“I can’t forget your onion breath
(Não consigo esquecer seu hálito de cebola) Or the amazing smell you leave
(Ou o cheiro incrível que você deixa) In my loo, neither your lovely face of troll
(No meu banheiro, muito menos sua amável face de ogro) And when you smile your beautiful teeth show
(E quando você sorri seus lindos dentes se mostram) Rotten to the core
(Completamente podres)”
Gargalhadas - e caras de nojo das poucas mulheres presentes - preenchiam o local e tornavam-no mais acolhedor a cada verso da estrofe inicial da minha paródia de Without You da Mariah Carey para o primeiro concurso da Pior Declaração de Amor de Todos os Tempos promovido pelo The Pub.
The Pub obviamente era um pub bem aconchegante e bastante popular no centro de Londres onde eu vivia enfurnado com meus amigos. Fizesse sol - o que acontece uma vez ao ano nessa cidade - ou um frio de transformar os corpos em esculturas de gelo dessas bem cafonas que o pessoal aluga para casamentos (o que eu sempre achei um desperdício de dinheiro, se você quer saber. Aquela merda derrete! Para que gastar uma grana preta em algo que se desintegra em poucas horas? Não permitirei esculturas de gelo pingando no meu casamento, nem que minha noiva, quem quer que ela seja, implore por um pato bem grande no meio do salão. Pato só se for pra comer, mas eu nem sei se gosto de carne de pato, então...), como é o caso durante o ano inteiro, excluindo as únicas vinte e quatro horas de sol. É um dia em vários dias diferentes, dá pra entender? Tipo uma hora de sol por dia quando faz sol.
Eu gostava daquele bar, porque a calefação deles realmente funcionava, os garçons já estavam habituados com o inglês e raramente entregavam algum pedido errado por não entenderem o que nós e nossas batatas na boca dizíamos. Oh, o glorioso sotaque britânico.
O The Pub, como todos os outros pubs do país há alguns anos atrás, tinha a obrigação de fechar as portas às onze da noite em ponto, mas eles haviam conseguido a tal licença do governo para fecharem mais tarde, principalmente em datas especiais, como a que ocorria: o dia dos namorados. Sinceramente, não sei quem foi o Zé Mané que disse que o dia dos namorados é uma data importante quando você não tem uma companheira fixa para levar para cama. Ainda que se tenha, para mim é só mais uma daquelas datas que incita o consumismo, como o Natal.
Eu gosto do Natal, mas admitamos que, assim como o dia dos namorados é uma data que eleva o nível de consumismo das pessoas – no caso deste último dos casais - ao máximo. Até os pais incentivam os filhos a trocar presentes com seus namoradinhos do jardim de infância! São crianças, OI! Sem contar o nível de breguice, pelo amor de Deus. Se você pensa que o dia mais brega do mundo é o Dia de São Patrick porque o pessoal pinta até o c... Os pelos pubianos de verde, você está precisando rever seus conceitos. O dia mais brega do mundo é o de São Valentin, sem dúvida alguma. Fico até constrangido de sair de casa.
Oh, vamos lá, compre um lindo buquê de rosas cheio de ornamentos horrorosos que custe oitocentas mil libras para sua namorada e diga a ela que você a ama o dia inteiro! Fique de beijinhos, carinhas franzidinhas e abracinhos por todos os cantos da cidade! Compita com todos os casais que vir, mostrando ao mundo o quanto vocês são o casal mais feliz e que mais se ama já existente, como se as pessoas realmente se importassem com isso e algumas delas não quisessem somente rasgar seus beijos e facetas de amor com um estilete! Francamente, era muita cafonice para que eu conseguisse engolir.
Olha minha cara de quem saía distribuindo ‘eu te amo’ como se fosse amostra grátis de desodorante que te dão nas festas por aí (que insulto. Dar desodorante para mim é me chamar de fedido. E, numa boa, eu não sou fedido). Pois é. Se você pudesse vê-la, não diria que eu saía.
E minha última namorada? Essa sim era uma em um milhão. Tinha horror a ganhar flores. Horror extremo. Era um de seus piores pesadelos. Ela fez questão de me deixar bem claro um dia - só não me lembro qual, mas foi bem no início do nosso namoro - que se alguma vez eu a presenteasse com flores, ela jurava de pés juntos que meteria o buquê na minha cabeça sem dó e me faria engolir as pétalas despedaçadas com espinhos e tudo se houvesse.
Isso foi o suficiente para que eu nunca arriscasse a lhe dar flores. Ela tinha a incrível habilidade de se tornar desvairada e agressiva de um segundo para o outro (cheguei a recomendar um psicólogo a ela, mas claro, você adivinhou, ela não me ouviu), era um fenômeno digno de documentário do Discovery Channel. Eu morria de medo de ser dado como morto nos noticiários após ela me matar sob efeito desses ataques algum dia, quem não diria me fazer engolir as flores?
No The Pub, nós não tínhamos de nos preocupar em sermos atingidos pela breguice que acometia todos os outros estabelecimentos e cidadãos daquela cidade mofada no dia catorze de fevereiro e suas várias fotos, recortes, dobraduras de corações e cupidos amáveis que me faziam querer vomitar. Ali, a comemoração era especial dos solteiros. O lugar perfeito para que eu e Ryan, um dos meus melhores amigos e o único descompromissado da banda da qual fazíamos parte além de mim, enchêssemos a cara e nos vangloriássemos para nós mesmos sobre a maravilha que era a solteirice. Que privilégio era não ter uma garota obcecada no seu encalço querendo saber cada passo seu vinte e quatro horas por dia, exigindo satisfações sobre a vadia que disse que estava com saudade e que te amava no mural do seu Facebook quando esta era a sua irmã.
Havia fila para entrar no bar e a decoração não poderia estar mais divertida. Os cupidos estavam pendurados em varais de nylon, tinham os olhos de xis e as flechas que deveriam carregar atravessadas no próprio pescoço. Quem quer que fosse o responsável pelos enfeites, era extremamente criativo. Casais e símbolos amorosos em impressões, assim como recortes espalhados pelas paredes e entre os cupidos, estavam sobrepostos por um grande círculo vermelho abrigando uma reta de mesma cor atravessada. Já no meio do teto do ambiente amadeirado e de iluminação escura uma grande faixa que exibia “10 motivos para permanecer solteiro” se via pendurada.
O palco no qual eu me apresentava havia sido improvisado pelos donos do pub, que eu já conhecia de longa data, no fundo do bar. Havia ali alguns instrumentos fundamentais para uma banda além das caixas de som, para que paródias como a minha, além dos poemas ridículos sobre o amor e relacionamentos pudessem ser apresentados para a competição mais inovadora e empolgante que eu tinha visto e participado nos últimos meses.
Isso sim era comemorar o dia dos namorados com estilo!
“Baby, you used to be my lily
(Baby, você costumava ser meu lírio) The trending topic of my Twitter
(O assunto mais comentado do meu Twitter) But that was way before you let a moustache grow
(Mas isso foi bem antes de você deixar um bigode crescer) Gotta get rid of you and the jungle in your groin
(Tenho que me livrar de você e da selva na sua virilha) Guess you should know…
(Acho que você deveria saber...)”
- E agora o refrão! – berrei em meio a gritos de incentivo, acompanhando os dedos de Ryan que pressionavam as teclas pretas e brancas do teclado atrás de mim com emoção. Estávamos tão empolgados que parecia que dávamos um show em Wembley, não para no mínimo oitenta pessoas num pub no centro da cidade.
"I can’t wait to live freely without you
(Eu mal posso esperar para viver livremente sem você) I can't deal with your smell of B.O.
(Eu não consigo lidar com o seu cheiro de cecê) I can't wait to breathe clean air without you.
(Eu mal posso esperar para respirar ar puro sem você) I can't stand you farts in bed anymore
(Não posso mais suportar os seus peidos na cama)"
Com certeza, até o momento, minha apresentação havia sido épica. A melhor de todas, a nova sensação do YouTube na nova semana. Havíamos levado a platéia à loucura e fomos infinitas vezes melhor que o cara que tentara comparar o amor com uma banana em uma poesia e fizera o salão parecer um viveiro de grilos selvagens porque no fim das contas o banana acabou sendo ele. No final da minha canção, o pessoal já sabia até cantar o refrão e estava me acompanhando num coro absurdamente entusiasmado, já que aquela música era bem popular, o que me deu coragem para arriscar-me a guiá-los em uma coreografia bem simples com o meu braço que não segurava o microfone.
No meio da noite, nós fomos aplaudidos como os vencedores do concurso. Eu adorava ser aplaudido. Só faltou um mosh, mas isso não foi tão importante assim no fim das contas porque ganhamos a invejável regalia de beber um mês de cerveja grátis no The Pub. Qualquer marca. Eles já sabiam o tamanho do prejuízo que teriam, pobres sócios do The Pub. Até vieram nos cumprimentar e fazer piadas sobre isso conosco. Isso era só um pouco melhor do que o paraíso. Meus gastos com cerveja não eram lá muito moderados.
Céus, eu era um verdadeiro pinguço. E deus do entretenimento. Ryan é quem não era. E isso eu só tive o infortúnio de descobrir no final da noite, de uma forma nada discreta e muito, muito menos agradável. Se eu pudesse pagar para aquilo não acontecer, eu viveria pobre para o resto da vida. Sem brincadeira.
Nós já estávamos para lá de Marrakech. Eu nem tanto porque estava bebendo menos, mas Ryan sim, já que ele não teria o trabalho de dirigir para casa porque eu havia lhe dado carona para ida e faria o mesmo na volta, então eu tinha que pelo menos ficar em pé sem cair. Eu estava enxergando tudo normal e conseguia controlar meus pensamentos ainda, então significava que eu estava bem. As tantas merdas que falávamos e que seriam capazes de encher uma enciclopédia não contavam como índices de “alcoolismo” porque nós falávamos merda na maior parte do tempo.
E estava realmente tudo muito bem, descontraído, até a noite divertida virar de cabeça para baixo. Cara, homens como eu nunca pensam que cerveja de graça pode ser uma má idéia. Jamais. Talvez tivesse sido melhor se o cara da banana tivesse ganhado aquela porcaria de competição, não eu e Ry. Falo sério.
No início, como não estava entendendo porcaria nenhuma, achei tudo engraçado. Achei mesmo a última moda do engraçado - porque tudo é a última moda do engraçado quando se está ligeiramente ou completamente bêbado - quando Ryan se calou e ficou me encarando como se eu fosse a Mona Lisa envidraçada no Louvre. Eu perguntei o que estava acontecendo com ele. Por um momento pensei que ele fosse querer fazer aquela brincadeira de quem ri primeiro (aposto que você também presumiria isso no meu lugar). Achei uma piada Ryan se inclinando em direção a mim, segurando meu ombro e dizendo:
- Eu preciz zubir no palco di novu. – A língua dele estava absolutamente enrolada. - Preciz mi ezxprzar maiz, eu no aguento maiz guardar izo pra mim, . Eu preciz fazê uma declarazão de amor com a minha própria voz.
- Vá em frente, cara! – eu o incentivei, batendo em seu ombro na maior camaradagem, já segurando a risada. Não sabia que Ryan estava apaixonado, ele não havia me contado nada! Ainda. Porque se eu soubesse o que viria a seguir, teria colocado uma mordaça em sua boca e o arrastado para fora do bar de mãos atadas naquele momento para que ele não pudesse soltar mais um piu!
- Alou. Alou. Alguém liga o microfone, por vafor. Liga o microfone, põe I’ll be There pra mim. Queru I’ll Be There – Ryan pediu, batendo mão no microfone até que a pessoa que estava cuidando do som naquela noite ligasse seu microfone e trocasse a música ambiente pela qual ele pedira. Nesse ponto eu já começara a gargalhar. - Pezoal, eu zubi aqui neze palco... Eu zubi, zim, zubi neze palco porque tenho uma confezão pra fazer – ele iniciou seu discurso, chamando a atenção dos outros bêbados no local que o entendiam perfeitamente bem por estarem falando a mesma língua que ele. - Eu eztou apaizonado. Totalmenzi apaizonado. ‘Ezoal, zuro que nunca imazinei izo na minha vida, maz agora eu zei. – eu bebi um gole da minha cerveja virando a cabeça para trás, quase engasgando de rir, esperando pelo resto do seu show relâmpago e bêbado de stand-up comedy. - Eu zei com toda minha zerteza e com todo meu zoração. Eu zo zamo.
Okay, aquilo estava começando a ficar estranho. Todos no recinto se entreolharam, mas eu conhecia Ryan muito bem. Ryan era mais piadista que eu, o tempo todo, então eu sabia que ele estava brincando, porque quando ele estava alcoolizado, seu espírito fanfarrão chegava a um nível quase insuportável. Não havia nada de errado em ele dizer “eu zo zamo” nessas circunstâncias.
– Zezi o zia que eu conhezi eza pezoa, figuei engantado por ela e uma vorze amizade zurgiu entre noz. Eu zempre o azmirei muizo e azé azei que tudo izo foze zo amizade, zabem, mazi eu me enganei. Me enganei muizo. Eu amo eza pezoa, eu amo eze cara com todas az minhaz forçaz e não agüento maiz um ano guardando izo zentro de mim.
Até então, ele permanecera com uma mão pendurada no microfone e mantivera os olhos fechados. Minha risada havia se transformado em um sorriso meio sem graça por ele, porque aquilo não estava sendo tão divertido quanto o esperado. Que sentimento incômodo era a vergonha alheia.
Ryan não era do tipo que fazia piadas gays sobre si mesmo, nunca fora. Eu teria desconfiado que ele jogava no outro time se fosse o caso, mas ele nunca deixara transparecer nada daquilo para mim antes, até o momento em que ele resolveu abrir os olhos e me encarar tão fixamente que as outras pessoas começaram a olhar para mim também. E Eu? Comecei a ficar duro de pânico.
Pelo amor de Deus, pare de olhar para mim, pare de olhar para mim e falar essas coisas, Ryan, eu rogava mentalmente, engolindo em seco.
Ryan poderia ter dito que amava o Papa e sua serenidade inspiradora. Ryan poderia ter dito que era um grande admirador de Martinho Lutero e da Reforma Protestante. Ryan poderia também ter dito que amava e respeitava a rainha, que adorava comer feijão com torrada e que tinha prazer em dormir pelado e com três cobertores no frio, como um dia havia me dito. Qualquer coisa, menos o que ele disse.
Ele não podia ter dito que amava um cara especificamente. Ele não podia ter espalmado uma mão sobre o peito, dado um suspiro que quase sugou quase todo o ar da atmosfera e quase provocou um furacão no local ao ser solto e não podia ter finalizado seu pronunciamento homossexual, dando origem ao meu filme de terror:
- , eu zamo vozê. Zamo muito vozê e eu vou ezperar o zempo que vor preciso voze me zamar ze voze no me zamar do zeito que eu eztou tze amandu.
Cacete. Até ter a chata da minha ex-namorada no meu pé me dizendo o quanto eu era imaturo e machista durante cem anos seguidos teria sido melhor do que aquilo. Meu melhor amigo havia acabado de sair do armário e se declarar para mim no bar que nós freqüentávamos toda semana ao som de I’ll Be There do Jackson Five. Tudo isso de uma só vez. Que pesadelo. Que puta pesadelo!
Adeus, carreira de sucesso para mim e para minha banda, a The Band (havíamos nos inspirado no The Pub para escolher o nome da banda e optamos pelo mais óbvio), que lutava arduamente por um contrato com uma gravadora e ansiava pela saída do cenário independente londrino. Adeus à minha fama como o maior deus do entretenimento depois do Michael Jackson.
Sem contar o resto do mês de cerveja grátis que nós havíamos acabado de perder por causa daquilo. Com que cara eu pisaria naquele lugar de novo? Nem com cerveja grátis! EU ESTAVA PERDENDO UM MÊS DE CERVEJA GRÁTIS! Inacreditavelmente lamentável.
Puta que pariu, Ryan, como você pôde acabar com as nossas vidas em apenas um minuto e meio?
O que se seguiu foi o silêncio musical mais constrangedor da minha vida. O burburinho de risadas e comentários sobre o vexame só cobriu a música que continuava a tocar assim que minha complacência, que deveria ter saído correndo aterrorizada, mas surpreendentemente ainda estava ali, me obrigou a levantar do banco onde eu estava sentado e tirar Ryan do palco sob seus contínuos resmungos de amor dirigidos a mim. Aquilo me fazia querer cometer suicídio por afogamento com meu próprio vômito ou nas poças lá fora.
A única coisa que me consolava era o fato de a maioria dos espectadores de sua declaração estar igualmente bêbada e ter grandes chances de sofrer de amnésia alcoólica no dia seguinte. O que me desconsolava era o fato de a tecnologia existir para fazê-los se lembrar. Adeus à minha coragem de sair na rua depois que aquilo saísse no YouTube mais tarde. Minha paródia de Without You nem teria chance de ser lembrada perto desse vexame.
Saí do bar com Ryan pesando em um de meus ombros, fazendo de tudo para que ele chegasse ao carro sem nenhum arranhão, mas com enormes ganas de largá-lo no meio da rua com seu discurso gay aterrorizante e incessante. Eu estava morrendo de raiva, puto da vida, querendo dar com a cara dele no poste e jogá-lo no bueiro. Mas não, lá estava eu amassando pedrinhas de asfalto ao guiá-lo para o meu carro. Um bêbado carregando outro mais bêbado ainda, que beleza. Isso é que era amizade. Não o que ele fez comigo, porque isso era puro golpe. Esse amigo da onça, isso não se faz!
A gente geralmente se sente lisonjeado quando alguém diz que nos ama, sabe. As pessoas não têm culpa de se apaixonar. Mas não daquele jeito, não. Não era para ser daquele jeito. Ele era meu melhor amigo há três anos e acabara de se declarar para mim em público, como diabos eu me sentiria lisonjeado? Nem forçando isso faringe abaixo com todos os litros de cerveja grátis que eu havia perdido!
E se Ryan não se lembrasse, como eu ia explicar a ele aquilo tudo? Que ele se declarara falando que era apaixonado por mim com o contexto ‘quero te levar para a cama e te chamar de tigrão’ embutido, como ele mesmo dissera no caminho para o carro e quase me fizera sair correndo para o colo da minha mãe a quilômetros dali? Eu nem tinha mais coragem de olhar na cara dele!
O problema não era ele ser gay, eu não era lá dos mais homofóbicos. O problema era ele ser gay e estar apaixonado por mim! Quer dizer, não havia outra pessoa para escolher, tipo alguém bem desconhecido e com uma possibilidade mínima de retribuir aquele sentimento? Agora eu sabia por que ele vivia me aconselhando a deixar minhas duas últimas namoradas, querendo enfiar na minha cabeça que elas eram do tipo de biscate mais sem vergonha possível quando elas não estavam por perto. Claro que eu nunca disse isso a elas. Talvez elas tivessem notado a zica na qual eu estava se eu tivesse feito-o. Falha minha.
Eu coloquei-o no banco traseiro do meu carro, ele se deitou ali e durante todo o percurso até a sua casa ele ficou me narrando seu sonho, UTÓPICO se dependesse de mim, onde nós dois éramos muito felizes, casaríamos em algum lugar onde o casamento gay era legal e que ele queria várias esculturas de gelo para decorar a festa.
O caramba! Isso foi o suficiente para que eu freasse o carro bruscamente e pensasse duas vezes antes de jogá-lo como se ele fosse um sem teto na sarjeta, mas então percebi que não haveria por que, já que estávamos na frente de seu prédio. Perguntei onde estavam suas chaves e ele incrivelmente me respondeu que estavam em seu bolso, sem rodeios. Legal era ter que enfiar a mão no bolso dele e buscar pela chave ali, naquelas condições. Aposto que ele estava adorando, apesar de não ter tentado nenhum movimento mais brusco. Argh!
Senti-me como Jesus carregando a cruz ao subir dois lances de escada com ele praticamente nas costas, porque eu estava sendo muito benévolo ao fazer isso, e quando joguei-o em sua cama já dentro de seu apartamento, ele perguntou, mais manhoso do que um gato em comercial de comida de gato:
- , você não vai ficar e dormir aqui comigo?
NÃO! Deus me livre, é CLARO que EU NÃO VOU! Agora me larga!, foi o que eu quase berrei, mas preferi somente desvencilhar-me dele e deixá-lo dormir até sabe-se lá quando, desde que ele não me procurasse tão cedo.
E eu ainda teria que encarar os outros caras da banda e explicar minha saída, porque não havia como continuar tocando com Ryan depois de ele me confessar seu desejo por querer que eu tocasse outra coisa para ele. Era um grande risco contar isso, porque aí eles iam todos ficar na intenção de sair também, com medo de acabarem sendo o próximo alvo de Ry e seria a extinção da The Band. Quem sabe algum outro deles não se descobriria gay, também? Vai saber, olha só essa porcaria de mundo. Você acha que conhece as pessoas até elas te mostrarem que você não sabe absolutamente nada sobre elas, é sempre assim.
Uma vez no carro novamente, dirigindo para casa, comecei a refletir sobre várias coisas que me fizeram elaborar uma teoria chamada Dinâmica de Dias. É incrível e chega a ser ridículo como um dia divertido, talvez o melhor da sua vida, pode se transformar numa cagada de pombo no meio da cabeça, talvez o pior da sua vida, em questão de minutos, segundos, centésimos, que seja.
Não soube por que, mas isso me levou a pensar mais uma vez na minha ex-namorada. Não que ela fosse uma cagada de pombo total, mas ela fazia questão de ser até duas, às vezes. Ainda assim, meu último dia dos namorados acompanhado havia sido bem melhor do aquele, quando eu achava que seria totalmente o contrário.
Jamais passara pela minha cabeça que algum dia fosse comemorar um dia dos namorados acompanhado seriamente daquela garota no dia em que a conheci.
Era uma sexta-feira nublada de outono e eu caminhava com , meu cachorro e animal de estimação desde sempre, até um café que havia em meu bairro, a alguns quarteirões da minha casa. havia me acordado mais cedo do que eu pretendia, querendo sair de casa, e não parou de me lamber até que minha mão estivesse encharcada de baba fedida de cachorro e eu resolvesse levantar para lhe atender (e eu achando que ele era o animal de estimação...). Eu não havia ido ao supermercado, então não havia nem vento na minha dispensa para eu comer no café-da-manhã, quem diria bacon, salsichas e ovos. Sendo assim, vesti um moletom qualquer e aproveitei para resolver duas pendências de uma vez só.
Depois de pagar por quatro donuts, dois tostex de queijo e duas torradas francesas de chocolate, ter de limpar o cocô de da calçada e jogá-lo no lixo, desamarrei meu cão do poste em frente ao café e andei alguns metros até que achasse uma faixa de pedestres onde eu, a comida e meu cachorro pudéssemos atravessar a rua em segurança. Uma garota não muito alta que vinha logo atrás de mim parou ao meu lado e apoiou um dos ombros no poste do semáforo, cruzando os braços sob os seios, nos quais eu não pude deixar de reparar e faziam volume em sua blusa branca.
Meus olhos, incontroláveis diante do instinto masculino de analisar mulheres bonitas, não resistiram em roubar umas olhadas furtivas de suas pernas, já que estas estavam cobertas apenas por uma fina meia da cor de sua pele, firmes sobre sapatos pretos de saltos bem altos para as dez horas da manhã. Ela percebeu que eu estava dando um passeio não permitido por seu corpo com a minha visão e virou a cabeça para me olhar, mas eu fui mais rápido e voltei a encarar o outro lado da rua antes que ela pudesse pegar minha ação no flagra.
Como minha viagem permanecera inacabada, voltei a explorar o que sobrou assim que ela desviou sua atenção para o mesmo ponto qualquer de antes. Um blazer curto se sobrepunha, aberto, sobre sua blusa branca e tinha a mesma cor dos sapatos, assim como a saia que começava no meio de sua cintura e acabava um pouco acima dos joelhos. Os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo bem no alto da cabeça e ela carregava uma bolsa não muito grande sob o braço. De perfil, os traços de seu rosto pareciam bem delicados e afinados.
Nada mal. Nada mal mesmo.
Até que, no milésimo de segundo em que eu parei de analisá-la, quando o farol já estava para abrir para nós, seus gritos quase estouraram meus dois tímpanos de uma só vez e roubaram a atenção de todo mundo que passava pela rua para nós dois.
- AAAAH! AAAAH! PORRA! – ela dizia, chacoalhando as mãos loucamente e quicando com os saltos no chão. O que era aquilo, algum tipo de dança country contemporânea? – CACHORRO FILHO DA PUTA! QUE NOJO, QUE NOJO, QUE NOJO, PUTA QUE PARIU!
Aquela carinha magrinha, bem maquiada, delicada, e então desesperada, não combinava nada com aqueles palavrões ásperos que caras como eu falavam o tempo todo. Quero dizer, fui educado em uma sociedade onde mulheres eram criadas para não falar palavrões e os homens, quanto mais falassem, mais machos provavam ser, então às vezes me incomodava o fato de ouvir garotas falando mais palavrões que eu em uma frase só.
E me incomodava mais ainda o fato de ela estar xingando o meu cachorro, que começou a latir violentamente para ela. nunca latia daquele jeito para nenhum estranho na rua, a não ser que a pessoa também estivesse com outro cachorro. Aposto que ele estava bravo porque ela estava o ofendendo. Cachorros sentem, sabe? Além disso, meu cachorro era o melhor cachorro do mundo, como um filho para mim, não havia minha vida sem ele. Ninguém, absolutamente ninguém, tinha o direito de ofender , nem uma estranha gostosa, por mais gostosa que fosse.
- EI, QUAL O SEU PROBLEMA? QUEM VOCÊ ACHA QUE É PRA OFENDER MEU CACHORRO ASSIM, SEM MAIS NEM MENOS? – eu esbravejei, ignorando o fato de ela ser uma mulher e de estarmos no meio da rua, coisa que ela ignorou antes de mim para armar aquele escândalo.
- SEM MAIS NEM MENOS? SEM MAIS NEM MENOS? ESSE SEU CACHORRO SARNENTO ACABOU DE MIJAR NO MEU PÉ, PORRA! – ela berrava, gesticulando sem parar, as linhas do rosto quase estourando de tão contorcidas. Até alguns fios de seu penteado imaculado saíram do lugar.
- Foi mesmo? – eu amenizei minha voz e olhei para os pés dela. Estavam molhados. Merda, , merda!
- O QUE VOCÊ ACHA QUE É ISSO NOS MEUS PÉS, SUCO DE LARANJA? ARGH! – ela bateu com as mãos nas próprias pernas.
- ELE NÃO TEM CULPA QUE VOCÊ ESTAVA ENCOSTADA NO POSTE! VOCÊ ACHA O QUE, QUE EU SAIO ENSINANDO MEU CACHORRO A MIJAR EM MULHERES GOSTOSAS NA RUA?! – eu defendi meu animal, só percebendo que havia passado um pouco dos limites nas palavras ao ver a cara de indignação dela que foi, no mínimo, teatral.
Ela boquiabriu-se várias vezes, fula da vida, antes de finalmente conseguir falar:.
- SEU ATREVIDO DE MERDA! EU NÃO TE DEI PERMISSÃO PRA ME CHAMAR DE GOSTOSA, ONDE JÁ SE VIU? - a estranha me censurou. Bom, se viu aqui e agora, minha querida, simples assim. Eu percebi que o farol já havia fechado de novo e várias pessoas passavam por nós se entretendo com a situação. Ninguém tentou interferir, talvez por acharem que éramos um casal em um momento trágico da relação, e não parava de latir um segundo querendo me defender também, o que só nos obrigava a falar mais alto.
Ela era gostosa, mas eu jamais faria um casal com uma retardada daquela, quase estourando suas cordas vocais e dando vexame no meio da rua.
- Tem razão. Ele mijou em você porque você é um traste – eu peguei pesado e ela meteu a bolsa no meu ombro, o que doeu pra cacilda.
- AI, PORRA! – eu berrei por causa da dor. Ela carregava o que naquela porcaria, tijolos de aço? – EU VOU TE DENUNCIAR POR AGRESSÃO... Agressão... AGRESSÃO DE ALGUMA COISA! – eu a ameacei ridiculamente, sem nem saber o nome do crime, se é que bater com a bolsa de tijolos em alguém é um crime...
- E EU VOU TE DENUNCIAR POR ASSÉDIO SEXUAL! CRETINO! – Mulheres são mesmo engraçadas. Você é cretino se as elogia e continua sendo cretino se as ofende. Vai entender. – TRASTE É A SUA MÃE, AQUELA INFELIZ, POR TE BOTAR NO MUNDO!
- NÃO PÕE A MINHA MÃE NO MEIO! – Isso era golpe baixo. Falar da minha mãe já era partir para a baixaria. Na verdade, tudo aquilo estava sendo uma puta de uma baixaria, mas alguém tem sempre que estar a um nível acima, e esse alguém, no caso, era eu. Na estatura e em todo resto.
- Ai, meu Deus, meus pés estão mijados, não acredito.- era estranho para mim escutar uma garota falar ‘mijados’ em vez de ‘urinados’ ou qualquer palavra polida do tipo. - Não posso acreditar. Isso não está acontecendo, essa vida não existe, isso é uma vida paralela e eu vou acordar na minha vida real assim que eu contar até três e abrir os olhos... – ela me ignorou, lamuriando para si mesma e eu a encarava, começando a achar que ela usava uns baratos dos bem pesados. – Oh, não, você e seu cachorro doente ainda estão aqui – ela disse, assim que seus olhos lacrimosos deram de cara conosco e por um momento achei que ela fosse se jogar na frente de algum carro e se matar quando cobriu o rosto com as mãos.
- Ah, não. Olha aqui, vamos resolver isso direito, educadamente, OK? – eu sugeri, mobilizado pelas lágrimas dela. Tudo, menos mulheres chorando, pelo amor de Santo Cristo, era sempre uma novela irritante e sem fim quando elas começavam.
Não deixei de ser perspicaz, é claro, e enxergar como eu poderia “me aproveitar” da situação. Ela era muito bonita para que eu a deixasse escapar, entende? Não é todo dia que seu cachorro mija nos pés de uma mulher que tem curvas muito perigosas que valem a pena fazer. Talvez, enfim, eu devesse levar em consideração ignorar o escândalo dela porque havia um motivo para aquilo.
– Eu moro a algumas quadras daqui, você pode se lavar lá.... – complementei minha sugestão.
- E o que te faz pensar que eu entraria na casa de um “assediador” sexual e me lavaria lá? – ela descobriu o rosto e me atingiu mais uma vez com seu desdém. Aquele desprezo dela era de primeira, vou te contar. Dos bons. Onde quer que ela o tivesse adquirido, eu estava precisando de um pouco também.
- Eu não sou um “assediador” sexual, porra!
- Quem é que me garante? – ela arqueou uma sobrancelha. - Você? – apontou para mim com a unha pintada de um cor-de-rosa vibrante. – HA! Escuta, eu tenho uma entrevista de emprego agora. Aliás, tinha, porque claro que acabei de perder a porra da vaga por causa de você e do seu cachorro que fez xixi nos meus sapatos. Eu não posso chegar lá com os pés “enxixizados”. – Eu quase ri quando ela disse isso. – Sem contar que já estou atrasada e demora pra ir de metrô. Então, se você não se incomoda...
- Tá aí mais um motivo pra você vir comigo – eu a interrompi e prossegui com minha tentativa de persuadi-la. – Além de poder se lavar lá, eu posso te emprestar um par de tênis e te dar uma carona até onde você tem que ir.
- O quê? Você está tentando me aliciar? – ela me apresentou mais uma de suas caras teatrais e eu balancei a cabeça negativamente como resposta. Não era bem aliciar o que eu estava fazendo. Era...? Porque para mim o significado dessa palavra era diferente daquele que ela insinuara.
- É claro que não. Eu estou tentando te ajudar.
- E se você me levar pro meio de um matagal e me estuprar? – Ô mulherzinha difícil do capeta. Será que dava para ela parar de duvidar de mim?
- É um risco a se correr se você quer tanto esse emprego assim.
- Mas eu não posso vestir tênis com essa roupa!
- E eu não tenho salto alto em casa – repliquei imediatamente. “Milagres eu não faço não, minha filha. Tenho cara de traveco ou de santo, por acaso?”, eu mordi a língua para não dizer, já ficando irritado novamente. – Bom, já que você vai ficar aí, com os pés mijados, parabéns e passar bem, eu e o vamos...
- Não, espera! – ela me advertiu. – Eu vou com você, eu vou – finalmente aceitou, voltando atrás em sua decisão anterior. Garota esperta, aquela. Ir comigo é sempre a melhor opção. É como dizem: tá comigo, tá com Deus. – Mas eu não acho que seus tênis vão caber em mim...
- Não se preocupe quanto a isso – tranqüilizei-a, pensando num par de All Stars brancos esquecidos em meu quarto havia mais ou menos uma semana que tinha grandes chances de entrar nos pés dela.
Caminhamos em silêncio até minha casa, eu soltei da coleira e guiei-a até o banheiro logo que entramos, agradecendo mentalmente a diarista por ter faxinado tudo no dia anterior. Era capaz de ela pensar que minha casa era um cativeiro e sair correndo se estivesse tudo uma bagunça.
Abri a torneira da banheira e observei-a tirar as meias finas antes de sentar-se em uma das bordas desta, ficando com os pés do lado de dentro. Senti um frio na barriga ao presenciar tal ação. Aquilo que eram pernas, o resto era conversa fiada!
Dei o sabonete em sua mão e quando voltei para lhe entregar uma toalha e os tênis, ela já havia terminado de se lavar.
Utilizei um pouco de minha educação receptiva e perguntei se ela queria beber alguma coisa. Eu não tinha uma variação grande de bebidas em casa. Só havia cerveja e água. Mas todo mundo que eu conheço bebe água e água eu tinha de sobra, então...
Ela negou e eu fiquei imaginando se ela não estava pensando que eu talvez fosse colocar algum entorpecente em seu copo, arremessá-la em minha cama e estuprá-la com selvageria, como ela estava com medo de acontecer quando me provara ser completamente paranóica minutos atrás.
Ela vestiu os tênis, que lhe couberam perfeitamente, nos pés nus e não me pareceu curiosa em saber a quem pertenciam, o que fez perdurar ainda mais o silêncio entre nós até que ela me perguntasse onde havia uma lixeira para que ela pudesse se desfazer de sua meia.
- É aqui? – perguntei quando parei o carro em frente ao prédio onde sua entrevista de emprego aconteceria, e ela assentiu. Eu já sabia onde este ficava, então foi fácil chegar.
O clima de constrangimento que nos sufocava era consistente o suficiente para que o tocássemos. Não tínhamos nada para dizer um ao outro. Eu poderia ter perguntado a que vaga ela estava concorrendo e onde ela morava, mas não o fiz. Havia um grande risco de ela pensar que eu iria sequestrá-la e pular do carro em movimento. Talvez ela estivesse esperando que eu lhe pedisse desculpas, mas eu não tivera culpa do que acontecera, tivera. E não sabia pedir desculpas. Eu havia sido solícito demais e já encarava isso como uma boa forma de pedir perdão sem precisar dizer as palavras necessárias.
– Qual seu nome, a propósito? – Deus, eu tinha passado uma hora ao lado da mulher, colocado-a dentro de casa e nem ao menos sabia seu nome!
– É – ela respondeu prontamente, o que me impressionou. Talvez ela estivesse mentindo, receando que eu buscasse mais informações sobre ela para invadir sua privacidade. – E o seu?
- . Pode me chamar de .
- Obrigada pela carona e pelos tênis, – ela agradeceu tentou sorrir, não obtendo muito sucesso porque ainda devia estar puta da vida com toda a situação ridícula e desconfiando da minha boa vontade.
- De nada – eu disse enquanto ela abria a porta para sair – Hey – chamei-a antes que ela pudesse colocar os pés para fora do carro.
Impensadamente pus meus lábios nos dela. Eu realmente não tive motivos para fazer aquilo além do fato de ela ser instigantemente atraente. Ela não me dera nenhuma brecha ou se mostrara interessada em mim durante os minutos que compartilhamos, muito pelo contrário, ela parecera querer me assassinar o tempo todo.
Depois daquele beijo então, ela quase arrancou minhas entranhas com um olhar. Daqueles teatrais. Quantas caras e olhares daqueles ela tinha? Ela era atriz ou algo do tipo?
Ela nem ao menos insinuou me meter um tabefe no rosto quando eu dei fim ao beijo, como muitas no lugar dela fariam. Sequer se moveu. Foram somente ela e seu olhar de atriz me encarando.
- Oh, meu Deus. Você é mesmo um atrevido de merda – se manifestou, por fim, e saiu do carro, batendo a porta (odeio quando batem a porta do meu carro, já mencionei?), caminhando a passos longos e entrando no prédio antigo sem se dar o trabalho de olhar para trás.
Depois do dia em que a encontrei pela primeira vez, eu só voltei a ver quase duas semanas depois. Nós não havíamos trocado telefone nem nada do tipo e ela ficara com os tênis emprestados durante esse tempo, o que me deu um pouquinho de dor de cabeça, já que tive de dizer à dona deles que ela nunca havia esquecido-os na minha casa e que devia procurar melhor na sua ou perguntar sobre eles para alguma amiga.
Aproximadamente às sete da noite de algum dia no meio de alguma semana, há mais ou menos dois anos atrás, minha campainha tocou e eu mal acreditei quando ouvi sua voz ainda não memorizada por mim anunciando sua presença. Eu havia pensado nela muitas vezes durante os dias em que não nos vimos mais e jamais imaginei que ela fosse aparecer novamente na minha vida, ainda por cima na minha soleira.
- Oi. Eu vim devolver os tênis. – ela disse diretamente, extremamente séria, com os tênis na mão e entregando-os a mim. – Desculpa se demorei para vir devolvê-los, é que eu não tinha como falar com você e fiquei meio sem graça de vir até sua casa.
- Sem problemas – eu disse, pensando onde ia esconder aqueles tênis para que sua dona não os visse, pensando até em doá-los e agradecido por ela não estar ali no momento, reparando na silhueta encolhida de por causa do frio. Suas mãos enluvadas se esconderam nos bolsos do sobretudo azul que ela vestia assim que eu peguei os tênis. Ela tinha um cachecol preto enrolado no pescoço, e aquecedores de orelha da mesma cor espantando o frio daquela região. – Não quer entrar?
- Não. Eu só vim devolver os tênis mesmo – A voz dela saiu em forma de fumaça de sua boca, denotando certo nervosismo. Parecia que ela estava morrendo de pressa de sair de perto de mim. Não duvidava. Eu é que não ia forçá-la a entrar, caso contrário, não duvido que ela começaria com aquela merdalhada toda de estupro, de novo. – Obrigada de qualquer maneira.
- Não há de quê.
Eu esperei que ela virasse as costas, fechei a porta e me esparramei em meu sofá para assistir o filme de ação legal do qual eu não sabia o título, exatamente como estava fazendo antes de ela aparecer. Tirando o fato de agora ter uma excitação que crescera dentro de mim ao vê-la novamente, o que me deixou completamente encucado. Fiquei um tempão encarando o nada pensando nos cabelos dela e no quanto ela ficava mais bonita quando eles estavam libertos, assim como eu acabara de ver.
Poder estar pensando naquelas coisas eu não podia, mas quando é que eu obedecia a todas as regras? Elas eram feitas para serem quebradas. O negócio é que eu tinha uma namorada há quase um ano e ela não ficaria nada feliz se soubesse da minha animação até exagerada por outra garota que eu sequer podia dizer que conhecia e que ainda por cima eu emprestara seus tênis a ela. Eu não contara a Georgina sobre o beijo que eu dera em , não havia necessidade de estragar tudo por causa daquilo. Havia feito puro impulso meu e nós nem havíamos movimentado nossos lábios, então não se podia dizer que era um beijo, havia sido um encosto de lábios e ponto. Era mais esperto fingir que nada acontecera.
Ou aparentemente não acontecera, porque o impulso que eu tive de agarrá-la quando ela apareceu em minha porta foi muito maior.
Menos de cinco minutos depois de partir, minha campainha voltou a tocar. Como se eu já soubesse quem era porque estava a esperando, não pedi por mais informações e muito menos fiquei surpreso. E eu realmente sabia. Era , mais uma vez, parada à minha porta, com os lábios crispados e me encarando com os olhos mais piscantes e brilhosos do que o normal, novamente denotando nervosismo. Aquilo já estava me dando aflição e eu ia pedir para que ela abrisse a boca quando ela o fez por si só.
- É que... – ela começou, nervosa. – É que, ... Você tá aqui, indesejadamente cutucando meus neurônios e eu nem sei como você foi ficar preso aqui na minha cabeça, sabe e... Eu não consigo te tirar da minha mente desde que a gente se encontrou naquele dia e você me beijou no carro, e... Tá entendendo? – eu assenti, acompanhando tudo que ela dizia.
- Eu também, não, – fui sincero e ela se mostrou admirada por eu estar me sentindo daquela maneira e ser assim tão direto em confessar isso. – Entra, por favor, acho que a gente tem que conversar sobre isso.
Não demorou muito para que ela não quisesse beber nada mais uma vez e nós dois estivéssemos nos engolindo e gemendo sobre o meu sofá (a cama estava muito longe) depois que ela deu o primeiro passo para dentro da minha casa. Conversar é para os idiotas. Isso porque eu que pensei que jamais teria algo com ela quando a conheci.
quis e fez barulho tanto quanto eu, então eu supus que ela não me acusaria de estupro depois.
E ela não o fez. Mas quase cometeu um crime ao descobrir que era a outra um mês depoi, e que havia Georgina antes dela. Ficamos uma semana sem nos ver ou falar, até que eu decidisse que era quem eu queria de verdade, e não Georgina. Foi uma decisão difícil a princípio, porque Georgina tinha bunda, mas quase não tinha peitos, e tinha peitos lindos e não tinha muita bunda, mas era o suficiente para mim. Bem, nem sempre se pode ter tudo.
Não sei o que foi mais difícil: terminar com Georgina, fazer me aceitar de volta ou agüentar seus acessos de culpa e suas sessões de ‘eu sou uma monstra por destruir a felicidade de alguém’ por eu ter trocado minha ex-namorada por ela.
Pelo menos aqueles ataques foram embora em tempo de não nos impedir de construirmos a nossa própria felicidade.
Liguei o rádio para espantar as memórias de da minha cabeça, mas não obtive o efeito que esperava, querendo me distrair com música. Minhas memórias voltaram para Ryan e isso me levou mais uma vez à . Eu não pude evitar pensar no quanto ela riria de tudo aquilo se soubesse. Ainda que a situação fosse séria, ela riria e acharia a coisa mais interessante do mundo primeiro, para depois me pedir desculpas quando eu dissesse chateado a ela que não era nada engraçado e que ela só ria porque não fora com ela. Daí, então, ela tentaria achar uma resolução para o caso comigo, mudando de opinião e encarando a coisa totalmente com cautela.
era sempre tão inconstante.
- , larga esse livro, vai. Preciso de você na cama, tá frio! – chamei-a, apoiado no corrimão da escada da casa que antes era só minha, mas que agora nós dividíamos havia dois meses.
As coisas vinham acontecendo tão rápido entre a gente que eu ainda estranhava acordar com alguém ao meu lado na cama todo santo dia, ou com o barulho do chuveiro do meu banheiro quase todas as manhãs.
- Já tô indo, , me deixa só terminar esse capítulo – ela me respondeu, deitada no sofá, e eu concordei em dar alguns poucos minutos a mais de distração literária a ela. Ler fazia bem, uma pena que eu não lia tanto. Eu sempre dormia antes de chegar no fim da primeira página de quase todos os livros.
Quase meia hora depois ela ainda não estava entre os meus braços, na cama. Puta merda, eu xinguei mentalmente, descendo as escadas para encontrá-la com ainda com a cara enfiada entre páginas, tão concentrada que nem percebeu minha presença até que eu me sentasse ao seu lado e acariciasse suas pernas.
- Ai, , que mão gelada, caramba! – ela foi áspera, como eu já estava me acostumando, sem tirar os olhos do livro.
- Levanta daí, , vai. Vamos subir. Já tá tarde – eu voltei a pedir, autoritário.
- Já te disse pra me deixar terminar de ler esse capítulo! – me olhou, enfezada.
- Quantas páginas tem esse capítulo, quinhentas? Faz meia hora que eu vim te chamar aqui! – falei um pouco mais alto e irritado, tirando as mãos da perna dela. – Termina lá em cima!
- Não! Você poderia me deixar ler o quanto eu quiser e onde eu quiser, por favor? – ela fechou o livro e o pôs sobre sua barriga. – Alguém tem que adquirir cultura aqui nessa casa!
- O que você tá insinuando? – perguntei, nervoso.
- Não estou insinuando nada, . Você entende o que quiser.
- Adquirir cultura, que piada! – peguei o livro sobre a barriga dela e li o título em voz alta. – Melancia. MELANCIA! Quem lê um livro chamado Melancia e fala que está adquirindo cultura? Não me faça rir, !
- Melhor do que você, que não lê uma linha nem de gibi! – ela me enfrentou, puxando o livro da minha mão.
- Você vai me trocar por um livro chamado Melancia? – indaguei, acreditando que a amplitude de sua oscilação de humor fosse trazê-la de volta ao sensato e a convenceria de ir dormir comigo. Caí feio quando ela disse:
- Vou! Vou te trocar por um livro chamado Melancia! – me afrontou novamente, me deixando mais puto da vida ainda.
- Então dane-se você e essa bosta de livro! – trovejei, levantando-me e imediatamente rumando para as escadas em busca de curtir uma noite fria comigo mesmo - já que estava na casa da minha irmã - no meu quarto, coisa que não acontecia há dois meses.
- Dane-se você e a bosta da cama fria! – ela devolveu no mesmo tom.
Eu adormeci sem ela, mas quando acordei de manhã, lá estava sentada na cama com duas olheiras profundas e uma cara arrependida teatral, para variar, olhando para mim. Não tive nem tempo de ignorá-la e virar-me para o outro lado para tentar voltar a dormir porque a voz dela foi mais rápida.
- Desculpa, – ela se inclinou, pegou minha mão e começou a acariciar a palma desta com as íris nas minhas. – Desculpa, de verdade, eu estava realmente empolgada com a história, fiquei irritada por você ter me interrompido, briguei com você e passei a noite inteira em claro me sentindo culpada por isso.
- E lendo o livro, aposto – eu a acusei, sabendo do tamanho do seu apetite pela leitura.
- É... E lendo o livro. Eu tinha que me distrair, afinal. É realmente muito bom, mas você é melhor, sabe.
- Só agora que você percebeu isso? Você está me comparando com um livro – olhei-a com tédio. - Agora não tem mais graça – eu disse, fazendo birra. Ela se deitou ao meu lado, colocando minha mão em sua cintura e eu a tirei dali no mesmo instante, virando-me de barriga para cima e encarando o teto.
- Não tem problema, eu vou ficar aqui na cama o dia inteiro esperando você achar que tem graça de novo – disse, tão manhosa e pidona que não agüentei e tive de ceder.
- Droga, ! – eu resmunguei. – Droga! Vem cá, gostosa – alcancei seu braço e puxei-a para mim junto com seu sorriso recém aberto, desmanchando-o em minha boca ao colocar a língua na dela. – Agora eu tenho permissão pra te chamar de gostosa? – perguntei, referindo-me ao dia em que havíamos aparecido um na vida do outro e ela riu.
- Você sempre teve. Eu só não podia deixar você se aproveitar disso. – Eu sorri.
Aninhei-a em meu peito e num passe de mágica toda a mágoa que havia ali dentro sumiu. Estava tudo bem novamente.
A mesma sensação de plenitude que eu senti naquele dia quando abracei atingiu-me com a mesma intensidade, como se eu estivesse vivendo aquela cena toda de novo. Foi aí que eu notei que sentia muito mais falta dela do que pensara sentir antes. Perguntei-me, pela primeira vez em meses, como ela estaria sem mim, se tinha saudades da gente, até que a realidade pareceu pular na minha frente, tão concreta e azulada que me obrigou a pisar nos freios com brusquidão, fazendo meus pneus cantarem. A traseira de meu carro empinou ligeiramente e voltou ao chão com impacto, quase me fazendo bater a cabeça no pára-brisa quando afundei a mão na buzina e senti um pânico que eu nunca sentira antes tomar conta de mim.
***
Socorrro, Há Um Alienígena No Meu Carro! Hum, não.
Socorro, Meu Namorado é Um Alienígena! Melhor.
Há inúmeras maneiras de se lidar com problemas, independente de quais sejam. A gente só não descobre ou não faz proveito de todas, às vezes. Enfrentar é sempre a melhor opção, por mais difícil e impossível que possa parecer vencer um empecilho que empata sua vida. Tudo acaba mais rápido se a gente decide enfrentar o problema em vez de deixá-lo tomar conta da nossa cabeça. Não tentar resolvê-lo só atrapalha todos os outros setores da vida.
Uma das maneiras mais não recomendadas de não resolver problemas é fingir que eles não existem e que é tudo uma ilusão da nossa cabeça. Pergunte aos seus amigos, peça conselho aos seus pais, busque ajuda dos espíritos milenares dos seus ancestrais e você irá comprovar. Nenhum deles vai te aconselhar a fugir dos seus problemas ou fingir que estes não são reais, a não ser que eles sejam uns sem garra.
Se você é corajoso, enfrenta os problemas logo de primeira. Se você é como eu, você foge primeiro para depois decidir enfrentá-los, o que é uma vergonha. Eu prometi mil vezes para mim mesma que não faria mais isso, que não criaria válvulas de escape na minha cabeça para sair correndo das coisas que me incomodavam, mas lá estava eu, criando nomes de filme para descrever o desconforto do meu relacionamento.
Porque, sério, meu namorado era um cocô. Muito chato! Eu não tinha a mínima idéia do que estava fazendo com ele, mas nos últimos seis meses até a companhia da minha chefe carrasca que parecia o Sloth dos Goonies era melhor do que ficar sozinha.
Seis meses. Esse era o tempo que fazia que eu e meu ex-namorado não éramos mais um casal. Seis meses que nós não nos falávamos. Porém, eu simplesmente não conseguia suportar a idéia de que ele estava se divertindo por aí sem mim (eu sabia que ele estava, tinha minhas fontes), não dando a mínima para onde eu andava, o que estava fazendo, com quem estava fazendo ou deixando de fazer. E o pior de tudo: deitando com não sei quantas várias vadias em sua cama.
Ele sabia que eu tinha um novo namorado, pelo menos. Acho que o deixaram saber disso.
Sempre dava um jeito de arrancar informações dos nossos amigos em comum da maneira mais sorrateira possível. Não tinha noção se ele sabia disso, gostaria muito que ele não soubesse. Se havia uma coisa que eu detestava era dar o braço a torcer e eu já havia extrapolado os meus limites. Se ele soubesse que eu ainda perguntava por ele, mais do que deveria, se sentiria o diamante do anel de noivado da Jackie Onassis.
Eu sempre ouvi dizer que ele nunca perguntava de mim. Minhas fontes faziam questão de jogar na minha cara que já havia passado da hora de eu superá-lo, que sentiam muito, mas ele já me superara fazia tempo e eu estava sofrendo porque era idiota. Veja bem, eu não estava sofrendo, eu estava seguindo em frente, tinha até um namorado novo. Por mais chato que ele fosse, pelo menos era algum progresso. Não era...?
Sempre que abriam a boca para soltar alguma informação minha para o meu ex, para ele era como se estivessem dizendo que dois mais dois são quatro. Ele nunca estava nem aí. “ e eu tivemos algo muito bom, mas o bom acabou. É só passado”, ponto. Era o que sempre me diziam que ele falava. Bom, pelo menos ele considerava o que a gente tivera bom, e isso me deixava um pouco aliviada. Acendia algum tipo de esperança dentro de mim de que nós poderíamos voltar a ser alguma coisa num futuro não sabia o quão próximo, mas era como se a possibilidade estivesse criada e isso me confortava.
O que mais me perturbava agora, na verdade, era o ridículo do Connor no banco do carona do meu carro falando sem parar. Sobre ele. Era tudo que ele sabia fazer. Falar sobre si mesmo e arrumar o cabelo o tempo inteiro. Era tudo sobre aquela porcaria de cabelo loiro dele, o orgasmo dele, as bandas que ele gostava, os jogos que ele ganhava ou perdia (ele era titular da seleção inglesa de handebol)... Um verdadeiro inferno. Não sabia por mais quanto tempo conseguiria sustentar aquela relação, mas nós nem fizéramos dois meses e eu já queria esganá-lo.
Teria gostado muito se ele calasse a boca, porque eu precisava me concentrar na direção e, quanto mais ele falava, mais eu caía no erro de compará-lo com , meu tal ex-namorado. Acontece que não havia comparação. seria sempre infinitamente melhor para mim comparado a ele.
Era dia dos namorados e eu estava voltando com ele para minha casa depois de um show do Snow Patrol. Eu amava a banda e conseguira os ingressos para nós duas semanas antes da apresentação, mas não, ele não poderia fazer o menor esforço em tolerar Snow Patrol. Eu não sabia que ele não gostava e que iria ficar bocejando e dizendo que aquelas músicas lhe davam sono durante o show inteiro, senão teria mandado-o à merda e ficado em casa sozinha assistindo qualquer filme água com açúcar, já que minha roomie tinha um namorado e ia dormir na casa dele nessa noite.
E parecia que a principal diferença entre uma relação e outra, entre e Connor, estava aí. sempre foi um pouco mais machista do que eu gostaria, mas era mente aberta para bastantes coisas.
Eu mal podia esperar para que chegasse em casa e nós saíssemos para comemorar o dia dos namorados. Era o primeiro que nós passávamos juntos e ele dissera que tinha uma surpresa para mim. E eu havia até comprado uma lingerie nova para ele arrancar no fim da noite.
Quando a chave girou no trinco, eu pude sentir a voz dele me atingindo da porta antes mesmo que eu pudesse alcançá-lo:
- Feche os olhos, ! – eu parei no meio do meu caminho até ele.
Eu prontamente atendi. Estava pirando para saber o que ele tinha para mim e quanto mais solícita eu fosse, mais rápido eu saberia. Senti a presença dele próxima a mim e não demorou muito para que eu o escutasse dizer:
- Pode abrir.
Fiquei em silêncio, embasbacada. Não estava entendendo nada, ou melhor, não queria entender. Olhei para o que ele segurava e me desviei para os olhos felizes dele, de quem estava me mostrando o melhor e mais inovador presente do mundo. Continuei assim até que respirei fundo e tive coragem para dizer algo:
- O que é isso?
- Como assim o que é isso? É uma vassoura! – ele sacudiu o utensílio.
- Claro que é uma vassoura – eu disse, ríspida. O cabo da vassoura era até que bonitinho, moderno: rosa-shocking com bolinhas brancas. Mas isso não diminuía minha vontade de dar um monte de pauladas e rachar a cabeça dele com ela. – Eu só quero saber por que você está me dando uma vassoura.
- Pra você varrer a casa, oras! – Ele aquilo falou como se eu fosse a frase que eu mais gostaria de ouvir no mundo.
- Como é que é?
- É, baby, pra casa ficar limpinha! É um presente ótimo, não é?
- Desgraçado! – eu dei um tapa em seu ombro. - Ótimo? Só se for pra enfiar no seu...
- Opa, opa, opa! – ele falou por cima de mim, erguendo as mãos e juntamente a vassoura em rendição. - Não precisa partir para a ignorância, sua mal agradecida! Eu aqui pensando no nosso bem estar, na limpeza da nossa casa, e você me batendo! Melhor eu não dar essa vassoura na sua mão, mesmo, você não merece – ele fez uma careta aborrecida.
- Você não devia nem ter aparecido com ela! – berrei, puta da vida com aquela história de vassoura enquanto ele só fazia rir da minha cara. Não era o fato de eu não ter senso de humor, mas aquilo não era divertido, eu estava me sentindo altamente ofendida. Só faltou ele pedir que eu largasse meu emprego na agência de publicidade e passasse o dia inteiro varrendo a casa para ele sujar quando chegasse da rua!
encostou a vassoura no corrimão da escada atrás de si e segurou meu maxilar, erguendo minha cabeça para si. Eu queria ter me esquivado, mas não o fiz. O sorriso dele me estuporou. Isso sempre acontecia. Era ele sorrir e eu ficar ridícula.
- Esse não é seu presente de verdade, bobinha. Eu estava brincando com você – ele disse, trincando os dentes.
- Que brincadeira mais tonta, .
Menos de um minuto depois entrou pela porta frontal novamente trazendo uma sacola da Foyles com quatro embrulhos dentro. Aquilo me animou e foi minha vez de sorrir para ele.
Peguei a sacola que ele me estendeu muito mais empolgada, fui até o sofá para me desfazer dos embrulhos e dei vários gritinhos ao abrir cada um deles. Havia ali quatro livros que eu queria comprar fazia um tempo, mas estava enrolando porque já havia outros na minha lista para ler. Ainda assim, isso não diminuía minha vontade de tê-los. Eu pulei em cima de , que havia sentado ao meu lado e beijei seus lábios um milhão de vezes, segurando seu rosto entre minhas mãos.
- Obrigada.
- Gosto mais assim – ele fechou meus pulsos em suas mãos. – Mas não é pra você me trocar por esses livros, entendeu?
- Sim senhor – respondi e ele selou nossos lábios demoradamente.
- E o meu presente?
- Só mais tarde.
- Só mais tarde? - ele me olhou, indignado e me cutucou, me causando cócegas. – Ah, não, eu quero agora!
- Se eu te der agora, nós não vamos sair de casa!
- O que você está escondendo de mim, baby? – arqueou uma sobrancelha, desconfiado. – Hein? – ele continuou a me cutucar e eu a rir, encolhendo-me com as cócegas. - Anda, eu quero meu presente.
- Tá bom, você que pediu. – eu facilmente cedi e levantei-me do colo dele para buscar o que ele queria ver. Algum tempo depois voltei sacudindo uma fileira de pacotinhos quadrados e cinzas entre meu indicador e polegar.
- Camisinhas? – ele estranhou. Camisinhas não eram bem um presente já que a gente as tinha em casa o tempo todo e ele mesmo as comprava.
- Por que não? Você vai precisar se quiser brincar com um dos seus presentes hoje à noite.
- Alô, Alfresco – ouvi-o dizer para um telefone invisível enquanto se levantava e me entreguei às mãos dele que vieram até mim e me agarraram pela cintura. – Pode cancelar a minha reserva, eu e minha namorada não vamos mais a lugar algum.
E com as mesmas mãos e a ajuda de seus lábios ele se despediu do meu vestido bem passado e minha maquiagem e cabelo intactos.
Havia uma troca entre mim e , sempre aprendíamos coisas novas um com o outro. Tínhamos fome de sabermos mais sobre nós mesmos, no plural e no singular.
- Vou comprar pra você aquela fantasia de empregada francesa que a gente viu na vitrine do sex shop outro dia – soltou um comentário aleatório com a boca cheia de chocolate, prendendo o riso, enquanto eu tinha minhas pernas sobre as coxas dele no sofá e nós assistíamos Deal or No Deal na TV.
- Jesus Cristo, você não tá nem louco! – eu disse e enfiei um punhado de Maltesers do baldinho que estava nas minhas mãos na boca. – Já te disse o quanto acho essa porcaria toda cafona, não disse?
- Que bom, porque eu também acho – ele concordou e nós rimos como idiotas, quase babando chocolate. Incrível a facilidade que se tem em rir quando se está apaixonado.
- É ridículo, sabe. Não tem cabimento. Totalmente broxante, quase vomito só de pensar. Se você quiser fazer amor com uma empregada francesa, procure uma empregada francesa para transar, sabe, eu não vou me vestir de empregada francesa pra você!
- Não vou procurar uma empregada francesa, não se preocupa. Prefiro transar com você como você mesma. – ele me bajulou e se aproximou para me beijar com os dentes sujos de chocolate.
- Você não tem nenhuma fantasia sexual? – ele perguntou ao nos separarmos. Era legal a forma como aquele papo soava super descontraído entre a gente, como nos sentíamos extremamente confortáveis na presença um do outro.
- Tenho – eu afirmei, formulando uma traquinagem absurda na minha cabeça que estaria mais para pesadelo sexual do que fantasia. Só de pensar me dava vontade de fazer careta, mas eu tinha de atuar.
- Eu menti. Adoro essa coisa toda de fantasia, baby. – eu mordi o lábio, tentando parecer provocante. – Fico super excitada – lambi meus dedos sujos de chocolate. Ele franziu o cenho e se esquivou com os ombros. – Só estava constrangida de dizer. Eu adoraria que você se vestisse de pedreiro e fizesse um strip tease pra mim – fiz uma pausa e pisquei lentamente para criar um certo suspense.- Ao som de Reginaldo Rossi!
Se algum dia aquilo realmente acontecesse, eu precisaria de tratamento psicológico intensivo por anos e ainda assim ficaria sequelada para o resto da vida diante de tal imagem.
- Deus, , que horror! – fez uma careta que se eu tivesse entalhado ficaria igualzinha a uma carranca e serviria direitinho para espantar os maus espíritos de casa. Não que houvesse algum. – Mas quem é Reginaldo Rossi?
- Olha, , você não quer saber!
Connor era o antônimo de interesse ambulante. Ele nunca parecia nunca estar interessado em mim. A coisa mais carinhosa que ele fazia era espalhar alguns recados de amor em post-its nas minhas coisas favoritas de vez em quando, mas eu achava tudo uma merda, porque eu não o amava, então era tão comovente quanto encontrar uma lista de compras grudada na porta geladeira. Nem quando a gente ia para a cama ele parecia se importar com as minhas sensações, como eu gostaria dele? Eu não estava conseguindo nem mais tentar ficar com ele e dali alguns minutos teria que encarar mais uma sessão de Cama do Horror.
Era terrível, não havia nem paixão. Ele subia em cima de mim, fazia o que tinha que fazer, dava seu gemido final e acabava. Fim. Eu ficava lá, deitada e frustrada por não ter sentido absolutamente nada, me sentindo cem por cento violada e zero por cento satisfeita. Não era como e eu, que quase quebrávamos a cama e tudo que havia pela frente quando nos queríamos. Com ele um olhar significativo bastava para acender dentro da gente o prelúdio de tudo o que viria a seguir.
No entanto, havíamos perdido até essa euforia um pelo outro nos nossos últimos meses juntos. Nossa relação acabara após entrarmos num consenso de que seria melhor para nos dois. Não conseguíamos mais ficar no mesmo cômodo sem que quiséssemos nos matar em um duelo de palavras e quem sabe até com as facas na gaveta da cozinha. Até o fato de ele nunca jogar as garrafas de cerveja vazias no lixo e colocá-las sempre em cima da pia se tornara o fim da picada para mim. No começo eu não via problema algum em jogá-las no lixo para ele e um pouco antes de terminarmos eu queria quebrar uma por uma em sua cabeça dele e enfiar um caco em seu pescoço.
O que nós tínhamos começou a parecer Hello Goodbye dos Beatles. Ele dizia sim, eu dizia não. Eu queria transar, ele não queria. Quando eu não queria, ele queria. Eu queria viajar para Nice e ele para Dorset, porque era “quase a mesma coisa e muito mais perto”. Foi como se, de repente, tudo que nós tínhamos em comum não existisse mais, muito menos a vontade de satisfazermos as vontades e tolerarmos os defeitos um do outro. Creio que, inconscientemente, começamos a nos contrariar porque queríamos nos machucar. E conseguíamos, como conseguíamos.
Foi tudo muito rápido entre nós. Num dia, , o cachorro de , estava fazendo xixi no meu pé e eu o encontrando pela primeira vez e no mês seguinte eu já estava morando na casa dele. Eu sentia mesmo como se tudo tivesse acontecido ontem.
“Oh, meu Deus, meu namorado é um punheteiro” eu disse baixinho para mim mesma, segurando com certo receio duas revistas Playboy que havia achado em uma pilha de revistas sobre música que havia no canto de seu quarto, que agora seria nosso. Você nunca sabe que substâncias vai encontrar nesse tipo de revista...
- , você vai querer tailandesa ou mexicana? – ouvi perguntar e seus chinelos batendo contra o assoalho conforme ele se aproximava de mim, que estava sentada no chão perto da pilha de revistas, com um telefone na mão.
- Não sei, o que você me diz? – perguntei, mostrando as revistas para ele como quem exigia uma explicação. Não que eu precisasse, mas essas coisas são meio automáticas com nós mulheres e não seria eu a poder evitar. – Pamela Anderson ou Jessica Alba?
- Droga – ele disse ficando mais vermelho do que um blush da M.A.C, arrancando os exemplares da minha mão. - Esqueci de jogar essas revistas fora.
- Interessante – fiz uma cara admirada. – Eu nem sabia que a Jessica Alba tinha posado nua!
- Ela não posou – começou a me explicar. – As modelos da capa não são necessariamente as mesmas que aparecem nuas na revista.
- É mesmo? Cultura inútil pra mim, mas é sempre bom aprender coisas novas...
- Desculpa, – seu rosto de pimentão me torceu os lábios. – Desculpa mesmo. Essas revistas são velhas. Já têm alguns anos.
- Sei. – fui compreensiva. Não havia motivos para brigar com ele por aquilo, homens em sua maioria adoravam pornografia e eu só o namorava havia um pouco mais de um mês, que eu podia fazer? nunca me dissera ser puritano, algum tipo de padre, então não havia por que mais implicar com as revistas se elas eram mesmo velhas como ele alegava e eu acreditava.
- Havia até me esquecido delas aí, não era pra você vê-las. Droga – coçou a nuca, ainda sem graça, jogando as revistas em cima da cama.
- Tudo bem, . Você é homem, isso é normal até certo ponto. Desde que você não as compre mais, sabe – ponderei. – Vou me sentir meio ofendida se você fizer isso, porque aí eu vou achar que estou fazendo tudo errado e que não sou boa o suficiente pra você...
- Claro que não, – ele me cortou num tom ultrajado, estendendo a mão para mim e eu a agarrei. - Que besteira – ele me puxou para cima e eu me levantei do chão. – Não preciso dessas revistas, você é minha Playmate agora. – Ele me deu um selinho, afagando meus cabelos. Não pude evitar achar graça em seu comentário e encostei minha testa em seu ombro, gargalhando.
- Credo, , essa foi muito ruim! – ele caiu na gargalhada também.
- Eu sei, o pior é que eu sei...
Um mês antes de completarmos dois anos juntos eu estava saindo de lá e voltando debulhada em lágrimas (ele não viu essa parte) para a pequena casa de porta azul onde eu morava com a minha amiga que, por muita sorte, não havia buscado outra roomie. Era como se ela soubesse que eu ia voltar para lá mais cedo ou mais tarde. Eu não era inglesa, minha família morava toda no Brasil, então ficaria muito mais difícil se eu não pudesse voltar para lá, porque sabia lá Deus onde eu iria ficar. Sob o mesmo teto que que não, porque acabaria numa tragédia de proporções muito maiores que os nossos planos e corações estraçalhados.
Eu sentia mesmo como se estivesse dando carona para um alien. Eu não conhecia Connor. Ele era lindo, gostoso, o sonho de consumo de muitas, exceto o meu. Eu estava entregando-o de graça para a infeliz que quisesse. Tudo que eu queria era me livrar dele e ter de volta para brigar com ele porque ele deixara a toalha molhada em cima da cama e errara a mira na hora de fazer xixi; porque ele largara os sapatos no meio da casa e jogara lixo orgânico no reciclável.
Queria abraçá-lo e dizer o quanto eu o amava, ainda que ele não dissesse que me amava de volta. Ele nunca disse. Eu vivi com ele durante quase dois anos e ele nunca foi capaz de abrir a boca para dizer que me amava (mas para arrotar ele abria o tempo todo, argh). Eu nunca o forcei a dizer nada e somente lidei com isso porque o amava demais. Ainda que ele não dissesse, eu sabia que ele gostava de mim de uma forma de outra. Mesmo que eu gostasse mais (isso porque ele se interessou por mim antes de eu me interessar por ele), o que ele me dava foi suficiente para mim por algum tempo. E esse tempo durou até começar a não ser mais suficiente, claro.
- Você não acha um absurdo, amor? – A voz de Connor me despertou do meu sonho acordada com . Oh, Deus, Connor, não me chame de amor. Isso implica que eu te chame de ‘baby’, como você gosta, e não é você quem eu quero de chamar de ‘baby’. Ele bem que podia enfiar aquele 'amor' dele no rabo, sinceramente.
Ele estava pedindo a minha opinião? Que milagre era aquele? Quando isso finalmente acontecia, eu não tinha a mínima idéia do que ele estava falando. Porcaria.
- Absurdo é apelido – eu respondi qualquer coisa que conviesse a ele e logo depois voltei a fingir que ele não estava falando comigo.
Resolvi ligar o rádio e, por algum milagre, ele não reclamou, mas também não calou a boca para que eu pudesse curtir a música. Eu nem quis saber qual rádio estava sintonizada, não me importava, qualquer música era melhor do que escutar Connor tagarelando mais do que qualquer amiga minha e eu juntas enquanto sacudia seus cabelos em frente ao espelho do meu quebra-sol, isso era intolerável!
Tattoo da Jordin Sparks preencheu o pequeno espaço do meu veículo e eu quis morrer, eu quis muuuuito morrer. Sério, não podia estar tocando outra coisa, uma música divertida, tipo Blame It On The Boogie? Fossa chama fossa, é uma coisa bárbara. Por um momento me esqueci que não tocavam Jackson Five nas rádios modernas, que porcaria, a maioria das pessoas do século XXI tinha os conceitos sobre música completamente invertidos.
Meus dedos coçavam para que eu trocasse de estação, mas meu martírio calado por causa de não me deixava fazer isso. Eu gostava daquela música. Ela me dizia tudo o que eu tinha que fazer e ainda não fizera nos últimos seis meses sem , era meu prazer culposo.
Não costumava chorar com músicas, muito menos aquela. Que vergonha. Mas eu tinha que deixar alguma coisa falar por mim, já que eu não podia abrir a boca para desabafar com Connor e isso estava me sufocando.
- Você se importa se eu cantar? – perguntei a ele e depois me indaguei por quê. Nós não éramos tão íntimos ainda, mas ele não tinha que se importar se eu quisesse cantar ou não. Ele nunca perguntava se eu queria ver, ouvir ou fazer as coisas que ele queria.
Quem estava mais nem aí pra mim, ou Connor? Que vida de merda.
- Pra mim, baby? – ele perguntou, se achando não o diamante do anel de noivado a Jackie Onassis, mas o último diamante do mundo vendido na Tiffanny’s.
Claro, seu panaca. Você é minha razão de viver, então tudo que eu faço é para te ver feliz, por que não seria?
- Claro, baby – engoli toda vontade de destilar a minha ironia e deixei-o pensar o que ele queria pensar. Eu provavelmente não chegaria ao fim da frase sem começar a chorar como uma criança que havia acabado de cair da motoca.
Como eu estava tendo capacidade para dirigir mesmo?
- I loved you once, needed protection, you’re still a part of everything I do. You’re on my heart just like a tattoo, I’ll always have you… * - entoei o fim do refrão e senti como se alguém estivesse pegando todas as minhas entranhas e torcendo-as com gosto ao engolir mais uma bolota gigante de choro.
Onde estaria agora? Eu sentia tanta, tanta, tanta falta dele que estava até sendo brega! Eu não era brega normalmente, sabe.
Todas as lembranças de foram arrancadas da minha cabeça assim que quase ejetei meus pulmões de dentro de mim ao dar o grito mais alto que eu já me lembrava de ter dado e levei o maior susto de toda minha vida. A música parou quando os pneus cantaram, uma pancada atingiu a lateral de meu carro, do lado em que Connor estava sentado, e o fez rodar na pista até que alguma coisa o parasse e eu escutasse o vidro traseiro se estilhaçando.
Tive certeza de que acabara de escutar o som da morte.
***
Era difícil definir qual choque havia sido maior: o que houvera ente os carros ou aquele que assolara as pessoas dentro deles.
Do lado interno do maior deles, um homem que aparentemente não passava dos vinte e cinco anos parecia carregar um terremoto dentro de si sobre o banco. Seu olhar estarrecido atravessava o pára-brisa e encarava qualquer espaço da rua escura e vazia à sua frente, mal acreditando no que havia acabado de acontecer, se é que havia assimilado corretamente.
Aquelas coisas só aconteciam em filmes e noticiários, não na vida dele.
Nos primeiros segundos após o impacto, o casal que estava dentro do veículo menor que havia rodado e cujo a traseira atingira o poste não conseguia abrir os olhos. Parecia a coisa mais impossível do mundo, como se tivessem nascido com eles grudados.
A mulher que estava na direção mal acreditou quando finalmente conseguiu despregar as pálpebras. Ela estava esperando ter uma imagem panorâmica de seu automóvel destruído enquanto voava em direção à luz do fim do túnel ou algo igualmente etéreo, não dar de cara com um airbag quase encostando em seu rosto. Sem nenhuma gotinha de sangue.
- , amor, você tá bem? – o rapaz no banco do passageiro perguntou e a garota, que tremia como se estivesse nua no meio da Antártida, surpreendentemente conseguiu virar seu rosto para ele e assentir.
- E-eu, eu acho que sim. Você está? – ela devolveu a mesma pergunta com a voz vacilante e o rapaz consentiu, voltando a olhar para frente, tremendo tanto quanto a moça ao seu lado. – Eu estou sangrando? Tem algum machucado?
Assim que ele negou, a ficha de de que estava viva começou a cair. Mal podia crer. Ia parar nos vídeos mais incríveis do mundo! Inacreditável.
Estava viva! Pelo menos era o que achava. Talvez ainda estivesse presa no lugar onde morrera. Mas se sentia tão viva, ainda que entorpecida, que seu sangue parecia uma corredeira passando dentro de suas veias e sua vontade de chorar havia triplicado. Dessa vez, não houve esforço que a impedisse.
- Oh, meu Deus... – ela soluçou alto, quase se engasgando por engolir tanto ar. Quase nem tinha cacos de vidro em sua roupa! – Eu quase nos matei, eu quase nos matei, Connor... – ela dizia desesperadamente com o rosto afundado nas mãos. – Desculpa, eu... Ah, meu Deus, ah, meu Deus, ah meu Deus, que horror, eu não acredito... – continuou a soluçar e tremer incessantemente. - E a pessoa no outro carro? Connor, pelo amor de Deus, pelo amor de Deus, Connor – ela lembrou-se que aquilo só havia acontecido porque outro carro colidira com o seu.
Olhou para o homem no banco do passageiro que não se atrevia a encará-la e outro choque a atingiu: havia sido responsável pela morte alguém.
- Deus, Connor, eu matei uma pessoa, Connor, meu Deus... – ela dizia, completamente desnorteada e perdida na real gravidade do que havia acontecido. - Temos que chamar uma ambulância, temos que... Ai, cadê o celular, cadê o celular?
- Você não matou, , calma, olha, está tudo bem... Foi só um susto, o cara tá saindo do carro, vem, vamos ver o que aconteceu.
Normalmente, ela pensou, sair do carro seria a primeira coisa que ela faria assim que constatasse que estava inteira e conseguia mexer todos os seus membros, mas o abalo emocional que tomava conta de cada pedaço de seu corpo a virara do avesso.
O frio do lado externo não foi sentido por Connor, que parecia estar sendo banhado em lava, nem por que abriu a porta do carro e permaneceu alguns segundos sentada antes de ter coragem de sair. O homem saído do outro carro envolvido no acidente, com as pernas bambas, não se sentia muito diferente.
- Porra, cara, você quase matou a gente! – ouviu Connor berrar com a voz trêmula, sem conseguir parar de chorar e muito menos com coragem de encarar a cena diretamente.
Será que primeiro ele poderia ter a humanidade de perguntar se o cara estava bem em vez de se exaltar? Não havia sido uma batidinha qualquer o que acontecera ali.
Um homem e uma mulher, que aparentava ser sua esposa, passaram pelo local após o acidente e pararam para auxiliá-los. Ele já estava com o celular na mão acionando a polícia enquanto sua mulher telefonava para a emergência, mas ela desligou assim que insistiu que estava tudo bem consigo e com o namorado e quase perdeu as estribeiras, berrando “É UM DIREITO NOSSO NÃO QUERER AMBULÂNCIA!” ainda que a moça estivesse com medo de que algum dano interno, como uma hemorragia, tivesse ocorrido e ela não soubesse da opinião dos outros dois acidentados.
Não estavam em uma área residencial e poucas pessoas passavam de carro ali naquele horário, então ninguém além daquele casal havia parado para assisti-los.
Ela se desligou do que acontecia mais à frente enquanto conversava com os dois estranhos prestativos e somente quando eles começaram a comentar entre si sobre o estado dos carros e o poste do semáforo entortado pelo dela que notou uma voz conhecida que não era a de Connor ecoando pela rua, tão alta quanto a dele.
- EU QUASE MATEI VOCÊS? EU? VOCÊ QUEM TINHA QUE TER OLHADO ANTES DE FAZER A CONVERSÃO!
- Não era ele quem estava dirigindo, era eu – interviu na discussão, entre lágrimas, saindo do carro e anunciou sua presença para o outro motorista acidentado, que mal reparara que ela estava ali antes que ela dissesse. Ela mal conseguia se manter em pé.
- Deixa isso comigo, ... – Connor tentou retomar o controle, mas pela enésima vez naquela noite ela se tornou surda para os novos berros dele, assim como o rapaz com quem ele discutia fez.
Ela parou de chorar instantaneamente e quase vomitou o próprio coração mais uma vez quando viu os olhos deste saltarem das órbitas ao vê-la. Estavam no limite do aturdimento. Não havia outra opção, só podia ser tudo um pesadelo, uma vida alternativa ou algo do tipo. Não era possível, uma coisa daquelas simplesmente não podia ser possível na vida real, quem diria na deles, e isso circundava pela cabeça de ambos.
Eles podiam ter colidido com qualquer outro ser habilitado da cidade de Londres. Não eram poucos. Qualquer um entre as idades legais, de qualquer classe social, de qualquer bairro, mas não. A vida não media esforços quando se tratava de ironizar, e a ironia dela era ter sido atingida pelo carro do homem que não saíra de sua cabeça a noite inteira. Do cara que roubava tanto sua atenção a ponto de distraí-la o suficiente para que se envolvesse em um acidente.
A ironia dele não era em nada diferente.
- Não pode ser... – disse, e seus olhos foram inundados por lágrimas ao pensar que chegara perto de tirar a vida de sua ex-namorada com quem vivera por quase dois anos. Era surreal. – Jesus, , não é possível, como assim... – ele puxou os cabelos para cima com toda força que podia com uma mão e levou a outra a boca, absolutamente incrédulo.
- ... – tampou o nariz e a boca com as mãos e começou a chorar mais desoladamente do que antes, dirigindo-se até o meio fio da calçada e sentando-se ali, deixando todos sem reação.
- Vocês se conhecem? – Connor perguntou, confuso assim como os outros dois expectadores da cena e indeciso entre olhar para , que continuava a recriar o oceano atlântico com os olhos espremidos, ou que tinha as íris nela, uma mão na testa e os lábios crispados, incapaz de pronunciar alguma palavra.
- Eu sabia, eu sabia... – recomeçou a falar e virou-se de costas para ela, atônito demais para encará-la diretamente. – Meu carro novinho, – ela ganiu, olhando para a perda total de seu Citroen C3 azul.
- Graças a você o meu também não tá muito melhor! Porra, , você estava com a cabeça onde? – Em você, ela quase respondeu. - Você fez o retorno sem olhar, se você tivesse olhado eu não teria batido em você!
Se eu não estivesse pensando em você, não teria acontecido isso, fez uma nova versão de sua sentença em sua mente.
Será que eles não conseguiam evitar entrar em colapso só um pouquinho, nem naquele momento crítico?
- Dá pra algum de vocês dois explicar por que vocês sabem os nomes um do outro? – Connor fez uma nova tentativa de ganhar atenção e um carro com algum curioso passou devagar pelo local para observar o que acontecia e logo depois partiu.
- Fica quieto, Connor, porra! Faz alguma coisa de útil! Tira o triângulo que tá no porta mala e põe aí na frente, liga pro seguro, sei lá! O telefone tá num cartão verdinho dentro da minha carteira, na bolsa. - ordenou entre um soluço. Ela nunca se dirigira daquela maneira a ele e aquela primeira vez o deixou pasmo.
- ... – ele tentou dizer algo.
- Connor, cacete, vai! – ela voltou a ralhar e o namorado não a contrariou mais. se levantou do chão, fungando e passou a mão manchada de rímel sob o nariz, tossindo um pouco. – Faz tanto tempo que você tá aqui me sufocando, ... Eu sempre disse a mim mesma, sempre soube que você seria minha morte e agora isso...
- CALA A BOCA! – berrou, virando-se de repente para , assustando a ela e o casal, que continuava ali sabe-se lá por quê. – PRESTA ATENÇÃO NO QUE VOCÊ TÁ FALANDO, GAROTA! – ele aproximou-se bruscamente levantou o dedo tremelicante em riste próximo à face estarrecida dela, seus olhos fervendo em cólera. já havia visto nervoso, muito nervoso consigo, mas nunca daquele jeito. Parecia mais uma versão de gêmeo malvado dele do que ele próprio. – Eu nunca, NUNCA, escutou bem? NUNCA faria algo pra te machucar de propósito! Ainda mais bater no seu carro! Graças a Deus está tudo bem com você, eu nunca me perdoaria se tivesse acontecido algo mais grave, , nunca... – atenuou o tom de voz. – Nunca mais repita uma coisa dessas!
ficou em silêncio durante alguns segundos, somente encarando-o e absorvendo suas palavras antes de mudar seu discurso:
- Você tá certo. A culpa foi minha, ... A culpa foi minha... – recomeçou a chorar. Ela nunca iria parar? Mal tinha consciência sobre o que estava falando, nunca a vira chorar tanto daquele jeito, pelo menos não na sua frente. Deixava-o aturdido. Ela nem chorara quando saíra de sua casa! – Desculpa, fui eu quem quase nos matou, eu sou uma irresponsável...
- Não foi culpa de ninguém, , não foi culpa de ninguém – não aguentou e imediatamente se redimiu, pegando de volta todas as palavras que dissera a ela, puxou-a para um abraço e deixou que ela tremesse sob seus braços e encharcasse sua camisa de lágrimas.
Por mais que ela tivesse sido a errada ao fazer a conversão sem prestar atenção, ela estava anos luz mais abalada do que ele e seu carro tinha ficado muito mais danificado, então não havia por que continuar a jogar a culpa na cara dela. – Pára de chorar, tá tudo bem agora. – ele embrenhou as mãos nos cabelos dela. - Pára, pára, , você tá bem, eu tô bem, isso é o que importa. Eu até compro outro carro pra você, só pára de chorar, baby...
quase teve uma convulsão agregada a sua síncope ao ouvi-lo chamá-la de ‘baby’. Havia se esquecido do quão reconfortante era! Pra merda Connor com seu ‘amor’. Aquele carinho todo era tão tranqulizante quanto o beijo meio desesperado e sôfrego que roubou dela assim que praticamente espremeu seu rosto nas mãos.
Se todo o resto até esse momento fora surreal, aquele beijo estava sendo o superlativo da palavra. Ela sempre imaginara como seria reencontrá-lo e nem em um milênio passaria por sua cabeça que seria daquele jeito, aquela novela toda. Aquele drama todo não combinava com eles. Estavam parecendo protagonistas de último capítulo de novela mexicana, só faltavam os nomes temáticos, tipo Rosalinda Guadalupe e Rodolfo Augusto!
Ela mal acreditava na ousadia dele. Estava completamente não esperando que ele fosse beijá-la fácil daquele jeito. Pensou que envolveria um trabalho árduo provar pelo menos um teaser do que seria tê-lo de volta, que ela teria de tomar qualquer atitude se quisesse experimentá-lo. Não que sofrer um acidente de carro, ainda que sem seqüelas físicas, e chorar na frente dele estivesse sendo bonitinho e fácil, mas as cenas que vinha montando há seis meses eram completamente diferentes daquelas.
- ALGUÉM PODE ME EXPLICAR QUE PORRA É ESSA? – Connor disse, abrindo os braços e saindo do carro com o celular na mão. – Quero dizer, , num minuto esse cara tá quase matando a gente, no outro você tá chamando o nome dele e no seguinte você está aos beijos com ele NO MEIO DA RUA E AINDA POR CIMA NA MINHA FRENTE!
- Connor, eu não queria, eu... Oh céus, é sério, olha – tentou se justificar, contando a maior mentira de sua vida ao se desvencilhar de tão rápido quanto ele a beijara. – Se você souber me explicar que merda é essa, eu vou adorar - desistiu, suspirando.
- O quê?
- Eu vou te dizer o que está acontecendo, cara – disse, chegando mais perto de Connor, ficando cara a cara com ele. – Eu estou confortando-a, coisa que você não fez durante esse tempo todo no qual ela ficou chorando aqui, entendeu?
- E quem disse que ela queria que você a confortasse?
Eu, eu, eu!, por pouco não se pronunciou, quase erguendo as mãos como se soubesse a resposta de alguma pergunta que um professor fizera.
- Não interessa! Você nem foi homem o suficiente para abraçá-la!
- Quem é você pra dizer que eu não sei tratar minha garota? Pra dizer que não sou homem suficiente? Eu vou meter a mão na sua fuça, isso sim, ‘cê tá entendendo? – Connor empurrou , que cambaleou para trás.
- Connor, não, pelo amor de Deus, agora não...
No fundo, estava adorando que enfrentasse Connor, mas não podia deixar os dois se arrebentarem por ela. Queria dar um fim àquela situação o mais rápido possível.
- Você fica fora disso, garota! – ela foi afastada bruscamente pelo namorado após se enfiar no meio dele e do ex para impedir qualquer pancadaria.
- NÃO EMPURRA A !
- QUEM VOCÊ ACHA QUE É PRA CHAMÁ-LA DE ? EU JOGO HANDEBOL, ‘CÊ TÁ ME ESCUTANDO? A MINHA MÃO É PESADA E EU VOU ESTRAÇALHAR VOCÊ!
Que vergonha. não sabia se sentia mais vergonha por Connor ou por si mesma. Estava tudo errado. Era pra estar se sentindo intimidado pelo namorado dela desde o começo, e agora provavelmente ele estava achando-o o maior paspalho que já pisara no planeta Terra.
Ela não estava errada. Connor não deixava nada receoso para impedi-lo de rir cheio de escárnio daquela afirmação que para ele soara tal como ‘Você fica ligeiro, eu toco , minha mão é pesada!’. Que cara imbecil, merecia mesmo levar uns chutes na cara para aprender a ficar esperto.
teria empurrado-o no chão e feito isso com o maior prazer do mundo se não tivesse sido quase empurrada em seu lugar ao entrar no meio dos dois novamente.
- Connor, , vocês dois, pelo amor de Deus, parem com isso! – arregalou os olhos, respirando violentamente com uma mão no peito de cada um, separando-os como se realmente tivesse força para isso. Eles só não queriam estraçalhá-la. – , você não devia ter me beijado, isso não tá certo, entendeu? – Não estava certo? Ela parecia estar achando mais correto do que qualquer outra coisa quando estava acontecendo!
- Mas você correspondeu! – o ex-protestou.
- Cala a boca! Connor, escuta – ela virou-se para este. – é meu ex-namorado, por isso eu o conheço – ela explicou e Connor franziu o cenho para ela, desacreditado ao se dar conta da situação. – E quanto a você, pare de agir assim. Você está pagando papel de ridículo, OK? Você nunca se importou comigo, por que isso agora?
Que mal tinha em se abrir para ele? Já que estava tudo uma merda, pior não poderia ficar.
estava adorando tudo aquilo, finalmente estava sendo a garota de atitude que ele gostava, exatamente como ele gostava, por mais que isso tivesse o irritado inúmeras vezes.
- O que você está insinuando, ? – Connor perguntou, entortando a cabeça para ela.
- Não estou insinuando nada, estou falando a verdade dessa porcaria de relação que a gente tem, se é que pode ser chamada relação já que tudo que você faz é falar de você mesmo o tempo todo. Sério, eu desconfio que você se chupa! – ela extrapolou e seu rosto quase saiu de si mesmo. – O que eu to querendo dizer, Connor, é que você precisa achar alguém que esteja tão interessado em você quanto você mesmo.
Finalmente eram pronunciadas as palavras que tiravam quinhentos quilos de dentro de si – outros quinhentos eram de amor por – e também faziam de Connor um ex-namorado seu. Que proeza de bosta, ela pensou, ter dois ex-namorados no mesmo lugar e estar no olho da decadência com ambos.
- Eu não vou ficar aqui aturando essa merda – Connor apontou-os ameaçadoramente, com os olhos furiosos. - Tomara que vocês dois caiam mortos – amaldiçoou-os antes de sair andando para longe deles.
não se incomodou com a catiça e muito menos se perguntou aonde ele estava indo. Ela não tinha a menor curiosidade em saber, estava era feliz por ele estar sumindo de sua vida.
Ao passo em que Connor sumia sem rumo e chutando vento pela noite, os guardas de trânsito chegaram ao local para recolherem informações deles.
O casal que até então se divertira com o folhetim perguntou se eles não precisariam mais de ajuda e de testemunhas. Após e responderem que não, que estava tudo bem e eles se virariam sozinhos dali em diante, os dois entraram em seu carro e foram embora.
Enquanto um dos funcionários do departamento de trânsito analisava os veículos de todos os ângulos e fazia perguntas a , a outra funcionária interrogava com uma prancheta.
- Então, você vai prestar queixa contra ele na delegacia?
- Não, na verdade – negou, com os braços cruzados porque agora que estava mais calma e o sangue esfriara parecia estar imersa em uma bacia de gelo. - Ele é meu ex-namorado, eu o conheço e já estou mal o suficiente com ele para prestar queixa na delegacia... Além do mais, a culpa foi mais minha do que dele, então...
- Você está falando sério que ele é seu ex? – a guarda perguntou e assentiu. – Que porra mais louca! Digo, querida, está aí mais um motivo pra você prestar queixa dele! Se e ele estava tentando te matar agora, imagina o que não vai fazer depois!
- Ele não estava tentando me matar! – o defendeu. Tudo bem que achara que ele tentara inconscientemente, no começo, mas uma coisa era ela achar isso, outra coisa era a guarda de trânsito.
- Se você diz... Mas se esse cara estava fazendo da sua vida um inferno, se prepare, aí vem coisa pior... Se eu fosse você, não perderia tempo em fazer um boletim de ocorrência.
Como ela adivinhara que ele estava fazendo da vida dela um inferno? Ela podia fazer um boletim de ocorrência relatando o crime que era ficar em sua cabeça 23 horas por dia nos últimos meses? Seria válido se pudesse!
- Obrigada pelo conselho, mas é melhor não – encerrou o assunto com um olhar austero e logo o caminhão do seguro entrou na rua para remover seu carro.
- Eu te levo pra casa – se aproximou com as mãos no bolso e ofereceu a ela quando os guardas de trânsito se juntaram para fazer um balanço da situação.
- Eles não vão levar seu carro? – ela deu um passo para o lado, se afastando dele, e o olhou de canto, apontando os guardas de trânsito com a cabeça.
- Não. Meu dano nem se compara ao seu. Não posso ficar sem o carro essa semana, vou resolver isso no próximo fim de semana.
- Entendo. – ela mexeu nos cabelos, provocando uma vontade imensa em de tocá-los também. - Obrigada pela oferta, mas eu não vou entrar no carro com você nem ferrando – recusou, fria, andando até seu carro destruído e tirando sua bolsa de lá com em seu encalço.
Qual era o problema dela? Primeiro ela deixava que ele a abraçasse e correspondia ao seu beijo, depois era grossa e dizia que não iria entrar no carro com ele nem ferrando. Ah, a inconstância inata, acabava de se lembrar qual era o problema.
- Mas ...
- Olha, , é o seguinte: só porque eu estava em um momento frágil e deixei você se aproveitar disso, repito, somente porque eu estava frágil, não quer dizer que eu ainda sinta algo por você, entendeu?
Imagina. Claro que não. Só estava doente e podre por dentro de tanto sentir coisas por ele.
- Mas você disse que...
- Não importa o que eu disse – voltou a cortá-lo e retirou um maço de cigarro da bolsa junto com um isqueiro. – Eu estava maluca e por causa disso até terminei com meu namorado. Culpa sua – concluiu e acendeu um cigarro.
Ele não precisava saber que ela estava nadando num poço de infelicidade com Connor e queria que ele sumisse o mais rápido possível, aquilo seria dar o braço a torcer novamente e ela acabara de desfazer seu deslize.
- HA, agora eu que tenho culpa?
- Não fala mais comigo! – ela deu espalmou a mão com o cigarro no ar, bem à frente do rosto dele. – Anda, vai embora e me deixa em paz.
- Quando foi que você voltou a fumar? – perguntou, sendo que logo que haviam começado a namorar ela prometera a si mesma que largaria o cigarro e conseguiu fazer isso aos poucos.
- Quando eu terminei com você. Já disse pra não falar mais comigo! – ela bufou e ele notou na resposta dela a confissão do quanto ela havia ficado abalada ao terminarem.
- E desde quando você tem um carro?
- Eu não tenho mais um carro se você não percebeu ainda! Agora pára de me encher o saco e dá o fora, !
- Tá bom, e como você acha que vai embora? – desafiou-a, se achando o último herói do mundo, a última pessoa que poderia tirá-la dali, como se o metrô não estivesse prestes a abrir ou não houvesse táxi algum na cidade.
- Vou até com o cara do guincho, menos com você. , vá embora, por favor.
- Nem com você querendo – ele soou zeloso enquanto ela parecia devorar o cigarro quando deveria estar fumando-o. - Não vou deixar você aqui sozinha com esse cara do caminhão. E se ele for um “assediador” sexual?
- Ele não é um “assediador” sexual, – ela quase tropicou, mesmo estando parada, ao se lembrar do dia que haviam se conhecido e ela praticamente inventara aquela palavra. – É só o cara do guincho.
- Tá estampado na cara dele que ele é um “assediador” sexual, – insistiu.
Ela tragou, fechando os olhos e soltou a fumaça pelo nariz.
- Eu já disse pra você calar a boca hoje?
Os guardas de trânsito foram embora e caminhou até o motorista do guincho para fornecer as informações do seu seguro a ele, largando parado onde ele estava. Estava enganada sobre o homem não ser não ser um “assediador” sexual. O cara só faltou degluti-la e digeri-la com os olhos, sem contar o tom sacana que usou para falar com ela. Era melhor não correr o risco de entrar no caminhão com ele. Já escapara da morte uma vez naquela noite, não estava a fim de ser transgredida sexualmente pelo caminhoneiro nem um pouquinho.
reparou nisso de longe e andou até ela, rindo de sua desgraça e de sua cara franzida dizendo ‘eu te avisei’ uma vez que estava tudo acertado entre ela e o cara do seguro. Insistiu cansativamente lhe dar uma carona para casa enquanto ela assistia seu carro, fruto da economia de anos em maquiagem, roupas, livros e CDs para conseguir comprar, ir embora com o caminhão do guincho escangalhado, caindo aos pedaços, quase levando-a a atirar-se sobre ele, aos prantos de novo.
- Eu vou de táxi. Vou ligar para um táxi e vou dar o fora daqui agora, eu não preciso de você.
Só o tempo todo, ela pensava.
E eu estou começando a achar que preciso de você de novo, foi a vez dele pensar.
- Droga – ela resmungava, buscando qualquer cartão de táxi, revirando a bolsa e a carteira com os olhos e dedos ágeis. – Droga, droga, droga!
- Não está achando o telefone? – disse com um sorriso vanglorioso por estar quase ganhando a batalha.
- Está aqui, eu sei que está. Vou achar em um instante.
Passaram-se mais cinco minutos e o número de cartões de táxi que encontrou continuou no zero.
- Isso significa que você vai ter que ir comigo... – quase saiu dançando.
- Droga, , droga, isso é maldição sua pra cima de mim! – ele riu enquanto ela bufava e jogava os cabelos para trás. – Não tem graça, saco. Eu vou entrar naquele carro com você. Mas com uma condição: - ela apontou o dedo para ele - você não vai abrir a boca pra falar comigo, tá me entendendo?
- Certo – ele concordou, cruzando os dedos nas costas. Lógico que não estava certo, ela devia ter desconfiado.
Os dois entraram no carro e não muito tempo depois ele já estava fazendo perguntas. Ela até tentou ignorar, olhando as linhas no asfalto passarem borradas por seus olhos sem responder a nada, mas não demorou muito para que a situação ficasse irritante.
- Você está violando os termos! – ela o repreendeu.
- Eu não assinei nenhum contrato!
- Vá se foder!
- Juro que é por uma boa causa. Você não vai acreditar no que eu vou te contar agora.
Seria impossível ela ignorar o assunto ‘Ryan e sua declaração de amor gay’, e ele sabia tanto disso que deu início a este.
- Isso é sério? – ela perguntou, enrugando a testa e deixando a boca entreaberta após ele terminar.
- Tão sério quanto nosso acidente agora há pouco. – ele afirmou.
- Você não devia ter me contado isso. Eu vou rir pra vida inteira!
E assim fez, reagindo exatamente como ele previra mais cedo: morreu de rir da cara dele até que ele dissesse que não era engraçado somente para contrariá-la quando também estava querendo rir. Não que tivesse adquirido a inconstância dela e começado a achar aquilo divertidíssimo de uma hora para outra, mas a gargalhada gostosa e contagiante dela tornava impossível não querer fazer igual.
- O que foi que ele disse? – ela indagou com os olhos brilhando ávidos para saber mais.
narrou a história sem que ela o interrompesse com mais perguntas ou sequer o encarasse diretamente. Sempre que ele a olhava, ela desviava. Logo, entre um riso e outro dela, estavam em frente à singela porta azul de sua casa.
- Tá entregue – disse enquanto ela tirava o cinto de segurança.
finalmente pôs seus olhos nos dele e eles permaneceram em silêncio por poucos segundos. Ele até pensou em beijá-la novamente, até que o estralo da porta do carro abrindo tirou essa idéia de sua cabeça e ela pôs os pés para fora.
- Tchau, . Obrigada pela carona.- foi educada, um tanto contrariada.
- Tchau. Eu te ligo depois pra resolver as coisas do seu carro – Oh, droga, ela havia se esquecido daquele detalhe. Não haveria mais como escapar dele, teriam que se contatar de qualquer jeito. - Você ainda ‘tá com o mesmo número?
- Sim.
- Falo com você então.
entrou em casa suspirando e jogando a bolsa sobre o sofá, pensando no dia mais retardado de sua vida e se este seria superado algum dia. Havia possibilidade de uma sequência de fatos mais doida do que aquela acontecer? Esfregou o rosto e caiu de cara no estofado, tonta com a quantidade de acontecimentos em tão poucas horas. Deveria escrever um livro sobre sua história com até aquele exato dia e inventar um final alternativo onde ela terminava com ele em vez de estragar tudo mandando-o não falar com ela e saindo do carro sem pular em cima dele no banco do motorista para arrancar todas as suas roupas.
Sem contar que era muito difícil acreditar que havia saído ilesa do acidente, tanto ela quanto . Precisaria voltar para a terapia se quisesse permanecer emocionalmente bem. Era sorte demais. Nunca achou que algo do tipo pudesse acontecer consigo, ainda mais sair viva, sem arranhão algum, de tal situação.
Será que ainda tinha lágrimas para chorar só mais um pouquinho antes de tentar dormir?
***
foi embora com relutância, retornando ao choque em proporções menores ao repassar em sua cabeça tudo que acontecera e visualizar seu capô amassado.
Ele não queria que tivesse fechado a porta sem que ele estivesse lá dentro, segurando-a, mas tinha que respeitá-la. Quantas vezes não tivera que lidar com aquela volubilidade dela e até ganhara prática antes de mandá-la às favas? Aquela era só mais uma nova vez.
Sem mais nem menos, ele foi arrastado por uma onda de misticismo que quase o afogou. Poderia interpretar aquele acidente de dois zilhões de maneiras, mas escolhera interpretá-lo de uma só e acreditar piamente naquilo: assim como ela havia voltado para ele, mesmo que de maneira trágica, era para ela e por ela que ele tinha que voltar para casa em segurança todos os dias. Precisavam tentar de novo. Precisava dela e não aceitaria não como resposta, porque sentira em seu beijo a necessidade dela de tê-lo por perto e redescobrira uma reciprocidade dentro de si.
Precisava tê-la todo tempo, fosse para comer Maltesers no sofá; para ouvi-la reclamando quando subia em cima da cama; para falar o quanto suas pernas eram bonitas e apertá-las mil vezes ao dia; para tirá-la de si presenteando-a com uma vassoura e acabar a noite tendo-a nua só para ele. Para que ela dissesse que o amava e ele respondesse de volta como nunca fizera. Precisava pertencer a ela e precisava que ela quisesse pertencer a ele, ainda que soasse mais possessivo do que jamais soara em duas décadas e um pouco mais.
Toda essa necessidade formigava dentro dele e era loucamente urgente.
Queria recomeçar com ela da mesma maneira que havia sido quando botara os olhos nela pela vez. E para isso ela precisava ganhar flores.
percorreu as ruas escuras do bairro dela inteiro e mais um pouco atrás de uma floricultura vinte e quatro horas, sem saber se tal coisa existia, ou alguma que estivesse aberta já que o dia estava para amanhecer. Ele só precisava de um motivo para voltar à porta azul de e bater nesta até que ela aparecesse somente para lhe dizer que ele era um “atrevido de merda” ao vir as flores. Pelo menos era uma reação dela exclusiva para ele, a atenção dela somente para ele e era disso que ele mais necessitava.
Porém, para seu infortúnio, as pessoas tinham mais o que fazer do que vender flores no frio geante da quase manhã.
Não desistindo de seu objetivo, ele parou o carro em frente à primeira casa com um canteiro de flores que viu e arrancou um pequeno ramalhete dali na surdina, se aproveitando do deserto que estava a rua. Não era bonito prejudicar o jardim de quem quer que fosse, mas era por uma causa justificável.
À toda velocidade, ele dirigiu de volta à casa de e parou o carro com uma freada quase tão brusca quanto a que dera mais cedo ao tentar evitar o acidente com ela. Correu até a porta e respirou fundo antes de bater nesta, escondendo as flores nas costas e ensaiando a cara mais séria que lhe foi possível.
Demorou um pouco para que ele pudesse escutar os passos dela do lado de dentro. Ela não perguntou quem era. Ele fechou os olhos e respirou fundo ao escutar a chave girar no trinco.
- Oi, . – abriu os olhos quando a porta a revelou e não ficou surpreso ao esbarrar com seu desdém difícil de encontrar até no mercado negro, dessa vez mais cansado que o habitual, encarando-o.
- Tchau, – ela disse desanimada, empurrando a porta para fechá-la na cara dele, pouco se importando se ele se sentiria ofendido ou não.
estava tendo mais uma chance de “terminar” o dia conversando diretamente com sobre seus sentimentos, podendo chamá-lo para entrar, sentar na sala e oferecer-lhe uma xícara de chá (o que era a versão limpa de jogá-lo no sofá, despi-lo e cavalgar loucamente sobre ele a noite inteira) e mais uma vez seu orgulho, descuidadamente deixado de lado durante os momentos de agonia e angústia, não permitia que ela se rendesse a ele, estragando a nova oportunidade.
Qual é a porra do seu problema, ?, ela brigava consigo mesma.
- Não, espera, não é nada educado fechar a porta na cara das pessoas – ele espalmou a porta com a mão que não estava encarregada de esconder sua desagradável surpresa.
- O que você quer, hein? – perguntou, relanceando o braço meio escondido dele e desistindo de fechar a porta sem perder o ar de desprezo. – Fala logo, eu preciso dormir se você ainda não se tocou.
reparou que ela já havia trocado de roupa e cogitou duas hipóteses: ou ele a acordara ou ela estava se preparando para dormir. A segunda lhe foi mais verdadeira, já que, além da calça cinza e larga de moletom que amparava suas pernas e o abrigo branco e fechado de mesmo tecido, ela tinha o cabelo preso num rabo de cavalo torto, uma faixa branca igualmente desajeitada impedindo sua franja de cair no rosto e somente metade do rosto bem maquiada enquanto a outra parecia ter sido pintada por uma criança. Ela estava tirando a maquiagem, como ele gostava de observá-la fazer quando moravam juntos.
Mais linda do que nunca para ele. Qualquer outra pareceria um trambolho naquele estado, mas não . Ela continuava linda, como sempre fora no seu conceito.
- Te dar um presente.
- Não, você não quer – ela o contrariou, do jeito que ele detestava. - Acho que já chega de presentes por hoje, né?
- Acho que não – petulou e tirou a mão detrás costas, revelando vários caules fechados em sua mão que sujavam-na um pouco de terra.
No primeiro momento não esboçou reação alguma além de alternar olhares entre as pétalas vermelhas e brancas de flores que ela nem sabia o nome, até que apoiou uma mão na testa e disse:
- Quando é que você vai parar?
- Parar com o quê? - ele se fez de desentendido.
- De brincar com a minha cara! – Ela pegou as flores da mão dele abruptamente e despetalou-as em sua cabeça, estapeando-a com elas, como sempre disse que faria. Ele não reclamou e não fez nenhum esforço maior do que encurvar o pescoço para baixo numa tentativa instintiva de se proteger. Pelo menos ela não estava fazendo-o as engolir com terra e tudo.
- Não estou brincando com a sua cara – tentou soar o mais franco que pôde quando ela parou de agredi-lo e jogou as flores no chão. Claro que estava brincando com a cara dela, de certa forma, mas negar era parte da diversão. – Olha, me deu trabalho conseguir essas flores pra você jogá-las no chão assim! – ela mostrou-lhe o dedo do meio.
- Por que você voltou? Pra me dar essa porcaria e me encher mais o saco, é isso?
- Sim, eu vim te encher o saco.
- Pra quê? O que você ganha com isso? – cruzou os braços sob os seios.
- Você fez a pergunta errada. Não é ‘pra quê?’ e, sim, ‘por quê?’. Bem, porque eu te amo.
Atingida pelas palavras dele, ela sentiu seu estômago ir até os pés e voltar, deixando-a mais enjoada do que lembrara de ter se sentido em muito tempo. Seus olhos se esbugalharam ligeiramente e a cor sumiu de seu rosto quando deveria ter aparecido com toda a fúria. Uma enorme vontade de gritar até que sua garganta explodisse a invadiu, mas tudo que conseguiu fazer foi permanecer quieta, sem piscar um olho.
- Como é que é? – ela disse, quando finalmente conseguiu reagir.
- Eu te amo, simples assim – repetiu, singelo.
- Por que você faz isso comigo, hein? Não se brinca desse jeito com as pessoas, sabe, . A gente acabou de sofrer um acidente de carro, por mais que a gente esteja bem, você não se toca? Não tá nem um pouquinho abalado? Você acha que eu tô radiante pra chegar aqui e dizer essas coisas? Que puta audácia a sua! Eu vivi com você durante dois anos – ela disparou a falar – duas porras de anos e você nunca disse isso! Você nunca me amou, nunca fez questão disso, e agora vem com essa historinha, sabe...
- Só porque eu não disse não significa que eu não te amei.
- Mas devia ter dito, então, sabe? Faz bem escutar isso às vezes, eu sempre te disse o quanto te amava! E, no começo, eu não esperava ouvir isso de volta, mas chega uma hora que fica insuportável de agonizante não ter certeza se a pessoa que você ama sente o mesmo por você!
- Desculpa, eu acho que nem eu mesmo tinha certeza – quase murmurou, envergonhado e cabisbaixo. – Dizer isso está sendo difícil pra mim, OK? É a primeira vez que eu digo isso pra uma mulher e eu tenho quase 25 anos de idade! - ele reergueu seu olhar e voltou a fixá-lo no dela.
- Mentira. Mentira – ela acusou, suspeitando daquela informação duvidosa. – Atrevido de merda! – Isso! Era exatamente isso que ele queria ouvir! - Aposto que você já disse isso pra outra, pra Georgina, por exemplo! Você continua fazendo piada comigo, você não se cansa, , não se cansa...
- Não estou mentindo, . Não mesmo – ele pegou a mão dela. Eu voltei porque percebi que sou melhor quando estou com você. – ela riu e tirou sua mão da dele.
- Você tá achando que isso aqui é o quê, ? Uma porcaria de série americana de bosta? Eastenders? Porque não é!
- Não estou achando nada, eu estou sendo franco com você como deveria ter sido antes.
- Mas não foi! Daí, você percebeu isso assim, de uma hora para outra, e achou que ia ser muito romântico e que eu ia me derreter quando você viesse me dizer? – arqueou uma sobrancelha ironicamente.
- Pode parecer imbecil, mas foi. – Ele estralou os próprios dedos.
- Não me faça rir, . Por favor – ela disse, agarrando a maçaneta e fechando um pouco a porta. - Volta pra sua casa e me deixa em paz, OK? Chega dessa palhaçada. Eu tô cansada, tô emocionalmente abalada e preciso dormir.
- Eu não vou a lugar nenhum. Eu vou ficar aqui até você me querer de volta.
- O caramba que você vai!
- Eu vou!
empurrou a porta com força e ela se afastou, assustada com tal ação, para que não fosse atingida nem se ferisse.
- Pára com essa palhaçada, ... – deu dois passos para trás assim que ele invadiu seu espaço.
Sustentando o olhar dela de forma um tanto obsessiva, ele bateu a porta atrás de si. O estrondo combinado à maneira com que ele a encarava fizeram-na tremer da cabeça aos pés, sobressaltando-se antes de começar a se afastar dele, que caminhava em sua direção com determinação.
- Eu não estou de palhaçada – concluiu e aproximou-se definitivamente ao segurar um dos pulsos de com força, puxando-a para si e entrando em choque direto com ela antes de segurar seu outro pulso com a mesma intensidade e impetuosamente tomá-la pelos lábios.
Se ela pudesse falar, teria agradecido-o por aquilo. Mas somente preferiu deixá-lo entrelaçar suas pernas, prensá-la contra a parede e sugar toda sua altivez pela boca, entregando-a sem resistências juntamente com todos os calafrios que lhe percorriam enquanto os dedos dele invalidavam a utilidade da blusa de moletom que vestia ao resvalarem sua pele por debaixo desta.
Desde que ela não fora facilmente persuadida por suas palavras, foi obrigado a recorrer a meio mais sujos para que ela aceitasse suas verdades.
As unhas de apertaram a nuca de e ele silvou, deixando uma das mãos escorregarem para um dos seios dela acidentalmente de propósito, sentindo-a retesar-se com seu toque. Não perdeu tempo e alguns segundos depois tirou uma das mãos dela de seu braço e levou-a até sua virilha, por cima da calça, puxando o lábio inferior dela antes de soltá-la e abrir os olhos para analisar sua expressão.
, sem tirar a mão dali, abriu os olhos também e estudou as cores ferventes nos dele. Seu abalo emocional se transformou completamente depois daquilo. Acidente de carro com ex-namorado, o quê?
- Está convencida agora?
- Não – negou, ofegante. - Me convença mais! – ela fez rir e ele deu dois tapinhas nas coxas dela antes de puxá-las para cima, dando auxílio para que ela pulasse e as fechasse ao redor de seus quadris.
Para o quarto a levaria. Isso se não tivesse tropeçado no meio do corredor por estar beijando-a em vez de prestar atenção no caminho que tomava no ambiente que não conhecia muito bem. Ele nem se lembrava mais onde ficava o quarto! Por sorte ele se apoiou nas paredes antes de cair por cima dela e não deixou que suas costas se arrebentassem diretamente no chão.
- Desastrado de merda! – ela o xingou antes de cair na gargalhada e não demorou muito para que sua camisa desse início ao festival de roupas espalhadas no chão.
- Somos modernos, cama é pros primitivos – disse depois de buscar uma almofada para pôr debaixo de e se desfazer por completo das calças e da cueca que ela puxou para baixo, voltando a se encaixar no meio das pernas e braços da garota, inclinando-se por cima dela e calando seus risos gostosos ao beijá-la novamente.
E a Dinâmica de Dias se fazia presente mais uma vez.
Sua vida não estava acabada como pensara em algum momento da noite. Afinal, ele tinha de a reconstruir ao lado de e seu olhar derretido, encantado e encantador, criado para fazê-lo feliz. Tinha sua voz irritada para gritar com ele e agredi-lo ao dizer-lhe o quanto ele era ridículo, tinha suas mãos para fazerem exatamente o contrário ao se perderem em seus cabelos como adoravam fazer e ele adorava sentir enquanto ela dizia que o amava. Tinha as mesmas mãos aveludadas para entrelaçar às suas malcuidadas por todos os cantos da cidade e mostrar para todos que eram o casal mais feliz existente. Tinha um colo para deitar e dedos para atrelar aos seus tarde da noite na cama, lhe dando a mais almejada segurança do mundo, a de que sempre teria alguém para amá-lo quando acordasse um dia após o outro, uma mulher disposta a lidar com todas as suas irregularidades e quase todos os seus vacilos. Dedos que ele não pretendia largar até o próximo dia dos namorados e muito mais além, até o último dia de duração de suas novas tentativas.
E ela mal podia esperar para mandá-lo fechar a tampa da privada novamente!
FIM
*Eu te amei uma vez, precisei de proteção. Você ainda é parte de tudo que eu faço e está no meu coração como uma tatuagem: eu sempre terei você.
N/A: Oi, todo mundo! Nem acredito que concluí essa fic, sério. Nunca fiz uma fic tão rápido na minha vida. Eu demoro meses pra escrever um capítulo e escrevi essa fic em três dias pra dar tempo de entregar pro desafio de dia dos namorados do FFOBS (e ainda assim não entreguei porque não terminei a tempo, #eufail. Só porque eu tinha usado todos os bônus, hm), por isso, me perdoem se não ficou legal. Se vocês quiserem presenciar um acidente de carro onde os carros sofrem perda total e as pessoas saem ilesas, sem um arranhão, venham passar uma temporada no meu apartamento. Aqui na minha avenida ocorre um quase toda semana, domingo é o dia mais propício, aliás. Pneu cantando tem de 5 em 5 minutos, uma coisa incrível. Às vezes eu acordo com eles, HAHAHA. Eu me esforcei pra fazer essa fic. Tanto que vocês nem tem idéia, me deu trabalho escrever isso aqui. Agora meu sono tá todo atrasado, HA! Como disse a Vee, tô dormindo por prestação. Obrigada a todas as minhas amigas que me apoiaram, leram partes do rascunho e não permitiram que eu deixasse essa história pra lá, principalmente a Ana, que fez o blend do título pra mim, a tabela e a sinopse da história! Eu amo vocês! <3 Espero que todas tenham gostado, COMENTEM e leiam as minhas outras fics!
Love, love, loove, Annie Archer
Hello Goodbye's siblings:
Nothing But Love (McFly/Em Andamento)
A.K.A Groupie (McFly - entre outras bandas/Restrita/Em andamento)
Like a Phoenix (Fletcher/ Finalizada)
We're Gonna Have Our Time (Jones/ Shortfic)
Slow Dancing in A Burning Room (McFly/Restrita/Shortfic)