Prólogo GOSH! É simplesmente tão ruim gostar de alguém e se preocupar se a pessoa gosta ou não de você. Só pensar nela o tempo todo! E não conseguir se controlar e/ou concentrar até você vê-la é pior! Especialmente nas datas festivas, tipo o natal, quando você tem que ficar junto da família e não consegue, porque querendo ou não, tem um infeliz atrapalhando. E esse infeliz, no caso, é o amor. É um castigo, cara!
Tipo agora. Eu estou morrendo de dor de cabeça, e ela só está aumentando. Estou deixando enquanto isso, para ver até onde ela vai continuar crescendo. Amanhã, quando eu acordar para ir à escola, vai estar pior. E, adivinha, quando eu vir o rosto dele, a dor de cabeça vai PUFF desaparecer. Como mágica. Só de ver o rosto dele, ele nem precisa sorrir.
Eu já tive várias paixonites bem brutas. Algumas até demoradas, mas a maioria dura duas semanas. Duas semanas de total viagem e febre para depois eu olhar o garoto e me perguntar "Mas o que foi que eu vi naquilo?" Mas esse cara novo, aí... Está monopolizando minha mente, sem dó! E o pior é que faz tempo! Meu rendimento escolar está até dando aquela cambaleada meio bêbada, sabe?
A me falou ", pede para alguém puxar a orelha dele! Ele precisa acordar!" e, sério, eu adoraria fazer isso. Literalmente.
Mas para descontar meu desapontamento, eu desenho. Na verdade, eu rabisco, já que eu não sei desenhar. A sorte é que eu tenho amigas bem originais, daquelas que te deixam para cima, mesmo quando o mundo tem tanta graça quanto um pavê de creme e sempre pedem para eu fazer um desenho para elas. Sempre desenho de casal. O mais engraçado é que elas pedem para eu fazer delas com o affair delas e eu sempre faço pensando no meu. E meu par é ninguém mais, ninguém menos que ! Muah.
E, céus, gostar de alguém me deixa idiota. Um pouco mais do que eu já sou. Outro dia, eu estava escutando música country, sentada na soleira da varanda, dedilhando o violão. E eu não toco violão! É quando eu acredito que estou ficando doente. Amor é doença, também, sabia? Posso provar porque tem até sintomas, mas não convém falar sobre isso, agora.
Na verdade, vou pedir para alguém ser meu casamenteiro, que nem a foi para a .
E, enquanto isso, eu vou rezando para que isso passe logo.
Capítulo 1
Fevereiro, 17. 2002. Domingo.
Ok, o sábado. Dia de festa. Balada, baladinha, tuntz tuntz, vibe, FESTA! BEBIDA! VODCA!
PESSOAS BÊBADAS!
Seria uma doce - tão doce, que dá enjôo, aliás - ilusão acreditar que ficaria bêbado em uma festa e não conseguiria resistir ao meu charme, até porque ele sempre fica bêbado. E eu sempre falo "É hoje", mas o meu santo sempre diz "Não, não é".
Alguém lá em cima só pode ser muito implicado comigo ou acha que eu sou divertida quando não me dou bem. E eu tentei contradizer meu santo, meu orixá, ou o que quer que estivesse brincando com a minha sorte, mas não rolou. O pior é que eu não me dei bem, mesmo. Não como eu gostaria.
Segundo dia da maratona "paixonite da " cumprido com desgosto! E suor. Hoje foi tipo, tenso! A aula de matemática estava um saco, (nada de novo, né?), então eu peguei meu espelhinho de bolso e resolvi fazer caretas, me olhando no espelho, entende? (ISSO NÃO É NORMAL, EU TÔ CONVERSANDO SOZINHA). Eu sou normal sim, ok! (PIOR! TÔ ME EXPLICANDO PRA MIM MESMA!).
Aí, eu vi ele.. meu Dear John. Meu querido ! Aquele por quem eu tenho dores de cabeça e vou mal na escola! Sim, ele mesmo! Ele está na minha sala, ou melhor, senta logo atrás de mim.
E penso em me perguntar por que eu sou tão tentada, se sempre fui uma boa menina, mas vou deixar para perguntar isso no céu. Aí vou ter muito mais coisas a falar.
Então! Eu estava de boa, fazendo minhas caretas de bichinhos e fuinhas, quando eu virei o espelhinho e o vi! Sinceramente, eu não podia ter esperado mais alguns segundos para virar o espelho para ele, mesmo que acidentalmente? Ele me olhando com aqueles olhinhos profundos e meigos e uma expressão de riso, me fez simplesmente... Derrubar o espelho destrambelhadamente. Calmaí, ele estava rindo tipo "Own, que carinhas fofinhas" ou tipo "Own, essa menina precisa ser internada"? OH, NÃO, NÃO DE NOVO! Eu só estou no primeiro colegial, sou muito nova para pirar assim. Quer apostar quanto que eu vou passar a noite pensando nisso e ameaçando matar a se ela não me der uma interpretação decente de cada única ação que ele faz? Por mais que o ano letivo esteja acabando, não parece uma boa ideia chegar morrendo de sono nas alas.
Bom, voltando ao que aconteceu na aula. Eu estava feliz fazendo minhas caretas, aí vi que ele estava me olhando. Ele riu (aquele sorrisinho indecifrável de sempre) e balançou a cabeça. Analisando de novo! Aquela balançadinha de cabeça foi tipo "Tsc tsc.. Essa doidinha linda" ou tipo "Tsc tsc.. Essa lesa maníaca"? Ah, certeza que até uma da manhã eu discuto a risadinha e depois fico até as três discutindo essa balançadinha de cabeça com a e a . Ah, com a né, ela gosta de analisar as coisas a fundo. A só fala o que eu quero ouvir, então não muda muita coisa.
E amanhã começa tudo de novo. Acordar cedo com dor de cabeça, entrar na sala de chinelo (e depois me arrepender, porque ele vai estar muito arrumado e eu vou me sentir muito desleixada para ele. Talvez seja esse o motivo de, às vezes, ele não olhar na minha cara. Ah, meninos não podem ser fúteis!), e... Perdi o foco. O importante é que amanhã tem noventa por cento de chance de ser um desastre. Como tem sido desde que eu conheci essa coisa incrivelmente incômoda que chamamos de amor.
Mas, agora, lições para fazer, programas para ver, músicas para escutar e pessoas para matar, como diria o Titio Freddy. Tenho que ir!
Capítulo 2
Março, 4. 2002. Segunda-feira.
HOJE, NA AULA DE EDUCAÇÃO FÍSICA, FOI UMA COISA DE LOUCO!
Não, sério! Eu não achei outra definição, nem no dicionário. Como se eu pegasse no dicionário, mas enfim.
Nós, as meninas, estávamos jogando futebol, (até aí, nada de bom, até porque eu sou uma péssima jogadora e só faço porque, para mim, é menos pior das atividades extracurriculares obrigatórias). Correr numa quadra climatizada, usar camisa pólo como uniforme, não ter que pegar bola que bate nas cabeças nojentas dos meninos com as mãos e por aí, vai. Eu tenho milhares de outros motivos para escolher 'futebol' a outros esportes que terminem com 'bol' e humilhação. Então, prosseguindo com o caminhar da carruagem! Chegou a vez dos meninos jogarem. E eu, a toiça, a tapada, fiquei ali - assistindo, sabe - porque meu querido é bom em futebol. Para a minha sorte ele é bom porque aí, eu me permitia sonhar, "Nossa, e se ele fizer um gol pra mim?" e é bom sonhar.
Voltando, mais uma vez. O professor (ou treinador?) soprou o apito e o jogo começou. Eu já me afastei um pouquinho sabe, porque os meninos são fortes e desgovernados, vai que de repente alguém chuta a bola e ela voa na minha cara! Sei lá, adoro me prevenir. E odeio bolada na cara, espero ter deixado isso claro.
Voltando de novo, pela última vez. Soado o apito, chutada a bola, cobrado o escanteio... Chuta ali, chuta aqui, drama cá, cartão amarelo acolá... Passou um bom tempo, até que recebeu um cruzamento que eu achei digno de uma longa ovação mental. Ele dominou no peito, deu um chapéu no goleiro e marcou de cabeça no ângulo. Eu levantei e comecei a gritar com mais duas loucas que estavam do meu lado "GOOOL, GOOOOL, GOOOOL" (eu juro que sou normal) e, bom, ele olhou para a gente. Você vai pensar, "Lógico, quem não olharia?"... Ele deu uma piscadinha marota. ANALISANDO! Essa foi uma piscadinha do tipo "Valeu pela torcida gatinhas" ou do tipo "Valeu pela torcida doidas varridas que estão me ajudando a ficar mais famoso"? E se de repente só entrou um cisco no olho dele? Porque bem que pareceu isso depois que ele levou a mão aos olhos.
Maravilha, ! Lá se vão mais duas horas da minha preciosa noite, discutindo isso com meu amigo imaginário, com a e com a . Elas não devem me agüentar mais.
O pior é que, depois disso, eu tentei sorrir, me esconder nos pompons das líderes de torcida ali perto (até elas me olharam atravessado e... Certo, isso não é verdade). Acabei tropeçando nos próprios pés logo em seguida e com o tapinha no ombro que a me deu, perdi de vez o equilíbrio, indo parar no segundo degrau da arquibancada. Ela veio me acudir, toda perua que é, preocupada e bonitinha, perguntando se eu precisava de um hospital. Tudo isso acontecendo, enquanto o jogo parou para me observar rolar a arquibancada. E olha que eu nem sou tão gordinha, assim. Aliás, eu não sou gordinha e ponto.
Fiquei louca de vontade de responder que tudo o que eu mais precisava era de um buraco no chão para esconder a minha cara, depois daquele mico que tinha tudo para durar até o fim da minha faculdade, na lembrança das pessoas ali presentes. Infelizmente, presentes.
Tudo bem, o professor empinou o nariz, fingiu que não aconteceu nada, reapitou o jogo e eu não fui parar no hospital. Mas bem que a merecia, afinal o só soube rir, a cada minuto que olhava para mim, naquele dia. Sendo um pouquinho mais emotiva, eu choraria.
E depois eu concordo que sou uma perdedora, com todas as letras e a me olha, franzindo o nariz. Aquela cara bem de fuinha, mesmo, o nariz torto, batendo as pestanas e unindo as sobrancelhas, imitando uma expressão brava. Até parece que ela vai me fazer mudar de ideia com uma carinha forçadamente brava.
Deixo o resto para amanhã, e - por enquanto - declaro o réu, fracassado.
Capítulo 3
Março, 14. 2002. Quinta-feira.
É, eu não mereço viver!
Não, não perto dessas pessoas que me rodeiam. Talvez eu deva viver no Alaska, onde só existem aqueles esquimós todos iguais, dentro de casacos todos iguais, morando em iglus todos iguais. Aí, eu posso virar com o peito cheio de ar e o orgulho explodindo por dentro e dizer, em alto e bom tom: OS HOMENS SÃO TODOS IGUAIS.
E dizer isso lá, porque aqui a não me deixa falar isso. Só porque o namorado dela é um daqueles nerds que parecem ser totalmente santinhos, arrojados e cheios de compartimentos secretos, como o carro do ano. Eu avisei para ela que isso é só na frente dela, que os mais quietinhos são os mais perigosos, mas ela acha que eu estou bancando a fura olho, querendo ele para mim. Sai pra lá, nerd para mim é só para passar cola na prova e mais nada. Imagina um nerd beijando? Se ele me pára o beijo para dizer quantas bactérias estamos trocando, acabou para mim. Eu broxo, colega.
Até porque ouvi dizer que nerds não cuidam da pele por cuidar demais dos cadernos, por isso são cheios de espinhas.
ainda insiste em dizer que eu tenho inveja do relacionamento dela. Até o bibliotecário é menos loucão do que o... Ok, parei, vou parar. Ah, para quem ainda conseguiu ficar na dúvida, o namorado dela é o . Ok, eu sei que pelo nome ele não parece nerd (e acredite, até o fim do ano eu faço ele parecer homem. Dou um jeito naquele penteado CDF desfocado dele). E o namorado da , é o . Esse é bonito. Devo admitir que minha amiga soube escolher, mas, caramba, agora que estão todos apresentados, posso contar o motivo que me fez crer nisso? Ok, obrigada, diário.
Foi exatamente ter a pessoa que eu MENOS QUERIA perto de mim, na minha janela da grade escolar. Sabe aquele horário que você tem livre e tudo o que você mais quer é que o esteja livre também, ou que algum professor dele tenha tido dor de barriga exatamente naquela hora? Uma dor de cabeça puxada para a sinusite crônica, também serve. Bem, o fato é que o não teve uma aula vazia no mesmo horário que eu, pelo menos e tampouco passou esse tempo comigo. Quem o fez foi o queridinho .
Ah, eu mereço, não?
E o senhor nerd teve a capacidade de virar para mim e dizer que eu era o brilho que iluminava os seus cabelos, manhã pós manhã, quando quem deveria dizer isso era o ! Sério, não sei se me senti mais ultrajada recebendo um galanteio de quem tratava como rei, ou de ter ouvido ela tratando-o como um deus e dizendo que provavelmente eu teria entendido errado, pois é um anjo. Ah, pois, sim, ser celestial.
O pior é que o pior ainda não chegou! Quando eu fui contar isso para o , numa das poucas conversas que conseguimos ter até agora, tudo o que ele fez foi sorrir, passar o dedão na minha bochecha, como quem diz "Ah, bobinha" e dar uma risada.
Depois, aquela branquelinha dos cabelos pretos chegou e o puxou para ver não sei o quê da nova lojinha online dela. Quer saber, que dê problema no servidor dela e que todas as compras sejam desfeitas; hoje eu estou revoltada com o mundo, eu quero que a branquelinha fique preta e que seus cabelos percam a cor. Quero que o seja pego no flagra, aquele safado e que o faça alguma coisa para me ajudar, porque até hoje só ficou nas promessas comigo sobre o . Ah, eu não contei que o é meu melhor amigo?
Uau, estou bem mais leve agora.
Capítulo 4
Março, 15. 2002. Sexta-feira.
Ah, eu quero morrer.
Sabe aqueles filmes de magia? Bom, de todos que eu vi ultimamente, eu não decorei nenhum feitiço, já que - você sabe - eu não estou em Hogwarts, mas... Seria útil aquele de matar. Algumas palavrinhas e, pimba, adeus! Então, mas eu não preciso tentar decorar mais coisas, porque a semana tem tido suas noites muito ocupadas. Tentei decorar todas as fórmulas de física, mas, aparentemente, não funcionou. Eu esqueci dois terços delas logo na primeira prova da manhã, que era física, mas lembrei delas na prova de matemática.
Quem precisa de física, mesmo? Trigonometria para a vitória! Não.
Embora pareça bem justo, nobre e bem estudantil, o motivo para que eu queira morrer afogada num penico é que eu dei um dos maiores foras da minha vida e não que eu tirei um suposto dois na prova (isso, se eu acertei as questões que consegui fazer, aliás). Como se não bastasse aquele episódio de rolar na arquibancada, que eu acho que ninguém nunca mais vai esquecer, aconteceu algo bem pior, hoje. Duas meninas baixinhas também do primeiro ano me olharam rindo. me falou que é normal.
"É o preço da fama, querida." Ela disse, com pompa. Eu fingi que não ouvi e no momento que erguia a mão para mostrar o dedo do meio às duas intrometidas, me puxou para o canto, me dizendo algo sobre ética. Embora estivesse cega pelo ódio e pela vontade de puxar os cabelos delas para fora da cabeça, tentei ouvir.
Só consegui ver sua boca se mexendo.
Mas aí eu não sei direito o que eu fiz e quando eu faço isso, é porque eu perco o controle. Acho que eu falei demais.
Falei de .
E aconteceu o que tanto estou falando que foi péssimo! Escândalo.
"E o me cantou, ontem!" Desabafei. É tudo que eu me lembro de ter falado. Felizmente, porque de vergonha eu já estou cheia. Eu lembro que a arregalou os olhos, e, bom, isso é o que ela faz quando ela está pensando. Ou tentando pensar, como e eu normalmente brincamos. Mas ela não parecia estar brincando. A , digo.
", você usou que tipo de droga, ontem?" Oh, oh. Quando ela usa essa frase, isso quer dizer que eu estou em encrenca. Ponto positivo de ser uma menina: eu entendo tudo o que as outras da minha espécie falam, então, amiga, nem em código que você me engana. Estava em problemas e sabia disso.
"É, , você sabe que o é um daqueles nerds do gênero traça-de-biblioteca, não aja assim. Chega de brincadeirinhas." disse entre dentes. Mais uma dica invisível que eu estava em uma encrenca (e, nossa, ela só parecia aumentar conforme o tempo passava).
Me sinto no direito e me recuso a dizer como fiquei sabendo que só estava treinando a declamação de um poema. Não devo lembrar disso, aliás, porque o trauma foi grande. Ouvi dizer que quando o trauma é maior do que o que o indivíduo pode suportar, o cérebro faz com que esqueçamos tudo. Nesse caso, que sorte. Mas não muda o fato que eu quero morrer, que o estava declamando a porcaria de um poema e que eu, toda carente, acreditei que fosse para mim. É nessas horas que eu tenho vontade de me entupir de doce e me trancar num quarto colorido, cheio de arco íris e chuva de açúcar, para ver se meu injúrio passa.
Mas o que mais me chateia é que eu acredito que elas falaram a verdade mesmo, porque eu não respondo por mim nesses últimos dias. O tem tirado tanto a minha dignidade que estou em débito para o fim do ano que vem. Já me perguntei o que ele come no café da manhã e a única resposta que coube foi essa: minha sanidade.
Só pode! Eu deveria assistir mais um pouco de Discovery Channel com minha família (eu tenho uma família, apesar de quase nunca falar nela. É que ela é tão complicada, que eu vou enrolar tanto quanto eu puder) e esfriar a cabeça. Mas eu não consigo.
Eu não sei com que cara vou encarar o amanhã. Só ele, mesmo, porque as meninas já me perdoaram. Um pouco de dinheiro na roda e fica tudo bem. Ok, brincadeirinha.
Mas agora eu preciso me preparar para as provas de amanhã: resistência, paciência e não ficar vermelha. Mas acho que essa última se encaixa direitinho em 'resistência'.
A única coisa que sobrou para mim é a digna frase:
Hasta la vista, baby .
Capítulo 5
Abril, 12. 2002. Sexta-feira.
UHUL! Parece que eu virei a rainha do pinball! A última bolacha do pacote! A vida sorriu para mim de novo.
A sexta-feira demorou para chegar (parece que foi um século que passou, não uma semana), mas quando chegou, foi genuinamente brilhante.
O milagre mor, que quase me fez ver um fiapo de luz dançar um samba naquelas nuvens escuras que ameaçavam o meu dia ensolarado, foi que se ofereceu para ir comigo à montanha russa Terrorífica. ", quer ir nessa montanha russa?" pode parecer um convite comum, mas foi um passo comprido para o próximo nível do nosso relacionamento.
Ok! Nosso futuro relacionamento. Melhor?
Aliás, montanha russa Terrorífica, uma ova. Eu não me assusto ao lado de . Só me assusto comigo. E meu desastre charme natural.
Não mencionei antes que ia com o colégio para um parque de diversões, certo? É, maldade minha, mas foi só um lapso. Aliás, eu vivo tendo lapsos quando eu estou perto do , alguém já reparou, ou só eu consegui reparar nisso? Mas a culpa também é toda dele e aquele sorriso que acha que seduz todo mundo. Todo mundo, eu não sei, mas eu...
O fato é que eu fui como monitora dos menores de 12 anos. Só deles, porque, segundo as crianças, a partir de treze, eles já são adolescentes e não precisam de malditos monitores e, ok, talvez seja melhor esquecer o resto que eles disseram. Mas tudo bem, como eles eram muitos, eu resolvi ficar quieta. Bola pra frente, !
No momento mais brilhante do dia, quando o sol estava lá no alto (a pino, como dizem), , , , e foram almoçar. E eu fui junto.
E foi exatamente no almoço que dei a minha cartada de chefe.
Comecei acertando o sanduíche que ele ia pedir antes que ele o pedisse. E, pensando melhor, isso soou meio psicótico, mas eu vou tentar deixar para analisar essas e outras coisas (menos legais, diga-se de passagem), depois.
Come para cá, come para lá, finalmente resolvemos levantar e retomar a labuta. Como quem não quer nada além de soluções, sugeri com sutileza que andássemos em grupos. Assim, as crianças aproveitariam mais o parque.
"É mesmo, fazer algumas crianças esperarem é chato, não é? Elas podem ficar tristes." disse, sensibilizada. Eu sei, eu sou da malandragem. Mas a é mais, porque ela pegou no ar os meus interesses. E ainda piscou para mim, sob o risco de qualquer um ver! Até ! Só que ele é desligado demais para notar e estava brincando com uma criança, nessa hora.
E aí é que vem o motivo de eu ser tão esperta. até é amigo de e , mas só porque e são namoradas deles e são melhores amigas. Então, é basicamente um convívio forçado, juntar um cara nerd (), um bonitão dono do pedaço () e o novato bonitão (, caso não estivesse claro).
"Você vai comigo, ?". Sim! Sim, sim, sim! Quis gritar, mas contive tudo em um sorriso tímido, que deveria ser meio assustador, porque ele mudou de assunto rápido, para que a gente não ficasse em silêncio.
Mas, sim! Oh, sim! Passei o resto da tarde com . Só que quando anoitecia, ainda estávamos com as crianças. Tínhamos encontrado os outros grupos algumas vezes, mas no momento em que os monstros saíram à caça (que aliás eu nem sabia que era aquela a programação da noite), eu e estávamos despreparados. Todas as crianças saíram correndo, nos deixando desnorteados! Quando um monstro veio na nossa direção, antes que eu pensasse em agarrar o fulaninho - o que acarretaria em admitir todo meu amor por ele - decidi abraçar o poste para fazer o medo passar. Isso mesmo! foi obrigado a me tirar de lá, e eu não reclamei quando ele o fez.
E descobri que ele é muito mais forte do que eu pensava!
Mais babaca, mais divertido, mais genial (fugimos do ofício de cuidar das crianças e, enquanto íamos em um brinquedo que só nós podíamos entrar por causa do tamanho, eles nos esperaram. Há!), e mais distraído... Ou isso, ou ele não presta atenção em mim. Não o suficiente, porque quando eu avisei para ele que tinha uma pedra no chão à frente dele, ele já estava me olhando, mas franziu a testa e... Caiu.
Falta de avisar, não foi. Ajudei ele a se levantar e ele sorriu para mim. Aquele sorriso de canto, meio tímido, meio jeitosinho, meio gracinha. Meio meu.
Mas que ainda me dá dor de cabeça.
Pode ser superstição, mas às vezes, os búzios estão a meu favor. Uma tarde com sem a necessidade do meu colega álcool. Saiu melhor que a encomenda!
Capítulo 6
Abril, 23. 2002. Terça-feira.
Minha manhã começou maravilhosa. Linda e absoluta. Só a manhã, também, por isso já acabo com a animação por aqui, para a queda não ser muito doída.
Hoje, o , meu fulaninho, meu futuro broto, me disse oi. Oi! Aquelas duas letras ficaram tilintando forte e freneticamente na minha cabeça e eu senti que, pela primeira vez, ia ter dor de cabeça perto dele.
"Oi, , você ficou com meu caderno, ontem?" Claro que não, o destino não me dá tantas oportunidades assim. E mesmo se desse, eu não saberia aproveitar. Mas se estivesse comigo, eu não devolveria.
"Não, " e me lembro de ter feito cara de dó, nessa hora, esperando que fosse fofa o suficiente para ele. "Mas procure lá em casa!"
Assim que eu acabei de falar, ele riu e me olhou. Vai ver que estava esperando que eu dissesse um "Há, brincadeira, broto, te peguei!". No fim das contas, ele disse que ia procurar melhor. Precisei me afastar de nessa hora, porque, nossa, eu não tinha nada pior para falar? Porque né! Aposto que eu não tinha. Eu nem quis olhar para trás, tinha certeza que ele estava com aquele olhar meio tarado dele. Não, não exatamente tarado, mas eu não sei outra palavra que eu posso usar para isso, que deixe mais sutil aquele olhar de ", você é safada", dele.
Oh. Meu. Deus. O que eu acabei de dizer? Ele olha para mim, assim, mesmo? (Lá vou eu conversar sozinha). Puta merda, eu não sou normal. (E o pior é que eu sei.) Ah, caramba! Sério que eu não tinha nada melhor para falar? Tipo a cantada do beijinho? Sempre funcionava, na praia.
Ou de repente, assunto de líder de torcida, porque parece que sempre funciona mostrar metade do colo, esconder um palmo das coxas (só até a bunda acabar), e jogar o cabelo para trás. Viu? Nem preciso ser uma para saber o código secreto delas. Aliás, de secreto, vamos combinar que não tem nada. É tão pouca roupa, que fica difícil esconder alguma coisa, assim.
O caso é que para cada dia que eu penso que dei um passo à frente, parece que eu dou um duplo twist carpado para trás, no dia seguinte. Eu sou quase um trevo de quatro folhas (já ouviu falar que eles têm esse nome porque simplesmente não existem? Se tiver quatro folhas não é mais nomeado trevo, por isso boa sorte achando um). Mas ímã de que é bom, nada.
No intervalo do almoço, adivinha quem eu vi perto dele? A branquelinha da lojinha virtual. Eu já perguntei pras meninas por que, de repente, ela não se colocava à venda, no site... A disse que é porque ela não ia conseguir muito dinheiro. Ri tão alto, depois dos longos segundos que gastei tentando entender a piada, que pelo menos metade do refeitório teve que me encarar. E aí eu me encolhi na cadeira.
A aula de física só confirmou as minhas suspeitas sobre meu desempenho na prova anterior (é, aquela que eu tive o desprazer de esquecer todas as fórmulas, mesmo). Minha nota foi exatamente dois vírgula dois! Não faço ideia de onde veio esse vírgula dois! Certo que eu esperava um oito, porque a esperança é a última que morre, mas, aparentemente, tudo que eu mereço são esses dois patinhos na lagoa, separados por uma vírgula.
Ao menos acertei as duas questões que fiz e meu nome. Parece que o vírgula-dois veio do meu nome escrito certinho.
"A vida é difícil para mim também, ." O professor disse, depois do meu minuto de silêncio em respeito à minha prova malsucedida. Ah, pois sim. Muito difícil dar dois para uma aluna tão esforçada quanto eu.
Já em casa, eu decidi abrir um site. Assim, decidi e fui, pimba. Tão esperta que sou, pedi antes o dinheiro à minha mãe. Pedi o restante para o meu pai e sobrou até para o meu cachorro, que aceitou gentilmente cooperar comigo, deixando seus biscoitinhos de lado, por uma semana. Fez super de boa vontade.
Porém, quando fui toda feliz conferir se já havia tal domínio, adivinhe? É, Apollo, pode voltar a ter seu biscoitinho.
Certo. Posso não ter um site "fofoca do momento", com o nome que sempre quis, que não fará a mínima diferença. Vou conquistar com ou sem bens materiais. No caso, seriam virtuais, mas tudo bem, né? Acho que valeu do mesmo jeito.
E, olha, não é pouca a grana que eu poupei. Dá para comprar um monte de sorvete.
A tarde com a e a não foi produtiva, mas será que, de repente, com uma graninha, as coisas não melhoram?
Se dinheiro paga até namorado, o que eu tô fazendo aqui?
Aliás, diário, não ligo para quantas folhas você tem, você tem poucas para decidir minha vida com .
É sério! Se não cooperar, vou por mim mesma e xingo até a terceira geração dos seus bisnetos. Espero que esteja avisado e me venha com uma sorte do dia melhor, amanhã.
Capítulo 7
Abril, 24. 2002. Quarta-feira.
Que digno, hoje foi bucólico. Segundo a , meu dicionário ambulante, isso significa ingênuo e puro... E talvez, algumas coisas relacionadas à vida no campo.
Mas eu sou ingênua e pura. Logo, sou bucólica. Muah.
Até que combina, não é? , a bucólica. Há, ok, isso é uma brincadeira.
Eis que venho explicar o fato que me prova isso. Hoje, eu estava lá, mascando um chiclete, na minha maior pose desleixada, até que ele entrou na sala. Tudo meio bem até aí. Até porque na hora, eu tentei não parecer muito incomodada com o fato que ele estava mais uma vez, arrasando e eu, mais uma vez, arrasada. Jogada na cadeira. Reergui o corpo aos poucos, meio casualmente e observei de rabo de olho enquanto ele passava pelas carteiras. Mas dessa vez, ele parou na minha.
parou na minha carteira!
Respira, . Um, dois, três, cinco, seis, nove. Dentro, fora. Inspira, expira. Respira, despira. Primeira pista que eu sou ingênua: despira é tirar as roupas e não o contrário de 'respira'. Mas não vamos comentar muito sobre isso, não. Continuei lá, na minha pose de estátua, como se não tivesse percebido que ele tinha vindo na minha direção e puxado uma cadeira do meu lado. Só faltei assobiar e olhar para o teto.
O meu lado mais bonito do cérebro dizia que era porque ele queria sentar perto de mim e talvez eu devesse parecer menos estranha, virando casualmente na direção dele e puxando conversa. O outro lado, o mais cuidadoso (e aquele que sabe que eu posso ser bem perdedora), dizia para eu continuar como estátua. Ele provavelmente nem estava me vendo, mesmo.
E aí, ele me chamou. Naquela voz aveludada dele, de vocalista de banda de pop rock. Eu fiquei uns segundos em coma e depois virei o rosto para ele. Ele tinha dito "". Me chamou pelo apelido!
Analisando: Então, ele não sentou ali por causa da segunda cadeira? Porque eu bem que tinha escutado uns boatos de que ele estava precisando de nota e ia sentar perto de mim porque eu tinha notas boas. Coitado, mal sabe. Mas e se ele tivesse sentado ali por outros motivos? Cadê a , nessas horas? E a , por favor. E sem o .
Depois de perceber que eu deixei ele falando sozinho, tentei reanimar a conversa. Tirei as mãos da vista dele, porque ele não precisava perceber que eu estava arrancando as próprias unhas de nervoso. Tem coisa que a gente pode esconder. Sem mais, a conversa não teve nada de especial. Ele pediu ajuda em biologia, porque eu sou boa nisso. Anatomia, aí vou eu!
Assim que eu concordei, ele sorriu. Disse "Ótimo, obrigado . Você é linda.", para me agradar e saiu depois de um beijo na minha testa. Foi para o fundo da sala varzear. Como se já não fizesse isso o suficiente.
E na hora do almoço é que eu me toquei que eu sou ingênua. Oh. Meu. Deus! Eu contei para o que o cara que eu precisava de ajuda para entender melhor era o .
Eu. Contei.
Sabe o pior? Contei na maior vibe, sentindo que estava contando meu segredo para um cofre. Coisa que o não é, ele nem sabe o que a palavra economia significa. Eu sou mesmo muito burra! A essa hora, ele e o devem estar rindo de mim, num bar, virando todas as cervejas maltadas que aguentarem. Porque é lógico que homem só se preocupa com homem. Mulheres, segundo plano.
E eu aqui, intercalando o olhar entre o diário e o aquário da minha mãe, desejando de todo o meu coração que os peixinhos ali presentes sejam, na verdade, os padrinhos mágicos. Mas é claro que não são, estamos falando de , a garota que, aparentemente, é bucólica. Bucólica demais para o próprio bem.
Pensando bem, isso me faz pensar em cólica. E hoje eu tive uma puta cólica, logo no meio da aula de química, aquela que é famosa pela galera sentar em bancadas. Nessa aula, o professor da série B (eu, a e o estamos na mesma turma, que é a turma A. E o resto, vulgo , e fazem parte da turma B. Meio que separaram a gente por causa do ano passado, mas deixa para lá). Calma, onde eu parei? Ah, é, o professor da série B (a outra sala importante) teve uma repentina dor de barriga (e eu achando que isso só acontecia nos meus sonhos) e teve que ir embora. E aí, eu decidi parar de ser babaca, aproveitei minha cólica e fui para casa, também.
Claro que eu não falei que estava com cólica, porque seria um vexame caso alguém mais soubesse. Já é uma merda menstruar, para que eu vou falar essas coisas pros outros? Só para você, diário lindo.
Bom, é isso. Sem progressos, hoje. Me sinto naqueles jogos de tabuleiro que você recebe a ordem "Hoje não é seu dia, fique uma rodada sem jogar".
Pois é, uma rodada sem jogar, para mim. Pior que dois passos para trás.
Capítulo 8
Maio, 15. 2002. Quarta-feira.
Meu sonho hoje foi o mais louco de todos. Sério, foi... UAU.
Acordei até inspirada.
Sonhei que era uma vampira, hmm, sentiu? Daquelas bem sexy, rápidas, inteligentes e com presas. E eu tinha que fugir de alguma coisa, que eu não lembro bem o que era. E tinha um parque de diversões. E tinha o Ian Delícia Somerhalder. Tinha tudo que eu sempre quis em um sonho só. Exceto o fato que eu tinha que fugir.
Isso é coisa de perdedores e é lógico que eu não sou uma. Eu sou uma vampira, que mordeu o pescoço do Ian. Pensando melhor, talvez eu estivesse interpretando a Katherine. Ah, que merda, viu. Logo ela?
Mas chega de divagar, o sonho foi uó de bom e eu cheguei surtada no colégio. Na verdade, até tentei dar aqueles saltos malandros e bem altos e ter uma percepção muito boa do campo, mas não funcionou. E tentar não mudou muita coisa, aliás. Exceto pela sorte que eu tive de, justo no momento que eu arregalava bastante os olhos para ver se isso ajudava a visão a ficar ampla, encontrar . Opa lá, calma, ele não estava me olhando. Até parece que eu sou tão importante para ele (ainda). Ou digna de atenção alheia...
Ah, mas ele é. Ele tinha uma branquelinha do lado dele. Acredita? Acho que é a mesma do site de lojinha. Se não for a mesma, pode ser uma gêmea dela, tanto faz.
Meus olhos estavam tão arregalados que a e a tiveram que olhar, também. Não deu tempo de disfarçar, explicando que era só um experimento com os meus lindos olhos. Elas viram.
Depois disso, o dia desandou. Desanimei mesmo, quis desistir da vida, comer uma refeição completa no McDonald's com suco grande, batatinha grande, molho e tudo que eu tenho direito. Ah, se possível, um Sundae para afagar a minha desilusão amorosa.
Talvez seja sempre assim, talvez o simplesmente curta ser difícil para mim e fácil com todas as outras meninas do colégio.
Eu deveria ter faltado à aula, mesmo. Devia ter ligado fingindo que sou minha mãe, porque, cof cof, eu sou ótima nisso. "Alô? Oh, a minha filha está doente. O nome dela é . Ela não poderá ir à escola hoje, mas espero que esteja boa o suficiente para ir amanhã". É só fazer voz nasalada e bingo.
E aí, quando a escola desconfia e liga para o celular da minha mãe, dá desvio para o meu número. Eu sei, sou uma pessoa muito esperta. E uma grande aliada da tecnologia celulárica. Celularífica?
É por isso que amanhã eu vou fingir que vou à aula, vou voltar para casa, pegar uma caixa de cereal e comer com a colher. Da caixa, mesmo. E se me der a louca, ponho leite dentro.
Eca, imagina a bagunça. , a porca.
Mas, como dizem, tem que ficar ruim antes de ficar bom. Mas (de novo, esse MAS. Sempre tem um MAS, um PORÉM, um EMBORA, ENTRETANTO. Portanto...) parece que eu estou dando outro passo para trás. Qual é, destino, dá para ser ou está difícil? Parece que esse santo dos namorados aí ajuda todo mundo menos eu. Não adiantou nada botar fogo no meu, enfiar depois na água, fazer sessão de tortura...
Vai ver que eu matei o meu santo, por isso as coisas não tão saindo como deviam por aqui...
Por hoje é só, vou correr porque quem sabe não dou sorte e ainda dá tempo de pegar aqueles desenhos que passam à noite, num canal meio infantil aleatório?
Se bem que, se for contar com a sorte...
Ok, melhor eu ir antes que eu volte a falar sozinha de novo. Ou que eu morda minha língua. Ou que eu lembre do (AI, COMO ELE ME CANSA), ou... Eu sei lá.
Viu, já perdi o fio da meada.
Aí, começou Tom & Jerry. É hoje que eu banco a sofrida e durmo no sofá com um pedaço de bolacha na boca, ao som do Polishop.
Sorte para mim?
Capítulo 9
Junho, 11. 2002. Terça-feira.
Ah, oi para você também.
Enquanto escrevo com uma humilde caneta de miolo amare laranja (ou será amarelo, mesmo?) fico louca de vontade de parti-la ao meio. Na moral, meus dedinhos tão coçando para isso.
Pois é, eu já cansei de sofrer, truta (mas parece que eu não canso de falar essa frase, né?). Sofrer por outras pessoas, mais ainda. Mas o pior é quando você sofre por um mero objeto! Uma caneta!
Vou explicar, porque ainda não está na hora da janta e eu tenho tempo. Eu estava lá, toda linda, sentada no meu banco, na aula de Inglês. Você vai achar estranho eu dizer que estou tendo aula em banquetas (aliás, que tive, porque eu sinceramente espero que isso não se repita. Nunca mais) e... Onde eu parei? Ah, é, o motivo. Olhe bem para o motivo.
E o motivo, no caso (não deve ser nenhuma surpresa), estava bem atrás de mim, para variar. Era . Dã, quem não sabe que é ele que fica me deixando desnorteada desde que pisou naquela escola?
Ele e os babacas dos namorados das minhas amigas (e porque as chamo de amigas é uma pergunta que não quer calar), estavam sentados juntos. Na zona da várzea.
Pois é, de novo, turma A e B, juntas. Na verdade, o professor não deu aula de novo porque se demitiu... A coisa da dor de barriga foi brincadeira malandra da . E eu, a babaca mor, caí. Aliás, por que sórdido motivo os alunos não podem seguir o exemplo dele e também se demitirem? Fica no ar...
Bom, vamos ao que interessa. Não bastasse a sala estar uma puta zona (hehe, pleonasmo?), minha caneta caiu, justo quando decidi olhar para trás. Já sabe por que caiu, certo? Perdi a força na mão e aquele blábláblá todo, mas não me faça dizer isso de novo.
Mas, voltando ao impacto da minha vida, aí qualquer bobão pensa "Dã, pega a caneta?". E foi o que a perdedora aqui fez.
O problema é que eu esqueci que estava em um banco e fui seca pegar a caneta no chão. Fui rápida demais para o lado e enfiei a cara no colo da e, bom, até aí tudo bem, porque ela me amparou. E tudo bem, não fosse pelo fato que, na volta, coloquei força demais nas mãos (muito arroz e feijão, galera, funciona mesmo) e empurrei a para o lado, na volta. Ela perdeu o equilíbrio e caiu para o lado, derrubando uma loira da minha sala, que também perdeu o equilíbrio e derrubou uma morena da sala da , que bateu com tudo no vidro, que, miraculosamente, nem rachou. Só fez um barulho alto para caramba.
"Strike!", você deve estar pensando.
Foi o que eu pensei também, até porque eu nunca tinha presenciado uma cena efeito dominó tão verdadeira. E eu lá, sorrindo. "Uhul, pelo menos eu não caí", porém as três outras ficaram, digamos, chateadas comigo e atiraram (assim que se levantaram, rá rá rá) lápis e canetas em mim. E o que mais estivesse no alcance delas.
Não deu para explicar que a culpa, na verdade, não era minha, mas sim da caneta (antes da caneta do que do ). Juro, se não fosse por essa desafortunada que agora lhe conta essa história por meio de tinta, eu teria um pouco menos de dor nos pés.
E aqui vem o fim da história. É que, parece que quando as coisas começam a ir mal, elas só tendem a ir mal. Demorei para acreditar nesse Murphy.
Tive que sair correndo da sala porque, credo, aquelas meninas tem uma criatividade para munição e xingamento que até Deus duvida... Fiquei com medo de, de repente, alguém ter uma granada, e saí correndo na toda. Parecia um carrinho de fórmula um.
Mais, acho que o professor entendeu a minha situação, minha saída em disparada. Eu tinha que lutar pela minha vida. Mas assim que fechei a porta (ou talvez eu nem tivesse fechado direito, mesmo, estou começando a duvidar disso), eu torci o pé. Daí, fui mancando até a enfermaria, cheia de livros e agora tenho um monte de gaze no tornozelo.
Acho que a vida é assim, então... Todo mundo fala que é bom aprender com os tombos, que amadurecemos, mas quando sai da teoria para a prática... As coisas mudam.
Oh, não, derrubei meu diário no chão. Melhor eu te trancar na gaveta, hehe, só por precaução. Só garantia, mesmo, sabe como é.
Fim de transmissão.
Capítulo 10
Junho, 27. 2002. Quinta-feira.
O caos tem nome, sim, e é . Oh, espere, também tem sobrenome: !
Surpreso? É, eu também. Hoje eu fui toda pirilampa fazer trabalho na casa da e depois passei na (é, ela já me perdoou). Ah, foi só um tombinho à toa... Calma, perdi de novo. Ah, é! Foi. O. Caos.
Voltei toda cansada, com uma cartolina (cheia de glitter e coisas inúteis escritas) em um braço e a mochila no ombro do outro braço. Toda cansada. E não é para menos, usei meu cérebro no processo todo, procurando pela internet as informações e, bem, já esperava pelo cansaço. Mas até que eu estava aceitando bem, porque eu sabia que era a recompensa do meu árduo trabalho e que era o pré requisito para a minha notona no dia seguinte. Esperava também pelo meu sorvete, já que na volta para casa tem uma sorveteria malandra e barata. E agora eu não sei como te dizer isso, mas além da sorveteria, também tinha um e uma loirinha com microshorts do lado dele. Eu sei, pimenta nos olhos dos outros é refresco, para você.
A mesma coragem repentina que chegou em mim e me fez correr até a porta, foi embora na hora que o resto da minha dignidade e orgulho me deram bom dia (ou boa noite?). Vou te contar, viu, orgulho e coragem não combinam. E aí, eu fui preenchida lindamente pela covardia e dei o fora que nem um coelhinho fugindo de uma cascavel.
Depois, eu senti o estômago revirar e toda a fome de sorvete que eu sentia se foi como mágica. E aí eu percebi que estava mal porque estava apaixonada (PASME!) por ele. E me senti com raiva. Depois tristeza. Foi um turbilhão (adoro essa palavra). Raiva do mundo e triste comigo. Não sei se quem mais me decepcionou fui eu, redescobrindo que tinha uma paixão, ou se foi , com a coisinha lá.
Insano como as emoções passam rápido por mim, não?
Mas, ó, o que é pior, fiquei triste com você, diário otário. Que não me ajudou em nada, nem sob pressão! E não vem dizer que assim é pior, que não funciona sob pressão e todo aquele blábláblá porque a minha mãe vive de trabalhar com prazos e ganha muito bem.
O máximo que você, no entanto, vai ganhar é um esporro, diário. E quem sabe o... Exílio? Ah, viu! Agora eu te peguei.
Por essa você não esperava, acertei? Pois é, nem eu. Mas é isso aí, isso é adeus.
Estou fatigada (palavra nova) de assistir minha história se desenrolar sem mim. Cansei de olhar para o céu e torcer para que um mero diário cor de rosa faça algo por mim, ou que um milagre passe num rasante e tropece no ar e... Sei lá. Cansei de esperar as coisas acontecerem. Também sou personagem, e, como protagonista desse rolo todo, vou lá por minha mão na massa e fazer alguma coisa acontecer por aqui.
É isso, revoltei na malandragem. Porque eu sou radical.
E... É isso, adeus vida de diário. Foi um mico bom enquanto durou.
Então, como considerações finais... Me perdoe, querido. É cada vergonha que eu passo, que prefiro passar sozinha. Não se sinta rejeitado. O problema não é você, sou eu! Acredite.
Deseje-me boa sorte na vida real. Na vida solteira. Na vida em si. Oh.
Só mais algumas palavras.
...
Agora é sério, adeus.
Ass.: .
(Quase) Recomeçando.
Capítulo 11 Ai, caramba. Por que raios eu fui abandonar aquele diário? No momento, ele estava lá, no bem-bom e escondido (pedi para a minha mãe sumir com ele, mas aí fiquei com medo que ela lesse e eu mesma acabei escondendo. Desde então, eu tentava pensar que não sabia onde ele estava), enquanto eu estava... Sozinha.
Tudo bem, eu sabia que sobreviveria (os primeiros quinze segundos sem ele é que foram pura tensão) afinal, ele estava perto. Na última gaveta embaixo da prateleira que fica perto do computador.
E agora eu fingia não saber onde ele estava. E era melhor assim, com essa amnésia falsificada. Fingir sempre foi meu forte. Porém, deixando o drama adolescente de lado e focando em prioridades mais urgentes, o que foi aquele Idiota com a loirinha eu-tomo-sol-todo-dia-e-ainda-por-cima-uso-bronzeador?
Só podia ser preconceito porque eu fugia daquele Sol maldito.
Sol é tão chato, tão quente! E eu esperava de todo o meu puro coração que isso não fosse uma... Ah, bingo, não podia ser. Ele não preferia as torradinhas de sol, afinal ele também estava com a branquelinha, no colégio. E outro dia, tinha uma do cabelo autointitulado ruivo de doer as vistas, também, em volta dele.
Quão contraditório eclético um menino poderia ser?
Os pensamentos ficavam aparecendo na minha cabeça, todos meio desconexos. Meio rápido demais para que eu pudesse entender um ou outro.
Afinal, talvez ele não estivesse ficando com a tostada. Talvez fosse só um sorvete inocente.
Ou não.
Fiz o resto do caminho do meu quarto até a cozinha, ao mesmo tempo em que tentava tirar os restos das bandagens do pé, que eu contei três dias usando. Meu irmão mais velho já estava sentado lá, parecendo um rei, comendo um monte de panquecas e com os pés no balcão, sentado no banquinho alto. Sobraram umas fatias de bacon e eu peguei correndo, antes que ele se atrevesse.
- Está atrasada, irmãzinha - ele, o troço que eu chamo de irmão, me chamou a atenção justo na hora que eu julguei possível dar uma escapulida.
Justo com o tom de voz que sempre usava para me provocar. E que ele sabia que funcionava.
- Você não tem nada melhor para fazer? De repente, arranjar uma namorada? - ele deu uma risada e eu continuei, tentando deixá-lo tão bravo comigo quanto eu ficava com ele. - Ou você pegou suspensão de novo?
Assim que viu meu sorriso diabólico, ele não resistiu e caiu na gargalhada.
Miserável.
- Vou te levar para a escola, hoje. Mamãe e papai saíram no mesmo carro... - ele deu o seu sorriso mais canalha, girando a chave do carro nos dedos e eu sabia exatamente o que aquilo significava. Deu a última mordida na panqueca com calda de chocolate, se levantando.
Collin era só um ano mais velho que eu. Um ano a mais sendo um mala sem alça nesse mundo. Mas eu sabia que, no fundo, no fundo, ele me amava.
- Não, obrigada - eu respondi depois de milésimos de segundo.
E como sempre fui rápida, saí correndo para a porta, mesmo que meu estômago estivesse revirando dentro de mim e suplicando por (mais) comida.
- O ônibus já passou... - sua voz cantarolou, vitoriosa. - Você vai precisar de mim.
Não enquanto eu puder impedir.
Quer dizer, normalmente, eu abaixaria a cabeça e de novo, deixaria as coisas acontecerem. Mas, como agora eu decidi me tornar uma personagem ativa da minha história, resolvi fazer minhas vontades e lutar contra o destino.
Então, fiz a maior cara de bunda que consegui e em seguida devolvi num tom bem angelical, tão doce quanto minha falsidade matinal me permitia.
- Agora já sei quem atrasou meu relógio, não é, Collin querido?
- Não importa. Você ainda precisa de mim, e está perdendo tempo - ele voltou a cantarolar para me apressar, dessa vez olhando o relógio.
O que eu dizia? Miserável.
Aliás, Collin estava na verdade testando um novo tipo de verbo: redimir. Mas ele ainda não sabia fazer as coisas como gente, visto que na primeira chance de fazer isso, já vinha com arrogância e prepotência para cima de mim.
- Relaxa aí, malandro, porque eu não sou assim tão dependente de você. Eu ainda tenho pernas para andar - dei meu melhor sorriso, que pareceu o mais cínico de todos e me virei para sair.
Saí batendo os pés, me sentindo linda e poderosa. Além de esperta, porque deu certo. Collin ficou lá, sentindo o meu nocaute bater em cheio no seu rosto, enquanto eu dava as costas de um jeito bem teatral e ia embora.
Talvez eu nunca tenha dito, mas de galinha eu entendia. Meu irmão era um pro e eu uma pro-aprendiz-mirim.
Mas, voltando ao que interessa, mal pisei no colégio e alguns olhares já pousavam sobre mim.
Não que eu fosse popular por mérito próprio, só que a galera do colégio era muito desocupada e falava da minha vida a todo o momento, já que iam falar das minhas amigas. Não que eu desse muitos assuntos para eles falarem, além do...
Por exemplo, agora até o Zé da esquina já sabia que eu fiz um strike em aula. Convenhamos que foi digno, mas eu realmente não esperava essa repercussão. Não precisa comentar tanto assim, galera. Não é porque vocês não gostam da Alaina que eu também não.
Aliás, eu falei Alaina?
Essa era uma menina super amiguinha do . Quem sabe, se eu falasse com ela, eu não conseguiria descobrir algumas coisas úteis sobre o ? Não que eu esteja interessada, claro que não, é só que informação nunca é demais.
Além disso, eu soube que ele foi num show um dia aí e eu estou louca para saber com quem ele ficou.
Isso aí, . Vivendo e aprendendo. Amizades e interesses.
Incrível como a vida pode ser imprevisível. Até alguns dias atrás, eu estava pulando feito cabrita, alegre com a minha repentina aproximação com . Alegre porque, óbvio, eu não tinha mais nenhum problema, não tinha mais nada dando errado, mas de repente, cadê? Parece que, de um segundo para o outro, tudo desandou. É aquele tipo de coisa que, você acaba de falar que está tudo dando certo e tudo começa a explodir, para dar um ar meio cômico. Mas não é cômico, aqui. Parece que quem estava me ajudando, cansou de mim e foi fazer outra coisa. Me achou entediante e foi jogar Wii.
Na verdade, eu não mudei de opinião de um segundo para o outro em relação à vida, não mudei de humor tão rápido, assim. Que exagero, .
Só que, da mesma forma, tudo o que veio, se foi. Eu me perguntava o por quê.
Suspirei, chutando umas pedrinhas no chão, passando no estacionamento da escola, planejando encontrar o .
A gente se cumprimentou num toque alto, como sempre, e ele me colocou por dentro das novidades. O único motivo para minhas próprias amigas não fazerem isso é que a estaria muito ocupada com o a essa hora, e a deveria estar com a típica cara de merda matinal, então eu e o fugimos dela manhã pós manhã, até depois do almoço. Mentirinha.
De qualquer forma, eu e ele éramos amigos desde a infância. A diferença é que ele virou o bonitão da escola - obrigada, puberdade - e eu virei a amiga sobre a qual todo mundo fala o que der vontade.
- Ontem eu saí com o - ele disse sorrindo, e eu achei isso muito gay. Que homem fica feliz em sair com outro homem? - E não falamos de você.
Aparentemente, o . Porque pelo jeito, o veado não saiu para falar de mim, belo amigo.
- Obrigada. E você veio esfregar isso na minha cara porque... - instiguei, quase espumando. Ultimamente, eu tinha criado um ciúmes estranho pelo . Preferi culpar o diário.
- Porque é assunto dele, eu achei que você quisesse saber - ele deu de ombros. Eu escancarei a boca, indignada.
- Começou, termina. Eu sei que você não está falando para ser bonzinho. Me fala da putinha da sorveteria que eu aposto que você sabe dela - despejei tudo, mesmo. Sem mistérios.
Nem charminho eu fiz. Mas também, charminho com o ? A coisa ia engrossar para mim.
- Eu não estava sabendo disso - arregalou os olhos, torcendo a cara numa careta engraçada, mas depois eu acreditei que a careta fosse para uma menina estranha que passou por nós. O cabelo dela era tão laranja que eu duvidava que não fosse dela que saísse o brilho, em vez do sol. Era apenas... Brilhante. A maquiagem era neon. Eu fiquei encantada com a cor do cabelo, mas não conseguia parar de me perguntar se, de repente, não era proibida aquela produção toda na escola.
Isso me dispersou por alguns segundos. Concluí que fosse uma aluna nova.
- Alô, Terra chamando . , está na escuta? - brincou um pouquinho e eu dei uma risada falsa bem pouco convincente.
O assunto acabou ali. Eu, com a maior cara de pateta e ele esperando que eu animasse por ele ter saído com . Honestamente, se fosse para ter esse tipo de informação, eu já estaria em outra.
Como, por exemplo, me desculpar com a Alaina, a gracinha morena que eu acidentalmente fiz bater a fuça no vidro da sala. Ai, como o mundo é pequeno, não é?
Não bastasse, quando encontrei ela, estava acompanhada adivinha de quem? Ninguém. Foi só para dar um suspensezinho e já fico feliz se consegui.
Desliguei rapidinho o iPod e disse que depois encontraria o . Fui falar com ela, no maior estilo Serena van der Woodsen, como se nada tivesse acontecido. Pronta para recomeçar.
- Bom dia.
- Ah, você. Oi. - ela respondeu, depois de olhar pros lados, procurando por outra pessoa.
Pessoalmente, acho que foi uma decepção para ela me encontrar ali.
- Oi, Alaina, não é?
- Alyssa - me corrigiu, com desgosto. Ou desprezo? Era difícil definir, porque a cara dela estava bem retorcida perto do nariz. E a minha cara, então, foi para o chão.
Que ótimo recomeço, .
- Alyssa! Eu sou a , a menina que...
Eu nem consegui terminar de falar, essa tal de Alyssa estava tão arisca com o miquinho que pagou três dias atrás, que ainda estava ressentida comigo.
Por favor, eu torci o pé! Ela só beijou o vidro.
- Eu sei quem você é. Ainda não deu tempo de te esquecer - falou tudo de uma vez, bem delicada. Ela foi tão estúpida que eu perdi a vontade de ser gentil, e eu tinha acordado com o pé direito.
Que rancorosa.
- Ah, quer saber, eu vim aqui falar com você no bonde da humildade, mas como você é rancorosa, vai ter que ficar para depois. Quem sabe uma outra vida? - dei de ombros com bastante força de vontade. A morena me encarou perplexa, provavelmente não esperando aquela atitude de mim. Nem o tal 'bonde da humildade'.
Eu não podia falar o mesmo. Tentei ser fofa uma vez, duas, mas três? Eu não podia me rebaixar tanto assim, não por uma menina. Ou menino.
Empinei o nariz e saí dali torcendo para não tropeçar e aproveitando que ela ainda estava em choque, porque logo ela poderia resolver puxar os meus cabelos e eu não tinha vontade de morrer no estilo Britney 2007, careca.
Cheguei bufando na aula, me joguei na carteira meio de qualquer jeito e esperei que chegasse e se acomodasse ao meu lado. A professora acabou entrando e, como quase sempre acontecia, alguns segundos depois abriu a porta, entrando toda esbaforida.
Um glamour que só ela.
- Desculpa, professora. Não ouvi o despertador - deu a desculpinha de sempre e se sentou ao meu lado, colocando a bolsa com tudo na mesa, esperando que não tivesse atrapalhado a aula.
E, como sempre, eu abaixava a cabeça, fingindo não estar ali. Em vão.
- , bom dia para você também - apertou uma gordurinha da minha barriga e eu soltei um rosnado baixo, que a fez rir.
- O que temos para hoje, ? - perguntei, como de praxe.
Exceto por alguns detalhes, aquela manhã parecia mais um replay de qualquer outra manhã.
- Vamos dominar o mundo, - a resposta veio ácida e eu contive uma risada, mas eu tive certeza de que toda a galera perto de mim ouviu aquele barulho de riso escapando dos dedos. - Olhe, olhe para minhas belíssimas - disse, animada, me mostrando suas unhas. Laranja neon. Brilhante como a menina que eu vi mais cedo.
- Legal... Unhas... - falei, apertando os olhos, espantada com aquele laranja brilhantíssimo dela.
- É, eu sei que estão estranhas - admitiu e eu suspirei aliviada. Aquilo não era a cara dela, mesmo. - É por causa do , nós temos alguns planos para hoje.
A última parte ela disse baixinho, como se fosse um segredo de Estado. Tanto que teve que se esticar da sua carteira até a minha, ficando toda torta, a ponto da professora notar e chamar a atenção de , que me lançou um olhar instigante na hora que voltou para sua posição original, como se esperasse uma resposta minha.
Confesso que eu estava muito ocupada tentando não pensar em quais poderiam ser os planos dela com o namoradinho.
Notando que o dia já estava sem sal o suficiente, eu pararia de narrá-lo por aqui, mas quando eu achei que mais nada poderia acontecer (simplesmente porque merda alguma aconteceu a manhã inteira), quando eu desci toda graciosa para a quadra climatizada a fim de cumprir meu dever extracurricular à tarde, tropecei no último degrau da arquibancada. Mas pelo jeito, não sou só eu que já vi esse filme.
Como eu dizia, meu dia parecia mais um replay de qualquer outro.
Foi então que eu me surpreendi, justo quando eu levantava a cara do chão - concluindo mentalmente ser a pessoa mais fracassada do mundo - avistei um par de pés na minha frente.
Por favor, não seja . Não seja , não seja . Ergui primeiro o corpo, desejando não saber quem realmente estava na minha frente. Na hora que eu olhei em seu rosto e vi seus olhos brilhando na minha direção, fiquei estática.
Era mais fácil ter pedido o contrário. "Seja , seja ". Poxa, que sortuda.
No entanto, ele não parecia tão surpreso ao me ver... Talvez porque fosse um costume meu tropeçar por aí.
- Oi? - arrisquei, para ter certeza de que ele não era um cartaz bem real pregado, ali, na minha frente.
- Oi, - ele sorriu e nossos olhares se encontraram de novo.
Foi difícil, porque eu fiz esforço para lutar alguns segundos com o corpo dele, aquela perfeição atraente dos deuses. Não era minha culpa, meus olhos olhavam para lá sozinhos! A camiseta pólo suada do treino amador com o pequeno brasão do colégio, os shorts azul marinho e... Ok, eu nem era tão pervertida assim.
- Ah, então... Fiquei sabendo que você derrubou a Alyssa - ele disse, em meio a risadas nervosas, dando ênfase no que se referia ao que eu fiz com a coitada.
Derrubou. Ele não me daria tanto crédito se soubesse de quem realmente foi a culpa. E, caramba, todo mundo sabia o nome dela, menos eu?
- Pois é, muito arroz com feijão... - declarei, a tempo de me impedir de fazer um muque com a mão direita. - Mas então, você só veio me elogiar? Quer dizer, aquilo foi sem querer, foi um desastre.
Desastre sou eu tentando falar com . Não sei por que diabos eu ainda insisto.
- É, eu acho que vim te elogiar, não é todo mundo que tem essa coragem - ele disse, revirando os olhos e rindo. Um frio passou pela minha espinha.
Comecei a me perguntar com quem, exatamente, que eu tinha mexido.
Antes que eu começasse a amaldiçoar minha caneta, jazida no lixo desde o dia do acidente, ele se remexeu inquieto e falou que precisava voltar para o treino. Pausa: parou o treino e veio falar comigo! Claro que o que sobrou para mim foi sorrir de canto e voltar humildemente ao meu lugarzinho na arquibancada.
Foi ali, também, no meu lugarzinho na arquibancada, que vi a última coisa que queria ver no meu dia. Preferia tropeçar repetidamente mil e uma vezes e mais três. Lá, no meio da quadra, apareceu na quadra uma menina vestida com o mesmo uniforme que eu, somado ao blazer, com o cabelo loiro feito uma peruca sintética preso em um rabo de cavalo elegante e tênis brancos que brilhavam mais do que uma fada de verdade. Ela se aproximou e beijou . Assim, na minha frente, na frente do professor e de quem mais quisesse ver, sem mais nem menos. Meu coração bateu na garganta.
Aquela menina que, depois eu descobri, era a tal Alaina. A loirinha. Também a da sorveteria. Que esperta, eu, não? Adorando a garota errada... Confundi as duas, perdi tempo e perdi o garoto.
Mas não perdi a pose.
Capítulo 12 E um ano inteirinho se passou, mas as coisas não mudaram tanto assim.
Eu pediria perdão pela mudança temporal drástica, mas relembrar tudo o que eu passei no ano passado seria mais triste do que perder a sessão do cinema. Provavelmente, toda a população mundial combinaria de comprar doses altíssimas de cicuta e cometeria suicídio coletivo em menos de quinze minutos. A partir do momento que a cicuta chegasse. Foram vexames, choros, felicidades, mas também muito álcool. Ah, e muitas mudanças, mas eu não me refiro à puberdade.
Só para reforçar, o fim do meu primeiro ano consistiu basicamente em algumas páginas de um diário arrancadas na volta para casa porque eu fiquei revoltada, afinal caso mais ninguém tenha reparado, foi no dia seguinte que eu o dei castigo e me livrei dele, que aquelazinha beijou . Mas uma coisa eu ainda podia garantir, também não havia me esquecido. E agora, no terceiro ano, eu estava decidida a tornar essa tarefa o mais difícil possível.
Não que eu tivesse mudado muito, não que eu pense muito diferente. Eu só ajo diferente. Se tem uma coisa que eu aprendi, e aprendi bem, é a esconder as coisas. Tá triste? Esconde. Tá com olheira? Esconde. Tá feia? (Se) esconde.
Ao longo do ano que se passou e que eu, por uma bondade inata a mim omiti - meu lindo e nem-tão-pacato-como-eu-gostaria segundo ano - conheci pessoas boas, que me fizeram esquecer . Pessoas que me fizeram pensar que eu, além de esquecê-lo, poderia ser melhor do que ele. Quer dizer, ele era popular, bonito, estava entrando para o time oficial de futebol, mas isso não me intimidaria. Intimidava a do passado, mas essa aqui, se intimidada, ninguém - além das amigas - saberia dizer. Essas pessoas eram as minhas amigas e os namorados delas.
Descobri que existiam pessoas mais frufrus do que a , sim. Não nesse contexto, mas tinha também o , mas quase um coadjuvante, porque, mais importante no momento, era a , a bendita vaidosa. Essa aí era uma menina que chegara no nosso seleto grupo de pára-quedas, no segundo colegial. E, mais uma coisa que ninguém sabia, ela era a menina do cabelo laranja que passou por mim. Só que só começamos a notar a verdadeira pessoa que tinha debaixo daquele cabelo quando ela voltou a pintar com a cor natural. E, como a menina era linda de morrer, lá fui eu me enfiar no meio das amizades dela.
Mas que fique bem claro que eu não sou interesseira. Porque beleza todo mundo tem. É a beleza interior...
Repita sete vezes diante do espelho ou até você acreditar.
Na verdade, foi a que foi toda fácil "Oi, linda, amei suas unhas" para cima da garota. A ficou meio perdida no início, provavelmente achando que éramos piradas, mas depois acabou dando tudo certo. Por fim, ela virou toda amiguinha da , assim como de mim e da . Por sorte da , a tal caiu na sala dela. Foi assim que a , uma das meninas mais bonitas e legais do colégio, passou a andar conosco.
Claro, tinha os meninos, mas depois que eles descobriram terem um pouco mais em comum do que namoradas melhores amigas, se tornaram amigos. De vez em quando eles andavam conosco no segundo ano, porque, por conta de muitas intrigas, sempre acabamos achando a melhor opção fingir que não estávamos nos falando. Ah, a velha técnica de esconder.
Aliás, babado forte: o , sim o Sr. Traça-de-biblioteca, virou macho. E eu não disse que ia fazer ele virar macho até o fim do ano? Missão cumprida! Morri milhões de vezes vendo a transformação daquele garoto. ficou mesmo bastante másculo em pouco tempo. Ou em menos do que o esperado. O que significa que ele só precisava tirar aquele bando de acessórios nerds que usava, trocar por algo mais moderno, empinar um pouquinho o nariz para parecer metidinho, passar um gel (ai, cancela. Cancela o gel!), mudar aquele corte de cabelo estranho e... Finalmente, virar .
E que !
De senhor nerd do paizão à rebelde sem causa, com direito a cabelos bagunçados, gravata frouxa e lentes de contato ao invés de óculos. Às vezes eu gostaria de me abraçar só para saber como é estar tão perto de alguém tão sábia.
E era aí que entrava . Ele era um menino vindo de uma cidade de nome difícil, do norte. Ele não era intercambista, seus pais simplesmente queriam que ele tivesse uma experiência na grande cidade.
Várias vezes o vi conversando com , por ser mais experiente, dando uma ajuda e ensinando-o a ser machão e independente. Fiquei super babando, até porque não o conhecia direito.
era malhado, nos limites que se poderia notar com aquele blazer sufocante do colégio, e até onde eu sabia, independente, por morar sozinho. E meio que bateu aquela invejinha que a gente fala que é branca, porque a gostou dele logo de cara. Eu sei que ela chegou do nada, mas ele também, se for ver. E, notando as coincidências, insisti que eles deviam aproveitar. Como eu e entramos em consenso sobre ele gostar dela de volta - embora talvez tenhamos recebido informações de que, aliás, no início dos seus dias de glória, impôs que só estaria ficando com a -, investimos no casal. Não que ela tenha gostado muito disso, mas acabou definindo como "excitante" entrar nessa nova aventura, ou seja, ela estava confiante. De qualquer forma, poderia ser por já estarmos bem traumatizadas com essa coisa de meninos que dão bola, depois dão para trás e dão de ir atrás de outra.
E dão uma destruída no nosso coração.
Supimpa, a cada dia eu fico mais melodramática.
Junto com , até foi líder de torcida por um tempo, quando dizia que estava se sentindo rebaixada em relação ao . E foi aí que ganhamos mais algumas intrigas para o grupo. Depois de passar o segundo colegial no time roxo, o que anima a torcida dos jogos masculinos (o branco anima a torcida dos jogos femininos), ela decidiu sair. Mal deram duas semanas, logo depois das finais, que perdemos, também saiu. A desculpa dela foi o uniforme roxo com detalhes em branco e preto, que não favorecia sua pele. Cá para mim, eu presumia que devia ficar cansativo se manter em pé no alto, ser jogada em alturas anormais ou ficar erguendo meninas, depois de um tempo. De qualquer maneira, isso não nos impediu de continuar indo às festas mais interessantes, principalmente àquelas que não nos chamam.
Como dizia a lendária Blair, as melhores festas para ir são aquelas às quais não somos convidados. E não é que são?
As meninas continuaram amigas do , apesar de eu dar todo meu esforço para ignorá-lo e tratá-lo feito uma lesma inválida e tentar convencê-las de que ele é um corno indigno de nossa atenção. Acho que ele percebeu por aí, no meio do caminho, meu desafeto forçado por ele e desde então, não se esforça muito para falar comigo. Era pouco, mas o suficiente.
Sabia que eu ainda lembrava de mais do que eu gostaria e isso me fazia tremer nas bases. Imagine: o cara que por um ano você acreditou que fosse o amor da sua vida ainda está ali, estudando com você e você é uma perdedora sem chance.
Recapitulando dessa forma, pareceu bem divertido, mesmo. Omitindo os fatos ruins, ficou mais fácil, como as vezes em que vi beijar Alaina, o tempo que eles começaram a ficar, namorar e, acabando finalmente a parte ruim, quando eles terminaram. Nunca vi o tão aliviado, mas preferi não comentar.
O único problema foi que depois que eles terminaram ele ficou um saco, galinhou mais do que nunca na vida e nossa amizade ficou complicada. Muita sorte, mesmo.
E falando em sorte, já no terceiro ano, cheguei toda empolgada para saber quem estaria na minha sala. Fiquei feliz por encontrar os nomes de , e na mesma lista que eu.
Concluí que os professores e coordenadores faziam algum tipo de sorteio para por os alunos nas classes (ou, de repente, um bingo com os nomes dos mesmos) porque é sempre impossível saber quem vai estar na sua sala, no ano que vem, por mais que tecnicamente as notas sejam o fator separador das salas.
Mas, feliz da vida, ali vinha entrando pela sala.
- Bom dia, - ela chegou quicando.
Nós nos cumprimentamos num abraço meio apertado, meio distorcido porque eu já estava sentada, e ela sentou com pressa ao meu lado. Como se um ladrão de lugares pudesse aparecer, sentar naquele lugar e zoar com a cara dela.
- Bom dia, .
Mal terminei de falar, entrou na sala. Acho que não fui só eu que tive que parar de falar para observá-lo chegar até mim.
Não consegui evitar lembrar que e ele terminaram no início das férias de verão, embora eu não pare de achar que eles ainda se gostem. E talvez esse fosse o real motivo a impulsionar a garota fora do time de torcida. tinha sido aceito no time oficial de futebol, assim como , então talvez não fosse legal ver seu ex todo dia no treino.
Conhecendo o , concluí que precisasse de um tempo para galinhar por aí.
Como todo menino sempre faz, uma vez ou outra.
Olha só que ironia. Eu, que chamava todo mundo de rancorosa, tinha pegado isso. Como se fosse doença que se pega no ar. Porque, esperta como sou, pego tudo no ar.
- Bom dia, - disse, no momento que chegou perto de mim. Completamente avoada, não tinha reparado, mas atrás dele chegou , acenando. Mais bonito do que nunca. A parte gay é que ele tinha um cachecol enrolado no pescoço, e nem estava tão frio. Ok, tinha uma brisa. Mas a moça não aguenta um ventinho, é?
- Bom dia, meus horrores. Somos só nós quatro, mesmo? - confirmei retoricamente, dando um beijo na bochecha de e mandando um aceno para , que sorriu de volta.
, de repente, sacou um potinho da bolsa e enfiou na minha cara.
- Que que é isso, menina? - perguntei, tentando parecer confortável com o vidro branco fosco a dois centímetros do meu nariz.
- Creme anti-idade - ela disse, toda feliz.
- E desde quando você precisa disso? Você nem tem dezoito anos - arqueei a sobrancelha, já não agüentando mais a curiosidade e pegando o vidrinho na mão para vê-lo de perto.
Se é que entende a linguagem figurada, porque, tecnicamente, eu já estava vendo de perto o suficiente.
não respondeu. Só deu de ombros e um sorriso dizendo 'Vai, experimenta'. E a anta aqui foi, experimentou.
- Credo, se o produto for tão bom quanto o cheiro é ruim, você nunca vai envelhecer - senti imediatamente o cheiro horrível se apoderando do meu rosto. Pensei em me levantar e sair correndo para limpar o rosto, mas a professora da primeira aula poderia estar para chegar.
me olhou com a expressão faceira.
Ah, claro, como eu não captei antes? Tudo o que ela queria era eu passando aquela fedentina no rosto. Agora, por que motivo eu não sabia.
- Desculpa, eu não podia sofrer sozinha - ela usou como desculpa, sorrindo cínica. - Você, pelo menos, vai ficar mais bonita, .
E fedida, pensei.
Joguei o vidro branco de volta para ela, procurando um espelho na minha bolsa e não o achando. Porque eu parei de levar espelho na bolsa, por culpa dos dias em que tentou me ensinar a ser mais confiante, coisa de ex-líder de torcida.
- Você é tão linda que, se eu fosse homem, eu te pegava - ela sorriu, mas na hora que completei delicadamente, ela fechou a cara. - Pegava e jogava fora.
deu língua e, no momento em que pisou na sala, o que eu esperava que tivesse sido por engano, me impulsionei com força para fora da cadeira. Assim, de repente eu estava lá, no meio de todo mundo, levantando e correndo com urgência em direção à porta. Não sem antes tropeçar em uma cadeira e quase voar para o chão, claro.
me amparou, aparentemente mais acostumado do que eu aos meus tombos. Os nossos olhares se cruzaram por um segundo, pela primeira vez tão perto e, me lembrando do cheiro horrível do creme que eu tinha na cara, eu me desvencilhei dele o mais rápido que pude (que, melhor eu falar, não chegou a ser nem um pouco rápido) e fui para o banheiro. Depois de alguns segundos, me dei conta de ter tentado pedir licença a ele, mas estava lá, com a boca entreaberta, sem realmente dizer nada.
E finalmente o banheiro.
Enquanto passava sabonete líquido no rosto, fiquei pensando: numa escala de 0 a 50, as chances dele ir parar na minha sala seriamínima. Não devia chegar a dez. Não era possível.
Ou eu apenas não tinha visto o nome dele na lista. Auto-proteção, quem sabe?
Enxaguei o rosto com pressa e voltei para a sala quando tive certeza que não estava cheirando a cachorro molhado. Ou a molhada. Há, que sem graça.
Para a minha surpresa, ainda estava ali. E, ao invés de coçar os olhos exageradamente para confirmar se ele não era uma visão, tentei focar em não ser indelicada com a minha pergunta:
- , você tem certeza que está na sala certa? - notei ser a primeira vez a falar com ele em algum tempo. Antes e durante as férias, nós nem nos falamos.
- Sala sete, segundo andar, estamos certos? - respondeu com outra pergunta, abrindo um papel, e ainda um pouco de ironia, mas eu ignorei. Como vinha fazendo, desde que me surpreendi com a namoradinha dele.
EX! Ex namorada! Ex!
Ainda bem, mesmo, que eu derrubei ela em cima da Alyssa, uma pena não ter sido ela a voar no vidro.
Sentei na minha carteira, reparando que ele, o viadinho mor, tinha sentado na de trás. Nada como lembrar do meu desastroso primeiro ano.
- Sério que somos só nós? Eu tinha esperanças que nos tivessem colocado todos juntos, esse ano - disse, a voz tão molenga quanto sua expressão. Sério, parecia que ela estava derretendo na carteira.
E nem podia ser de calor.
- Eu, você, o , o e o . Já não está bom? - na verdade, falei sem pensar, porque do meu brevemente humilde ponto de vista, já era mesmo o suficiente.
Estava devidamente conformada. Nunca nos colocariam juntos. Aí minha cabeça começou a funcionar. Não era a falta das outras meninas que a incomodava. Era a falta de .
Acho que ela leu minha mente porque exatamente quando pensei no , ela sorriu de um jeito quase doce, mas ainda safada demais.
Dei meu sorriso mais diabólico e tarado. Tanto é que , ainda virado para trás, resolveu voltar o corpo para a frente, com os olhos levemente arregalados.
Pondo em pauta, aliás, assuntos mais importantes, como por que eu ia tornar mais difícil para o me esquecer, sempre lembrar de mim...
Resumidamente, agora que estava mais confiante, pretendia fazer com o mesmo que ele fez comigo. Eu sei que eu vou ter muito menos sucesso do que ele porque, dã, quem é o gostoso aqui é ele. Oh, merda, eu não devia ter pensado assim. Agora vou lembrar disso a noite toda. O plano era fazer o possível para ser tão difícil quanto ele foi.
E ainda, dizem as más - ou boas, quem sabe? - línguas que eu poderia ser o próximo alvo de .
Eu estaria mais preparada então do que no ano passado. Ou, para fechar com chave de ouro meu discurso mental, mais preparada do que nunca.
Capítulo 13 Na semana seguinte ao primeiro dia de aula, teria uma festa. E, provavelmente sabendo que nós iríamos de qualquer jeito, nos chamaram.
Então, lá estávamos nós, nos arrumando juntas, na minha casa.
- , você viu meu cinto? - perguntou, passando correndo por mim como um foguete.
Abri a boca para responder, mas deixei quieto. Ela já estava tão longe que nem ia me ouvir.
E aí passou a por mim, pulando de animação.
- É hoje, é hoje, é hoje! - e se sentou na bancada à minha frente, balançando os pés na frente. Não hesitei em pular ao lado dela e fazer o mesmo, balançando o corpo pros lados.
Isso é, até a aparecer e chutar o pau da barraca.
- Nós já estamos atrasadas e vocês duas aí, bancando os Muppets, dançando para lá e para cá - ela falava indignada, com as mãos nos quadris. Eu e rimos mais.
- Deixa elas, , vem me ajudar aqui - berrou, do fundo do meu quarto.
lançou um olhar azedo para nós antes de sair correndo aonde estava, atrás do meu biombo.
Eu e continuamos balançando, e do jeito que estávamos babacas, teríamos continuado se meu celular não tivesse tocado.
- Aposto que é o - insinuou, provocando em mim uma gargalhada alta.
- Ele nem tem o número da , sua perdida! - voltou a interagir, mesmo que por meio de berros. - Só pode ser o .
Dei língua para ela, mesmo que ela não pudesse ver e fui atrás do meu celular, caçando-o pelo barulho.
- Eu já acho que é o - disse, aparecendo com a cabeça para fora do biombo. Dei minha melhor risada de deboche, enquanto ela fazia cara de merda e voltava a ajudar a com alguma coisa.
Achei meu celular embaixo da cama e olhei correndo para o visor, dando uma risada escandalosa em seguida.
- Eis que é o e que todas vocês erraram. Há! - falei com a voz afetada. Atendi rápido antes que a ligação caísse. - ?
- , você está pronta? - pela falta de sons de fundo, parecia estar no carro.
- Médio... - respondi, dando uma olhada rápida no espelho. Eu ainda vestia um short jeans e um top largo por cima do sutiã. - Você está vindo?
Claro que perguntei como não quer nada.
- Estou quase chegando. Sozinho, porque o e o vão no carro do .
- Vocês vão em carros diferentes? - eu gemi, deixando o queixo cair. - E o vai? Não que eu me importe com isso...
Opa. Merda, eu não devia ter perguntado. Quem não se importa nem pergunta. E não explica que não se importa.
- Sim e sim - deu uma risada nasalada, e eu imaginei que fosse pelo dito sobre . - Vai dizer que você queria todo mundo num carro só?
- Eu?... Não, mas... - MAS QUE QUE CUSTA VIR COM O PARA EU FAZER ELE SE SENTIR UM BOSTA QUANDO EU DESCER AS ESCADAS TODA LINDA? - Ótimo, estou chegando. Fiquem prontas.
E depois disso ele desligou. E eu lá, encarando o telefone, esperando que aparecesse uma mensagem do tipo 'Haha, te enganei, bobinha. Estamos indo todos para aí', mas claro que isso não aconteceu.
As meninas tinham ficado em silêncio, ouvindo toda a conversa, já que meu celular normalmente é alto demais, mesmo não estando no viva voz. Comecei a achar isso um pouco inconveniente.
- Então, já estamos atrasadas? - brincou, saindo toda poderosa do biombo colorido, com um corpete azul e preto delineando sua silhueta.
Olhei no relógio, mas ainda faltavam umas duas horas para a festa. O que demônios ia fazer na minha casa às sete da noite? Ainda nem tinha escurecido direito.
veio atrás e, pelo jeito ela tinha se arrumado também. Usava um vestido preto, mas nem de longe era básico. Tinha listras cor de rosa a marcar a borda do tecido, tanto no fim, quanto no busto. O vestido acabava mais ou menos um palmo acima do joelho. Era bem soltinho e tomara que caia. Ela usava também uma sandália de provável salto 12, preta. Estilo gladiador.
deu uma voltinha para mostrar o modelito, que consistia, além do corpete, em uma saia preta com bastante volume, acabando pouco antes do joelho. Calçava all star preto para descontrair e um monte de pulseiras escuras.
Alguém queria deixar o louco.
Eu e estávamos esperando as duas se arrumarem para nos ajudar.
- Então, que roupa eu ponho? - perguntei, sentindo-me meio desesperada. podia chegar a qualquer segundo.
- Ah, eu trouxe uma roupa minha que vai ficar ótima em você - deu um gritinho de repente e foi para a minha cama, a fim de abrir a bolsa que trouxe. Bolsa, aliás, que mais lembrava uma mala. - Aqui, olha só que linda, você vai ficar gata nela.
A blusa era vermelho escuro, cheia de babados e com bolinhas pretas no bordado de cada babado. Deu para entender? É a coisa mais flamenca que eu já vi na vida.
E eu que falava que a tinha um gosto esquisito para roupas.
- Sabe, , eu acabei de lembrar que comprei uma blusa esses dias - o pior é que não era mentira. Mas que tinha parecido um 'Amiga, que péssimo gosto', ah, tinha.
- Sério? Então deixa que eu mesma uso essa aqui - ela falou sem realmente se importar e já colocando. Não sei se eu fiquei surpresa ou não, porque eu não tinha tempo e tinha que correr para o armário.
Voltei com uma blusa de manga três quartos, larga no corpo e bem justa nos braços, listrada horizontalmente de azul e preto. Ia até mais ou menos o início do bumbum. As três aprovaram e eu coloquei a blusa, tropeçando antes de chegar ao espelho para me avaliar.
- , acho que você deveria colocar uma blusa menos... Vermelha - arriscou, sentando de frente para ela, que estava se olhando no espelho.
E aí a campainha tocou.
- Ferrou! E agora? - colocou as mãos na cabeça, se desesperando. olhou de canto, voltando a passar o rímel com pressa.
- Coloca aquela minha blusa azul marinho, de um ombro só. Vai ficar ótimo. E joga uma saia jeans preta que acho que vai dar certo - falei com pressa, correndo para procurar um shorts jeans menos surrado.
- Vocês não vão mesmo atender a porta? - perguntou, meio alheia. Só aí que eu lembrei que o pobre estava esperando no andar de baixo.
- Eu vou, só falta a minha maquiagem, mesmo - falei, até porque a casa era minha.
Coloquei um scarpin azul e desci as escadas correndo, topando com Collin ao fim dela. Como ele não me vê e ainda bate de frente comigo?
- Ah, você desceu - ele falou com voz de tédio e eu rolei os olhos. - Seu amigo estava abandonado lá fora, aí eu abri a porta para ele entrar.
Mal ele apontou onde estava, já fui correndo como um gato fugindo de água até a sala.
- Oi, , você por aqui - minha voz saiu toda esbaforida. Culpei a falta de exercícios por acabar com meu condicionamento físico.
- Que surpresa, você por aqui - ele devolveu com ironia, sorrindo.
Ele me abraçou, e eu notei que com o salto ele continuava ligeiramente mais alto do que eu.
- Então, você tem tempo, não tem? A gente ainda precisa de uma meia hora para terminar de se arrumar e... - tentei ser sincera.
- MEIA HORA? - acho que ele preferia que eu mentisse.
- Dez minutos está bom? Eu posso apressar as meninas - então, menti.
- Parece ótimo. Vou esperar aqui - ele decidiu, aceitando a mentira e já se sentando no sofá para ligar a televisão em seguida.
Para variar.
Voltei a subir as escadas e qual não foi minha surpresa ao vê-las quase prontas? A acabou vestindo o que eu mandei, mesmo e fiquei surpresa por realmente ter ficado bom. Colocou uma sapatilha para completar.
Fizemos a maquiagem com pressa, mas ainda não conseguimos acabar dentro do prazo de dez minutos.
Descemos as escadas cheias de charme, para encontrar um boquiaberto que nem olhar para a TV, olhava.
- Mas ok, , milagre do ano, ficamos prontas uma hora e meia antes da festa sequer começar... - começou e quase ninguém entendeu.
Para não deixar ela no vácuo, completei:
- O que ela quer dizer é, o que você está armando? - e aí eu me sentei ao lado dele. Ele ficou em silêncio alguns segundos.
- Vocês vão saber jajá - respondeu por fim, vendo que não tinha saída.
- Tudo bem, então... Vamos ver essa coisa misteriosa que o está aprontando - disse de repente, tentando animar com o mistério.
Talvez ele fosse nos matar.
- Vem, vamos - eu esperava que ele se levantasse e puxasse , pedisse desculpas por tudo que fez para ela, por terem terminado o namoro e reatassem ali mesmo, porque o jeito que ele olhou para ela denunciava muito do que ele pensava sobre ela (e não tinha uma expressão muito diferente da minha, portanto, concluí que ela idealizou a mesma coisa), mas é lógico que, mais uma vez, isso só ficou na minha cabeça. Ele puxou a minha mão quando se levantou. Espera, quê? Não era assim que eu tinha imaginado, ! Arregalei os olhos e, sem poder desparafusar a minha mão de mim, fui atrás resignada. As meninas fingiram que não viram e vieram atrás, todas empinadas, dando tchau para o meu irmão. Que, infelizmente, é um gato. O que eu posso fazer? É de família.
deslizou para dentro do Cadillac conversível azul, logo no banco atrás dele, enquanto pulava a porta, numa atitude bem roqueira. ficou no meio dos bancos e eu fui imitar , tentando ser maneira e... Desastrada.
Meu pé ficou preso no espelho lateral e o peso do meu corpo continuou sendo impulsionado para a frente, até que eu caí em cima de , com direito a uma mão enfiada na sua nuca, cara no seu colo, e a outra mão no vidro da frente. Parecia uma estrela do mar, toda estatelada.
Meu joelho doía da pancada na marcha.
- , tudo bem com você? - , a mais gentil do grupo me perguntou, tentando ajudar, de alguma forma. A mão dela estava tentando me fazer ter equilíbrio e voltar como gente ao banco da frente.
Quanto mais nervosa eu ficava, mais eu me enrolava para desgrudar a cara do colo de , que, adivinhe, ria.
- Estou ótima, - falei, a voz meio abafada pelas coxas e joelhos de , enquanto puxava os pés para dentro do carro e os colocava para baixo, finalmente apoiando as mãos em e me sentando. Quando me reergui e olhei em volta, estava vermelho de tanto rir. E eu, toda descabelada, reparei assim que abaixei aquela proteção antissol do copiloto. Tive que refazer todo o coque propositalmente malfeito.
- Não parece - devolveu e eu percebi que ela também ria. Cretina.
tentava não rir, estava vermelha também. - Ok, era uma mentira a galera ir no carro do , certo? - arrisquei, quase certa disso.
- É claro - deu um sorriso faceiro, finalmente dando partida. - Vamos fazer um esquenta lá em casa e sobrou para mim buscar vocês.
chiou, e eu ri da revolta dela.
- Se é tão ruim, pode deixar que eu vou a pé.
- Mas então... O que é isso? Esquenta? - perguntou, um pouco alto demais.
Festa. . Álcool. Esquenta...
Por que isso me deixa agitada? Que merda.
- Aliás, como você não sabe o que é esquenta? - perguntei, cortando a explicação que dava, que não era nada didática.
- Agora, sei - a abusadinha deu de ombros, voltando a olhar para fora.
- Chegamos, meninas - disse a frase que sempre fala quando chegamos a algum lugar. Nós o ignoramos e saímos do carro. Eu saí pisando em ovos, porque não queria arriscar outro tombo. - Precisa de ajuda, ? - zoou e eu dei língua, seguindo as meninas até a porta da casa dele.
Entramos sem bater na porta, concluindo em seguida ter sido um grande erro. Má jogada, .
Eu dei um passo para fora do hall e dentro da sala de estar. Nem olhei direito para os meninos e já queria sair correndo para a cozinha, a fim de fugir de . De repente eu tinha me sentido fraca perto dele. Afinal, eu tinha ido preparada para ficar com um qualquer e para ver um que estivesse bêbado, com a social meio aberta, caindo pelos cantos super depressivo. Mas não, eu tive a sorte de encontrá-lo ali, ao lado dos meninos, na maior vibe, bebendo alguma coisa colorida, todo bonito, com a social arrumada e um jeans preto. O cabelo arrumado e aquele sapato eram o toque final para deixá-lo sexy para caramba.
- O céu desceu para cá e eu não estou sabendo? - perguntou toda agitada bem perto do meu ouvido, lendo meus pensamentos. Só faltei parir um filho.
Mas como eu já disse, a nova não deixa transparecer nenhuma sensação. Apesar de desastrada, ela é uma muralha.
E não se apaixona pelo . Ele era passado, não era?
- Morri e estou no céu... - deixei escapar baixinho, aproveitando em seguida que todo mundo começou a fazer social para escapar para a cozinha. Me apoiei no balcão, de frente para a porta, de cabeça baixa. Eu precisava me concentrar. E foi quando vi passando pela porta da cozinha. Aliás, vi os pés dele. Por que de repente eu estava tão nervosa? Será que eu ia falar alguma besteira?
Ergui o olhar levemente. Conforme ele passava, eu sentia seu olhar me avaliando. Passou por mim e foi até a geladeira, saiu com uma cerveja e quando eu me preparava para suspirar aliviada, ele parou no arco que ligava a cozinha à copa e se virou de frente para mim, sorrindo curioso e meio tímido.
- Ah, lembrei. Estão perguntando o que você veio fazer aqui, - sorrindo. Maldito. Minha língua ficou mole e elétrica ao mesmo tempo em que eu me obrigava a dar alguma resposta inteligente.
- Drinks! Eles... Precisam da minha ajuda. Eles não se fazem sozinhos. Uma pena. Então eu vim ajudá-los, sabe como é - quando percebi que estava falando demais, abaixei o olhar, procurando alguma coisa na bancada que me distraísse.
Agora sorria.
- Quer ajuda? - e então ele tentou se aproximar de mim. Eu me virei de costas para bloquear sua tentativa de contato visual. Ele continuou andando até estar ao meu lado.
- Claro, vai pegar o Rum - vomitei as palavras, abrindo os armários. Comecei a procurar os copos e a coqueteleira de .
Ouvi uns batuques, como batidinhas chatas na porta e olhei na direção do barulho. Era , me mostrando o armário em que guardava essa e outras preciosidades.
- Esses copos... Cada dia se escondem mais de mim! - bati na testa, indo até lá. - Mas e você, não vai atrás do que eu pedi? Ah, e traz licor de pêssego, também. Quero fazer um Sex On The Beach.
Ih, falei besteira.
- Ah, quer? - ele ergueu a sobrancelha para me provocar e eu dei alguns passos relativamente calmos até onde tinha visto uma faca, na bancada. Peguei-a e ergui no ar, numa ameaça básica.
- Você está indo, ou vou ter que levar seu corpo na adega? - isso aí, essa é a que ele deveria ter conhecido desde o início.
Depois disso, ele foi. Correndo.
voltou pouco tempo depois com rum, vodca, licor de pêssego e de menta. Nunca gostei de licor de menta, mas já que a adorava...
Peguei umas laranjas da fruteira para por no processador. Enfiei as laranjas lá dentro e, milagre, suco do lado de fora.
Voltei com uma certa satisfação pessoal para perto de , que esperava em silêncio pela dose do suco de laranja para bater os ingredientes. Claro que eu não deixei ele fazer tudo sozinho. Peguei a coqueteleira da sua mão assim que ele juntou os ingredientes e bati o primeiro drink que fizemos juntos na vida. Ele decidiu colocar algumas gotas, as quais eu quase contei, de xarope de groselha e finalizei com gelo. Foi meu drink mais bonito. E feito com . Um Sex On The Beach, com ... Que ambíguo.
- Então, desde quando você sabe fazer batidas, bebidas, essas coisas? - perguntou, provando a mistura de licor de menta com leite condensado que fizemos em seguida.
A resposta a seguir veio mais rápida do que meu cérebro pôde prever.
- Desde que eu parei de me preocupar com você e me foquei em coisas mais importantes.
E foi assim que eu falei.
Tudo bem, eu tenho quase certeza que ele já sabia da minha paixonite por ele, mas eu não podia, sei lá, ficar bêbada antes de falar? Pelo menos assim, teria escapado da minha boca, não saído por livre e espontânea burrice.
Em seguida, veio um silêncio longo. me olhou por alguns segundos, apertou os olhos e, erguendo as sobrancelhas, tomou alguns goles de Sex On The Beach enquanto eu, mantendo contato visual, me xingava mentalmente. Por fora, me fiz parecer completamente ocupada com o próximo drink, remexendo a coqueteleira e fingindo não olhar pela visão periférica ou lembrar dos últimos dez segundos.
Quando eu colocava a segunda batida no seu respectivo copo, ele soltou um murmúrio. E quando eu terminei todos, ele disse que não via problema em levá-los aos outros, na sala.
Não sei se estava sendo gentil ou só querendo uma desculpa para se distanciar de mim.
Fiquei surpresa quando ele voltou. Rápido demais para que eu pudesse me recompor, mas voltou.
Eu estava pensando em alguma coisa para falar quando ele resolveu abrir a boca. Achei até melhor, porque me preveniu de dizer mais besteira.
- Acho que eles vão gostar do drink.
- Acha? Ninguém provou? - tirei os olhos da garrafa de vodca que estava no balcão à frente do que eu me apoiava e olhei para ele, confusa.
- É... Eles estavam meio ocupados - ele deu de ombros, sorrindo sugestivo. Foi impossível não sorrir junto.
- Então, você quer dizer que nós sobramos? - agradeci mentalmente por não ter ido até a sala, nem visto a senhora agarração que devia estar por lá.
Ele deu de ombros, com um sorriso de canto.
Porque, claro, ele não se importava com isso, contanto que não tivesse que ficar com a babaca da aqui. Senti uma pontada de frustração no peito ao concluir que eu só podia ser a última pessoa com quem ele gostaria de passar a noite.
- Você não se importa, não é? - perguntei de repente, pegando a garrafa fosca de Absolut e virando em um copinho de dose. Segurei a vontade de contorcer o rosto numa careta assim que a tomei, embora minha garganta tenha fechado por alguns segundos. Algo não deu certo e eu acabei engasgando, aí tentei respirar antes da hora e... Não deu certo, falhou. veio correndo até mim, me dando tapinhas nas costas para que eu desengasgasse.
Quando estava melhor, respirei fundo, erguendo a mão e pedindo trégua, mas minha cara ainda estava enfiada no balcão, com vergonha.
- Se eu não me importasse, teria te dado as costas agora mesmo - ele respondeu com educação, embora com frieza, no segundo seguinte ao que eu ergui o rosto, provando que estava bem.
Enquanto eu ainda processava a informação, ele se virou com um olhar sério, que eu nunca tinha visto no seu rosto, saindo dali.
- ? - perguntei, mas ninguém me respondeu. Falei com o vento. - Merda.
E virei mais um monte de goles de vodca, enquanto fazia mais um Sex On The Beach. Eu e eu mesma.
Vida um a zero para a , de novo.
No Ônix preto de , indo para a festa, eu estava no banco de trás com , exatamente porque sobramos. , ouvi depois, acabou só conversando com , enquanto e discutiram a relação e resolveram ficar, o que eu achei ótimo. e fizeram o esperado: se beijaram.
Eu estava com a cabeça abaixada, afundada entre as mãos, porque mesmo o sacolejo levíssimo do carro de me dava tontura eu não pediria para ele ir mais devagar só porque eu tinha bebido mais do que devia. Então, quando cheguei na festa, já estava tonta e enxergando tudo um pouco duplo.
Com certeza uma foto minha caindo em algum arbusto apareceria no jornal da escola, até o fim da semana.
Como todos saíram em casais e eu sobrei ao lado de , resolvi puxá-lo pelo braço. E por aí, já notei o quanto o álcool estava fazendo efeito.
- Aonde nós vamos? - ele perguntou, indo sem relutância onde quer que minhas pernas estivessem nos levando.
Fiquei agradecida por ele ter deixado de lado meu surto anterior, mas não exteriorizei. Apontei ao longe e sorri.
- Abastecer! - respondi na maior empolgação, de repente mudando de rota e indo em direção a um bar improvisado, perto da piscina. Ele riu da expressão e eu desejei não ter tomado tanta vodca.
- Duas de absinto - pediu ao bartender, se pondo à frente das várias meninas ao redor do bar.
- ... - eu chamei baixinho, tentando impedir ele de fazer aquilo, mas a música alta nunca deixaria que ele me ouvisse.
Se eu bebesse mais alguma coisa, ia despencar e eu nem queria saber para quem ia sobrar me carregar.
- Que foi? - ele se virou para mim, ao sentir que eu o segurava pelo braço, e como eu não respondi nada de imediato, ele se virou para frente, bem na hora que o rapaz devolveu duas doses esverdeadas. - Obrigado.
Ele virou uma e me ofereceu a outra. No momento que eu apertei seu braço, negando a cabeça em seguida, ele virou a outra.
Arregalei os olhos. Ele só podia estar querendo ficar mais louco do que eu.
- Você não está bêbado, né? Por favor, me diz que você faz isso sempre.
- Claro que não, - sorriu de volta, colocou a mão na minha cintura e me guiou até a piscina, que, vamos combinar, estava a uns dois passos da gente, perto demais para o meu equilíbrio. - Mas não deve demorar.
- Você não prefere deitar na grama e ver estrelas? - não perguntei de propósito, escapou. E eu ainda piorei. - Você costumava fazer isso bastante, ano passado.
- Enquanto isso, você sentava na beira da piscina - ele deu um sorriso, se sentando à beira da piscina, de indiozinho. Eu o imitei, me sentando com as pernas cruzadas para o lado.
- Mas eu nunca achei que você me visse. Digo, em festas... Não que eu seja invisível, porque senão você não falaria comigo agora, mas... - de novo, minha língua parecia elétrica. Eu não conseguia parar de falar.
Mas todos nós sabemos que na verdade, eu não parei de falar porque estava 1. bêbada e 2. ao lado de .
Péssima combinação.
Ele passou a mão pelo meu ombro e descansou o braço ali.
Ok, eu admito que esperei mais de um ano da minha vida por isso, mas naquele momento, eu não queria que rolasse um clima.
- Sempre vi você, - ele me olhou de canto, com certeza esperando uma reação e eu dei uma risada alta, claramente duvidando. Mas para ele minha risada deve ter sido mais como um ", eu sou sua fã, amei o que você disse seu lindo, sorria para mim!"
Olhei para a frente, me sentindo um pouco na festa, finalmente. Porque para a minha cabeça, até então, só tinha eu, e uma piscina azul brilhante.
De onde eu estava, dava para ver as costas trançadas de , seu cabelo preso em um rabo de cavalo alto e dois braços ao redor da sua cintura, que só podiam ser de . Alguém estava se dando bem.
Mais adiante, algumas pessoas que eu sabia o nome e, entre elas e que conversavam animadamente enquanto dançavam, sem o menor sinal de estarem bêbados. Eu podia apostar que eles nem precisavam disso.
Não achei nem fumaça de , mas beijava uma loirinha desconhecida que, ao menos, não era Alaina.
Quando eu voltei meu olhar para , seu rosto estava bem próximo do meu.
- O absinto está fazendo efeito? - olha só quem perguntou.
- Pior que sim - respondeu com uma risada fraca como se se desculpasse, olhando diretamente para mim. - Algum problema?
E aí, por mais lento que tenha sido, aconteceu tudo muito rápido. Meu cérebro matutava os fatos ocorridos, ao mesmo tempo em que eu chegava à conclusão que só ficaria comigo bem bêbado. Satisfaria, e muito, a antiga , mas não a atual, ainda mais se levando em conta ele ter virado duas doses de absinto e pegado mais uma de vodca quando uma garota exibida passou, oferecendo.Prosseguindo, isso acabou com a minha alegria, sem mencionar o meu estado de bebedeira, que não estava nem um pouco tarado, muito pelo contrário, eu estava um poço de desânimo.
Pela primeira vez, eu queria conhecer o que existia por trás da minha paixonite proibida de segundo ano. E, aparentemente, não era o que ele queria. Ele queria um beijo.
Ele queria me deixar louca. Satisfazer a vontade dele, o desejo dele. E eu não queria isso. Não depois de tanto tempo. Não assim. Não bêbado! A mão dele já estava na minha nuca e os seus lábios se aproximavam dos meus quando me dei conta de ainda ter um pouco de dignidade e consciência. Levei as mãos com pressa até o seu ombro. Não para acariciá-lo, mas para afastar ele de mim, mesmo.
"Quem ele pensa que eu sou? Alguém que, quando ele está sobrando entre os amigos, vai lá e fica com ele na boa? E o pior é que essa nem é a pior parte, ele ainda teve que ficar bêbado para isso!", eu pensava indignada.
Indignada por ele ter bebido absinto como se fosse xarope. Duas doses, para piorar!
Ele arregalou os olhos, mas no instante em que se preparava para falar alguma coisa, eu meio que já tinha me arrependido de interromper o que seria um beijo. E por razões óbvias: ele nunca tentaria de novo, eu tinha jogado minha chance fora.
Ainda assim, me levantei e murmurei:
- Desculpa, , mas não vai ser assim... - não tão fácil?, ele deve ter pensado. É, também...
Não fiquei lá para ouvir resposta. Nem sequer olhei de novo para a expressão surpresa em seu rosto. Eu sei, eu sou estranha. Saí correndo.
Capítulo 14 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- MÚSICA Parece que mesmo quando a vida sorri para mim eu não sei fazer as escolhas certas. Merda.
No caminho para o casarão, peguei um copo com uma menina, vestida de forma provocante, a passar com bandejas, cheio de algo que eu não sabia o que era até virar o conteúdo. Uísque. Impedi meu rosto de se contorcer em uma careta, tanto pela surpresa quanto pelo álcool e devolvi o copo a outra garota.
Queria evitar o máximo possível pensar sobre o que tinha acabado de acontecer ali, na piscina.
Tropecei algumas vezes mais, caminhando por entre os corpos que dançavam em uma velocidade incrível ao meu redor. Ou talvez eu só estivesse abusando do etanol, mesmo. Tudo já estava meio lento, apesar da música parecer agitada. Minhas pernas estavam lentas.
'Tudo bem, tanto faz', eu me acalmei, 'Só preciso me afastar dele.'
Eu esperava que assim, eu voltasse a ficar o.k.
Continuei andando. Pensei em , também, ela podia muito bem estar no banheiro, afogando as mágoas na privada. E eu podia ir lá com ela e fazer a mesma coisa, porque tinha fodido com a noite também.
Ah, não antes de pegar mais um drink. Dessa vez, foi tequila. Fiquei surpresa com o investimento na festa de boas vindas à escola.
Fechei os olhos, já desistindo de ir atrás de e imaginando a música passando por dentro de mim e brincando com os meus nervos. Que, aliás, estavam à flor da pele. Quase deixei o copo cair, mas não deu tempo de me preocupar com isso. Todo mundo parecia mais preocupado com dançar e beber. A batida estava tão legal. Dava vontade de me mexer. E de dançar junto. Não tinha como ficar parada, sem celebrar, enquanto meus tímpanos eram lentamente destruídos.
E aí eu fiz isso. Joguei o cabelo para todos os lados possíveis, rebolando quando achava que precisava e fechando e abrindo os olhos lentamente.
No 'Eu jogo minhas mãos para o alto às vezes', ergui as minhas. Acho que também gritei a letra com Conner, se não estou confundindo as memórias. Continuei de olhos fechados, balançando o corpo e ignorando meus pés doloridos e as pessoas nas quais eu esbarrava. Só continuei dançando.
Dançando. Balançando a cabeça.
Estava numa brisa muito louca quando apareceu quem nunca me deixa em paz.
O pior é que eu o adoro, mas a música estava tão alta... Eu só abri os olhos e continuei dançando, sentindo minha mente vagar enquanto meu cérebro obrigava meu corpo a continuar se mexendo ao ritmo da música.
- , cadê o ? - perguntou, chegando perto de mim e dançando de um jeito esquisito. Taio Cruz provavelmente era demais para ele.
Meu sorriso desapareceu instantaneamente, mas meu corpo continuou se mexendo, como se uma onda imaginária estivesse brincando de me empurrar e puxar.
- Não sei, . Ele disse que já vinha... E me deixou - nem bem terminei de fazer meu teatrinho, porque, cá entre nós, eu que deixei ele sozinho, já me cortou.
- Te deixou sozinha?
- Não, , relaxa - apoiei uma mão no seu ombro quando percebi que estava perdendo de vez o equilíbrio. - Eu estou acompanhada - e ergui o copinho vazio de vidro, sentindo uma pontada de arrependimento por entregar assim.
Ele deu uma risada, que variava entre a preocupação e o desconcerto e me pegou pela cintura, me guiando para algum lugar. Estava sentindo meu corpo inteiro levitar e formigar ao mesmo tempo. Minha visão estava turva e a única coisa que eu reconhecia na multidão era , que me segurava bem de perto pela cintura. Como se eu pudesse de repente sair correndo. A cada virada que ele dava, fosse para falar com alguém sobre coisas que eu entendia pela metade, fosse para mudar a direção do nosso caminho, eu sentia a tontura dar as caras. Era fraca e agradável, mas dava vontade de sair correndo.
No fim das contas, saímos da multidão e eu, para lá de Bagdá, sorri quando vi algo verde na minha frente. Minha única certeza na vida. Grama. Senti vontade de deitar nela. Parecia tão geladinha. E verde.
E aí apareceu alguém no caminho, enquanto, amparada pelo meu amigo, eu ainda observava o chão. Prestei um pouco mais de atenção no que disse. A voz dele trovejava:
- Achei que você já tivesse aprendido que não se deixa uma menina bêbada e sozinha!
Eu não estava bêbada.
Alegre, tonta e além da conta, talvez. Bêbada, jamais!
- Eu deixei ela sozinha? Ela saiu correndo - , o bêbado do absinto verde, respondeu com indignação. - O que você queria que eu fizesse, cara?
- Não sei. Fica com ela agora, porque eu ainda tenho que achar a - ao ouvir o nome da minha amiga, tentei abrir mais os olhos e percebi me encarando, meio cético. - Eu dei mancada também, ferrei com algumas coisas... - e então o me soltou e, sentindo a tontura um pouco forte demais, ergui as mãos na direção do vulto à minha frente. Vulto porque, de repente, eu estava morrendo de sono, meus olhos insistiam em fechar e eu sentia que ia tirar uma linda soneca se alguém não me agitasse ou me desse outra dose, logo. Comecei a ponderar sozinha se bebida daria sono.
O vulto - - me pegou pela cintura de maneira bem firme. Inevitável não sorrir. tinha acabado de reconhecer que tinha errado com e , o amor da parte mais ridícula do meu colegial, estava ali na minha frente, me amparando para que eu, o fiasco da civilização, não caísse.
Abri os olhos de novo, me sentindo muito melhor e focando à minha frente. Notei que tinha apagado alguns minutos da memória, mas rezei mentalmente para não ter feito nada mais estúpido. não estava mais por perto. havia me levado a um lugar um pouco mais afastado, fora da casa, onde a música estava bem menos alta. Ele sentou na grama e eu fiquei olhando, apoiada na lateral de um balanço. Quando ele me chamou com um gesto, arrisquei meus próprios pés e fui para perto dele, mas já perto o suficiente, enquanto eu sentava, suas mãos me guiaram a sentar no seu colo.
Ficamos em silêncio, ouvindo o barulho da festa, vendo a alguns metros quando alguns adolescentes pulavam na piscina.
Observei um arbusto se mexer conforme o vento batia nele e ri, imaginando que não precisei cair nos arbustos dessa vez, nem me arrisquei a ter uma foto minha com no jornal da escola (se jornal é ruim, eu devia começar a pensar nas escolas que faziam folhetos) e nas vezes que eu lançava um olhar para , atrás de mim, os seus olhos estavam perdidos lá em cima. Na lua, nas estrelas, no espaço.
O silêncio foi tão longo que comecei a imaginar o que ele pensava, se eram as roupas brancas do espaço, a falta de oxigênio, de assunto, o excesso de vácuo, complicação, as estrelas, o brilho nos olhos dele...
Às vezes o pior é não se esquecer da noite anterior, depois de beber. A dor de cabeça veio de brinde enquanto eu desejava ter esquecido essa noite vergonhosa... Mas eu me lembrei de vários detalhes.
O sorriso de antes de tentar me beijar, o modo que seus olhos brilhavam ao espelho d'água formado na piscina, a sensação de formigamento quando ele me fez sentar no seu colo. E aí meus olhos se encheram de imagens embaralhadas. Os absintos que ele tomou, seu rosto cético na minha direção, o choque elétrico quando seus braços me ampararam de pronto e uma imagem que certamente provava que eu apaguei no colo dele.
Fui tirada do devaneio por um enjôo forte causado pela ressaca, e sabia que seria muito sortuda se conseguisse passar o dia sem vomitar.
- Bom dia, zinha - parecia animada. Porque a noite dela tinha sido ótima.
Estávamos na minha casa, onde dois colchões já nos esperavam quando voltamos.
- Bom dia... - murmurei de qualquer jeito, calculando se seria possível puxar as cobertas e voltar a dormir.
- Já é de manhã... - ela insistiu, já na minha cama. Fingi que nem senti o corpo sacolejar e cobri o rosto com o travesseiro.
- Eu já disse bom dia - falei sem humor. - Vai acordar a e a , vai.
- Estúpida - respondeu, fingindo estar brava. Eu estava tão exausta que só dei um sorriso. - Olha que eu vou mesmo.
Fiz sinal de joinha no ar, na esperança de ela ter visto.
Em menos de cinco minutos, e ela já estavam comentando sobre a noite anterior. Ergui meu corpo nos cotovelos, juntando as imagens da noite passada e de como tinha ido parar em casa. , ao meu lado, tinha a mesma expressão confusa e eu ri mentalmente mais uma vez, sem muita energia.
- Então, vocês se beijaram? Rolou troca de saliva? - perguntou, pulando na cama.
Pulando às dez da manhã! E que horas eu tinha chegado em casa? Cinco? Quatro? Eu não tinha certeza.
- Vou fazer café para a gente, enquanto isso vocês põem a fofoca em dia - avisei ao me levantar. Sabia que tinha um pouquinho de egoísmo nisso, mas ainda não queria me martirizar com as memórias. - , você vem me ajudar?
Ela estava num estado meio zumbi, mas concordou. e me olharam torto, reclamando que eu não queria saber as novidades.
- Eu vi você beijando o - apontei e depois . - E te vi no maior papo com o . Mas lógico que eu quero saber os detalhes depois - dei as explicações cheia de pose. Elas riram, me jogando uns travesseiros.
Na verdade, eu queria ouvir as novidades. Queria surtar por elas e esquecer meu injúrio, mas naquele momento, eu precisava falar com . Sabia que a noite dela tinha sido ruim como a minha.
Enquanto eu procurava pão de forma, ela sentou no banco do balcão que separava a copa da cozinha e despejou tudo.
- O me traiu - achei o pão de forma. - Eu não sei como ele pôde fazer isso. Eu quero dizer, ele não teve tempo suficiente para galinhar por aí? - parecia ultrajada.
Sem dizer nada, coloquei duas fatias na torradeira e depois liguei ela na tomada. Abaixei as fatias.
- Eu sei que a gente não tinha exatamente voltado, mas... Ele falou que tinha cansado daquela vida! - completou, pondo os cabelos atrás da orelha, em seguida tirando e fazendo um coque com um elástico verde que tinha no pulso.
- Vai ver essa foi a despedida, .
Percebi que eu ficava melhor quieta depois desse fora gigantesco, então me controlei a partir de então. Não dissemos nada até que as torradas subiram, então eu coloquei mais duas fatias de pão de forma.
- Despedida de mim, só se for - nunca tinha visto seu tom de voz tão chateado, apesar de ríspido. Imaginei que fosse a decepção.
- Mas, sabe, tem outra coisa - comentei assim que me lembrei, colocando as últimas duas fatias na torradeira e em seguida passando margarina nas que já estavam prontas. - Quando estava comigo, falando com , ele disse que fez algo errado. Ele parecia mesmo arrependido - arrisquei, esperando resposta.
- Ah, é! Ele veio me pedir desculpas depois.
Foi como se ela tivesse de repente se lembrado disso, mas o detalhe fosse de mínima importância.
- E aí? - eu quis saber mais.
- Ah, eu não pude perdoar, ! Como é possível? Ele vira para mim, pede desculpas por ter terminado comigo, diz que foi um erro, acha melhor a gente voltar e, três horas depois, na hora que eu saio para ir ao banheiro, pegar uma bebida, ele já está com outra? Tipo, como assim? COMO PODE? Ele acha que eu tenho vocação para corna, só pode ser isso! Não dá mais - ela cuspiu as palavras, se levantando do banco e vindo me ajudar.
- Pega o leite para mim? - pedi, numa pequena pausa que ela fez, apontando a geladeira com o queixo.
- Aqui - colocou o leite perto das torradas e foi abrir armários. Voltou com copos. - O que eu quero dizer é, como ele pôde? Como ele esperava que eu o perdoasse depois disso? - suspirou. - Ele foi um cretino.
- Tem certeza que não foi ela que o beijou? - eu sabia quem era a garota pelos cabelos, nunca saberia pelo nome.
E conhecendo como eu conhecia, ele provavelment estava arrependido, mas era idiota o suficiente para acabar deixando para lá.
- Mesmo que fosse - respondeu. - Sendo homem, ele tem muito mais força do que ela. Podia muito bem ter empurrado a menina.
Joguei leite e achocolatado no liquidificador e bati tudo junto. Depois, distribuí em copos e coloquei numa bandeja junto com as torradas, dispostas em um prato.
- Vamos?
Ela concordou com um aceno de cabeça.
- Eu vi o ficando com a menina, lá. Mas também ouvi ele dizendo que se arrependeu. Ele é mesmo um idiota, mas gosta de você - falei sem tirar os olhos da bandeja, enquanto subíamos as escadas.
- Tudo bem, . Obrigada, de verdade. Especialmente por me ouvir. E como foi a sua noite? - ela perguntou, e seu olhar tinha uma pontada de esperança que minha noite tivesse tido algo melhor do que a dela.
Será que ela também tinha apagado com a bebida?
Ela abriu a porta no mesmo instante em que eu respondia, sabendo que em seguida teria que explicar tudo.
- Eu tive alguns probleminhas.
- Que tipo de probleminhas, ? - já chegou perguntando.
Revirei os olhos, decidindo em um segundo se contava ou não.
- Problemas com bebida. Eu não lembro de nada da noite passada - dei de ombros, entregando a bandeja, esperando ser convincente. - Mas sinto uma puta dor de cabeça.
- Sua primeira ressaca, ! E no último ano de colégio! - comemorou com as mãos para cima.
- Nada mau - sorriu, pegando uma torrada. ficou me encarando com a sobrancelha ligeiramente erguida. Eu, com medo de ela perceber demais as coisas, apontei pras torradas:
- Não vai comer, não, malandra? Eu não envenenei, viu? - fiz meu melhor tom ofendido.
As outras duas riram, discordando e fingindo a própria morte.
- Essa está com a macaca, hoje... - brinquei, me virando de costas para ela em seguida.
- Aliás, o que nós vamos fazer, hoje? Alguma de vocês tem planos? - perguntou, esquecendo de me avaliar.
Suspirei aliviada, antes de falsificar uma animação:
- Vamos curtir minha primeira ressaca!
E foi isso, passamos a tarde toda em casa. Descemos de pijama, já que meu irmão não estava em casa, fruto de ter conseguido uma namorada logo na primeira semana de aula e alugamos filmes, jogamos videogames e fomos dormir na casa da que, por bem ou por mal, não engoliu minha história de amnésia.
- , você pode me achar intrometida, ou até mesmo desconfiada demais de alguém que é minha amiga, mas na verdade eu só fiquei preocupada. Eu mesma usava essa desculpa de 'eu não lembro nada' para não ter que falar das minhas noites ruins... - ela falou na maior naturalidade, quando as meninas subiram para tomar banho. Nós ficamos de arrumar a sala e eu já tinha entendido o porquê.
Sendo pega de surpresa, num olhar em seu rosto dócil, acabei assumindo.
- Ok, , você acertou - suspirei. - Minha noite foi mesmo péssima. Bebi demais, não funcionou para esquecer tudo e ainda estou com essa preocupação. Ainda não sei se fiz o certo ou não.
Sem entender exatamente do que eu falava, insistiu.
- Quer falar direito sobre isso?
Foi a gota d'água para que eu desabasse no sofá, com a expressão mais desanimada do mundo no rosto. Ela sentou ao meu lado, tentando me consolar conforme eu contava a história inteira, a verdade.
- Além disso - acrescentei -, é uma vergonha o fato que, na primeira noite que passamos juntos, eu estava bêbada. E ele também - eu dizia, me referindo à , lógico. - Até tomou duas doses de absinto para ficar tão animado quanto eu, mas... Por outro lado...
- Você acha que ele não queria ficar com você e estava se forçando a isso?
- Não, não, acho que ele queria. O tentou me beijar e eu o empurrei, mas sei lá... É que de repente ele falou que o absinto estava fazendo efeito e foi justamente quando ele tentou. E aí eu fiquei confusa. 'Bêbado você quer beijar, camarada?'... Entendeu?
- Entendi. E você acha que o ficou bravo por que você rejeitou ele - afirmou, mas de um jeito que soou como pergunta. De um jeito foi preciso explicar mais, para fazer sentido. - E acha que não vai ter outra chance.
- Eu fiquei brava com isso. Achei que ele estava bebendo porque sóbrio não queria ficar comigo - falei o fim da frase bem baixo. Falar em voz alta tornava a situação mais patética ainda. - Mas não devo ter outra chance, mesmo. Não que isso vá me matar de chateação, mas depois de esperar um ano por esse momento, eu tive a atitude que eu mesma não esperaria de mim nem em um milhão de anos.
riu, dando de ombros.
- Aposto que nem ele esperava essa atitude, especialmente porque você já me disse que ele deve saber da sua ex-paixonite.
- Quem não sabe? - brinquei, rindo.
O rosto dela adquiriu feições sérias em seguida, enquanto ela se levantava e colocava uma almofada ao meu lado.
- , e se ele bebeu para ter coragem de se aproximar de você?
Pega de surpresa, não respondi nada, repentinamente pensando sobre o caso.
- Ouvi dizer que paixãozinha assim, se dura muito, vira amor, viu? - ela brincou, levando uma almofada de volta na barriga. A mesma que segundos antes estava bem ao meu lado. - Ei, é verdade. O carinho amadurece e vira afeição. A paixão vira amor.
- Ou desprezo - brinquei de volta, no fundo desejando conseguir sentir isso por ele.
Era isso o que ele merecia, depois do tanto que ele me fez ser uma babaca, não era? Ou eu já era uma babaca sem necessidade de ajuda?
Desistindo de pensar, balancei a cabeça, indo atrás de , que já ia tomar banho, também.
Capítulo 15 À noite nós resolvemos acampar no quintal da , mas isso só porque fomos muito babacas. A barraca de acampar da era gigante, e além de nós quatro, caberiam mais algumas pessoas. Fizemos suposições a respeito disso, lógico, apenas na brincadeira, enquanto passávamos o tempo do lado de fora da mesma.
- Vocês lembram de quando a gente costumava... Acampar? - os olhos de estavam sem brilho, sua expressão melancólica e nostálgica. - Senti falta disso.
Apertei o Teddy mais em mim. Todas tínhamos alguma pelúcia para acompanhar.
- Eu não lembro - brincou. Meio normal, já que não tínhamos passado o primeiro ano com ela.
Como ela estava em desvantagem, resolvi ajudar.
- De agora em diante, você não pode esquecer mais.
Mal acabei de falar, senti um rasante passar pela minha cabeça. Parecia que um pássaro ou algo mais pesado tinha passado pela minha testa. Aí eu conferi meu lado e vi uma torta esparramada na cara da . Tinha chantilly saindo pelos lados e, bem, não tinha mais cara de conforme a forma de alumínio caía. Naquele momento, era o monstro do chantilly.
Gritei em uníssono, junto com . Eu, apavorada com ela e ela com a torta. A torta devia estar, por sua vez, assustada comigo.
não moveu um músculo, estava na maior pose tomo-um-banho-de-lua, de biquíni na esteira. À noite! Na luz ligeiramente fraca da lua.
- , você avisou alguém que a gente estaria aqui? - perguntou enchida de pompa, abaixando o óculos de sol. De sol! - Na verdade, eu falei para o . Por quê? - não tinha entendido ainda, mas respondeu despreocupada.
Como se elas nem tivessem visto a amiga delas tomar torta na cara.
- Ah... - entendi, de repente. - Eles não estariam aqui agora, estariam? Não seria uma possibilidade, certo?
- Droga, ninguém deveria saber do meu banho especial - chiou de repente, correu para a barraca e saiu de lá com uma regata branca e uma bermuda jeans.
A essa altura, a já tirava a torta da cara com os dedos e lambia o que estava ao seu alcance, dizendo para não nos preocuparmos com ela, porque até que estava gostosa. olhou pros lados, bancando a senhora esperteza e nos chamou com o dedo.
Quer dizer, ela fez aquele sinal de minhoquinha-fazendo-ginastiquinha com o indicador, que serve como um 'vem cá'. E na hora que saímos da barraca, tínhamos um plano. Iríamos encontrar (por milagre, quem sabe?) os meninos e atacá-los com comida também. Era o troco.
- Mexeram com uma das nossas - eu disse, na maior pose de detetive vingativa.
A ideia inicial era surpreendê-los, por isso nós corremos para a cozinha da , pegamos alguns caquis moles e nos dividimos.
Fui pelos fundos, onde eu já tinha conhecimento de campo e havia alguns arbustos cheios o suficiente para me esconder. Contrariando , eu não quis colocar uma panela na cabeça, por motivos óbvios...
Parei de pensar quando ouvi alguns barulhos a leste. Apertei com um pouquinho mais de força um caqui na mão direita, minha melhor mão, e me virei com pressa para a fonte do barulho, jogando em seguida a pobre fruta naquela direção. Ouviu-se uma onomatopéia. Um gato.
Me virei com pressa, tentando sair dali e correr para dentro da barraca, quando ouvi um barulho que parecia vir de dentro da mesma. Decidi me voltar para o arbusto, onde eu pelo menos sabia o que tinha. E foi quando eu corri toda desesperada para o arbusto, olhando para trás para não perder a barraca de vista - tudo com um caqui em cada mão - que eu tropecei em um galho (ou talvez fosse uma pedra), caindo em cima do coitado do arbusto.
Mas tinha algo mais.
Um estava embaixo de mim.
- Hã, oi? - foi tudo que eu pronunciei, vendo o caqui massacrado na sua camiseta amarelo clara. Xiiii...
- Oi, - ele disse, meio sem graça e eu saí de cima dele. Meus braços pinicavam, eu não sabia se era pelo caqui melado, ou pelo arbusto urticante. Calculei rápido se havia chance de eu ter desenvolvido algum tipo de alergia instantânea ao .
Alguns momentos de quietude se seguiram enquanto eu o encarava, ainda com as pernas em volta do quadril dele e, de repente, eu me lembrei por que estava ali. Não era para visualizar seus olhos sedutores, nem para me debulhar em lágrimas pela burrada (ou esperteza?) cometida na última festa. Era para tacar caquis nele. E foi o que eu fiz.
Mas quando eu me preparava para esfregar um na sua cara, ele segurou na minha mão e a virou de volta para o meu rosto. Não consegui ter reação com o susto.
Por trás da máscara de caqui, meus olhos estavam arregalados. Sentindo o gosto gosmento do caqui, me arrependi de ter entrado nessa com as meninas, enquanto tentava entender por que droga de motivo ele resolveu responder aos meus ataques. Era para ele tomar caqui na cara e ir embora.
Tratante que imita barulho de gato atrás de arbusto!
Tentei sair de cima dele, por mais que ainda estivesse me sentindo meio paralisada de susto.
- Por que sórdido motivo você fez isso? - falei tudo no mais alto tom possível antes que isso se tornasse um berro. Limpei o rosto com pressa com as mãos, jogando os restos da fruta no chão.
As meninas, aliás, não deviam estar em situações muito diferentes. Eu ouvi alguns berros.
- Eu, por acaso, merecia isso? - ele apontou o próprio peito, e eu imaginei ele tirando aquela... Coisa cheia de caqui de cima dele. Ai, que nojo. Odeio.
- Quem sabe se vocês não tivessem invadido o nosso banho de lua - eu me toquei da babaquice que falei enquanto terminava de me impor, mas aí já não dava para voltar atrás.
Mordi o lábio, revirando os olhos e virando o corpo na direção oposta à ele para que eu pudesse ficar vermelha em paz.
- Ah, , larga mão... - nesse instante, ele me puxou pelo braço, me obrigando a virar de frente.
Nós nos encaramos por alguns instantes e, nesse meio tempo, foi como se o mundo tivesse parado.
Olhar diretamente nos olhos dele me dava vontades loucas, como um desejo intrínseco a mim de me apaixonar por ele, de novo e de novo. Um querer descomunal de selar nossos lábios, emaranhar minhas mãos em seus cabelos e não soltar nunca mais. Vontades que, voltando à realidade, eu não podia realizar.
No mesmo segundo em que me lembrei de estar presa dentro das suas íris brilhantes, e chegaram fazendo alarde, correndo e ofegantes.
- Missão cumprida - disseram ao mesmo tempo, mas o rosto delas estava tão sujo de caqui e o que deveria ser chantilly quanto o meu. Só faltou avisar o comandante, para bancarem as Panteras.
Claro, com o susto, nós nos afastamos.
- É, missão cumprida - eu repeti sem muita alegria, ainda me livrando da sujeira no rosto, apontando em seguida a camiseta dele.
As meninas não devolveram expressões tão orgulhosas quanto eu esperava, mas fingi não notar.
- Aliás, cadê a ? - perguntei, desviando o atenção delas para mim.
- Dando um jeito no - falou despreocupada, ainda encarando . Pelo olhar, ela parecia esperar que ele sofresse teletransporte espontâneo e sumisse dali repentinamente.
- Bom... Eu estou indo, preciso de um banho - se pronunciou depois de notar encarando-o. Fingi esconder o rosto com as mãos de vergonha.
As meninas acenaram singelamente enquanto ele passava por entre nós sem pressa, ou talvez fosse medo, já que ele passou a correr ao chegar à lateral da casa, ligação dos fundos ao jardim da frente.
No dia seguinte cheguei até que bem animada na escola, para uma segunda-feira. Por mais que tivesse sido obrigada a aceitar a carona de Collin, que, sendo um ano mais velho, já tinha terminado o colégio e tinha conseguido uma vaga em uma faculdade de Londres, mesmo. Provavelmente contente por conta disso, conseguiu tornar essa tarefa mais agradável.
Como havia algumas pessoas fumando no corredor - por mais que fosse proibido sequer portar cigarros dentro da escola - não consegui evitar tossir assim que a fumaça adentrou meus pulmões. Cheguei na sala quase tossindo o pulmão para fora.
- Tuberculose, é? - brincou e eu ergui sem pressa o dedo do meio, depois da minha última tossida, amaldiçoando mentalmente os maus hábitos dos alunos daquela escola.
Ele sorriu de volta entre os lábios e eu ri da careta que fez para mim, atrás dele.
No mesmo instante, chegou.
- E aí, cara? - cumprimentou-o num abraço de tapinha nas costas e , do seu lugar à minha frente, deu-lhe um aperto de mão, com outro 'E aí, bom?'.
passou por mim sem falar nada, e eu me senti intimidada, porque o bonito cumprimentou todo mundo e nem me olhou. Fiquei pensando se o motivo seria a falha épica do beijo na festa - que os meninos poderiam ter ficado sabendo -, mas decidi por fim que eles só não estranharam porque eu e nunca nos falamos direito.
Num surto de coragem (daqueles que só eu tenho), voltei o corpo para trás na intenção de falar com , mas ele não estava ali.
Até esqueci o que ia falar, mas também não o procurei. Me virei de frente, como se nada tivesse acontecido, com um sorriso bobo que dizia para quem estava de fora que eu estava participando da conversa. E, pior, gostando.
E aí a apareceu na porta da sala. Aproveitei a deixa para me levantar e ir até ela.
- Ah, deixa eu falar logo, porque meu professor deve estar para chegar - ela olhou pros lados, antes de começar a falar. - O , ontem, veio me pedir desculpas. Eu sei, de novo.
- E por que você não me falou isso ontem, mesmo? Já inventaram o celular.
- Shh, eu não acabei - nem ligou para minha interrupção direito. - Eu não ia perdoar ele. Mas eu sou uma babaca e fiquei com dó da carinha marejada que ele fez e perdoei.
- Marejada? Ele ia chorar? E por que você está falando só agora? - abaixei o tom para um sussurro.
- A questão é, acha que eu fiz bem em perdoá-lo? Ou não fiz tão mal assim?
- Não vai atrás dele, , eu conheço a peça. Se ele não insistir em você, dê as costas e vá para cima da ala masculina do colégio, porque em início de ano é quando tem um monte de gente solteira, e se eu sei bem, você ainda conhece todo mundo - arqueei a sobrancelha de um jeito nada cristão.
- Belo conselho, - ela disse com desgosto e vendo que isso não me afetou, continuou. - O que acha de a gente marcar um encontro?
- Vocês dois, né? - confirmei, só para garantir que ela não estava tendo de novo a ideia de a gente se fingir de lésbicas. Ela concordou com a cabeça. - Ah, bom, não sei... Você não está pensando em fazer nada, certo?
- Por quê? Estava pensando em chamar ele... , o que você sabe? - ela escancarou a boca de súbito.
E eu não sabia absolutamente nada.
- Vai para a sua sala, vai, eu vi alguém parecido com um professor entrar.
'Parecido com um professor? Eu disse isso, mesmo?' O importante foi ela ter concordado, contrariada ou não, e ido para a sala.
Eu me virei e estava atrás de mim.
- Ah, já sei por que ela foi com facilidade para a sala - eu disse, com o ar levemente brincalhão. - Ela se assustou com você.
- Que engraçada - devolveu sarcástico, mas em seguida voltou a falar a sério, indo na direção das janelas da classe. - Então... Ela não te contou que nós meio que voltamos? - e aí ele coçou a nuca. Típico de menino quando fica tenso.
Pensei por um segundo. Se eu confessasse das esperanças que ela tinha, ele poderia se achar muito importante... Por outro lado, ele era meu melhor amigo muito antes que eu conhecesse . Então...
- Não! Como assim? Desde quando, ? - fiz meu teatro, afinal o justo era ser imparcial com os dois. O acompanhei até as janelas, mas na esperança de não estender o assunto. - Não acredito que ela não me contou isso.
- Ela não falou? Ela tinha parecido tão... Feliz.
O melhor foi essa informação não ter batido com a atitude difícil imposta por alguns segundos mais cedo.
- Ela pode estar só dando tempo ao tempo, indo devagar. Você a traiu, , o que você esperava? Fogos de artifício?
Discordou imediatamente com a cabeça, olhando pela janela em algum ponto perdido. Continuei meu discurso.
- Ninguém gosta de chifres. E, , você finalmente encontrou uma garota que gosta realmente de você. Você não pode simplesmente cuidar dela e não soltar nunca mais?
Ele olhou para mim, ponderando sobre o que eu disse, enquanto uma risada fraca escapava pelo nariz.
- É... - suspirou, colocando as mãos nos bolsos da calça. - Aí, vamos voltar para o nosso lugar, que a professora entrou.
disse tão desolado que tive vontade de dizer toda a verdade. Mordi a língua para me obrigar a ficar quieta. E ainda me parabenizei mentalmente por plantar a boa discórdia.
Assim era melhor, ele aprenderia a cuidar melhor dela. Não que ele devesse por um carro de som na casa dela, mas se preocupar e ser um pouquinho ciumento de vez em quando não faria mal a ninguém.
Na última aula do dia eu me sentia uma maratonista. Estava completamente esgotada e queria desaparecer daquela aula o mais rápido possível. O nível de desespero estava tão alto que eu comecei a considerar formar de ir parar na enfermaria.
Quando fomos liberados, encontrei a e a saindo da classe.
- Minha linda, não marque nada para amanhã, às quatro horas, porque eu vou passar para te buscar - a primeira chiou, puxando as minhas mãos. Eu meio que sabia o que aquilo significava. - Vamos tomar um sorvete.
Plena segunda-feira, ela surtada, fazendo planos para o dia seguinte e querendo tomar sorvete...
ELA E O ESTÃO SAINDO!
Eu sou demais. É sério, eu me amo.
- Nasci pronta - respondi e joguei o cabelo para trás. arqueou a sobrancelha querendo saber mais e quando começou a contar, meu olhar se focou em alguém no segundo plano. Um que colocava as coisas no armário, o fechava e se virava para mim. No segundo seguinte, eu me peguei observando-o me dar as costas e caminhar pelo corredor. Em seguida, eu me toquei que já não fazia ideia do que minhas amigas estavam tagarelando ao meu lado. Foi quando, mesmo tarde demais para fingir que nada aconteceu, eu resolvi voltar à conversa, com um sorriso forçado na cara, fingindo que eu totalmente sabia o que estava acontecendo ao meu redor, quando na verdade, eu estava muito presa em todos os pensamentos babacas que surgiam na minha cabeça.
Mas aconteceu tudo tão rápido que elas nem repararam.
- E o vai! - dessa vez olhou significativamente para mim.
- Oi? - balbuciei.
- Sorveteria, - ela deu de ombros, irritadinha. - Parece que não presta atenção na vida, eu, hein?
Na minha, não, mas na dos outros..., pensei, checando rapidamente o local que esteve há pouco.
- E daí? Está me contando isso para eu me preparar só porque nós vamos ser o casal sobrando, mais uma vez? - fingi cara de tédio.
Ela concordou com a cabeça, passando a mão no meu ombro.
- É para o seu psicológico não se assustar muito.
E aí eu revoltei com a falta de delicadeza dela e saí de lá. Puxei todo o resto de dignidade que flutuava ao meu redor, tranquei-o nos pulmões e saí pisando fundo, de nariz empinado. Até dar de cara com o .
- Já está sabendo? - ele perguntou, erguendo uma sobrancelha.
- Já. Não começa você também - e fui caminhando até a entrada. Ele me seguiu, porque normalmente me dava carona. Não que naquele dia eu esperasse por isso.
Na verdade, eu até começava a sentir fome com o estresse.
- Achei que a não fosse te contar - adicionou.
Comecei a procurar uma barrinha de cereal na minha bolsa. Contente com um Twix, o abri com pressa.
- Ué, por que ela não contaria? - perguntei, enfiando metade de um na boca e mastigando.
- Porque o quer ficar com você - respondeu de um modo tão óbvio que eu quase me senti estúpida por perguntar.
Mas aí o mundo parou. Para variar.
Não, sério, eu engasguei feio. Metade do Twix desceu, um pedaço deve ter ficado preso na cavidade nasal e outro pedaço com certeza entalou na minha glote. Meu cérebro parou, as sinapses do meu corpo pifaram, eu parei de enxergar...
Ah, ok, brincadeira. Não me senti tão em choque assim. Já dava para parar na glote.
Isso já foi o suficiente para assustar e fazê-lo me dar uns bons tapas nas costas, me deixando com aquela região avermelhada mais tarde, perguntando preocupadíssimo se eu estava bem. O que eu achei estúpido, ele sabia muito bem a resposta.
- E depois você diz que é forte... - brincou ao que eu ri sem humor, me recuperando do ataque do Twix e forçando uma risada sarcástica.
- Sou forte, sim, ok. Não custava nada preparar o meu psicológico - recebi uma risada como resposta. Parecia que estava sendo divertido para ele. - E agora, o que eu faço?
- Fica com ele, ué. Não era o que você queria?
Como se fosse simples assim. Porque não era. Aliás, acho que era a hora perfeita para fazer doce.
Como dizem, "rebolar, atrair e fugir".
Capítulo 16 Claro que quando eu cheguei em casa, fui toda pirilampa ligar para a , na rasa expectativa que meu amigo, embora na empolgação de ter uma chancezinha com ela, tivesse conseguido segurar a língua.
- Mas é verdade, , o me disse isso pessoalmente. Ele meio que deixou escapar, mas depois ele sorriu de um jeito bem cretino - ela suspirou e voltou a falar. - Na verdade, deve ter sido para tentar não parecer romântico.
Gelei. Por que ele se preocuparia com uma coisa dessas?
- Ele te falou mais alguma coisa?
Impossível ele lembrar de algo, ele estava bêbado. Claro, eu fingi a amnésia, mas...
- Não, ele não disse nada sobre você ter dado um fora nele, se é o que você está perguntando. Apesar de termos aqui fortes evidências disso... - e aí o seu tom de voz se tornou sombrio. - Você sabe que o só funciona na base do 'chuta que ele gruda', não sabe? É parte da personalidade dele.
Interessante. Não sabia, mas já está anotado.
- Se eu fosse você, eu desistiria disso - tentei dizer. - Eu nunca tive chances com o e não é hoje que eu vou ter - declarei, mas sem realmente conseguir acreditar dessa vez.
Porque 1 - ele queria ficar comigo e 2 - eu dei um fora nele e 3 - chuta que ele gruda.
Senti uma pontadinha de poder épico se apossando de mim. Se eu fosse uma luz, eu estaria piscando. Piscando de alegria. E ódio. ódio, com certeza. Estaria certamente dando curto circuito.
Deve ter no mínimo umas vinte mil pessoas pensando que eu sou babaca porque estou com ódio de algo que eu queria há muito tempo. O meu ódio tem motivo. Como é que isso só acontece na minha vida justo, exatamente, precisamente quando estou me reerguendo das cinzas? Não dá para ser uma fênix, assim.
Estava ficando quase cem porcento protegida dele, quase esquecendo-o completamente e então, de um dia para o outro, o assunto não saía das minhas conversas. Ele passou a ser mencionado pelo menos uma vez por dia. Todo. Santo. Dia.
Mas voltando à conversa, respondeu:
- Se eu fosse você, seria um pouco menos humilde, hoje em dia isso não serve para nada.
Volvi qualquer coisa e desliguei o telefone, meio emburrada.
Mais tarde, decidi pegar algum dinheiro e comprar algumas blusas por motivos óbvios de necessidade.
Enquanto eu tomava um banho e colocava uma roupa decente, o que se passava pela minha cabeça era: até quando eu vou ser forte o suficiente? Eu vou conseguir? E se, de novo, eu me apaixonar por ele? Pior, e se eu já estiver apaixonada por ele?
Sim, como todo ser humano, eu tenho medos. Podem fugir do padrão de medo comum, mas eu ainda tenho.
Lembra quando eu falei que amor é doença? É, sim, e como agora convém falar os sintomas, no caminho para o shopping, narro-os. Dor de cabeça, formigamento nos pés, cansaço mental (resultante de pensar demais em uma pessoa só por longo período de tempo), falta de tempo (também resultante de pensar demais naquela pessoa), notas ruins, distração constante (alguns confundem com aquele transtorno), sorrisos idiotas, burrice, cegueira, incapacidade de ouvir o que é coerente, loucura...
Onde já se viu pensar tanto em alguém que, quando você desapaixona, não encontra nenhuma qualidade?
Isso só podia ser fruto de alguma magia ou força sobrenatural. Depois de uns três anos, os casais normalmente separam. Isso com exceção dos meus pais, sempre desconfiei que tivesse macumba dos dois lados, ali.
Eu poderia fazer um livro sobre os sintomas de amor, inferi que apenas não o faria por questão de humildade, por falta de aptidão ao dinheiro. Se fosse para fazer dinheiro, eu venderia essas ideias geniais.
No shopping, eu liguei para o . Tinha decidido fazer as coisas diferentes, mas achei um saco ficar sozinha no shopping e ainda carregar as sacolas, então o chamei. Deduzi que ele tinha menos coisas ainda para fazer, porque aceitou de primeira.
- , que bom que você veio!
Corri para o abraço.
- Você me chamou para carregar sacolas, foi? - ele perguntou, ainda enquanto me abraçava. Aposto que viu algumas sacolinhas nas minhas mãos.
- Por que você pensaria isso de mim? Eu te pago um sorvete - tentei fazer minha melhor pose ingênua, mas não funcionou. - Bom, não é só para isso que eu preciso de você, - Ele deu uma risada, e eu continuei. - Preciso que me ajude a comprar roupas legais, temos um evento social importante amanhã.
Aposto que se não soubesse, já estaria sabendo o motivo.
- Então, eu sei o motivo? - ele ergueu uma sobrancelha, mas as duas acabaram subindo no fim das contas.
- Claro que sim. Todo mundo tem um namorado, e eu... - esperei um pouco, para ver se ele tinha entendido aonde eu queria chegar. Mas isso não aconteceu. - , eu só quero sua ajuda para comprar roupas boas, e eu sei que você tem aprendido bastante sobre moda. A é craque nisso e o tem te ajudado bastante.
- Mas por que eu?
- Estou em débito com você e essa é minha oferta de um fim de tarde deslumbrante ao meu lado - ergui as mãos com as sacolas, sorrindo.
- É, então nós precisamos conversar sobre isso... - tentou parecer realmente entediado por isso. - E aquele sorvete?
- Depois, prometo! - dei duas sacolas na mão dele e fui para uma loja que eu sempre quis entrar.
- Por que mesmo você não chamou a ou, sei lá, a ? Ou a ?
- Porque eu preciso de um menino - insisti. - Nada melhor que um menino para me dizer o que os da espécie dele preferem ver em meninas.
pestanejou em resposta.
- Ah - acrescentei -, nada que seja muito vulgar, hein?
- Tudo isso para arranjar namorado, ?
Bufei ultrajada, chegando à loja e sem dar resposta.
- Isso é chantagem! - reclamei, apertando os ombros dele. nem demonstrou dor.
Com aquele vento chato do estacionamento, que parecia não dar descanso, meu humor ficaria pior ainda. Faltavam quinze minutos para as aulas começarem e ainda estávamos no estacionamento, apoiados no Cadillac azul. Raros alunos ainda estavam ali, mas longe o suficiente.
- É uma condição, , não uma chantagem.
Devo admitir que a resposta foi boa. Ainda assim, abri a boca para responder qualquer coisa malcriada quando o celular dele tocou.
- Lá vem suas fãzinhas te ligando - falei com tédio na voz, mas ele riu.
- Todo mundo me quer - atendeu o celular, todo exibido.
- Longe - completei, mais baixo.
Minha intenção inicial ao ir falar com , no dia seguinte, era atualizá-lo sobre meu novo guarda roupa, por mais que ele não tivesse perguntado nada sobre. Não mencionei a parte que obriguei o amigo dele a ir comigo.
E aí a gente estava conversando super de boa, quando chegamos a um impasse. Uma chantagem. Segundo o chantageador, uma condição.
Como ficou sabendo que comprei roupas (incluindo o malformado plano de fazer doce e o segredo do 'chuta que ele gruda'), aí o cérebro dele já entrou em ação e sua cabeça começou a borbulhar de ideias para que o tal beijo ocorresse. Eu não entendi também, o moleque empolgou para nos juntar. Segundo ele, tinha alguma coisa a ver com o 'Finalmente, os dois querem'. Ou Podem. Apesar de eu não me lembrar de ter dito exatamente que queria ficar com o .
Paralelamente, chegamos à conclusão que ele deveria se ajustar de vez com a , (apesar da mentirinha que eu contei mais cedo ter dado certo, né...). Aí, para se livrar do fardo ou não carregá-lo sozinho, jogou o problema de volta para mim.
A condição? Que eu beijasse .
- Pronto, , qual a sua decisão? - me tirou de transe, desligando o celular. Eu devia ter prestado atenção à conversa e usado alguma coisa contra ele, mas não.
- Desafio aceito.
A resposta veio de surpresa para mim também. Tentei me defender, dizendo que havia respondido automaticamente, mas conhecia o , ele não facilitaria que eu voltasse atrás.
- Então vamos logo para a sala, porque se eu me tornar o namorado fiel da antes de você ficar com o , eu ganho.
- Espera aí, rapaz, agora isso aqui é uma aposta?
- Entenda como quiser - ele disse e se levantou para sair do carro. O puxei de volta pela manga do blazer.
- .
Ele voltou à posição anterior, um tanto carrancudo.
- Sabe, esse não é meu tom preferido.
Fiz esforço para adquirir a severidade que precisava, se quisesse ser levada a sério.
- Não consigo acreditar que depois de toda a conversa que tivemos, tudo se resume a quem conseguir concluir um desafio mais cedo.
- Você sabe que eu sou competitivo - respondeu como sendo óbvio. Olhou para cima e respirou fundo, me olhando diretamente em seguida. - , você sabe que é só motivação.
Balancei a cabeça em concordância, agitando a mão ao mesmo tempo em desprezo àquela informação.
- Eu entendo, eu te conheço faz tempo, . Mas eu também consigo ver que você gosta dela, porque se não gostasse, não era muito mais fácil já ter desistido?
não respondeu a princípio, seu olhar se tornou mais pesaroso, reconhecendo o que eu dizia.
- Então me ajude a fazer uma coisa que eu já pretendia, com algo que você está louca para fazer - explicou devagar, e em seguida concluiu com pressa. - E a chantagem ainda está de pé - com a mesma pressa, deu um beijo na minha testa e saiu correndo do carro.
Finalmente, pouco depois de o sol se por, a hora de ir à sorveteria se aproximava. Repensei por que concordei com a injusta proposta de (proposta, ameaça, aposta, condição, chantagem, o que fosse, ainda era injusta).
Depois de testar uma sandália preta de salto alto, acabei ficando com uma sapatilha, da mesma cor. Vesti uma calça skinny preta e uma blusa branca estampada que não conseguia cobrir os dois ombros, porque caia para algum lado a toda hora.
Decidi ficar com a maquiagem básica, só exagerando um pouquinho no rímel. Passei um batom vermelho e depois de cinco minutos o tirei, na intenção de deixar a boca avermelhada, mas sem escândalo.
Fui sem blush, mesmo, eu não estava com vontade de parecer saudável nas bochechas. Mas se eu descobrisse sobre o ter fetiche por blush, eu passaria bastante.
Quando o chegou, eu pulei no carro dele. A estava na frente e por esse motivo não comentamos nada sobre nossa conversinha anterior.
- ! Sentiu muito a minha falta? - ela perguntou, com a voz afetada. Parecia um esquilinho cafeinado.
- Não deu tempo, - dei de ombros, rindo em seguida. - Fui obrigada a te ver a manhã toda, lembra?
Ela deu uma risada falsa nada gentil e quando voltou a olhar para a frente, estreitei os olhos para , pensando se ele já estava começando a cumprir o 'não ser canalha e convencer a disso'.
Pisei na sorveteria e ninguém olhou para mim.
Não que eu esperasse uma entrada de poder do tipo Angelina Jolie no Oscar, ou Natalie Portman chegando numa pré estréia, mas... Poderia ter sido um pouco menos silenciosa, né? Tudo bem, antes silenciosa do que Ashton Kutcher vaiado na SPFW. Fala sério, que tenso.
Na nossa mesa, já estavam sentados o , a e o . chegou uns cinco minutos depois de mim.
Houve uma entrada, adivinha de quem?, super glamourosa. Mas é incrível, chega o , a sorveteria para! Aquele menino merecia palmas. Se bobeasse, até o sorvete da geladeira parou de se congelar para ovacioná-lo.
Ele veio à nossa mesa e se sentou no lado oposto ao meu. O que era possível porque estávamos naquele tipo de cadeira almofadada que pega o canto da parede. Eu em um canto, ele no outro. Estava mais difícil do que eu imaginava.
Minha auto estima desceu no andar do inferno, enquanto meu cérebro recalcado decidia que essa distância só poderia significar completo desinteresse da parte dele. Balancei a cabeça, a fim de dispersar tais pensamentos. Porque não fazia o menor sentido! Em um segundo era meu amigo, depois tentava me beijar, aí cuidava de mim, e no dia seguinte me ignorava, voltava a falar comigo e ignorava de novo no dia seguinte!
Fiquei encarando com a minha melhor cara de merda tentando entender qual era a dele, até que alguém falou alguma coisa. Era , que talvez por saber demais, tinha percebido algo no meu olhar dirigido a . Ou talvez fosse porque ela estivesse ao lado dele e meu olhar estivesse queimando como laser.
- Então, o que vocês vão pedir?
Eu quero um , sem caqui, com jujubas no lugar dos olhos - bem inspirado em Coraline - com bondade no coração, fazendo o favor.
Se não tiver bondade, eu me contento com açúcar colorido.
- Um sundae de chocolate com cobertura extra - respondi, dando uma olhada no menu de ao meu lado.
- Quero uma banana split - chiou, já olhando para . Ele olhou tão faceiro de volta, que nem parecia o cara recatado de meses atrás. Fiquei perturbada imaginando que tipo de maldade eles poderiam ver num sorvete de banana split.
- Eu quero um daqueles bem grandes e cheios de coisa colorida - falou sem pensar muito. Típico.
A moça com a comanda olhou meio confusa para ela e eu me desliguei da conversa. olhava meio atento demais para o menu e deu tempo de reparar em que tipo de roupa ele usava. Largada.
Era uma camiseta preta qualquer, um jeans surrado que quando ele levantasse provavelmente não chegaria a cobrir a bunda e o tênis de sempre. O cabelo estava meio rebelde, bagunçado, lindo.
Incrível como qualquer trapo fica bem nessa praga.
Quando e começaram a se pegar loucamente sem pensar nos espectadores, pouco depois que terminaram seus sorvetes, o clima ficou meio tenso na mesa. Tenso de tensão sexual reprimida.
- , eu já venho - disse, se levantando. foi atrás.
Eis a prova.
Sobraram eu, um mix de com ao meu lado, a e o e o asno do ao lado dela.
Mal eu terminava de pensar sobre quando esses dois iam finalmente se pegar, empurrou o sorvete para o lado e quando ocupou a atenção da amada com suas tagarelices, ele discretamente falou comigo. Discretamente, se em comparação ao tom de voz de .
- , acabei de perceber que não tenho o número do seu celular - e disse com um sorriso de canto, olhando para baixo e voltando a me encarar.
- Claro que não tem, nós nunca saímos juntos - respondi, meio sem pensar. Tentei corrigir antes que seu rosto se contorcesse em confusão. - Mas acho que é uma ótima oportunidade, né? - estendi as mãos para ele, sorrindo, querendo anotar meu número e poder ficar quieta de novo.
- É, anota seu número aqui, então - me entregou o celular na mão. Não tirei as mãos dali, estavam bem próximas das dele, e isso me dava uma sensação legal. Nova, mas legal.
- Pronto - devolvi o aparelho e ele sorriu ao confirmar meu número, me dando um toque imediatamente. - Então, você... Se recuperou dos caquis?
- Claro. Depois do banho, eu parecia novo - e aí ele riu. Acho que essa foi a primeira risada que eu arranquei dele. - E você? O seu foi mais delicado, no rosto.
E aí ele riu mais, mas dessa vez foi de deboche. Não consegui segurar minha expressão de ódio.
- Sim, , porque você é muito delicado - mas acabei rindo. - Mas eu te acertei na camiseta, eu lembro disso.
- Verdade - escancarou a boca, rindo. - Mas acho que a empregada vai te perdoar, se a mancha sair - ponderou, apertando os olhos.
Agradeci por estar sentada, sabia que não teria me aguentado em pé.
- Ah, obrigada, eu estava preocupada com a sua empregada, mesmo, coitada. Vai que ela não gosta de caqui, né... - ironizei de volta, rolando os olhos.
Olhei para ele e ele começou a falar:
- Eu... - freou-se. - Você vai rir agora, mas ainda assim eu vou falar - sua voz saiu tão baixa que me senti obrigada a me inclinar na mesa para perto dele.
- Fala.
ainda enrolou para contar, tentou mudar de assunto, mas no fim...
- Desculpa pelo caqui na sua cara. Eu fiquei nervoso, foi engraçado, mas foi mancada - deu uma risada meio nervosa. Espera, ele estava nervoso. - Perdi o controle das coisas.
E dos braços, pelo jeito. - Tudo bem, acho que estavam todos um pouco assustado. Eu, por exemplo, era minha primeira vez como atiradora de caquis... Sabe, a primeira vez é difícil e...
- Primeira vez? - ele riu da expressão. - Você parecia boa.
Eu não tinha mais certeza do que vocês estávamos falando.
- Engraçadinho, você. Aliás, aquela não era sua primeira vez com absinto, era? Quer dizer, na festa sábado...
- Não, não - sua risada dessa vez foi mais leve. - Imagina se eu fico bêbado e eu que te dou trabalho? Ia ficar feio para mim.
Pensei em abrir a boca, mas ele voltou a falar.
- Tem mais, eu já estava vendo você meio bêbada, se eu não cuidasse de você... Que tipo de homem eu seria? - nesse instante, ele encheu o peito e foi tanto que ate precisou se afastar um pouquinho da mesa, sobre a qual ele estava inclinado, assim como eu. Não me mexi.
Não me mexi porque estava absorvendo o fato. A bronca que ele recebeu de para cuidar de mim, ele nem mencionou. A informação que chegou para ele, então, é que eu não me lembro de nada do que aconteceu na festa? Por isso, ele vai ficar inventando que eu estava bêbada e que ele cuidou de mim? Ou não?
- O que eu fiz? Eu não fiquei bêbada, fiquei? - se ele pensava que eu não lembrava nada, certamente eu queria saber o que ele tinha a dizer. Porque claro que eu lembrava de tudo da noite anterior. Claro.
Tentei conter o nervosismo quando mudou do próprio lugar e veio se sentar ao meu lado, tomando meu lugar na borda.
- Olha... Ficou. Você é bem divertida bêbada, mas tenho que confessar que foi complicado.
- Como assim? - inclinei o rosto para o lado, confusa.
Porque não estava fazendo o mínimo sentido.
Enquanto toda aquela bagunça acontecia dentro e fora de mim, se aproximava. Rápido até demais. E aí o rosto dele veio na minha direção.
Só deu tempo de virar um pouco o rosto para que sua boca alcançasse o canto dos meus lábios.
- Assim, mesmo. Acertou, mesmo nem se lembrando da festa - parecia surpreendido.
Não tive tempo de explicar que foi uma reação impensada, e se meu cérebro já estava em polvorosa, depois disso eu não tinha nem palavras para descrever a sensação. Nem olhei para o lado porque não aguentaria ver a reação dos meus amigos.
- Eu só não estava preparada - confessei um pouco baixo, mas ele ouviu.
Amaldiçoei minha vulnerabilidade um milhão de vezes.
- Então ok, amanhã, no colégio? - ergueu uma sobrancelha e eu dei uma risada, me sentindo feliz e ao mesmo tempo envergonhada.
Eu tinha acabado de marcar um beijo? E não tinha sido irônico, nem cínico, nem sarcástico?
- Amanha será! - tentei parecer o mais confortável com isso possível.
Quando fomos embora, decidiu me deixar em casa. Tentei não parecer intimidada com o fato que ele dirigia uma Range Rover. Ele me deu um beijo na bochecha, perto do canto da boca. Eu continuava repetindo para mim mesma para não me impressionar, o que era quase impossível quando eu revirava as lembranças que me fizeram achar ele uma pessoa tão especial.
Capítulo 17 Não é chato quando você vê um monstro no espelho e depois percebe que está olhando para o próprio reflexo?
Só podia ter algo muito errado comigo. Depois das oito horas mais bem dormidas em muito - muito, mesmo - tempo, acordei com as olheiras completamente inchadas, os olhos avermelhados e o cabelo tão ruim que eu poderia me abster de comentários.
Gastei uma meia hora consertando o desastre que minha cama causou em mim.
Penteei a juba pensando que deveria ter ficado acordada a noite toda e chegado na rebeldia na escola, cheia de cafeína nas veias. Se até nicotina pode...
Meu corpo não conseguia relaxar, ainda mais a cada vez que um flash da noite anterior voltava. Eu ainda contestava se algumas coisas tinham acontecido mesmo, como a tentativa de beijo, minha desviada inconscientemente intencional, o beijo marcado... Tentei me concentrar em não deixar ninguém perceber minha agitação.
Por mais que minha visão da tal nova já estivesse enevoada.
Quando estava apresentável, desci as escadas para pegar carona com alguém da minha família. Por mais que meu pai já viesse tentando me ensinar a dirigir, eu só poderia fazer a prova depois do meu aniversário, então ainda tinha pelo menos um mês até fazer o teste.
O Collin estava, para variar, tomando café com os pés no balcão. Nenhuma surpresa.
- Já está pronta? - perguntou depois de um bocejo cheio de comida, provocando uma reação involuntária de ânsia em mim.
Não, calma, não estou pronta, vou ali vomitar e já venho. - Estou, hoje você me leva - fiz minha expressão mais agradável. Já que meus pais já tinham saído, era melhor eu agradá-lo.
Além disso, nesse dia em especial eu não podia chegar com o cabelo todo bagunçado na escola.
- De jeito nenhum, bolinha, hoje é minha folga - franziu as sobrancelhas, tirando os pés do balcão para alcançar mais comida. - Você vai sozinha - e aí ele jogou a cabeça de lado, comendo uma panqueca.
Parecia que ele estava me dando a bochecha para tomar um tapa ali.
- Como assim, folga, Col? Você nem trabalha!
- Folga de você. Acha que é fácil? - e aí ele voltou a comer. Me perguntei se ele fazia outra coisa da vida.
- Você não tem uma faculdade para estar? - deixei o ódio transparecer em cada sílaba.
Peguei a maçã mais próxima e coloquei na bolsa, prevendo que passaria fome já que se eu demorasse mais cinco minutos, estaria atrasada.
- Quem sabe assim você não aprende a ser menos atrasada?
Collin ainda teve a audácia de me provocar ao que eu saía da cozinha. Senti vontade de riscar o carro dele com uma chave, mas engoli a decisão do destino e fui à pé para a escola. Andei tão devagar quanto possível, para que o vento não destruísse meu cabelo, afinal existem cabelos bonitos e cabelos rebeldes. E o meu.
No caminho, eu já pensava com quem dividir minha aflição. não poderia ser ainda, senão eu acabaria contando da história do , porque não confio na minha língua, e ia acabar com tudo. Para , talvez, mas talvez não fosse legal deixar escapar que o namorado dela me ajudou com moda. E a ?
No fundo, no fundo, eu não queria admitir que ela era a pessoa perfeita para isso, porque eu havia compartilhado de assuntos dos quais as outras meninas não sabiam. Além disso, eu tinha um medo meio anormal de ela ver através dos meus olhos o que eu escondia.
Supimpa, estava decidido. Bem ou mal, eu contaria para ela.
- Ai. Meu. Deus! - exclamou imitando descaradamente o Chandler Bing. - Como eu não notei isso? Quer dizer, eu até vi quando ele foi para o seu lado, e o também apontou vocês com os olhos, mas achei que fosse só isso.
As pessoas que nos encaravam até cansaram de manter os olhos em nós.
- Você pode me ajudar? - tentei falar bem baixinho.
- Ajudar como, menina? - ela continuou falando alto. - É só encontrar ele, não tem segredo - e finalmente ela se tocou que precisava falar baixo. - Não me diga que você nunca beijou.
Senti meu rosto tomando um tom escarlate.
- Bom, eu já estou no colégio - olhei à nossa volta, na entrada do colégio. - E nem sinal do ...
Tive que me obrigar a calar a boca quando apareceu no meu campo de visão. Engasguei.
- Você está ficando boa nisso, - me zoou, contendo uma risada.
passou por nós e nos cumprimentou. Depois de um beijo na bochecha e um 'Oi' murmurado direto da boca dele, completamente perdida. Todo o esforço de me acalmar tinha acabado de ir para o espaço. Tão rápido quanto meu dinheiro vai embora quando avisto um adesivo de desconto.
- Você dizia... - retomei, ainda em órbita.
- Meu Deus - até seus olhos sorriram enquanto ela tapou a boca rapidamente com as mãos. - Você está completamente apaixonada!
Ergui a mão pronta para mostrar o dedo do meio quando surgiu atrás de mim.
- Acho que isso vai deixar as coisas mais difíceis - concluí, antes de me virar para . - Bom dia! Chegou cedo.
- Do que vocês estão falando? - ela perguntou, se inteirando na conversa e sentando no banco ao meu lado.
- Sobre o - nem pensou.
- OH. MEU. DEUS! O que você não tem me contado, ? - esbravejou, parecendo uma fuinha irritada.
Recontei a história sem dar a informação extra sobre , por mais que parecesse injusto não citar o dedo dele nessa situação toda. A reação dela não foi muito diferente de .
- E o que você acha que eu tenho que fazer? - perguntei.
- Contar para ! Óbvio! Que bela amiga você é - ainda parecia em choque, mas já podia dar respostas ácidas. - Mas eu ainda estou em choque. Amiga, que sorte!
ficou sabendo na classe. No fundo da classe dela, e assim que batesse o sinal do fim de intervalo, eu e teríamos que voar para nossa sala. A não ser que a segurasse novamente até o último segundo.
- Mas eu não acredito que você passou esse tempo todo sem me contar nada, sua inútil!
, a delicada.
- Ok, , eu escondi essas coisas de vocês. Escondi porque estava com medo.
- Medo do que, menina? - perguntou. Como se já não soubesse.
- Quem sabe da reação de vocês? Olha o escândalo. E a cada hora que vocês berram, mais as pessoas ficam quietas para ouvir nossa conversa.
- Até parece que todo mundo tem esse interesse em saber sobre você e o ... - , a delicada, parte II.
- Não de mim, mas ao ouvir o nome dele, a galera vai prestar atenção à nossa conversa.
- Estamos aqui por você, pode confiar na gente - confirmou, estreitando os olhos. - Qualquer espião será devidamente punido.
interrompeu.
- Mas então, agora rola a gente fazer um plano? Sabe como é, quatro cabeças pensam melhor do que uma .
Há há há.
Mal eu havia sentado na mesa de sempre, com as meninas, quando Alaina, a ex do , chegou até nós.
Mesmo com vontade de cordialmente convidá-la a ir se afogar em um vaso sanitário, eu sorri sem mostrar os dentes enquanto abria meu suco, esperando que ela falasse.
- Bom dia, .
- Alaina, depois do meio dia, nós temos o costume de falar 'boa tarde' - corrigi, com um sorriso gentil.
Ela deu uma risadinha, como se meu comentário estúpido camuflado de correção dócil não a tivesse afetado. E tanto pareceu que não a intimidou que ela até se sentou ao meu lado. Fiquei com pena da faxineira que teria mais trabalho.
- Então, você tem um tempinho para conversar? - Alaina perguntou, depois olhou pras meninas sentadas perto de mim com um olhar que variava entre o 'Estou avaliando vocês' e 'Quero privacidade de vocês', e depois olhou para os meninos, ainda na fila do almoço. Nessa hora seu olhar se tornou mais sedento.
- No momento, não - eu poderia ter sido gentil, mas eu sou a . - Estou almoçando.
- Isso eu posso ver. Bom, você ainda pode me ouvir.
Respirei fundo, aguardando pacientemente. Cortei um pedaço de alface e levei sem pressa à boca, enquanto lançava um olhar rápido às meninas, que não estavam mais à vontade do que eu com aquela situação. Ainda mais quando Alaina se inclinou na minha direção e abaixou o tom de voz.
- Se você acha que vai ser tão fácil assim, ter o , é porque realmente não me conhece.
- Não que eu tenha algum interesse em conhecer - observei, tomando um gole do meu suco, talvez até forçando a imagem de despreocupada.
Até aí:
- Mas interesse no eu sei que você tem. Ele pode até ter um pouco por você, mas eu não ligo - ela sibilou. - E é bom que fique sabendo que eu posso tê-lo de volta num estalar de dedos - e aí ela estalou os dedos, como que para provar.
Olhei em volta, procurando o tal voltando para ela. Só achei um trazendo a bandeja à minha mesa.
- Pena, acho que seu estalar de dedos está com defeito, amiga - tentando não rir com a reação do seu rosto, coloquei minha mão sobre a sua ainda no ar e a abaixei. Alaina afastou a mão rapidamente ao que eu abaixei a voz, na intenção de intimidá-la também. - Mas se precisar de ajuda em alguma matéria, do tipo 'Tiradas melhores' ou 'Como ser tão foda quanto a ', é só vir falar comigo, certo? Eu te ajudo.
Nessa hora o sentou no meu lado livre. A única palavra que veio à minha cabeça começava com 'vin' e terminava com 'gança'.
- Eu volto, - ela disse em seu tom mais meigo olhando atrás de mim, enquanto se levantava.
Eu totalmente senti a minha morte através daquelas palavras. Disfarcei um arrepio com uma sacudida de ombros e uma resposta curta, mas não grossa.
- Quando estiver pronta, Alaina.
Ruidosamente, ela saiu. Os meninos não captaram a guerra interna. E pelo olhar, as meninas tinham entendido, mesmo não sabendo exatamente toda a nossa conversa.
Se a guerra era inevitável, minha única preocupação era sair viva dela.
À tarde, enquanto eu saía da educação física já toda suada e sem esperanças de qualquer ação da parte de , o encontrei no estacionamento, justamente quando fui procurar , que não tinha me esperado no campo. O treino feminino vinha depois do masculino e só tínhamos folga na sexta feira.
estava apoiado na frente da Evoque, mexendo no celular. Quando percebeu minha presença, guardou o celular e sorriu. Involuntariamente, os cantos da minha boca se ergueram também.
Ele deu um pigarro em alguma parte da frase:
- , mal te vi hoje - apoiou-se no carro com os cotovelos.
- Ah, fiquei meio ocupada hoje... - bolei uma desculpa enquanto notava uma silhueta conhecida se aproximar. - E... A sua ex-namorada.
Estando perto do pôr-do-sol, seu cabelo loiro ficava ainda mais brilhante. Foi preciso muito autocontrole para não começar a arrancar o esmalte das unhas.
- Oi, - Alaina estava confiante demais.
Fiquei tão nervosa que engasguei com a saliva.
- Uau, calma aí.
deu um passo até mim, me deu uns tapinhas nas costas e quando me recuperei, sacudiu de leve meu ombro, em seguida deixando o braço ali. Como se tivesse esquecido de retornar à posição anterior.
- Boa noite, Alaina - sambei mentalmente em reação à resposta dele.
Mal pude cantar vitória.
- , eu preciso falar com você. Preciso muito e tem que ser, nossa, agorinha.
Orei mentalmente por ela depois do 'agorinha'.
- Tem que ser agora, Alaina? - tive a impressão que ele tinha puxado ar para falar mais alguma coisa, mas o que quer que fosse, ele desistiu e soltou o ar.
- É, tem. E você sabe do que se trata - ela fez uma carinha de cachorro órfão, que, se eu não a conhecesse, comprava.
Mas então eu pensei um pouco, e resolvi ser mais descarada do que ela.
- Tudo bem, . O já deve estar chegando - dei um sorriso, olhando para cima.
- Tem certeza? - ele juntou as sobrancelhas, avaliando o que eu disse. Balancei a cabeça concordando. - Tudo bem. Então, até amanhã.
Apertou meu ombro com leveza e foi atrás dela. Na verdade, nem precisou ir. Alaina o puxou pelo pulso até o outro lado da Evoque. Respirei fundo, dirigindo-me ao Cadillac azul que estava a duas filas dali.
Alaina conseguiu destruir um momento pelo qual eu tinha esperado o dia todo. Tirou o de mim em uma conversa que resultaria num beijo de cinema, mas eu poderia fazer pior. E aí eu gastei uns bons minutos pensando em uma retaliação à altura e me lembrei da ideia que tive na noite anterior. Era inviável. Perigosa. Mas tinha potencial e eu precisava arriscar.
Logo no dia seguinte, bem de manhãzinha, já a encontrei. Seu sorriso se curvou diabolicamente nos cantos dos lábios quando nossos olhares se cruzaram, mas eu fiquei meio inerte a isso, já preparada. Como quando você vai entrar numa piscina que já supunha a água estar gelada. No momento em que você entra e a água está surpreendentemente gelada, mas você não liga muito, porque já tinha preparado seu psicológico para isso.
Mas cá entre nós, se a Alaina fosse uma piscina, seria de água turva.
Depois da Alaina, veio a Alyssa. A peça crucial para a minha ideia. Eu só precisava ser mais amiga dela porque 1 - eu sabia do perigo que Alyssa oferecia e 2 - da força dela também. Força no sentido mais amplo da palavra. Alyssa era minha melhor opção para o que eu precisava.
- Bom dia, Alyssa - eu disse, um pouco mais baixo do que o normal.
- Oi, - respondeu franca. Arrisquei mais:
- Então, ainda vai querer ajuda naquele trabalho?
- Que trabalho? - Alyssa arqueou uma sobrancelha. Ela nunca lembraria, não havia trabalho nenhum.
- Já esqueceu? - fiz a dissimulada. Balancei a cabeça, como que deixando isso para lá. - Você trouxe as canetinhas?
Sério, ? Não há melhor para falar? - Não... Ah, espera, é o trabalho de mecânica? Estou lembrando, agora...
Lembrando o quê? Ai, Cristo, eu não sei nada de mecânica. - É! É, sim! Como você tinha esquecido? - rolei os olhos, rindo. No fundo, eu queria chorar e abortar a missão.
- Nossa, acabei de reparar - exclamou, fuçando a bolsa. - Deixei o caderno de mecânica e eletrônica no armário.
- Acho que você devia ir pegar, eu preciso refrescar a mente porque não lembro muita coisa de mecatrônica.
- Mecânica - Alyssa me corrigiu daquele jeito meigo que só ela faz, se levantando e deixando a mochila no banco.
- Isso, mecânica. Robôs, mecatrônica, mecânica. Você vai acabar entendendo tudo - e aí ela me olhou atravessado. Pressentindo que ela fosse apaixonada por essa matéria, achei melhor parar de brincar. - Na verdade, é como água e óleo. Diferentes, apolares. Nunca se misturam.
- Ai, , você é irreal... Acredita que eu...
Enquanto ela falava, peguei a mochila dela e coloquei no colo.
- Uf, que bolsa pesada. Vou precisar do seu estojo.
- Você não viu nada - admitiu, ainda séria. - Ainda carrego alguns nas mãos. Vou lá pegar o caderno.
Fiz um gesto de continência.
- Estarei aqui quando voltar.
Eu dei uma olhada pros lados bem discreta para garantir que não tinha ninguém com a atenção focada em mim - talvez fosse meu dia de sorte - e comecei a revirar a mochila dela como se fosse minha, na intenção de parecer mais natural.
Partindo da lógica que toda menina levava algo que adorava na bolsa, algo me dizia que ela não podia ser diferente, por mais que fugisse de alguns padrões. Não demorei a encontrar um canto da sua mochila protegido com um cadeado que unia dois fechadores de zíper.
Arfei ao notar que aquela era minha grande chance.
Seria possível ela guardar a chave ali? Com Alyssa, não dava para prever.
Procurei na parte da frente, no bolso de trás, na parte de dentro, até que eu desisti. Meu tempo já tinha corrido o suficiente e se ela me visse fazendo algo suspeito, eu não teria como me livrar. Acatando meu destino de ajudá-la em um trabalho de uma matéria sobre a qual eu nem sabia do que tratava, decidi peguei o caderno de anotações dela, pelo menos para adquirir noções básicas. Por mais que Alyssa tivesse passado a impressão de desligada, eu não podia abusar.
Assim passei a capa dura e os colantes, que me distraíram alguns segundos, tentei ir direto para as matérias, mas meu dedo escapou e acabei puxando a aba de plástico, que serve para guardar o que achar importante. Qual não foi minha surpresa ao encontrar ali a chave. Prendendo a respiração com o nervoso, virei com pressa o caderno para baixo, de forma que a chave deslizasse até meu colo e, mais uma vez conferindo os lados, me sentindo em As Panteras novamente, chaveei o cadeado e o abri.
Puxei um zíper com urgência e encontrei lá algo embrulhado em plástico bolha. Sem tempo de abrir, algo me dizia que meu tempo estava quase negativo, então eu só joguei o que quer que fosse para dentro da minha bolsa, num bolso interno, voltei a puxar o zíper com pressa, tranquei o cadeado, guardei a chave e rezei para que Alyssa não fosse paranoica a ponto de decorar a posição da mesma.
Por fim, guardei o caderno.
Recostei a cabeça na parede atrás de mim, fechando os olhos na vã tentativa de me acalmar.
Um minuto depois, Alyssa chegou. Só então, podendo realmente olhar em seus olhos, que eu reparei como ela não mudou nadinha do ano passado para cá. Uma pena, porque o rosto dela era bonito, assim como seu corpo. O que não colaborava era sua postura.
- Pronto - ela quase sorriu. - Caderno de mecânica. E uma cartolina. Tive que ir buscar, por isso a demora.
Achei óbvio, mas não expliquei que 'Accio, cartolina' realmente não funcionava no mundo trouxa, porque havia chances demais da frase ser mal interpretada.
- Então, a gente pode fazer depois do almoço? Você pode ir lá em casa, ou eu para a sua... - o fim escapou meio a contragosto e possivelmente Alyssa percebeu. Nunca tive medo dela, mas agora que tinha um sei-lá-o-quê dela na minha bolsa, minha neurose com ela tinha sido ligada.
- Claro, pode ser. Depois da aula, vamos lá para casa. Meu pai não deve estar em casa, não vai ter problema.
Só consegui pensar em como eu não sabia o quão seguro era ir para o covil dela com aquilo na bolsa. Precisava, emergencialmente, colocar na bolsa da Alaina.
Pensando assim, eu realmente parecia mais infantil.
- Ok, a gente se vê lá então. Já estou ansiosa!
E dei o fora dali rapidinho.
Capítulo 18 - Fala sério! Quando eu tinha a idade dela, eu perdia, sei lá, o dente. Não a virgindade! - era a berrando, quando eu comentei sobre algo que ouvi falarem da Alaina.
- Ai, que menina precoce - disse, meio alheia, só para não ficar quieta. Ela estava remexendo no celular.
Fiquei louca de vontade de pegar o celular da mão dela, mas me controlei.
- Credo, hein. Não é a toa que o ficou um bom tempo com ela... - tentava lixar as unhas, roídas impiedosamente no dia anterior.
- É, ainda mais galinha e popular. Só fica por sexo. Aposto que ela geme como um cachorro - voltou a falar, complementando a frase da . Pensei no meu cachorro, Apollo, imediatamente e foi impossível não arregalar os olhos.
- O chato é que não dá para usar isso contra ela - falei.
- Afinal, todo mundo já sabe... - completou.
A estava quieta demais no celular, então eu o arranquei da mão dela.
- Ou, me devolve! - ela falou um pouco alto e rude demais, o que me irritou.
Olhei a tela do celular. Era uma mensagem do . Ainda assim, como os dois são meus melhores amigos, não vi problema em continunar minha brincadeira - que já tinha se tornado de mau gosto - e ler.
- Não, não... O que você está falando com ele? - perguntei, enquanto subia a janela de conversação para entender melhor o que se passava ali. Opa! - Por que você está falando da Alaina, aqui? Ela não é assunto do ! Era uma guerra interna, sua louca!
- Devolve agora, . Devolve. Agora - fez a voz brava, aquela que quando faz, não tem ser que contrarie. - Estou falando sério.
Mas ela estava falando sobre a Alaina. E eu simplesmente necessitava contrariá-la. Porque era muito mais importante entender o que se passava ali do que satisfazer seu capricho e devolver o celular tão rápido quanto ela queria.
Quando se lançou para cima de mim foi exatamente quando li o que menos queria. Aquilo era uma traição?
- Como assim, fala para a Alaina ter cuidado? - soltei o celular, sentindo a vista nublar repentinamente. As meninas ficaram em silêncio. Não como se soubessem algo, mas como se tivessem medo de mim, mesmo. - Como assim, o que você está arrumando?
- Ninguém mandou você mexer! - alcançou o telefone e finalmente saiu de cima de mim. - Eu não posso falar ainda, - completou, a voz mais baixa.
- E você pode me trair, isso você pode? Vai me falar depois que tiver me humilhado na frente do , ou pode falar antes?
- Não, ! , confia em mim! - ela pediu, já com uma cara meio desesperada.
e se entreolharam, e pelo que eu percebi, calculavam o que fazer quando a bomba explodisse.
Mas eu não estava animada para brigar. Nem para discutir. Não com a minha melhor amiga. era minha melhor amiga, porra. Como que ela vinha com uma coisa dessas para cima de mim? Avisando a Alaina para tomar cuidado? E colocando o no meio disso? Eu teria que falar com ele. Aliás, o que eu poderia esperar dele?
Eu já tinha as duas mãos na cabeça, como que para segurá-la de explodir. Tinha tanta coisa passando pelos meus pensamentos.
- Gente, não vamos brigar - arriscou baixo, e meus olhos só faltaram lançar laser quando levantei a cabeça.
- Não vamos mesmo brigar. Nós só vamos nos... Afastar, ok? Eu não vou ficar com uma traidora - impulsionei meu corpo a levantar e apontei-a infantilmente.
Minha parte mais humilde berrava para eu esperar e confiar, mas a parte orgulhosa, e agora ferida, sacudia meu ímpeto, pondo em xeque minhas morais. O modo que eu reagia, ou que cria que todos deveriam reagir à traições, estava sendo testado. E por mim mesma.
Se eu ao menos soubesse as verdadeiras intenções da ... Se ela ao menos tivesse confiado em mim também, em vez de só pedir minha confiança... Mas a não disse mais nada.
Ela só balançou a cabeça em descrença, juntou as coisas dela e saiu dali. Da minha casa. Para não voltar mais. Nem naquele dia, nem naquele mês.
Imensamente chateada com , passei o resto da tarde ali, com e , que felizmente não foram embora até se certificarem de que eu ficaria bem.
Estava na fila do almoço quando voltei a pensar sobre o ocorrido na tarde anterior. Se estavam tão próximos, foi avisado do que eu li. Por outro lado, como ele não tinha comentado nada comigo desde manhã, quando nos vimos primeiramente, de certo concluiu que eu não estava irritada com ele também. E quando comecei a repensar isso, abri a boca para exteriorizar.
- - ele me olhou instantaneamente, enquanto a moça lhe servia uma porção de purê de batata. - O que aconteceu para o começar a sentar na nossa mesa?
Me dei conta do erro um milésimo de segundo antes de falar e mudei de assunto.
Ainda não sabia se estava ou não chateada com ele, então tentei não pensar muito nisso, para caso não estar, não ficar.
- Achei que nunca fosse perguntar - dei um toquinho no ombro dele para ele perceber que a fila tinha andado um pouco. - e estavam falando comigo esses dias e nos perguntamos por que ele nunca sentava conosco.
- Porque ele tem a turma dele - alfinetei. não deu bola.
- Então nós pensamos, ei, por que o não larga daquela turma chata do futebol e almoça com a gente?
Lembrando que era jogador de futebol, mas pelo jeito, só por interesse em uma bolsa na faculdade.
Finalmente terminamos de encher o prato e fomos pegar algo para beber.
- Nós somos os perdedores dessa escola, - ele pegou dois sucos e colocou um na minha bandeja. - Obrigada.
- Ledo engano. Você sabe que eu sou a estrela do nosso grupo e posso brilhar por nós dois.
Tive que ficar quieta porque sabia que era verdade, a maioria das pessoas que eu conseguia lembrar gostavam dele. Talvez porque ele fosse titular no time de futebol. E como se não bastasse, bonito e simpático sempre que conveniente.
- E aí você o chamou e ele foi? - concordou com a cabeça. - Fácil assim? - concordou novamente, justo quando chegamos à mesa. - Você é bom nisso.
continuava almoçando com a gente, mas diferente de antes que se sentava ao meu lado, agora estava na ponta oposta a mim. , , , e fingiam que nada tinha acontecido e tentavam conversar, apesar do clima tenso.
Só quem estava em silêncio eram eu e , mesmo. estava completamente por fora da confusão e só estava quieto porque estava concentrado com seu almoço, mas ria quando alguém falava algo idiota.
- , vamos ao cinema mais tarde? - chamou, colocando uma colher transbordando brócolis na boca.
Ela concordou imediatamente com a cabeça enquanto bebia o suco.
Uma pena que nunca tivéssemos momento de plena felicidade no grupo. Naquele momento, a parte ruim estava em dobro. Eu começava a me perguntar se e Alaina tinham se unido ou se a tarde anterior fora só minha imaginação.
Ao meu lado não tinha mais espaço, mas ela se sentou ali. Me empurrando, sem delicadeza alguma, para o canto, quase a ponto de cair. Sim, a Alaina.
- Bom dia, - ela disse naquele tom insuportável, encarando-o.
Parecia que ela nem tinha me visto ali. Quer dizer, com aquela bunda enorme, quem consegue perceber qualquer outro ser humano ao lado, não é?
- Oi, Alaina - ele disse, sério. - Se perdeu das suas amigas hoje? Ou elas cansaram de você?
- Claro que não. Eu me cansei delas. Estou buscando novas amizades... - ela sorriu, suas órbitas se voltaram discretamente para mim. Mas foi tão rápido que quase não pude notar. - Com você e a . Novos ares, sabe?
Foi nesse instante, alimentada pela raiva, que lembrei de puxar minha bolsa - jazida no chão com o impacto da morsa loira ao meu lado -, pegar discretamente o embrulho de plástico bolha e colocar em um canto de zíper que já estava aberto, dentro da bolsa dela que estava praticamente em cima de mim, escancarada, as duas alças caindo para lados opostos. Consegui fechar antes que Alaina se desse conta, aliás ela só não percebeu porque estava inclinada demais para cima de . E ainda que o mal respondia.
E pronto, estava feito. Nesse plano eu estava agindo sozinha. E esperava que assim, quem sabe, desse certo.
Tinha se passado mais um, dois dias, e eu ainda não estava pensando direito. Tentei falar com Alyssa como pude, e fui obrigada a entender mecânica para cumprir o que prometi que ia cumprir (tudo em cima de uma causa que nunca tinha sido prometida em primeiro lugar). Alyssa havia comentado super nervosa, ou chateada, alguma coisa a ver com herança da mãe dela, mas não prestei muita atenção nisso. Afogada nos meus próprios pensamentos, não consegui não ser egocêntrica, focando somente em sentir a minha dor, por mais que eu já não entendesse direito o motivo da discussão com . Eram só algumas frases, não eram? Estava ficando tudo tão confuso na minha cabeça, de repente... E eu nem sabia o porquê. Não costumava ser assim.
Depois de decidir que não ia conseguir me concentrar com a tarefa, levantei da cama e peguei o celular. Mandei uma mensagem para no maior atrevimento, chamando-o para a sorveteria. Queria me distrair e, além de tudo, ele era a única pessoa a qual eu estava com vontade de ver.
Ele me ligou de volta no minuto seguinte.
- ?
Achei que não viveria para ver o dia em que me ligasse de pura espontânea vontade, não porque confundiu meu número com o da emergência. Não que ele já tivesse confundido alguma vez.
- ... - travei, indecisa sobre o que falar.
- ? Alô? - duas vezes. Meu nome. Voz dele.
Aquela parte orgulhosa do meu cérebro me forçou a reagir. Tossi. Algumas palavras conseguiram escapar junto.
- Oi, . Desculpa, a ligação está meio ruim.
- Ah, tudo bem. Então, que horas você quer ir? - parecia meio animado, pelo jeito nem percebeu que eu estava numa fossa de dar dó e queria sair com ele para me animar.
- O que você está fazendo agora?
- Agora? - uma palavra e eu me arrependi instantaneamente de toda aquela conversa.
- É, agora. Dá pra ser ou está difícil? - quase me joguei da janela do quarto, só de ódio da minha burrice gradativa.
Ele riu. Não uma risada escandalosa, só uma risada discreta.
- Dá pra ser, - e aí ficou em silêncio por uns dois segundos, puxou o ar e voltou a falar. - Jajá estou saindo de casa, então.
Fiz um sinal de agradecimento aos céus.
- Ok, já estou pronta - desliguei, garantindo que ele não mudaria de ideia.
Coloquei uma camiseta amarela com uma girafa laranja estampada, de gola recortada - ou sem costura, por soar mais chique -, shorts de jeans preto desbotado e chinelo, aproveitando o dia quente. Em mais ou menos meia hora, ele chegou. Calculei que poderia ter até feito cachos e os alisado novamente nesse tempo.
Olhei escondido pela janela e ele usava jeans e uma camiseta branca e all star preto.
- , não vai atender? Você vai se arrepender se eu descer! - Collin gritou do quarto dele, me tirando dos pensamentos.
- Vai se ferrar! - gritei de volta, torcendo para não ter sido alto o suficiente a ponto de poder ouvir. Porque para ele, claro, eu tinha a postura de dama.
Desci as escadas mais rápido do que um côco cheio de água numa ribanceira ensebada de óleo.
- Pronto, pronto - abri a porta correndo e, sabendo o risco que corria de Collin descer e me encontrar com , evitei deixar espaço para pensar que devia entrar.
- Está com pressa? - perguntou de um jeito que fazia aquilo mais parecer uma afirmação, apoiando o antebraço no batente.
- Estou morrendo de sede de sorvete - menti.
comprou a minha.
- Então está decidido - sorriu divertido, guardou a chave do carro no bolso e começou desceu os degraus da varanda. - Vamos? - concordei com a cabeça e fui atrás.
Por uns instantes, eu fiquei pensando se era um mau ou péssimo sinal ele querer ir andando comigo até a sorveteria, mas aí eu concluí que era, na verdade, bom, pois teríamos mais tempo juntos e ele teria que voltar em casa, senão por mim, pela Evoque.
- Esse não é aquele carro que a Victoria Beckham... - fez propaganda?, eu completaria.
- Não! Por favor - ele revirou os olhos, como se o tempo todo fosse perguntado disso. Riu em seguida. - Se bem que, vindo do meu irmão... De qualquer forma, eles são diferentes, apesar de bastante parecidos.
Fiquei curiosa para perguntar o que tinha sobre o irmão dele, mas já tinha sido tão legal de aceitar vir de primeira, que eu nem arrisquei.
- Então, eu atrapalhei alguma coisa? - mudei de assunto, fazendo referência ao telefonema mais cedo.
- Hã? Ah, não, não, claro que não. Na verdade, foi bom você ter me ligado.
- Eu não liguei - observei, arrancando uma risada dele.
Ele segurou meu ombro alguns segundos para indicar que íamos atravessar a rua naquele ponto. Senti um formigamento depois onde ele encostou.
- Verdade. Então foi bom ter me... Mandado mensagem aquela hora. Melhor? - ele ergueu os braços nessa hora, e eu acabei rindo.
- Bem melhor, mas por que foi bom? Te livrei de alguma coisa?
- Aham - aí ele chutou uma pedrinha, quando atravessamos a rua.
Esperei até ter certeza que ele não ia completar a frase, mas não consegui vencer a curiosidade e ficar quieta.
- Do quê?
não pensou muito antes de me dar resposta.
- Minha ex estava me ligando. A menina ficou louca.
- Ah... - e aí ele respondeu com um 'é'. - Louca por você, só se for.
Ops, escapou.
- Nunca! Estou de boa - só queria dizer 'longe de mim'.
Eu ia mais uma vez perguntar 'do quê?', ou 'por quê?', mas percebi que essas perguntas não eram nada inteligentes e tentei pensar em algo melhor para falar.
O melhor é que depois de mais de um ano de obsessão, não tenho nada para falar com ele.
Mas ele decidiu falar mais:
- Ela veio com um papo que era para eu não ficar perto de você, que se ela descobrisse, ia falar um monte de merda de você pela escola...
Arregalei os olhos. Não consegui distinguir se ele estava me testando ou se aquilo era um aviso para eu me afastar dele.
- E aí você saiu comigo por pirraça para ela?
Mutilei meu próprio bonequinho de vodu mentalmente, punição por só ver o lado ruim das coisas.
Ele abriu um pouco mais os olhos, surpreso com a minha reação.
- Não. Eu quis estar aqui com você - fiquei um pouco em silêncio depois dessa. - Ela fica o tempo todo no meu pé. Não quero que você veja ela como uma ameaça, mas não quero que ela faça nada de mal contra você.
- A Alaina não pode fazer nada contra mim - assegurei-lhe, mesmo incerta sobre isso.
- Tem razão. Eu não deixaria - ele sorriu de canto, assim que a porta automática da sorveteria se abriu.
- E aqui estamos nós, na sorveteria - olhei pros lados, mordendo o lábio, enquanto entrávamos. - Mas vamos conferir se não tem nenhuma ex-do- por aqui.
- Não precisa ter medo, . A Alaina é uma babaca, mas tem amor à reputação.
De vadia? - Com isso você quer dizer que, além do óbvio...
- Que você não precisa ter medo dela. O que ela fizer contra você, eu garanto que terá de volta - ele me olhou diretamente nos olhos, seguro do que dizia.
Novamente, eu estava sem jeito. Agradeci com uma expressão agradecida e doce.
Sentei numa cadeira próxima, enquanto ele chamava o garçom, já imersa em dúvidas. E se tivesse captado a guerrinha feminina? Ou talvez ele apenas soubesse que a ex era assim, meio louca, meio metralhadora giratória duplamente carregada com qualquer uma que se interessasse por ele. Pensando bem, nem a branquelinha do site eu tinha visto perto dele de novo. Eu imaginava quantos dedos de Alaina tinha nisso.
- Vai querer o sundae de novo? - chamou minha atenção.
Hã, oi, Terra já está chamando?
- Vou - concordei meio alheia. Epa. - Como você lembrou?
- Minha memória é... É...
- De elefante - completei, incrédula.
- Não era bem isso - pensou um segundo, antes de deixar para lá. - Mas serve.
e eu conversamos, brincamos, e até falamos mal de algumas pessoas que ambos detestávamos, coisas que eu costumava fazer com meus amigos.
As coisas foram ainda mais inesperadas na volta.
- Então, vai rolar mesmo um paintball? - era quem confirmava isso.
- Ah, eu preferia uma guerra de tinta - falei sem pensar, mas realmente querendo aquilo. Vez ou outra eu via algumas fotos tão coloridas e bonitas na internet, que até me dava vontade de uma guerrinha, sem contar que o Tyler, um cara da escola, tinha me mandado uma vez um vídeo de uma Paint Party. Morri de vontade de pegar uma arminha cheia de tinta e sair espirrando na galera.
- Acho que dá para ser, hein - ele brincou, usando o clássico 'Dá para ser' que eu sempre falava.
- Só marcar dia e hora, então? - confirmei. Ele sorriu e concordou com a cabeça. Aí eu resolvi bancar a malandra e o cutuquei no ombro. - , quer comprar pica pau?
Fala sério, quem nunca fez essa brincadeira não sabe o que é irritar os outros.
- Não, .
- Mesmo? - e com isso, eu continuava cutucando. ainda estava impassível, mas eu contava os segundos até ele perder a paciência.
- Mesmo. Obrigado, volte outra hora - e aí ele deu uma risada. O cutuquei com mais força e, desistindo, porque semancol eu tenho, passei a cutucar seu culote. Não era bem culote porque, sério, o não tinha culote, mas eu tentei.
- E vender? Você tem bastante bacon aqui para vender - apertei aquela parte. Aquela parte gostosa e cheia de pele que fica na lateral do corpo. Dele.
Eu estava para morrer, estava fora da minha cabeça. Ia morrer de vergonha quando chegasse em casa, então estava atrasando o momento o máximo possível.
- Não, , chega - ele disse tentando parecer bravo, mas riu. E ele riu tanto e tão convidativamente que eu acabei rindo junto.
Como a risada dele me atraiu a continuar, eu continuei o apertando, quando o que ele mais queria era que eu parasse. Por fim, ele fez a maior cara de irritado que eu já vi nele, até retraí minhas mãos. Não deu dois segundos e sua expressão se contraiu em um sorriso diabólico.
- Ah, , corre agora! - e é meio previsível o que eu fiz em seguida.
Corri por amor à vida.
Mas não corri rápido o suficiente. Dei uns três passos e um pé de pulou em cima do meu. Esse lindo pé gigantesco segurou meu chinelo do pé esquerdo, e quando eu tentei erguê-lo, meu pé ficou preso e eu caí para a frente. Meu rosto não chegou a tocar o chão, mas tropecei bonito.
Nota mental: vir equipada com equilíbrio corporal na próxima vida. do futuro agradece.
Mas bem, essa não foi a pior parte. Eu ainda tentei me levantar, no desespero e na vergonha, e quando o fiz, bem desajeitosamente, percebi um a milésimos de segundos de topar em mim. Foi tudo rápido demais. Primeiro eu quase caí, aí tentei levantar e o ainda estava vindo, bateu em mim e eu caí de vez, cara no chão. Aí desisti de levantar e comecei a rir.
Me disseram que quando a gente ri do próprio mico, as pessoas não acham muita graça e esquecem logo, então decidi testar a técnica.
Reprovada, a técnica. caiu junto e minha risada não o impediu de rir tanto quanto eu.
- , você está bem? - perguntou entre risadas, enquanto tentava se levantar. - Acho que eu bati o queixo em você.
- Claro... Ótima! - falei sem ter muita certeza disso, fazendo pausa a cada palavra para rir.
Assim que nos recompomos, ele se levantou e em seguida me ajudou a levantar. Passei alguns momentos conferindo meus joelhos e passando a mão no nariz para me certificar de que estava tudo no lugar.
- ! - eu sei que gritei do nada mas ele. Arrebentou. Meu. Chinelo. - Olha só!
- O quê? - ao avistar o problema, voltou a rir. - EU QUE FIZ ISSO? - e riu bastante... - , DESCULPA! - riu mais um pouco... Riu tanto da minha desgraça que eu fiquei até comovida.
- Não, não tem perdão! - mas aí eu não resisti e acabei rindo junto. Quer dizer, que merda, tem que ser muito azarada mesmo. Tinha que ser eu.
- Claro que tem, me perdoe, eu faço qualquer coisa - falou rindo. Respondi com o dedo do meio. - Apelou, perdeu! Opa lá.
- Perdi mesmo - arrisquei minha melhor cara de piedade. - Perdi uma Havaianas. São tão caras.
- Posso te ajudar a andar - ofereceu-se, erguendo uma sobrancelha, provocando em mim uma risada só de imaginar a cena.
- O chão está muito quente, me dá o braço - a essa altura, eu tinha uma perna semi erguida, um riso meio controlado quase escapando pelos lábios e uma mão apoiada no braço de , que não se opôs. Ah, a outra mão carregava o chinelo destruído.
- Vem cá, você nunca vai chegar num pé só - paramos de andar ao que ele disse isso. Ergui uma sobrancelha, desconfiada. - Vem de cavalinho.
- Não? - a intenção era sair uma afirmação decidida e irrevogável. Não foi bem o que aconteceu.
Em seguida, e com certeza ele não estava pensando, se inclinou na minha direção e passou uma mão por trás dos meus joelhos e quando tirou meu equilíbrio ao me empurrar, me amparou nas costas com a outra mão.
E foi assim que me levou até minha casa no colo.
Sob protestos, claro.
- Se você continuar reclamando, eu estrago seu outro chinelo e te faço andar - nem me olhou no rosto enquanto me ameaçou.
- Proposta tentadora - ergueu a sobrancelha, confuso. - Mas acho que eu vou ficar quieta, mesmo, e aproveitar o passeio.
Agradeci mentalmente por estarmos perto de casa quando o incidente aconteceu. Eu não sabia por mais quanto tempo os braços dele me aguentariam, então não queria arriscar ser chamada de gorda ou destruir os braços dele no primeiro encontro.
Na calçada de casa, ele me pôs no chão. Apoiei o pé calçado no chão e pisei com o outro em cima do mesmo.
(N/A: Música. Agora. Play).
- Obrigada pelo passeio - sorri e já ia me virando para mancar até em casa.
- Ou, espera aí - parei no segundo que ele falou isso, especialmente porque ele segurou meu pulso. - Eu não ia te levar na porta de casa?
Não, que eu me lembre, não. - Desde quando você é cavalheiro, ? - perguntei, um pouco espantada.
- Nasci cavalheiro - respondeu com deboche. Eu dei uma risada escandalosa, sem querer, enquanto ele passou a mão pela minha cintura para facilitar meus pulos até a porta de casa.
- Poxa, e o que mais eu não sei sobre você? - nem dei tempo a ele para responder, respondi eu mesma, chaveando a porta e abrindo-a. - De repente, você também marca encontros à moda antiga...
- Não, aí eu sou mais moderno... - captou a brincadeira.
- Ah, é? - fui entrando em casa e ele veio junto, mas ainda não soltou minha cintura.
- Claro, você nem faz ideia.
Estávamos indo na direção da cozinha. Imaginei que ele pudesse estar com sede.
- Que misterioroso você, .
- E que iludida você, - tornou, me surpreendendo. Ele sabia meu sobrenome desde... Quando?
- Babaca - eu disse, apoiando as costas no balcão da pia e desistindo de pegar um copo.
Os olhos dele estavam mais, muito mais, interessantes.
- Idiota - respondeu, na pose de machão dele, dando um passo na minha direção.
- Lesma - motivos óbvios.
- Cega - foi a resposta dele, antes de dar o último passo.
Último porque agora, não tinha mais muito espaço entre nós dois. Mas cega, por quê?
- Veado.
Já que ele podia me xingar de algo que só ele sabia, eu também podia. Não que eu já não tivesse começado essa história.
Mas acho que ele não captou o que eu pensei, porque... Sei lá, acho que ele entendeu que o 'Veado' era do tipo gay, e o seu rosto perdeu um pouco de distância do meu. As suas sobrancelhas se uniram um pouquinho, como se me dissessem que não entenderam direito o que eu falei.
Eu já não entendia mais nada. O que era aquela (falta de) distância repentina?
E era isso, assim? Assim, no meio de uma discussão, mesmo que de brincadeira...
Um beijo. Um beijo de verdade.
Os seus lábios fizeram o trajeto que por muitas noites eu imaginei. Eles me acertaram em cheio. Parecia que me diziam alguma coisa. Talvez, para eu corresponder ao beijo? Tentei, juro que tentei. Entreabri a boca e a sua língua adentrou minha boca encontrando a minha. Pode parecer nojento descrever isso, mas foi bem dessa forma. E foi a melhor coisa que eu fiz. Foi tão bom que quase me pareceu errado, e uma forcinha mal ajustada me fez empurrá-lo lentamente nos ombros, quando na verdade eu queria era puxar. Felizmente, não pareceu se sentir intimidado pela repentina resistência e levou as duas mãos até minha cintura e me segurou com força contra si. A sensação foi de formigamento, seguido de um calor instantâneo naquela região.
Uma mão dele subiu até minha nuca, pressionando meu rosto contra o dele. O encaixe do nosso beijo foi, de longe (e de perto), perfeito. De alguma forma que eu não sabia explicar, correspondeu ao beijo com a mesma urgência que eu tinha. Suas mãos me puxavam com tanto - eu arriscava que fosse - desejo, quanto eu sentia. Encontramos sintonia rapidamente, e eu já estava me sentindo familiarizada com a língua dele fazendo movimentos circulares com a minha.
Isso que eu não era bv! Mas com ele era como se eu fosse. Se eu tivesse um caderno de regras, devia jogá-las todas fora, porque as sensações eram todas novas.
Até a respiração dele batendo contra o meu rosto me dava arrepios. Fui obrigada a acariciar sua nuca, ao mesmo tempo em que minha outra mão passeava pelas suas costas, pressionando-o contra mim. Era mais forte do que eu. Como quando eu disse que Taio Cruz era demais para , da mesma forma era demais para mim. Sem saber dosar direito, eu perdia o controle.
Acariciei seu rosto e aproveitei para deixar meu dedão acariciarem seu pescoço também, conhecer aquela região que eu sempre quis tocar com toda a pouca luxúria que o momento me permitia. Entre o beijo, afastou seu rosto do meu, bem pouquinho, para morder meu lábio e puxá-lo contra si. Só percebi que tinha parado de respirar quando ele o soltou e me deu um selinho demorado. Então, em seguida, mordi o lábio superior dele e o puxei com os lábios bem devagar, voltando a ficar perto dele e soltando seu lábio quando praticamente dei-lhe outro selinho.
E aí eu sorri, abrindo lentamente os olhos. Só para encontrar os dele lá, me encarando sorridentes.
Se fosse cedo demais para admitir que ele me fazia sentir como se eu não precisasse de mais nada, então, ok, pelo menos quase completa eu me sentia.
Ergui as duas mãos e repousei-as nos ombros dele, acariciando sua nuca alternadamente com os ombros. Ficamos em silêncio o tempo todo. Eu, porque não queria aproveitar a oportunidade de estragar aquele momento que, sinceramente, eu não ligaria se durasse para sempre.
Mas é óbvio que não durou. No momento que retomávamos o beijo, e ele estava sorrindo quando fizemos isso, eu tentei erguer o pé e chutei algumas panelas atrás de mim. Porque a parte de baixo do armário da pia estava aberta e era lá que ficavam as panelas.
Caso não tenha ficado claro: grande erro.
tomou um susto leve.
- Tudo bem, tudo bem. Tudo sob controle - eu me abaixei correndo para pegar as panelas e socá-las dentro do armário, sem sucesso. Elas voltavam a se desempilhar sozinhas, para o meu desespero.
- ... - a voz dele soou baixinha, atrás de mim. Ele só podia ter se abaixado também, mas se abaixou para me ajudar. - Assim, ó.
E aí finalmente aquelas benditas pararam de escorregar uma da outra e sossegaram o facho. Fechamos a porta do armário meio que juntos. Notei que dividimos um olhar cúmplice. Nós nos levantamos juntos e eu ainda estava naquela distância tenebrosamente curta do rosto de . Alternando o olhar entre meus olhos e minha boca, ele levou a mão até o meu rosto. Me esforcei para manter os olhos bem abertos. passou o cabelo atrás da minha orelha de um jeito carinhoso e eu sorri, roubando um selinho dele. Ele sorriu mais ainda - se possível - e passou uma mão na minha cintura, me apertando contra si. Iniciamos outro beijo, até que meu relógio apitou e pausamos o beijo, para ele perguntar que horas eram.
- Sete horas - eu disse, sem me preocupar muito com isso por fora, mas por dentro, uma vozinha me dizia que ele iria embora.
- Nós podemos ver um filme? - mas não foi.
- V-vamos... Aqui em casa? - tropecei nas palavras, piscando tão rápido que eu poderia ter adquirido Síndrome de Tourette. Já disse que ele perto demais era um perigo para mim. respondeu me dando um beijo e murmurando a afirmativa.
Nem é preciso dizer que, de tanta alegria, eu mal dormi aquela noite, né?
Bom, mesmo, porque eu não diria.
Capítulo 19 Primeiro a voz de Collin soou abafada, como se ele estivesse através de um vidro. Depois eu percebi que eu estava sonhando, e um terceiro pensamento me atingiu de súbito. Collin estava me acordando com a técnica de sacudir os ombros.
- Sai daqui, Col! - falei o mais alto que pude, surpresa com o quão rouca minha voz conseguia ser. Virei o corpo para o outro lado, os olhos entreabertos.
- Da próxima te deixo perder a aula, ingrata - ele devolveu, a voz tão irada quanto seu rosto devia estar.
Coloquei o travesseiro por cima da cabeça e fechei os olhos antes que pudesse ficar arrependida e pedir desculpa.
- Ninguém mandou não sair da casa dos pais - murmurei assim que ouvi seus passos longe o suficiente.
- Se eu saísse, não ganharia meu carro... Novinho! - em seguida, ouvi barulho de chaves. - Um Veloster.
Abri os olhos imediatamente. Era esse o carro que eu queria. Por que meus pais, tendo conhecimento sobre o caso, o dariam para Collin? Sentei na cama, olhando na direção da porta, mas o maldito já estava rindo e a fechando.
Suspirei, desolada, lembrando então da tarde anterior e entendendo como tudo fazia sentido. Meus pais sumiram e Collin também. O motivo era a compra do carro. Enquanto isso eu estava com em casa.
Por mim, tudo bem.
Suspirei longamente, decididamente mais feliz.
Conferi o celular logo após desativar o despertador e acabar com aquele barulho insuportável.
Quando desci, já pronta, Collin estava na sala vendo televisão. Reparei no anel no dedo da mão direita dele e me perguntei o que mais poderia ter dado certo na vida dele que não deu na minha. Sentei ao lado dele, sorrindo com interesse.
- Alguém se deu bem - Col disse de repente, obviamente se referindo à mim. Quer dizer, ele não podia estar se exibindo mais, podia? Limitei-me a uma olhada de soslaio, desejando que ele não tivesse instalado uma câmera escondida na casa ou na minha testa. - Eu sempre saberei, .
Impressão minha ou a voz dele soou mais cúmplice? Resolvi garantir o momento de paz, crente de que ele estava finalmente amadurecendo.
- Trégua por hoje? - recebi um olhar desconfiado. Ergui as mãos na altura dos ombros. - Eu preciso de carona no meu carro preferido.
O sol já estava se pondo, portanto já devia ser quase oito horas, mas as pessoas estavam só começando a pular na piscina de . A festa - reunião, segundo ele - fora regada a bebida, música e a piscina desde que saímos da escola.
estava lá, parecendo um surfista desligado da vida, os pés na água e uma garrafa de alcoólico na mão. Cerveja. Perto demais de mim, ocorria uma disputa por uma bola de vôlei molhada e do outro lado, sentada em uma cadeira a um passo da água, falava ao celular e ainda ameaçava caso alguém molhasse seu celular.
- O mais engraçado é que ela está com o celular desde que o saiu para comprar mais bebidas - apontou e eu ri, entendendo onde ele queria chegar. Estávamos os dois na piscina. - Adivinha com quem ela está falando...
- Vamos jogar água nela? - completei, intencionada a molhar os pés dela.
- Suas ideias me surpreendem! - mal ele terminou de falar e fez um torrencial de água para cima dela, que molhou completamente o cabelo (ela não tinha mergulhado), mas salvou o celular.
- Ah, seus cretinos! - isso foi um berro estridente, não uma exclamação comum.
- Te amo, - falou alto, já que ela se levantava para sair de perto.
Me forcei a dar um sorriso. Qual o meu problema, eu tenho ciúme de platônico agora? Tentei por na minha cabeça que eu e o tínhamos nos beijado e só uma vez, o que não me dava - por mais que eu quisesse - permissão para mandar na vida dele.
Mas a falta de presença dele desde então estava me matando.
Quer dizer, se ele só quisesse só um beijo, não era melhor avisar antes, que aí eu não ficaria esperando? E, pior, sentindo ciúmes de uma brincadeira com minha amiga. Obrigada.
- Gente, estou morrendo de frio, vou sair daqui - comecei a me dirigir às escadas, quando notei que estava batendo os dentes.
- Espera aí, . Também já vou sair - falou, de alguma forma me confortando. Subi as escadas e peguei uma toalha que repousava nas costas de . Fui para uma roda onde uma galera fumava um narguilé estranho, com cheiro de chocolate.
- Seus frescos - eu ainda ouvi falando. Até tinha esquecido que ela estava lá. Mas aí eu vi que ela estava mais colada ao do que nunca e despreocupei, contente que os dois pudessem finalmente se acertar.
E aí eu me sentei ali, meio longe, meio perto da piscina. se sentou ao meu lado e ficou cutucando meu relógio, provavelmente tentando entender o funcionamento dele. Tentei não prestar atenção nele, a ponto de pegar o isqueiro de um menino fumante à minha direita e brincar de acender e assoprar o fogo produzido pelo isqueiro.
- Então, , você não fuma, mesmo? - o menino ao meu lado, acho que Glen, perguntou.
- Não, obrigada - dei um sorrisinho falso, discordando com um aceno quase discreto de cabeça.
- Muito melhor - e foi isso. Foi tudo que disse. Deu um sorrisinho para mim também, mas eu, já revoltada, não falei nada de volta. Apreciei aquele sorriso lindo e cretino.
- Vamos jogar poker! - propôs, parecendo mais animado e ergueu as mãos, repentinamente animado:
- Vamos! Vai lá pegar as fichas. Vou achar um parceiro.
Respirei fundo, fazendo o maior esforço possível para achar graça o suficiente no isqueiro e não jogá-lo com ódio na piscina. Quinze minutos depois, enquanto um grupo de meninos extasiados jogava e bebia a alguns metros de mim, acabei me desligando do isqueiro. Saí da mesa do narguilé e fui para uma espécie de quarto extra que havia perto da área de lazer. O notebook de foi levado para lá, então minha intenção inicial era mudar de música ou ver se eu descobria onde os pais dele estavam para acabar logo com aquela farra. No fim das contas, fui para o sofá, afim de relaxar.
Mas de tanto relaxar eu acabei dormindo. Quem me acordou foi a e eu dei graças a Deus por não ter babado, porque já tinha sido vergonha o suficiente.
- Acorda, preguiça. Ou esqueceu que eu vou dormir na sua casa?
- Não, claro que não... Que horas são? - nem lembrei que eu tinha relógio. Ela olhou no meu e respondeu:
- Quase duas horas - meus olhos se escancararam num sobressalto. Não era possível. - O vai levar a gente, então eu já vim te acordar para você não pagar nenhum mico de sono.
Achei essa uma atitude que seria mais legal ainda se me acordasse umas quatro horas antes, da próxima.
- Ah... Mas por que o não vai nos levar? - cá para nós, o morava na minha rua. Uns vinte quarteirões para baixo, mas ainda era na minha rua!
- O ficou bêbado demais e vai dormir aqui - ela disse meio que com desgosto.
se levantou e foi para o computador e, pela cor da tela, era uma rede social.
Eu estava esfregando os olhos quando aquela voz invadiu sem respeito meus tímpanos:
- Vamos, então?
Até parei de esfregar os olhos. Poxa, isso é que é ter presença.
Pois bem, nos despedimos das pessoas restantes e seguimos até a Evoque. Qual não foi minha surpresa quando também entrou na porta de trás e na porta da frente entrou uma tal de Kylie, que eu conhecia de nome graças às minhas ex-líderes de torcida. Ela foi a primeira a descer, mesmo que minha casa fosse relativamente perto da de .
Deixada a intrometida em casa, perguntou:
- E aí, quem vem para a frente? Não ser o motorista, vou?
- Você quer ir, ?
- Por mim tanto faz - por mim, eu ia de primeira, mas estava tentando ser um pouquinho menos previsível.
- Pode ir, gatinha - brincou, me induzindo a ir para a frente.
Antes que ela desistisse de me arranjar e fosse ela mesma para o banco da frente, abri a porta e saltei do carro, trocando de lugar.
- E agora, para a casa de quem?
Eu afivelava o cinto.
- Minha casa - informei-o, pegando o celular enquanto ele dava a partida. Expliquei. - A combinou comigo de dormir lá.
- Ah, eu lembro onde é - deu uma olhada rápida para mim. Tão rápida que só tive tempo de sorrir.
Quando ele voltou a prestar atenção no trânsito, apertou uma gordurinha no meu braço, o que já me deu até noção da expressão em seu rosto. Fingi que não senti.
A conversa no carro até que foi agradável, eu tive minhas chances de comentários e lógico que não desprezei nenhuma. Assim que chegamos em casa, chaves a postos, coloquei a bolsa no ombro e depois de uma olhada rápida em , percebi que não aconteceria nada ali.
Como já estava com raiva da falta de iniciativa de a noite toda, saltei do carro e me despedi dele com um aceno singelo. Para o meu espanto, ele também não parecia muito feliz.
E a parte tensa ainda estava para chegar. Eu e ficamos vendo TV até umas cinco da manhã, quando nossos olhos começaram a fechar involuntariamente e resolvemos migrar para o meu quarto. Eu já pegava outro edredom para e também meu celular para colocar um alarme. Pegaria, se eu o encontrasse.
- Hein? - era .
- Cadê meu celular? Você viu?
- Ué, não está com você? - ela começou a procurar na minha bolsa. Saí do quarto para discar do número de casa.
- Não... - respondi só na hora que voltei, com o telefone sem fio na mão, ligando para o meu número. Eu sabia que a bateria dele não estava muito carregada, o que me preocupava.
- Ih...
- Que foi? - perguntei, com medo da resposta.
- Acho que você esqueceu com alguém... Só pode.
Fitei-a com a maior cara de desespero. Não, não, não. Diz que não. Não é possível. Não eu! - Pode ter ficado no carro do - concluí, cabisbaixa.
Ela respondeu com simplicidade, e eu comecei a imaginar coisas que nunca teria conseguido criar antes de ver seu sorriso malandro.
- Liga para ele, então.
Fui tão séria quanto possível.
- Não dá, não decorei o número dele.
- Ah, liga para o ! - brilhante! E aí a babaca aqui foi procurar o celular para discar o número do , no maior estilo eu-funciono-automaticamente, antes de lembrar que o celular era exatamente o que eu não tinha.
- Não decorei o número dele - momentos de silêncio. Minha cabeça a mil e meu córtex quase pifando. - Ah, liga para o , depois pede o número do . Pronto.
- O deve estar dormindo, ele entra em coma quando dorme. Ainda mais bêbado.
Senti o mundo amassando meus ombros ao me dar conta de que era verdade.
- Certo, então liga para a , pede o número do e dele, o do .
- Puta que pariu. Mais fácil da pedir o do , né, . Ele pelo menos deve estar acordado - juro que nossa conversa foi assim, a mais babaca possível. Mas é que a não tinha o número dos meninos, só do . Que coincidência.
- É, é, pode ser. Mas liga - e aí eu passei o telefone sem fio para ela não gastar os créditos.
- ? Oi, meu amor, te acordei? - usava sua voz mais gentil. - É, é... Não, não desliga! Olha, você tem o número do ? - silêncio... - Fala para mim? - mais silêncio. - Obrigada, linda. Boa noite.
- Não sei como ela não te matou - assumi.
Nem liguei de parecer invejosa.
- Ah, fala sério, sou eu.
- Grande bosta. Dá aí o número do - mal tive o número em mãos, já liguei.
- Oi? - falei quando ele atendeu. Atendeu na segunda chamada, já estava quase caindo de novo. - ?
- Alô - a voz sonolenta e elegante dele atendeu ao celular. - ?
- É, sou eu. Olha, descuuuuulpa por te acordar, desculpa mesmo, mas... Você tem o número do ? - direta, eu? Ainda bem que estava com sono e não funcionando direito, senão ia achar que eu tinha retardo mental e paixonite aguda. Longe de mim.
- Do ? Para que você quer o número dele?
- Eu perdi meu celular e tenho quase certeza que deixei no carro dele...
O pior era a crescente certeza de que não ia colar.
- Ah... Calma, vou pegar, então.
Por mais que tivesse concordado em passar o número, não parecia ter acreditado na história.
- , você está bêbado?
- A essa hora? - a resposta veio ácida o suficiente para me fazer ficar quieta.
- Obrigada - só agradeci depois que ele passou o número. - Desculpa, desculpa mesmo. E boa noite.
Desliguei.
- E agora, ligar para o gato do ? - me provocou e, ao invés de ficar com raiva, eu ri.
- Claro! - mas depois que a ligação caiu, eu pensei melhor. - Melhor tentar no meu celular também.
- Claro, claro.
E lá fui eu ligar para o . Só que ele não atendeu o celular, assim como não atendeu nenhuma ligação no meu. Por um lado, achei bom, afinal ele não poderia me matar por acordá-lo às cinco da manhã.
Tudo bem, ficara decidido que no dia seguinte eu ligaria de novo. Isso porque eu e resolvemos dormir quando o sol já estava nascendo.
Collin, o mais insensível do mundo, socava a porta. Alguém precisava avisá-lo que não era porque ele tinha ganhado meu carro dos sonhos, que podia agir como um idiota.
Conferi o rádio relógio, marcava quase três e meia da tarde. não parecia ter se mexido ao meu lado.
Enfim, começaram os berros. Sentei na cama com pressa, mesmo que meio zonza. Adiantei-me a abrir a porta, apertando os olhos por causa da luz de fora.
- O que foi? - perguntei, com a voz ainda rouca pela falta de uso.
- Tem um cara está aí fora com seu celular, vai lá pegar - Collin falou, deu as costas e saiu.
- QUEM? - eu percebi que berrei, e minha voz falhou.
- Disse que chama . Eu não vou lá pegar o celular.
Onde será que o momento trégua tinha ido parar?
Voltei para o quarto arfando. já tinha aberto a janela e me encarava meio pasma.
- Ele está aí fora, dá para ver o carro dele - sua expressão era confusa.
- Ah, jura? - não deu para evitar ser sarcástica. Corri para o banheiro para pelo menos enxaguar a boca.
- O que você vai fazer agora?
agitava atrás de mim, não controlando o próprio nervoso e me deixando extremamente ansiosa. - , ele está lá fora! Ai, Cristo.
E eu lá, abrindo tão pacientemente quanto possível o Listerine e jogando na boca. Virei o produto com tanta pressa que um pouco escapou e eu engasguei.
Fechei os olhos, sentindo as lágrimas escaparem, desesperada com aquele gosto forte ardendo na minha garganta. A - que por sinal já acorda bonita - reclamando que estava horrorosa e eu lá, engasgada, até que ela se tocou e se afobou mais ainda.
Um minuto depois, me recompus.
- Pronto, estou pronta para outra - pura mentira. Só minto nessa vida. Prendi o cabelo de qualquer jeito, corri para passar um adstringente no rosto, crendo que conseguiria tirar a maquiagem que eu não quis tirar na noite anterior, e corri para descer as escadas. Minha escudeira veio atrás de mim.
- Oi, - só depois que abri a porta da sala, me toquei que estava de pijamas. Peguei um moletom cinza que estava jogado no sofá da sala e vesti enquanto chegava à porta da entrada. - ... Então, né... - mostrou o celular, agitando-o na altura do ombro.
Sorri entre os lábios, contente por tê-lo encontrado. Nem conseguia encarar nos olhos de vergonha, então olhei para baixo e reparei na minha calça do pijama estampada com a cabeça do Mickey. Não dava para piorar.
- Ah, obrigada por trazer meu celular. Acordei todo mundo ontem para pegar seu número. Digo, para descobrir onde ele estava.
- Então foi você quem me ligou? - passou a mão na nuca, ainda sem entregar o celular na minha mão. - Pensei mesmo que fosse, era o mesmo número
Comecei a puxar o moletom para baixo, tentando esconder um pedaço da calça.
- É...
- Mas que bom que estava com você - interveio. - Imagina se tivesse ficado com aquele Glen drogado. Ia ser péssimo.
- É, você pelo menos cuidou bem dele - adicionei.
- Eu, não. Meu carro - ele riu e apontou para trás.
Tentei não pensar em como eu estava a visão do inferno, e ele o completo oposto.
- Mas então, obrigada - eu disse, desejando encerrar a conversa.
Finalmente alguma luz piscou na cabeça dele e estendeu a mão para me devolver o aparelho.
- É... A gente se vê, . Tchau - ele acenou para a garota atrás de mim, nos dando as costas e caminhando em direção à Range Rover preta. Sem nem me dar um beijo na bochecha. Se isso fosse resultado da pegação na minha cozinha...
- , tudo bem? Pelo menos você pegou seu celular.
- Hã? - saí do transe. - É, tudo bem, tudo brilhante... Acabei de lembrar que não tenho ele em nenhuma rede social. E ele está dando partida.
Acompanhei com os olhos enquanto ele sumia da nossa vista. riu.
- Para, . Você é linda e vocês ainda vão ficar, vai ver só. E aquele sorrisinho de canto dele, você não pegou?
- Que sorriso?
- Olha só, que lerda. Depois se perder o cara, não vem falar que a culpa é minha, não.
E ficou por isso.
Moral da história: Acordei todo mundo às cinco da manhã, não ouvi a voz do quando a minha estava sedutora, e no fim ainda apareci dois minutos depois de acordar, praticamente do avesso. E, concluindo que o devolveria de qualquer jeito, foi tudo à toa.
Logo pela manhã, depois de escapar das minhas amigas com uma desculpa acadêmica demais para mim, me infiltrei na sala de Alyssa. Ela falava qualquer coisa na minha orelha e eu já estava vendo a hora de me afogar na minha baba e cair da carteira. Tédio, tédio, voz da Alyssa, tédio, baba, sono, voz da Alyssa, sono, tédio. Que manhã horrível, pensava. Mas aí eu acabei me lembrando que tinha, mesmo, que ser amiga dela e resolvi ter um pouco de consideração pela Alyssa, mesmo que sua voz não fosse das mais alegres.
- Calma, volta. O que, exatamente, aconteceu? - perguntei, saindo da pose derretida na carteira e me sentando numa cadeira de verdade. - Fala com calma. Espera, você está chorando? - nesse momento, arregalei os olhos.
Alyssa era a última pessoa do mundo que eu esperaria capaz de produzir lágrimas.
- Ai, , você não presta atenção em nada, mesmo - senti o coração pesado. O pior era eu nem poder discordar.
- Desculpa, eu estava... Distraída, também arranjei uns problemas - dei a desculpa mais sincera que tinha.
- Hunpf - na verdade, Alyssa deixou escapar um suspiro meio choroso. - Tudo bem, eu posso falar de novo.
- Isso... - e me virei para ela.
- Alguém roubou meu medalhão.
Comecei a pensar na comida, confusa, até que de repente caiu minha ficha.
- Medalhão... Um colar?
- Relicário, . Em formato de coração - pausa para o choro dela. - Era lembrança da minha mãe. De quando ela se foi.
Ah, era lembrança, não herança.
- Ela viajou, ou algo assim?
- Não. Ela morreu, .
As palavras doeram como um punhal, rasgando meus pulmões. Esqueci de respirar por alguns segundos, mais ainda quando lembrei que a culpa era minha. A mãe da Alyssa morreu e a deixou aquilo. E aquela poderia ser sua última lembrança. E eu, euzinha, sumi com o relicário. E soquei na bolsa da Alaina.
Não era mesmo à toa que tinha um cadeado ali. Mas também por que diabos ela tinha que levar aquilo para a escola?
Péssima pessoa. Tentei erguer o corpo para sair correndo, mas me sentei no mesmo segundo. A força que me segurou ali só era maior do que a vontade de me matar porque antes disso eu também desejava matar Alaina.
- Quando ela morreu? - me senti obrigada a perguntar a última coisa que me veio à mente.
- , tudo bem, ela... Morreu quando eu tinha quatro anos. É, tudo bem... - ela disse, controlando o choro. Acho que a minha expressão perturbada a fez se controlar um pouco. Coitada, se ela soubesse...
- Eu sinto muito... Eu... Sinto muito mesmo - falei, realmente sentindo muito pela perda dela, mas também sentindo muito por eu ser tão ridícula como pessoa.
Se eu soubesse, nunca teria feito isso. Eu juro que não teria feito.
- Tudo bem, - Alyssa asserugou-me. Ponderei se ela estava lendo meus pensamentos.
O silêncio dela me assustou.
- O que você pretende fazer? - perguntei, me sentindo desconfortável.
- Chamar a polícia, eu acho... Meu pai me deu essa ideia...
Talvez eu devesse começar a pesquisar se plástico bolha guardava digitais.
- Credo, Lyssa! Morro de medo de policiais - isso era verdade, eu tinha visto uns filmes que me deixaram bem tensa e já havia comentado sobre. - Por que você não fala, não sei, com o diretor?
Ela suspirou e por um segundo, achei que não fosse concordar comigo:
- É, pode ser... - limpou as bochechas com as costas da mão, entortando o canto da boca numa tentativa de sorriso. - Mas só porque eu estou com dó de você. Nunca vi alguém ficar mal assim por mim.
Sorri entre os lábios, incapaz de fazer mais do que isso. Ela nunca diria essas coisas, se soubesse da minha culpa.
Minha consciência pesava cada vez mais.
- Obrigada, está evitando que eu me torne uma psicopata e mate todos os policiais num futuro nem tão próximo... - tentei fazer piada, sem sucesso.
Alyssa deu um sorriso para amenizar. Nem liguei. Estava me sentindo desconfortável demais para ficar no mesmo ambiente que ela, até o a cadeira começava a pinicar. Graças ao gongo, ou à Beth, o sinal tocou. Aproveitei a chance, levantei rápido como um foguete e me despedi.
- Fique bem. Se precisar de mim em aula... - sacudi o celular, dando ênfase. - Se cuida, Samara.
Às vezes eu a chamava assim, porque ela era branquela e seu cabelo era bem preto. Apesar disso, era completamente oposta à branquelinha delicada que não saía de perto de .
Saí da sala com peso na consciência até por chamá-la de Samara, por mais que isso tivesse começado carinhosamente. E ainda fosse carinhoso.
Tudo bem, eu estava quase aceitando que eu nunca iria me livrar daquele peso na consciência só porque absolutamente nada ia mudar o que eu fiz. Nem o fato de aquele medalhão estar na bolsa da Alaina, longe o suficiente, por isso, eu não dever me preocupar em nada.
No meio da aula de literatura, um bilhete pousou na minha mesa. Tinha forma de avião, provavelmente para facilitar o vôo de uma carteira desconhecida até a minha, todo branquinho. Quando o desdobrei, notei que por dentro era azul. Azul de lápis de cor.
Procurei com os olhos algum demente que pudesse usar lápis de cor azul, amarelo e rosa no último ano do colegial. O rosa dava pista de ser menina, mas não era possível simplesmente assumir isso.
Olhei para trás, só para garantir que nenhuma Alaina tinha sido transferida para a minha sala e não, não foi. Tinha uma menina duas fileiras atrás de mim, sorrindo, e eu supus que fosse amiga dela. Supus por implicância, mesmo, mas depois descobri que realmente era.
'Festa na Piscina, na minha casa. Próxima sexta feira à noite'.
Torci o nariz ao concluir que eu nem sabia onde ela morava e que partia de uma certa arrogância admitir isso e... Encontrei o endereço na parte de trás da folha. Lancei uma olhada para trás, dei uma piscada marota confirmando minha presença (eu adoraria se o confirmasse a presença dele nas minhas festas dessa maneira) e ela pareceu ficar contente.
Faltava cerca de meia hora para o almoço acabar quando Alaina surgiu para nos assombrar.
- Bom dia, - eu começava a pensar se ela insistia em me dar 'Bom dia' na hora do almoço só por saber do meu ódio com quem erra as formas de tratamento. Tratar bem os outros é essencial.
- Bom dia, gracinha. Nossa, está com fome, hoje? Ou já é o segundo prato? - arregalei os olhos para o prato dela, que nem estava tão cheio assim. Na verdade, nem estava cheio.
- Não muito... - titubeou. - Esqueci de pegar a salada. Já venho, zinha.
Foi aí que eu percebi que ela decidiu mesmo migrar para a nossa mesa.
- Eu não lembrava de você ter lugar fixo nessa mesa.
Acenei com os dedinhos, para ela, abrindo-os e fechando-os. Assim que ela saiu, bufei.
- Essa é sua cruz, hein - comentou, rindo. Eu dei uma cotovelada fraca nele, em protesto. - Se eu fosse você, eu... - e aí ele falou no meu ouvido a última técnica em irritar Alainas.
Todos na mesa, incluindo pararam tudo o que faziam para prestar atenção em nós.
- Pode agora? - eu estava tentando não cometer o erro de olhar para trás, na direção da fila do almoço. o fez por mim e me garantiu que a barra estava limpa.
Nossas mesas tinham potinhos de sal e palito de dente. Animada com a oportunidade de expulsar ou pelo menos intimidar Alaina, peguei um potinho de sal e abri a tampa. Deixei assim, frouxa, de modo que, quando alguém virasse, caísse todo o sal.
Eu ia deixar só assim, porque fazê-la ter que sair da mesa por mais tempo e pegar uma salada nova já estava bom o suficiente, mas aí eu , a bigorna a destruir minha vida, apontou outro potinho de sal no outro canto da mesa, que era um pouco extensa. Ele mesmo trocou as tampinhas de sal e palito de dente. Ele deixou duas de sal perto do lugar que Alaina tinha se atrevido a sentar das outras vezes.
- Ai, demorei, né? - enquanto eu devolvia o potinho de palito de dente, ela chegou. - Aquela fila estava enorme. Bando de esfomeados que precisam repetir o almoço!
Todo mundo ficou em silêncio. Provavelmente estavam todos rindo mentalmente, imaginando a cena que, na verdade, nem demorou a chegar.
- E essa salada? Sempre sem sal... - reclamou depois de provar um pouquinho da salada.
E aí ela pegou o potinho que tinha a tampa de sal e o virou.
O sal voou todo na salada de cenoura e beterraba, enquanto a sua boca soltava um barulho parecido com um esquilo engasgado.
- MEU DEUS - sim, isso foi ela. - SAL! , SUA VADIA! - abri mais ainda os olhos, me dando por inocente e parecendo também surpresa com aquela situação. Surpresa na medida do possível.
- Vadia não, Alaina, se controla - interveio, mas eu não aguentei e minha voz soou logo após, encarando-a com meu melhor olhar sarcástico, a sobrancelha arqueada.
- Precisa me culpar até por falhar com o sal, Alainazinha? - até empurrei um pouco meu prato para a frente, ocupando-me de modo a me distrair de terminar a frase. Porque se fosse para completá-la, eu diria um 'porque me culpar por falhar com o , você já culpou, o que mais falta?'.
Basicamente, eu não falei isso porque o dito cujo estava na minha frente.
- Vai se ferrar, - percebi que Alaina estava um pouco mais irritada do que eu pretendia.
Depois do barraco armado, me toquei que não tinha volta quando ela se levantou, os olhos ardendo na minha testa, segurou o prato da salada e não pansou duas vezes antes de virá-lo em cima de mim.
- CRISTO!
No meu rosto! MEUS OLHOS! Jogou na minha cara e saiu do refeitório, como se não fosse com ela!
- Pelo menos a anorexia está em dia, Alaina - berrou, referindo-se ao prato que ela largou cheio.
Eu já estava começando a ficar irritada com a mania das pessoas de jogar comida no meu rosto.
Enquanto um terço da população do refeitório ria da minha humilhação, as duas outras metades se dividiam entre o choque e o ódio no olhar para Alaina. Bom, eu esperava que sim, porque não pude destrancar as pálpebras até chegar ao banheiro - que ainda demorou um pouquinho - e só pude ouvir as coisas. Ver, mesmo, foi só depois de muita água.
Se antes eu ponderava sobre tirar aquele medalhão da bolsa da Alaina, agora eu não tinha dúvidas quanto a deixá-lo lá. Alaina, sem dúvida, merecia uma surra da Alyssa. Uma, duas, três, quantas eu pudesse fazê-la apanhar.
Eu esperava que isso a ensinasse a parar de mexer com uma . E eu faria isso ainda naquele dia. No treino.
Cantarolando mentalmente uma música da Taylor Swift, 'Você pertence a miiiiim', só para me acalmar, fiz meu caminho até o vestiário feminino. A hora perfeita se apresentou quando eu menos esperava ter alguém ali. Ainda era cedo demais para alguma menina estar lá, o treino dos meninos nem estava na metade.
Uma bolsa conhecida jazia no banco. Alguém estava ali, o que significava que eu não teria paz. Inspirei fundo, dando uma olhada pelo vestiário e constatando que aquela pessoa tomava banho.
Voltei para a bolsa, enfiando minha linda mão lá sem vergonha nem medo de ser pega. Pelo menos no vestiário eu sabia que não podia ter câmera. Tirei o embrulho da parte escondida e o coloquei meio que por cima de tudo, na bolsa. Não fechei o zíper, contudo. Já não estava fechado quando eu cheguei. Ponto para mim. Embora fosse bom sinal, o embrulho ainda estava meio escondido.
Para me livrar da lista de suspeitos, saí do vestiário e esperei no banco do lado de fora, ao lado do bebedouro, e fiquei jogando no celular até que Alyssa chegasse para nos arrumarmos. Depois de muita insistência da minha parte, Alyssa tinha concordado que faríamos pelo menos o alongamento juntas.
- Demorei muito? - não tive tempo de responder, ela voltou a falar. - Eu tinha ido falar com o diretor.
- Sobre o colar? - perguntei, esperando não transparecer o medo na minha voz. Todos os medos do mundo deram as caras.
- É. Ele falou que vai tomar as providências necessárias - e aí ela imitou a voz dele. Parecia bem mais confiante e eu me perguntava se o diretor tinha mencionado os métodos de encontrar um colar.
- Legal, tomara que ele faça alguma coisa. Vamos entrar logo? Ainda preciso me trocar, e alguém já atrasou o suficiente.
Conferi o relógio. Ainda tínhamos 20 minutos até que a nossa aula começasse.
- Sei, gastou muito tempo me esperando e jogando Snake no celular? - Alyssa perguntou com ironia, enquanto eu me levantava para nos trocarmos.
E ali estava Alaina, secando o cabelo e colocando a roupa para ir embora. , e deviam estar para chegar, então não me preocupei.
- Oi, Alaina - segurei o ímpeto de me dar um tapa no rosto por ter esquecido que as duas se cumprimentavam normalmente.
- Boa noite, Alyssa! - a outra devolveu, animada. E erroneamente. Nosso treino começava às 17h, não às 19h.
- Alyssa, você pode pegar uma toalha para mim? - eu pedi meio alheia, enquanto tirava a blusa. Ela concordou com um barulho indefinível e depois de alguns passos, ouvi algo pesado bater contra o chão.
Quer dizer, parecia algo pesado, então para me certificar que não era nenhuma das duas fazendo brincando de strike - vai que gostaram da brincadeira -, olhei atrás de mim. Qual não foi minha surpresa ao perceber a bolsa de Alaina no chão. Virada para baixo.
- Me desculpa! Já pego para você - Lyssa disse toda arrependida, indo pegar a bolsa, ao mesmo tempo em que Alaina fazia o mesmo. - Não, pode deixar que eu pego.
A loira ficou meio tensa, mas eu sabia que não era por causa do colar. Ela nem sabia do colar, prova que ainda estava no compartimento que eu tinha colocado. Ficou tensa porque provavelmente era metida demais para deixar qualquer pessoa tocar suas coisas.
Na hora que Alyssa puxou a bolsa de volta, algo caiu. Foi óbvio demais. O destino me ajudou sem o mínimo de vergonha na cara.
- Alyssa... - tentei falar, meu queixo caindo de surpresa com minha sorte.
Podia jurar como ela não ouviu nada do que eu falei. Ou sussurrei. Ou pensei.
- Alaina, o que é isso? - Alyssa perguntou, ainda meio perdida. QUE LESMA. Eu já estava entrando em colapso, ao perceber que a partir daquele momento não tinha mais volta! Ela olhou com ódio na direção de Alaina no momento em que pegou e decodificou o que era aquele embrulho em plástico bolha. - Alaina. Sua...
- O que é? - seria pecado falar que ela terminou essa frase.
Alaina nem conseguiu dizer o 'que' completo. Alyssa voou em cima dela.
- Meu relicário... Sua... SUA... SUA VADIA MAL COMIDA E INESCRUPULOSA!
E começou puxando os cabelos dela para trás, o que fez com que ela não pudesse mover a cabeça. Mas gritasse e agitasse as mãos.
Eu encarava em choque, a cena, incapaz de me mover, enquanto Alaina tomava uns bons tapas na cara.
- SOCORRO - era tudo o que Alaina gritava repetitiva e incansavelmente.
- ESPERO QUE A PARTIR DE AGORA VOCÊ APRENDA QUE NÃO SE ROUBA - e aí veio um soco na barriga dela, e eu comecei a achar que Alyssa tivesse feito aulas de autodefesa (seria por isso que o disse que não acreditava com quem eu tinha mexido?) - NÃO SE JOGA SALADA NA CARA DA - com essa parte, quase chorei de emoção. Mentalmente, porque eu ainda estava estática. Alaina levou uma unhada forte no rosto, mas por mais que aquilo parecesse ter doído na alma, não se arriscou a devolver. - E NÃO SE MEXE NAS COISAS DE ALYSSA BENTHERFIELD.
- MEU DEUS, O QUE ESTÁ HAVENDO AQUI? - nesse instante, apareceram duas meninas. Uma era , outra . Eu não percebi a expressão delas ao ver Alaina tomando uma surra, mas percebi que a primeira veio na minha direção:
- , você está bem? Você está pálida, céus! - ela dizia, enquanto eu retomava os sentidos motores.
- Eu... Elas... Estão brigando - e a culpa era minha. Só minha.
- Sim, estão, mas a vai separá-las, ela sabe o que fazer - percebi que ela falava tudo devagar, com calma, preocupada comigo. - Vem, vamos sair daqui.
Coitada da , achou que eu tinha ficado em choque. Não que eu não estivesse, mas... Certamente não pelo motivo esperado.
Aliás, nem se eu tivesse programado aquela tarde, teria dado tão certo. Quer dizer, não deu nada certo, mas ainda assim... Deu tudo certo. De um ponto de vista bem desumano, mas deu.
Com tanta confusão, não tivemos treino naquele dia, e concluí que o melhor seria, no dia seguinte, manter a postura assustada. Porque eu fui parar na mesa do diretor.
- Eu juro, eu não me lembro de quase nada! - eu falava pela terceira vez ao diretor, com ar de súplica. - Eu e a Alyssa chegamos ao vestiário e na hora que eu pedi uma toalha para Alyssa, foi... Foi tudo rápido, nem eu entendi direito... E aí elas estavam no chão e a Alaina berrava - mal eu terminei de falar e Alyssa abriu a boca.
- Diretor, ela não tem nada a ver com isso. A menina ficou em estado de choque, você não vê? - provavelmente ele via, mas preferia ignorar.
E eu tinha esperanças de estar enganando bem, por mais que uma parte do meu cérebro tivesse mesmo sido severamente comprometida pela culpa.
- Alyssa, espere a sua vez de falar - a voz austera do diretor cortou todas as nossas falas desconexas. - . Você viu o medalhão? É uma coisa importante, o que temos a resolver aqui.
- Vi... - e aí eu olhei ao meu redor, só para encontrar Alaina e Alyssa. Nenhuma me olhava diretamente nos olhos.
Resolvi fazer a lunática.
- Mas só vi quando a Lyssa falou. E aí eu não entendi. Elas... Começaram a brigar. Foi horrível - comecei a repetir tudo que já tinha dito.
- Tudo bem, - o diretor tentou encurtar a história. - Essa parte nós entendemos. Agora me responda. Você viu o medalhão na bolsa da Alaina?
- Diretor, claro que estava na bolsa dela! - Alyssa disse, cheia de garra, mas se conteve depois do olhar do diretor.
- Da Alaina? Eu não chego nem perto, diretor - continuei na minha pose lunática, com os olhos levemente desfocados, levemente atordoados. - Ela me ameaçou quando precisei pegar na bolsa dela. E eu só ia mudá-la de lugar... e fiz a dissimulada, também, ocultando, claro, minhas desavenças com Alaina, ou eu podia ser vista como suspeita. - Então eu sigo as regras dela. Não quero mais encrenca...
Ok, pode parecer falso, mas nessa hora eu fiz a voz de perturbada e assustada e pareceu comover todos ao meu redor.
Exceto Alaina, que fez a louca. Para quem nem parecia estar ali, fiquei surpresa com a reação dela.
- O quê? Essa menina ficou louca, diretor! Eu nunca faria isso, eu sou um anjo de menina. Eu sempre tive os melhroes namorados, ela sempre morreu de inveja de mim. Ela quer me incriminar! Aposto que foi ela quem fez isso, essa louca! - Alaina, basta! - mas só depois que ela falou tudo, ele falou 'Basta'. Achei oportuno demais.
Ela sossegou um pouco na cadeira, apesar de emburrada.
- A acusação sobre é grave, Alaina. Tem certeza que deseja acusá-la de algo que está tão na cara ter sido sua culpa? E ainda sabendo do seu histórico? - ela ficou em silêncio. Ele prosseguiu, os olhos brilhando com... Maldade. - Até porque, a senhorita lembra o que lhe informamos, não? Assim que a história de roubo de jóias se repetisse, sua punição seria mais grave.
Ficamos todas em silêncio. Então Alaina já tinha roubado jóias antes? E pior, sido pega?
- Você não quer entrar nos detalhes disso. É pessoal - Alaina disse, a voz baixa, mas firme.
- Então não entremos em acusações de cunho irrelevante, Senhorita Cooper - ele disse, olhando para ela.
Acho que essa informação também pegou Alyssa de surpresa. Para mim serviu mais como brinde. Isso ajudaria muito a tornar a culpa dela algo irrefutável. Não que eu pretendesse incriminá-la nem nada do tipo, mas só então me dei conta de como eu não queria uma coisa dessas no meu currículo.
- , está liberada. Desculpe o incômodo e se precisar de qualquer coisa... - ele pareceu lutar com os próprios pensamentos por um tempo. - Melhor, espere no corredor, sim?
Demorei alguns segundos até entender, o que acabou ajudando mesmo sem querer a provar meu estado de choque.
- Ah, sim. Ok - fui até a porta e a fechei tão calma quanto consegui.
O resto do que sei, é o que Alyssa me contou. Alaina tinha levado uma advertência, parecia que o diretor iria até a casa dela conversar com seus pais, e eu teria algumas visitas na psicóloga do colégio, enquanto Alyssa recuperava o medalhão.
O aconselhamento a acompanhar uma psicóloga foi dito somente a mim. Depois que as duas saíram, o diretor me chamou de novo e sugeriu que eu desse uma passada lá, se preciso. Mas o 'se preciso' dele soava mais como 'é preciso'. Seu sorriso era um pouco preocupado.
Eu também estava um pouco preocupada. Para mim estava ótimo quando a minha vida só girava em torno do e das minhas desilusões e tropeços desastrosos em público. Como dizem, eu era feliz e não sabia.
Guardei o cartão dos horários da psicóloga no bolso de trás da calça, sem a menor intenção de realmente comparecer lá e fui ao estacionamento. já estava do lado de fora do conversível ocre, conversando com . Respirei fundo antes de chegar até eles.
- Ei, . Como foi com o diretor? - perguntou. - Falou da salada?
Então ele não sabia. Contei aos dois rapidamente a história do medalhão, partindo do teatro que eu fiz mais cedo.
- Nenhum problema para mim, mas para Alaina... - ergui uma sobrancelha, parecendo chocada ao olhar para . Ele torceu o nariz ao ouvir o nome dela e deu um passo na minha direção.
- Já tenho que ir embora, o treino foi cansativo hoje - passou a mão na minha cintura e, me apertando levemente contra ele, me deu um beijo estalado na bochecha, indo embora. - E, ei - estando alguns passos distante de nós, ele se virou, falando com . - Não esquece de falar da festa.
O outro ergueu a mão, confirmando com um gesto que o faria.
- O me contou de vocês - só falou quando ele já estava longe o suficiente, quase entrando no carro.
Sorri feito besta, claro. Mas por dentro, alguma coisa me dizia que aquele era meio louco. Uma hora nem ligava, na outra vinha atrás... E por mais que eu pensasse que só devia aproveitar, não dava para ficar totalmente traquila.
- Que festa é essa? - eu já tinha esquecido da festa da garota duas fileiras atrás de mim.
- A Tara.
Pulou para dentro do carro e eu, mesmo estando de calça, tomei cuidado. Ele leu a expressão confusa no meu rosto.
- A do aviãozinho, na sala - explicou, dando partida no carro enquanto eu passava o cinto.
Depois de algum tempo observando as imagens passarem rápido demais pela janela, não consegui não abrir a boca.
- O que que esse menino tem?
- Ele é bonito demais para você? - riu, lembrando de ligar o rádio.
- Não é isso... Ei! - fiz-me ultrajada.
- Então, qual o problema?
Eu olhei torto para ele, não sabendo por onde começar a responder à pergunta.
- Sei lá, o que custava, por exemplo, ele falar que me pegava para a festa? - perguntei.
- A dignidade dele?
Ergui a sobrancelha como quem diz 'Sério?', e ele riu.
- Faça um favor ao planeta Terra e pare de existir - eu pedi, abrindo o porta luvas e colocando os óculos de sol dele que eu gostava tanto. - Aliás... - e aí ele olhou para mim. - Eu venci a aposta.
Capítulo 20 - Está bem, vamos recapitular isso... Você e o ... - começou, apertando a minha almofada contra o próprio corpo.
- Ficaram - e terminou. Estava de bruços na minha cama. Eu estava de frente para elas, no chão.
- Exatamente a uma semana atrás, na quarta feira.
- E só ficamos sabendo hoje - parecia frustrada.
- Porque você é frouxa e não quis contar antes - de novo.
Bati palmas do chão, cuidando para que o sorvete no meu colo não caísse.
- Estão bem ensaiadas! Ok, ok, não me batam. O caso é... - segurei a respiração um segundo. - Ih, eu tenho uma coisa para contar a vocês. Mas vocês têm que prometer não contar à . É sério.
O clima ficou tenso. Todo mundo devia estar achando que eu ia falar mal dela, a julgar por essa frase. Mas não.
Falei da felicidade que senti ao ficar com . Falei das vezes em que recusei seus beijos mesmo sem querer, dos caqui... Falei tudo.
- Não vou te bater, apesar de você merecer por ter escondido essas informações. Nem vou falar para a , prometo - fez cruz com os dedos e beijou. - Embora ela fosse ficar muito feliz por você - .
- É, porque querendo ou não, uma hora vocês vão voltar a se falar - .
Repliquei:
- Eu sei que ela ia querer saber, mas esse é um passo que eu ainda não estou pronta para dar. Retomar nossa amizade assim, antes que eu esteja pronta, pode não ser nem saudável - suspirei, percebendo os olhos delas tristes. - Eu fiquei com o , mas nem é nada tão certo assim. Quem garante que ela vai ficar feliz por mim?
- Bom, ela se resolveu com o , ao que parece. Eles pareciam felizes, pelo menos... - avaliou.
- E eu estou imensamente feliz por ela - garanti-lhes. - Na verdade, eu espero que a gente possa voltar a se falar logo. Vocês acham que eu não estou louca para surtar com ela sobre o ?
Isso pareceu sossegá-las por um tempo.
- Aliás, vocês sabem o que a estava aprontando contra mim, aquele dia? - tive que perguntar, foi mais forte que eu.
As duas se olharam com cara de quem não entendeu nada e aí uma luz iluminou o cérebro da .
- Ah, ela não quis contar para nós.
- Como assim? - a essa altura, eu lembrava que tinha um pote de sorvete no meu colo e enfiava a colher para pegar mais um pouco.
- É, ela achou que a gente fosse te contar - devolveu. estava em silêncio, parecia meio desligada. - Então, não nos disse.
- Mas eu acho que eu sei o que é. Algo me diz que aquele 'fala para ela tomar cuidado', era do tipo uma ameaça, e não um aviso, sabe? - sempre fala as coisas que eu quero ouvir, quase agradeci.
- Bem que podia ser isso...
- Mas é verdade, . Na aula de redação, a professora comentou sobre isso - eu fiz cara de interrogação. - Não sobre a Alaina e a , claro, mas sobre essa coisa de 'O significado das frases ser contextual' e que 'Uma mesma frase pode ter diferentes significados dependendo do contexto em que está inserida'.
- Uau, você decorou isso? - disse de um jeito que parecia mais uma afirmação do que uma pergunta surpresa.
- Sim, vou ter prova amanhã. Veio a calhar.
- É... Estava meio no contexto errado, mesmo. E eu não li a conversa toda, não deu tempo - comecei a pensar sob outro ângulo. - Espera. Você disse prova?
Eu estava ferrada.
- Aposto que alguém não estudou os assuntos - disse, rindo de mim e da minha cara.
- Claro que não estudei. Minha cabeça ficou na lua com tanta coisa acontecendo. E essa coisa da Alaina agora...
As duas pareceram abatidas quando eu trouxe esse assunto à tona.
- Não vamos pensar em coisas tensas. Sabe o que eu acabei de lembrar? - disse, rindo sozinha. - Aquele dia do trabalho de eletrização de partículas. Ano passado!
- Hã? Como? Mas você nem era da minha sala, como você lembra disso? - eu reclamei, sentindo vergonha por antecipação.
- A me contou tudo! - ela respondeu, com ar de pompa. Nisso, ela não mudou.
- O que, gente? - perguntou, meio perdida. Perdida, óbvio, porque isso aconteceu na primeira metade do ano e ela chegou ao nosso grupo na segunda.
- Uma vez... - puxei um pouco de ar para falar. Quem sabe não viesse um pouco de coragem junto. - Eu fiz um trabalho de eletrização de partículas. Isso, no início do ano passado. Então, minha experiência era eletrizar um cano de PVC com o cabelo. Enquanto isso a gravava. Só que eu fazia movimentos com o cano que parecia que eu estava punhetando o cano!
E aí todas riram. Inclusive eu.
- Mas calma, não cheguei na pior parte - e mais risadas, eu já estava com vergonha. - O vídeo foi apresentado para toda a sala.
- E depois foi para a internet! Foi tipo, o mico do ano! - ria, jogando o cabelo para trás. - Eu posso te mostrar o vídeo se você quiser.
- Percebam que eu só passo esses momentos de fiasco quando o está por perto - eu disse, me animando para contar mais. - Sente essa: eu, a e a fomos devolver os livros na biblioteca. Dava para ir de elevador ou de escada, mas e decidimos ir de elevador.
Até aí a não tinha lembrado, só por isso me encarava meio perdida.
- Certo, ok, chegamos ao andar da biblioteca. A porta abriu e a tonta aqui já foi saindo. Dei com a fuça no . Assim, quase tropecei nele, super legal! - e a riu, finalmente se lembrando. - Mas até aí tudo bem, porque não foi o pior. Devolvemos os livros e na hora de subir, resolveu me fazer ir de escada.
- Porque somos saudáveis, somos a geração saúde - adicionou, rindo.
- E a ? - perguntou.
- Morrendo de preguiça! Foi de elevador - informei.
- Hmmm - instigando. - Já até sei.
- É bem por aí. Ela subiu com ele. No térreo, sai a do elevador e berra para mim 'VOCÊ NÃO ACREDITA QUEM ESTAVA LÁ DENTRO!' - nessa hora eu me dei um tapa na testa, em protesto. disparou a rir e já segurava o riso. - E quem saiu do elevador, logo atrás da , olhando para nós meio desconfortável?
- O , SABIA! - e deu uma gargalhada.
- Nisso, a olha para trás, percebe que falou merda e, em vez de ficar quieta e fingir que nada tinha acontecido, mas não! Resolve aumentar meu micômetro no máximo, me puxa pelo braço e sai correndo e me arrastando pelo pulso em direção ao banheiro!
- E isso foi pouco antes das férias de verão - morria de rir. Viada. - Pelo menos ele teve tempo para esquecer.
- Ah, tem mais coisa! Teve o dia que eu achei que ele fosse sobrenatural!
riu, provavelmente me achando louca.
- É sério! - insisti. - Foi assim. Ele estava passando e era um dia que eu estava muito gatinha e minha auto estima super alta, sabe, parecia que tinha tomado fermento - minha frase engraçadinha não teve nenhum efeito sobre elas e eu continuei. - Bom, aí eu queria que ele me visse, né. Então, fui discretamente atrás dele, pensando em dar uma esbarrada, qualquer coisa. Ele estava seguindo um corredor e virou em outro corredor, um perpendicular ao que a gente estava. Quando eu virei atrás dele, ele... PUF!
- Desapareceu misteriosamente! - adivinha quem brincou? A .
- É sério! ELE SUMIU! - eu falei, mais exasperada, e aí sim elas riram. - E foram vários episódios assim.
- Vocês lembram da nossa despedida de segundo ano? Péssima ideia! - disse, contendo as risadas. - A gente sempre quis mergulhar de roupas na piscina, porque aqui é proibido.
- E todo mundo sabe como tudo que é proibido é bem mais legal de se fazer - dei de ombros, tomando mais sorvete. esticou a mão pedindo o pote e eu o entreguei depois de tomar uma colherada.
- É, regras são feitas para serem quebradas - .
- Bom, ainda era nossa despedida de segundo ano! - continuou, falando mais rápido em seguida. - Aí ok, nos jogamos, ficamos encharcadas, horrorosas, com a maquiagem escorrendo, graças ao cloro. Tomamos advertência da coordenação de educação física... Ok, disso vocês lembram - olhou-nos faceira. - Depois, quem me mandou no MSN 'Acho que eu vi você e suas amigas hoje pulando na piscina e tomando esporro depois'?
- AI, O ! CERTEZA, O . PAGO TUDO QUE É ELE! - eu berrei, animadíssima.
- CRETINO! - ria a ponto de parecer uma hiena. - Disso, eu não lembrava. Quer dizer, desse onipresente.
- Vai ver ele aprendeu com o , né - comentei, pegando mais do sorvete, que estava acabando. - Ah, lembrei de uma coisa. É só para sensibilizar o momento risadas, mesmo. Quando eu tinha oito anos, coloquei uma mesa na frente de casa e tentei vender meus brinquedos velhos e quebrados. E o pior é que só passavam carros, e aí eu e o Collin colocávamos galhos no meio da rua para ver se alguém parava. Mas os caras nem abriam o vidro... Só buzinavam.
Silêncio. olhou para , que trocou um olhar com ela. Riram.
- Sensibilizar? Olha a trollagem, menina. Parece uma armadilha no meio da estrada - .
- Quando os caras bonitos paravam, ela devia fazer a louca e jogar os brinquedos já quebrados.
Enquanto a outra besta ria, eu sofria internamente, mas ria junto.
- Vocês são as piores amigas no mundo.
Enquando eu guardava uns livros no armário, surgiu.
- Nossa, o cinema ontem foi um saco.
Estreitei os olhos. Aquele era o início da conversa?
- Ah, é? Que filme você foi ver?
Fechei o armário.
- Aquele novo que lançou. Mas é tão chato que me distraí um monte de vezes.
Calculei quais eram as chances de ter sido na boca de alguém que ele tinha encontrado distração.
- Entendi... - e aí eu fiquei meio quieta, sem saber o que devia responder.
- Da próxima vez, é melhor você ir - e ele deu uma risada fraca. Ergui as sobrancelhas, finalmente entendendo o sentido da conversa.
Não consegui não sorrir.
- Da próxima vez, é melhor me chamar, então.
- Vai ver, vou te chamar - ele disse, pegando o celular. E aí olhou para mim, para o celular... E para mim.
Percebendo que ele ficou sem jeito e eu não entendia nem o motivo, tentei relaxar a postura, de modo a parecer mais convidativa.
- Então, eu te ligo - concordei com um aceno de cabeça, indo para a sala, na qual, lembrei tarde demais, ele também estudava. - Você vai à festa amanhã?
- Claro - me virei para andar de costas e encará-lo um segundo e, péssima ideia, quase caí.
foi imensamente mais rápido, me segurou pelos braços impedindo que eu me esborrachasse no chão.
- Opa - exclamou, sorrindo. Alguma parte idiota de mim gritava que eu precisava sair dali antes que toda minha sanidade fosse embora de vez. - Cuidado.
Ignorei essa voz com prazer.
Notei que segurava de volta o braço dele, enquanto retomava o equilíbrio, sorrindo meio desajeitada.
- Obrigada.
Recebi um sorriso em troca e em seguida um beijo na testa. saiu dali antes que eu pudesse reagir novamente.
Tuntz, tuntz, festinha, eu já vi isso antes. Mas dessa vez o contexto era diferente. Vamos voltar umas duas horinhas.
Antes que eu pudesse me arrumar, minha mãe começou a implicar que eu mal me dedicava aos estudos, o que não era exatamente verdade, já que eu passava a maior parte do dia na escola. Isso gerou uma discussão que parecia não ter fim, até que eu decidi ir para o quarto antes que falasse alguma besteira e ela realmente me proibisse de sair.
Meus nervos estavam pilhadíssimos, então achei melhor avisar logo a primeira pessoa que passou pela minha cabeça. Mandei mensagem para falando bem assim 'olha, não sei se você ainda vai na festa, mas eu não vou mais poder' e inseri um emoticon triste. Enquanto eu já estava toda conformada desmarcando com todo mundo, a me ligou e a ficha caiu.
Que merda que eu estou arrumando, não indo à festa que o próprio me chamou para ir? Festa essa na qual ele teria que ficar sem camisa e eu de biquíni.
Eram oito horas e a noite estava quente, um lembrete silencioso que a festa já tinha começado e devia estar bombando, mas eu ainda não podia sair de casa por causa do climão. Partindo do pressuposto que meu rosto era meu convite, me arrumei sem pressa e com vaidade. Por cima do biquíni, resolvi colocar uma saia de cintura alta rodada, uma regata branca e um topete, já que eu não tinha nada para fazer. Na hora que eu passava a mão pelo laquê para borrifá-lo no meu cabelo, repensei toda a roupa que usava e desisti do traje. Revirei o quarto em busca de um shorts, na intenção de cair com ele na piscina, até lembrar que esse estava para virar meu uniforme. Foi quando eu me lembrei de um vestido preto com bojo e um decote de uns dois dedos. A parte de baixo dele era um pouco curta, mas a saia rodada abafava minha vontade de usar a saia anterior.
Coloquei um salto preto meia pata com fitas grossas passando no tornozelo. Meu biquíni por baixo era sem alças. Já estava preparada.
Passei um blush rosa claro bem no alto das bochechas um pouco de blush marrom abaixo das maçãs do rosto para fazer sombra. Ficou perfeito, porque dei mais relevância, digamos, à parte rosa clara. Passei muito rímel nos cílios de cima e de baixo e deu tempo de pentear a sobrancelha. Passei um hidratante avermelhado nos lábios e fiz babyliss nas pontas dos cabelos, deixando a franja como sempre.
E foi assim, junto com uma bolsa-carteira preta e o celular na mão, que saí de casa. Disse ao papai que já estavam me esperando fora de casa para irmos à festa que eu tanto queria ir e foi fácil ir, na verdade, a uma farmácia e de lá chamar um táxi.
Porque, aliás, quando terminei de me arrumar - quando o clima de casa finalmente acalmou - as dez horas davam as caras e ninguém me buscaria em casa. Tentava me contentar pensando que era realmente muito fashion chegar atrasada às festas. Embora eu achasse fashion uma palavra muito demodé.
Depois de algum tempo, o táxi chegou e pouco tempo depois cheguei à festa.
Estava realmente legal. Um monte de luzes, pessoas, a batida quase atravessando o meu corpo... E encontrei a , a e a . Cumprimentei-as com um beijo na bochecha afetado e achei estranho elas continuarem ao meu redor, em formação de rodinha punk.
- , não achei que você realmente viria à festa - disse, com um sorriso amarelo no rosto. Eu dei uma risada, dando uma olhada ao redor e procurando por bebida, sem ver graça em sair e ficar sóbria.
- Fala sério, eu sou . E ei, você que me abriu os olhos.
- Mas por que você veio tão tarde? - se enfiou na frente enquanto eu olhava para um canto onde duas pessoas se engoliam. Era um pouco adiante da pista de dança.
- Porque é elegante se atrasar - respondi com simplicidade, me sentindo a diva do momento, mas aí o apareceu. Eu sinceramente estava começando a achar estranho aquela agitação ao meu redor.
- Olha quem está por aqui... - e ele me abraçou de um jeito que eu tive que me contorcer toda, porque, assim, ele estava praticamente atrás de mim.
- Nah, eu não perco uma festa, meu amor - falei brincando e quando passou uma garota daquelas que sempre tem, vestidas de sexy e passando com bebidas, eu me estiquei, e ela parou, dando um sorriso entre os lábios. Enquanto eu pegava um copo, vi de novo o casal do fundo se mexer. E comecei a ficar incomodada porque, de alguma forma, aquilo estava me chamando a atenção e não era a primeira vez.
E olhei naquela direção.
No momento em que olhei, todo o resto se tornou um borrão. As vozes meio consternadas dos meus amigos se tornaram um sussurro. Um sussurro, mesmo. Deixei a taça onde estava e, provavelmente aborrecida, a garota saiu dali. Imaginei que ela nem usava o sorrisinho amigável de antes.
Se dependesse de mim, eu teria escolhido não saber quem era o casal. Mas não, tive que ver. engolindo a Alaina Cooper. Ou sendo engolido por Alaina. Não fazia diferença. E se não fosse ela, outro alguém de cabelos igualmente loiros.
Mas eu tinha certeza da identidade dos amados porque na hora que minha alma voltou para onde meu corpo estava - ainda imóvel, vale lembrar - ouvi a ...
E o :
- Que merda.
É, , que merda.
- Calma, - dizia, enquanto segurava meu cabelo. Eu lá, toda linda na privada do meu banheiro, vomitando. Passar mal em festa? Jamais, tenho uma imagem a zelar.
Pior, a imagem de 'Eu não ligo para você, , estou apaixonada é pela vodca, mesmo!'
- Estou calmíssima - respondi, entre uma vomitada e outra.
Assim que acabei, corri para enxaguar a boca na pia. Mentira, porque nem para me mover eu conseguia reunir forças. Fiquei ali, com a cara apoiada de lado na privada, na maior pose de fracassada da vida.
Eu queria morrer.
Agora eu não tinha mais nada a perder. Ou tinha? A Alaina tinha vencido.
- , quer ir comer alguma coisa? - , eu acho, falou isso.
A não foi para a minha casa, embora naquela noite eu realmente precisasse dela e estivesse disposta a fingir que esqueci tudo.
- Quero morrer - dei voz aos meus pensamentos.
- Menos, . Isso, eu não deixo - foi firme, soltando os meus cabelos. Percebi que ela se levantou e fiz algum esforço para me levantar também. Mas, lembrando, eu queria era morrer.
- Eu me sinto tão idiota... - não esperei resposta. Percebi que elas iam ficar só ouvindo e aproveitei para falar um monte do que me vinha à cabeça. - Eu... Sei lá, sabe. A gente ficou e... Não que eu achasse que tivéssemos algum super futuro juntos, como uma casa no litoral e três filhos, mas...
- Que brega, - brincou, mas com a brincadeira, eu desandei a chorar, afundando o rosto na cama. - Ai, desculpa, não chora. Eu não falei por mal.
O pior é que eu sabia, mas o engraçado é que alguns de nós, quando estão tristes, aproveitam cada situação para se sentirem pior ainda. Eu.
- E aí ele vem esse dia e fica comigo aqui, na minha própria casa. E ele me beija! Depois me trata como uma menina qualquer, que ele não tem interesse nem de amizade - eu gesticulava, olhando sem foco para qualquer canto, sem me importar de parecer uma bêbada. - Depois fala de mim para o , fala que ficamos e o até ficou todo gay comentando sobre a gente. E aí ele me chama para essa festa ridícula - solucei. - E ele que me falou que eu tinha que ir. E quando eu decido não ir, ele só me manda uma carinha triste. E, sim, essa foi toda a maldita resposta dele por uma pobreza de uma mensagem de texto! - solucei. - E aí eu mudo de ideia e resolvo ir naquela merda de festa e ele está com quem? A Alaina. Eu aceitaria qualquer uma, menos ela.
Embora - é bom deixar isso claro - na verdade eu não aceitaria ninguém.
- Qual o problema desse menino? - voltei a reclamar. A esse ponto, eu já tinha voltado a chorar. E com aquele bafo espetacular de vômito. Até que eu me toquei que estava no quarto e me arrastei da cama até o banheiro de novo. - O que que esse merda quer da vida?
As meninas vieram atrás, provavelmente pensando que eu ia abrir o ato II da sessão vômito.
- Acho que ele não sabe o que quer, .
- É, é a resposta que mais se encaixa - completou. - Mas você não pode ficar mal por isso. Nem o entendeu o que aconteceu ali...
- Todo mundo sabe que é o que a Alaina quer. Ela quer te ferrar.
- E, muito provavelmente, te ver bebendo até literalmente cair fez a vida dela mais divertida. Ou a noite - pegava uma toalha de rosto para eu secar o meu, que eu tinha começado a ensaboar de olhos abertos, enquanto elas falavam.
- Acho que você não deve sucumbir a isso, . Pelo amor, aquela menina te odeia e você odeia ela. A gente vence e perde, às vezes. Vai deixar ela vencer assim?
Senti vontade de abraçar a e declarar todo meu amor por ela.
- O que eu tenho que fazer, então? - perguntei, meio sem querer saber a resposta.
Comecei a enxaguar o rosto.
- Faz o que dá para fazer. Fica amiga do - essa foi . fez melhor:
- E fode com a vida da Alaina na primeira oportunidade, porque eu ouvi falar que ela está por um fio naquela escola.
- É porque ela estava envolvida em outros roubos de jóias - expliquei, pondo a toalha perto do recipiente de enxaguante bucal. Mal sabia eu que na segunda seguinte, ela já teria espalhado pela escola toda.
- Burra! - murmurava para mim, batendo a cabeça no armário repetidas vezes. Eu não devia ter escolhido a ideia de .
Era o mais fácil, ainda assim. Eu e ele não tínhamos compromisso algum, eu não podia simplesmente ir lá e reclamar por ele ter ficado com quem quis. Por mais que esse alguém seja a Alaina, minha - eu não acredito que vou falar isso - arqui-inimiga.
Encontrar e ser apenas amiga dele, e aturar Alaina, era admitir um fracasso, voltar à estaca zero. Ainda mais quando os dois só tinham ficado aquela vez e desde então nenhuma das minhas fontes soube de mais nada. Pensei inúmeras vezes se nao poderia ser um plano de Alaina para me afastar dele, mas decidi que seria síndrome de protagonista, demais. Não era possível. Mas quanto mais eu procurava outras saídas, mais tudo apontava ao troco que ela me devia, mesmo sem saber, pelo medalhão.
Mas aí eu pensava no lado do . Ela ainda gostava dele, aparentemente, mas e ele, que agia como se a desprezasse? não conseguiu descobrir o motivo, mas tentava por na minha cabeça que aquela tinha sido a despedida, já que o casal não saiu novamente.
Talvez para esfregar a vitória no meu rosto, Alaina continuava se sentando ao meu lado e de frente para , e eu já estava até acostumada a ouvi-la falar sozinha na mesa, grata por meus amigos serem sensíveis o suficiente para a ignorarem. também a ignorava na maior parte do tempo e, quando não o fazia, dava umas tiradas dignas nela. Quando dirigia o olhar a mim, era nítida uma tristeza fria. Às vezes ele mordia o lábio, como que se segurando de dizer algo, ou prestes a dizer algo, mas eu mirava em outra direção.
Será que ele não sabia que era importante para mim? Pior. Eu não era importante para ele, a esse ponto? Eu era realmente só uma amiga?
Minha mente ficava enevoada cada vez que eu pensava sobre isso. Era possível sentir que ele queria me dizer alguma coisa, e uma vez eu até parei de frente para ele e disse 'Fala', mas depois de abrir a boca e a fechar novamente, ele perguntou na maior cara de pau 'O quê?'. Isso porque ele tinha me observado uns cinco minutos antes que eu juntasse coragem para lhe dizer isso.
Foi a gota d'água.
Aqueles dias que se seguiram da festa foram realmente como quando eu os vi juntos. Um borrão. Às vezes, nem acredito que aqueles dias foram mais do que um pesadelo longo demais. Eu ainda não sabia uma coisa: se era bom ou ruim fazer papel de amiga de . Eu provavelmente nunca saberia.
Duas semanas depois, as folhas começavam a ficar alaranjadas e a cair, era o adeus ao verão. Eu já conseguia sustentar o difícil-de-entender olhar de na minha direção. Alaina ficou suspensa por quatro dias, provavelmente resultado do caso Alyssa. E eu, apesar de tentar estudar o máximo possível para provar aos meus pais que eu estava focada, quanto mais eu tentava, mais parecia impossível. Passar duas horas na biblioteca já não ajudava, e voltar as 19h para casa estava começando a ficar complicado, porque começava a escurecer mais cedo.
Em um desses dias, eu voltava da escola a pé, comemorando internamente que meu aniversário chegaria em torno de duas semanas, e segurando algumas lágrimas por fazer muito tempo que eu não falava com .
Recebi uma ligação inusitada. O visor indicava SCRIPT>document.write(Daniel), mas eu preparei meu emocional para o caso de ser trote ou erro da operadora.
- Oi? - atendi.
- - respirou alto. - O que você vai fazer hoje?
Olhei para mim mesma, as botas de cano baixo chutando algumas folhas no chão e quase ri da situação. Foram as duas semanas mais paradas da minha vida.
Quem sabe me jogar de uma ponte? - Voltar para casa - respondi com desânimo.
A ligação ficou silenciosa. Tentpu mais uma vez.
- E à noite? Marcou alguma coisa?
- Nada - fui pega de surpresa. - Por quê?
Atravessei a rua, chegando ao quarteirão de casa.
- Ótimo, marcamos de sair. Às oito eu te pego.
Eu ainda estava confusa demais para elaborar questões inteligentes. Eis a prova:
- Marcamos quem? Onde?
- Eu, o e a - consegui ouvir a respiração dele acelerada do outro lado. Quase perguntei se ele tinha acabado de sair para correr.
Comecei a procurar a chave dentro da minha bolsa.
- E o resto? - girei a chave e abri a porta da sala, trancando-a atrás de mim.
Quanto mais eu perguntava, menos eu entendia.
- Acho que eles vão para outro lugar.
Fiquei em silêncio, enquanto subia as escadas. Queria falar mais, mas percebi que ainda estava chateada demais.
- Ah, sim. Então, vamos.
Não era minha resposta mais animada, mas ele se contentou com isso. O que foi um alívio.
- Vou passar aí em uma hora, vai se arrumar. A gente vai ficar aqui em casa, mesmo.
- Mas...
- Depois te levo em casa, sem desculpa - ele disse e desligou em seguida.
O jeito era me arrumar.
Na hora que a Evoque preta buzinou do lado de fora de casa, me perguntei onde estaria . Bom, perguntei retórica e mentalmente, porque tecnicamente eu sabia onde ele estava. A dúvida se apresentava no sentido de... Onde estava o que costumava ser minha sombra alguns dias atrás? Ele tinha sumido por algum tempo. Parecia mais ocupado, por mais que eu também tivesse ficado meio desligada nos últimos dias, mergulhada nos meus dramas pessoais.
Avisei a meus pais que estava saindo e até fui obrigada a prometer que qualquer coisa, ligaria para Collin. Na hora que mencionei que estaria lá, eles acalmaram os nervos.
- Desculpa a demora, estava falando com meus pais - passei o cinto evitando contato visual.
- Relaxa, eu sei como é - o esboço de um sorriso apareceu nos seus lábios.
Inspirei fundo e olhei na direção da janela, presa entre a vontade de falar tudo o que tinha na minha cabeça e o impulso de sair correndo.
Chegamos a um bairro cheio de casas de aparência cara. Quer dizer, eu tinha uma vaga noção de como a casa de deveria ser, a partir do carro. Mas certamente não era o que eu tinha imaginado. A Evoque passou imponentemente pelo jardim da casa vitoriana, branca com detalhes em cinza escuro, e só paramos na lateral, quase nos fundos. Notei depois que havia um caminho de pedra para o carro, então, se tivesse sido um pouco mais cuidadoso, não teríamos estacionado na grama. Saltei do carro, pensando se ele realmente se importaria com esse fato.
Perto da piscina, havia uma varanda, com uma mesa de madeira e cadeiras no mesmo estilo da casa. Do lado oposto à piscina, a área gourmet, cuidadosamente planejada. E com um fardo de cervejas no balcão.
estava no canto, segurando um solitário copo de cerveja, parecendo distante. Suspirei, num segundo já esquecendo tudo o que tinha acontecido e indo em direção a ela para pedir que voltássemos a nos falar. Eu mesma já não acreditava na suposta traição de .
- ! - berrou atrás de mim, vindo com um pão cheio de tomate dentro. Tomate, mesmo, picado em rodelas.
- Oi, seu idiota - falei sorrindo, abracei-o e depois o soltei. - Que saudades - murmurei.
- Eu também estava, por que acha que te chamei aqui? - replicou e eu torci o nariz. A casa nem era dele para ele me chamar.
- Acho que me chamou aqui porque o deixou - riu com minha resposta.
- Lógico - interveio. - Eu é que queria você por aqui. Nem escuta ele.
E aí ele me abraçou de lado e me deu um beijo demorado na bochecha. Procurei por sinais de que ele estivesse bêbado, vasculhando com vistas por destilados. Só havia cerveja.
Nos sentamos ao redor da mesa, perto de . Apesar de espaçosa e com toques modernos, a varanda era aconchegante e tinha uma ligação com a da frente, pela lateral oposta à que estacionamos.
sorria satisfeito, dando a última mordida no seu pão.
- E finalmente chegamos ao ponto em que eu queria chegar.
- E eu, né, - chiou, daquele jeito que só ela sabia chiar.
- Ponto confiança? - eu perguntei sem entender.
- É... - ela colocou o copo de cerveja, um de vários, na mesa e curvou um pouco o corpo para a frente, se aproximando de mim. Inclinei-me na direção dela também, porque tinha uma mesa entre nós. - Lembra o motivo pelo qual nós brigamos? - nem tive tempo de armar a resposta. - É, foi porque eu não confiei totalmente em você. E eu fui burra.
Olhei para os lado, e não me devolveu o olhar. Só passou a mão pelo meu pulso, alisando-o devagar, como se estivesse meio fora de órbita. Resisti ao impulso de chacoalhá-lo.
- Enfim, o que a quer dizer é que ela não estava te traindo - falou, levando o braço ao redor do corpo dela, puxando-a para perto.
Por um segundo, parei para pensar no clima entre nós. Parecia que a nuvem de confusão começava a se dissipar das nossas cabeças. Agradeci mentalmente por estarem finalmente formados os três casais, afinal eu e nunca nos acertaríamos e talvez fosse uma hora boa para se conformar.
Dois casais, aliás, se descontássemos e , que também estavam com alguns problemas...
- Exatamente - confirmou. Murmurei qualquer coisa e ela continuou. - Enfim, nós fizemos um plano. E nós decidimos que era idiota não contar nada para você. Porque você é confiável.
E ela me colocou por dentro do plano. Cinco minutos depois, eu estava espantada.
- Uau. E eu fiquei esse tempo todo brigada com você, à toa? - eu disse, já quase com lágrimas nos olhos. - E tudo isso saiu da sua cabeça?
- É, babaca - ela respondeu, no mesmo estado emocional que eu. Culpei as cervejas.
Me levantei da cadeira larga e macia, saiu do colo de . Nos abraçamos. Foi lindo.
- Eu senti tanto a sua falta, minha horrorosa - falou, enquanto nos abraçávamos.
Murmurei:
- Eu também, minha vaca. Você é a vadia que mais me faz falta.
- Mas agora - ela me soltou do abraço. - Estamos juntas de novo. E vadia nenhuma vai nos separar.
- Pode crer.
Se tem uma coisa que eu não gosto, é ficar esperando. Se tem uma coisa que eu não gosto um pouco mais, é ficar esperando sozinha.
Bufei uma vez, duas, três. Quando eu percebi que bufar não me faria menos infeliz, parei.
- Cadê vocês...
Eu estava sozinha na porta de uma churrascaria esperando a , o e o chegarem. Parecia que os três iriam juntos para lá. Pelo menos uma coisa boa. Porque até aquele ponto, minha noite estava sendo uma merda. Eu estava sozinha, começando a sentir frio e me sentindo acuada por uma galera bem estranha a passar. Cheguei a achar que fosse passar uma eternidade lá, mas não demorou muito, em comparação ao que eu já tinha esperado, até eles finalmente chegarem.
- , descuuuulpa a demora, meu amor - disse, nem se importando em esperar eu levantar do banco. Nossa mesa já estava pronta fazia pelo menos dez minutos, e eu torcia para a mulher não ter passado adiante. se abaixou, me abraçou meio de qualquer jeito e me esmagou.
- Oi, , trouxe chiclete para você - era , com um sorriso de canto.
O chiclete era, obviamente, para me comprar.
- Se você pensa que pode me comprar com um chiclete...
- Você está muito certo - completou, saindo de qualquer lugar, porque eu não o tinha visto, para me dar um abraço significativo, erguendo-me do chão.
Quando íamos embora, quis pagar a minha parte. Eu também. Super delicada e glamourosa como sou, avancei nele para pegar a conta. E ele levou a mão para trás. Só que esqueceu de afastar o rosto também - ou talvez, pensando bem, ele não quisesse afastar o rosto - deixando sua testa colada na minha. Era possível sentir sua respiração bater no meu rosto enquanto ele se negava a entregar a conta. E eu aposto que ele também estava sentindo a minha, mas duvido que estivesse sentindo a mesma coisa que eu, ao sentir a dele. Quer dizer, seria demais pedir que ele sentisse o mesmo que eu sentia.
Continuamos assim, mas mesmo com o esforço para manter nossas íris unidas, o fio invisível já nem existia. Involuntariamente, minha boca foi se aproximando da dele, por mais que eu me prometesse que fosse tudo para pegar a canta. Seguindo o mesmo trajeto que a minha boca, ele me beijou. Encostou a boca na minha, me puxando para um beijo quase inesperado. Parei de lutar com minhas pálpebras e cedi ao beijo.
levou a mão livre ao meu rosto, acariciando-o e me apertando contra ele na nuca. Esquecendo completamente da conta, acabamos dando atenção apenas ao beijo e quando eu ouvi umas risadas conhecidas, precisei me desvencilhar.
- O que eu estou perdendo aqui? - ouvi debochar, voltando com . Ambos tinham ido acertar a parte deles no caixa.
ergueu a sobrancelha sugestivamente, ao que eu sentia a mão de acariciando minha nuca e em seguida deslizar até minha cintura. Dessa vez, ele venceu.
Peguei todos os livros do dia - um peso quase insuportável - e cruzei a escola, decidida a voltar aos armários só no final do dia. Saí do corredor e passei pelo refeitório para encontrar a , planejando ir em seguida à sala. Iria, mesmo. Eis que quando chego no refeitório, encontro todo aprumado num banco, inclinado na direção de uma morena qualquer. Literalmente inclinado.
- Eu não acredito - sibilei.
Parei no meio do caminho até a mesa que a estava, quase perdendo a noção do espaço. Recompus-me o mais rápido possível e fui até ela. Enquanto eu tentava manter a lembrança de não ter direitos legais sobre , por outro lado não pude evitar suspirar. Ao menos de passar o resto do dia irritada, ninguém podia me privar.
e eu trocamos um olhar significativo, apontando a cruz da minha vida com o olhar. Matamos alguns minutos e ela me atualizou sobre , comparando nossas histórias. Ela viu ficando com outra e caiu no choro e por isso eles não estavam se falando direito. Talvez por isso, comecei a pensar, eles não tivessem ido para a casa do . me disse que foi para a casa de e eles estavam lá. Não soube de mais nada, mas parece que tentaram conversar.
No caminho para a sala de - passando na frente da sala de Alaina, na qual Alyssa também estudava -, eu pretendia conversar com , prevendo que depois teria tempo de falar com a na minha sala.
Acabei desfazendo todos os meus planos porque Tyler, que tinha dito que precisava falar comigo, me chamou e praticamente me puxou para dentro com uma chantagem básica: ele pegou meus livros.
Tyler foi quem me contou da Paint Party. Ele tinha cílios e sobrancelhas espessas, o que tornava seu olhar mel mais penetrante ainda. Dono de uma pele perfeita com as maçãs do rosto coradas sempre que a temperatura chegava aos extremos, cabelos castanhos lisos caindo sobre os olhos e um redemoinho atrás, no topo da cabeça. Seu queixo era o toque final para o maxilar quadrado e as maçãs do rosto proeminentes horizontalmente, o que tornava seu rosto tão másculo quanto possível. Eu gostaria de dizer que ele era a personificação dos deuses mais belos do olimpo, mas ele normalmente tinha uma ou outra espinha, além de não saber sorrir, e seu nariz ser torto como se tivesse o quebrado alguma vez, ou seja, eu só enalteci os pontos fortes dele.
Ele tinha sido oficializado no time de futebol com os meninos, naquele ano. Tyler nunca usava a camisa social proposta pela escola. Embora fosse sempre branca, como imposto, o logo era sempre de alguma marca. Não que fosse algum problema, já que ele vivia com o blazer do colégio.
E tinha a característica que eu mais adorava: ele me achava legal.
Estava apaixonada, machucada, mas ainda estava viva. Ou seja, olho não tem cerca.
Tyler inventou de fazer a tal festa. A parte ruim - que eu começava a levar como bom, fruto do momento garota ressentida mais cedo - é que ele tinha uma rixa com e por isso não o convidou. E deixou isso bem, bem claro no convite que me fez, na frente do próprio , na saída.
E agora ele queria que eu confirmasse a presença na festa dele.
- Não devolvo seus livros até você me dizer o que eu quero ouvir - ele insistiu, sorrindo.
Se Alaina me visse naquela sala, eu não duvidaria que ela gravaria a cena de modo a parecer que eu estava apaixonada por ele e mandaria para o depois.
- Eu disse que vou ver - tentei alcançar os livros, mantendo a voz simpática.
Tyler se desviou, entregando apenas um.
- Meia resposta, meio material.
Inspirei fundo, tentando ignorar o quão mimado ele estava se mostrando.
- Você venceu, eu vou dar um jeito - sorri, para amenizar a situação. - Taí sua resposta. Agora, os livros.
Ele sorriu satisfeito, repousando todos os livros de volta nos meus braços. Quase me arrependi de voltar a carregar aquele peso.
Entre um intervalo e outro, eu me amaldiçoava pela péssima ideia, mas segui até seu armário, notando seu semblante abatido.
- Vai me contar o que aconteceu? - perguntei a enésima vez.
- , a já não resumiu para você?
Ela me olhou cansada, fechando o armário.
- Não importa, eu quero saber de você - ela suspirou e eu continuei seguindo-a até a próxima aula. - Olha, nós duas temos problemas, e isso é normal. Sabe o que não é normal? Guardar tudo para si mesma.
- Não é bem assim.
- , hoje o estava completamente inclinado na direção de outra menina. E como você acha que eu me senti? Sabendo que ele beijou Alaina na última festa que nós íamos? Nem por isso eu vou me fechar pras minhas amigas.
- Não acredito que você realmente caiu nessa - ela parou por um instante, me olhando a fundo.
- É sério, mesmo que a gente tenha saído e quase voltado a se ver com frequência depois, ele me dá essa e... - me dei conta do que ela disse. - Como assim? Você acha que eu entendi errado ele beijar a Alaina?
juntou as sobrancelhas, confusa.
- Não, isso ainda ninguém entendeu direito - pigarreou. - Antes de entrar, eu estava com a no estacionamento - passou a falar mais baixo e nosso passo ficou mais lento. - E notei a Alaina falando com uma menina. Tudo bem, eu não sou de prestar atenção na conversa dos outros, você sabe que isso é com a . Mas ela estava com aquela postura de quem está mandando fazerem alguma coisa.
- E? - senti o sangue bombeando até a ponta dos dedos. - Me diz que você ouviu a conversa.
- Para a sua alegria, ouvi... E não tenho muito orgulho de dizer que ela estava obrigando a menina a falar com .
- O quê? E como isso me afetaria?
- Na verdade é bem simples, . O só estava, hm, inclinado na direção dela, porque a Alaina a obrigou a perguntar sobre física - até aí eu não tinha entendido. - Só que a coitada era tímida - a imitou, curvando os ombros.
Uma luz acendeu na minha cabeça.
- Ela devia estar falando super baixo.
- Exatamente. A menina nem sabe em que papel foi colocada. Foi só um mal entendido.
Paramos na porta da próxima aula, o laboratório de química.
- Nunca é mal entendido com a Alaina - suspirei, me sentindo burra por desconfiar de . - Por mais que ela não entenda física, ela podia perguntar diretamente para ele.
me devolveu um olhar que contestava claramente o que eu tinha acabado de concluir.
- Pelo sorriso diabólico dela, é claro que ela quis te atacar, mas a desculpa era incontestável. Claro que o deve ter ajudado.
Me esforcei para reproduzir a cena na minha cabeça. De fato, não parecia tão suspeito assim.
- Por outro lado, ... - agucei os ouvidos, mas ela ficou quieta. Seu olhar se direcionou atrás de mim. Me virei a tempo de ver se aproximar.
- Não vão entrar? - seu sorriso parecia renovado.
estava recomposta.
- Sim, sim. Os cavalheiros primeiro - estendeu o braço na direção da sala.
Dei um sorriso cordial, erguendo as sobrancelhas, já que não tinha nada para falar. Continuamos observando enquanto ele sentava na mesma bancada que e resolvemos entrar, mantendo certa distância para que a fofoca não fosse comprometida.
- Então! - ela parecia aliviada por poder finalmente falar. - O pirou - esperei que ela continuasse, enquanto dispunha o material no mármore. - Você lembra que nós nos falávamos super bem, certo? - concordei com a cabeça. - Pois então. Ainda bem que eu usei o verbo no passado.
- Você bem que podia ser mais direta - fiz um gesto de mover as mãos rápido para dar ênfase, mas mudei de ideia ao ver uma única sobrancelha erguida. - Enfim, não foi o que eu quis dizer. Estou ansiosa para ouvir todos os detalhes. Sou toda ouvidos.
Apoiei os cotovelos na bancada, apoiando o rosto nas mãos. Ouvi-a respirando fundo e decidi que era hora de parar de brincar com o perigo.
- Aparentemente, para ele, ir devagar não é o suficiente.
- Como assim?
Meu olho começou a coçar. Fui obrigada a esfregá-lo.
- Nós quase nos beijamos uma vez, quando ele me deixou em casa - suspirou, abrindo o estojo. - Mas eu achei que fosse cedo demais. Eu sei que não fiquei com muitos meninos na minha vida, então experiência certamente não é o meu forte. Mas se tem uma coisa que eu aprendi, é que depois do primeiro beijo, todas as minhas relações desandaram.
- Já pensou que talvez o problema fossem os meninos errados, não a hora do beijo?
Apesar que eu mesma começava a repassar mentalmente toda a trajetória com e analisar rapidamente se o problema por acaso não teria sido o beijo fora de hora. Acabei não me arrependendo de nada.
- Não tem dessa de pessoa certa ou errada.
- Claro que tem - debati. - Senão a gente ia se dar bem com todo mundo, e no entanto... - ela sabia a quem eu me referia. - Mas e aí? Por que ele beijou outra menina? Desculpa, essa parte a contou.
- Basicamente, ele achou que eu não estava afim dele, concluiu que estava perdendo tempo comigo e beijou outra menina.
Prendi a respiração por um segundo, incrédula.
- Ele disse isso para você? Que estava perdendo tempo?
- Ficou implícito - deu de ombros. - Mas ele disse que beijou outra por livre e espontânea vontade, só porque não sabia qual era a minha - mal tive tempo de avaliar, voltou a falar. - Não era mais fácil ter me perguntado?
- É que o ... - procurei as palavras certas. - Ele é diferente. Não dá para comparar com aqueles dois babacas ali - apontei e discretamente com o queixo. - Ele deve ter esse quê de independência, por morar sozinho e tal...
- Se você morasse sozinha, ia sair pegando todo mundo? - ela perguntou, as pálpebras caídas de descrença.
Apertei os lábios, revisando meus argumentos.
- Não foi bem o que eu quis dizer.
Nesse segundo o professor entrou na sala e nós começmos a falar mais baixo.
- De qualquer maneira, ele até pareceu arrependido - ergui as sobrancelhas em resposta, silenciosamente dizendo 'Viu?' -, mas eu disse que precisava pensar - torci o nariz, desaprovação. - O quê? Como se você não tivesse enchido a cara depois que o beijou a Alaina.
- Espera aí, ele ainda não me deu uma explicação. O pelo menos pediu desculpas, disse o motivo e ainda declarou interesse em você, deixando em aberto a opção de você escolher - despejei minha defesa, ao que ela consentiu meio a contragosto. Dei um sorriso encorajador. - Pensa com carinho, pelo menos ele foi honesto. De repente as coisas correm bem de agora em diante.
- Senhorita , gostaria de compartilhar alguma coisa com a classe antes que eu comece?
Era o professor, que mal tinha terminado de organizar todos os béqueres que utilizaríamos, porém já havia me notado.
- Não, senhor, pode começar.
Lancei um último olhar à minha amiga, esperando que ela captasse a fé que eu colocava naquele relacionamento, que aliás nem era o meu.
Passei o resto do dia com minha típica cara de paisagem encarando as lousas, repensando se devia mesmo ir à festa. Porque 1 - é uma Paint Party e 2 - eu estava ansiosíssima por uma guerra de tinta e 3 - a tinta seria neon. Portanto eu 4 - tinha que aceitar. Porém, na hora que eu parei de olhar para a frente, lembrando do Tyler e olhei para trás, para o complicação da minha vida, lembrei que 1 - eu não deveria ir porque 2 - não foi convidado, além disso, 3 - ele já havia mandado, nas entrelinhas, que eu não fosse porque 4 - Tyler podia me agarrar, já que 5 - é um ótimo amigo e não estaria por perto para 'garantir minha segurança'.
Como se ele mesmo zelasse pela minha segurança. Emocional.
Arregalei os olhos até onde deu, achando os motivos ridículos. Afinal, o motivo #4 do contra era quase um pró. E talvez por teimosia, eu estivesse ainda mais louca para ir.
Então, crente que estava tomando a decisão certa, passei o motivo #4 para lista dos prós e, uma vez que o pró ganhou, dei-me o direito de ir à festa, no maior perigo possível, já que nenhuma amiga minha também aprovou que eu fosse.
Fui escondida.
Capítulo 21 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- MÚSICA Embora fosse na casa de Tyler, a festa estava barulhenta, do meu jeito preferido. Cheguei com uma blusa branca, pronta para tomar tinta, com um short jeans um pouco gasto, mas para minha decepção, ainda não havia ninguém manchado. Pelo contrário, todos, e grande parte eram alunos da Drayton Manor, estavam bem arrumados. Não consegui acalmar meus pensamentos a me alarmar que aquela poderia ser só mais uma festa normal no maior estilo colegial e só eu fosse a desavisada. Ou mal avisada.
Excluí esses pensamentos quando olhei para cima e reparei em arminhas coloridas de transparência, carregadas de tinta. Só não entendia por que jaziam presas no alto, se a festa estava acontecendo a uns dez palmos de distância. Ao meu redor, a maioria das pessoas se esfregava um no outro e quando a sirene da música tocava, todo mundo berrava. Perturbada com as pessoas estranhas, eu contava os segundos para encontrar Tyler e saí da massa esbarrando e sem olhar para trás.
Cheguei perto do DJ, bem à frente da festa, e qual não foi minha surpresa ao ver o dono da festa pagando de DJ.
Tentei gritar seu nome para chamar sua atenção. Ele não ouviu. Sacudi as mãos no ar. Ele não viu.
Encontrei a escada que iria até o aparelho de som que ele mexia e subi sem medo de algum segurança aparecer e me tirar da festa. Uma vez lá em cima, mal contemplei a festa, Tyler me notou - finalmente - e tirou os fones.
- ! Que bom que você veio! - ele disse meio alto demais, mesmo com aquele som ao fundo.
- Eu e a torcida do Manchester United todinha, né - falei no meu tom de voz normal, aí com a música alta, não deu para ele me ouvir enquanto continuava mexendo na mesa de som.
- Então, está curtindo?
- É, tudo bem por enquanto - brinquei, jogando o cabelo de lado. Tyler respondeu com um sorriso de canto, uma mordida no canto do lábio, que eu preferi pensar ter sido por nervoso, e pegou os fones de volta.
- Jajá eu saio daqui e começa a festa de verdade - todo animado, recolocou os fones.
E aí eu cheguei à seguinte teoria conspiratória: ou só eu sabia que seria uma Paint Party e todos seriam pegos de surpresa, ou todo mundo se vestia exageradamente bem para estragar a roupa com tinta, mesmo. Normal, Drayton Manor High é excelência em ostentação, mesmo.
Percebi uma garrafa azul ali, perto da mesa. Era um licor azul. Já que todos estavam bêbados demais e eu parecia a mais sóbria dali - fora o fato de ter ido escondida dos amigos àquela festa - pensei que ao menos deveria experimentar o tal Curaçau. E era ruim.
Na hora que colocou outra música para começar, se livrando do cargo de DJ enquanto um amigo seu assumia, Tyler basicamente imitou o vocalista da música - não que o comparativo remetesse à verdadeira intenção dele - e me puxou para dançar. E como a carne nunca foi forte, lógico que eu cedi.
Minhas maiores fraquezas estavam reunidas numa cena só, quem era eu para fugir dali? A bebida - dele, aliás -, um cara legal que dava bola só para mim e uma festa prestes a ser colorida. Irresistível.
As luzes estavam brilhando e piscando quando descemos daquele palco meio improvisado. Dançamos algumas músicas e Tyler me deu uma arminha descarregada. Nem notei onde ele pegou. Depois me deu dois saquinhos de tinta, um amarelo neon e o outro era rosa, igualmente neon. Por essa hora eu tinha me perdido da garrafa de licor, que a essa hora estava completamente aceitável.
Repentinamente, senti um jato de tinta em mim. Uma risada desastrosa escapou da minha garganta e eu apontei a arma de volta para Tyler, que ria. E não saía nada! E eu lá, apertando o gatilho impiedosamente, ainda sem entender por que motivo nada era disparado. Tyler, o prestativo, notou meu esforço sem retorno e colocou sua arma debaixo do braço, pronto para me ajudar com a minha. 'Só' faltava carregá-la. Eu ria descontroladamente do meu desastre. Não dava para falar muito, a música estava tão alta que eu teria que me esforçar demais para isso. Estava mais fácil fazermos gestos e atirarmos tinta. Aliás, em certo ponto, todas as armas presas ao teto foram soltas, e a tinta corria solta pela pista improvisada da sala.
Enquanto ele recarregava minha arma, eu dei uma olhada ao meu redor. Todo mundo parecia se divertir. Apostei como se baixasse uma polícia ali, no mínimo vinte estavam ferrados, só por conta de bebida antes da maioridade.
E aí, arma pronta novamente, comecei a atirar em Tyler com o gatilho da direita. Eram dois gatilhos, assim era possível soltar uma cor, a outra, ou as duas. Incrível. Recebi um jato de tinta nas costas e voltei a atirar atrás de mim, me sentindo quase uma metralhadora giratória. Acertei uma loira ao meu lado que, ao invés de ficar brava, começou a rir e a atirar para cima. Acertei também o pé de alguém que escorregou em seguida e também começou a rir, atirando na canela de todo mundo, inclusive a minha.
Até que eu caí. É isso, a pessoa mais lenta, mais perdida, mais eu da festa tinha que cair. Porque já estava ficando duvidoso, um cara grande cair e eu não.
Não parei de rir de qualquer forma. Por um segundo, uma pequena parte consciente ainda questionava se tinha algum tipo de droga no licor, porque não era humanamente possível eu cair, não me machucar, continuar rindo e atirando ao mesmo tempo. Essa parte foi silenciada segundos depois, quando Tyler me esticou a mão e me levantou. Ele estava rindo de mim: toda lambuzada de tinta.
Olhei para cima enquanto me levantava, admirando o teto iluminado. Cores, cores e mais cores. Não era possível se focar em uma coisa só, tudo me chamava a atenção. E a luz negra deixava a roupa de todos ainda mais bonita. Continuei mais alguns jatos até que percebi que seria só aquilo até o fim da festa, então puxei a mão de Tyler, que ainda se divertia como nos primeiros quinze segundos, jogando tinta no meu shorts.
Ele sorriu no momento que peguei na mão dele para sairmos dali. Mas eu nem sabia como sair dali, então fui obrigada a gritar no ouvido dele.
- Como a gente sai daqui? - ao que ele me pegou pela mão, causando um arrepio frio em mim, me colocou à frente dele e me guiou pela cintura até o lado de fora da festa, nos fundos.
Tinha um balanço lá, e assim que o vi, saí correndo na maior viagem para sentar primeiro, no mais bonito. Sentei no rosa. Ou talvez aquilo fosse vermelho.
Sentei, descansei a arma e assisti a Tyler, no balanço do lado, atirando na grama, fazendo um desenho.
- Que gracinha! - falei um pouco alto demais. Tyler tinha feito um coração. Com a tinta azul, mas valia a intenção.
No que ele olhou de volta para mim, só sorriu. E aí ele foi meio rapidinho. Veio chegando, assim, esticando o corpo de um balanço ao outro - não que fosse longe - até chegar com o rosto bem perto do meu.
- Que bom que você veio - ele sorriu, desistindo de ficar no balanço e se ajoelhando de frente para mim na grama.
Tive tempo o suficiente para notar a proximidade, mas não sabia dizer o exato motivo pelo qual eu não o tivera repelido quando sua boca encostou na minha. Pelo contrário, meus olhos acabaram seguindo o movimento dos à minha frente e se fecharam também. Sua mão acariciou minha nuca, eu percebi que ele começava a tentar ficar em pé, mas ainda inclinando o corpo para mim.
Claro que ele perdeu o equilíbrio. Eu fui indo para trás, ainda não entendendo o que ele pretendia fazer, até que nós dois caímos do balanço. Eu, a infeliz, com metade de um Tyler em cima de mim. Suas pernas ainda estavam no balanço, era a única explicação plausível para eu ainda não ter sentido suas pernas nas minhas.
O pior foi ter lembrado nesse momento oportuno o que avisou, que ele era meu amigo e que era confiável, e que Tyler tentaria me agarrar e tudo mais. Mas o que eu faria, sendo que até então - antes de ser prensada no chão - eu estava gostando do beijo?
Fiz o que qualquer panaca faria: lembrei dele beijando Alaina e ficou mais fácil beijar Tyler.
Parecia que ele tinha acabado de mascar um chiclete de maçã verde, por mais estranho que pudesse parecer. O ponto positivo que me desligou de nos tirar daquela pose constrangedora foi que as mãos dele não faziam movimentos promíscuos, então eu não me sentia realmente abusada. Quer dizer, ele me segurava pelo rosto com uma mão e com a outra, ele se segurava senão para não me massacrar na grama, pelo menos para não me assustar com a falta de espaço.
Assim que conseguimos fazer com que o quadril dele saísse do balanço, finalmente nos deitamos na grama.
Nem uma hora depois, estávamos na porta do banheiro nos pegando. Não, literalmente nos pegando. Minha perna estava ao redor da cintura dele, e ele segurava minha coxa com vontade, me apertando contra seu corpo enquanto distribuía beijos pelo meu pescoço. Desamparada de provas, minha memória era a única testemunha que isso foi o mais longe que chegamos. E exatamante na hora que eu afastava um pouco o meu rosto do dele para tomar um ar e quem sabe oxigenar o cérebro, vi um clarão e abri os olhos imediatamente, porque achei que fosse um relâmpago.
Meu problema com relâmpagos era que depois viria um trovão insuportável.
Mas o céu não tinha muitas nuvens e estava escuro.
- Tyler, você viu isso? - mas por essa hora ele voltava a beijar minha boca. Resolvi deixar quieto. Tyler era macho e destemido o suficiente por nós dois e talvez eu devesse realmente relaxar e curtir o momento.
- Merda de vida - murmurei, me levantando para ir ver a cara da beleza no espelho na manhã seguinte. Destruída pela ressaca, apelei para os meus suportes medicinais, também conhecido como analgésico, em busca de amenizar o sofrimento.
Quase não reconheci a dona dos olhos vermelhos no reflexo. Menos ainda o cabelo de juba leonina do avesso e sem condicionador. Imaginei que fosse porque eu pequei.
Meu celular tinha duas chamadas perdidas da , e foi assim que eu notei que estava atrasada para o colégio. Pelo menos alguém ainda se importava com a minha presença no colégio.
Assim que fui liberada para entrar na segunda aula, Beth permitiu que eu saísse do banco solitário e fosse até a minha sala. Uma vez aberta a porta, absolutamente todos os olhares se focaram em mim.
Fingi não reparar em umas cinquenta pessoas me encarando atônitas e caminhei controladamente até minha carteira. Por mais que minha vontade, na verdade, fosse de sair correndo até a e perguntar o que diabos eu tinha feito dessa vez. Caminhei calmamente, então, até chegar na minha carteira, sem saber que estava indo em direção ao meu maior pesadelo já realizado.
Encontrei um exemplar do jornal da escola na minha mesa de sempre e bem na capa, bem na frente de tudo, uma foto minha agarrando o Tyler ali, bem pertinho do banheiro. Bem que eu tinha reparado que depois do relâmpago não veio trovão algum. Era um flash.
Dava para ser mais burra, ? Eu peguei o jornal, e só conseguia mentalizar um 'ai meu Deus' incessante, seguido de todas as orações que já fiz na minha vida em um milésimo de segundo, que foi quando li o nome da matéria, em caixa alta: , CLASSE C?
O trocadilho imensamente idiota, sendo que - apesar de Tyler estudar na sala C - ele era muito rico. Na verdade, pensando bem, o trocadilho poderia tratar das classes mesmo. De aula, não classe econômica. E isso, somado ao fato de que quem estava na sala A tinha médias mais elevadas que da sala B, o mesmo perante a sala C, e por aí vai, até chegar na F. A escola não costumava levar em conta quem tinha mais dinheiro, mas quem se esforçava mais.
Mas mais ainda, no fundo eu tinha certeza que era uma insinuação de ', você não está mais ficando com o classe A, começou a cair o nível?' e isso sinceramente rasgou qualquer chance de eu ficar quieta diante disso.
Digo, exceto na sala de aula.
A foto era a da hora H, a hora mais tensa, em que minha perna estava para cima, na cintura de Tyler, e ele me apertava contra si e nossas caras se assemelhavam a um orgasmo. Humilhante. Ou o fotógrafo era muito sortudo, ou eu realmente era extremamente azarada.
Depois de alguns segundos em silêncio, assimilando de pé o que se passava ali, naquela porcaria de jornal nas minhas mãos, abri a boca. A sala inteira estava em silêncio, esperando alguma reação explosiva.
- Isso aqui é algum tipo de brincadeira?
, que estava na carteira atrás da minha, discordou com um discreto aceno de cabeça. Bufei, me sentando. Enquanto a professora, a fofoqueira que também parou tudo para me observar, timidamente voltava à aula, observei mais um pouco aquela capa, ainda sem acreditar. Dobrei aquela porcaria e o coloquei na bolsa. Não por troféu, mas para falar com Tyler depois.
Passei o resto da aula quieta, bufando sozinha e sentindo os olhares de , e queimarem nas minhas costas. Não era preciso me virar para sentir o desapontamento deles.
Especialmente porque eu tinha dito que não ia à festa.
A aula do dia todo foi complicada, especialmente por ser difícil prestar atenção em professores que te lançam olhares indiscretos de curiosidade durante a aula toda.
Enquanto eu escapava da sala, no intervalo mais longo da manhã, reproduzi várias vezes em que , despreocupada diante desse tipo de barraco, comentava um 'É a vida de famosa, ', e ficava tudo bem.
- Tyler - eu falei, meio esbaforida. Tinha corrido o intervalo todo atrás dele e a sala era o último lugar em que ele poderia estar. E estava.
Na hora que me viu, seu rosto - antes lívido - se tornou meio tenso. Como se tivesse cansado do assunto da noite para o dia. Eu conseguia imaginar o motivo.
- ... - era possível sentir até na voz dele, meio o cara legal de sempre, meio um babaca desconhecido.
- Acho que você já viu isso, né - e aí eu mostrei o jornal, que durante o intervalo eu nem tinha me dado o trabalho de levar na bolsa. Carreguei na mão, mesmo, aberto e exposto.
- Vi... Tenso.
Além de todo mundo virado contra mim, essa praga também? - Então... Eu tenho uma coisa para te perguntar.
Me sentei ao seu lado, aproveitando que ele já estava sentado. Quem sabe isso não deixaria o clima menos pesado.
- Fala.
- Quem você convidou para essa festa?
- Hã?
Porque eu tinha minhas suspeitas.
- Eu preciso saber, Tyler. Você viu que essa foto foi tirada no espaço da festa. Foi alguém que você chamou.
Fechei os olhos, sentindo uma tontura forte e repentina. Tão rápida quanto veio, passou.
- Chamei a turma C inteira. Mas é exatamente por isso que não pode ser ninguém daqui, - ele disse, meio viajando nas ideias. Como eu fiz uma cara de interrogação, ele completou a frase. - Quem, em sã consciência, falaria da própria burrice? Aí seria burrice demais.
Só aí que eu entendi por que Tyler estava chateado. Ele não estava mal de aparecer no jornal comigo, nem se agarrando comigo. Ele estava chateado por ter sido rebaixado em inteligência. Porque talvez fosse esforçado, mas não conseguisse melhorar muito. Cheguei muito perto de ficar com pena.
Mas não deu tempo, eu tinha muito o que pensar. Turma C... Quem suspeito era da turma C?
- Só se for a Alyssa, aquela encrenqueira - ele disse, meio sem se importar com o que disse.
E pelo tom de voz dele, só disse para que eu tivesse um nome e me calasse. Mas isso foi a pontapé que eu precisava.
- Claro que não, ela não. Ela me adora. Mas a Alaina... Ai meu Deus, você chamou ela? - por essa hora, minha boca estava escancarada. Tyler concordou com um aceno óbvio de cabeça. E pela segunda vez, eu tive vontade de morrer, só por conta da minha burrice. - A Alyssa nem gosta de festas, mas a Alaina... Foi ela, tenho certeza.
Afinal, quem mais poderia me odiar tanto assim? - Ela já trabalhou no jornal da escola - ele me informou, largando o lápis, quando eu já dobrava o jornal e me erguia novamente.
- Como?
E parei tudo o que estava fazendo.
- É, quando ela era mais nova, antes de namorar o . Aliás, como você acha que ela sabe tanto do ? Os gostos, os lugares onde ele vai... Essa menina é uma psicopata. Investigação no sangue.
- Na verdade, eu estava perguntando como você sabe disso, mas serve, também...
- Ah... - ele deu uma risada fraca, e o clima ficou leve de novo. - Foi ela, cara, certeza. Mas como a gente vai provar? - essa parte ele falou mais baixo, entendendo finalmente a gravidade da situação.
- A gente não pode provar - constatei, sem esperança alguma na voz. - Eu não tenho nenhum acesso às coisas dela.
Talvez eu até pudesse ter, mas eu não podia arriscar minha confiança no Tyler assim, tão fácil. Infelizmente, se ele podia falar coisas da Alaina para mim, nada o impediria de fazer o caminho inverso. Antes desconfiada do que na capa do jornal da escola.
- Aí, , o sinal. Depois a gente se fala, vou ter que estudar.
Achei ruim ele ter falado dessa forma, mas não respondi nada. Assenti com a cabeça e me retirei dali. Afinal, se de repente minha presença o fazia mal, o que eu podia fazer?
De qualquer maneira, eu saí da sala C com um pensamento na cabeça. Um só. O plano da .
- Senhores - o diretor disse, se referindo à mim e Tyler. - Presumo que façam ideia do motivo de estarem aqui, não? - indagou, e eu debati internamente se fazer a perdida me salvaria de novo. Eu até que estava sentindo falta da psicóloga, embora não tenha dado tempo de sentir falta da mesa do diretor.
- A porra do jornal - Tyler disse, emburrado.
Dei um soco na sua perna, a uma altura que a mesa do diretor cobrisse meu movimento.
- Sabemos - respondi toda singela. Continuei o mais delicada possível. - Mas não é nossa culpa, senhor.
- Eu não sei quem fez isso, sob o consentimento de quem, mas isso não é permitido, nessa escola.
Meu cérebro trabalhava a mil, buscando alguma desculpa que eu pudesse usar e que coubesse perfeitamente. Algo que nos livrasse de toda a encrenca de uma vez...
Se ao menos o Tyler me ajudasse.
O diretor ergueu uma sobrancelha, esperando resposta, quando eu tive uma ideia. Não era a melhor do mundo, mas apelar para o lado emocional sempre ajudava.
- Namorar não é permitido? - bati as pestanas, tentando parecer o mais confusa possível. - Estávamos na festa dele e alguém nos flagrou. Esse alguém só pode ter inveja de nós - e aí, meio que para comprovar, eu segurei a mão de Ty. Ele sorriu meio amarelo e me abraçou de lado, me dando um beijo na bochecha em seguida, na maior pose namorado apaixonado.
- O curso do verdadeiro amor nunca flui suavemente - não pude acreditar quando Shakespeare foi citado pela boca de Tyler.
- Aliás, diretor, até hoje namorávamos escondido. Porque o , o ex da Alaina, é apaixonado por mim, mas eu não gosto muito dele... Não como mais do que amigos, sabe, porque ele é um ótimo amigo. Mas fazemos isso escondidos pelos nossos amigos. ficaria chateado se soubesse, mas Alaina ainda é apaixonada por , então ficou louca quando descobriu sobre eu e o Tyler - meu Deus, quanta abobrinha junta. Será que estava colando? - Para ela é um crime eu poder mas escolher não ter o , sabe?
Meu mais novo namorado de fachada entendeu onde eu queria chegar e continuou:
- Na verdade, nós achamos que possa ter sido ela, senhor. Alaina queria provar ao que estávamos juntos, mas não se deu conta de que eram assuntos pessoais.
O diretor só nos encarava com uma cara meio cética. Eu suava frio enquanto Tyler me segurava pela mão, e por essa altura eu assumia ser parte do nervosismo, não do teatro. De repente o grisalho, tirou os óculos e esfregou o rosto, cansado do assunto.
- Olha, eu não acreditei por um segundo nessa história - e puxou uma pálpebra inferior, dizendo em outras palavras que não era nada burro. - Mas também não acredito que tenham feito isso. Senhorita , eu vou livrar o seu histórico dessa vez.
- E quanto a mim? - Tyler estava aflito.
- O senhor, Shelford, tenho certeza que vai se manter longe de problemas de agora em diante. Desta vez passa - advertiu, estreitando a nós seus grandes olhos azuis. - Por outro lado, eu não duvido que Alaina tenha um dedo por trás dessa brincadeira. Não posso acusá-la sem provas, mas garanto trocar uma palavra com ela - o Sr. Southall apertou um botão no telefone. - Beth, chame Alaina Cooper, fazendo o favor - e em seguida, virou-se para nós. - E vocês estão liberados.
Como passamos o primeiro horário depois das aulas assistindo ao treino dos meninos, e eu decidimos tomar um banho e subir para a sala de estudos depois do nosso, para revisar um pouco da matéria. E aproveitando que a área externa estava vazia, tomamos posse de uma mesa. Ela veio com uma proposta babaca de eu tentar ser menos consumista. Babaca porque era óbvio que eu não aceitaria, eu nem ao menos conseguia prestar atenção. Continuei balançando a cabeça nas horas certas, mas a conversa estava me dando sono. O livro na mesa não estaja ajudando.
- Mas e aquele assunto da Alaina? - tentei mudar de assunto, conferindo a porta de vidro.
Deu certo.
- Bom, se tudo correr bem, sexta a gente faz o plano - ficou pensativa, mordendo a ponta do lápis. - Porque na próxima segunda recomeçam as provas.
- Ou seja, amanhã... - comecei a ficar alheia também. - E você acha que o ... - momento de silêncio enquanto eu pensava no que dizer e ela voltava a prestar atenção, parando de digitar. - Sei lá, você acha que ele pode ter ficado no mínimo irritado com aquela coisa do jornal?
me encarou um tanto perplexa.
- Claro que ficou. Você ainda não falou com ele?
- É... Não exatamente.
Como se ele estivesse olhando na minha cara. - Pelo amor, , vocês são no mínimo amigos. E seus amigos também são amigos e até saem juntos. Uma hora vocês vão ter que se falar, vai ser inevitável.
- Mas falar o quê? - até fechei o livro que eu fingia ler. - Se ele leu o jornal? Teria alguma coisa pior para falar?
- Pergunta se ele ficou chateado, . Porque eu tenho quase certeza que ele ficou - ela respondeu e voltou a teclar. - Aí já começa uma conversa.
Parei alguns segundos para pensar, mas acabei - para variar - não pensando em nada.
- Acho que ele pode ter ficado bravo porque me aconselhou a não ir na festa. E eu fui.
- Afinal, quem manda em você? - ela completou, dando uma risada fraca.
- É... - acabei rindo junto. - Ou vai ver ele ficou com ciúmes.
Na verdade, falei isso porque era o que eu queria que tivesse acontecido. Apesar de todas as evidências apontarem para o motivo de ódio dele ter sido apenas a forma que descobriu da festa.
- Acho que você feriu o ego dele - franziu o nariz. - Se você esquecer do ego e do orgulho dele, a coisa não funciona.
- Como eu posso ter ferido aquela porra de ego, se ele é inflado como um balão? Um pouquinho de ar nem ia fazer falta! - me defendi.
E ela parou de digitar de novo, para me encarar. O que mais me dava medo era qunado ela parava tudo na intenção de concentrar só em mim.
- Além disso, as pessoas são possessivas, você sabe - ela falou como se eu não tivesse dito nada. - Acho que te ver com o Tyler, naquela pose de acasalamento, ativou alguma coisa nele. Nem que seja a possessividade. E nós esperamos que seja.
Esperamos? As coisas estavam tão confusas. Por um segundo, me vi pulando daquele terraço. Mas eu fiquei ali, só na vontade. Porque existe gente sortuda. E existe eu.
- E agora, eu vou fazer o quê? Vou chegar e falar assim, de repente? Não vai dar certo.
- Claro que vai - apertou as sobrancelhas e fechou o notebook. - Olha só, ele só deve ter ficado com raiva porque você e o Tyler se pegaram e porque você foi escondido, mas...
Eu a cortei e falei por cima:
- , acorda. O ficou comigo, depois não a bipolaridade comandou e ele sumiu, e então, quando íamos voltar a ter alguma chance de passarmos a noite juntos, ele beijou a Alaina - frisei a última palavra. - E você ainda acha que nós vamos dar certo?
Ela ficou em silêncio, provavelmente matutando sobre os fatos jogados em cima dela feito água fresca em dia de sol quente.
- Nossa... Que complicados. Por que você não me disse essas coisas antes?
- Eu precisava da sua opinião antes e depois de contar essas peculiaridades - respondi simplória.
- Uau... É... Sei lá.
- Boa ajuda. Ah, para acrescentar, eu e o Tyler fomos parar no gabinete do diretor. Para nos safarmos do problema do jornal, acabamos falando que namoramos... E inventamos a maior história - narrei à , que ouvia atentamente, olhando para os lados às vezes para se certificar que não tínhamos companhia.
- Isso é sério mesmo? , isso vai ferrar tudo.
- Por quê?
- Você não para de se meter em problemas, e se a gente tentar o plano da Alaina, você não vai poder nem chegar perto. Temos que esperar a poeira baixar, senão pode te dar algum problema.
Mais?
- Nada que eu não possa contornar. O diretor Southall me livrou dessa.
ficou em silêncio me encarando, os lábios apertados.
- Não quero nem ver da próxima vez. Ok, vamos fazer isso, mas tem que ser logo.
- Mais tarde, lá em casa. Você chama os meninos? - confirmei, ao que ela concordou com um aceno de cabeça. Reparei no céu, que escurecia. - Está ficando tarde, é melhor eu ir para casa.
Naquela mesma noite, eu revirava o armário atrás de uma blusa bonita para o encontro. Mesmo sem saber porque a outra metade do grupo não sabia do plano, e, se sabia, não comentava comigo, acabei não contestando muito o fato.
Cheguei a duvidar que iria ou não, em conseqüência dos fatos ocorridos anteriormente, quando o telefone tocou. Sozinha em casa, deixei cair na secretária eletrônica. Desci as escadas já com uma blusa quando o telefone parou de tocar e passou a falar.
- , é a . Olha, eu consegui fazer o ir, mas já te digo que ele está bastante emburrado. Não sei por que eu estou falando isso, mas me agradeça assim que eu chegar aí, afinal eu sou demais. É isso, estamos saindo daqui a uns cinco minutos. Tchau.
Desligou, rápida e direta. Simplesmente . Acabei de passar o corretivo e ouvi a buzina da Evoque. Felizmente, assim que terminei de descer as escadas, o Cadillac estacionava logo atrás, saltando rapidamente do veículo.
Antes que pudéssemos discutir sobre o que realmente era importante, minha melhor e mais cretina amiga arrumou a desculpa de ir à cozinha porque estava morrendo de fome. Não bastasse ir, arrastou consigo.
Isso foi discreto, amiga. Sozinha com o . Meus nervos não poderiam ser melhor testados de outra maneira.
- Então, tudo bem? - perguntei mais para conversar uma conversa mesmo do que qualquer outra coisa.
- Não... E você?
E eu sabia que não devia ter perguntado isso.
- Tudo bem - apertei os lábios, notando que balançava o corpo para frente e para trás.
Alguns segundos de silêncio vieram dar o ar da graça e minha boca voltou a se abrir.
- Preferia que você tivesse ficado bravo por eu ter beijado o Tyler, não por ter feito algo que você não queria que eu fizesse, como ir à essa festa estúpida.
Se alguém encontrar meu orgulho, favor devolver! Pego de surpresa, ele me fitou de lado, apertou os olhos meio que tentando me entender.
- , você... Eu... - soltou o ar numa risada irônica. - É melhor a gente não falar disso agora. Depois, pode ser?
Tentando não me humilhar mais ainda, mantive a expressão neutra.
- Claro - notando não valer a pena ficar ali, encarando-o, voltei o corpo na direção da cozinha, na intenção de ir atrás de .
- Então, o tudo decidido? Amanhã, ok? - fazia a conclusão, com os últimos rabiscos no seu caderno.
- Fechado! - e disseram juntos. Sorri entre os lábios, por mais que um tanto insegura quanto àquilo.
Para piorar, não tinha conseguido falar muito desde a cortada colossal que me deu anteriormente.
Meus pais já tinham chegado e subido para o quarto deles, quando levei e à porta. Era em torno de dez horas da noite e eu não tinha entendido o motivo de ter ficado para trás, porém não contestei o fato. Se ele quisesse ficar, que ficasse. Eu ia tomar meu banho e dormir.
- Tchau, linda. Até amanhã - acenou e mandou beijo, a postura mais confiante do que eu vira em tempos.
Mas afinal, se até sozinha as coisas funcionaram, por que não em grupo?
Assisti da porta enquanto eles entravam no carro e davam partida. E suspirei na hora de fechar a porta, sabendo subitamente o que me aguardava. , sentado no meu sofá educadamente.
- Por que você está aqui? Lembrou de mais alguma grosseria?
Ferida, não consegui evitar a grosseria.
- Porque a gente tem que conversar.
Diferente da maioria das pessoas que incita isso com sangue nos olhos, os de pareciam fazer uma súplica.
- Conversar sobre o que eu tentei falar antes?
Ele inspirou fundo e bateu no lugar ao seu lado, me chamando. Sentei, me fazendo de desconfiada.
- É... Olha, eu estava pensando... - meu coração acelerou nessa parte sem que eu soubesse o motivo. - Eu acho que agi assim porque você disse que não ia a essa festa. Com o Tyler. E foi.
- E fui - confirmei, desanimada.
- Eu descobri da melhor forma. Quem me falou foi o , rindo da foto ainda - isso não ia terminar bem. - Não sei se o pior foi ver a foto, ou ver as pessoas rindo.
estava preocupado com a minha reputação?
- O fato de eu ter feito o que você não queria não te incomoda em nada?
- Lógico que incomoda, mas eu não posso te obrigar a fazer o que eu quero. E também não posso brigar com você por beijar alguém, desde que nós mesmos estamos enrolados, .
- Lógico que não... - concordei baixo.
Então por que a gente não se resolvia logo?
- Até porque... - ele falou como se eu nem o tivesse interrompido. - Eu também fiquei com uma pessoa.
O quê?
Senti algo gelado correr dentro de mim e o ar parou de circular nos meus pulmões. Eu ainda não sabia diferenciar se era ciúmes ou ódio.
- Com quem? - foi a única coisa que eu consegui perguntar.
Ele respondeu olhando nos meus olhos, falando devagar.
- Com a minha ex.
- De novo?
Porque eu já sabia e todo mundo - exceto ele, pelo visto - já sabia que eu sabia. Por que, céus, então, ele acharia que eu o tinha evitado por tanto tempo? Por isso ele nunca tinha tocado no assunto comigo?
- Foi naquela festa da Tara. Você ia, aí você não foi mais e eu acabei ficando com ela. Mas não foi exatamente assim. Então acho que eu não posso reclamar de você ter sido tão escandalosa com o Tyler.
Tive que levantar para defender o resto da minha honra.
- Se eu pareci escandalosa, , a culpa é dessa mesma ex, essa sua linda, loira ex namorada, que cria todos os empecilhos do mundo para se enfiar entre nós dois. Eu não fiz mais do que aquilo, - e aí ele finalmente me encarou. Aquela olhada de canto, meio erguendo a sobrancelha. - E talvez eu estivesse bêbada. Você nunca bebeu?
Para minha surpresa, ficou em silêncio.
- Eu não sabia que ela era um problema desses para você - assumiu, exasperado.
Ele só podia estar brincando com a minha cara.
- Lógico que não, - foi ironia. Minhas forças estavam todas concentradas em não me tornar um poço de grosseria, mas estava impossível. - Estou acostumada a receber saladas no rosto, na frente de todo mundo. E depois ameaças sibiladas pouco antes de você chegar à mesa. Por último, você fica com ela. Você não acha curioso todas essas coisas acontecerem em sequência?
- Você não está sendo racional.
Contive um grito de ódio. Ele não podia ser tão cego. Não era possível.
- Você está defendendo ela?
- , se isso tudo é culpa da Alaina, me explica onde ela entra quando você ficou com o Tyler.
Eu sabia onde. Na hora da foto. Só podia ser ela. E se não na foto, na publicação da mesma. Quis contar tantas coisas para , mas como ele reagiria? Por acaso eu esperava que ele pedisse desculpa, apagasse toda a história que teve com ela, se ajoelhasse e me desse um anel de namoro? Todos meus esforços possíveis para mostrar a culpa dela pareciam impotentes.
Mas seria fraqueza demais assumi que beijei o Tyler porque meu íntimo queria, de alguma forma, se vingar do mal que me vez vê-lo beijando Alaina. Seria me colocar ainda abaixo de toda a humilhação que eu já vinha trazendo para mim.
Agora você aparece, orgulho. - Até quando você ia esconder que beijou Alaina? - ergui as sobrancelhas. - Eu pude ir à festa de última hora, . Eu vi o modo que você a beijou, e você parecia bem entretido.
Sua boca se abriu, mas eu consegui ver o exato momento em que ele foi perdendo a cor.
- , não foi o que eu quis dizer.
- Eu tenho certeza que foi - fui em direção à porta, em uma última tentativa de encerrar aquela confusão sem saída. - E depois eu beijei Tyler porque quis. Era o que você queria ouvir? Aí está.
Queria feri-lo tanto quanto pudesse, não via mais nada a perder.
- ... - sua voz falhou, enquanto ele se levantava, aproveitando a deixa. - Isso não acabou.
Não soube dizer se era a briga ou nós dois.
Mas eu certamente sabia que estava com um pé na vontade de morrer, porque quando ele saiu, mesmo antes de fechar a porta, uma lágrima gorda escorreu pela minha bochecha.
Capítulo 22 Meu orgulho tinha dado mais uma dormida, então eu aproveitei para apunhalar minha dignidade pelas costas. Veja só, acabei pensando demais depois que ele saiu de casa, mandei um texto para , dizendo mais ou menos ', desculpa pela grosseria de ontem. Nós dois estávamos meio nervosos... Talvez a gente possa conversar melhor hoje, eu não sei...? Me deixe saber o que você acha.'
O bonitão da sala A tornou um 'Ok', trazendo uma onda de arrependimento que eu não via desde a noite anterior.
Fiquei me amaldiçoando e tentando entender aquela coisa que o professor de matemática, colocava no quadro. Aquilo era porcentagem? Notei que estava fazendo uns grunhidos não humanos baixinhos, porque a me cutucou e perguntou:
- Conseguiu entender a matéria? Você nem estava olhando o Sr. Faneran a explicação toda... - como eu não respondi, ela acrescentou. - A prova é na semana que vem.
Encarei-a por alguns segundos, ainda voltando a pisar na realidade.
- Entendi tudo, amiga, fica tranquila.
Que mentira, a única coisa que eu entendi de porcentagem é que estou 100% perdida.
- Sei... - pareceu contrariada, mas voltou a se concentrar no próprio caderno. - Me avise se precisar de ajuda.
A aula continuou pelos trancos e barrancos, até que o sinal bateu e eu saí quase voando da sala. Passei por cima do pé de um e, assim que cheguei ao corredor, senti uns olhares carregados sobre mim. Escolhi ignorar.
Corri em direção ao meu armário, onde guardei alguns cadernos e liguei para . Chamava, chamava e caía na caixa postal. Decidi que ela ainda estava em aula.
Olhei feio para algumas pessoas pelo corredor, até que eles continuassem o que quer que estivessem fazendo. Vai ver esperavam mais algum escândalo vindo de mim. Dessa vez, eu não pretendia permitir-lhes esse prazer. Pena eu não ter mais voz ativa para afirmar que a nova estava no comando; nem sabia mais onde a havia deixado.
Finalmente me atendeu.
- Estou presa na aula... A professora de literatura está dando alguns avisos - a voz dela chegou sussurrada. - Falo com você depois.
- Ok. Devo ir para lá?
- Sim. Chama o - desligou.
Chamar. O. ? Fora dos planos.
Onde é que assina? Eu estou saindo fora. O cara me deu um fora colossal, me fez sentir um legítimo réptil rastejando atrás dele, brigou comigo por causa do Tyler, quando eu só beijei aquele canalha porque estava com ódio do idiota original que traiu minha confiança ao beijar - estava até repetitivo - a ex. Agora eu devia chamá-lo? que descobrisse a hora de ir e que fosse. De preferência, para o inferno.
Novamente, agora você aparece, orgulho. Engraçadinho, você.
Quinze minutos depois - porque, sendo sexta, não teríamos educação física nem os meninos, então a maioria dos alunos teria ido embora - precisava chegar a uma sala atrás da secretaria, proibida aos alunos. Sem que nenhuma câmera me flagrasse. Com muito esforço, desviei para todos os pontos cegos e consegui chegar. Fui me esgueirando, reparando em todos os lados possíveis.
Não foi tão difícil quanto meu instinto de espiã internacional previa.
Cheguei à sala de computadores que controlavam câmeras - também a sala que protegia o sistema central e a internet da escola, basicamente a sala central dos fios - e encontrei em uma das telas. Eram apenas dois monitores, cada um com um mosaico de câmeras e duas em destaque. Ambas eram as únicas que variavam entre várias câmeras. Foi em uma pequena, fixa, que notei e percebi que ele estava mais perdido do que nunca. Temendo pelo tempo escasso, comecei a remexer o mouse e mudar as pequenas telas. Assim que descobri como desativá-las, que era mais ou menos como havia previsto, desativei todas. Se desligasse apenas as do caminho que faríamos, poderia levantar mais suspeita.
Apaguei também os arquivos do dia todo, finalmente suspirando aliviada.
As câmeras continuavam fazendo seu trabalho ao monitorar, apenas não salvavam as informações. Certifiquei-me disso duas vezes. Com a chave que pegou, saberia Deus como, da secretaria, tranquei a sala. Liguei para e no momento em que fazia isso, continuei a observar , me sentindo como um policial comendo donut.
Uma cena que chamou minha atenção foi uma figura loira se aproximando dele. Qual não foi minha surpresa quando Alaina recebeu um braço em resposta. Ele a empurrou não muito delicadamente para o lado. Cooper ficou irritadiça e tentou ir atrás dele - uma pena não ter cores, eu mal podia ver se seu rosto estava ficando escarlate - ainda tagarelando qualquer coisa e ele virou para trás, de frente para ela. parecia tão grande perto dela. E Alaina lá, encolhida, de um modo que, pela câmera só dava para ver o topo da cabeça dela. Uma pena, porque eu não trocaria assistir àquela discussão por nada na vida.
Pouco tempo depois, acabou gesticulando com os braços, não parecendo muito contente. Depois se virou e saiu dali fuzilando, tentando bagunçar ou arrumar os cabelos. Essa parte eu não entendi direito.
Alaina se virou e foi na direção oposta, também não exatamente satisfeita.
Reparei em outras câmeras e encontrei Tyler pegando uma castanha aleatória. Achei engraçado ao reparar que não senti o mínimo de ciúmes. Ele realmente não era o cara de quem eu gostava.
- , você está aí? - era no telefone. - Responde, sua perdida.
Levei um puta susto porque até esqueci que tinha ligado para ela.
- Estou, né, o tempo todo - certa raiva escapou na minha voz. Eu estava me divertindo muito vendo , até ser lembrada de minhas responsabilidades. Não que eu não estivesse me sentindo poderosa. - E você está onde? Não estou te encontrando em lugar algum...
Ela entendeu a referência às câmeras.
- Estou com o , estamos do lado de fora... Atrás da escola. Você desligou todas as câmeras? - ela falava meio baixo, eu não sabia o porquê.
Usei minhas forças mentais para ser o mais calma possível. Se nos desentendêssemos, também seria a chave para o fracasso.
- Tenho medo de desligar e algum alarme ser ativado, ! - larguei o mouse e pus os pés na mesa. - Não estou afim de dar explicações à Interpol.
A outra pensou um pouco antes de tornar.
- Tive uma ideia. Liga para a Alaina.
- QUÊ? - quase caí da cadeira.
- É. Liga para ela e chama ela para ir aí. Melhor, chama ela na sala dos professores. Na hora que as câmeras pegarem ela chegando lá, você desliga tudo.
Entendi de cara o que tinha em mente.
Lado humano berrando: QUE MALDADE.
Lado vadia berrando de volta: QUE MALDADE!
Alaina chegaria lá, eu desligaria. Já tinha apagado quem chegou à sala de vídeo. Sairíamos todos livres dessa. Exceto pela Alaina, que estaria nas câmeras do colégio.
Maldade demais. Enquanto minha amiga tagarelava, eu praticamente espremia o próprio cérebro, certa de que teria uma ideia melhor. Já que já tinha apagado todas as imagens do dia, ia ser impossível pegar Alaina picotada pelos caminhos. Eu sabia que tinha um jeito. Mas como? - Vou te passar o número dela - disse por fim, falou um pouco com e me passou.
Parei um segundo antes de seguir as ordens.
- Tive uma ideia muito melhor.
ouviu com atenção, e eu percebi que tinha sido colocada no viva-voz.
- Sensacional, ! - foi . - Já vou ligar para o .
Estava com os olhos nele bem antes que atendesse a primeira ligação, de . Ele não pareceu gostar do que deveria fazer, mas os gestos da sua cabeça indicaram que ele o faria. Quando fez a segunda ligação, fiquei de olho em Alaina. Ela atendeu o telefone desconfiada, mas com pressa.
Uma vez que a mesma atendeu o telefone, notei que passou a fazer o que faz sempre, que era conversar com algum cara do time de futebol, em algum lugar longe da sala dos professores. Fiquei de olho e liguei as câmeras por uns segundos quando Alaina ia em direção à sala dos professores. Desliguei a gravação mais alguns segundos, liguei novamente, como se estivesse com falha. Por sorte, Alaina parou para mexer na bolsa, e eu terminei de gravar nesse segundo. Ela pegou um espelho e conferiu sua aparência antes de entrar na sala. Não sei como não pude prever isso. Era melhor do que o esperado.
Claro, no dia seguinte, teriam as evidências que deixamos, que alguém invadiu a sala depois das aulas, quando quem cuida do local já teria saído. A incerteza vinha na segunda parte, quando eles poderiam pensar ou que algo saiu errado ao apagar todos os arquivos, e que sem querer não foi possível apagar Alaina indo à sala dos professores, ou pensariam que alguém tentou incriminá-la, por ser uma das poucas cenas importantes disponíveis nos registros. Fiz questão de pedir a que avisasse para agir normalmente assim que desligasse o telefone. Por último, como eu não ia com meu próprio carro, o fato de eu não estar nesses poucos segundos com todas as câmeras ativas ao mesmo tempo, não poderia me incriminar nem incriminar a e , estacionados fora dos limites escolares.
Quase me aplaudi de pé.
estava a postos para roubar as provas da semana seguinte, levando um casaco de na bolsa. Vi quando ela entrou pela porta da frente, ligou para - já que ele provavelmente ainda não me atenderia - e pediu que ele distraísse a secretária Beth.
Mais tarde descobri que era um casaco velho que Alaina tinha esquecido na casa dele. Ao menos para alguma coisa essa ex namorada servia.
Assim que notei praticamente seduzindo Beth, convincente até demais, liguei para para que prosseguíssemos com a segunda parte.
Assim que ela entrou na sala, eu religuei a câmera. Gravava um pouco, não gravava um pouco, gravava um pouco e por aí ia, alternando. Como se a câmera estivesse pifando. estava encapuzada, e foi perfeito. Para mim, que sabia de tudo que se passava, foi meio teatral, mas ainda foi 'Estou me escondendo' do ponto de vista de, por exemplo, um diretor Southall. Ou uma psicóloga um pouco atordoada com a capacidade de vandalismo dos alunos.
No instante em que descobriu as provas nas mãos, eu finalmente desativei as gravações de vez. Peguei um pouco de algodão e espalhei nele álcool em gel, afim de limpar posteriormente possíveis digitais da chave, do teclado e do mouse. Desliguei o sistema de uma vez - agora sim na intenção de chamar atenção - repensando a semi perfeição alcançada: foi como se fosse a Alaina, só que preparada para entrar na sala.
O tempo estava ficando cada vez mais curto e comprometedor. Uma vez que o sistema fosse completamente desligado, provavelmente algum sistema de segurança maior seria ativado. Eu não gostaria de estar ali quando o serviço de investigação chegasse.
Como última parte do plano, e a última em que eu precisaria me mexer, saindo da tal sala, fui obrigada a passar na secretaria, onde ainda conversava com Beth, cujos olhos brilhavam. Ele e Beth até repararam minha presença, mas como eu só passei por trás dele, não chamei muita atenção. Coloquei a chave no bolso de trás de , finalmente me sentindo uma agente secreta.
Ficara combinado que ele daria um jeito de guardar a chave, sem que a secretária descobrisse. Se ele dizia ser tão bom assim, eu preferia confiar. Minha última esperança era que ele tivesse lembrado de levar pelo menos o algodão, já que tinha álcool em gel na secretaria.
Encontrei com na esquina. já estava no Cadillac, sem o casaco. Com cuidado pulei para dentro, e sem opção, já que as portas de trás não existiam.
Um sorriso no rosto de cada um provava que tudo havia ocorrido perfeitamente.
Na segunda feira, as coisas complicaram um pouco no campo amoroso.
Desde que o Sr. Southall disse na nossa cara que não caiu no nosso teatro nem por um segundo, Tyler e eu tínhamos um tipo de acordo tácito: não estávamos namorando, assunto encerrado. Ou pelo menos até cinco segundos antes de ele vir no meio do pátio, a poucos metros do refeitório e tirar todas as minhas dúvidas, terminando comigo.
Eu tinha virado um ímã de problemas e não sabia.
- , onde você esteve?
- Na sala, eu acho? - levantei-me com pressa, na intenção de desencorajá-lo a continuar gritando.
Deu meio certo, o círculo ao nosso redor já estava formado.
- E seu celular?
- Está na minha bolsa, Tyler. Mas por que tudo isso? - arqueei uma sobrancelha, levando as mãos à cintura.
No mínimo, eu estava intrigada.
- Porque estou tentando te ligar desde ontem e seu celular nada. Isso não é normal.
Lembrei na hora do motivo. Deixei o celular no modo 'Não perturbe', culpa do plano genial da .
- Ah, eu estava estudando ontem - era a desculpa que eu e - que estava atrás de mim - tínhamos combinado exatamente para o caso de perguntarem. Francamente, não imaginei que fosse usar meu álibi tão cedo assim. Mas aí eu me toquei que ele não tinha me ligado, ou meu celular avisaria.
- Se a gente for mesmo namorado de agora em diante, é bom você agir como tal.
Arregalei os olhos. Minha mão começou a suar frio instantaneamente.
- O quê? Nós não...
Nesse instante, meu olhar cruzou com o de , que como numa típica novela mexicana, estava à frente da roda aberta ao meu redor. Ele ouviu o idiota do Tyler dizer a mentira que dissemos na frente do maldito diretor. E que ele mesmo não acreditou. Qual era a do Tyler? Busquei rapidamente alguma faca por perto - ou um penhasco, o que fosse mais fácil - para me matar de forma rápida, mas só encontrei Alaina, uma sobrancelha erguida em descaso.
Eu ainda não estava entendendo nada.
Sorte é uma coisa que até deve existir, mas eu não posso provar porque nunca tive. - Tyler, eu não estou entendendo qual é a sua, mas nós não namoramos - eu disse no mesmo tom que ele. Já que todos tinham ouvido a primeira parte, que ouvissem o meu lado também. - Só para o caso de você ter esquecido. Foi só aquela noite.
Quando notei Tyler se arriscando a me beijar - o mesmo Tyler para quem eu tinha confiado naquela mesma manhã que parecia finalmente ter caminho livre para ficar com - não pensei muito antes de virar um tapa no seu rosto.
Minha mão ardeu. Ele manteve o rosto virado por alguns segundos. Fiquei com medo da reação dele, até porque se Tyler resolvesse me matar, aquele bando de engravatados da Drayton Manor provavelmente ia pegar o celular e gravar, ao invés de fazer algo do bem.
- Nós estamos terminados aqui - ele falou um pouco alto demais para alguém a sibilar.
Em seguida, tão rápido quanto começou a confusão, ele se virou de costas e foi abrindo caminho entre as pessoas.
Você quer escarcéu, Tyler? Aqui está o seu barraco. - PEIDA E VOA, SEU MENTIROSO! - ele parou para me olhar, a mão ainda cobrindo o lugar onde agora cinco dedos avermelhados estavam desenhados. - Não tem como você terminar uma coisa que nem começou.
Quase falei sobre a menina que eu o vi beijando, mas como meu álibi de estar estudando em casa não condizia, resolvi ficar quieta.
Ele voltou todo o caminho e eu senti um frio percorrer minha espinha, algo dizendo que agora eu iria apanhar. E que não haveria querendo me salvar.
- , será que você pode cooperar? - ele falou tão baixo que eu quase não tive certeza do que ouvi. - Depois nós conversamos e eu te explico tudo, só me segue no teatro.
- Agora você fala isso? Agora que você acabou de destruir minhas últimas chances com , logo quando nós discutimos por sua causa, entre tantos outros motivos - eu falava tão baixo quanto possível, reparando o repentino silêncio ao nosso redor. Como último suspiro da luta, entrei na trama, falando alto. - Cai fora, Tyler! Não quero mais saber de você.
Tyler aproveitou e saiu de cena. Mas quando busquei , reparei que ele também não resolveu ficar.
Cinco minutos depois recebi uma mensagem dele. Pedia desculpas pelos possíveis problemas causados. Parecia piada.
- Como se desculpas resolvessem essa encrenca... - bufei, respondendo a mensagem. Pedi que ele me encontrasse antes do treino na área externa e pouco frequentada da sala de estudos.
Ao final da aula, fui ao ponto de encontro. Ele chegou dois minutos depois, esbaforido.
- Veio pela escada? - tentei amenizar a conversa. Tyler discordou num aceno, colocando sobre a mesa o material e uma bolsa esportiva, que imaginei que tivesse a roupa de educação física.
- Só estou com pressa, a aula começa em dez minutos.
- Eu sei disso. Então?
Fui o menos estúpida possível.
- Então! - Tyler puxou uma cadeira e se sentou. - Primeiro de tudo, eu realmente vim te pedir desculpas. Foi egoísta o que eu fiz.
Franzi a sobrancelha.
- Explique-se.
- Quando o Sr. Southall falou com a Alaina, ele comentou que não acreditou que nós dois namorávamos - antes que eu pudesse perguntar o porquê disso, ele foi tão claro que eu fiquei quieta o resto da explicação. - Disse isso para impedir viesse com alguma desculpa do tipo. Ou qualquer outra desculpa. De qualquer forma, isso não a impediu de armazenar a informação e chegar para mim depois, me ameaçando porque eu estava ficando com outra garota - agucei os ouvidos, mas ele não continuou a falar da tal garota. - Alaina quase contou para ela que eu estava em um relacionamento sério com você, .
- Por isso você foi 'terminar' comigo - fiz aspas com os dedos.
- Exatamente. Pensei que, se a escola toda visse a cena, ela eventualmente ia ficar sabendo e não ia acreditar na Alaina, que aliás preferia que eu estivesse com você, assim ela teria caminho livre com o . Ou pelo menos é o que ela acha.
Entendi o porque do egoísmo. Tyler protegeu o próprio possível relacionamento, sem pensar se isso acabaria de vez com as minhas chances do meu.
- Alaina tem você na ponta do dedo, não tem? - perguntei, quando notei que estava absorta demais em pensamentos e ele já ia embora.
Não sei se Tyler sentiu que me devia mais provas, mas mexeu no celular e se aproximou de mim com uma mensagem aberta.
- Eu ainda tentei debater. Ela disse que ninguém escolheria acreditar em mim, quando ela dizia algo oposto - a mensagem dizia 'Em quem você acha que ela vai acreditar, Tyler? A foto é o fato'. - Esse ela é a menina. E você sabe a que foto ela se refere.
Claro que eu sabia. O jornal.
- Eu vou te recompensar por isso, , eu prometo.
Se tudo estava resolvido, por que eu ainda achava que Tyler estava tenso demais?
Se a situação não fosse tão trágica, seria bem cômica.
Com Tyler falando ou não - porque claro que eu imaginei mil vezes a situação e nenhuma acabou bem - para a verdade sobre o falso namoro, eu não esperava que ele reagisse bem. Até porque, mesmo que acreditasse, de qualquer forma, mesmo que nada tivesse começado, tínhamos acabado de terminar.
Só pude torcer para que ainda houvesse uma maneira de consertar tudo.
Meu celular vibrou na penúltima aula. Era só uma mensagem e por saber que era só uma mensagem, já não me senti animada de pegar o celular para conferir. A grande surpresa foi o nome de no visor. O cara que devia estar me odiando naquele exato instante se minhas constas estivessem corretas.
E...
Por que ele iria querer se encontrar comigo na biblioteca?
Culpei-me por ter sido burra e não notado antes. No momento que pisei na biblioteca, vi a inesquecível plaquinha do silêncio. não queria escândalos, até porque, se quisesse, já teria me chamado na quadra, mesmo. Mas não! O moleque escolheu a biblioteca porque lá os tímpanos dele não poderiam ser atacados pelo meu timbre de voz mais alto, no maior esquema taquara rachada. Poucas pessoas. Ar condicionado. Silêncio. De certo ele queria poder dizer um monte de porcarias para mim e receber de brinde, por conta dos elementos citados anteriormente, eu ficasse quieta e concordasse com tudo, assumindo coisas que só a mente louca dele poderia produzir.
Senti-me esperta o suficiente para me arriscar em tal missão.
Outro pensamento me atravessou. Ele poderia ter escolhido a biblioteca na intenção de fazermos as pazes. Tantas pessoas tem fetiche por biblioteca de colégio... Talvez fosse o tipo de madeira das estantes e...
Alguém me explica como eu consigo pensar nessas coisas quando a minha vida está indo de mal a pior? Na mensagem de , havia uma indicação que eu pegasse um livro de matemática - ainda se fosse química - então, concluí que ele queria me desagradar desde o início.
Procurei pelo livro até o último corredor da biblioteca. Eu realmente pretendia pegar o livro, porque presumi ter algo dentro dele. Porque quando você assiste demais a séries de suspense, detetive e afins, esse é o único resultado possível: levar tudo para a vida real.
E ser surpreendida por um agitado.
Ajoelhada, procurando o livro através do código, de repente, senti alguém puxar o ar ruidosamente, e aí um 'Caham', e, voila. Só não caí para trás porque me amparou.
- Você quase me matou do coração - sussurrei, levando a mão ao peito e me erguendo em seguida.
nem esboçou um sorriso. O que indicava a seriedade da situação.
- Eu precisava falar com você.
- Não tinha um lugar melhor, eu receio, onde pudéssemos conversar livremente - respondi com ironia.
- Aqui é bom - jurei, por um segundo, ter visto um brilho de ansiedade nele. - E aqui você não vai gritar.
Cruzei os braços na altura do peito.
- Bom, nem você - e ergui uma sobrancelha. - Ficou com ciúmes do Tyler?
Me arrependi instantaneamente de ter dito assim. Se tinha um jeito que eu pudesse falar para acabar de destruir tudo, esse muito provavelmente era o jeito não apenas certo, mas perfeito.
- Óbvio que não. Eu estive com a Alaina muito antes de você pensar em sair com o Tyler.
- O que tem a ver uma coisa com a outra? - minha voz saiu no impulso. - , todo mundo sabe que você e a Alaina terminaram. Você age como se não suportasse ela, e eu entendo suas razões, ela é uma patricinha metida e ainda te traiu, mas eu não. , por que você faz essa confusão comigo? Por que a gente não consegue dar certo? - parei atordoada com uma conclusão. - Você ainda gosta dela?
Quantas vezes e de quantas formas é possível perder uma mesma pessoa e ela ainda ser sua?
Ele ficou em silêncio depois do que eu disse, em choque, e só voltou a falar depois que eu descruzei os braços, finalmente encontrando o livro à minha frente. Revirei os olhos.
- , ou você é muito ingênua, ou é muito burra, mesmo. O Tyler só quer você porque você é bonita, nem é de você que ele fala.
Quase agradeci pelo bonita, mas aí lembrei que ele me chamou de burra também.
- Por que eu tenho que ser a burra e ingênua? - respirei fundo, controlando a voz. - Você teve todas as chances de decidir o que fazer, . Você não pode controlar tudo aqui, como controla toda a sua vida - passei o cabelo atrás da orelha. - E eu nem sei mais por que a gente está discutindo.
- Porque você correu atrás do Tyler na primeira oportunidade - respondeu com pesar. Quando o encarei descrente de que aquilo o afetasse, sua postura mudou imediatamente. - Eu não ligo se você quer ficar com ele. Eu realmente não ligo, você não faz ideia do quanto eu não ligo.
- O Tyler não pode estar querendo a mim, .
- Ah, não?
Foi a vez dele cruzar os braços.
- Ele está apaixonado por outra menina - gesticulei com as mãos. - Eu sei que é difícil acreditar depois do que todo mundo ouviu hoje - recebi um aceno de cabeça em concordância. Falei mais baixo ainda, o que o obrigou a se inclinar na minha direção. - Mas ontem eu o vi, nas câmeras, beijando outra menina.
nunca pareceu mais cético.
Falei mais.
- Ele fez aquilo por causa da Alaina. Ela estava ameaçando contar umas mentiras para essa menina.
- E lá vem você com essa história. Podemos não entrar nesse assunto?
Bufei, vendo que aquilo não iria a lugar algum. sempre ouvia o que eu falava sobre Alaina, mas não adiantava nada quando ele me dizia para esquecer ou que eu estava neurótica quanto àquela menina.
- Por que você sempre me diz para largar o assunto? Você sabe que ela é capaz de coisas horríveis.
conferiu os lados antes de admitir.
- Talvez eu tenha um motivo.
Mordi o lábio, receosa.
- Então, me conta. Quanto mais a gente souber... Talvez nós possamos pará-la.
Ele passou a mão nos cabelos, como se estivesse cansado de ouvir isso, mas não disse nada.
Ficamos alguns segundos nos encarando, até que eu tive coragem de abrir a boca.
- Você não confia em mim.
- Podemos nos falar de novo outra hora? Pode ser na minha casa - pediu, chechando o relógio de pulso. - O sinal vai tocar em poucos minutos.
Apertei os lábios, avaliando o quanto eu poderia me ferrar com isso.
- Lá em casa. Amanhã, depois do treino.
Concordou silenciosamente, ajeitou a mochila no ombro e me deu as costas.
O que tinha acabado de acontecer?
Capítulo 23 Assim que dobrou à primeira estante, tentei pegar meu celular e ligar para , , ou qualquer maldita alma viva, mas meus dedos simplesmente não obedeceram. Fiquei ali, parada, devastada, sentindo o sabor da derrota e da ansiedade. E não fazia ideia de como agir.
O sinal tocou, acabando com minhas chances de continuar remoendo o assunto na biblioteca. Já que tinha encontrado o livro, o abri e sacudi para garantir que não havia nenhum bilhete, antes de ir fazer a prova de química.
Meu humor estava abaixo de zero e até que o professor se sentasse, dando praticamente um soco na mesa, ninguém tinha calado a boca. Assim que se fez silêncio, tentei me concentrar na minha prova, notando que , ao meu lado, estava tão tranquila que dava inveja.
A minha cabeça estava uma zona tão grande, a ponto de já não ajudar ficar repetindo meu mantra.
Tudo vai dar certo. Tudo vai dar certo.
Prova concluída, enquanto deixava a sala imaginei como seriam as coisas quando notassem que o registro das câmeras de sexta foi apagado. Se notassem. Minha pressão começou a oscilar com o pavor que fui sentindo, ao imaginar todas as possibilidades. E se eles nem cuidassem da questão das câmeras? Se nem notassem?
Passando pelos corredores, na intenção de ir ao pátio, acabei passando perto da secretaria, onde ouvi a voz de Beth em tom diferente do normal. Ela sempre estava tão entediada que ao som da voz dela agitada, precisei parar atrás do arco para ouvir. Até porque, se eu passasse, ela me veria e pararia de falar.
- Estou dizendo, só ouvi rumores. Sei tanto quanto você. Quando, e se o Sr. Southall quiser falar com você, garanto que será chamada.
- Ellenbeth, o Sr. Southall não ligaria na minha casa se não estivesse interessado em falar comigo.
Eu conhecia essa voz.
- Talvez você devesse tê-lo atendido, então - Beth respondeu, desinteressada na conversa.
- Eu vou até a sala dele, e você não vai poder me impedir.
Só uma pessoa no mundo poderia ser tão petulante.
- Não, você não vai. Volte aqui.
Notei que ambas estavam vindo para o corredor. Um segundo antes que pudesse ser vista, me escondi em um vão no corredor, onde tinha um bebedouro.
Quase. Não foi surpresa ver Alaina caminhando pisando duro, seguida de Beth, em direção à sala do diretor.
Enchi os braços de enlatados e voltei ao carrinho de mercado da minha mãe. Eu sei que tenho evitado mencioná-la o tempo todo, mas vez ou outra é necessário abrir uma exceção. Ainda com ela por perto, eu não me sentia mais segura no quesito sorte.
Veja bem, eu tinha em torno de seis latas de molho de tomate nos braços e, de repente, nenhuma pista de onde a Sra. se encontrava. Quer dizer, ela tinha deixado o carrinho meio cheio ali, abandonado e sem proteção. Senti-me na obrigação de ir até lá.
Tomei-o nas mãos e comecei a busca pela minha mãe. Com quase dezessete anos, eu já não ia atrás dos caixas, anunciar que estava perdida. Podia muito bem procurá-la. E nada melhor que com a ajuda da tecnologia.
Saquei o celular do bolso virando o terceiro corredor cheio de coisas baratas, mas engordativas, quando quase atropelei uma menina de cabelos castanhos que eu podia jurar que, se não era do último ano B, era do último ano C. Tinha certeza de já tê-la visto em um uniforme da Drayton Manor. Certeza que a conhecia.
- ! - sua boca se abriu num sorriso amigável, quando me chamou. Fiz esforço para lembrar seu nome. - Que coincidência te ver aqui.
Que lugar desagradável para chamar isso de coincidência. Tortucidência chegava a ser mais agradável. Ou suicidência, se em referência à minha vida social e ao fato de ser vista fazendo compras com a mãe.
De repente, o nome dela veio à minha cabeça. Finalmente!
- Loreli! É, que coincidência. Fazendo compras?
Não, , ela veio aqui estudar.
- É... Chato, não? - ela deu de ombros, pegando uma caixinha de chocolate da promoção. Ouvi um bip baixinho, que a fez saltar de repente. - Ops, desculpa.
Pegou o celular, digitando qualquer coisa. O celular bipou mais uma vez e Loreli voltou o olhar para mim. Tentando deixá-la confortável, comecei a me distrair com as barras de chocolate branco, fingindo que não prestava atenção nela e em suas mensagens a me deixar curiosa.
- Valerie está vindo para cá. Ela queria mesmo te ver.
A curiosidade passou.
- Ela é da escola, não é? - tentei não parecer tão confusa quanto estava.
Loreli entendeu onde eu queria chegar.
- É, mas nunca conseguiu falar com você. Sempre tão rodeada de amigos - isso me fez pensar se Valerie era tão tímida quanto a Loreli parecia.
- Ah...
Não se passaram cinco segundos desde que a respondi, Valerie despontou no corredor.
Tinha a mesma altura da outra, e concluí que eram irmãs, não primas, porque eram parecidas demais. Os cabelos dela eram também castanho-claros, talvez só um tom mais escuro, mas ligeiramente crespos. Seus olhos eram da mesma cor dos de Loreli, mel-esverdeados e usava óculos de armação meio rosa transparente. Fora da escola, as duas nunca eram vistas em festa alguma, então elas não deviam ser festeiras. Esse também era o motivo pelo qual quase não lembrei o nome dela.
Só estranhei que ela estivesse sem sardas porque, até onde cavei minhas memórias do primeiro colegial, as duas tinham sardas no rosto todo. Só podia significar que ela estava usando muita maquiagem. Não tive muito tempo para pensar a respeito disso, aliás.
- ! - exclamou quase da mesma forma que a irmã o fez e veio até mim. - Quanto tempo - fabriquei um sorriso, pronta para pensar em algo inteligente como resposta, quando ela tornou a falar. - Fiquei sabendo algumas coisas sobre você e o .
- Tipo o quê? - senti que meu rosto ia começar a arder e me distraí andando até a outra prateleira.
Eu só esperava que o vermelho no meu rosto não estivesse tão evidente quanto a ardência nas bochechas.
- Bom, depois que você apareceu no jornal da escola, todos só comentam sobre você...
- Não consigo imaginar o motivo - a ironia saiu numa risada baixa. - Mas aonde você quer chegar com isso, Valerie?
Depois de dar dois passos na minha direção, ela resolveu falar, num tom baixo e até ameaçador para a figura que eu costumava fazer de Valerie, na minha cabeça. Digo, no primeiro ano.
- Fiquei sabendo também que Alaina está em problemas, e só pode ter a ver com você. E seus amigos, claro.
- O que você quer dizer com isso?
Se fosse uma ameaça, eu estava pronta para bater em retirada.
- Alaina não me disse do que se trata, - ela disse como se fosse óbvio, dando a volta ao meu redor ao que dei um passo para o lado. Pegou um pacote de gelatinas coloridas. - Nossa amizade está apenas começando.
- O que você quer comigo? - sabia que ia me arrepender antes mesmo de perguntar.
E sabe aqueles momentos em que tudo dá certo, tudo vai bem? Então, eu não sei, não conheço esses momentos. Porque o pressentimento é que nada iria bem.
Mal pensei, ouvi minha mãe me chamar.
- , querida, venha cá - ela estava à minha frente, um pouco longe, e eu não saberia dizer se ela estava lá fazia tempo.
Salva pelo gongo.
- Amanhã - Valerie respondeu, sem mover mais do que os músculos da face necessários para pronunciar tal palavra. - Nós nos falamos melhor.
- Aquelas meninas pareciam urubus ao redor de você, espero que não sejam pessoas com as quais você fala diariamente - foi a última coisa que lembro dela ter comentado, ainda com a voz baixa prezando pela discrição, antes que eu mergulhasse em pensamentos.
Desde que, na noite anterior, concluí que a menina poderia ser invisível por ser tão sem graça, com o corpo sem curvas como uma tábua, o rosto comum e a personalidade - pelo que pude perceber - influenciável pela rainha Cooper. Totalmente mediana. Altura mediana, olhos verdes variando para o mel, cabelos castanhos, roupas comportadas. Normal demais. Não por maldade, mas se fosse para por à mesa, provavelmente não tinha mais do que dois atributos para diferenciá-la de uma grande parcela da Drayton Manor. A parcela anônima.
Comecei a pensar sobre a irmã dela, onde eu já a tinha visto, além do primeiro ano, porque no ano seguinte eu não tinha memória nenhuma com elas. Mas Loreli não me era estranha...
Isso conseguiu tomar quase metade do tempo que eu tinha para a prova de porcentagem do Sr. Faneran.
Comecei a pensar se as coisas só estavam acontecendo por causa da minha paixão por . Por que eu tinha que gostar das pessoas erradas? Alaina só podia estar me incriminando para a tal Valerie por causa disso. Porém, não, eu tinho que gostar do . E não é só gostar, é entregar meu coração numa caixinha toda enfeitada de purpurina, com um laço de cetim, como se fosse o melhor presente do mundo.
E isso porque nós só brigávamos ultimamente.
Como não foi me encontrar por quaisquer motivos depois da educação física, acabei indo para casa a pé.
O dia estava frio, e lá estava eu, na cozinha, sacudindo o pacotinho de chá. Coloquei água no microondas e até que fervesse eu escolhia o melhor saquinho de chá.
Coloquei-o na água em seguida e mexi um pouco.
Enquanto eu procurava o açúcar, a campainha tocou.
- Collin, você atende? - falei alto o suficiente para ele me ouvir. Caso estivesse acordado. - Collin!
Notando que ele demorou demais, e lembrando que tinha marcado com um certo alguém, decidi ir abrir a porta.
- Oi, - passei a mão pelo cabelo antes que me desse conta. - Quer entrar?
- Aham - ele sorriu de canto, um sorriso tenso.
Fiz que estava de bom humor, nem um pouco preocupada, e fui para a cozinha com ele em meu encalço logo após trancar a porta.
- Quer chá?
- Não vim para o chá, - discordou com a cabeça gentilmente.
Puxei as mangas do moletom para cima e apoiei os cotovelos no balcão, curiosa. Tinha esperança que ele me contasse as coisas que começou e não terminou, na manhã anterior.
- Então faça o que você veio fazer.
ficou em silêncio alguns segundos, mordendo o lábio. Voltei a tomar o chá e fui até a sala com a xícara praticamente na minha boca, na maior pose inocente, segurando-a com as mãos ao redor.
- , você é tão difícil - ele vinha me seguindo.
Virei para trás, confusa.
- Perdão? Se você não quer falar, eu respeito. Entendo que algumas coisas são melhores não ditas, mas quando eu olho para você - segurei a mão na metade do caminho de acariciar seu rosto. Uni as sobrancelhas. - Eu sei que você quer me dizer alguma coisa. Eu tenho certeza.
- , não é simples assim - esperei que ele dissesse mais alguma coisa, em vão.
Aconcheguei-me no sofá. Liguei a TV e repousei o controle no colo.
- Eu entendo...
Ele veio até mim e se sentou ao meu lado no sofá, virado na minha direção.
- Não, você não entende - estava com o mesmo olhar de todas as vezes em que começava a dizer algo e não concluía. E novamente a frase ficou sem explicação.
- O que eu não entendo? Como você parece odiar a Alaina e depois me manda esquecer o assunto?
Percebi que eu era incapaz de largar o assunto até que o entendesse. Talvez tenha entendido também, porque suspirou e voltou a falar.
- A Alaina, de novo... , eu sei que isso deve ser pedir demais, eu sei que eu mal tenho dado explicações e que eu devo estar te deixando confusa.
- No mínimo - acrescentei, sorvendo o chá.
pegou o controle do meu colo e desligou a TV. Não fiquei irritada porque finalmente parecia que ele ia dizer algo importante.
- Lembra quando eu disse que Alyssa era perigosa? - perguntou, didático. Concordei com a cabeça, pondo o chá de lado. Suspirou. - Era mais justo ter dito isso de Alaina. E é claro que eu gostaria de te contar tudo agora mesmo, mas... - tive certeza de ter visto medo em seu olhar. - Eu só gostaria de pedir por enquanto que você ficasse longe dela.
- O quê?
- Eu criei essa bagunça toda, e estou tentando resolvê-la - assumiu, apoiando a mão no meu ombro. - Só preciso que você confie em mim.
Antes que eu me desse conta, tinha deixado o chá de lado e segurava-o de volta no braço. Fiquei quieta a fim de parar de pressioná-lo a falar. deveria agir no seu próprio tempo.
- Vem cá - aproximou-se de mim no sofá, me puxando pela cintura.
Passamos alguns segundos nos encarando. puxou o ar como se fosse dizer alguma coisa, mas acabou sorrindo entre os lábios. Estávamos ambos com o rosto apoiado no sofá, a centímetros um do outro. Sua mão me apertou mais forte na cintura, trazendo-me mais perto e a outra tirou o cabelo que caía no meu rosto.
Nossos olhos se fitaram por vários segundos - o que pareceu uma eternidade - até que sua respiração passou a bater no meu queixo. Minhas pálpebras ficaram mais pesadas à medida que ele acabava com o pouco espaço entre nossos lábios e iniciava um beijo. Concentrei-me em parecer calma, ao erguer a mão até sua nuca e acariciá-la, puxando de leve os cabelos. Em resposta, passou a mão pelo meu cabelo, colocando-o atrás da orelha. Sua mão esquerda se manteve firme na minha cintura, puxando-me contra ele.
- - chamou entre um beijo e outro. Não afastei a boca da dele. Não afastaria por nada no mundo. - Você acha que a gente pode... Começar de novo?
Abri os olhos, focando nas íris brilhantes de , miradas em mim. Dei um sorriso sincero, apoiando a mão no seu maxilar e acariciando sua bochecha com o polegar.
- Como... Tentar de novo?
Quase não acreditei. E se fosse mais alguma coisa subentendida, implícita, complicada de entender de novo?
- Se você achar que vai conseguir lidar com essa confus--
Silenciei-o colocando o dedo na sua boca, mais clichê impossível. O corpo de se inclinava sobre o meu, no sofá, e minha outra mão apoiava-se no seu ombro, garantindo-me equilíbrio.
sorriu, mas voltou a falar.
- Eu gosto de você, . Me dá essa chance?
Sorri, pela primeira vez verdadeiramente feliz em muito tempo. Dei um beijo rápido em , que ainda estava de olhos fechados quando perguntei.
- Isso responde à sua pergunta?
Ele concordou com um sorriso e me beijou. Me beijou com vontade.
Capítulo 24 Dizem que só pessoas que fazem sexo acordam e o dia parece mais azul, os passarinhos cantam mais alto, a pele fica mais macia, menos brilhante... Só se eu fiz e não sabia, porque olha, passar aquele tempo com o já me fez sentir pronta para outra. Pronta para tudo.
Era praticamente impossível não me olhar no espelho e berrar: há, sortuda!, mas eu estava fazendo o esforço.
Minha vida era realmente uma montanha russa. Altos, baixos, loopings... Gente caindo para fora da corrida... Mas enfim! Lá estava eu de novo na escola, dois dias depois. Logo após a penúltima prova da semana, durante o almoço, Alaina passou na minha mesa. Só adquiriu coragem de ir depois que Alyssa saiu correndo porque tinha que estudar mais um pouco de semiótica. Ou ótica, vai ver eu não prestei atenção direito, porque com o na minha frente na maior parte do tempo, ficava complicado focar.
- Olá, linda - ela disse para mim, mas se insinuando perto de , que não se mexeu.
Ainda sem saber exatamente se ele tinha contado para todo mundo que nós tínhamos decidido voltar a ter uma espécie de relacionamento - ou ficar -, mas se sabia, Alaina sabia muito bem se fazer de desentendida. Sorri amarelo de volta. Enquanto eu não era forte o suficiente para pular em cima dela e puxar seus cabelos para fora da cabeça, eu ia sorrindo falso.
não colocou a sua mão por cima da minha, mas deixou que ela colocasse a dela sobre a dele, até que ele a tirou delicadamente, com um sorriso educado. Uni todas as minhas forças mentais para não explodir de ódio. Além de tudo, tínhamos acordado que não demonstraríamos afeto em lugares propícios a fofocas, para evitar problemas com Alaina. Eu ainda, caso não tivesse ficado claro, estava entendendo nada. continuava pedindo que eu confiasse nele. Minha fé estava começando a minar, principalmente a cada segundo que se passava e ele não socava a ex.
- Então, vão ficar todos em silêncio só porque eu cheguei? - Cooper voltou a falar.
- É que ninguém quer falar com você, não sei se você percebeu - tomou um segundo para olhar a garota e dizer de boca cheia, voltando a atenção ao almoço sem pressa.
- Por que você não volta para a classe C? - sugeri, sorrindo. Alaina, que de burra só tinha a cara, entendeu exatamente o que eu quis dizer. Porém, se isso a incomodou, não deixou transparecer nem por um segundo.
Seu queixo se manteve erguido.
- zinha, querida. Se eu fosse você, também ficaria chateada de ser comparada a alguém da classe C, especialmente quando você teve alguém da classe A com interesse em você, não é? - piscou algumas vezes, aqueles cílios entupidos de rímel, me deixando louca de vontade de arrancar um cílio por vez. - Eu entendo...
- Alaina, cai fora, fazendo o favor - interferiu.
completou, perdendo a paciência. até tentava acariciar seu ombro para acalmá-la, sem sucesso.
- Até porque você já caiu da sala B, quer ir para a D agora? Ou quer criar uma sala Z especial para a Cooper?
Os olhos de Alaina faiscavam.
- Sabe... Isso nunca vai acontecer comigo. Porque a única coisa que os jornais vão comentar agora - ela falava jornais como se o jornalzinho da escola fosse uma coisa de alta sociedade. Tudo bem, ainda era menos pior do que os panfletos -, vai ser como eu saí da classe C direto para a A. Sem escala na B.
Não, não, não. - Hã? - , que lia um livro, o fechou e ergueu os olhos para ela, que estava em pé. - Vai subornar quem para isso? Porque todo mundo sabe que a cor do seu cabelo equivale à sua inteligência.
- , shiu, isso tangencia o bullying - ouvi falar entredentes para ela, mas Alaina ignorou. Respondeu toda superior à :
- Não vou subornar ninguém, queridinha. Estudei muito e tenho quase certeza que gabaritei todas as provas - suspirou, do seu altar. Seu ego era tão inflado que até parecia que ela respirava Gás Hélio 2.1, enquanto todos nós estávamos no Oxigênio 1.0. - Vou fazer um requerimento agora mesmo e os professores verão como meu Q.I. está acima de todos da sala e vão me querer com pessoas mais inteligentes. E para alguém entrar na sala A, alguém tem que sair, não é, ?
Antes que eu pudesse debater se aquilo era porque ela era tão mal recebida que tinha desistido da nossa mesa, constatei que era verdade, mesmo. As salas tinham limite de alunos e a minha estava cheia. E com tantos problemas, se a Alaina tirasse notas realmente boas e as minhas caíssem deliberadamente, era possível haver uma troca de alunos. Especialmente se fosse considerar o capital que o pai dela investia na Drayton Manor.
Mas, gente, no último ano é que ela queria isso? Poderia querer no segundo, no primeiro, mas... No terceiro? Que graça teria mudar de sala no meio do semestre? E ainda para uma sala em que ninguém mais a suportava.
me olhava advertido, o olhar me lembrando suavemente do que ele dissera, em casa.
Há, como se eu tivesse ido atrás dela. - Obrigada, Alaina, pela sua contribuição - tomei um gole do meu suco para testar se ficava mais fácil engolir a presença dela. - Mas não é como se você ao menos soubesse o que a abreviação Q.I. significa.
Alaina revirou os olhos, pegou o material que tinha deixado na mesa, jogou o cabelo para trás e ia saindo dali. Parou a poucos passos, bateu cabelo ao fazer uma voltinha e tornou à minha mesa.
Fechei os punhos, encarando com uma expressão que dizia que eu explodiria logo.
- Ah, quase ia me esquecendo. Você pode comemorar comigo essa vitória, - franzi a sobrancelha, sem entender do que se tratava. e Alaina nunca combinaram na mesma sentença. Muito menos no mesmo ambiente. E menos ainda, quando o ambiente é a casa de uma de nós duas. - Meu aniversário está chegando e vou comemorá-lo nesse final de semana. Ops, amanhã! Você está convidada. Sabe que não ir a essa festa mancha sua reputação social.
Peguei o convite tão gentilmente quanto minha humanidade permitia e o analisei.
- Não vai manchar nada, se eu já não tiver reputação - sibilei, me recordando imediatamente do episódio Agarradora de Tylers. E também que eu nunca fui a uma festa dela.
- É uma escolha sua, acabar com ela por tão pouco - puxou um sorriso cínico, inclinou-se na minha direção e precisou de uma frase de efeito, antes de finalmente dar o fora. - E é bom que você vá.
Um minuto de silêncio na mesa até ela sumir de vista.
- Ela acha mesmo que vai para a sala A? - foi a primeira a falar, inconsciente dos planos tanto quanto e totalmente ignorando a possibilidade de eu ir à festa da Alaina.
escondia uma risada por trás daquele sorriso de canto. Eu tinha certeza. Olhei para e tive mais certeza ainda de que ela pensou a mesma coisa que eu, porque sorriu sorrateiramente, antes de se distrair cutucando a orelha de .
Se Alaina se matou de estudar para as provas, devia ter gabaritado a maioria. E com as provas roubadas e o Sr. Southall sabendo disso... Talvez a demora deles em se pronunciarem a respeito das provas fosse esperar para ver o resultado das mesmas. Se Southall era tão cheio de moral quanto pregava, talvez, só talvez, estivesse aguardando antes de acusar alguém. Só que se as provas delas não tivessem bom resultado, tudo teria sido em vão.
Mas aí eu tive uma ideia.
Depois da aula, me ligou. Com a presença constante dele, mesmo que só conversando comigo, ficava complicado desviar mesmo que fosse o pensamento dele. O celular estava um pouco longe de mim, então eu tive que correr para atendê-lo.
- Oi - falei esbaforida. - Desculpa, eu não conseguia achar o celular.
- - sua voz estava animada. - Está pronta?
Demorei um décimo de segundo para entender sobre o que ele falava. Tínhamos marcado, mais cedo, de sairmos. E escolhemos o lugar mais longe para um segundo primeiro encontro, pois assim não teríamos chance de encontrar algum conhecido. Não que fosse realmente necessário não sermos vistos por ninguém - pelo menos eu acreditava que não - afinal, não tinha nada além de uma ex nos proibindo de existir como casal. Só por precaução, eu me lembrava gentilmente das palavras de , para evitar pensar que ele não queria era ser visto comigo.
- Pronta, claro. Quase pronta.
Pronta o escambau, para variar.
- Passo aí em dez.
Horas, né? Diz que são horas. - Minutos?
- Consegue me imaginar chegando aí as 2 da manhã? - caramba, ele fez as contas rápido.
Ri de volta sem humor.
- Você está tomando meu precioso tempo de arrumação.
- Se eu chegar aí e você não estiver pronta...
- Você vai o quê? - perguntei despreocupadamente enquanto ia ao banheiro checar o cabelo.
Não tão mau quanto eu pensava.
- Te ponho no carro e saímos com você desarrumada - sua voz pareceu tão preocupada quanto uma pessoa que diz que a semana de provas acabou.
- Acho que você não ia... - nem terminei de falar e a ligação caiu. Misteriosamente.
Olhei torto na direção do telefone, ainda sem tirá-lo da orelha, me conformando que não deveria ligar para e berrar na sua orelha por ter desligado na minha cara. Mas como eu era a nova , voltei a me arrumar, por fim.
Londres fica a relativamente poucos quilômetros da costa e era lá, em um alfinete no GPS indicando um cantinho de Brighton, onde planejava me levar. Não que eu estivesse realmente animada pelo lugar ou pelo mar, até porque estava ventando muito naquele outono. Eu... Precisava da companhia dele. E só de pensar que passaríamos em torno de uma hora e meia juntos no carro na ida e mais o mesmo tanto na volta, já me dava arrepios de animação.
Sempre havia visto como alguém inalcançável e tinha desenvolvido uma espécie de adoração por ele, por causa disso. Era um desafio. Tinho vergonha só de lembrar que investiguei tanto sobre sua vida que acabei fazendo parte dela. Não que eu realmente sentisse vergonha da última parte.
De qualquer maneira, sempre fui avoada demais para gastar sequer algum tempo me esforçando em entender meus sentimentos por ele. Sempre vi dessa maneira: eu gostava dele porque ele não gostava de mim. Era a única explicação plausível para um sentimento que durou tanto. Até parecia masoquista ou estranho, ou até mesmo constrangedor, mas foi dessa forma que meu carinho por ele foi criado. E depois, como eu precisava de proximidade, criaram-se os laços. Pouco a pouco. Foi dessa maneira estranha e meio inadequada, como gostei dele, primeiramente.
Sempre tive a maioria dos garotos aos meus pés. Não exatamente aos meus pés, vá lá, mas apesar de não muito sortuda e - caramba, eu reli meu diário - um pouco infantil, eu conseguia, sempre que me sentia sozinha, alguém. Numa festa, num luau, num churrasco, num baile... Sempre tinha um reserva. E aí eu quis , que desestruturou todo meu esquema, porque ele nem sequer me notava. Se notava, sabia esconder bem. E foi onde essa jornada toda começou. E só então eu havia parado para pensar sobre tudo. Sobre o quanto eu havia feito coisas erradas para chegar onde estava, para finalmente tê-lo comigo. Sobre como isso me fazia mal, nos momentos em que eu era um pouco mais humana e deixava os impulsos de lado para, finalmente, raciocinar. Não sabia dizer se era justo com todas as outras pessoas passar por cima dos sentimentos delas, na finalidade de realizar uma teimosia do meu coração. Uma obsessão que, estranhamente, se tornou paixão.
E, bam!, aí vem o motivo pelo qual eu evito toda essa onda de repensar os atos, mas que já estava ficando estatisticamente impossível de ignorar: paixão não dura tanto tempo assim.
Isso bate, pinga, apita e agita na minha cabeça. Meu cérebro não conseguia mais evitar essa condenação. Teimosia obsessiva não dura quase dois anos, dura? Não, eu sabia que não... Porém, não queria realmente responder a essa questão. Eu chegaria à outra: se se passaram mais de doze meses, e o interesse continuava ali, intacto e no mínimo tão grande quanto sempre foi... Isso seria amor?
É, talvez eu não tivesse sido completamente honesta com todos. Nem comigo mesma. Tinha conseguido me enganar por um bom tempo... Mas ninguém pode se enganar para sempre, não é?
Deixei meu corpo cair sentado na cama, perdida com o olhar em qualquer ponto nulo. Sabia que estava presa em meus pensamentos, mas pela primeira vez não queria sair dali. Me sentia compelida pelo fato de assumir meus sentimentos pela primeira vez a mim mesma e ao mesmo tempo, me sentia quase obrigada a cair fora. Porque não queria enxergar o que estava bem na minha cara.
Estava dividida entre a vontade de sair de transe, fingir que nada aconteceu e continuar com a parte sentimental semi-desligada e a vontade de continuar investigando, de chegar ao limite e ver até onde eu chegaria. Se é que aquilo possuía poder para mudar o rumo das minhas próximas ações.
Suspirei, assumindo finalmente a mim mesma ter feito a coisa errada. Agido da forma errada. Por .
Me dei conta que só me arrependia da fórmula utilizada para chegar a , mas não do produto final. Envergonhava-me de chatear tantas pessoas, causar desapontamentos e criar mentiras por onde passasse, mas ainda era motivo de alegria ter ele por perto.
Eu devia mesmo ser uma péssima pessoa.
Antes que uma onda de culpa me invadisse, mentalizei o sorriso de . Rapidamente a culpa se esvaiu, como se nunca tivesse dado as caras. O que só provou mais uma coisa: se havia alguém que fazia tudo aquilo valer a pena, esse era .
Além disso, se eu tivesse usado outras formas, outros caminhos... Poderia ter chegado a outro resultado. A essa altura, eu não podia sequer me imaginar com outro resultado, senão .
E, por mais que tivesse feito algumas coisas erradas, pelo sentimento levemente puro que sentia por ele, pelo que ele havia criado em mim, mesmo sem consciência disso e até pelos meus erros, eu sabia que faria valer a pena.
Fala sério, com tanto terrorista no mundo, não posso ser considerada alguém tão ruim. Dali em diante, eu sabia exatamente o que fazer em relação à . Chega de duvidar, de pegar atalhos e agir das formas erradas. O melhor que eu poderia fazer agora seria aproveitar.
E, bom, algo me dizia que a primeira oportunidade começaria em um minuto, assim que eu descesse as escadas para encontrá-lo na porta da minha casa.
A praia estava nublada. A fim de não desagradar possíveis intenções de de cair na água, lembrei de levar biquíni na bolsa. Não que eu realmente o tivesse usado. Eu estava de shorts, sentada em uma esteira e, de lado, me abraçava. Toda vez que eu lançava um olhar em sua dire~çao, reparava em seus olhos perdidos na imensidão azul acinzentada.
Eu dava uma colherada no sorvete quando meu subconsciente me alertou de algo: Alaina faria uma festa no final de semana. Meu aniversário.
O detalhe especial era que o aniversário dela, na verdade, era só uma semana depois do meu.
Abri a boca em indignação, mas nem pareceu notar, afinal som algum saiu pela minha boca.
Provavelmente, na semana seguinte, ela também faria uma festa. Pelo aniversário dela. Não que eu planejasse chamar a escola inteira, incluindo os calouros do primeiro ano, mas... Que cretina. Suspirei, dobrei os joelhos bem próximo de mim e apoiei a cabeça no ombro de , que pareceu finalmente sair do transe marítimo e me dar atenção.
- O que foi, ? - parecia até um pouco preocupado, passando a mão pelo meu ombro.
- A festa da Alaina é no mesmo dia do meu aniversário.
não disse nada, passando a acariciar meus cabelos. Embora chateada com a situação, não consegui fazê-lo parar o que estava fazendo para me dar apoio moral.
Carinho é sempre mais importante.
- Não acredito que ela faz aniversário junto com você - ele disse depois de algum tempo.
- E não faz - olhei para cima de relance. Repousei a mão, agora gelada, na sua perna. - O meu vem exatamente sete dias antes - respondi meio desolada e ele passou a mão com carinho pela minha, neutralizando por dó minha temperatura de defunto.
- Você não vai à festa dela - decidiu com posse, e eu dei uma risada.
Recebi um beijo na testa em resposta.
- E se eu quiser? - não que eu quisesse.
- Sabemos que você não quer - e ele acertou.
Por que Alaina continuava acontecendo na minha vida? Suspirei pesado, encarando o mar.
Como se, de repente, ele pudesse vir com uma resposta para mim. Sobre, por exemplo, como a Alaina estava sempre presente em nossas conversas, mesmo que virtualmente. Quando me inclinei mais na direção de , agora para lhe dar um beijo, acabei me lembrando de mais uma coisa.
- O casaco, ! - a minha brilhante ideia. - Ficou com você?
- Ficou, sim... - o final acabou entonado como uma pergunta. – O Que é que tem?
me olhou como se minhas frases estivessem tão desconexas que quase me senti louca só de pensar nisso.
- É uma prova. Se for encontrada com você, o que vão pensar? - foquei-me em ver a reação dele.
Seu corpo ainda estava relaxado demais na esteira, me puxando contra si, acariciando minha nuca e quase me fazendo esquecer de tudo.
- Que a Alaina pegou o expresso direto para o meu quarto na calada da noite.
claramente, ele estava zoando com a minha cara. Esforcei-me na expressão de paisagem e inspirei o ar lentamente.
- Vamos falar sério, agora?
- , achei que você estivesse ok em entregar esse casaco para ela.
O QUÊ? Qual o problema com esse menino? Acho que eu tenho o dedo podre, não é possível. Eu tinha plena noção que era essa a minha ideia sensacional original, mas dita da boca de outra pessoa, parecia a pior escolha disponível no catálogo de suicídio. Voltei todos os momentos em que repassamos o plano, conferindo se perdi algum momento no qual isso poderia ter sido decidido com meu consentimento inconsciente. E aí eu entendi. Era isso que significava o olhar de na mesa, quando Alaina me chamou para a festa.
Era um complô.
- Você deve presumir então que pode me trazer a um passeio na praia para depois me meter numa missão suicida, certo? Na casa da sua ex, ainda - me exasperei, foi quase sem querer. começou a fazer um sussurro para me acalmar, mas eu já me levantava. - Aliás, não foi dela que você pediu que eu tomasse distância?
esperou gentilmente que eu terminasse de surtar, então indicou o lugar ao seu lado para que eu voltasse a sentar, apertando os lábios. Não sentei antes de bufar um pouquinho.
- É um pouco incoerente da minha parte, mesmo - olhou para baixo, minhas mãos repousadas no colo e as tomou. Fiquei com medo de ele me pedir em casamento em forma de desculpas. - E eu sei que já foi encontrado o colar da Alyssa dentro da bolsa dela. Não vão se surpreender se outra coisa aparecer por lá - nesse momento, ele deu de ombros, revirando os olhos ao se dar conta do que dizia. - Me desculpa, . Eu nunca devia ter pedido isso para você.
Enquanto eu enrijecia os meus, sentindo a culpa pesar, inventava de dar um beijo no dorso da minha mão.
Porque, coincidentemente, eu coloquei o medalhão da Alyssa dentro da bolsa da Alaina. E, mais uma vez, a tarefa era designada a mim.
Na minha cabeça, eu não fazia ideia do quanto sabia sobre a verdade disso e o que quer que Alaina tivesse inventado para ele, eu também nunca saberia. Pelo menos da minha boca, informação nenhuma saiu.
- , você está bem? - ele pousou a mão no meu rosto, e eu senti o sangue pulsar ali. Só torcia por ele não sentir também. - Ficou pálida de repente. Isso é minha culpa, eu sou um idiota.
- Ei, eu estou bem - dei-lhe um selinho. - Você não precisa ser tão exigente consigo mesmo o tempo todo - acariciei seu rosto, não me detendo até que o tivesse beijado direito. - Eu estou bem.
me encarou tão sério quanto preocupado, após o beijo, como se minha explicação não fosse convincente o suficiente. Digamos que realmente não era. A última parte tinha saído rápido demais.
- É, mas é bom eu pegar alguma coisa salgada para você comer. Já venho - e dito isso, ele tomou o sorvete semi-terminado da minha mão e o levou.
Só queria pedir para ele não sair de perto de mim ou me deixar sozinha com os meus pensamentos, mas foi um pouco tarde demais. Pensei em descontar minha raiva no mar, mas ele não ia sentir nada, e eu ainda podia tomar um caldo do caramba.
Suspirei, porque era o mais fácil a se fazer. E mais discreto, também.
Talvez o melhor para o momento fosse me fazer de doente por mais uns dez minutos, fazer manha e ganhar mais carinho. Afinal, carinho - como já dito - é sempre mais importante.
Quando voltou com uma pipoca salgada, que eu não consegui descobrir onde comprou, finalmente concluí o pensamento de dias atrás. Sobre o que ele dizer não condizer exatamente com o que ele faz. Ele só podia ter medo que Alaina me fizesse algum mal.
Mas gostava de mim, senão não teria ido comprar algo para me fazer sentir melhor. Senão não teria dirigido sei lá quantos quilômetros para ficar no sossego comigo, na vista maravilhosa do infinito oceano.
Mas enfim, é isso mesmo, cérebro? Só era preciso pensar um pouco e, pimba, podia aproveitar a realidade? gosta de mim. E isso bastava. Tinha que bastar.
Aceitava essa , desastrada como só ela, além de inteiramente espontânea.
Com e eu querendo a mesma coisa, só faltava fazer acontecer. Porque sinceramente, depois dessa descoberta (e do meu surto mental), já tinha certeza sobre o que sinto por ele.
Não que aquele maravilhoso por do sol não ajudasse, claro.
- Não acredito que fez uma música para ele - chiou, fazendo a super feminista. Como se ela tivesse o direito de me criticar, já que fazia poemas para .
- Ah, pára, , eu acho uma gracinha - interveio, pegando o papel da mão dela para dar uma relida.
Mandei-lhe beijos no ar.
- É, eu também acho, mas eu nem li direito a letra - piou atrás de , abrindo a cortina de fios que pendia na frente do rosto da mesma, impedindo de sequer enxergar o papel. - Me deixa lerrrr!
- Dividam, suas lindas - proferi do chão, ignorando a reclamação de por completo. - Tem música para todo mundo.
- Então, o encontro ontem foi quente? - perguntou de repente, piscando os longos cílios com pressa. Claramente, estava curiosa e tinha guardado essa pergunta dentro de si por algum tempo, porque saiu bem rápido quando houve uma brecha.
- Literalmente, estava um sol de rachar - me abanei com um leque imaginário, rindo em seguida. não gostou nadinha da piada. Achei melhor tratar ela bem, afinal eu estava na casa dela. - Na verdade, até que sim. Brighton estava nublada, porém ótima, muito obrigada por perguntar.
- Não acredito - foi a primeira a exclamar, com as mãos na boca.
O medo que senti na hora se igualou à sensação de quando minha mãe me ouvia falar algum palavrão.
- Você foi para Brighton? - reafirmou e tudo que aconteceu lá voltou como uma onda brava em cima de mim.
- Sabe que eu nem tinha lembrado tudo isso até que você trouxe à tona? - reclamei, me levantando para pegar o papel da letra de música de volta, que já estava de novo na mão de .
- Nós combinamos de nunca mais voltar lá - me lembrou. Isso é, se eu já não tivesse lembrado antes.
Dei uma olhada em , só para me certificar de que ela estava lá, sentada com a boca torta e os olhos expressando confusão, variando pousá-los entre eu, e .
- Eu sei, eu sei, mas não é um crime o que eu fiz. Quer dizer, ter ido lá - me corrigi, ao fim.
- Nós sabemos, , mas uma promessa é uma promessa. Você não devia ter ido - é ótima para me deixar com peso na consciência, não?
- Mas eu fui com . E, na honestidade, eu tinha esqueci-- mal terminei de me desculpar, nos interrompeu, super preocupada.
- Ok, parem de falar por códigos, internas e blábláblá, me contem o que realmente está acontecendo.
Eu, e nos entreolhamos, repentinamente preocupadas se deveríamos contar a ela o que aconteceu.
- Vamos, eu estou esperando. Também sou amiga de vocês. Quero saber qual é essa 'história do verão passado' que vocês escondem - chegou a usar as aspas, ironizando aquele filme de terror chato, mas na verdade ela acertou. Era do verão passado.
Só que nem eu, nem nenhuma das outras duas diria isso a ela. Porque não era cômico, muito menos próprio para momento.
Dei mais uma olhada nas meninas e, vendo que elas evitavam contato visual, sobrou para mim narrar a história. Afinal, ela envolvia um pouco mais a mim do que qualquer um ali.
Abri a boca para falar, mas a fechei novamente. Era um pouco estranho de repente falar sobre algo que eu tinha apagado tão bem da minha memória, por tanto tempo. Algo que tinha encontrado forças para voltar como um turbilhão, turvando meus pensamentos.
- , quando quiser começar... - tentou parecer calma, mas sua voz não tinha uma nota sequer de calmaria.
Suspirei e me sentei no pufe atrás de mim. Foi só aí que percebi que tinha me levantado e esquecido de sentar, tamanha a tensão. Concentrei-me em relaxar. Mas e se eu contasse a história para e ela me achasse uma pessoa horrível? Quer dizer, não que eu mesma não achasse...
- Você quer a versão dos jornais ou a nossa? - perguntei com uma risada, para quebrar o gelo.
O que teria sido espetacular, se minha intenção fosse piorar as coisas.
- JORNAIS? O que foi que aconteceu lá? Que bafafá todo é esse, ?
- Foi assim, o Trev-- tentou tomar a frente para falar, mas eu a interrompi, sentindo uma onda de coragem. É que humano é uma merda mesmo, enquanto tem, não dá valor. Na hora que vai perder, não deixa ninguém chegar perto.
O poder de fala era meu, eu falaria.
- O Trevor tinha escondido minha nécessaire de calcinhas - percebi que se esforçou para manter a cara de paisagem ao ouvir isso, e por um segundo eu esqueci que aquilo era uma história séria. - E escondeu atrás da barraca dos meninos, foi um dos piores micos da minha vida... Sorte que só o Lenin tinha visto, e ninguém acreditaria nele, porque ele estava com fama de mentiroso ultimamente... - parei de falar, me perdendo em pensamentos. Meu olhar ficou vidrado em algum ponto cego no chão e eu ouvi a voz de .
- Foi a nossa primeira viagem sem nossos pais. Todos acharam que a gente ia ficar no hotel, mas na verdade, não alugamos quarto nenhum. Fomos em quatro carros, umas doze pessoas. E não levamos muitos mantimentos, porque a gente pretendia voltar logo.
- E sem nenhum acidente... - acrescentou. Acho que estava preparando a para a pior parte.
- Então, continuando... - tentei mais uma risadinha nervosa, mas não deu. Soltei o ar com força mais uma vez, mas o peso não saía dali, dos meus ombros. - Quando descobri, através dessas duas aqui, aliás, que foi o Trevor que pegou minhas calcinhas, eu toda ninja me meti na barraca dele e peguei o celular do dito cujo, ameaçando jogar no mar - ouvia, seu rosto num misto de compreensão e ansiedade por saber o resto. Despejei-lhe o fim. - E isso foi na terceira noite, por aí... Eu saí correndo... - senti os meus olhos começarem a arder. me abraçou de lado e me estendeu a mão, que eu apertei com carinho, buscando forças para não deixar a voz embargar. - A gente tinha bebido demais, senão eu realmente nunca teria entrado na barraca dos meninos. Eu vi até coisa que não queria lá. Mas o pior... O pior foi quando a gente saiu correndo.
Alguns segundos de silêncio se fizeram. Quando pareceu começar a falar, eu ergui a mão, retomando:
Sou chata, mesmo. - Então, corri até o penhasco perto do farol, que na verdade é uma queda, mesmo sabendo que lá eu não teria saída, mas nem pensei nisso na hora, sabe? Eu nunca ia imaginar... - os olhos de se iluminaram em compreensão e ela ergueu a mão na minha direção.
- , tudo bem, não precisa...
- Aí o Trevor correu atrás de mim, mas muito rápido. Veio na minha direção... E quando eu me desviei, ele não parou de correr. Tentou parar, mas escorregou no chão que apesar da pedra embaixo, ainda tinha areia. Ele perdeu o equilíbrio e... - nem tinha percebido que estava chorando e provavelmente não notaria, se não fosse pelo soluço que irrompeu de dentro de mim. - Quando eu pisquei, ele não estava mais ali.
Através da visão embaçada dos meus olhos, eu vi levar as mãos à boca. Imediatamente, eu tentei me erguer e apagar tudo o que tinha dito, embora não fizesse ideia do como.
- Shh, , calma... - me segurou com cuidado, ela mesma sentindo a dor implacável da culpa tanto quanto eu.
- Eu não queria... Juro que eu não queria...
Não queria ter a culpa por Trevor cair de uma altura de quinze metros de um mini penhasco. Nem penhasco, uma queda. Alta o suficiente para deixar Trevor desacordado por uns quinze minutos - pelo menos é o que me falaram, já que eu desmaiei - e depois...
- E então? - perguntou, como se tivéssemos deixado uma parte da história em branco. Como se fosse só mais uma história... - Ele está vivo?
- Sim, está, mas...
- Então, tudo bem, , não sei por que se preocupar tanto - ela me cortou, sorrindo.
- A parte ruim é que ele teve sequelas, - surgiu com uma bandeja cheia de biscoitos, uma jarra de suco que poderia ser tanto de melancia quanto de morango e quatro copos empilhados de dois em dois. - Ficou num estado meio babaca, que se estende até hoje. Não é mais ele, . O Trevor que a gente conhece... Não existe mais.
- E por isso a trouxe comida para nós fazermos o lanche da tarde e conseguir um pouco de distração, certo? - disse rápido e eu sentia pela sua voz que ela estava tentando sorrir.
Acabei sentindo conforto no fato de a história não abalar somente a mim, mas a ela também. Talvez porque ela tivesse dado a ideia de eu entrar na barraca dos meninos. Ou talvez ela nem se lembrasse mais disso.
- , eu vou entender se você ficar com medo de mim ou até de brincar comigo, mas... Sério, eu realmente não tive a intenção, eu... - comecei a frase bem calma, mas acabei ela um pouco rápido demais e sendo interrompida pela própria pressa. - Foi um acidente.
- Ei, , tudo bem. Se acalma, está tudo bem.
- Não está tudo bem - infantil, eu?
- Claro que sim. Se aconteceu assim, era para acontecer. Não adianta ficar se culpando. Você só foi um elemento da equação, mas se fosse qualquer outra pessoa, teria sido o mesmo resultado.
Raciocinei por um segundo a respeito disso, se ela não estava sendo boazinha só para me acalmar tempo o suficiente para fugir de mim... Se ela, de repente, estava fazendo isso porque, de fato, era o que pensava a respeito da vida.
era minha amiga porque queria e era assim desde o início, quando ela aceitou e escolheu o nosso grupo.
O abraço dela era sincero e reconfortante. Mais reconfortante do que me entupir de chocolate - vulgo, serotonina.
Só uma coisa eu não entendia:
- Mas por que eu?
- Eu não sei, querida.
Recuperada do episódio 'Lembranças Podem Matar', cá estava eu na escola. De novo. Em plena sexta à tarde. Justo na sexta anterior ao meu belo aniversário! Ok, sem surtos.
A escola se preparava para a Feira de Outono e, a decoração sobrou aos alunos, coitados. Como se não bastasse pagar a mensalidade da Drayton Manor High, ainda tínhamos que ajudar com a decoração. Disposta a não fazer corpo mole, lá estava eu, na frente do colégio, colando um laço lilás na base de cada pilar da entrada, que, aliás, parecia bem mais grandiosa agora, com tantas faixas, laços, apetrechos e outras baboseiras que seriam arrancadas dali no dia seguinte.
E aí parti para pendurar a faixa. Levei a escada, com muito custo, até a coluna mais próxima - a da entrada - e voltei ao meu lugar. De costas para a porta da entrada, Alyssa estava na coluna da direita e , na da esquerda.
- Alyssa, mais à esquerda - falei do chão, analisando a faixa.
- A minha esquerda ou a sua? - perguntou, parecendo meio perdida.
Claro que era a dela.
Ou a minha.
- Assim, assim está ótimo - resolvi por fim. - , mais para cima - Alyssa continuava dando uma subidinha na faixa, calculando com o olhar se realmente estava numa altura boa.
Como se eu não fosse boa de cálculos, estética e faixas e, prestando atenção, percebi que segurava uma risada sobre o modo como a morena levava isso a sério.
Como se nada fosse mais importante do que fixar uma faixa escrito 'XII PAP FESTIVAL DE ATIVIDADES DE INVERNO', onde PAP significava Pais Associados a Professores. Como se isso pudesse ir para o nosso currículo.
- Pronto? Posso descer? - perguntou, mas já com o pé nos degraus de baixo. Ela estava descendo, então respondi:
- Agora já desceu, não é mesmo? - imaginando que Alyssa fosse ficar brava, tentei agradá-la. - Mas tudo bem, você ainda me adora - exclamei, abraçando-a de lado.
Ela mal respondia uma interjeição resmungona, quando nos chamou a atenção.
- Ei, e eu aqui? - apontou a si mesma com os indicadores. - Quem me ajuda a descer?
Dei uma travada básica. Apontei como quem pede carona para Alyssa, já me justificando:
- Não sou muito boa com pulos de altura. Vai que é tua, Lyssa.
- Então, alguém aqui tem medo de altura? - ouvi uma voz conhecida por sobre o meu ombro e reparei que, no chão, ao lado da minha cabeça, tinha mais uma sombra.
Avaliei-a dos pés ao último fio de cabelo loiro.
- Quem te chamou aqui? - minha voz saiu com rispidez, na tentativa de limpar Alaina dali rapidinho.
- Não se esqueceu da última vez que nos vimos, Alaina, querida? - Alyssa piscou de um jeito meigo para ela, mas como meiguice não combina com Alyssa, e por motivos óbvios, pareceu um pouco psicótico e forçado demais.
O bom é que serviu para Alaina dar o fora dali. Resmungando, mas funcionou.
Reparei que, enquanto isso acontecia, rapidamente rolava os olhos, começando a descer as escadas sem problema algum, e aí eu me toquei que ela só estava me testando.
Alyssa me encarou meio confusa quando viu sua ajuda dispensada. Eu adiei as explicações com um aceno de mão mais complicado ainda de entender. Corri até e Alyssa entendeu que o assunto era um pouco particular e se ocupou com outras coisas, as quais nunca soube o que poderiam ser, porque não conversei prestando atenção nela.
- Qual é a graça?
- Que graça, ? - já tinha alguma coisa na mão, que devia ter pegado no chão.
Senti uma pontada de tristeza no peito ao lembrar do resto dos trabalhos resignados a mim, no pé da outra escada.
percebeu minhas mãos vazias e tomou a frente, dando só alguns passos até a outra coluna. Pegou-os e me entregou, como se eu não tivesse dito nada.
- , você... - me perdi na frase, enquanto pegava os cartazes da mão dela. - Estava mesmo me testando?
- O quê? - ela tentou perguntar de um jeito dissimulado, mas recebendo meu olhar penetrante, pensou duas vezes. Como eu sei? Veja só, ela abaixou a cabeça e disse: - Certo, , desculpa por tentar ajudar. Eu só queria que você perdesse esse medo.
- Medo? - saiu mais rápido que eu, antes que eu pudesse medir minhas palavras e apenas agradecer pela fofura da minha amiga ao invés de quase mandá-la para a guilhotina. - É maior do que medo, é trauma! - e provavelmente pegaria mal assumir que o guardava carinhosamente dentro de mim há mais de seis meses. - Sei que a sua intenção é boa, mas... Eu consigo viver com isso, está tudo bem - fiz joinha com as duas mãos.
- Isso foi o que você disse antes de sofrer na prova de porcentagem. E também é totalmente o contrário do que assumiu ontem à tarde, na .
Disse isso olhando profundamente nos meus olhos. Mas funcionou, as palavras entraram na minha cabeça e, então, eu compreendi.
- Não estou tentando me fazer de forte, nem mentindo. Isso é realmente mais fácil de lidar. Viu como eu consertei bem, hoje? Mandei a Alyssa no meu lugar.
- É... - acho que ela só concordou para eu me calar. Estava na cara que ela não confiava em nada do que eu falava. Mais cristalino que água em propaganda de viagem à praia. - Mas eu já passei por isso. Sei como é. E posso te falar.
- Sério? - de repente, me senti interessada.
- Quando chegarmos a um lugar mais privado - respondeu, se referindo à explicação sobre sua experiência de trauma de altura.
Passamos por dentro do colégio e, só quando estávamos chegando à área externa de trás, ela parou. Pediu umas tesouras emprestadas e tomamos a saída mais próxima.
Sentamos no gramado, não muito longe de todos, mas a uma distância suficiente para perceber alguém se aproximando e abaixar o tom da conversa. O sol estava morno e a brisa, bem fria, então eu não liguei de sentar no descampado.
- Então... Você dizia... - instiguei, começando a cortar o papel cartonado em minhas mãos. Imediatamente, comecei o processo de cegueira, mas como adolescente é desses que arrisca tudo, até a vida, arrisquei a retina e continuei cortando. Notei que eram várias letras ainda não pintadas.
- Ah, é... Bom, eu já tive muito medo...
- De altura, eu presumo - mantive meu tom sério e formal, mas ela o interrompeu sem cerimônia.
Até parei de cortar por um segundo, mas vendo que ela estava super concentrada, voltei ao trabalho.
- O quê? Não, . Traumas, em geral. Eu já tive muito medo e isso já me causou muitos problemas - fiquei em silêncio, ignorando minha ponta de chateação por ela. - O medo pode te impedir de muitas coisas... De tomar a decisão certa, ou só de evitar a errada. De... Salvar alguém... O medo é um dos piores inimigos de uma pessoa, .
- , eu não entendo por que você está me falando tudo isso.
- Nem sempre você pode ter alguém ao seu lado, - ela abaixou a cabeça de uma maneira um pouco sombria e, de repente, eu senti como se não a conhecesse direito.
- , eu realmente não consigo enxergar o seu ponto nessa discussão. Está me assustando.
Ou como se conhecesse apenas um lado dela.
- Uma vez, eu perdi alguém - falou com calma, como se eu nem a tivesse interrompido.
Embora a situação não pedisse calma alguma.