- , vem cá, querido! - mamãe gritou ao longe – Está na hora da ceia!
Saí correndo o mais rápido que pude, gritando e pulando, e os adultos riram. Eles sempre riam das coisas que eu fazia, eu devia ser engraçado. Olhei em volta, a sala não estava cheia, mas todos os que importavam estavam lá. Mamãe, a tia Norah (que fazia a torta de chocolate mais gostosa do mundo inteiro), minha irmã pentelha, meus primos Kennan e Matthew, o tio Robert, e como sempre, o tio Bart havia sumido poucos minutos antes. Ele sempre sumia perto da meia noite, um dia eu descobriria o que ele aprontava. Ouvi um sininho de longe e minha irmã pulou.
- Ele chegou, ele chegou! O Papai Noel chegou!
E de repente, tudo ficou muito claro. Eu sabia o que acontecia com o tio Bart e o Papai Noel.
- É tão engraçado como sempre que o tio Bart some, o Papai Noel aparece! - falei, enquanto nos aproximávamos da janela para observar o bom velhinho chegando. – Acho que eles são amigos. Por isso ele sempre vem pra cá pra nossa casa quando dá meia-noite - disse, cheio de mim, e ouvi Matthew rir.
- Crianças... - ele murmurou. Como se ele fosse muito grande, né? Tem doze anos e acha que é adulto! Eu posso ter cinco, mas pelo menos sei que nosso tio é amigo do Papai Noel!
Falando nele, o velhinho entrou na sala com sua enorme sacola de presentes, e todo mundo o rodeou. Eram presentes para todos os lados, risadas, o cheirinho da comida da mamãe invadindo a sala, a torta da tia Norah indo para a mesa, pacotes de presentes rasgados por todos os cantos, a neve do lado de fora, as luzes...
E com a mesma velocidade que senti tudo isso, vi a cena se diluir em vultos.
As risadas começaram a diminuir seu volume, o cheiro, tão real, foi sumindo... A torta da tia Norah também. Era como se tivesse revivido uma cena muito, mas muito distante em minha mente. Pisquei os olhos com força, encarando o quarto do hotel escuro ao meu redor. Era realmente estranho que não tivesse nenhuma garota ali comigo, mas não tentei lembrar o porquê disso. Esfreguei os olhos, tentando encarar o visor do celular. Já era quase quatro da tarde, estava um frio dos diabos naquele quarto, mesmo com o aquecedor ligado. Eu só queria voltar pra minha casa, pra minha cama. Adorava viajar com os caras, adorava nossos shows, o fato de estar sempre em lugares diferentes... Mas às vezes isso cansa, e muito. A fama cansa. E nessa época do ano, todo mundo fica meio gay, sério. Por exemplo: quis sair ontem à tarde para comprar presentes pras priminhas de quinquagésimo grau dele, em vez de ir para um bar. Eu, como amigo prestativo que sou, resolvi ir com ele, e, no meio da loja de brinquedos, fomos reconhecidos por uma multidão de adolescentes. Resultado? Saímos escoltados da merda daquele shopping, enquanto uma menina estranha tentava arrancar um pedaço da minha camisa. Se ela soubesse o preço dela, nem encostaria.
Às vezes é difícil ser , o do McFly. Tem dias que eu queria acordar , só isso.
O vôo de volta para Londres pareceu mais devagar que o normal, eu estava impaciente. Não estava prestando atenção no filme que passava no avião, nas baboseiras que me dizia ou muito menos no papo que e estavam tendo. Aquele sonho – ou lembrança, seja lá o que fosse aquilo – continuava atormentando meus pensamentos. Mal conseguia me lembrar do último Natal que passei com minha família. Nunca tive contato com meu pai, muito menos com a “nova família” dele. A banda começou a fazer sucesso quando eu ainda era adolescente, e então eu passei a não ligar para essas festividades idiotas. Com o tempo, me afastei também da minha família por parte de mãe – briguei com minha irmã, mal tinha contato com a minha mãe, quem dirá com os meus tios. Quase todos os anos, eu me infiltrava na família de algum dos caras para o Natal, porque eles nunca deixavam que eu passasse a data sozinho. Esse ano, passaria com a família da namorada, viajaria para o interior e me sobrara o convite de . Aceitei, por pura educação. Adorava a família dele, é claro, mas esse ano não estava a fim. Tinha a ideia fixa de que passaria o Natal sozinho, e eu o faria. Inventaria alguma desculpa, isso era certeza.
As ruas estavam enfeitadas e iluminadas no caminho até meu apartamento. A portaria, o elevador, tudo conspirava contra mim e a favor do Natal. Não pense você que eu odeio essa data, muito pelo contrário. Só que tem sido extremamente chato, ano após ano, a situação em que eu me encontro nessa época. Eu queria ter a chance de passar um Natal de novo na minha antiga casa, em Birmingham. Nossa casa era enorme, mesmo numa vizinhança meio distante de tudo. Minha mãe costumava enfeitar aquela casa como ninguém, as árvores cobertas de neve, as meias na janela, ela fazia absolutamente tudo. Nossa casa era a mais bonita da vizinhança nessa época do ano.
Mas o que diabos eu estou falando?
Sério, eu já disse que o Natal libera o lado gay das pessoas?
Eu tenho a vida que pedi a Deus. Tenho absolutamente todo o dinheiro do mundo, carros, garotas quando, como e na posição que eu quiser, uma banda famosa internacionalmente, um apartamento com vista para o London Eye, o que mais eu precisaria?
A porra de uma casa com luzinhas de Natal, claro. Estava decidido: Se eu estava com um estranho clima natalino, iria comprar as luzes mais fodas que eu encontrasse, uma árvore que encostasse no meu teto e pronto, pararia de graça. Ou melhor ainda: ligaria pra alguma groupie que viria em meia hora até minha casa para resolver o problema. Talvez ela até se vestisse de Mamãe Noel pra mim... Não que eu tivesse essa tara, claro. Peguei o telefone e disquei qualquer número da chamada rápida – eu já tinha decorado o dos caras, então não ligaria pra nenhum deles por engano – e caiu no celular de uma tal de Kimberly, que gritou no meu ouvido quando eu disse quem era, e tocou minha campainha em EXATOS vinte e nove minutos. Meu timing é perfeito, pode falar.
- Tá na hora de você ir pra casa... - murmurei, acendendo um cigarro. A garota rolou na cama ao meu lado.
- Mas são três da manhã, ... - ela disse com a voz arrastada – Está muito tarde para uma garota como eu andar por aí desacompanhada, não acha? - Kimberly disse sorrindo, e beijou meu ombro.
- Já era tarde o suficiente quando você veio pra cá, o perigo é o mesmo... - respondi, seco, e senti os braços da garota afrouxarem em minha cintura.
- , como você é grosso! É assim que você me trata depois de uma noite maravilhosa como essa? - a garota gritou e eu não pude conter o riso, sentando na beirada da cama.
- Desculpe, Kimberly... Eu sei que eu fui um pouco indelicado... - Segurei seu rosto com as mãos, e a garota estremeceu. – Me perdoe a falha, vou pedir pro porteiro chamar um táxi para você. Pode deixar que eu pago.
- !
- Se troca, Kimberly - disse, rolando os olhos, enquanto descia as escadas para usar o interfone.
Por que garotas são tão complicadas?
Nossa noite não foi maravilhosa, como ela mesma disse? Queria mais o quê? Queria que eu pagasse? Não acho que valha o preço que ela me cobraria, e vamos combinar, ela se saiu muito melhor nessa do que eu.
Quando finalmente me livrei da loira gostosa e chatinha, me joguei no sofá, completamente sem sono. Estava entediado. E aquela porra de cidade iluminada estava me irritando. Fechei os olhos, tentando cochilar, e acabei me lembrando de algo que minha mãe havia me dito muito, mas muito tempo atrás. Logo que a banda fechou contrato com uma gravadora e eu anunciei que sairia de casa para viver em Londres. Na época eu achei aquilo a maior babaquice do mundo. Mas hoje acho que mães são meio videntes, tenho medo delas.
“, querido... Você poderá ter toda fama e sucesso do mundo, mais dinheiro que toda a população da África, mais oportunidades que qualquer um terá na vida. Mas nunca esqueça: todo seu dinheiro e fama nunca comprará o amor de sua família, querido. Nem de seus verdadeiros amigos. Porque sentimentos não se compram.”
- Porque sentimentos não se compram... Pff!
Resmunguei, rolando os olhos. Eu poderia comprar todo o sentimento daquela Kimberly por uma pechincha, se quisesse. Tudo na vida tem seu preço. As pessoas têm seus preços. Algumas podem ser mais caras, outras menos. Mas uma coisa é certa: se você tem dinheiro, você tem tudo. E eu tenho tudo, menos uma família pra passar o Natal. Mas isso não seria mais um problema.
Os idiotas dos meus amigos vão passar o Natal com suas namoradinhas e parentes distantes? Tudo bem.
Briguei com metade da minha família? Problema algum.
Sou orgulhoso demais para voltar a falar com eles? Dane-se.
Não quero passar o Natal com a única família que me aceitou? Foda-se.
Eu tenho dinheiro. E vou ter o Natal que eu sempre quis, que nem os de antigamente.
Nem que pra isso eu tenha que comprar uma nova família.
Eram exatamente cinco e vinte e três quando joguei meu casaco mais grosso e coloquei um cachecol. Entrei no carro dois minutos depois, e parti para Birmingham. Afinal, se queria um Natal como antigamente, aquela cidade era a única que me satisfaria. Aquele horário era bom pra dirigir, não pegaria tanto trânsito das horas do rush e tudo mais. Estava com sono, porém decidido, e fiz o caminho inteiro em três horas. Me senti bem ao adentrar a cidade, que é a segunda maior da Inglaterra, mas eu morava bem longe daquela civilização toda. Estive lá algumas vezes, com a banda, mas nada demais. A casa de Birmingham foi a que eu vivi até os onze anos, depois minha família se mudou para Manchester e não demorou muito, eu me mudei para Londres. Não lembrava exatamente o caminho que dava na minha vizinhança, mas tentei ir o mais distante dos grandes prédios o possível. O dia estava claro demais, eu estava com fome e irritado por não lembrar a localização da minha própria ex-vizinhança. Resolvi parar em uma padaria, já distante da parte movimentada da cidade, para comer alguma coisa. Antes de entrar, dei uma olhada em volta e reparei que sim, aquele lugar era perfeito. As casas grandes e seus gramados cheios de neve e enfeites natalinos. Longe do centro. Perfeito.
- Um café forte e um muffin de chocolate, por favor. - Olhei para o senhor atrás do balcão, que sorriu.
- Tá na mão, senhor.
- Me diz uma coisa... - Olhei pra ele, tentando enxergar o nome escrito no pequeno crachá em seu bolso.
- Joseph - ele completou.
- , prazer. – Sorri, e ele também. – Sabe onde mora uma família grande? - Vi a testa do homem franzir, e me obriguei a continuar: – É a família de um casal, eles tem... Filhos. Muitos. E o avô mora com eles também.
O senhor coçou a cabeça, e me encarou desconfiado. Merda, talvez eu não encontrasse uma família tão fácil assim. Talvez ele achasse que eu era um psicopata, e, convenhamos, talvez eu fosse. Interrompendo meus devaneios, vi um muffin parar em minha frente e ouvi a voz rouca de Joseph.
- Você quis dizer vó, né?
Tossi.
- Claro! Vó! Por quê? Eu disse vô? - Ri forçadamente e ele me acompanhou.
- Ah, agora sim. Você está falando dos Abshire, não?
Abshire's. Eu poderia facilmente estar falando deles. Uma família imensa naquela vizinhança... Bingo, acho que achei quem vai me adotar.
- Claro, exatamente! - Fingi me lembrar e ele riu. – Sei que eles moram aqui perto, mas me perdi... Eu sou de Londres, sabe?
- Ah, sei bem como é! Veio procurar pelo Liam ou pela ? - Ele riu. – Os amigos deles vivem se perdendo quando vêm pra cá! Mas como a agora mora no campus da faculdade, geralmente os perdidos são amigos do Liam.
Sorri amarelo. Se eu realmente fosse um assaltante ou sequestrador, aquele senhor teria me dado informações preciosas.
- É, eu conheço a... . Da faculdade! - gaguejei. Eu não era muito bom em mentir de um modo geral, só conseguia mentir para garotas. Nisso eu era mestre. Joseph sorriu.
- Não sabia que ela já tinha chegado do campus! Fale pra ela vir me ver, prometo separar um pedaço da torta de chocolate favorita dela.
- Tia Norah, quero mais torta! Já disse que sua torta de chocolate é a mais gostosa do mundo inteiro?
- Já disse sim, meu amor!
- Ah, sim, a torta de chocolate... - Acordei do meu sonho estranho. Eu tinha dormido no meio da conversa? - Eu... Eu falo pra ela.
- Fale sim! - O senhor sorriu – Olha, ... Siga essa rua até o final, é a casa branca com árvores enormes. Número 423. Não tem erro, você vai acertar só pelas árvores. Qualquer coisa volte aqui para me perguntar.
- Muito obrigado, Joseph! - Sorri, colocando o dinheiro sobre o balcão.
- Por nada, meu filho! Feliz Natal!
- Pro senhor também.
Saí da padaria com uma sensação estranha. Era boa, era diferente, mas ainda assim estranha. Algo me dizia que aquele Natal seria realmente... Feliz?
Peguei o carro e segui pela rua cheia de casas grandes e enfeitadas. De alguma maneira, lembrava minha antiga rua. Não foi difícil enxergar a casa que Joseph havia descrito – as árvores eram de fato imensas, e estavam cobertas de neve e cheias de luzes, mas já estavam apagadas. Alguém estava acordado, e isso fez gelar meu estômago. Comecei a pensar em hipóteses de como abordar alguém ali. “Oi, meu nome é , quanto você quer pra ser da minha família por esse Natal?” ou “Oi, prazer, sou , seu filho bastardo...” Não, assim não. Quero um Natal feliz. “? Não se lembra de mim, lá da faculdade? Pois bem, vim passar o Natal com você! Não quer? Te dou 200 mil, agora quer?”
- Ei, meu filho! - Ouvi uma voz fininha de longe e estremeci de verdade. Merda. - Está perdido?
Senti meu corpo inteiro gelar, e apertei os olhos com força, como se com aquilo, apagaria a cena que estava por vir. Não era pra ninguém ter me visto, não ainda. Virei, e vi uma pequena senhora dos cabelos brancos sentada em uma cadeira de rodas. Ela estava parada, próxima à porta da casa. Cocei a cabeça.
- Não, senhora, não estou perdido, não - disse, sem mover um centímetro. Ela sorriu.
- Tem certeza?
Dei alguns passos em sua direção, movido por alguma força que não sei qual era.
- Na verdade eu estou procurando o Sr. Abshire, ele está?
A pequena senhora dos olhos azuis sorriu abertamente. Ela tinha cara daquelas vovozinhas boas dos filmes, e aquilo me fez sorrir. Nunca tive contato com minhas avós.
- Não está não, meu amor. Sabe, ontem nós dois saímos para um bailinho lindo... - Ela riu. – Dançamos a noite inteira. Minha sorte é que mamãe atrasou os relógios, senão papai teria me matado por chegar meia-noite em casa.
- Ahn? - deixei escapar sem querer. Papai? Bailinho? Do que ela estava falando, por Deus?
- Mamãe, eu já falei pra senhora não vir pra fora, está congelando! - Ouvi uma voz masculina e enrijeci. Em seguida, provavelmente o filho dela, apareceu. Ele também pareceu surpreso ao me ver ali. - Bom dia... Posso ajudar?
Enquanto girava a cadeira de rodas de sua mãe pra dentro – mãe essa que eu tinha certeza que estava meio gagá – o homem virou-se pra mim, de olhos arregalados, e voltou a olhar pra dentro da sala. Fez isso umas quatro vezes, e eu já estava me irritando.
- Ei! Você é o cara da TV! - ele disse, apontando pra dentro, e eu me aproximei. Um de nossos clipes estava passando na televisão, e eu não pude segurar o riso.
- Sou eu mesmo. Prazer, .
- Richard Abshire. - Ele estendeu a mão para me cumprimentar. - Mas o que você está fazendo aqui? É alguma promoção? Ah, vai dizer que minha mulher se inscreveu na Oprah de novo? - ele disse, indignado, e eu ri verdadeiramente. Aquele cara era engraçado!
- Não, eu não estou aqui a pedido da Oprah... Na verdade, eu estava passando e... - Parei no meio da frase. Como eu diria para que realmente estava lá? Aquilo era totalmente insano!
- Senhor ? - Richard me interrompeu e eu chacoalhei a cabeça.
- Perdão. - Sorri amarelo. – Estava... Viajando.
Dessa vez ele quem riu.
- Reparei.
Ouvi o barulho de uma moto aproximando-se, e virei para trás. Ao lado da Land Rover que já estava estacionada ali, um garoto parou sua moto e tirou o capacete.
- Fala, coroa! - Ele cumprimentou o Sr. Abshire. - Fala... ? - Ele pareceu confuso ao me encarar, depois seus olhos arregalaram – Pai... - o garoto, que devia ser o tal Liam, sussurrou. – Por que diabos o do McFly tá aqui? Não vá dizer que isso é meu presente surpresa de Natal, porque a banda dele é minha inspiração, mas isso seria muito gay.
Richard começou a gargalhar e eu também. O garoto, Liam – devia ter uns dezessete anos – ficou com cara de nada enquanto nós ríamos da conclusão dele. Depois, o Sr. Abshire parou de rir, e me encarou.
- Olha, filho, definitivamente esse não é seu presente surpresa. – Pude ver o alívio nos olhos de Liam. – Mas eu também não sei o que esse cara tá fazendo aqui.
Bom, eu teria que falar... Quanto seria sensato oferecer a eles? 200 mil, como eu havia pensado? Será que eles queriam mais? Há, como se fosse a coisa mais normal do mundo oferecer grana pra uma família te acolher no Natal, claro...
- Bom, eu estou aqui porque... - Respirei fundo. – Então, eu morava aqui em Birmingham.
- Eu sei. - Liam interrompeu e eu arqueei a sobrancelha.
- E faz muito tempo que eu não passo um Natal em família, porque não tenho contato com a família do meu pai, e briguei com metade da família da minha mãe. Eu... Sinto falta da época de Birmingham.
- Aonde você quer chegar? - Sr. Abshire parecia impaciente.
- Bom, vocês sabem que eu não sou nenhum psicopata ou coisa do tipo... Eu sou o cara da TV, do McFly! Não tomem isso como uma ofensa nem nada, mas eu queria... Passar o Natal com vocês. - O rosto do pai e do filho estavam idênticos. Totalmente confusos. Fiquei com medo que alguém cuspisse um não logo de cara, e prossegui: – E eu sei que eu sou de certa forma um “estranho” - fiz aspas com as mãos –, por isso quero oferecer a vocês 200 mil libras por um Natal em família.
O silêncio foi absoluto. O rosto do Sr. Abshire mudava de cor a cada segundo, e garoto olhava pra cima às vezes, devia acreditar que era uma piada e estava procurando câmeras ou algo do tipo. Afinal, não é todo dia que o cara do McFly bate na sua porta pedindo uma coisa dessas. Eles deviam aceitar essa oportunidade única...
- Você tá de brincadeira, não é? - Richard se pronunciou do nada, e eu neguei.
- Não. Acha 200 mil pouco? Podemos conversar um valor e...
- Meu Deus, você realmente não tá brincando! - Os olhos de Richard arregalaram. – Olha, eu realmente não sei, eu...
- São 200 mil, pai... É o ! - Liam sussurrava. Bom garoto.
- Eu preciso ver isso com minha esposa e o resto da família, garoto. - Ele me encarou. – Deixa seu número comigo, ligo hoje até o final da tarde. Até porque... Você sabe onde eu moro, não vai adiantar não ligar...
Sorri e anotei meu número no celular de Richard. Então havia uma chance. Bingo.
- Obrigado por considerar isso, Sr. Abshire. Espero sua ligação! - disse, empolgado. Ele riu.
- Está certo, garoto - disse por fim e entrou em casa. Liam ainda me encarava.
- Vou fazer campanha por você aqui em casa, . - Ele se pronunciou. – Se você der uns toques pra minha banda, melhor ainda... - Ele riu, sem graça. E devia ficar sem graça mesmo! Já tô oferecendo uma grana pra família dele, ainda mais essa? Ok, , espírito natalino no coração.
Sorri, andando até o carro.
- Com certeza, Liam. Até depois - disse, e ele riu, entrando em casa.
Agora só precisava que o Sr. Abshire me ligasse. E que Liam convencesse a família toda. E a vovó maluquinha também, aposto que ela me achou bonitinho... Eu faço sucesso com as senhoras. Dei partida no carro em direção a um hotel qualquer. Precisava desesperadamente de uma cama.
Estava ansioso demais para dormir, só consegui cochilar algumas vezes. Meu celular tinha algumas ligações perdidas do Fletch, nosso empresário, e do . Não retornei nenhuma delas. Que merda, por que quem eu quero que ligue, não liga? Porra! Estou parecendo uma garota encalhada de 14 anos! Ouvi meu celular tocar e dei um pulo – se fosse de novo, mandaria à merda. Coitado, não que ele tenha culpa...
- Alô.
- ?
Não reconheci a voz.
- Depende. Quem é? - murmurei e a pessoa riu.
- É o Liam, cara. Então, vamos aceitar sim!
Uma onda de choque passou por mim. Tinha quase certeza absoluta que eles ligariam pra dizer não.
- Se-Sério? – gaguejei, e ele riu.
- Aham. Olha, passa aqui amanhã na hora do almoço, meu pai quer falar com você e tal.
- Tudo bem, apareço sim!
- Beleza, até amanhã!
- Até amanhã, Liam.
Desliguei o telefone rindo – há, não é que todo mundo tem seu preço mesmo? Dessa vez eu cheguei até a desconfiar, mas agora tenho toda noção do mundo que dinheiro compra tudo. Mandei uma mensagem pro , dizendo que tinha viajado e sem maiores detalhes, e pedi que avisasse a Fletch e também ao e ao . Não que esses últimos dois estivessem preocupados, claro. O espírito natalino deles estava aflorado demais pra que se lembrassem de mim.
No dia seguinte, estava totalmente elétrico.
Não tinha parado pra pensar que talvez eles pudessem ser psicopatas ou algo do tipo... Eu era jovem e bonito demais pra morrer, sério. Ainda não tinha comido a Beyoncé, não morreria sem isso. Mas não, eles eram boas pessoas, claro que eram! Eles iriam me fazer recordar dos natais passados, embora não fossem os mesmos rostos... Vi o relógio marcar uma da tarde e resolvi sair de casa. Seria estranho chegar no meio do almoço deles, mas não fora isso que Liam disse? Joguei minhas coisas de volta no porta-malas do carro e parti em direção ao lar dos Abshire's. Estava um frio cortante em Birmingham, nem meus dois casacos e o cachecol estavam dando conta. Agradeci mentalmente quando a porta fora aberta poucos segundos depois da campainha acionada. Era melhor ser fuzilado por uma família estranha do que aquela neve na minha cabeça.
- Fala, garoto. - O próprio Richard abriu a porta. - Entre.
Assim que pisei na sala de estar relativamente grande da casa, vários – muitos mesmos – pares de olhos pousaram sobre mim. Senti meu rosto esquentar em uma velocidade impressionante. Podia tocar para milhares de pessoas, mas bastavam algumas pessoas me encarando, que eu ficava assim. Babaca.
- Bom, , primeiro vou apresentá-lo a todos, depois precisamos conversar, ok? - Richard disse, e eu apenas acenei com a cabeça. – Liam você já conhece. Essa é minha esposa, Sarah. Minha mãe você também deve ser lembrar, não é mesmo?
- Claro, lembro sim. – Sorri. – Tudo bem com a senhora?
A velhinha sorriu.
- Quem é esse menino lindo?
- Sou o , estive aqui ontem, não lembra? – perguntei, e a senhora franziu a testa.
- Não.
Os olhares pareciam ainda mais fortes sobre mim.
- Bom, , essa é minha mãe, Lucy - Richard interrompeu, visivelmente atordoado. Fiquei sem reação, então ele continuou. – Essa é minha filha, Claire. O marido dela, Robert, ainda não chegou. E esses são os filhos dele, Luke e Katie.
Cumprimentei todos vagamente, e então as duas criancinhas vieram correndo em minha direção. A menininha era linda, devia ter no máximo quatro anos. O garoto devia ter uns seis.
- A , nossa outra filha, também não chegou ainda - Sarah se pronunciou, e eu sorri.
- Agora venha comigo, precisamos conversar - disse Richard.
Entramos em uma espécie de escritório – Era pequeno, tinha muitos livros, e um sofá verde no estilo antigo no canto. A mesa de madeira escura tinha um computador em cima, e uma cadeira de couro atrás, essa bem mais moderna. A sala era meio escura, tinha alguns quadros meio estranhos na parede. Ouvi o baque da porta.
- Sente-se, . - Richard sorriu, e eu o obedeci. – Bom, antes de mais nada, quero explicar por que aceitamos essa sua maluquice.
- Está tudo bem, Sr. Abshire. Não precisa explicar nada, sei que a proposta foi muito tentadora e... - comecei a falar, mas fui interrompido.
- Por Deus, garoto! Acha mesmo que eu aceitaria um estranho em minha casa só por causa do dinheiro? - Richard não tinha um tom de voz muito feliz.
- Perdão, continue então.
- Nós vivemos muito bem nessa casa. A Claire casou-se com o Robert há alguns anos, os dois moram algumas ruas abaixo da nossa. Eles vivem muito bem, as crianças têm todas as oportunidades para crescerem saudáveis e com caráter. A , nossa filha do meio, está cursando a faculdade, mora no campus, está se virando bem sozinha. O Liam, bom... - Ele riu. – É um garoto, mas é mais responsável do que parece. Nunca tive problemas com nenhum de meus filhos, muito menos financeiros... Mas bom, como você deve ter reparado, minha mãe está com alguns problemas de saúde. - Richard pareceu desconfortável, mas eu não sabia o que dizer, então fiquei calado. Ele suspirou. – Ela está com mal de Alzeimer. Ela vive esquecendo as coisas, e vez ou outra, age como se estivesse em outra época.
- Ah, por isso que ela falou algo sobre um baile com seu pai, ontem... - falei sem perceber, e Richard sorriu fraco.
- Meu pai morreu há mais de vinte anos, . Entende o que estou falando? Essa situação é muito complicada para nós. Nós queremos dar uma vida melhor para minha mãe, é realmente complicado cuidar dela...
- O tratamento é complicado?
- A doença é irreversível, . E ela não progride a tratamentos, então será sempre assim. Aceitamos essa sua proposta maluca porque... Queremos que minha mãe tenha tudo o que merece. Apenas por isso.
De repente, me senti a criatura mais desprezível do mundo, por achar que passar o Natal sozinho era um problema. Ver a agonia no rosto daquele homem ao falar da doença da mãe, isso sim era terrível.
- E também, pra comprar um carro novo pra mim... - Ele riu.
Opa, acho que ninguém é cem por cento bondoso, então eu não sou tão mau assim.
- Olha, Richard... Muito obrigado por ter aceitado minha proposta – disse, tirando o talão de cheques do bolso. – Só queria pedir uma coisa.
- Outra? - Ele riu, e eu forcei o riso.
- Não quero que a imprensa fique sabendo disso, em hipótese alguma.
Ele sorriu.
- Não saberão. Bem vindo à família, .
A conversa com Richard foi bastante esclarecedora. Sem querer, havia escolhido uma família muito boa para fazer parte, eu tinha certeza. O “tio” Richard – era assim que eu devia chamá-lo desse momento em diante, já que eu era parte dos Abshire – fechou a porta e seguiu em minha frente até a sala. Ficamos uns bons minutos conversando todos juntos, as pessoas ali eram muito simpáticas, e estavam muito interessados em saber o porquê de um cara como eu, que tem tudo, se submeter àquilo. Eu podia sentir um aroma muito bom vindo da cozinha, “tia” Sarah ia e vinha sempre para checar se seu assado estava pronto. Ouvi o baque da porta da frente se chocando contra a parede, e em dois segundos, tudo mudou.
Os olhares, antes voltados a mim, foram parar nela. A garota tinha um gorro vermelho na cabeça, um cachecol todo colorido e um casaco imenso. Seu rosto – lindo – estava corado por causa do frio, e mais dois segundos depois, ela gritou.
- Meus amores! - A garota deu um pulo, e todos começaram a falar ao mesmo tempo. Vi Liam correr e girá-la no ar, as crianças pararem de chacoalhar os presentes que estavam embaixo da árvore e correrem até ela, Sarah brotar no meio da sala com um sorriso imenso no rosto.
- Meu bebê! - Sarah disse, abraçando-a – Você demorou tanto, filha!
- Tia , tia , que saudade! - Katie pulava e abraçava as pernas da garota.
Ela abriu um sorriso tão lindo que achei que fosse babar que nem um cachorro olhando os frangos no forno da padaria.
Puta merda. Minha “prima” era linda.
Interessante. Nunca tive um relacionamento proibido. Uma família nova com uma prima gostosa? , você nasceu virado pra lua, meu camarada.
- AH, MEU DEUS!
Ouvi a exclamação e acordei. A garota, sim, a prima, a tal , estava olhando em estado de choque pra mim.
Ponto pra você de novo, . Ser famoso é o que há nessa vida. Priminha garantida!
- Oi? - Sorri de lado, andando até ela e estendendo minha mão. – Meu nome é , mas acho que isso você já sabe. - Ri, mas ela não me acompanhou.
- Então é verdade? - Ela virou de costas pra mim, para que encarasse Richard. Deixei minha mão cair do lado do corpo, já que tinha ficado absolutamente no vácuo. - Esse cara vai mesmo passar o Natal com a gente?
Ok, talvez ela não seja exatamente uma fã...
- Anda, pai! Fala logo!
- , meu amor, eu já te expliquei... - Richard ponderou, mas a garota o encarou, irada.
- Não tem explicação, pai! Isso é simplesmente ridículo! Como você coloca UM ESTRANHO dentro da NOSSA CASA numa data tão especial como essa?
- , nós fizemos um acordo com o ...
- Eu sei bem o acordo, Liam! Isso é a maior bizarrice que eu já ouvi em toda a minha vida! - Ela dessa vez me olhou, encarando dos pés à cabeça. – Se quisesse fazer a “boa ação de Natal” - ela disse irônica –, adotasse um cachorrinho, um gatinho abandonado... Um rockstar perdido na vida? - A garota gargalhou. – Sem comentários.
Fiquei completamente imóvel, assim como o restante da sala. Não conseguia abrir a boca. Percebendo isso, – a.k.a. priminha gostosa, porém irreversivelmente louca – subiu as escadas, arrastando sua mala enorme. Em um minuto, ouvimos o baque surdo de uma porta batendo.
- Ops. - Katie olhou para cima, depois olhou para mim. – Acho que a tia não gosta de você. - Ela riu, e depois saiu correndo.
Joguei minhas coisas na cama abaixo da de Liam. Ainda era dia 23, mas Richard dissera que eu poderia continuar lá mesmo, já que as coisas já estavam no carro. Desde o incidente com a gostosinha insuportável, não a vi mais. Sim, ela mudou totalmente de nível em minha mente, depois do escândalo. Quem ela pensa que é? Com quem ela pensa que estava falando? Eu sou do McFly, porra! Resolvi sair do quarto e fazer alguma coisa, mas não sabia exatamente o quê. Me sentia um estranho no ninho, e de fato eu era. Desci as escadas, e assim que cheguei à cozinha, quem estava lá? Parabéns, você acertou, a Miss Escândalo!
- Tomou uma Maracujina? - Cheguei falando. Se tem uma coisa que me irrita, são as pessoas não se portando da forma que devem. Eu tô pagando uma grana preta pra família dela, o mínimo que ela devia fazer era sorrir e acenar. E fingir que tava achando tudo lindo.
arqueou uma sobrancelha, depois soltou o garfo no prato.
- Tomou sua dose de simancol? - ela sorriu. – Ops, acho que não, porque você ainda está aqui!
- O que eu fiz pra você, garota? - Elevei o tom de voz, nervoso. Ela tomou um gole de suco, na maior calma do mundo. Filha de uma puta!
- Absolutamente nada. Só não suporto a ideia de ser comprada por um rockstar frustrado como você. Qual é, não era mais fácil ter pago uma meia dúzia de prostitutas pra te divertir no Natal? Elas iam brincar melhor com seu peru, isso eu garanto...
Não pude deixar de rir. O jeito debochado dela era, no mínimo, engraçado. E minha risada, pelo que eu via, a deixava irritada. Então eu morreria de tanto rir.
- Claro que era mais fácil... - sorri, aproximando meu rosto do dela e apoiando minhas mãos na bancada da cozinha – Mas eu não gosto do óbvio.
- Uh, o rockstar é irreverente! - Ela riu. – Qual o seu problema, garoto? É sério, o que você quer da minha família?
perguntou, séria. Arqueei uma sobrancelha, sem saber o que dizer. Não queria parecer um frouxo, e assumir que só queria uma família. Mas também não queria que achassem que eu era um psicopata disfarçado. Merda.
- Não interessa o que eu quero. O que interessa é que o cheque está na conta do seu pai, e você vai ter que aceitar isso, quero você queira, quer não... drama queen.
A garota abriu a boca, mas não emitiu som algum. Score.
- Tia , me ajuda a pegar um jogo em cima do armário do Liam? - Luke surgiu do nada, e nós piscamos várias vezes. Nosso contato visual era tão intenso, que se alguém entrasse no meio, sentiria os lasers.
- Claro, meu amor! - Ela sorriu para a criança. Como ela ficava adorável quando não agia como um louca! Que inferno, viu. Ela podia ser baranga.
Estava com Liam e um amigo dele, Teddy, dando algumas dicas para a banda. Os garotos não eram ruins, tinha que admitir. Só estavam muito crus, faltava aquela experiência que você só ganha com o tempo. Mas tinham talento.
- Dude, que fome! - interrompi a conversa e os dois riram.
- Nossa, somos dois! - Teddy concordou.
- , já que você é de casa - Liam riu –, vai lá na cozinha buscar algo pra comer, vai... - O garoto se jogou pra trás na cama, e Teddy riu. Folgado!
Ele quem devia pegar. Ele dependia das minhas dicas para o sucesso, não?
Os Abshire's são legais – em sua grande parte – porém muito folgados.
Saí do quarto, e quando estava andando no corredor, vi uma porta entreaberta. estava lá dentro, mexendo em seu notebook. O som estava alto, tocava Heartless, do The Fray. Pelo menos a drama queen tinha bom gosto para música.
- Somewhere far along this road, he lost his soul, to a woman so heartless... - Ela cantava, e eu continuei, quase involuntariamente.
- ...To a woman so heartless, how could you be so heartless?
- Droga, que susto! - me encarou e eu ri.
- Essa música combina com você. - Ri e ela também.
- O que você quer, ?
Comecei a olhar ao redor de seu quarto, e senti algo passar entre minhas pernas. Dei um pulo e a garota gargalhou. Logo em seguida, vi um gato se esconder atrás da cama.
- Você é uma garota! - Ela riu e eu fiz careta, sentando na beirada de sua cama.
- Esse gato é seu? – perguntei, e ela assentiu, sem tirar os olhos do computador. Ri baixo. - Gatos, não? O símbolo das pessoas solitárias! - disse, e então ela me olhou nos olhos, rindo.
- Sério? Não sabia dessa! - Ela sorriu e sentou. – Então quantos gatos você tem? Sete?
Outch.
Merda. Que garota insuportável.
- Nenhum. - Sorri malicioso - Preferi comprar vocês.
O queixo de caiu, e logo em seguida ela tacou uma almofada na minha cara.
- Se manda daqui, ! Aliás, o que diabos você tá fazendo aqui?
- Tava indo até a cozinha buscar algo para co... - tentei responder, mas ela me interrompeu.
- Aceito uma Coca. Agora se manda.
- Há! - Ri, irônico. – Eu não vou buscar nada pra você, garota.
- Ok, a gente pula a Coca. Mas se manda, seu ego está me sufocando.
Comecei a rir.
- Coitado do cara que resolver namorar você.
- Coitada da garota que resolver te adotar. - Ela riu, fechando a porta nada delicadamente na minha cara. Já disse que adoro minha priminha? Não?
Rolei algumas vezes na cama, mas não conseguia pregar os olhos. Eram quase quatro da manhã, e eu devia dormir feito uma pedra, já que não tinha dormido nada nos últimos dias, mas não conseguia. Aquela cama era estranha, fazia um barulho estranho. E o Liam roncava. Puta merda, parecia um trator. Eu já estava acostumado, também roncava feito um porco, mas naquela noite não estava dando certo. Contar carneirinhos não era válido. Eu perdia a conta, me irritava e ficava mais acordado. Porra, eu estou tão gay esses dias! Resolvi apelar pra única coisa que me restava: um copo de leite quente. Era sempre tiro e queda. Desci as escadas devagar, não queria acordar ninguém. Graças a Deus o aquecedor era central, então não morri de frio ao pisar fora do quarto. Fui até a cozinha e abri a geladeira, pegando a caixa de leite, mas não encontrava um copo. Lembrei de ter visto tia Sarah pegando um no armário embaixo do balcão. Abaixei, e vi dezenas de copos coloridos. Peguei um, e quando voltei, alguém gritou.
- Puta que pariu! - Reconheci a voz de imediato. – Caralhoporramerdacacete, o que você tá fazendo aqui, seu maluco? - A garota colocou a mão no coração, e eu tive um ataque de riso. Não conseguia me controlar, e percebi que seu rosto modificou. A expressão espantada se transformou num quase sorriso. Ela estava prendendo o riso, eu tinha certeza absoluta.
- Não acredito! Isso foi um quase sorriso? - disse, e a garota fechou a cara.
- Poderia até ser, mas aí lembrei que era você... Então a vontade de rir passou. - Ela sorriu, irônica. - O que tá fazendo acordado, rockstar? A cama não era macia como a de seus hotéis?
Quase respondi que sim, mas não queria parecer indelicado com os móveis da minha nova família.
- Insônia. E você, estava morrendo sufocada com sua ironia e resolveu tomar um ar?
Ela bocejou, e depois caminhou até a cafeteira.
- É, , é - ela respondeu meio alheia, e eu arqueei a sobrancelha.
- Você tá com insônia e vai tomar café? Epa! Você me chamou de ?
A garota riu fraco, enchendo uma xícara imensa de café.
- Eu não tô com insônia. Na verdade eu não posso dormir. - Ela tomou um gole e fez careta, devia estar quente.
- Por quê?
- Estou trabalhando.
Dessa vez eu ri, tirando meu copo de leite do microondas.
- Trabalhando quatro horas da manhã em plena véspera de Natal? Você não tem vida, priminha?
Ela riu, indo até a porta.
- Não se mete, . Toma seu leitinho e dorme, vai.
saiu quase arrastando os pés pela casa. Ou ela estava com muito sono, ou era mestre em não fazer barulho algum. Tomei o leite devagar e também saí. Antes de subir a escada, vi a luz do escritório acesa, e resolvi ir até lá. Ela estava rodeada de brinquedos, sacolas de presentes e bombons caseiros. Estava com a cabeça deitada na mesa, com os olhos quase fechando. Não sei por quê, mas eu sorri.
- Não sabia que você era Papai Noel nas horas vagas... - Ri e ela levantou a cabeça.
- Eu não... Mas meu pai é. - Ela sorriu.
- Sério? - Sentei no sofá verde e ela confirmou com a cabeça.
- Todo ano mamãe faz esses bombons caseiros e nós compramos um monte de brinquedos para o papai levar até um orfanato. Geralmente mamãe me ajuda com as coisas aqui, mas hoje ela... Dormiu. - soou desanimada e sonolenta. Parecia desarmada.
- Bom, mas eu não dormi... - Ouvi minha própria voz dizer isso, e ela me encarou, confusa. - Quer ajuda?
Achei que ela fosse negar. Achei que fosse ao menos fazer uma ceninha. Mas não, soltou um suspiro quase aliviado, e me olhou.
- Presente de menina nas sacolinhas rosas, de menino nas azuis. Coloca um bombom em cada também... As fitas estão aqui em cima. - Ela olhou para baixo, e depois me olhou. – E obrigada.
- Não por isso. - Sorri e ela também, enquanto começávamos a trabalhar.
Estava tudo muito tranquilo, muito silencioso, eu diria. e eu não éramos de conversar muito, o papo resumia-se em “Passa a fita branca” ou “Me dá aquele carrinho?”... A última tinha sido: “Preciso repor os bombons”. E cadê ela com os bombons? É a pergunta que eu me faço há dez minutos. Saí devagar do escritório, indo direto para a cozinha, que tinha a luz acesa. Virei a cabeça para trás, e lá estava ela – totalmente encolhida num sofá, os bombons apoiados na mesa de centro, e ela dormindo. Dormindo calmamente, como se não tivesse mais nada para fazer. Fiquei uns bons minutos parado, apenas a encarando. Não sei por que diabos fiz aquilo – foi incontrolável. Apesar de chata e implicante, ela era linda. E parecia muito indefesa dormindo.
, onde você tá com a cabeça? Quer parar de encarar a menina dormindo, desde quando você é boiola?
Chacoalhei a cabeça, decidido a acordá-la, mas era impossível. Se ela já me odiava gratuitamente, imagine se eu a acordasse? Ok, a quem eu quero enganar? Eu tava com dó mesmo! Cheguei perto tentando não fazer barulho, e a passei meus braços por baixo de suas costas e pernas. A peguei no colo, e comecei a subir as escadas devagar. Sério, eu nunca tinha feito isso na minha vida, muito menos com uma garota... Daquelas. Quando estava na metade da escada, se mexeu e abriu um pouco os olhos. Ela não pareceu se assustar ao me ver, pra ser sincero, acho que ela nem sabia o que estava acontecendo.
- Tenho... Que terminar... - ela sussurrava.
- Shhh. Eu termino, pode deixar - respondi baixo e ela sorriu. Senti meu corpo estremecer, não sei por quê.
- Obrigada. - Ela afundou o rosto em meu pescoço, e sua respiração quente fez com aquela parte arrepiasse. É uma merda ter a carne fraca. , foco, a garota tá quase dormindo!
A coloquei na cama e coloquei seu edredon por cima. se mexeu, mas não acordou. Eu queria que ela acordasse, sim, sou meio louco. Mas ela continuava dormindo feito o anjinho que ela não era, então fechei a porta e desci para o escritório. Ainda tinha uns quinze presentes pra embrulhar, e mesmo que eu estivesse caindo de sono... Aquilo tinha que ficar pronto. Legal, o espírito natalino tinha me pego de vez.
Um feixe de luz do sol muito fraco estava refletindo no espelho do quarto de Liam. Tinha ido deitar quase seis e meia, e não tinha ideia de que horas eram. Olhei para baixo, Liam já tinha acordado e sumido dali. Peguei o celular e descobri que era quase meio dia. Pra variar, tinha dormido pouco de novo. Esse fim de ano não estava colaborando para o meu sono. Fui até o banheiro, lavei o rosto e coloquei uma roupa quente para descer. Assim que cheguei na sala, vi Claire com o marido que eu ainda não conhecia. Robert havia chegado.
- querido, bom dia! - “Tia” Sarah surgiu do nada, empolgada. – Olha, o Liam já acordou, ele foi até a casa de um amigo, mas fique à vontade! Vou trazer seu café da manhã aqui na sala, porque a cozinha está uma bagunça! Estou preparando a ceia!
- Não precisa se incomodar, eu mesmo faço e... - tentei interromper, mas ela continuou.
- Imagine! Sente aí, volto em cinco minutinhos.
Sentei no sofá, e Robert me olhou.
- E não é que é o cara do McFly mesmo? - Ele riu e eu também.
- Eu te falei, amor. - Claire riu. – Como passou a noite aqui, ?
- Foi... Foi tudo bem. - Sorri, e ouvi barulhos na escada.
apareceu com o cabelo bagunçado, os olhos apertados por causa da luz. Robert riu e fez alguma piadinha, mas não prestei atenção. Ela o olhou, olhou para a irmã e depois pra mim. Repetiu o gesto uma vez, e seu olhar fixou em mim. Então seus olhos abriram, e como um furacão, ela correu até o escritório, voltando segundos depois.
- , você tá bem, maninha? - Claire riu, e piscou os olhos algumas vezes.
- Tô... Tô bem, tô bem. - Ela continuava me olhando e eu ri.
Talvez ela tivesse se lembrado da noite anterior. Ou talvez ela não lembrasse nada.
- , aqui seu café da manhã... - Sarah saiu da cozinha – Oi, filha! Não sabia que você tinha acordado! Eu vi os presentes prontos, deve ter demorado, né? Me desculpe por não ajudar!
- Está... Tudo bem mãe. Não deu tanto trabalho assim - me olhou, e de repente tive a impressão que seu rosto estava corado. – O me ajudou.
Sarah, assim como Claire, pareceu confusa. Robert ficou com cara de absolutamente nada, porque ele não tinha visto a ceninha da drama queen no dia anterior.
- Ah, é mesmo? - Sarah sorriu – Que bom.
- Eu vou organizar as coisas lá em cima - disparou, e sumiu pelas escadas.
Não sabia exatamente o porquê, mas tinha que ter mudado alguns conceitos na cabeça da priminha.
- Luke, para de perturbar o cachorro! - Ouvi a voz de Robert atrás de mim.
Estava com Liam e Claire na sala, assistindo o filme mais novo da história da televisão: Esqueceram de mim. Clássico natalino, clássico do meu tédio. estava subindo e descendo as escadas o tempo inteiro com coisas na mão, mas ela recusou a ajuda de Liam, recusaria a minha. E eu nem ligava, porque o sofá estava mais confortável.
- Luke, filho, senta no sofá e fica quieto, vai... - Robert bufou e Claire riu ao meu lado.
- Tô brincando com o cachorrinho, pai! - o garoto respondeu, e Liam riu.
- Acho que ele reparou...
Não demorou muito. Menos de trinta segundos depois, o cachorro atravessou a portinha que havia sido projetada pra ele na porta principal e saiu correndo pela neve. O pior não foi isso. A criatura – digo, a criança, o Luke – também passou pela portinha pra ir atrás dele.
- Ai, meu Deus! - Claire gritou – Filho, volta aqui!
apareceu na beirada da escada, e provavelmente vendo Luke e o cachorro do lado de fora, largou as caixas no chão.
- Ah, não - ela resmungou – LUKE!
Liam olhou para trás, e eu fiz o mesmo. O garoto corria pela estrada e uma bicicleta teve que desviar dele. Não demorou muito, todos levantaram e saíram correndo atrás do moleque, inclusive eu, só pra não ficar ruim pra minha imagem.
Enquanto corria freneticamente atrás do cachorro, Liam e Robert tentavam fazer com que o garotinho parasse de correr. Claire gritava, nervosa, que o deixaria sem presente de Natal.
- Ah, Spike, já pedi pra você se comportar! - chegou com o cachorro no colo, rindo. Depois estremeceu, e só aí reparei que ela vestia um short minúsculo com uma blusa imensa de moletom. - , aqui em cima, por favor!
Ela disse e eu chacoalhei a cabeça, corado, reparando que estava babando em suas pernas.
- Puta merda, que frio! Vou entrar, resgate seu filho, Claire! - gemeu.
- OH MY GOD! Eu estou surtando, só pode ser!
Ouvi uma voz do nada, seguida de alguns gritinhos. virou para trás.
Três garotas – não sei de onde elas surgiram – aproximaram-se correndo de nós, mais precisamente de mim.
- Meu Deus, , ! - Uma delas pulava, confesso que essa era meio gostosinha. Devia ter uns dezesseis, mas poderia forjar um RG pra ela – O que você tá fazendo aqui? Cadê o resto dos guys?
- Ai, meu Deus, eu sou tão sua fã! - A outra interrompeu.
- Eu quero uma foto! Um autógrafo! Eu...
As garotas dispararam a falar, e logo em seguida, percebi que ria. Na verdade, ela gargalhava com o cachorrinho no colo. Não entendi o porquê daquele surto, mas desistira de entender aquela garota. Olhei para a mais gostosinha das três e prestei atenção no que dizia, e quando olhei de novo para o lado, só Robert estava parado à porta, observando a cena. Demorei tempo demais pra conseguir me livrar das vizinhas loucas – uma delas cismou que eu tinha que levar um presente dela pro – e quando voltei pra casa, dei de cara com um Papai Noel semi-pronto na sala. Richard estava três vezes mais gordo, o que me fez rir.
- A vizinhança te descobriu, garoto? - ele riu.
- As renas já vieram te buscar? - retruquei, e ele riu mais ainda.
- Pai, o Nathan me ligou, eu vou precisar buscar a Taylor e a Tracy na rodoviária, ele está preso na casa da avó. - Liam surgiu, com as chaves do carro na mão.
- Mas filho, você tem que ir de duende comigo, eu preciso de ajudantes! - Richard se pronunciou, e imediatamente os dois me olharam.
Duende? Ai, caralho.
- Primo, acho que você precisa se aprofundar mais nas tradições familiares! - Liam riu, e eu forcei uma risada.
- Acho que não, hein... - neguei.
- Por favor! - Ele fez cara de cãozinho abandonado. – Se eu deixar minha cunhada e minha namorada na rodoviária, fico solteiro no Natal!
Richard me olhou, divertido.
- Tá, tá. Se manda antes que eu mude de ideia! - murmurei e o garoto pulou, indo pra fora de casa.
- É, garoto... Acho que as renas também virão buscar você. - Ele gargalhou. – Vá até o quarto da , ela vai te dar suas roupas.
Rolei os olhos. Olha aonde eu fui me meter! Duende? Subi as escadas, tentando pensar em alguma doença repentina para me livrar daquilo. A porta de estava fechada, bati duas vezes, e ela demorou um pouco pra abrir.
- Ai, espera aí, Liam! - ela respondeu lá de dentro. – Meu zíper emperrou! - Ela riu sozinha.
Então a porta abriu. vestia uma roupa vermelha de ajudante de Papai Noel. Aquela saia era curta demais, e ela estava linda demais pra minha sanidade. Insuportavelmente linda. Tentei não deixar o queixo cair, e ela me encarou.
- O que foi, ?
- Belas pernas - disse, quase sem nem pensar, e ela riu.
- Pense com a cabeça de cima, colega - ela riu, debochada. – O que você quer?
- A roupa de duende do Liam - disse, meio sem graça. Ela me encarou.
- E por que ele não veio buscar?
- Porque eu vou no lugar dele.
O rosto de teve duas expressões muito rápidas. Passou direto do choque para diversão. Ela começou a rir alto, como tinha feito do lado de fora da casa.
- Tá maluca? Tá rindo do quê? - disse, nervoso, e ela riu.
- Cara, pode ter certeza que eu vou filmar isso! Posso até ver as manchetes: “ , do McFly, duende nas horas vagas”! - Ela gargalhou, mas eu não a acompanhei, puxando a roupa de sua mão.
- Aposto que esse duende você levava pra casa... - debochei, segurando seu queixo, e riu de novo.
- Bem que você queria, né, rockstar? - ela sorriu. – Sinto muito, eu sou uma das poucas que você não pode comprar com seu papinho barato de famoso e sua conta bancária gorda. - passou a mão em meu rosto, e eu senti a nuca arrepiar com a proximidade de sua boca. – Agora se manda daqui, vá logo se vestir de duende pra divertir minha tarde, antes que você se atrase.
saiu bruscamente, e eu fiquei alguns segundos parado, sem reação alguma.
Alguém pode me explicar como ela ficou todo aquele tempo com a boca quase encostada na minha e resistiu? Ninguém resiste a mim!
Quando cheguei ao andar debaixo, com minha líndissima roupa de de duende, vi Katie largar a boneca e me encarar, rindo baixo. Ótimo, uma garota de quatro anos rindo da minha cara!
- Tá bonito, tio ! - ela sorriu. Epa! Tio?
- Er... Obrigado.
- A tia tá lá fora já - a pequena disse, e eu respirei fundo. Já estava pronto para uma sessão de gargalhadas. Era bom ir logo, pra acabar logo com a tortura.
estava de costas quando eu cheguei, mas pareceu sentir minha presença. Ela virou pra mim, e depois de me olhar da cabeça aos pés, percebi que segurou o riso.
- Aposto que você ia arrasar com a vizinhança se alguém te visse assim. - Ela riu, e eu me aproximei.
- Eu posso estar vestido de qualquer jeito, as mulheres me amam – debochei, e ela riu.
- Esqueceu a modéstia abandonada no seu apartamento chique em Londres? - ela revidou e eu ri.
- , por que você não admite que gosta da minha presença? Sério, esse seu jeito de incomodada só convence a você...
A garota passou um minuto olhando para a minha cara, e depois riu.
- Poxa, fui descoberta - ela sussurrou, depois começou a pular e gritar feito uma louca. – Oh, meu Deus! O do McFly está na minha casa! Ah! Ele é tão lindo, tão gostoso, fica tão sexy vestido de duende! Ah, se ele me quisesse e meu dinheiro desse...
Não demorou muito. Vendo enlouquecer em minha frente, zoando da minha cara, minha reação repentina foi a puxar pela cintura com força. Seu corpo colou no meu, e com a proximidade da minha boca, ela se calou, assustada.
- Diga que você não quer – sussurrei, e senti suas unhas fincarem em meu braço. – Porque eu tenho certeza que estará mentindo.
piscou algumas vezes, tentou dizer algo, mas não conseguiu. Rocei meu nariz no dela, que parecia ter ficado muda de vez. Eu teria feito uma piada, teria jogado na cara dela que ela estava cedendo. Mas meu corpo não respondia aos meus comandos, quando senti o cheiro de seus cabelos, e mordi de leve seu lábio inferior.
- , você já pegou todos os... Opa. - Ouvi a voz de Claire, e o pulo de foi tão rápido que ela bateu as costas contra o capô do carro.
Demorei até fazer meu cérebro receber oxigênio de novo.
- Já peguei - a voz da garota era fraca, e depois Claire sumiu da porta. - Você. É. Maluco.
arregalou os olhos, e antes que eu pudesse dizer alguma coisa, Richard apareceu.
- Vamos, crianças?
Antes que entrasse no carro, sussurrei perto de seu ouvido.
- E você bem que gosta.
Ela riu, com cara de chocada, e depois bateu a porta do carro.
Quando chegamos ao orfanato, a alegria foi geral. Nunca vi tantas crianças na minha vida, e todas elas cercavam Richard-Noel e também a mim e a . Os presentes foram distribuídos, as crianças estavam brincando felizes por todos os lados. Vez ou outra me dava raiva de ver aqueles embrulhos rasgados, já que deram tanto trabalho pra colocá-los ali. Mas tudo bem, o espírito natalino tinha me tomado. Aproximei meu rosto de uma janela – a neve caia forte do lado de fora – e observei que estava na varanda. Ela estava de costas, sem seu casaco, devia estar congelando. Mas aquela garota era maluca, eu tinha certeza. Coloquei meu casaco e fui atrás dela.
- ? - disse, e ela virou para mim.
Seu rosto estava molhado, a maquiagem estava um pouco borrada ao redor dos olhos. Ela estava chorando.
Merda. Lágrimas me comovem.
- O que... O que foi? – gaguejei, e ela me olhou.
- Nada, . Vai lá pra dentro. - Ela limpou os olhos e eu cheguei mais perto.
- Você tá chorando... Eu quero saber o que houve!
- Eu sempre fico assim quando venho aqui. É muito triste, essas crianças... Não terem ninguém - ela murmurou. – Hoje um menininho me perguntou quando iriam vir buscá-lo... Como eu posso responder uma coisa dessas? - voltou a chorar. Não consegui me mover direito, eu queria consolá-la, mas ao mesmo tempo não sabia se era melhor permanecer parado. Então ela olhou pra mim, irritada. – Caramba, ! Vou precisar desidratar aqui pra ganhar um abraço?
Por essa eu realmente não esperava. As bipolaridades de Abshire me assustavam, e muito. Passei meus braços ao seu redor, ela estava congelando, como era de se esperar. Senti suas lágrimas quentes em meu pescoço, enquanto acariciava seus cabelos. Aquilo estava enchendo meus olhos de lágrimas. Que droga, se eu fosse uma garota, com certeza estaria na TPM.
Eu e não tínhamos o costume de comentar nossos acessos repentinos de amizade. Depois que eu a consolei, ela me olhou sem graça, mas sorriu, e entrou no salão do orfanato novamente. Já estávamos lá há mais de duas horas, e estava ficando entediante.
- , papai vai demorar ainda aqui... Ele vai ficar de papo com os donos do orfanato, depois eles o levam em casa... Quer ir logo embora?
perguntou com as chaves do carro na mão. Sorri, aliviado.
- Demorou.
dirigia devagar, a neve estava atrapalhando tudo e qualquer tentativa de fazer o carro andar mais rápido, resultava em uma derrapada e em um ataque de riso da menina. De fato, ela era engraçada, eu devia dizer, diferente. O rádio tocava alguma música natalina que eu não identifiquei, enquanto batucava no volante e cantava (mal) junto com a música. Encostei minha cabeça no vidro, olhando a paisagem bonita do lado de fora, em silêncio.
- , não corre na neve, filho! , para de correr, a mamãe vai parar aqui na floricultura!
- Floricultura Dona Flor, muito criativo esse nome, mamãe!
- Para! Para o carro! – gritei, e freou abruptamente, assustada.
- Que susto, ! O que houve? - ela gritou de volta, segurando o coração.
Apontei para uma floricultura na entrada de uma rua. Floricultura Dona Flor. A floricultura que tinha na esquina da minha rua.
- Eu morava nessa rua, nessa rua! - apontei, parecendo uma criança afoita. arregalou os olhos, depois apontou.
- A rua da floricultura, tem certeza?
Assenti. Tinha certeza absoluta, meu coração parecia ter vindo à boca e voltado ao lugar umas quatro vezes.
- , você tá tremendo! - me olhou, e subitamente tive um acesso de vergonha. Ela sorriu de canto, e deu seta com o carro. – Vamos lá ver sua casa.
entrou com o carro devagar na rua, enquanto eu olhava para as casas da esquerda. A rua estava iluminada, eu procurava pela casa mais iluminada de todas, por pura babaquice. Como se alguém fosse seguir a tradição da minha mãe, anos depois. Vi uma casa azul clara, ela era amarela quando eu morava lá. Mas tinha certeza que era. Só por meu olhar vidrado, entendeu o recado, estacionando.
- É muito bonita... - Comentou, depois de dois minutos de silêncio.
Na verdade, minha mente estava ocupada com uma mistura quase enlouquecedora de frases, imagens, e tudo que me ligava à infância.
- Vem cá, vamos descer - ela disse, já saindo do carro, e eu a acompanhei.
Parei de frente ao jardim, coberto de neve. encarou a garagem. Não havia carro nenhum ali. As luzes do interior da casa estavam apagadas. Ela me olhou nos olhos, depois segurou minha mão.
- Vem, vamos entrar! - disse baixo, como uma fugitiva da polícia. Meus pés pareceram fincar no chão.
- Tá maluca? Onde já se viu invadir a casa dos outros assim?
Ela riu.
- E quem está dizendo isso não é o cara que praticamente invadiu minha casa? - Ela sorriu, vitoriosa – Para de ser certinho, rockstar. Se acontecer alguma coisa coma gente, você tem dinheiro pra pagar a fiança.
Ela piscou, marota, e depois riu, enquanto corria pra dentro do jardim. Chacoalhei a cabeça, rindo, e a segui. Garota maluca, aquela.
deu a volta na casa, tentando não pisar nas flores nevadas que alguém tinha plantado no canto. Ficar ali me dava arrepios. Quando chegamos na parte de trás da casa, dei de cara com uma piscina.
- Uhu, bela piscina, rockstar.
- Uhu, ela não estava aqui quando eu morava, drama queen – respondi, e ela riu.
- Eles mudaram muita coisa? - encostou o rosto na janela da cozinha, tentando enxergar algo.
Sentei no chão, perto da porta de trás.
- A casa era amarela... – murmurei. – Não tinha essa piscina, mas tinha aquele balanço. – Apontei, e virou para trás, vendo dois pequenos balanços entre algumas árvores. – Eu costumava brincar ali com a minha irmã. A gente sempre dizia que nós íamos construir uma casa na árvore, naquele pinheiro. - Apontei e ela sorriu, sentando ao meu lado.
- E porque não construíram?
- Nós nos mudamos antes - respondi baixo. - Eu sinto falta daqui.
encostou na parede atrás de mim, olhando meu rosto de perto.
- Você sente falta dela, não? Da sua irmã?
Afirmei com a cabeça.
- Por que vocês brigaram?
- Porque eu sou um idiota? - Ri forçado e ela também. – Porque ela dizia que eu me tornei uma pessoa que eu não era. Eu não era mais o irmão dela, era...
- O do McFly - completou por mim, e eu assenti. Ela acariciou minha mão. – Sua irmã ficaria orgulhosa de você agora.
- Por quê?
- Porque quem está aqui comigo não é o do McFly. É só o . - Ela sorriu. – Eu sei que eu tenho sido chata com você, mas eu não suporto toda essa pose que você tem. Você é muito mais que seu dinheiro, . Você só precisa ser você mesmo.
Senti meu corpo aquecer, e a puxei para mais perto.
- Você não tem sido chata... Na verdade você foi a única que tentou abrir meus olhos. Obrigado.
Ela sorriu.
- Vamos dizer que minha família foi muito boazinha com você, rockstar. - Ela riu. – Eles são seus Jonas Brothers.
- O que? - Ri alto, e ela também.
- Sabe, eles são meigos e fofos... Até demais. - Ela riu. - Minha função com você é outra... Eu sou sua... Amy Winehouse?
Tive um ataque de riso, e com não foi diferente.
- Você é completamente pirada. - Tentei dizer, ao recuperar o fôlego – Agora estou curioso. Você está dizendo que seus pais são bonzinhos e você malvada, ou que eles são gays e virgens, e você, drogada?
riu alto, aproximando-se de mim.
- É , eles são virgens! E eu sou filha de chocadeira! - ela riu.
- Obrigado - disse do nada, e me encarou, confusa.
- Por quê?
- Por... Tudo – disse, e ela sorriu.
- Sabe, eu tinha um balanço como aquele também... - ela apontou. – Mas um dia eu estava balançando tão rápido, que caí e bati a cabeça. Papai tirou de lá no mesmo instante.
Gargalhei.
- Ah, sim, agora eu entendo... - disse e ela me estapeou, rindo. – Outch, isso dói! - Segurei suas mãos, enquanto ela ria.
- Hey, ainda dá tempo de fazer esse natal ser tudo o que você sonhou, rockstar... - sorriu. - A Amy aqui promete te dar uma folga. Vamos lá, o que você quer fazer?
Sorri, afrouxando minhas mãos de seus pulsos.
- Só consigo me lembrar de duas coisas que eu realmente quero nesse Natal... - continuou me encarando, esperando que eu continuasse falando. - Quando eu era pequeno, todo Natal minha tia Norah costumava fazer a melhor torta de chocolate do mundo...
me olhou como se eu fosse uma criancinha de cinco anos - talvez eu realmente fosse - e depois riu, de uma maneira doce. Não do jeito sarcástico de sempre, e aquele sorriso mexeu com alguma coisa dentro de mim. Era engraçada a forma como uma mera desconhecida tinha esse poder. Engraçado e assustador. , para de ser gay!
- Aposto que a torta de chocolate de sua tia Norah não é mais gostosa que a da padaria do tio Joseph. - Ela riu e eu gargalhei, chegando mais perto.
- , nada contra o Sr. Joseph, mas não há torta melhor que a da tia Norah.
- Veremos! - Ela riu. - Vamos para a padaria agora, rockstar!
estava levantando, mas eu a puxei de volta.
- Eram duas coisas – disse, e ela riu.
- Ah, é mesmo! Você falou em comida e eu já me movimentei! - gargalhou. - E outra coisa, eu tô congelando, e daqui a pouco...
- Shhhh... - Encostei meu dedo em seu lábios, e percebi que estremeceu. - Eu preciso de você, não sei por quê, mas preciso...
Rocei meu nariz no dela, e me olhava fixamente nos olhos. Entrelacei meus dedos em seu cabelo e sua respiração quente quase me ocasionou um choque térmico naquele frio. Puxei seu lábio com os dentes, depois passei a língua em sua boca, pedindo passagem. não hesitou, e quando nossas línguas se tocaram, pareciam velhas conhecidas. Intensifiquei o beijo e senti minha nuca arrepiar quando as unhas de arranharam meu pescoço e suas mãos bagunçavam meu cabelo. Mas que porra era aquela? Nem quando beijei duas strippers ao mesmo tempo eu tive aquela sensação estranha, só sei que parecia certo. E eu pareço um boiola falando isso, eu sei.
Afastamos nossas bocas, mas ainda mantivemos as testas encostadas. Eu não queria abrir os olhos, primeiro porque mal conseguia respirar. Segundo – e pior - porque estava com medo que ela virasse a mão na minha cara e começasse a gritar que nem quando nos conhecemos. Isso definitivamente não seria legal. Mas para minha surpresa, senti beijar meu rosto e descer em beijos até meu pescoço. Fechei os olhos, arrepiado, e ouvi sua risada baixa perto do meu ouvido.
- O que foi? - Tentei prender o riso, e ela me encarou de perto, o nariz colado no meu.
- Eu beijei o do McFly! - ela disse gargalhando, e não pude deixar de acompanhar.
- Você não é normal, garota. - Mordi seu lábio, e ela sorriu.
- Desculpe, só estava tentando parecer um pouco com as garotas que você beijou...
Ri baixo.
- Nem que você tentasse muito, drama queen - disse, e ela riu. - E também não quero que se pareça com elas. Elas não são você.
abriu um sorriso enorme, porém tímido. Pela primeira vez eu não estava pensando o quanto era bom com as garotas, estranho. mordeu meu lábio e instintivamente, fechei os olhos. E então ouvi o barulho de um cachorro latindo muito alto. deu um pulo pra trás, e nós dois encaramos um Doberman imenso em nossa frente. Trocamos um olhar cúmplice quando ele começou a se movimentar.
- No três - eu disse, quase sem mexer a boca.
- TRÊS! - gritou e, no susto, disparei atrás dela. O cachorro corria enfurecido atrás de nós, e eu ouvia a risada enlouquecida da garota em minha frente. - , por aqui! - Ela puxou minha mão, enquanto mexia no bolso do casaco.
- O que você tá fazendo? - gritei, cansado, e ela riu.
- Procurando a chave do carro, loser!
acionou o botão que abria o carro e soltou minha mão para abrir a porta. Dei a volta no carro, entrando pelo outro lado, e fiz o mesmo. Quando olhei para fora, o Doberman pulava e latia perto da minha janela. Olhei pra e tivemos um ataque interminável de risos.
- Hasta la vista, amigo! - Mostrei o dedo do meio pelo vidro, e riu alto ao dar partida no carro.
Quando chegamos na casa dos Abshire, Richard já estava lá, e Claire riu ao olhar para mim e . Não tivemos tempo para conversar sobre o que tinha acontecido na minha antiga casa. Não que eu quisesse conversar, preferia repetir a cena, se é que me entendem. Coloquei minha camisa preta, meus jeans e All Star, e desci as escadas. Aos poucos, as mulheres da família iam aparecendo no andar de cima. Estava conversando qualquer besteira com Robert quando ouvi algumas risadas. Olhei instintivamente para a escada, e primeiro vi Tracy, namorada de Liam. Ela estava de mãos dadas com alguém, que a princípio achei que pudesse ser sua própria irmã, Taylor. Mas não era. estava com um vestido vermelho tomara que caia vermelho, rodado embaixo. Os cabelos caindo no ombro, as sandálias de salto... Estava perfeita. Nossos olhares se cruzaram e ela abriu um sorriso enorme, que faria qualquer cara cair pra trás.
- Wow. - Foi tudo o que consegui dizer, e ela sorriu.
- Wow, tem um rockstar na minha sala - ela riu. - E ele está bem gato, devo confessar.
- , sua mãe está chamando para ajudar na cozinha! - Taylor surgiu e eu a xinguei mentalmente.
Vi sendo puxada para longe, e logo em seguida, Liam e Nathan vieram falar comigo.
A noite estava muito agradável, a família Abshire era realmente tudo o que eu esperava. As crianças correndo, todos rindo e conversando... Só não era melhor porque estava mais disputada que uma garrafa de Coca no deserto. Sério, depois eu que era famoso. Quando deu meia-noite, todos começaram a se abraçar e Robert apareceu de Papai Noel.
- Hey, rockstar... - disse e eu virei de frente para ela. - Deixei seu presente no quarto do Liam.
Sorri, aproximando minha boca de seu ouvido.
- Engraçado, deixei um presente pra você no seu quarto...
riu.
- A ceia está na mesa, amores! - Sarah disse, e fez careta.
- Quero ver meu presente! - Ela cruzou os braços como uma criancinha de cinco anos, e eu gargalhei, me segurando para não a agarrar ali mesmo.
- Vai, corre, te dou cobertura! – sussurrei, e ela riu. - Depois corro pro quarto do Liam.
subiu as escadas disfarçadamente, e eu fiz o mesmo, dois minutos depois. Quando passei em frente ao seu quarto, ouvi um berro.
- WHAT THE FUCK? - Ela gritou e eu gargalhei. Bingo. Meu presente tinha surtido efeito.
Entrei no quarto de Liam e vi uma pequena caixa sobre a cama. A caixa estava gelada quando eu a peguei. Franzi a testa, depois abri, rindo.
"Hey, essa torta de chocolate pode não ser a da sua tia Norah, mas é a minha favorita. Feliz Natal, rockstar, xx "
Peguei a colher, ainda rindo, e comi um pedaço. Aquele Natal era mesmo único. Ouvi o baque da porta e quando levantei, sem nem ver o que se passava, pulou em meu colo, cruzando as pernas em minha cintura. Colou sua boca na minha, e eu a apertei com força contra meu corpo, agarrando seus cabelos e intensificando o beijo. sorriu contra minha boca, e eu fiz o mesmo.
Lembrei do talão de cheques que eu tinha deixado em seu quarto.
N/A: Oi, meus amores! :D Primeiramente gostaria de dizer que estou muito honrada de ter sido convidada pra esse especial de Natal do FFOBS :) Sério, fiquei tipo... Wow. Hahahaha bem, espero que tenham curtido! Natal é uma época fofa e meiga (?) por isso a fic é assim... Cute lol. Comentem para me contarem se ficou bom... Eu não curti o final, but... Essa fic deu um super problema aqui, tô escrevendo ela pelo celular, tenso! hahaha ok, agradecimentos finais para Marii pela paciência, love you, hunnie! E para a Bru, pelo apoio e por nomear todos os personagens da fic lol love you too! Bem, vou nessa gente! Milbjs e Feliz Natal, e um 2010 lindo pra vocês! Amo todas Xxx
n/b: OKAAAAAAAAAAY, surtei completamente com essa fic de natal!
Pra começar, eu juro que essa foi a vez que eu fiquei mais tensa com a perspectiva de betar uma fic. Afinal de contas, tudo parecia dar errado. Mas, meus amores, quando o Papai Noel quer que uma fic seja postada, não há ninguém que o segure! LOL'
Agora os comentários básicos:
a) Que coisa mais fofa é esse McGuy com cinco anos? Juro que, assim que eu li, pensei em roubá-lo, de tão lindo e mordível que ele é! Daí eu pensei que os McGuys já cresceram e... Minha vontade de roubá-lo aumentou mais ainda!
b) Nunca pensei que essa fic seria tão... Foda. Não há outra palavra. Cah, você conseguiu transformar um assunto interessante em algo mais que fantástico. Não me canso de dizer o quanto eu te admiro como escritora, e é com orgulho que eu vejo você se superando a cada dia. Parabéns, por tudo o que você faz. Mesmo.
c) QUEM TÁ A FIM DE TOMAR UM PORRE DE NATAL COMIGO? HAHAHAHAHA'
Eu agradeço de coração a todas as leitoras que leram, e mais ainda às que comentaram! E aviso que qualquer erro encontrado deve ser enviado diretamente a mim, ok?
Beijos, um Feliz Natal e um 2010 repleto de amor, saúde, dinheiro, McFly e fanfics!
Marii-Marii
comments powered by Disqus