HEROIN, por Nat


As batidas na porta ecoavam por todo o cômodo. Pareciam batidas de bumbo, graves. Pareciam batidas que anunciariam o fim. Talvez seu fim. Vinham em compassos, assemelhando-se com as batidas do seu coração. Tum. Tum. Tum tum.
Adiantou-se um passo para abrir a porta. Voltou dois para trás em seguida. Estava numa encruzilhada, e nenhum dos dois caminhos eram bons. Certa vez alguém dissera que quando se tem tudo, você tem tudo a perder. Ele tivera tudo. E independente do caminho que ele escolhesse, ele perderia tudo.
E a sensação de vazio voltaria. Como sempre voltava. Ela sempre estivera lá, mesmo nas horas em que ele conseguia mascará-la. Era tudo que podia fazer. Mascará-la. Nunca preenchera o vazio. Era como tentar fechar uma passagem com algodão. O vento fazia o algodão cair. E o buraco continuava lá.
Assim como as batidas. Insistentes. Perguntou-se porque a porta não fora arrombada ainda. Três minutos e as batidas continuavam. Paciência. Não haviam vozes do outro lado da porta. Só batidas. Olhou à sua volta. Sentiu como se houvesse preparado o flagrante. Exceto que... Não havia material ali. Aliás, não havia coisa alguma ali.
As paredes do quitinete eram caiadas de branco. Recém-pintadas. Um cheiro fraco de tinta se desprendia das paredes, procurando seu caminho até a estreita janela na parede oposta à da porta. Uma cama estava encostada logo abaixo da janela. Era de solteiro, de mogno polido. Os lençóis brancos permaneciam intactos. Ele não ousara sentar-se sobre a cama. Não ousara sentar-se em qualquer lugar. Agora que o efeito da droga havia passado, sentia-se ansioso. Se não ficasse andando, iria cair, e a queda era profunda demais. Os círculos permitiam que ele andasse na beira do precipício e se mantivesse são. Se é que a sanidade já não o houvesse abandonado.
Só percebeu que as batidas cessaram quando sentiu alguém alcançá-lo. Só uma mão em seu ombro. Um toque de presença, mas leve. O único toque que ele não queria sentir. O toque que conseguia fazer com que seu coração fosse arrancado para fora do peito, deixando um rastro de desespero para trás. E ele sentiu os primeiros passos da disforia. Embora não entendesse. Disseram-lhe que a dose seria suficiente para efeito analgésico. Ele não se importava com a dor física. O emocional é que tinha poder de dar a última sentença. Porque ele não sentia a tranqüilidade?

Ouviu a voz rouca pronunciar seu nome. Não o apelido, pelo qual todos chamavam. Seu nome. Ela gostava desse tipo de coisa. Não que fosse consciente, mas sempre se destacava na multidão. Simplesmente por ser ela. Virou-se lentamente. Reparou que ela não estava fardada. Poderia ser que não estivesse em missão. Foi até a janela, caminhando lentamente. Não encontrou carro de polícia algum. Mas eles eram bons nisso.
Ela não retirou a mão do seu ombro. Pelo contrário, continuou o seguindo e reparou em suas pupilas, quando ele procurou algo na rua. Contraídas. Desceu a mão do ombro e esfregou as mãos em seus braços nus. Achou o que procurava no lado interno do cotovelo. Alguém com um tato pouco menos experiente que o dela não perceberia o pequeno ponto da pele onde esta fora perfurada. De novo, não.
As mãos soltaram os braços. Uma se ocupou de esfregar a testa, tentando espantar a súbita dor que se instalara ali. A outra foi até a boca, para reprimir um soluço. único. As lágrimas não desceram. O quarto pareceu ficar menor, e ela tentou, em vão, encarar a situação como uma terceira pessoa. Não pôde. Não no ponto até o qual estava envolvida. Deixou ele envolver seu tronco com os braços. Ficou imóvel entre seus braços finos e gelados. O rosto mergulhado em seu peito, que subia e descia fracamente.
Agora a escolha se tornara dela. Como se ela fosse a prisioneira daquela situação. O caçador tornara-se o lobo. E deveria fazer as escolhas tanto do caçador quanto do lobo. Mas ela não sabia o quanto do lobo o caçador já tinha.
Num súbito aquecimento de corpos, ele apertou os braços ao redor dela. Sem perceber, o rosto dela procurou o dele. Se tornara um necessidade. Com urgência, lábios se encontraram. Quadris se apertaram.


Something in the way she moves
Attracts me like no other lover
Something in the way he woos me

As mãos dele encontraram o fim de suas costas. Ele acariciou a região por debaixo de sua camisa. Sentiu as covinhas que ele adorava. Sabia que as covinhas estava ali. Memorizara cada centímetro daquele corpo antes e o faria novamente.
Ela entrelaçou suas mãos no pescoço dele. Com a ponta dos dedos sentiu a cicatriz que havia em sua nuca. Sentiu-o arrepiar-se.
Subindo pelas costas dela, ele sentiu seu arrepio se estender à ela, antes que sentisse os dois corpos quentes novamente. As mãos detiveram-se na altura das costelas. Pôde tocá-las. As pontas dos dedos formigavam enquanto eles subiam e desciam por entre seus ossos.
Com delicadeza, ela escorregou uma das mãos até o queixo marcante, afastando o rosto apenas o suficiente para que os lábios não pudessem mais se tocar. Com o indicador, acariciou seu lábio inferior, avermelhado. Sentiu-o tremer quase que imperceptivelmente sob o seu toque. Frágil.

I don't want to leave him now
You know I believe and how

E ele sorriu. Para ela, não havia sorriso mais sincero que o dele. Não havia mais nada que a fizesse sentir segura que um sorriso dele. Exceto a expressão no olhar dele quando ele sorria. Era algo que a movia. Levantou os olhos, se agarrando à chance. Seus olhos estavam fixos nos dela. Como mágica, eles estavam como ela esperava que estivessem. Seu era puro, verdadeiro. Olhar dentro de seus olhos era como ler tudo o que ele realmente era. E era isso que a fazia agarrar-se à chance de que havia algo ali para ser salvo.
O jeito com o qual ela o tocava o fazia sentir-se como se valesse a pena. Fazia-o se sentir real. Sentir-se amado. Era o único momento em que ele sentia que poderia ser salvo. O único momento em que ele sentia que o abismo não era tão fundo assim e que poderia escapar dele.

Somewhere in his smile he knows
That I don't need no other lover
Something in her style that shows me

Seus braços voltaram a envolvê-la, de um jeito protetor. Não poderia deixar escapá-la. Precisava dela e teria que enfrentar isto. Tentara e tentara, mas jamais conseguiria substituir ela ou o sentimento que ela provocava nele. Ele teria que enfrentar isto.
A forma que ele a abraçou derreteu o último resquício sólido que havia restado de seu coração. Não poderia deixá-lo sozinho. Não poderia deixá-lo ir. Não agora que ela tinha a certeza.

I don't want to leave her now
You know I believe and how

E ele a amava também. Não sabia como, quando ou porquê. Não sabia como sabia. Ele só se permitia. Ele só sentia. Ternura. Carinho. Um calor dentro do peito, que fazia seu coração bater em compassos cadenciados. Que o fazia sentir-se seguro, confiante em si mesmo. Um efeito que nem a mais pura heroína conseguiria arrancar dele.
Apesar de saber que não deveria, que não podia, ela o queria por perto. Ela queria fazê-lo confiar nela. Ela queria vê-lo bem novamente. Limpo. Feliz. Sorrindo. Mas não queria deixá-lo. Não podia deixá-lo. Não podia deixar que ele caísse de novo. Ela o amava, verdadeira, enloquecedora e profundamente.

You're asking me will my love grow
I don't know, I don't know
You stick around now it may show
I don't know, I don't know

Ela ouviu passos. Sabia que estavam subindo as escadas e que em instantes estariam entrando no quarto e levando-o para longe dela. Para o próprio bem dele, é o que disseram. E mesmo que soubesse, não podia evitar de não querer. Seu olhar para ela denunciou que ele também sabia. Suas mãos nas dela diziam que ele iria fazer aquilo. Por ele. Por ela. Por seus sentimentos. Não seria tão difícil. Porque ele sabia que ela acreditava.

Something in the way she knows
And all I have to do is think of her
Something in the things she shows me
I don't want to leave her now
You know I believe and how



Nota da autora: Eu não acho que possa chamar esta história de fanfiction, uma vez que ela não possui nomes. Sim, se você leu e achou estranho, não está errada. Não há nomes na história, de forma que o leitor pode soltar a imaginação e colocar quem quiser no lugar das personagens.
Pois bem, para escrever a história, eu li muito sobre um momvimento, o To Write Love On Her Arms. Que, aliás, muitas devem conhecer. O movimento é famoso devido ao fato de que vários artistas famosos apóiam a causa. É um movimento de ajuda para jovens viciados em drogas, ou com qualquer outro tipo de problema que leve à depressão e à tentativa de suicídio. No fim, é só uma maneira de ajudar a divulgar o movimento. Para aqueles que não conheciam, vale a pena conhecer. E ajudar, se você tiver condições.
Esta história é para minha Simpson. Você sabe quem é.


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