dezenove anos recém-adquiridos, eu não sabia nada sobre ser uma mãe. E durante algum tempo indeterminado, eu teria que saber como ser mãe e pai ao mesmo tempo. Era demais.
Peguei a última carta que recebi de e reli seu verso, onde estava sua musica escrita a mão. A vida está a cada dia mais difícil. E eu não sei o que fazer, o que dizer. Eu queria mais do que tudo estar ao lado dele, para mostrar que ele realmente não estava sozinho. Meus pensamentos estavam com ele vinte e quatro horas por dia. E minha mente vai ficando fraca a cada passo que eu dou.
Eu não gostava nem de imaginar o que ele estava passando. era a pessoa mais pacífica que eu conhecia, e eu tinha medo de pensar o que aquela guerra poderia fazer com ele, não só fisicamente, mas principalmente em seu psicológico. Eu não tinha nem ideia de como seria ver alguém morrer bem na minha frente, e não podia nem imaginar o que se passava pela cabeça dele. era inocente e bondoso. Eu tinha medo do que aquele caos poderia causar nele. Não queria que ele perdesse aquele jeito moleque, sempre pronto a ajudar quem fosse que precisasse, sempre pronto a acreditar no melhor das pessoas. Eu não conseguia imaginar ... matando alguém. O que aquilo podia fazer com o psicológico de uma pessoa?
E foi pensando em toda a situação de que senti a primeira pontada na barriga. Foi uma dor leve, mas eu já sabia o que estava por vir. Gritei pelo nome de Mary e ela veio correndo para o meu quarto, já preparada para qualquer coisa, uma vez que eu estava nos últimos dias de gravidez.
- Mãe, acho que acabei de ter minha primeira contração.
Eu já não sabia dizer se estava completamente desesperada ou inteiramente feliz. Ter a sensação de que a qualquer momento eu teria um bebezinho minúsculo nos meus braços era apavorante, mas ao mesmo tempo me trazia uma alegria sem cabimentos.
Mary soltou um grito de alegria e gritou por Meredith e Noel. Uma malinha com roupas para mim e para o bebê já estava arrumada há dias por precaução, então tudo o que eu tinha que fazer era deixar com que Mary e Noel me ajudassem a descer aquela escada inconvenientemente grande. Senti outra pontada, dessa vez um pouco mais forte, me fazendo levar a mão até minha enorme barriga em sinal de proteção.
- Mary, ligue para , peça para ela ir ao hospital e avisar aos meninos! – gritei desesperada. Eu queria que as pessoas mais importantes da minha vida estivessem lá naquele momento tão especial. – E AH! Claro, ligue para o tio Lewis!
Noel me ajeitou no carro, enquanto Mary sentava ao meu lado. Meredith iria para o hospital assim que fizesse as ligações.
As contrações começaram a ficar ritmadas, mas eu não sabia exatamente qual era o tempo de intervalo entre elas, mas sabia que Mary estava marcando. Tudo o que a dor me deixava pensar naquele momento era em . A vontade de tê-lo ali fez com que a dor não fosse nada; a dor de sua ausência conseguia ser infinitamente pior.
Comecei a chorar, sem saber se era pela dor das contrações ou pelo fato de não estar ali segurando minha mão. Ele nem ao menos sabia o que estava acontecendo, e eu nem sabia onde ele estava, muito menos como estava. Gritei, fazendo com que Noel pisasse no freio mais fundo e em poucos minutos já tinham enfermeiros rodeando o carro para me tirar dali. Me sentaram em um a cadeira de rodas, enquanto alguém me pedia para respirar fundo. Eu chorava, mas ninguém sabia verdadeiramente porque eu o fazia. Milhares de pensamentos perturbadores rodeavam a minha mente. Vi levar tiros em diferentes partes do corpo dezenas de vezes, o que me fez gritar novamente. Eu não poderia ter aqueles pensamentos, não agora que estava prestes a dar à luz. Aquele era um momento especial, eu tinha apenas que pensar em como ele estaria feliz se estivesse ao meu lado.
Inspirei e expirei profundamente diversas vezes, tentando espantar aquelas imagens horrorosas da minha mente. De qualquer maneira, a cada segundo que passava a dor ficava maior e me impedia de pensar em qualquer coisa que não fosse a minha vontade de ter logo aquele bebê.
Eu já estava na sala de parto quando chegara com e . Ela não havia conseguido encontrar Julian, aparentemente. Tio Lewis já havia chegado há minutos atrás. Eu estava ali, deitada e gritando o que parecia uma eternidade, mas na verdade, se passara apenas uma hora. Aparentemente, o bebê não estava posicionado da maneira correta para poder sair, por isso eu teria um probleminha a mais.
O pai de estava sentado de frente para as minhas pernas, enquanto duas enfermeiras pressionavam minha barriga e diziam palavras de incentivo. Meus amigos pareciam que estavam prestes a gritar comigo.
- Vamos lá, , empurre com mais força! – o pai de disse, como se eu já não estivesse empurrando com todas as forças do meu corpo. Quis dar um chute em sua cabeça, já que minha posição era favorável a fazê-lo. Segurei a mão de tio Lewis com mais força, que encarava minha barriga e depois para mim com olhos desesperados. Ele era quem parecia que pariria a qualquer momento.
- Só mais um pouco! Já consigo ver a cabeça! – o Sr. disse finalmente, e eu sabia que aquela agonia estava prestes a acabar. Em poucos minutos eu finalmente seguraria meu bebê. O rosto de veio de imediato em minha mente, e eu podia vê-lo sorrindo como se estivesse ao meu lado. Aquilo me deu forças o suficiente para que eu pudesse dar o empurrão final, e eu então pude escutar um choro estridente em seguida. Lágrimas saltaram dos meus olhos como uma cascata, enquanto as enfermeiras envolviam aquele bebê pequenininho e ensanguentado em uma manta azul.
As mulheres do recinto – , Meredith e Mary –, choravam tanto, ou se brincar, mais do que eu. Tio Lewis tinha os olhos encharcados, bem como e até mesmo . As enfermeiras pareceram demorar uma eternidade até colocarem meu bebê em meu colo. Pensei em quando vi seus cabelinhos e as lágrimas embaçavam meus olhos completamente. Achei que explodiria de felicidade.
“Bem-vinda ao mundo, Joanna.”
Dublin, 20 de Novembro de 1965
Eu não estou conseguindo escrever direito. As lágrimas não estão deixando. Acho que nunca fiquei tão feliz na minha vida depois de ler a sua última carta. Acho que você já cansou de ler o tanto que eu queria estar aqui, mas acho que não falei o suficiente. É gritante a minha vontade de estar aí. De ver nossa filhinha nos seus braços. De pegar nos seus cabelinhos , olhar seus olhinhos e falar para ela o quanto eu já a amo, sem nem ao menos tê-la visto. Nunca pensei que existisse sentimento assim. Não consigo explicar bem o que tá se passando dentro de mim, é uma confusão só. Mas eu acho que eu poderia ter um troço a qualquer momento. Não consigo parar de rir e gritar para todo mundo o nome da nossa filha. Abracei tão forte que quase quebrei suas costelas. Dei um tiro sem querer no teto do nosso alojamento. Quase beijei na boca do meu General. Não dá pra calcular minha felicidade. Minhas mãos estão tremendo e eu não consigo parar de chorar – devo estar chorando por mais de três horas seguidas. Obrigada pelo melhor presente da minha vida, , e isso me faz te amar cada dia mais, e mais, como se fosse possível guardar tanto amor e saudade dentro de uma pessoa só.
Por favor, amor, não se esquece de dizer à nossa pequena Joanna todos os dias que eu a amo muito e que vou voltar logo, logo para poder abraçá-la o dia inteiro, para nunca mais largar. E me mande uma foto assim que puder. Estou desesperado de curiosidade aqui para saber como ela é.
Peça pros garotos cuidarem bem de você e da minha princesa. Sei que meu pai deve estar em cima de vocês duas vinte e quatro horas por dia.
Amo vocês mais que tudo nesse mundo.
Pra sempre seu,
.
- Plantão News. O Primeiro-Ministro Harold Wilson anuncia oficialmente o fim da Guerra Eire. O exército britânico foi capaz de aprisionar o ditador Ramsay Baldwin, que está sendo mandado para a prisão de Brixton, em Londres.
Capítulo 34.
All I needed was the rain
Já havia se passado um ano desde que partira para a guerra. E há quatro mês eu carregava nos braços a prova viva do que eu sentia por ele. Do que ele sentia por mim também.
Joanna era o bebê mais lindo do mundo. Tinha os maiores olhos que eu já vira na vida, os cabelos e enormes bochechas rosadinhas. Eu já havia tirado uma foto e enviado para . Eu queria estar perto para ver sua expressão quando a visse. Provavelmente choraria por mais três horas seguidas, se eu o conhecesse bem.
- Seu pai deve estar enlouquecendo lá em Dublin... – sussurrei para aquele pacotinho embrulhado em uma manta rosa em meus braços. Ela me encarava com aqueles olhos lindos, fazendo barulhinhos estranhos com a língua.
A última carta de havia sido curta e eu sabia por quê. contara em uma carta à que as coisas em Dublin ficavam cada vez mais difíceis. O acampamento deles havia sido atacado por terroristas irlandeses, e metade dos soldados que lá dormiam morreram. e conseguiram escapar, mas sofrera alguns ferimentos graves na perna, dos quais ainda sofria com dores. E outro dia, o general havia obrigado a tirar informações de um soldado irlandês, e escrevera na carta que nunca mais foi o mesmo depois daquele dia. Somente quando recebera a minha carta contando sobre o nascimento de Joanna foi que viu sorrir novamente pela primeira vez em semanas. também dissera que o ambiente de guerra era insuportável, dormiam com os sons de tiros – se conseguissem dormir – e acordava com gritos vindos de todos os cantos. , que nunca presenciara a morte de ninguém já havia visto no mínimo trinta mortes e que jamais seria o mesmo. Aquilo me deixava mais preocupada ainda em relação aos dois. A , principalmente. Ele tinha uma inocência única, via uma beleza inexplicável no mundo, e eu nem gostaria de pensar o que passou por sua mente quando viu alguém morrer – e pior, ao ter que matar alguém.
Ele não me contaria nada disso, provavelmente com medo da reação. Me senti um pouco triste por isso. Por mais difícil que fosse, eu queria que soubesse que podia desabafar para mim, que eu conseguiria lidar com o que ele tinha a dizer. Nem conseguia imaginar o que estava passando por sua cabeça, mas queria que ele pudesse confiar em mim para dizer o que sentia. E queria que a foto da nossa pequena Joanna lhe desse um pouco mais de segurança e calma naqueles momentos difíceis.
Doze meses que ele estava longe de mim, mas distancia nenhuma conseguia ser capaz de diminuir um pingo se quer dos meus sentimentos por .
Eu estava no sítio de seu pai, lugar onde passava a maior parte das minhas tardes. Minha rotina se resumia a ir para faculdade – enquanto Mary e Meredith cuidava de Joanna –, passar a tarde com tio Lewis e as maiorias das noites eu passava em claro cuidado da pequenina. Não que ela desse muito trabalho, mas eu era um pouco paranoica e acordava de cinco e cinco minutos para ver se ela estava bem. E nessas noites, eu havia adquirido uma certa mania peculiar. Eu embrulhava Joanna em um cobertor e sentava à beirada da janela do meu quarto, a mesma janela em que me sentava para escutar as serenatas que me passava. Observava as estrelas enquanto contava a Joanna casos sobre seu pai, sobre como ele era a pessoa mais maravilhosa que eu já conhecera, e sobre nossos momentos juntos. Aquilo parecia acalmá-la e entretê-la, já que ela me encarava com olhos curiosamente calmos. Ela já não conseguia dormir sem escutar minhas histórias. Eu gostava de relembrar de tudo que havia vivido com , minhas memórias ainda eram frescas em minha mente, e aquilo fazia com que eu o sentisse mais perto de nós.
Aquele dia fora especialmente peculiar. Enquanto eu voltava da faculdade e passava pelo centro da cidade, os pedestres estavam mais agitados que o normal. Riam, se abraçavam, e eu podia jurar que ouvira fogos de artifício. O transito estava particularmente caótico, e eu nunca havia visto Bolton tão tumultuada.
Movida pela curiosidade, saltei do carro dirigido por Noel e corri a passos largos até uma multidão concentrada em frente uma loja de eletrodomésticos, com dezenas de televisões na vitrine. Meu coração batia forte contra o peito, uma sensação confusa me atingia em cheio. Eu sabia que eram boas noticias. Tinha de ser boas notícias.
- Plantão News. O Primeiro-Ministro Harold Wilson anuncia oficialmente o fim da Guerra Eire. O exército britânico foi capaz de aprisionar o ditador Ramsay Baldwin, que está sendo mandado para a prisão de Brixton, em Londres.
Eu já não consegui ouvir mais nada além da agitação dentro de mim. A guerra havia acabado. Tão repentinamente quanto começara.
Eu ria histericamente, gritava, chorava, abraçava desconhecidos ao meu redor, pulava, rodopiava. Ele estava voltando! estava voltando para casa!
A primeira reação que tive foi ordenar que Noel me levasse até o sítio. Eu sabia que há esse ponto tio Lewis já havia escutado a notícia, mas eu precisava vê-lo, precisava compartilhar aquela alegria que explodiria em mim a qualquer momento.
Quando enfim cheguei ao meu destino, corri em direção ao Senhor , que já me aguardava na varanda da casa. Sem dizer uma palavra, abraçamo-nos e deixamos que as lágrimas caíssem, num ato silencioso de felicidade.
- Ele está voltando... – Lewis sussurrou em meu ouvido com a voz trêmula. – Meu garoto está voltando...
Apertei-o ainda mais com os braços, já tendo a imagem de em minha cabeça.
Ele descendo do navio. Seus olhos procurando pelos meus. Seu sorriso se abrindo ao me ver. Seu corpo correndo contra o meu. Seus braços ao redor da minha cintura. Seus lábios matando toda a saudade reprimida.
Um arrepio passou pela minha espinha só de imaginar que eu o veria novamente em questão de dias. A felicidade era indescritível.
Bolton estava extasiada. Os fogos não pararam nem por um segundo, e eu e os meus amigos compartilhávamos desse êxtase na praça principal da cidade. Todos os moradores haviam lá se reunido para comemorar, e eu me permiti colocar um pouco de cerveja pra dentro, depois de mais de um ano sem beber. O líquido nunca me pareceu tão revigorante, e depois de apenas um copo eu já sentia minhas pernas bambearem de uma forma confortável. Meu rosto já doía de tanto sorrir, mas quem se importava? Eles estavam voltando, isso era o que importava. também partilhava da minha felicidade, porque só ela sabia o que eu estava sentindo. Trocávamos olhares cumplices que transbordavam alegria, e nos abraçávamos de minuto em minuto.
Quando finalmente o cansaço pareceu me abater, resolvi voltar para casa. Encontrei mamãe e Joanna deitadas no sofá da sala, enquanto um programa qualquer na televisão ainda dava notícias sobre o fim da guerra. Acordei Mary delicadamente e ela apenas me lançou um sorriso cúmplice, entregando-me Joanna. Subi com a pequenina para o quarto e, mesmo que ela estivesse dormindo, sentei na cadeira em frente a janela e passei a encarar o portão, onde o carro amarelo de costumava parar. Quase pude vê-lo de pé ali, cantando Elvis Presley com sua voz maravilhosa. Acariciei os cabelos de Jo, e ela se remexeu preguiçosamente em meus braços; beijei suas bochechas com sutileza.
- O papai está voltando para nós.
Trinta dias depois, lá estava eu para o grande dia. O porto de Liverpool estava abarrotado de esposas chorosas e pais orgulhosos. Tio Lewis estava ao meu lado, com uma Joanna inquieta em seu colo, enquanto mantinha seu braço entrelaçado no meu. e estavam atrás de nós, um mais apreensivo que o outro.
Minhas mãos suavam incessantemente, e minhas pernas tremiam de nervosismo. Meu coração só faltava saltar pela boca enquanto eu via mais um navio se aproximar. Aquele seria o quarto e último navio a ancorar no porto. Aquele seria o navio o qual e desceriam para nos reencontrar. Todos nós trocávamos olhares ansiosos, sorrisos nervosos, pois todos nós estávamos na expectativa para vê-los novamente. A imagem de vindo de encontro a mim era reconfortante e ao mesmo tempo me deixava cada vez mais impaciente enquanto o navio aproximava-se lentamente da costa. Tudo o que eu conseguia pensar era em seus olhos, aqueles olhos que diziam tanto pra mim sem que ele proferisse uma palavra sequer. Aqueles olhos que me diriam que finalmente tudo ficaria bem.
Não sabia dizer ao certo quanto tempo o navio demorou a chegar, um minuto, meia hora, talvez dias, mas quando ele finalmente atracou, achei que não conseguiria ficar de pé nem mais um segundo sequer.
Soldados uniformizados começaram a descer pelas escadas postas na beirada do navio, e eu nem ao menos conseguia ouvir a barulheira ao meu redor. Tudo o que eu conseguia escutar eram as batidas ensurdecedoras do meu coração. A qualquer momento.
Finalmente vi o semblante de aparecer, e nem ao menos esperei, puxei o braço de e nós duas corremos em direção à escada por onde ele descia. Meu coração batia cada vez mais frenético.
terminou de descer a escada apressadamente e tratou de abraçar daquele jeito que eu sabia que seria abraçada a qualquer momento. Já podia sentir os braços de me envolverem.
Voltei a encarar a escada, vendo dezenas de soldados descerem com sorrisos enormes nos lábios, mal podendo esperar para encontrar a pessoa amada que haviam deixado para trás. Um por um foram descendo, e eu procurava o rosto de em todos. Minha garganta estava seca de ansiedade, minhas mãos pingavam e meu coração saltaria pela boca em qualquer instante.
Meus olhos se moviam rapidamente à procura, e eu já estava prestes a subir aquela escada para ir atrás de eu mesma e arrastá-lo o mais depressa possível daquele navio. Por que ele ainda não estava ali ao meu lado?
Minhas pernas bambearam e tudo ficou silencioso à minha volta. Eu não escutava nada. Absolutamente nada. Apenas o som do meu coração acelerado contra as minhas costelas.
Virei minha cabeça alguns centímetros, apenas para encontrar os olhos de . Ele ainda abraçava firmemente, mas seus olhos estavam fixos nos meus. Aqueles olhos que foram meus cumplices durante tanto tempo. Aqueles olhos cheios de alegria e espontaneidade, mas que agora estavam regados de tristeza. Uma tristeza doentia. Uma tristeza que eu nunca havia visto antes. Uma tristeza que corroeu tudo, absolutamente tudo dentro de mim.
Seus olhos continuaram compenetrados nos meus por alguns instantes.
Silêncio.
Meu melhor amigo balançou a cabeça sutilmente, deixando uma lágrima escapar de seus olhos mórbidos.
E então minhas pernas finalmente cederam.
Capítulo 35.
Dear Diary
Bolton, 13 de Junho de 1966
Querido Diário.
A brisa que bate em meus cabelos é friamente reconfortante. As folhas acima de mim rebatem umas nas outras, fazendo uma música interessante de se ouvir. Bradock está ao meu lado ressonando ruidosamente, enquanto Joanna engatinha na grama em meio a gargalhadas atrás de Lewis. Por coincidência, Help Falling In Love toca na vitrola dentro da casa.
E só agora resolvi confrontar todos esses sentimentos embaralhados dentro de mim.
A saudade ainda é grande, principalmente quando fecho meus olhos e sua imagem vem de encontro a mim, mas já aprendi a conviver com ela. Não é insuportável, não é ensurdecedora, não é mais impossível. Para falar a verdade, talvez ela nunca fora essas coisas. A saudade simplesmente passou a ser parte de mim, uma amiga, um lembrete de que tive uma pessoa maravilhosa como você em minha vida.
Minhas mãos ainda vão de encontro ao travesseiro à sua procura, meu nariz ainda sente seu cheiro vez ou outra, e meu coração ainda sussurra pelo seu nome. Talvez essas serão manias que eu terei para sempre, e assim espero que seja.
Passou-se muito tempo desde a última vez que te vi, mas a sua memória continua fresca em minha mente como se eu tivesse o visto ontem. Ainda me lembro do som de sua risada, do gosto de seus beijos e da sensação maravilhosa que é ter seus braços ao meu redor. Ainda me lembro claramente do timbre de sua voz ao cantar Elvis para mim. E o Rei sempre será lembrete constante de você.
Por alguma razão, não consigo me lembrar de você com dor. Tudo o que vem a minha cabeça quando busco minhas memórias é felicidade. Eu sou uma mulher de sorte por ter tido a oportunidade de conviver com alguém como você, e serei grata por isso para o resto da vida. Acho que é assim que você gostaria que eu me sentisse. Sei que não iria querer que eu me lamentasse para sempre, e provavelmente me daria uns petelecos se parasse minha vida devido a sua perda. Afinal, tenho um grande motivo para ser feliz.
Ela tem seus olhos. Se por algum momento eu me esquecer de como era bom olhar nos seus, de como eles eram brilhantes, inocentes e reconfortantes, tudo o que preciso fazer é olhar nos dela. Até mesmo a gargalhada parece soar como a sua. Talvez seja por isso que Joanna seja tão idêntica a você; para reconfortar meu coração.
Estou ficando por uns tempos no sítio com seu pai. Não queria deixá-lo sozinha, jamais seria capaz. Mary entendeu, e vem nos visitar todos os dias, enquanto continuo frequentando a faculdade. Ela e Lewis se dão incrivelmente bem, e ficam o dia inteiro trocando histórias sobre John. Até descobri que ele costumava ser o maior fumador de maconha de Bolton e era incrivelmente rebelde com os pais. Rio por horas só de imaginar John com um cigarro na mão.
Minhas aulas estão cada dia mais apaixonantes. Ando escrevendo bastante também, sei que você gostaria de ler um dos meus poemas. Sei também que você acharia fantástico qualquer coisa que eu escrevesse, então precisei de um leitor mais imparcial. Julian os leu e os achou incríveis, e acabou me convencendo a mandar um deles para o jornal. Agora escrevo quinzenalmente para eles. Já sou considerada uma espécie de celebridade em Bolton. É ridículo, de verdade. Além de escrever, trabalho na parte de correção do jornal, e o salário não é lá essas coisas, mas é tudo que preciso.
Joanna já aprendeu a falar papai. Eu continuo contando histórias sobre você para ela dormir, e acho que uma parte dela já te conhece. Ela fica vidrada em minhas palavras, talvez simplesmente goste de ouvir minha voz, mas gosto de acreditar que ela entende o que estou falando. Sempre antes de dormir, em alguma noite que me encontro cansada demais para qualquer outra coisa a não ser me deitar na cama, ela insistentemente me cutuca e sibila papai, para que eu possa contar as usuais histórias que ela está cansada de escutar. Apenas seis meses e ela é o bebê mais esperto que conheço.
pediu em casamento. Nunca vi aqueles dois tão felizes. Não vou negar e dizer que não sinto um pinguinho de inveja, mas minha alegria por eles consegue ser mil vezes superior. sugeriu em fazer a cerimonia aqui no sítio, no intuito de alegar o tio Lewis e sentir você um pouco mais perto de nós. A verdade é que sentimos você por perto o tempo todo. está sempre contando suas histórias embaraçosas e sempre se lembra de suas piadas sem graça alguma. Eles continuam com a banda, tocando pelos bares de Bolton. Inclusive foram chamados para cantar em um grande pub em Manchester. Nem preciso comentar o quão empolgados eles estão. Já combinei com Mary, ela cuidará de Jo enquanto viajo com eles até Manchester. Acho que devo estar mais animada ainda... Achei alguns rascunhos em sua escrivaninha e dei à , que os finalizou em música. Ele tocou a melodia da música que você nomeou Not Alone e me mandou naquela carta. Dessa vez não contive as lágrimas e agradeci por ter os braços de ao meu redor. Ele também me deu uma foto sua todo vestido com o uniforme do exército, os cabelos raspados e um sorriso no rosto. E é assim que gosto de me lembrar de você.
Também criaram melodias para a letra de The Way You Make Me Feel. Eu pude até mesmo imaginar você a escrevendo. A época de quando eu estava com Benjamin e você tivera que esconder seus sentimentos de mim, remoendo-os.
Although it seemed so rare, I was always there.
Tola fui eu de nunca ter percebido. Mas de qualquer maneira, estou feliz da maneira como as coisas se desenrolaram. Se tivessem acontecido de qualquer outro jeito, talvez não tivéssemos nos amado tão intensamente como fizemos.
I can’t stop digging the way you make me feel.
Talvez eu continue sentindo sua falta para o resto dos dias. Talvez chegue um momento em que sua memória já não seja mais nítida em minha mente. Nada mais é certo nessa vida.
Mas uma certeza eu tenho.
Eu nunca me esquecerei da maneira como você me faz sentir.
“Like a river flows surely to the sea, darling so it goes... Somethings are meant to be.”
Bolton, 21 de Agosto de 1966
Querido Diário.
Dover é um insuportavelmente quente nesta época do ano, então tive que trazer Joanna aqui. É a primeira vez que ela vê o mar, e está completamente hipnotizada. Estou observando-a jogar pedrinhas em Meredith, enquanto esta insiste em se manter o máximo de distância possível do mar incrivelmente calmo. Então, Mary em sua roupa de banho luxuosa, pega Jo no colo e a leva em direção ao mar. É claro que Mere fica desesperada, mas não tem coragem de impedir Mary, simplesmente porque não se atreve chegar mais do que dois metros perto do mar. Joanna ri escandalosamente com Mary quando ela a gira dentro da água.
A cena me dá uma calma incrível, junto com uma felicidade incondicional. Chego à conclusão de que tenho uma família maravilhosa. Penso em John e o imagino dentro do mar com as duas, como se eu estivesse tendo uma visão do meu passado, e Joanna na verdade sou eu.
E então penso em você, apenas porque isso se tornara um hábito. Meu coração já não mais acelera, já não mais fica desesperado. Ele é uma calmaria só, como nunca fora. O ato de pensar em você agora me dá uma paz indescritível.
Lembro-me de quando viemos a Dover juntos, e damos nosso segundo beijo no farol de Chadwick. Olho de relance até ele, suas listras vermelhas cada dia mais desgastadas.
Pergunto-lhe o que sentes por mim, como se eu já não soubesse que era completamente apaixonado. E então você responde:
“Você acreditaria se eu dissesse que meu coração acelera só de ouvir seu nome?”
Só mesmo alguém como você para dar tal resposta de tirar o fôlego de qualquer uma. Lembro-me bem de como me senti. Completamente extasiada. Como se eu fosse a garota mais especial de todo mundo. E para você, eu provavelmente era.
acaba de chegar à praia com , recém-casados. O casamento foi a coisa mais linda que eu já vi. Decoramos o sítio inteiro com rosas brancas. Foi uma cerimonia extremamente íntima, mas tive que me deparar com Benjamin depois de séculos. Ele parecia um pouco mudado. Estava cursando a faculdade em Manchester. Veio me pedir sinceras desculpas pelo que havia feito, mas mal sabe ele que beijar Michelle fora a melhor coisa que ele podia ter feito para mim. Me deu os pêsames por John e por você, e ficou completamente encantado por Joanna, mas ela não pareceu gostar muito dele. Chorou quando Benjamin fez menção de pegá-la no colo. Me contorci para não rir.
estava maravilhosa como nunca. Uma felicidade radiante e contagiante tomava conta dela, e logo me preencheu por completo. E também nunca havia visto tão alegre. Só faltava pular de um lado para o outro no altar quando disse sim.
Pela primeira vez em tempos, dancei novamente. Daquele jeito que costumávamos fazer. arriscou alguns passos, mas ele era horrível. Deve ter pisado trinta vezes seguidas no meu pé. Mas valeu a diversão, enquanto improvisava passos ridículos e me fazia rir escandalosamente.
Fizemos um brinde em sua homenagem, e nós cinco nos entreolhamos com sutileza. Não estávamos completos, mas estávamos felizes. Porque indiretamente você estava lá conosco. E então sorrimos pelo simples fato de termos um ao outro, os melhores amigos do mundo, acontecesse o que acontecesse, fosse o tempo que passasse.
então senta-se ao meu lado sem dizer uma palavra, sabe que escrever em meu diário é a minha terapia, meu modo de ficar um pouco mais perto de você. Sei que observa , que saiu correndo praia a fora, deixando suas roupas por onde passava. Foi de encontro a Mary e Joanna se debateu para ir ao seu colo. Ele é o melhor padrinho de todos, e Jo é completamente apaixonada por ele. até mesmo se sente um pouco enciumada, já que Jo não dá a ela nem metade da atenção que dá a . Encaro e ela sorri abertamente, e não resisto ao fazer o mesmo. Joanna trazia uma alegria incondicional a todos. De alguma maneira, ela substituía o vazio que você deixou.
Os dois brincam e riem juntos dentro do mar, e até arrisca alguns mergulhos que duram segundos, arrancando gritos desesperados de Meredith ao meu lado. Joanna então grita animadamente por mim. E aquela voz angelical é música para os meus ouvidos, assim como a sua foi um dia. E então é hora de largar o diário e voltar pra vida real.
Capítulo 36.
I can't help falling in love with you
Bolton, 10 de Setembro de 1966
Querido Diário,
Hoje é o primeiro aniversário de Joanna. Claro que não consigo conter a minha felicidade, mas ela seria maior se ele tivesse aqui. Tudo o que eu mais queria nesse mundo é que ele estivesse aqui para vê-la crescer. Sei que a presença de um pai é essencial para o crescimento de uma criança, para mim foi, pelo menos. Tive o melhor pai que qualquer criança pudesse ter. Mais que um pai: um anjo. E não tenho a menor dúvida de que seria exatamente isso para a pequena Joanna. Às vezes me pegava imaginando como seria se ele estivesse aqui, envolvendo nossa pequena naqueles braços que eu tanto amava abraçar...
Olhando para trás, esse pouco tempo que eu e vivemos juntos, eu achava incrível a conexão que tivemos. Talvez eu fosse exagerada, talvez fosse a saudade, ou o fato de ele ter sido meu primeiro amor. Mas a verdade é que tudo tinha sido muito intenso e muito rápido e agora parecia muito distante. Eu sempre acreditei que tudo acontece por uma razão, mas agora eu não entendia a razão de tê-lo perdido.
Talvez eu devesse apenas pensar nas razões de ele ter aparecido em minha vida. Fomos amigos a vida toda e eu nunca havia reparado em seus olhares diferentes ou qualquer sinal de que ele poderia sentir algo mais que amizade por mim. A verdade é que nunca reparei muito em . Nunca havíamos sido grandes amigos, nunca trocamos diálogos profundos, então o despertar daquela pequena paixão que tive por ele foi a maior surpresa que eu poderia ter. E tudo por causa de . Aquela amiga que havia me traído no que agora parecia séculos atrás. Fora ela quem abrira meus olhos. ‘Como alguém pode gostar de você? Só um idiota como o !’, foram essas as suas palavras. E a partir de então eu comecei a vê-lo com outros olhos. Passei a reparar em todos os pequenos detalhes que antes não via, todos os sinais que emanava e eu era cega demais para enxergar. E foi então que percebi o quão lindo ele era e a paixão que senti por ele foi completamente espontânea. Agora eu desejava ter percebido antes, assim quem sabe eu não teria mais memorias de nosso tempo juntos. Mas ao invés de lastimar por algo que não havia acontecido, eu devia ser simplesmente grata por ter vivido o que vivi ao lado dele.
me mudou completamente. Me tirou de uma rotina em que o único objetivo da minha vida era ser perfeita. Eu era completamente calculada, e nada podia fugir dos meus planos. causou uma reviravolta gigante, me ensinando que devíamos viver cada dia de uma vez, e era vivendo o presente que construíamos um futuro. Eu poderia não mais tê-lo ao meu lado, mas sempre o teria comigo.
Decidi que era hora de parar de escrever. Para sempre. Eu já tinha seguido em frente, talvez não completamente, e escrever naquele diário seria um lembrete constante do que e eu tínhamos vivido. Eu tinha medo de chegar a um ponto em que eu não tivesse mais o que escrever. Não que eu fosse esquecê-lo, eu pensava que isso seria impossível. Certas pessoas aparecem em sua vida e te marcam de uma forma tão intensa que é completamente incabível a hipótese daquelas lembranças se extraviarem. Mas agora eu tinha uma nova vida para cuidar, e se apegar ao passado não era uma boa maneira de construir um futuro.
Aquele dia em especial havia sido um dos melhores que tive em um bom tempo. Jo fazia um ano e, mesmo que ela não fosse lembrar quando crescesse, eu queria uma comemoração, mais para mim do que para ela. Até porque quase não havia crianças na festinha, uma vez que eu não conhecia muitas pessoas que tivessem filhos. Então convidei todos os meus amigos e até alguns colegas de trabalho, e todos lotaram o jardim da cara de Marry. Ela estava magnífica e tão feliz de um jeito que nunca havia visto antes. Ajudava Meredith a servir os convidados, vinha e arrumava a roupa de Joanna ou a minha, e compartilhava algumas risadas com Tio Lewis. Roberta e não desgrudavam de sua afilhada e eu pensava que não podia ter escolhido padrinhos melhores. Joana era completamente apaixonada por eles. Mais por que por . Pedia o tempo todo para que o padrinho a levasse aqui e ali, sempre queria mostrar algo a ele naquele enorme jardim. e conversavam com algumas garotas e Julian compartilhava suas ideias com um dos meus colegas de trabalho do jornal.
Senti a mão de tio Lewis sobre a minha. Olhei-o e sorri. Era incrível a semelhança dele com o pequeno , como John costumava chamar . O mesmo sorriso, os mesmos olhos, os mesmos cabelos que agora eram substituídos pelo branco. E a mesma ternura.
Eu sabia o que aquele sorriso significava. Ele queria que o filho estivesse ali tanto quanto eu, mas nada podíamos fazer, então apenas sorríamos pelo simples fato de termos algo maior para nos deixar mais felizes.
A música estava alta, e eu havia pedido a Marry que colocasse meu vinil favorito do Elvis. Como eu sentia falta de escutar o meu Rei, e não existia ninguém no mundo que conseguisse me acalmar mais do que ele. Burning Love então animava toda a festa, e assim que Joanna escutou a voz de Presley, agarrou a mão do padrinho e o obrigou a dançar. Minha filha partilhava a minha paixão pelo Rei, e definitivamente não tinha a mesma habilidade que seu irmão na pista de dança.
Um súbito frio percorreu minha espinha, uma sensação gostosa que fez com que eu me levantasse da cadeira perto da piscina. Agarrei a mão de tio Lewis e o arrastei aos risos para perto de onde e Jo dançavam desengonçadamente. Tio Lewis sempre era meu parceiro de danças nas festas com fogueiras do sítio, antes que eu soubesse da habilidade de seu filho. Talvez fosse de família e tivesse aprendido a dançar justamente com seu pai.
Eu não havia percebido a saudade que havia sentido de dançar até aquele momento. Tio Lewis e eu dançávamos em sincronia, e ríamos como se fossemos duas crianças. Como acontecia antigamente, uma roda se formou ao nosso redor e me senti o centro das atenções como era alguns tempos antes, quando eu me atrevia a dançar com Benjamin nas festas de . E a sensação era ótima. Era como se agora, depois de tanto tempo, eu começasse a me lembrar de todas as coisas que me faziam sorrir antes de partir. Era como se eu começasse a viver minha vida novamente, agora de verdade.
Quando a música acabou, tio Lewis me rodopiou pelo ar e todos começaram a bater palmas. Joanna veio correndo em minha direção e pulou em meu colo.
“Mamãe dança bem!” ela gritou me dando um beijo estalado em minha bochecha. “Dança eu!”
Então começamos a dançar ao som de Shake, Rattle and Roll e o mundo parecia girar novamente.
XXXXXX
Eu havia finalmente feito Joanna dormir. Depois de termos corrido horas e horas atrás de todos os animais que viviam ali no sítio, ela finalmente dormira no colo de seu avô, que também se encontrava desmaiado no sofá depois de ter sido cansado pela neta inquieta. Por mais cansada que eu estivesse, não conseguia dormir, estava com a cabeça a mil. Eu havia finalmente terminado meu primeiro livro. Eram apenas poesias avulsas que eu havia escrito ao longo dos anos, nada de muito relevante, uma vez que eu não tinha muita experiência nesse mundo literário além de ter lido todos os romances existentes no planeta. Mas ainda assim, eu estava extasiada. Havia deixado o manuscrito na editora do jornal em que trabalhava, e se eles gostassem, ele logo seria publicado e o meu maior sonho seria realizado.
Escrever poesias havia se tornado a minha terapia, um jeito de me ater ao passado sem que ele me machucasse. Havia mostrado alguns para Marry e Meredith, e as românticas incuráveis que eram, choraram em cada palavra. Isso mostrava que eu estava fazendo alguma coisa certa. Afinal, era todo esse o sentido de escrever: colocar nas palavras algum sentido que fará com que as pessoas se conectem a você. Eu me conectava com as minhas próprias palavras e esperava que elas pudessem tocar mais alguém.
E eu não podia negar que em cada palavra havia um toque dele. Era inevitável, ele vivia em mim, era parte de mim. Tudo o que eu fazia, cada movimento, cada palavra escrita ou falada, tudo remetia a ele e eu havia parado te lutar contra a saudade, que agora era minha grande amiga. Convivíamos em harmonia e eu não mais a odiava. Ela me consolava com alegria.
Sentei-me debaixo de uma grande árvore ao lado da casa e deixei que Bradock deitasse com a cabeça em meu colo, enquanto eu acariciava sua orelha. Fechei os olhos e deixei com que aquela brisa gelada levasse consigo o meu cansaço, e o cheiro do inverno percorreu meu corpo com calmaria. Quando abri meus olhos, o pôr-do-sol ofuscava meus olhos, mas dedilhava uma silhueta ao longe que se aproximava a passos pequenos. Bradock pareceu também perceber a sombra e se levantou assim que eu fiz o mesmo. Sorri. Eu amava sonhar com ele, eram sempre sonhos bem-vindos que não me deixava esquecer detalhes que às vezes se perdiam em meu consciente. Resolvi me aproximar também.
À medida que eu andava, me dava conta do quão real aquele sonho se parecia. Ele usava trajes pretos do exército e seu sorriso era tão lindo quanto eu me lembrava. Parei na metade do caminho. Queria apenas observá-lo chegando até mim, e queria sentir seus braços ao meu redor para que eu finalmente pudesse acordar feliz com a lembrança de como era bom abraçá-lo. E então ele se aproximou mais e mais, e aqueles olhos intensos foram ficando cada vez mais reais, e seu cheiro me inebriou como costumava fazer.
“...” sua voz suave era exatamente como me lembrava, e me causou as mesmas sensações de antes; aquele frio na espinha, aquela agitação no estômago, o sorriso que se formava em meus lábios involuntariamente.
E quando ele ficou próximo o suficiente para me tocar, senti suas mãos envolverem meu rosto e senti que minhas pernas cederiam a qualquer momento. Não queria cair e acordar daquele sonho perfeito.
Seus olhos me deixavam completamente tonta e seu toque fazia o mundo girar sob os meus pés. Não fechei os olhos porque não queria perder um detalhe sequer daquele rosto que eu tanto sentia falta. Eu tinha medo de chegar um dia em que eu não mais conseguisse lembrar de suas feições com clareza.
“” ele repetiu, e sua voz soava como a mais bonita das melodias. Eu não conseguia me mover por medo de que qualquer movimento brusco me fizesse acordar, mas seu toque, seu cheiro, seus olhos... Era tudo real demais. Era tudo bom demais. Senti uma lagrima solitária cair de um dos meus olhos, mas eu não sabia dizer se era de tristeza ou felicidade. Talvez um pouco de ambos.
“... Eu estou aqui...” ele sussurrou de modo que pude sentir seu hálito fresco perto do meu rosto e não contive em fechar meus olhos dessa vez.
“Eu sei... Você sempre vai estar aqui...” sibilei com a pouca força que ainda tinha, agora me atrevendo a tocar suas mãos postas em meu rosto, sentindo talvez pela ultima vez a textura de sua pele. Minhas memórias continuavam frescas, e eu era muito agradecida por isso.
Ele então apertou meu rosto contra suas mãos e depositou um leve beijo em meus lábios, e eu então tive certeza de que o chão se abriria sob os meus pés a qualquer momento.
“Não, ... Eu estou aqui” ele disse com mais firmeza, me obrigando a abrir meus olhos.
Um momento de confusão me abateu e de repente nada mais fazia sentido. O ar escapuliu dos meus pulmões e as minhas pernas fraquejaram ainda mais. As sensações eram reais demais. Seu toque, seu hálito, seu beijo... Meus braços caíram novamente, minhas pernas finalmente cederam, e então minha cabeça pareceu parar de funcionar.
XXXXXX
Minha cabeça doía, e as luzes que escapavam por entre as frestas da cortina faziam-na doer ainda mais. Eu havia sonhado o sonho mais bonito, do qual não queria jamais acordar. Mas eu tinha uma realidade melhor para viver.
Levantei-me com cuidado e fui até a cozinha beber um copo d’água. Escutei os gritos e risos de Joanna e assumi que ela estava brincando novamente com o avô. Joguei um pouco daquela água fria no rosto para que ela enxaguasse os resquícios de lembranças que aquele sonho trouxera. Eu precisava acordar para a vida.
Fui em direção ao gramado do sítio onde Joanna corria de um lado para o outro e recostado à grande árvore estava tio Lewis, que ria como nunca. Olhei para a direção onde Jo agora corria... E lá estava ele. Minhas pernas novamente pareciam querer ceder e eu não acreditava na peça que a minha própria mente estava me pregando. Era mais tortura do que eu poderia aguentar. E então seus olhos finalmente encontraram os meus e aquele sorriso tão conhecido se abriu para mim.
“Mamãe, o papai!”
Eu finalmente criei coragem para andar, e à medida que eu me aproximava, olhava para tio Lewis para ter certeza de que eu não mais estava sonhando, e ele então sorria e batia palmas como uma criança. Joanna correu em minha direção e puxou minha mão para que eu fosse mais rápido de encontro a , e quando eu finalmente me pus a par da situação, larguei a mãozinha de minha filha e corri na direção dele.
As lágrimas agora explodiram dos meus olhos e meu coração parecia que rasgaria meu peito a qualquer momento, e quanto mais eu corria mais o tempo parecia passar em câmera lenta. abriu os braços e eu pulei sobre seu corpo, envolvendo seu pescoço com meus braços. Fosse sonho ou não, eu queria aproveitar cada instante daquele momento.
“...” seu nome saiu dos meus lábios como um soluço e eu não conseguia conter a enxurrada de lágrimas que caía. Seus braços apertavam-me com uma força incrível e eu tive certeza de que aquilo não era um sonho quando Joanna começou a pular de alegria ao nosso redor. “Você está aqui mesmo?” perguntei com medo da resposta, enquanto envolvia meu rosto com suas mãos firmes e me olhava nos olhos com ferocidade. Nada disse, mas colou seus lábios com fúria nos meus, e então senti novamente aquele gosto quase apagado pela minha memória. Nosso beijo tinha o gosto do mar. Nossas línguas se moviam em sincronia, como se não tivessem passado anos separadas, e minhas mãos agarravam seus ombros com força só para terem certeza de que ele estava ali mesmo. Algo tão real não podia ser fruto da minha imaginação.
Nossos lábios finalmente se separaram e mesmo com a visão embaçada pelas lágrimas, podia ver seus olhos penetrantes me olhando como se fosse a primeira vez que me visse.
“Eu estou aqui, meu amor.”
“Eu fui perseguir um oficial irlandês que tinha acabado de matar um dos meus melhores amigos lá do exército... Tolice, claro, mas eu estava embriagado de raiva, eu nem me reconhecia mais. A guerra te muda, ...”
Estávamos no meio da mata, sentados sob a sombra de uma das árvores que protegia o pequeno córrego. Eu me sentava no colo de porque não queria perder um detalhe sequer de seu rosto tão castigado pela guerra. Aquele rosto antes tão delicado agora estava repleto de pequenas cicatrizes. Seu cabelo estava raspado e eu podia ver um enorme corte na lateral de sua cabeça, e eu sabia que se visse seu corpo, também veria as lembranças que aqueles anos lhe deixaram.
Eu ainda estava um pouco embasbacada, não sabia se realmente acreditava que aquilo estava acontecendo. Mas ele estava ali. estava ali, na minha frente, respirando, me olhando, acariciando minha mão. Nem nos meus sonhos mais profundos eu imaginaria que este momento aconteceria. nunca foi declarado morto, mas seu corpo nunca fora encontrado. E depois de anos, a esperança de vê-lo novamente ia desaparecendo aos poucos.
Mas quando eu tocava cada pedaço de seu rosto, quando delineava a pequena cicatriz em sua sobrancelha, depois aquela deixada em seu nariz perfeito e outra em sua boca, eu parecia esquecer que tantos anos se passaram. Só conseguia pensar em como ele havia sofrido, e como eu desejava que ele não tivesse passado por nada disso.
“Então corri atrás dele para dentro de uma mata, e quando finalmente consegui alcançá-lo, começamos a lutar e ele sacou uma arma. Dois tiros no peito” desabotoou sua camisa e então vi duas cicatrizes profundas em seu peito, perto do coração. Contive o desespero que me abateu e levei minhas mãos em direção ao seu ferimento, mas não consegui prender o soluço de horror que escapou de minha garganta. “E quando caí, bati a cabeça em uma pedra” então apontou para a grande cicatriz em sua cabeça que eu havia reparado antes. “Como eu estava no meio da mata, muito longe do campo de batalha, não me encontraram de imediato. Foi uma família que me encontrou e me levou ao hospital, mas como eu estava sem identificação, não puderam contatar ninguém. Fiquei em coma durante oito meses, foi o que eu ouvi falar...” contava tudo com calma, como se tudo aquilo não fosse nada demais. Talvez ele tentasse me acalmar, mas eu estava inquieta. Seus olhos não tinham mais aquele mesmo brilho, mas era de se esperar. Parecia que havia envelhecido uns dez anos. “Os médicos achavam que eu era um caso perdido, que eu não iria mais sair do coma. Até que um dia... Foi você, . Sei que parece louco, sei que qualquer pessoa me acusaria de louco, mas... foi você...” ele me olhava com a mesma profundidade de antes, como se ao me olhar ele pudesse ler todos os meus sentimentos, todos os meus pensamentos, tudo o que eu era. Ele me olhava com uma ferocidade incrível, talvez também passasse pela cabeça dele que jamais nos veríamos novamente. Seus olhos poderiam não ter mais aquele brilho de inocência e juventude, mas eles continuavam a ser os olhos que tiravam meu fôlego, que faziam meu coração parara e voltar a bater no segundo seguinte. “Foi você quem me salvou, . Eu podia não ter muita consciência, mas o pouco que tinha me fazia pensar em você... Eu sempre sonhava com você... Com esses olhos me encarando, essas mãos me tocando...” agarrou minhas mãos com delicadeza e as beijou sutilmente. “Com essa boca que sempre me enlouqueceu...” então tocou meus lábios com seus dedos. “Eu sonhava que você me abraçava e toda a dor que eu sentia desaparecia. Era você quem me dava forças, , era você que me dava motivos para continuar lutando pela pouca vida que ainda me restava. Foi você...”
Vi uma lágrima escapar de seus olhos e não consegui conter as minhas. Era tanta dor naquelas palavras.
“Você está aqui agora...” eu disse roucamente quando procurava por palavras que fossem apagar aquele sofrimento, mas nada que eu dissesse iria fazer com que aqueles anos não tivessem existido. sorriu sutilmente e envolveu meu rosto em suas mãos, e então entrelacei nossos dedos. “Eu ainda não acredito...”
Senti seus lábios tocarem os meus com leveza como se fosse a primeira vez. Era um beijo cheio de sofrimento.
“Eu nunca vou te deixar de novo, . Eu te prometo”
Ver com Joanna ainda parecia um sonho. Aquela situação era tão parecida com todos os sonhos que eu havia tido, que ainda tinha medo daquilo ser nada mais que isso. Mas era como se nunca tivesse partido e fizesse parte da vida de Joanna desde sempre. Talvez fosse pelo fato de eu contar histórias sobre o tempo todo, assim Jo tivesse o sentimento de conhecê-lo. Ela brincava e balbuciava, puxava a mão do pai e o arrastava para ver todos os seus brinquedos e todos os animais da fazenda como se jamais estivera ali. E então eu via novamente aquele brilho nos olhos de enquanto a pegava no colo e a girava no ar, quando rolava com ela pela grama, quando prestava atenção em cada detalhezinho da filha que entregava a ele todas as suas bonecas. Era incrível como eles se pareciam. provavelmente discordaria e insistiria que Jo parecia comigo, mas ela era toda ele. Era esse um dos motivos que não me fizeram esquecê-lo enquanto estivera fora. Os mesmos olhos. Os mesmos cabelos , a mesma boca. Ela era sua cópia. E eles eram perfeitos juntos. Aquela visão era melhor que qualquer sonho que eu jamais tivera.
Eu estava completa. Completamente feliz, uma felicidade que não cabia em mim. Eu não podia descrever o que se passava dentro de mim, mas era a melhor sensação que eu podia sentir.
E tudo se tornou ainda mais intenso quando nossos amigos chegaram. Vê-los reencontrando, os gritos, os abraços, a alegria incabível que se instalara naquele sítio. , , , , e eu. Todos juntos novamente. Todos abraçados como se jamais tivessem se separado. Os risos de felicidade. Todos os garotos se juntaram ao redor de e o carregaram, jogando-o para cima. e eu riamos desesperadamente enquanto Joanna pulava de alegria como se entendesse o que estava acontecendo.
“Seu filho da puta!” gritava em meio aos risos quando colocaram finalmente no chão. Ninguém parecia acreditar, então todos o pegavam o tempo todo, abraçando-o, dando murros, desarrumando seu cabelo.
“Temos que sair pra comemorar agora!” exclamou e todos concordaram com gritos animados. Os garotos combinaram de ir até a cidade comprar bebidas e carne para um churrasco e eu pedi que cuidasse de Jo, enquanto tio Lewis preparava o sítio para uma festa. Afinal, aquele sim era um motivo para comemorar. Liguei as pressas para Marry, que mal conseguiu entender minhas palavras extasiadas, e ela também não conseguia acreditar no que eu dizia.
“Fico feliz em ver que vocês agora estão próximas novamente...” disse com um sorriso largo em seu rosto. A verdade é que o luto e a dor unem as pessoas como nenhuma cola pode fazer. Entrelacei nossos dedos e aproveitei para levá-lo para dentro da casa, agora que todos estavam ocupados. A passos desastrados corremos para o antigo quarto de como duas crianças desesperadas.
Mas eu estava desesperada. Desesperada para tocá-lo, para sentí-lo. Desesperada para ser dele novamente.
Quando a porta estava finalmente trancada atrás de nós, algo fez com que nos congelássemos de frente um ao outro. Seu olhar poderia me atordoar mais que qualquer toque, e ele agora possuía um misto de desejo e ternura. Seus lábios entreabertos deixavam escapar ofegos e seu peito movia rapidamente. Por um impulso eu então tirei minha blusa. Os olhos de se arregalaram e cada ato nosso dava a impressão de que tudo que fazíamos fosse como a primeira vez. Ele observava cada pedaço meu com furor, como um predador encara sua presa. Arranquei a minha saia e logo depois minha calcinha, deixando-me completamente nua frente a ele. Eu queria que ele me observasse, que lembrasse como eu era, que me desejasse como sempre desejou. Logo senti suas mãos explorarem cada centímetro de pele e cada pelo do meu corpo se arrepiar com seu toque quente. Eu podia querê-lo desesperadamente, mas queria aproveitar cada segundo devagar. Queria relembrar, mas ao mesmo tempo criar novas memórias maravilhosas. Agora seus lábios percorriam meu pescoço e suas mãos acariciavam minhas costas. Quis agarrar seus cabelos como sempre amei fazer, mas eles não estavam lá, então me contentei em agarrar seus ombros. Puxei sua blusa para cima e me desconcentrei ao ver as tantas cicatrizes que agora cobriam sua pele. Pressionei meus lábios numa tentativa de conter o choro; não queria estragar aquele momento. então envolveu meu rosto de uma maneira que me fazia sentir completamente protegida de qualquer perigo do mundo, e eu queria poder fazer o mesmo. Tirei suas mãos de minhas bochechas e levei meus lábios até cada uma delas, na intenção de fazê-las desaparecer, mesmo isso não sendo possível. O escutei soltar um suspiro e sorri satisfeita. Subi novamente até sua boca, desesperada para sentir seu gosto novamente e pulei para envolver sua cintura com as minhas pernas. Nossos lábios se exploravam com fúria, e eu nem me importava com o fato de eles estarem latejando naquele momento.
Eu estava completa.
me deitou finalmente na cama e eu o puxei com as pernas para ficar tão colado em mim quanto possível. Nossos corpos suados se encaixavam com perfeição, e as minhas unhas não tinham a mínima dó ao arranhar suas costas. mordia meu pescoço com o mesmo cuidado e eu me movimentava debaixo dele na tentativa de senti-lo tanto quanto pudesse. Levei as mãos ate o botão de sua calça, mas elas tremiam tanto que teve que tirá-la por si só. Então pude sentir que ele me queria tanto quanto eu o queria.
Eu estava completa.
Não havia nada melhor que o rastro de seus beijos em toda a minha pele, não havia nada melhor que me arrepiar ao sentir seus ofegos em meu pescoço, nada era melhor que tê-lo em meus braços novamente. Até que finalmente senti a melhor sensação de todas. Senti de todas as maneiras possíveis. Sem desgrudar seus olhos dos meus, todas as partes de mim que antes eu havia perdido, voltavam a cada movimento. Meu corpo se contorcia em êxtase, minha cabeça girava compulsivamente e eu me agarrava aos ombros de enquanto ele me preenchia com o amor que só ele podia me dar.
Eu estava completa.
O cheiro de sua pele me inebriava, e eu estava completamente bêbada de desejo e luxúria e paixão. Seus olhos cheios de fogo me deixavam ainda mais tonta, e suas mãos apertavam minha coxa sem pudor, nossos corpos se moviam no mesmo ritmo, nossas respirações se misturavam e nossas bocas se exploravam. Meu estômago se revirava, meus pés sentiam câimbra e meus olhos se reviravam.
E estávamos completos. Juntos.
Do jeito que sempre fomos. Do jeito que deveria ser. Do jeito que sempre seríamos.
Assim que Marry chegou ao sítio, abraçou como se fossem velhos amigos. Ele ficou sem reação no começo, mas logo a abraçou de volta. Aquela era uma cena que eu jamais imaginaria ver.
“Obrigado, sra. ... Obrigado por cuidar das minhas meninas enquanto eu estava fora...” sibilou sem graça, e Marry abriu um sorriso.
“Estou feliz por estar de volta, ” ela rebateu com sinceridade.
Quando meus amigos se juntaram, falavam tanta bobagem que era como se jamais tivessem se separado. Nos reuníamos ao redor de uma enorme fogueira, com copos cheios de cerveja nas mãos, e era como se fossemos aqueles adolescentes irresponsáveis e sem uma preocupação sequer novamente. E era bom. Era como se realmente não tivéssemos nada com o que preocupar. E não tínhamos mesmo. tinha um violão nas mãos e eu só percebi quanta falta havia sentido das músicas deles até aquele momento. e tocavam para o exército, então não estavam enferrujados. Quando arriscaram tocar suas músicas antigas, nos revemos em tempos agora distantes, quando ficávamos horas a fio cantando como se não houvesse mundo ao nosso redor. Tocaram as clássicas, Met This Girl, Get Over You, That Girl. E eu sabia que todas elas haviam sido escritas para mim.
“Pessoal, eu queria tocar uma nova música pra vocês” chamou a atenção de todos, e Marry, com Joanna no colo, e tio Lewis vieram se sentar conosco. “Eu a escrevi no navio de volta para cá...” ele sorriu sutilmente, olhando para mim e depois para Joanna. Senti meu coração palpitar e meu sorriso crescia em meus lábios. pegou o violão de e dedilhou algumas notas antes de começar.
Little Joanna has got big blue eyes,
Coconut cream and coffee coloured thighs,
I could die lying in her arms,
Where castles are made of sand,
We start to dance but only the music is bleeding,
When crickets replace the band
She will always be my sun kissed trampoline
She goes up and down in my heart
Turn into jelly beans
And I'm starting to believe that
Danger is never near
When Joanna is here
Little Joanna's like a laser beam sky
Glowing maximus like a firefly
And that's why I'm a kissophobic
You say your dreams are made
Like lemonade
But when the shivers are salty
And sea forms the colour of space
She will always be my sun kissed trampoline
She goes up and down in my heart
Turn into jelly beans
And I'm starting to believe that
Danger is never near
When Joanna is here
Todos ficaram sem palavras quando terminou a música. Eu estava meio extasiada por escutar sua voz cantar de novo. Escutar cantar era uma das minhas coisas favoritas do mundo todo. Mas aquela música havia sido mais especial que todas as outros. Mais do que qualquer uma que havia escrito para mim. A única que emitia algum som era Joanna, que batia palmas freneticamente e gritava de alegria quando o pai terminou a música.
“Papai!” ela gritou. Eu sabia que todos ali seguravam as lagrimas. Eu nem impedi que elas descessem.
se levantou e foi em direção a Jo, que pulou imediatamente em seu colo, e ele então a abraçou de olhos fechados enquanto não escondia o choro. Era uma cena linda de se ver. Provavelmente a cena mais linda que já vi em toda a minha vida. Me levantei também e os abracei, e eu sabia que jamais seria tão feliz quanto naquele momento. Eu tinha uma família. Uma família só minha. Se me perguntassem há três anos como eu me via no futuro, eu jamais teria imaginaria que seria assim.
Mas nenhum outro futuro poderia ser melhor.
Epílogo
Aquela era a primeira vez que eu voava de avião, e eu tinha que admitir: eu estava morrendo de medo. Quando ele finalmente decolou, apertei tanto a mão de que tinha certeza que a esmagaria. Ele então beijou a minha e tocou meu rosto para que eu encarasse o dele.
“Não tenha medo, . Eu estou aqui com você.”
E então o medo se foi completamente. Eu estava com ele. Nada me aconteceria.
Sorri involuntariamente e colei meus lábios nos dele, e tinha certeza que jamais me cansaria das sensações que aquele homem sentado ao meu lado me dava. Todo beijo era o primeiro.
Por incrível que pareça, eu não sabia para onde estávamos indo. estava fazendo o maior mistério do mundo. Quando perguntei o que deveria colocar na mala, ele disse um pouco de tudo, só para eu não ter a mínima ideia do lugar que ele estava me levando.
Marry estava cuidando de Joanna a pedidos de , e eu não podia conter a curiosidade que crescia em mim a cada minuto. Ele até mesmo foi ao meu trabalho pedir para que eles me dessem uma folga. Eu insistia de todas as maneiras para que ele me contasse para onde íamos, mas nada que eu oferecesse fazia com que ele abrisse a boca. Então me contentei a esperar.
Um ano se passara desde que voltara, mas era como se ele jamais tivesse partido. Retomar a nossa vida foi fácil. Voltei a morar no meu antigo apartamento e agora morávamos juntos. O quarto azul, que antes era o quarto de , agora era rosa e de Joanna. e eu o pintamos – por isso não estava tão bonito quanto um quarto de bebê deveria ser – mas nos divertimos como nunca enquanto o fazíamos. Agora no apartamento não havia mais garrafas de cerveja espalhadas por todos os cantos, mas sim brinquedos. E a mistura de Elvis e as risadas escandalosas de Joanna era a trilha sonora de nossas vidas. Jo já estava enorme, falava de tudo possível – até alguns palavrões que, contra meu gosto, a ensinara – e era a maior fã do pai. Adorava escutá-lo cantar, e aquele, na verdade, era o único jeito de fazê-la dormir.
Nós sempre estávamos nos encontrando com , , e . Na verdade continuávamos inseparáveis como sempre, exceto que agora tínhamos responsabilidades que não existiam antes, mas isso não era algo ruim. e largaram seus antigos empregos – que haviam arranjado após o estouro da Guerra – e retomaram a banda com e . Eles agora eram sensação de Manchester, e já estavam negociando com uma grande gravadora de Londres o lançamento de seu primeiro CD. O McFLY logo seria sucesso em todo o Reino Unido, e eu achava o máximo a ideia de ser a namorada de um futuro rockstar.
dizia que ele era quem achava o máximo ser namorado de uma autora famosa. Exagero dele, obviamente, mas posso dizer que meu livro havia feito certo sucesso na Inglaterra, e eu já havia mandado o manuscrito do próximo para a editora. Claro que foi o primeiro a lê-lo. Enquanto isso continuava com a faculdade de Literatura e com escrevia semanalmente para o jornal local de Bolton.
estava grávida do primeiro filho e já havíamos pensado em todas as possibilidades de nomes para o bebê. e eu seriamos padrinhos, e sonhávamos com o dia que nossos filhos seriam melhores amigos. Se o bebê deles fosse menino, planejávamos até o casamento deles.
Tudo estava do jeito que deveria estar.
Depois de dez longas horas, o avião finalmente pousou em nosso destino, ainda desconhecido por mim. Passei toda a viagem implicando para que ele me contasse aonde íamos e ele apenas rebatia dizendo que eu era curiosa demais. Então ele me distraia com alguma música nova, ou fazia piadas extremamente sem graça que apenas eu tinha a capacidade de rir, fazendo com que de tempos em tempos uma aeromoça viesse pedir silêncio.
Quando descemos da aeronave, eu continuava sem ideia de onde eu estava, mas ao reparar no sotaque das pessoas que passavam por mim, chutei que estava nos Estados Unidos. O que eu estava fazendo lá, e por que havia me levado para um lugar tão longe, eu ainda não sabia, e a curiosidade me corroía cada vez mais. Ele mantinha o tempo todo no rosto um sorriso irritantemente misterioso.
“Para o Bellagio, por favor” disse ao motorista assim que entramos dentro de um taxi.
“Las Vegas? Você ‘tá falando sério?” perguntei chocada enquanto aquele sorriso continuava no rosto de . “E no Bellagio? , me conta o que você está aprontando!”
Ele nada respondeu, obviamente, apenas para aumentar a minha curiosidade. Nem tive muito tempo para tentar arrancar informações, já que agora eu estava muito ocupada com a extravagância da cidade que passava por nós. A noite caía aos poucos sobre nós, e as luzes exuberantes iam tomando conta das ruas. Eu não sabia para que lado olhava.
E quando chegamos ao hotel, eu não acreditava no que via. Tudo o que eu conhecia de Las Vegas eram imagens na TV, e eu sabia que o Bellagio era o hotel mais famoso da cidade, mas ver o espetáculo de suas fontes com os meus próprios olhos foi uma experiência incrível. O hotel não podia ser menos exuberante por dentro. Eu parecia estar dentro de um filme. O quarto que havia reservado era enorme e eu nem imaginava como ele havia conseguido dinheiro para aquilo. Mas ele não parecia se importar com isso, e quando eu fiz menção de dizer algo, ele fez questão de me calar com um beijo. Não era meu aniversário ou qualquer outra época importante que me fizesse merecer aquilo, mas de qualquer maneira eu não reclamaria. Se fosse férias sem motivo nenhum aparente, eu iria aproveitar.
“Agora vem a segunda parte da surpresa. Vista a roupa mais chique que tiver. Já vamos sair” continuou com aquele ar de mistério, mas eu nem mais queria questionar, apenas seguiria suas ordens. Eu já estava amando toda aquela surpresa. Ele saiu do quarto apressado e eu nem ao menos desfiz nossas malas, apenas fiz o que disse, tomei um banho apressado e peguei o vestido mais elegante que havia levado. Era longo, vermelho e com um decote discreto na frente. Amarrei os cabelos em um coque e fiz uma maquiagem leve. Quando finalmente voltou ao quarto, mal disse uma palavra e já trocou sua roupa por um terno e gravata. Nem comentei o fato de que ele não iria tomar banho. O implicaria mais tarde.
“Como você está linda...” sibilou quando acalmou e colocou seus olhos sobre mim. Seu sorriso era enorme e seus olhos brilhavam de tal forma que sua animação me contagiava. Colou seus lábios nos meus em um beijo rápido, agarrou minha mão e tratou de nos tirar do hotel o mais rápido possível.
Pegamos outro taxi, e agora que a noite havia caído sobre Las Vegas completamente, a cidade estava animada como nunca, e eu mesma parecia uma criança em êxtase. batucava as próprias mãos na perna, talvez em nervosismo, talvez em animação, mas o sorriso continuava em seus lábios. Paramos no que parecia ser os fundos de uma boate.
“Olá, meu nome é , sou amigo do Vincent Brown...”
O homem a nossa frente olhou em alguns papéis, entregou-nos duas pulseiras e logo abriu-nos a porta com um sorriso. colocou uma das pulseiras em mim, entrelaçou seus dedos nos meus e me guiou por um corredor estreito e mal iluminado, até chegamos a outro corredor maior cheio de portas, até passarmos por uma cortina vermelha. Então vi que a boate na verdade era uma enorme casa de shows e estávamos ao lado do palco. continuou me guiando, passando por uma pista cheia de cadeiras até chegar a uma área superior cheia de mesas. Mostrou sua pulseira a um segurança e me levou para sentar em uma mesa específica onde um casal já estava sentado. Eles se levantaram e logo abraçou o homem, bem mais velho que nós.
“Que bom que chegou a tempo, !” o homem disse animado, balançando os ombros de .
“Muito obrigado, Vincent. Essa é a minha musa, ” apontou para mim animado e o tal Vincent veio em minha direção e me abraçou como se fossemos grandes amigos.
“A famosa ! Finalmente conheci a inspiração das grandes músicas do McFLY!” o mais velho disse com alegria, apresentando-me então à sua esposa, Laura.
“Vincent é o diretor da gravadora que está lançando nosso CD... Pedi um pequeno favor a ele...” me explicou quando nos sentávamos ao lado do casal, e me contou, inclusive, que Vincent já havia produzido alguns álbuns do meu Rei. Eu ainda não sabia onde estava e o que estava fazendo ali, mas meu estomago se revirava dentro de mim, e minhas mãos suavam incessantemente. Meu coração batia a mil, e quando as luzes começaram a piscar frenéticas, e o som de tambores dominarem todo o local lotado, eu tinha certeza que desmaiaria a qualquer momento. Eu sabia onde estava. Eu sabia onde havia me levado. Eu sabia o que estava prestes a acontecer.
De repente aquela melodia que eu tanto escutava, que eu tanto sonhava em ver de perto, começou a tocar, a música da Odisseia no Espaço.
Lancei um olhar embasbacado a . Ele tinha um sorriso gigante no rosto e gritava junto com as milhares de pessoas ali. Eu não conseguia emitir um som sequer.
Então a gritaria se tornou ainda mais ensurdecedora quando ele entrou no palco. Naquele momento eu não contive o grito que escapou da minha garganta e tive que me apoiar em porque tinha certeza que desabaria no chão a qualquer momento.
Ninguém mais, ninguém menos que Elvis Presley se encontrava na minha frente, começando a cantar See See Rider. Foi inevitável, as lágrimas caíam aos montes num misto de choque e felicidade.
Eu não acreditava. Aquilo não podia ser verdade.
Meu ídolo, minha paixão, o homem que animava todos os meus dias com sua voz, o grande amor da minha vida – e jamais poderia saber disso – estava ali, ao vivo e a cores, bem na minha frente, a míseros metros de distância. Vincent e sua esposa pareciam se divertir com a minha histeria, provavelmente já haviam visto um show do Elvis dezenas de vezes.
Os gritos e as lagrimas não cessavam da minha parte, e eu nem ao menos conseguia cantar junto com o meu Rei.
Vê-lo ali, cantando e sendo a pessoa mais incrível do mundo, me fazia sentir como se eu fosse a única pessoa daquele lugar, como se estivesse cantando apenas para mim. Meu maior sonho estava sendo realizado e eu sentia como se eu pudesse explodir de felicidade a qualquer momento. Só quem tem um ídolo sabe como é escutar cada música como se ela tivesse sido escrita para você. Só quem tem um ídolo sabe a sensação de ver pessoalmente sua maior inspiração.
Aquele homem fazia parte da minha vida de um jeito que ele nem imaginava. Ele era a trilha sonora de cada pequeno detalhe da minha vida. Ele estava presente nos meus momentos de maior alegria, bem como naqueles tempos difíceis. Era ele que deixava tudo um pouquinho mais fácil.
Nem nos meus melhores sonhos eu podia imaginar um dia mais perfeito.
Cada segundo era o mais incrível da minha vida. All Shook Up, Jailhouse Rock, Burning Love, Devil in Disguise. Todas aquelas musicas que eu dançava ao escutar seu vinil no máximo em meu apartamento, agora eu dançava de frente a ele. Sua voz era ainda mais maravilhosa ao vivo, e sua presença de palco me levava às loucuras.
Elvis Presley.
Elvis Presley, o Rei, meu Rei, estava bem ali, cantando para mim.
E foi quando ele começou a andar por entre as mesas que eu tive certeza que morreria do coração. Eu sabia que Elvis tinha a mania de andar por entre as mesas durante seus shows, e inclusive falava com os fãs pelo microfone, mas eu jamais imaginei que teria uma chance dessas. Se Elvis me abordasse, não tinha a mínima ideia do que faria. Já havia sonhado com aquele momento milhões de vezes, mas agora que ele tinha a possibilidade de acontecer, as palavras fugiam velozmente da minha boca. Apertei a mão de , e sabia que meus olhos saltariam das órbitas. Cada vez que Elvis se aproximava mais, minhas mãos suavam litros e litros, e meu coração parecia querer quebrar minhas costelas e fugir dali. Eu mal conseguia respirar.
E então, finalmente, como no melhor dos sonhos, ele chegou até a minha mesa.
Eu iria desmaiar. Eu iria desmaiar.
Ele estava tão perto, mas tão perto, que podia ver as gotas de suor escorregarem de sua testa. Vi suas lindas costeletas, e o sorriso mais lindo de todo o mundo. Juro que podia até sentir seu cheiro. Ele estava ali. Elvis estava na minha frente.
Eu ia desmaiar.
“Qual o seu nome, querida?”
Aquela voz... Aquela voz maravilhosa... Estava se dirigindo a mim... Elvis perguntou meu nome. Elvis Presley sorria para mim.
Talvez eu tivesse demorado horas, anos, ou segundos para responder, mas quando o fiz, tenho certeza de que soei patética.
“.”
“E o seu?” agora se dirigiu a , que respondeu sereno seu nome, como se respondesse a uma pessoa qualquer. Como ele podia ficar tão calmo perto do homem mais incrível do mundo? “Pois bem , um grande amigo meu me disse que você tinha algo importante a fazer essa noite...” Elvis disse a como se os dois se conhecessem, e eu não sabia quem era o grande amigo, muito menos o que tinha de importante para fazer. Só sabia que eu ia desmaiar.
Eu olhava de Elvis para , de para Elvis, os dois homens da minha vida ali, um de frente para o outro como em uma outra dimensão.
olhou de relance para Vincent, que assentiu com a cabeça, e voltou sua atenção a Elvis.
“Sim... Eu queria pedir essa mulher maravilhosa ao meu lado em casamento” disse.
E então eu tinha certeza que ia desmaiar.
Todas as milhares de pessoas que ali presenciavam o show do Rei, agora batiam palmas, assobiavam e gritavam. Elvis mesmo deu um grito e uma risada.
Aquilo não estava acontecendo. Estava?
Elvis estava mesmo na minha frente? havia mesmo dito ao Rei que queria me pedir em casamento? Aquilo estava acontecendo mesmo?
“E você? Quer se casar com ele?” Elvis agora se dirigiu a mim, colocando seu microfone frente a minha boca. Ele sorria animadamente para mim.
Eu não sabia o que dizer. O som do meu coração contra meu peito era mais alto que qualquer exclamação das pessoas ali.
Olhei para e por alguns segundos esqueci onde estava, esqueci tudo o que acontecia, e como se fosse possível, estávamos só eu e ele ali. Ele agora sorria discretamente, aquele sorriso tímido e sincero que eu tanto amava. Seu olhar vacilava, como se ele tivesse medo da minha resposta. Como se existisse qualquer outra resposta plausível. Me peguei pensando se era possível amar tanto alguém assim.
“Sim” respondi timidamente, ignorando os gritos extasiados de todos ali, e não hesitei em colar meus lábios no de . Tive certeza que aquele fora o melhor beijo de todos.
“Então essa vai especialmente para os noivos” Elvis disse animado e voltou a andar em direção ao palco. Aquela melodia que eu tanto amava, aquela melodia que não podia me lembrar de ninguém mais a não ser dele, aquela melodia que começou tudo isso.
Nos levantamos e eu o abracei assim como o abracei quando ele voltou para mim. Não precisávamos de palavras. Em grandes momentos nunca precisávamos de palavras.
envolveu meu rosto em suas mãos daquela maneira que eu tanto amava, e em seus olhos vi todo o amor que era refletido dos meus. Eu não sabia se era possível amar alguém tanto assim, mas gostaria de pensar que sim. Porque aquilo que eu sentia por ele era o melhor sentimento de todos. Era algo que acalmava todas as tempestades que se agitavam dentro de mim. Era algo que me fazia querer ser uma pessoa melhor, e o que é maior do que um amor que traz o melhor de nós?
Continuei a encarar aquela imensidão que era seus olhos, enquanto em minha mente eu revivia todos os momentos que havíamos passado juntos, toda a felicidade que aquele homem havia trago à minha vida, e via, naqueles mesmos olhos, toda a felicidade que ainda estava por vir.
Um novo capítulo das nossas vidas estava prestes a ser escrito.
E eu não via a hora de viver o resto da minha vida ao lado do grande amor da minha vida.
FIM.
Nota da Autora:
Não sei o que dizer. Eu sinceramente não sei o que dizer. Eu juro que tô com lágrimas nos meus olhos e tô sentindo um aperto no peito.
Eu finalmente terminei.
Depois de longos anos escrevendo essa história, eu finalmente terminei.
Ao mesmo tempo que sinto um alivio, sinto um vazio me preencher. Dear Diary não é somente uma história pra mim, ela marca a minha vida de uma maneira muito estranha. Comecei a escrevê-la em 2008 (sim, há séculos atrás), e desde esse tempo TANTA coisa mudou. Eu não sou mais aquela garota (eu tinha dezesseis anos quando comecei a escrevê-la, hoje tenho quase 21!!!) que começou a escrever essa fic cheia de sonhos e esperanças. Ao relê-la, vejo como mudei, desde a minha escrita (que vamos combinar, era muito precária no começo) até a minha personalidade. Durante esses quase cinco anos que escrevo essa história, já tive meu coração partido dezenas de vezes, mudei de cidade duas vezes, passei no vestibular, comecei a melhor fase da minha vida na faculdade, conheci dezenas de pessoas, perdi velhos amigos, apaixonei e desapaixonei, tive meus próprios dramas românticos. E esses são justamente os motivos pelos quais essa história demorou tanto para ser escrita. Porque ela acompanhou minha vida. Acompanhou ciclos, e agora eu fecho um.
Nunca vou escrever outra história que eu me conecte tanto quanto essa. Posso escrever mais dezenas de fics, mas pra mim, nenhuma vai ser como esta. Não porque ela seja a melhor, mas porque foi nessa que eu coloquei minha vida. Minha essência. Aqui estão todos os meus devaneios, meus sonhos, minhas esperanças. Aqui está minha maior válvula de escape. Aqui está meu mundo.
Pode parecer muito dramático, mas quem acompanha essa história desde o começo deve me entender. E a estas pessoas eu devo desculpas gigantes por ter demorado tanto tempo a finalizá-la. Acho que demorei tanto justamente porque não queria que esse momento chegasse. E espero do fundo do meu coração que a demora tenha valido a pena.
Agradeço todas vocês por me acompanharem, desde as leitoras mais antigas até as novas. Muito obrigada por lerem meus desabafos. Vocês são parte essencial dessa história.
Não sei quando vou mandar algo novo pro site, apesar de ter milhares de historias aqui no meu computador, mas nenhuma finalizada. Não quero passar de novo pelo que passei com Dear Diary – os bloqueios criativos que me deixavam meses sem escrever nada, e deixar todo mundo esperando. Não é justo nem comigo, nem com vocês. Então quando eu tiver algo finalizado aqui, com certeza darei o ar da graça novamente.
Enfim, é isso. Queria ter escrito algo melhor, mas isso é tudo que a minha criatividade me permitiu. Espero que não tenham se decepcionado com o final e desculpa por tê-las matado do coração achando que o principal tinha morrido.
Gostaria de manter contato com todas, então não hesitem em me adicionar no facebook ou me seguir no twitter.
Obrigada por tudo!
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