“Cuide bem do seu amor, seja quem for ” Herbert Viana
Faz-se incrível o dom vampiresco de escrever diários, cartas e livros sobre suas conquistas. Conheço uma dúzia de autores espalhados pela Europa. Ah, a Europa! Alegra-me recordar as veias azuladas das raparigas portuguesas e o cheiro forte do sangue das francesas apaixonadas, embora todas as mulheres européias sejam insignificantes perto de meu martírio latino, àquela cujo nome recuso-me a pronunciar sem digna contextualização.
Perdão pela indelicadeza, chamam-me Damon Salvatore, vampiro italiano que ronda os sonhos e pesadelos de inúmeros mortais, ainda que não tenha prazer algum em apresentar-me diante de ti, oh insignificante leitor. Não o faço por total descaso de ti, em verdade é meu coração petrificado o real culpado por tal indignação.
Basta! Não pretendo lamentar tanto diante de ti, não em palavras desafetuosas. Deixe-me redimir-me recordando, emocionadamente, a viajem mais intensa vivida em toda minha existência mortal e não mortal. Se tu julgas tratarem-se dos nomes conhecidos por muitos daqueles que conhecem minha história, perdes seu tempo amado leitor, não falarei de Stephan ou de Katharine, pois estes não são sequer dignos de comparação diante do ser angelical que consome meus pensamentos nessa noite.
Recordo-me com precisão de minha ida a um país latino, inexplorado por muitos, mas honestamente apreciado pelos grandes, cujo nome referencia-lhe Brasil. À princípio, não soa bem, admito. No entanto, a origem desse nome é de extrema singularidade, ao menos para este vampiro inconsolável que vos edita uma história confidencial. Brasil, o nome vindo de uma árvore, encontrada aos montes por toda a região explorada pelo povo português. Brasil, a palavra remetente a cor do caule da árvore, vermelha como o fogo, como a brasa. Brasil, país tão quente quanto à clemência de seu nome. Brasil, o lugar em que meu gélido coração levou um choque estrondoso por encontrar o calor intenso de um corpo moldado e esculpido pelo que há de mais sublime nesse mesmo, Brasil.
Eu, sinceramente, nunca tive interesse por terras quentes e remotas, contudo seria uma bestial ignorância não desfrutar de meus poderes em lugares exóticos. Além do que, tratavam-se, certamente, de pensamentos interessantes esses que rondavam minha mente pervertida por sangue erótico e sensual. Resolvi partir.
A surpresa inicial foi espantosa, minhas presas pareciam não se conter de emoção. Àqueles eram os corpos que sempre sonharam perfurar, esgotando todo o sangue em um prazer absoluto. Resolvi caminhar pelas praias do Rio de Janeiro, eram tão perfeitas quanto os sonhos mais felizes que uma criancinha italiana poderia moldar. O que obrigou-me a mudar o cenário, obviamente. Derramar sangue nunca foi tão delicioso, ao menos na primeira semana.
Com o passar daqueles dias quentes e infernais, resolvi que partiria sem demora. No entanto, fui surpreendido por pessoas que falavam demasiadamente a beira mar, convidando aos turistas a conhecerem o sul do Brasil. Diziam, em várias línguas, tratar-se de um lugar paradisíaco, tanto ou mais que o Rio, embora o clima lá não favorecesse aos banhos de mar, por ter aparência européia. Percebi que era o destino a chamar-me e não neguei a ele o gosto de ter-me para si.
Florianópolis. Quantos nomes estranhos, eu mal podia pronunciar, embora estivesse avançando rapidamente na pronuncia do português brasileiro, afinal são línguas irmãs a minha e aquela. Não achei o clima tão distinto naquele lugar, decidi que partiria, mas não antes de um último banquete.
Caminhava pela noite, iluminada magistralmente por uma gigantesca lua, que aparentava ser de prata e fazia-se belíssima, como nunca mais pude presenciar em toda minha existência. Em verdade vos digo que apenas àquela noite e apenas àquele lugar tiveram o brilho da lua assim, tão especial. Meus passos eram curtos e silenciosos na areia da praia e embora houvesse a imagem da lua a repousar sob meus olhos, parecia não haver ninguém mais a contemplá-la, pois o lugar estava abandonado. Foi quando percebi, ao longe, uma figura que andava calmamente e por certo calculei que seria minha vítima final, no país em questão.
Aproximei-me com garbo e elegância, ela percebeu minha amabilidade e eu tive o pequeno coelho preso na toca, mal podia esperar para atacá-la, mas o que vi mudou o roteiro de meus planos. Seu rosto era maravilhoso e por um instante esqueci-me de tudo o que nos cercava, hipnotizado contemplando-a, nada apavorada por um estranho se aproximar sem ser percebido. Resolvi me portar honrosamente para conquistar ainda mais sua confiança.
- Olá senhorita, está tão sozinha nessa paisagem magistral. Eu poderia lhe acompanhar?
Eu me beijaria naquele momento, com tamanha sutileza e plenitude de meus atos, não fosse o sorriso daquela senhorita, abrindo-se de ponta a ponta, como se me esperasse a vida toda na areia daquela inebriante paisagem. Fui tomado repentinamente pela força contagiante transmitida pela imagem angélica, tanto a ponto de sentir receio em acompanhá-la.
Era como voltar à vida. Senti que aquela lua embriagante agia como o sol ardente daquele país tropical, queimando minha pele, sem fazer mal algum a meu bravo corpo vampiresco, apenas aquecendo-o, de uma maneira impar cuja qual jamais presenciei novamente. Retribuí o sorriso, enquanto sentia as ondas beijarem a praia intensamente. Sem que pudesse me conter em tal hipnose e imitando as ondas apaixonadas, aproximei seu corpo ao meu e dei-lhe um beijo de amor.
Jamais senti aquilo por nenhum ser. Jamais voltarei a sentir, eu sei. Eu sinto.
A noite voltou a ser noite para mim, pois podia perceber a lua de prata no céu, brilhando cada vez mais, emprestando sua luz celestial as estrelas que acompanhavam a majestade noturna em um show de imagens, registradas por dois pares de olhos negros recém apaixonados.
Ela não havia pronunciado absolutamente nada, apenas sorria agradavelmente olhando para mim. Segurei sua mão, imitando o silêncio, e passeamos pela noite, observando o clarão da lua e das estrelas. Estávamos agora em um lugar maravilhoso; era como a entrada de uma gruta sobre pedras próximas ao mar, lá eu pedi-lhe mais um beijo. Naquele instante, ela não era mais uma presa, não era mais uma reles mortal. Agora era uma deusa imortal em meus braços, a fazer-me saborear emocionadamente um sentimento inigualável.
Posso dizer com convicção, que certamente eu não sonhava. Via a noite linda continuar e saboreava aquele beijo, capaz de suprir minhas necessidades carnais e sanguinárias. Foi quando ela mirou seus olhos fixamente em meus olhos e disse, com uma voz doce e suave: “O mundo pertence a nós”.
Acordei com o sol forte em meu rosto coberto de areia da praia. Eu estava sem ela. Meu coração dilatou de infelicidade, pois sabia que jamais sentiria algo tão puro e doce em minha imbecil existência vampiresca se ela não voltasse para mim. Não, não havia mais a mulher maravilhosa. Não, não havia mais a proteção contra aquele calor, agora tão incomodo, que me cegava.
Esperei o anoitecer, mas ela não retornou. Desisti da partida e me empenhei em procurá-la, mas foi em vão. Anos se passaram. Nunca mais encontrei aquela mulher, cujo nome foi dito pelos doces lábios antes de adormecermos naquela praia encantadora e perversa. .
Não sei porque cargas d’água minha mente insolente retoma essa história, aparentemente, adormecida em meus pensamentos. Talvez seja a noite, pois naquela noite de lindo luar ela estava comigo, mas hoje a noite não tem luar e eu estou sem ela, já não sei onde procurar, não sei onde ela está. Hoje a noite não tem luar e eu estou sem ela, já não sei onde procurar, onde está meu amor?