FLORES MURCHAS
Escrita por: Anna Machado
Betada por: Bih Hedegaard


Exatamente como todos os dias ela chegava do colégio, largava a mochila em um canto qualquer, trocava de roupa e almoçava com sua mãe esperando que o telefone tocasse. Porém, em um dia em especial, o telefone não tocou, ela começou a ficar preocupada, foi para a sala de estar e sentou-se no sofá ao lado da mesinha de canto onde ficava o telefone, abraçando as pernas e olhando fixamente para o aparelho.
Passaram-se muitos minutos e nada de qualquer som ser emitido fora o da respiração dela, ela mordeu o próprio lábio inferior e muitas vezes ia até o telefone, preparando-se para discar os números que ela já sabia de cor, mas desistia, retornando à sua posição de estátua.
‘O que houve? Você parece tão nervosa... Aconteceu algo?’ sua mãe perguntou ao passar pelo local e ver a menina imóvel encarando o objeto à sua frente.
‘Ele não ligou ainda’ ela disse desviando a atenção do aparelho.
‘Calma, você deve estar um pouco adiantada... Ele não liga sempre na mesma hora, espera um pouco’ a mulher disse sorrindo e voltando aos seus afazeres.
‘Tudo bem... Vou esperar...’ ela disse sem muita confiança e agarrou as pernas com mais força, apoiando o queixo no joelho. O tempo foi passando e ela só se mexia para ver o relógio da sala que insistia em tornar os segundos muito mais torturantes. Até que ela se rendeu, tirou o telefone do gancho e começou a discar, mas foi interrompida pelo barulho da campainha.
Ela parou por um instante, não sabia se ignorava a visita e continuava sua chamada ou se desistia da paranóia de que acontecera algo e ia atender a porta. Resolveu ir pela segunda opção, desligou o telefone e foi caminhando lentamente para onde a campainha tocava sem parar.
‘Já vai!’ ela gritou quando estava perto ‘Quem é?’
‘Hum... Alguém aí’ a pessoa respondeu e ela abriu um enorme sorriso ao reconhecer a voz, abriu a porta rapidamente e o viu sorrindo discretamente e segurando uma rosa. Ele mantinha a cabeça virada para o chão e seus cabelos lisos cobriam os olhos, mas ela podia os ver perfeitamente por entre os fios e percebia o brilho neles. Jogou-se em seu pescoço e o abraçou como se não se vissem há anos. Ele retribuiu o abraço, deixando a flor cair e a segurando no colo. Afundou o rosto em seu pescoço e se deixou ser levado pelo odor maravilhoso da menina, apertava-a forte contra seu corpo e mantinha os olhos fechados.
‘Pensei que tivesse acontecido alguma coisa, você não ligou antes de vir’ ela disse voltando ao chão e o olhando nos olhos ainda sorrindo. Ele deu um meio sorriso, ela adorava o fato dele não demonstrar sentimentos, ele era misterioso, mas ela podia ver o que ele sentia apenas pelo olhar.
‘Não aconteceu, só resolvi fazer uma surpresa’ ele disse olhando fixamente nos olhos da menina, ela suspirou de leve. ‘Também demorei porque tava escolhendo isso aqui’ ele pegou a rosa do chão e a entregou sem olhá-la, ela sabia que ele estava encabulado.
‘Obrigada, ela é linda’ a garota falou pegando-a e sentindo o doce cheiro que ela tinha.
‘Na verdade não fui bem eu que escolhi, eu só perguntei pra mulher da floricultura qual a melhor flor pra eu trazer pra minha namorada e ela me entregou essa aí. Ela queria que eu trouxesse um buquê, mas eu acho muito mais especial apenas uma... Um buquê são tantas flores iguais, tão sem graça, essa aqui é única... Assim como você’ ele disse se aproximando da garota, ela o abraçou sem esconder o sorriso.
‘Obrigada, eu adorei’ ela falou com o rosto no peito dele. Ele deitou a cabeça sobre a dela e novamente fechou os olhos sentindo seu perfume, ele fechava com força e não queria solta-lá.
‘Vem, entra’ ela disse se afastando um pouco, ele recuou. ‘O que houve?’
‘Achei que hoje a gente podia fazer algo diferente... Sei lá, passear por ai’ ele disse com as mãos nos bolsos do casaco. Ela podia ver que tinha algo errado, mas nada comentou.
‘Ta, eu só vou pegar meu casaco’ ela sorriu mais uma vez e entrou em casa, o garoto fechou os olhos com força, não queria esquecer nunca desse sorriso. ‘Pronto’
‘Então vamos?’ ele estendeu a mão para ela.
‘Vamos’ ela fechou a porta e segurou a mão dele. Ele trocou as mãos e a envolveu com o braço. Eles foram andando, conversando animadamente. Pelo menos ela, ele permanecia quieto, apenas observando com cuidado cada detalhe do rosto da menina. ‘E... E... Ta tudo bem, amor?’ ela perguntou vendo que ele estava distraído, ele se aproximou e a beijou. Beijou-a com vontade, retirando todo o ar dos pulmões dos dois, ao se afastarem, estavam com as respirações ofegantes.
‘Ta tudo ótimo’ – ele a puxou para mais perto com o braço e fez as cabeças deles se encontrarem, apoiando a dele na dela. Continuaram andando e ela mordeu o lábio inferior, estava nervosa e preocupada, abraçou a cintura dele com mais força e ele sorriu para ela como se quisesse dizer ‘‘está tudo bem’’.
‘Aonde vamos?’ ela perguntou tentando afastar pensamentos ruins de sua mente.
‘Um lugar legal.’ ele respondeu misterioso. Foram andando sem se soltarem por um instante e todos na rua olhavam para o casal que se olhava tão apaixonado. Eles estavam juntos fazia um ano mais ou menos, ele tinha acabado de terminar a escola e não iria fazer faculdade, deveria trabalhar com seu pai, mas ele não deu muitos detalhes a ela, já a garota era dois anos mais nova que ele, estava no segundo ano do ensino médio e todos os dias esperava que ele a ligasse avisando que iria passar na casa dela para eles ficarem um pouco juntos, já que ela teria que estudar para o colégio de noite e não poderia passar esse tempo com ele. Chegaram a um parque, era um parque comum, somente com bancos, árvores e velhinhos jogando migalhas aos pássaros.
‘Anh... Aqui?’ ela perguntou sem entender quando estavam entrando no lugar.
‘É, aqui.’ ele disse forçando um sorriso ‘Eu quero te mostrar uma coisa.’
‘Olha lá o que você quer mostrar, hein.’ ela falou rindo enquanto ele a guiava pelo parque.
‘Ow, não pensa besteira, não é nada de mais, é só um lugar que eu achei legal.’ eles chegaram ao centro do parque, ela foi em direção a um banco afastado e vazio, mas ele a puxou para entre as árvores. Foi a guiando sempre a protegendo de galhos que pudessem feri-la, andaram por alguns minutos e logo viram uma clareira.
Um lugar em que um pouco adiante se via uma trilha, ele foi adentrando a clareira e ela olhava tudo deslumbrada. Era um lugar bonito, não tinha nada demais, porém era admirável. Ele sentou-se na grama verde-oliva e seus cabelos escondiam seu rosto do sol, ela sentou-se ao seu lado e apoiou a cabeça no peito dele, os dois fecharam os olhos e ficaram em silêncio sentindo o vento fraco e ouvindo apenas as respirações deles e o canto dos pássaros.
‘Aqui é legal... Bonito, sei lá, é calmo, gostei.’ ela disse ainda de olhos fechados. Ele abriu os olhos e se mexeu um pouco, fazendo-a se sentar direito e fitá-lo, ele a olhou nos olhos, passou a mão delicadamente pelo rosto dela fazendo-a fechar os olhos por um instante ao sentir o toque dele. Ele se aproximou e encostou a boca de leve na bochecha dela, em seguida foi passando a ponta do nariz sobre o local parando ao chegar à boca. Tocou seus lábios docemente e logo os envolveu em um beijo. Ela se ajeitou e foi um pouco para frente beijando-o intensamente. Eles se separaram um tempo depois e abriram os olhos lentamente ainda com os rostos próximos, ela sorriu serenamente e ele retribuiu.
‘Eu te amo’ ele disse baixo por causa da distância entre dois.
‘Eu também te amo’ ela respondeu e ele a beijou novamente. Ela envolveu os braços no pescoço dele e o arranhava de vez em quando e sentia o garoto se arrepiar, ela adorava provocá-lo.
Ele foi passando os beijos para bochecha, maxilar e orelha da menina, mordendo a ponta desta. A garota encolheu o pescoço e se arrepiou por completo, fazendo o garoto sorrir e procurar pela boca dela novamente. Passados alguns minutos eles se separaram, o rapaz sorria em ver o rosto dela tão radiante, ele a amava demais para deixá-la. Tentou tirar os pensamentos que o perseguiam, abaixou a cabeça e começou a picotar a grama. Ela o observava um pouco preocupada.
‘O que aconteceu?’ ela perguntou e ele não olhou para ela.
‘Nada.’ respondeu fechando os olhos com força tentando não deixar escapar uma lágrima que insistia em querer cair.
‘Como nada? Eu te conheço, aconteceu algo sim. Vai... Pode falar pra mim.’ ela segurou o queixo dele e levantou seu rosto fazendo-o abrir os olhos e encará-la. ‘Eu vou ta com você, aconteça o que acontecer, lembra? É algo com seu pai?’
‘Não.’ ele a abraçou forte, não queria deixá-la partir. A lágrima enfim caiu e ele não conseguiu segurar, limpou-a antes de deixar a namorada ver e respirou fundo tentando guardar o cheiro dela. Ele adorava o jeito carinhoso como ela o tratava, era diferente, um jeito materno de sempre cuidar dele e um jeito companheiro de nunca deixá-lo só. ‘Não é nada com meu pai’
‘Então o que é?’ ela perguntou ainda abraçada a ele.
‘Nós... temos que conversar’ ele disse engolindo em seco.
‘Você... não vai terminar comigo, né?’ ela perguntou desconfiada e se afastando para poder olhá-lo nos olhos. Era geralmente assim que começava um discurso que ela sempre pretendia encurtar e já terminar de uma vez dizendo que se quer acabar, tudo bem, mas dessa vez era diferente, ela o amava de verdade e não queria deixá-lo partir, ele também parecia não querer isso, deixando-a na dúvida.
‘Não...’ ele disse sem jeito e sem olhá-la, ele evitava encontrar os olhos dela a todo custo. ‘Mas é uma coisa séria’
‘Então fala logo, ta me deixando nervosa.’
‘É que eu já fiz dezoito anos, você sabe.’ ele começou, olhava fixamente para o chão e a garota apreensiva não entendia nada.
‘Eu sei, o que tem?’
‘Então... Eu não posso ficar sem fazer nada a vida inteira, sem estudar ou trabalhar.’
‘Certo, então você decidiu fazer alguma coisa?’ ele fechou os olhos mais uma vez, estivera adiando isso há meses, mas agora não poderia adiar mais, tinha de contar. Encarou-a e tentava disfarçar as lágrimas nos olhos.
‘Bom... É. Não sei se você lembra que eu comentei uma vez que eu não iria para a faculdade e também não trabalharia com o idiota do meu pai.’ ela assentiu com a cabeça ‘Então... Há um tempo atrás eu... me alistei’ ele desviou o olhar rapidamente deixando escapar outra lágrima e limpando-a imediatamente, a menina o encarou sem expressão, ela não sabia o que pensar.
‘Ta, você fez 18, é obrigado a se alistar, mas... Nao é obrigatório a servir ao exército, né?’ ela perguntou, fazendo-o olhar para ela novamente.
‘Hum... É, você tem que escolher se quer ou não servir.’
‘Então pronto, o que tem?’
‘Eu... escolhi servir’ ele disse e pôde ver as lágrimas se formando nos olhos da namorada, que não sabia como reagir.
‘Você... quer servir, então?’ ela perguntou com a voz vazia.
‘Querer... Eu não quero. Mas eu tenho. Senão eu teria que passar o resto da vida seguindo o meu pai, ouvindo-o falar apenas mentiras naquele maldito tribunal defendendo apenas criminosos e o aguentando jogando na minha cara toda vez que ele vencesse uma causa.’
‘Eu já sei de todos os motivos pelos quais você não quer trabalhar com seu pai.’ ela disse séria ‘Quero saber agora o motivo pelo qual você vai servir o exército se você tem opção ainda de estudar.’
‘Eu não passei para nenhuma faculdade’ ele disse olhando para baixo.
‘Você disse que tinha passado para duas!’
‘Eu... tive vergonha de falar que na verdade eu só passei para uma... particular’
‘Não acredito! Então você mentiu pra mim? Logo pra mim? Que estive do seu lado o tempo todo... Você podia ter me contado, você sabe que eu não ia te julgar!’
‘Eu sei... Desculpa...’ ele falou baixo, pois já sentia o choro prendendo na garganta.
‘Ta, que seja, pelo menos passou pra uma, você pode estudar nela.’
‘As aulas já começaram e minha mãe não tem dinheiro suficiente para pagar, é muito cara... Eu só iria dependendo do meu pai’
‘Então pronto, as aulas você repõe.’
‘Não dá, aquele imbecil só pagaria uma particular se eu passasse para alguma pública e não fosse muito bom, ou então ele pagaria, mas só para eu fazer direito e seguir depois a carreira com ele.’
‘Mas... e bolsa? Você pode conseguir uma bolsa.’ ela começava a ficar desesperada.
‘Amor... Não tem mais como, você sabe que não dá. E, além disso, eu passei raspando agora no terceiro ano, não tive notas boas, nenhuma. Quem iria me dar uma bolsa?’
‘Você tem de se esforçar.’
‘Eu me esforcei agora no fim, passei de ano, mas não foi o suficiente para uma universidade.’
‘Mas... mas... se você for, eu não vou mais poder ver você’ ela deixava algumas lágrimas escaparem e as limpava virando o rosto.
‘Claro que vai, meu amor... Mas... Vai ser diferente’ ele passava a mão pelo rosto dela secando as lágrimas, tentava manter-se firme, mas não conseguia.
‘Claro que vai ser diferente, você não vai mais ter tempo. E quando tiver eu sei que não vai bater com o meu horário.’
‘A gente vai dar um jeito’
‘Você sabe que é verdade!’ ela exclamou e ele parou por alguns segundos, abaixou a cabeça e suspirou.
‘Eu sei... Sei disso, mas eu não quero me afastar de você... Eu queria que as coisas fossem mais fáceis.’
‘Eu também queria, mas foi você quem optou por isso!’
‘Eu sei, é o melhor para mim.’ ela deixou que o choro viesse, deixou o rosto virado e tentava evitar o toque dele, respirou fundo e após alguns minutos o encarou.
‘Quando você vai?’ ela perguntou tentando ser fria, em vão.
‘Amanhã.’
‘Amanhã?!’ ela arregalou os olhos e ele tornou a abaixar a cabeça confirmando ‘Porque demorou tanto para me dizer?!’
‘Eu... Não queria adiantar o sofrimento e não sabia como te falar.’ ele levantou a cabeça e mostrou as lágrimas, tinha desistido de segurá-las, havia as escondido por tempo demais.
‘Como se fizesse diferença a maneira que você fosse me falar, eu ficaria abalada da mesma maneira!’
‘Eu sei... Mas eu não queria te ver assim.’
‘E queria que eu ficasse como? Feliz?’ ela falou com raiva e em tom irônico.
‘Desculpa... Eu não queria que as coisas fossem assim... Queria ficar com você aqui pra sempre.’ ela o encarou e o abraçou com força. Chorava sem parar e limpava o rosto no casaco dele, ele a pressionava com força contra o peito e deixava as lágrimas deslizarem por seu rosto também. Queria brigar com ele, bater nele, estava com raiva, furiosa, queria mandá-lo para o inferno. Mas não havia maneiras de fazer isso, não havia ódio suficiente para nutrir aquela raiva.
‘Você... vai voltar, não vai?’ ela disse chorosa, afastando-se e o olhando nos olhos.
‘Vou. E vou fazer de tudo para te ver quando eu conseguir um tempo de folga.’ ele falou encostando o nariz dele no dela, passava o polegar nas bochechas molhadas pelas lágrimas da menina e tentava guardar em sua mente cada segundo com ela.
‘Promete?’
‘Prometo.’
‘Eu vou estar aqui te esperando.’ ela falou olhando-o nos olhos.
‘E eu vou estar lá pensando só em você, todo o tempo, contando as horas para poder voltar e ver seu sorriso de novo. Prometa que você nunca vai deixar de sorrir.’
‘Eu... prometo’ ela disse, dando-o um longo selinho.
‘Amanhã de manhã eu tenho de ir, o campo fica longe daqui, sempre que eu conseguir, vou te ligar também, você vai amanhã se despedir?’
‘Eu odeio despedidas.’
‘Eu também.’
‘Mas eu vou sim.’ ela envolveu seus braços novamente no pescoço dele e o beijou com medo de que fosse a última vez. Deitaram na grama e ficaram apenas se beijando, eles iriam guardar aquilo para sempre.
Mais tarde, quando já estava escurecendo, eles saíram de mãos dadas. Estava um lindo pôr-do-sol, porém, frio, ele a abraçou tentando aquecê-la, ela apenas sentia o perfume dele e guardava em sua mente. Queria ter o corpo dele ali a abraçando até o fim de suas vidas. Chegaram à porta da casa dela sem dizerem uma única palavra, ela não queria entrar, queria apenas observá-lo o máximo que podia.
‘Filha? Entre, está frio. Oi, querido, como vai?’ a mãe da garota perguntou abrindo a porta e sorrindo para o menino.
‘Hum, mais ou menos, e a senhora?’ a menina o abraçou e escondeu o rosto vermelho na blusa dele.
‘Bem... Mas aconteceu alguma coisa?’ ela perguntou preocupada, a garota se afastou do namorado e explicou tudo à mulher, chorando novamente. ‘Nossa... Mas que horrível.’ a mãe abraçou a filha e olhou para o garoto, que tentava disfarçar que chorava. Abraçou os dois e não sabia o que dizer, a garota pediu para passar a noite na casa dele e ela permitiu.
Eles entraram, ela foi buscar o básico para uma noite e eles foram para a casa do menino. Chegando ao local, ela conversou com a mãe dele, ambas choraram mais um pouco, pois não queriam se afastar do rapaz. Jantaram em silêncio e nenhum dos três tocou direito na comida, o casal subiu até o sótão, onde ficava o quarto do menino, escovaram os dentes e, quando a menina saiu do banheiro, o encontrou distraído com o olhar perdido pela janela, de onde vinha a única luz do quarto. Ele estava sentado no minúsculo sofá que tinha embaixo da pequena janela e não a viu se aproximar. A garota sentou-se entre as pernas dele deitando em seu peito, ele se assustou um pouco, mas envolveu os braços na cintura dela e a puxou para perto ao máximo. Ela pôs as mãos sobre os braços dele e o rapaz apoiou o queixo na cabeça dela, ambos ficaram em silêncio sentindo o calor um do outro e olhando para o nada pela janela, onde se via uma enorme lua cheia.
‘Eu te amo’ ela disse de repente, ele beijou-lhe o topo da cabeça.
‘Eu também.’
‘Vou sentir sua falta.’
‘Eu idem.’
‘Volta logo, ta?’ ela jogou a cabeça um pouco para o lado, ficando apoiada no ombro dele e o olhando ternamente.
‘Pode deixar, me espera.’ ele sorriu a fazendo dar um meio sorriso.
‘Sempre.’ ele aproximou os lábios e a beijou docemente, apenas um toque de bocas, mas que nunca pareceu tão pessoal, íntimo e apaixonado. Acabaram adormecendo naquela posição, os dois no pequeno sofazinho da janela, acordaram com a luz do sol nos rostos e foram obrigados a despertar. Levantaram um pouco sem jeito e ficaram em silêncio se encarando por um tempo, até se abraçarem e eles sentirem as lágrimas retornando. Foram interrompidos por batidas na porta, a mãe do rapaz entrou falando que logo o carro estaria ali para buscá-lo.
‘Odeio acordar cedo.’ – ele resmungou se espreguiçando.
‘Vai ter que se acostumar.’ – ela falou finalmente reparando nas malas já feitas no canto do quarto.
‘Eu sei... Agora vem, vamos tomar café.’ ele a abraçou por trás e começou a andar com ela enquanto lhe beijava o pescoço.
Chegaram ao primeiro andar, onde a mesa já estava toda arrumada, um café reforçado e a mãe dele estava em pé apenas o esperando descer. Eles se separaram e a mulher foi abraçá-lo, recomeçando a chorar. Os três se sentaram e tomaram o café novamente em silêncio, ao terminarem foram se arrumar.
Ele voltou e as mulheres já estavam prontas apenas à sua espera, tinham carregado as malas para baixo e algumas lágrimas nos olhos. Ficaram um curto tempo apenas conversando até ouvirem uma buzina, ele foi até a janela e pôde ver um carro grande estacionado na frente de sua casa, suspirou tristemente, era hora de ir.
Pegou as malas e as levou até o carro, onde na parte de trás tinha muitos outros jovens assim como ele. O rapaz voltou para se despedir, foi primeiro em sua mãe, que chorava sem parar, ela o abraçou forte, o deu conselhos, o advertiu de milhares de coisas e repetia sem parar para ele se cuidar, mandava ele ligar, dar noticias e voltar logo.
‘Pode deixar, vou te trazer uma lembrancinha, ta? ele disse tentando esconder o choro e fingindo uma risada.
‘Volte bem, é só isso que eu quero.’ ela disse beijando a testa dele e finalmente se afastando. Ele foi à direção da namorada, que encarava os próprios pés, ele segurou as mãos dela, fazendo-a olhar em seus olhos marejados.
‘Eu te amo.’
‘Eu também.’ ela respondeu chorando e se jogando em seus braços ‘Volta logo, por favor.’
‘Vou voltar.’
‘Se cuida direito.’ ele assentiu com a cabeça e ela segurou o rosto dele ‘É sério, viu?!’
‘Pode deixar, você também.’ ele voltou a abraçá-la forte, fechou os olhos com força e respirou fundo sentindo o perfume dela, em seguida a beijou.
Só pararam quando o motorista buzinou novamente, ele se afastou e estava quase falando que tinha desistido, mas soltou a mão dela e entrou no carro junto com os outros ainda olhando para elas com lágrimas deslizando pelo seu rosto. As duas observaram o carro se afastar cada vez mais até ele sumir de vista e ficaram fitando o lugar em que ele desaparecera na inútil esperança que ele voltasse correndo. Tola esperança, ele não voltaria tão cedo, ele não desistiria. Ele tinha ido e ninguém saberia quando voltaria ou o que fariam com ele no campo de treinamento.
Os meses se passaram, na opinião da garota, vagarosos demais. Ele tinha ligado quando chegou ao lugar e ligava de dois em dois meses, que era quando ele podia usar o telefone. Seis meses sem ele, vivendo apenas com a presença dele uma vez em todo esse tempo, ele não podia sair muito, não tinha muito tempo, seis longos e torturantes meses vivendo preocupada e ansiosa pelo seu retorno, que estava custando a chegar. Ela sabia que iria demorar até anos, mas estava disposta a esperar. Até que uma vez quando o telefone tocou no meio da noite, ela atendeu sonolenta e era a mãe dele do outro lado da linha, ela informava que tinha acabado de receber uma ligação do exército, que o país estava entrando em guerra e o rapaz fora convocado para defender sua pátria.
A menina não sabia o que pensar, trocou-se rapidamente, avisou sua mãe o que estava acontecendo e saiu correndo para a casa da mulher desesperada. As duas aguardavam por notícias apreensivas com a televisão ligada somente no canal de informações do governo. Dias se passaram e elas não comiam, não bebiam e não dormiam, apenas davam rápidos cochilos. A menina encarava a televisão sem nem escutar o que ela falava, esperava a toda hora com o celular na mão uma notícia de seu amado falando que estava tudo bem, ela tinha os pés no sofá e as pernas dobradas sendo abraçadas com força pelos braços e o queixo nos joelhos. Ela tremia toda vez que anunciavam mais um morto, ela já não chorava mais, não tinha lágrimas ou forças.
Dias e mais dias se passavam torturando as duas, que não desgrudavam os olhos daquela televisão, até que começaram a anunciar todos os corpos identificados, a garota sentiu o coração ir para a boca, agarrou uma almofada e ia lendo milhares de vezes todos os mesmos nomes que apareciam na tela. Um por um foram passando lentamente, o dele não estava ali, ela começava a relaxar. Mais dias tornando a vida delas um inferno até fazerem novamente um balanço com o nome de todos os corpos identificados. O nome dele não constava na lista, ela soltou o ar pesadamente, estava aliviada, mas a repórter não havia acabado a matéria. Ela dizia ter um caso muito curioso que acontecera com o último corpo encontrado, era um jovem de apenas 18 anos que ainda não havia sido identificado, ele havia sido morto há pouco tempo e mantinha duas fotos no bolso da calça, fotos de duas mulheres e junto delas um bilhete. As fotos não foram divulgadas, mas ela descrevia como uma mulher de idade razoável, entre 30 e 40 anos. E a outra era um casal abraçado, onde devia ser o rapaz morto e uma moça, ambos sorriam.
O bilhete foi transmitido, a garota ouvia com atenção e segurava uma almofada com tamanha força que seria possível rasgá-la.

"Espero que você nunca leia isso, pois é um bilhete de despedidas. Não sei quando irei te ver de novo, sei que prometi voltar, mas eu estou com receio de não conseguir. Já estava difícil apenas no treinamento e agora com essa guerra eu tenho medo de não conseguir ver seu sorriso nunca mais. Só queria que você soubesse se algo acontecer comigo que eu não quebrei minha promessa, me cuidei de verdade, mas não foi o suficiente. Queria agradecer por você sempre ter acreditado em mim mesmo quando eu não tinha ninguém, sinto muito se eu não consegui ser o melhor, mas você sem dúvidas foi a única pra mim, você mudou a minha vida. Quero que você continue com a sua, não viva do meu fantasma, por favor apenas não se esqueça de mim. Lembre-se de que você prometeu continuar sorrindo.

Eu te amo, frouxa"

Ao ouvir a ultima palavra a garota sentiu seu corpo inteiro amolecer, ela não tinha forças para continuar nem sentada, não sabia como conseguira ficar acordada. Era ele, ela tinha certeza, somente ele poderia escrever uma coisa dessas, somente ele se lembraria da promessa que ele a fez fazer, somente ele a chamava daquele jeito. Em seguida foi anunciado o nome do rapaz e aí sim ela pôde ter a total certeza de que seu mundo estava desabando, era o nome dele. Ela viu tudo escurecer e começar a rodar. Depois não se lembrou de mais nada, somente de ter acordado e visto a mãe dele ao telefone, ela chorava. Desligou e a encarou com as mãos na boca, veio em sua direção e a abraçou forte. Eles tinham ligado para informá-la da morte do filho e confirmar tudo o que elas já sabiam, ela olhou para o lado e viu a rosa que ele tinha lhe dado no dia em que contara que iria embora, ela tinha trago e encarava a flor de vez em quando, perguntando-se se ele voltaria como tinha prometido. Agora ela sabia a resposta, não. Ele não voltaria. Nunca mais. A rosa já estava murcha, seca, sem cor, sem cheiro, sem vida. Assim como ele.
Agora tinha acabado de verdade, não restara nada. A garota sentiu um vazio preenchê-la, não sabia que reação tinha. As lágrimas desciam de seus olhos sem ela notar, ela não sabia mais nada. Manteve o olhar perdido, com os pensamentos vazios. Tudo o que passava em sua mente era a verdade, ele não estava mais ali, ele tinha a deixado, ele não voltaria, ela nunca mais poderia ter o corpo quente dele junto ao seu a protegendo e nunca mais o ouviria dizendo que a amava, esse era o fim de tudo.

Fim.

N/a: Oi, gente! Bom, espero que tenham gostado da minha fic, ela foi escrita em muito pouco tempo, acho que eu não levei nem uma hora, a idéia surgiu e eu escrevi desesperadamente. Espero que tenham gostado e que ninguém tenha chorado, sério, a primeira pessoa quem leu (Thaty Gatinha,primeira leitora ever) chorou e eu me senti muito estranha com isso. Bom, orgulhosa por ter escrito algo que emocionou e triste porque não queria ter feito ninguém chorar. Agradeço a Mel por ter me dado as dicas com o script, a Nanna porque ela é legal Q. E a Allana Lemos porque foi aniversário dela e eu prometi postar a fic por ela *-* Ai está, minha linda, espero que goste. E claro, agradeço a minha beta linda, Bih, obrigada por ter paciência por betar minha fic! É isso, gente, não esqueçam de comentar o que acharam, aceito elogios, críticas, xingamentos, reclamações, só me deixem ciente do que estão achando, ok? XX. @annamachado
N/b: Por nada, flor ;) Qualquer erro: bih_hedegaard@hotmail.com
Obrigada!

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