Ele corre depressa pelas ruas da cidade. Agora está tarde. Ela se foi.
O Frio

By Mariana Lapolli | Beta Reader: Anna Luiza Schmidt


Prólogo

Os dias passavam tranqüilos, como em todos os anos se passaram na pacata cidade de Chelmsford. Fim de outono.
A temperatura já dava sinais de queda, assim como o tempo, que ficava constantemente nublado.
Não muito longe do Museu de Chelmsford ele estava. Deitado na grama, olhando esse mesmo céu nublado.
Que aos seus olhos azuis, não era tão entediante.
Em sua mente, neste momento, se passava nada mais nada menos que o nada. O puro e simples nada.
As horas se passavam. Começava a ficar frio. Ele se levantava.
Era uma boa caminhada até sua casa. Que não era muito grande “ótima para um cara como eu” foi o que ele pensou quando entrou nela pela primeira vez.
Tirava o casaco e acendia a pequena lareira, ligando a tevê e em seguida deitando-se no sofá.
“Paz” foi o que pensou, antes de adormecer.

Voltemos agora, há um ano.

As folhas secas caíam na cidade, as nuvens fechavam o céu, cobrindo-o de um branco acinzentado.
Ele andava apressado pela calçada, fumando um de seus cigarros, havia parado, mas a morte de sua mãe, há três semanas, fizera com que voltasse ao vício. Suportar a uma perda dessas; era extremamente difícil.
Ele tinha um destino. Um lugar no qual sempre ia quando precisava pensar, ou estava amuado.
Um pomar. Nos fundos do Museu de Chelmsford.
Sentou-se na grama, abaixo de uma árvore – que parecia ser velha - e terminou seu cigarro.
- Ah, não sei por que, mas sabia que você estaria aqui, - ela sorria, e sentava-se ao lado dele, que dava um sorriso discreto para o horizonte agora.
- Não sou um cara imprevisível. - ele dirigia o olhar a ela.
- Verdade. - ela ria.
- No museu?
- Pela centésima vez. E estou sendo modesta!
Os dois riam. Era divertido quando estavam juntos. E a quantidade de nuvens no céu nunca mudava isso.
– carinhosamente chamada de - sempre conseguia arrancar um sorriso do amigo, por mais insignificante que parecesse, e por mais triste que ele estivesse. - Harry... - o coração dela batia acelerado, mas isso era imperceptível aos olhos do amigo.
- O que foi? – ele a encarava.
- Tem... Tem certeza de que não quer ir morar comigo e os outros na pensão de Dona Ruth? - ela o olhava, seus olhos carregavam certa dor.
Ele sorriu, novamente.
Isso aquecia o coração dela.
- Tenho , eu gostei mesmo daquela casa. Tem piso de madeira, sabe, você sabe que gosto de piso de madeira. - ele sorria.
- É eu sei, mas... Parece tão, solitária.
- Mas tem piso de madeira.
Eles riram.
- Você e sua fixação por piso de madeira. - ela ria e dava uma leve tapa no braço do amigo.
E um silêncio surgiu. Uma brisa passou por eles, e Harry voltou a falar:
- Você, não está curiosa pra saber como é?
- Como é o que? – ela o olhou, espantada; despertando de seus pensamentos obscuros.
- A casa? - ele riu, - o que mais?
- Ah, sim, a casa. Claro que estou! – ela voltava a Terra.
Ele sorriu e se levantou. Estendeu as mãos à amiga.
- Está esperando o que?

Meia hora de caminhada mais tarde, e estavam em frente à casa de Harry.
Era uma construção alemã, um pequeno chalé. Coisa rara, mas incrivelmente barata – diante ao tamanho da propriedade.
- É aqui. - ele adentrava o terreno – que não tinha muros, e nem cercas vivas - e subia alguns degraus até a porta. Girando a chave na fechadura por três vezes.
- Sinta-se à vontade. - ele estendia a mão para o interior da casa, assim convidando a adentrar.
- Uau... - ela olhava tudo ao redor.
Ele sorria, satisfeito.
- Não é ótima? – ele acendia as luzes da sala, logo à frente.
- É muito legal! – ela agora sorria largamente.
- Viu? Não há nem espaço para me sentir sozinho aqui. - ele ria consigo.
- Ainda mais se Dana começar a te visitar com freqüência – ela soltou uma pérola.
O que fez o amigo rir mais ainda.
- Pior é que ela vem conhecer hoje à noite – ele sorria e sentava-se em seu sofá.
- Bom saber, usem camisinha - ela fazia careta.
- Pode deixar, - ele fazia um “ok” com a mão.
As horas se passaram, e precisou ir “Hoje é meu dia de lavar os pratos na pensão” foi o que disse.
E Harry voltou a seu mundo, pequeno e de madeira, frente à lareira. Aguardando uma pessoa. Dana.
Foi tomar um banho, pra ver se o tempo passava mais rápido, mas não foi preciso, logo Dana apareceu.
- Oi lindinho! - ela entrava e subia as escadas, indo até o banheiro onde ele se secava. - Oh! Mas o que temos aqui? – Ela colocava a mão frente à boca, fingindo um espanto.
Ele ria.
- Um namorado pelado? - ele olhava para os lados, - Ou você vê mais alguma coisa aqui?
Ela sorriu, e correu para um abraço do namorado.
- Meu lindinho, como foi seu dia? - dizia beijando seu queixo.
- Como todos Dana, você sabe... E o seu? - ele lhe beijava a testa e acariciava suas costas por cima de um grosso casaco de cashmere dela.
- Tranqüilo, o time de cricket estava muito bom hoje, e as meninas estavam ótimas! - ela sorria.
Ah, sim, Dana era da liga das lideres de torcida da escola.
Papo furado. Não demorou muito para estarem se enrolando sob os lençóis novos e perfumados de Harry.
Que perderam todo o perfume algum tempo depois.
Ele amava a garota. Estavam juntos faziam nove meses. Passou a maior parte do ginásio admirando e aspirando ela. E agora ela era sua namorada “Isso tem que ser inesquecível” foi o que pensou logo que ouviu o “sim!” de Dana a sua pergunta.
- Hein Lindinho? - ela o olhava. Ele acordava do breve transe.
- O que foi? – ele beijava a bochecha dela.
- Vai ir me ver na final da liga do time da escola?
Ele sorriu.
- É claro que vou!
- Oba, já posso preparar tudo então! - ela sorria feliz.
- Preparar o que? – ele ficou curioso.
- Surpresinha. - ela beijava a ponta do nariz de Harry – Lindinho, preciso ir, - ela se levantava e voltava a se vestir. - te vejo na final. - disse descendo as escadas e jogando um beijo a ele.
“Surpresa huh? Acho que vou gostar disso”, pensou consigo.
Os dias se passaram rápidos e solitários, desde então.
A única companhia de Harold, eram seus cigarros – que ao invés de ajudar, só pioravam, no fim das contas.
O pomar e suas árvores, que agora estavam completamente sem folhas, o faziam pensar nas fases que tudo tem, quando lá ele ia.
havia viajado para Breighton Beach, e mandava mensagens para o celular de Harry toda noite.
Dana, alegava estar treinando arduamente para arrasar na final da liga de futebol. Os poucos amigos de Harry, estavam com – e não pense que não o convidaram para a viagem ensolarada. Por fim, Harry acabara se isolando, quando poderia estar na companhia de alguém.
Faltavam três semanas para a final. E finalmente era inverno.
Harry andava com seu cachecol no pescoço, até uma floricultura no centro da cidade. Comprou tulipas amarelas. As preferidas de sua mãe. E foi até o cemitério da cidade. Encontrando pouco tempo depois, naqueles campos verdes e tristes, a lápide dela.
Sentou-se frente a ela, e releu as palavras que nela continham: “Os caminhos para o céu deixam fofas pegadas nas nuvens, para que meu eu não se perca por completo. Mãe e esposa amada 1942-2007”
Colocou as tulipas em frente à lápide de pedra, levantou-se e, num último momento, olhou para trás. Só para ter certeza do que via.
Não mais aquela mãe risonha, que lhe acordava com deliciosos cookies e chocolate quente nas manhãs de inverno.
Mas sim, uma pedra.
- Sente falta dela, não é? - uma voz falou de trás.
Harry voltou a se virar para a lápide.
- Quem é você? - perguntou, analisando o homem que lhe dirigira a palavra.
- Steve Mark Judd. - o homem grisalho encarava Harry. O sol atrapalhava sua visão.
“Um Judd?” Harry pensou rapidamente, mas continuava sem entender.
- Harry, sou eu. Seu pai.
Essas cinco palavras bastaram.

Flashback:

“- Mamãe! - o pequeno Harry chamava a mãe do quintal dos fundos.
- O que é, meu filho? - ela vinha ao seu encontro
- A sua tulipa, tem um bicho nela, - ele apontava para uma lagarta colorida sob as pétalas de uma flor.
- Oh, veja Harry, é uma lagarta! - ela sorria para o filho, e aproximava-se da flor com suas roupas de jardineira.
- Lagarta?- Harry sorria banguela.
- Sim, ela ainda vai virar uma linda borboleta! - ela cutucava o nariz do filho de brincadeira, os dois riam.
- E vai sair voando, como papai fez? - Harry a olhava, em seus olhos predominavam a dúvida e a curiosidade.
- Sim meu amor, sim. - ela suspirava. - Venha, vamos para dentro, logo vai chover.”

/Flashback


Para Harry, por toda a sua vida, seu pai fora uma borboleta.
Sua mãe sempre lhe dissera que ele fugira logo que Harry nascera. Tivera partido para longe, e não mais voltaria. Com a idade aumentando, Harry chegara à conclusão de que seu pai não havia saído voando, é claro. Mas havia abandonado os dois, e sabe-se lá se ainda era vivo.
E ele estava ali, bem na sua frente. Mais vivo, e mais humano do que nunca.

Ele correu, correu o mais rápido que pode, para mais longe dali o possível. O que mais ele faria? O que mais poderia fazer?
E na esquina de casa, ele parou. Ofegante. “Burro!” tinha que voltar, tinha que obter respostas! E voltou a correr, mas dessa vez, de volta para o cemitério.
O espanto não foi tão grande – quanto o choque há minutos atrás – quando viu que seu – suposto – pai, já não estava mais lá.
“Droga”, resmungou, procurou mais um pouco, e voltou – dessa vez caminhando – para casa.
Depois de um banho, estava mais calmo. Mas a confusão continuava em sua cabeça.
Até que seu celular vibrou sob o criado mudo.
”Você tem uma nova mensagem”
Era o que dizia na pequena tela. ela.
“Ah, oi Harry, espero que esteja tudo bem aí, o dia foi muito lindo aqui! Saudades.
Ele sorriu inconscientemente. E começou a responder.
“Você precisa saber das novas. Não digo ‘boas novas’ por que eu ainda estou muito confuso pra isso, então, te espero pra te contar. Saudade de você também
Colocou o celular novamente sob o criado mudo, e deitou-se em sua cama.
Mas não dormiu.
Simplesmente não conseguia.
Não dava pra dormir.

Ele preferiu esperar. Esperar duas semanas por . Para voltar à procura de respostas.
As duas semanas se arrastaram. Harry babava no travesseiro, quando alguém pulou sobre ele.
O susto foi tamanho, que o garoto quase grudou no teto – de madeira.
- Oi lindinho! - Dana sorria alegremente.
- Ah, é você, que susto! - ele sorria agora, sonolento.
Ela se aninhava ao lado dele.
- Sim, quem mais? - ela ria.
- Ué, um ladrão? Um assassino? - ele contava com os dedos.
- Bobinho! – ela o mordia a bochecha.
- Como anda minha surpresa? - ele a olhava com expectativa. Momentaneamente, havia esquecido todos os seus problemas, assim ele se sentia com ela. Livre de tudo.
- Muito bem! - ela sorria maliciosa.
- Mmm, e não vai me dar nem uma dicazinha? - ele fazia um beiço, na tentativa de arrancar alguma informação da namorada. Que gargalhava ao seu lado.
- Não! Não vou me render assim tão fácil Lindinho! – ela começava a deitar-se sob ele, que ria. Finalmente alguém aparecia, alguém que o fizesse rir e esquecer do mundo no frio inverno.
Mal se olharam, e seus lábios já estavam se tocando, até começarem um beijo.
E assim outra tarde arrastou-se. Até a campainha tocar.
- Eu já volto... - ele dizia desgrudando-se dos lábios de Dana.
- Ah amor... Não vai não... - ela tentava segurá-lo.
- Pode ser importante, eu já volto, - disse dando um selinho na namorada.
E desceu as escadas velhas, vestido em seu samba-canção de seda.
Abriu a porta.
- Haarry! – vinha abraçá-lo. - Opa, opa, opa, er... Ela está aí, certo? - ela fazia uma cara engraçada e apontava para o samba-canção de Harry, que não quis saber e abraçou a amiga.
- Ai! Larga, larga, larga! - ela ria e dava tapinhas no ombro do amigo.
- Sua besta, que bom que voltou! E sim, ela está aqui. – Harry sorria como se tivesse ganhado um bolo inteiro só pra ele.
- Notei, blé! - ela ria. - Pois bem, eu volto aqui mais tarde então, já que sei que ela nunca dorme aqui.
- Certo, não precisa demorar, acho que logo ela já vai, - Harry agora se encolhia, o frio da rua começava a adentrar sua casa, aquecida pela lareira – e por outras coisas mais.
Esperou até que entrasse em seu carro e sumisse de seu campo de visão, para voltar para a cama.
- Era a ? – Dana já sabia, claro.
- Era sim. - Ele voltava a se deitar.
- Então nem precisava ter ido, aposto que não era nada importante.
- Não diga isso, - Harry a puxava para um beijo breve, - ela é importante pra mim.
- E eu não sou? Quero dizer, não sou mais do que ela? – ela agora parecia indignada.
- Não falei isso, e, eu não gosto de medir sentimentos Dana, você sabe, ela é minha amiga, só isso, - ele voltava a dar beijos breves nela.
Então Dana se afastou.
- Pois então, fique com a sua amiga, Lindinho. - e dessa vez o “lindinho” veio carregado de sarcasmo.
- Ah Dana... Dana! - Harry sentava-se na cama, vendo Dana descendo e saindo de sua casa.
“Saco”, disse bufando.
Cerca de meia hora depois, a campainha voltou a tocar.
- Entre ! – ele gritou da cozinha.
- Ok, entrando! – ela fechava a porta atrás de si, e ia até a cozinha.
- Panquecas? – Harry olhava para ela, enquanto colocava um avental.
- Com certeza! E ah, nossa Harold, você está uma tentação com esse avental! – ria do amigo.
- Zoa mais! – ele ria com ela – Estou tão bonito de qualquer forma que até minha namorada anda fugindo de mim. – ele falou a segunda frase mais baixa.
- Hein? - catava algumas uvas na geladeira.
- Nada não, me ajuda com a massa?
- Claro! – ela colocava a uva na boca e ia à procura dos ingredientes.
Já estavam servidos e sentados em frente à tevê, saboreando suas panquecas – quase queimadas.
- Mas então, - falava terminando de engolir – qual a novidade?
- Mmm, que você está bronzeada e da cor do pecado? – ele ria de boca cheia.
- Pára bobo! Vai, fala. - ela o encarava.
- Ok, certo, então... É meio difícil. Passei toda a minha vida acreditando numa mentira. O meu pai , ele... Ele está vivo!
- O que? O seu pai? – Ela ficava boquiaberta.
- Sim, ele veio falar comigo há duas semanas, no cemitério.
- Que cara sinistro! Não, não no bom sentido, você sabe. – ela o olhava, com cara de espanto ainda.
- É, eu também ainda estou em choque. E preciso da sua ajuda, quero encontrá-lo, descobrir o que minha mãe não me contou, essas coisas, - Harry voltava a cortar um pedaço de sua panqueca.
- Você acha mesmo isso uma boa idéia? Pode não ser coisa boa Harry, já que sua mãe não quis te falar... - ela também voltava a colocar um pedaço na boca.
- É eu sei, - ele falava entre uma mastigada e outra – mas, sendo coisa ruim ou não, eu quero saber.
Mesmo que dentro de sua cabeça, uma pequena voz gritava “não, não, não!”.
- Certo, por onde vamos começar? – colocava o prato de lado agora.
- Não faço a menor idéia, alguma sugestão?
E no outro dia lá estavam eles, no museu de Chelmsford, a procura de um nome.
- Como ele se chama mesmo? – ela procurava no livro de visitantes.
- Steve... Steve Mark Judd, . – Harry passava a mão pela bancada de madeira da recepção.
- Certo, está aqui, nossa! É antigo! – ela riu.
- Qual é a data? – Harry ia até o livro.
- 14/09/81 – ela continuava rindo.
- Cara, não éramos nem projetos! – ele ria também. – Certo, algo mais além da assinatura dele?
- Não... – ela suspirava desapontada.
- Bem, se não é boa coisa, podemos procurar na delegacia, ver se ele tem algum histórico criminal, - Harry coçava a cabeça.
- Tem certeza? – ela o olhava.
- Claro, ele me procurou por algum motivo, tenho que saber o que ele queria.
- Certo, vamos à delegacia. – disse fechando o livro.
Saíram do Museu, e em cerca de quarenta minutos, estavam na delegacia municipal de Chelmsford.
- Uma ficha criminal? – O policial – Bob – perguntava. - Mas isso é confidencial.
- Ah... – ela procurou pelo nome dele em seu crachá – Bob, por favor, é importante, meu amigo aqui quer saber sobre o pai dele, e aqui acharíamos dicas, sabe, - ela fazia uma cara que – com certeza – o faria mudar de idéia.
- Certo, mas só uma olhadinha, - ele se levantava e ia até um arquivo.
- Viu? Sex Appeal é tudo! – ela ria e piscava para Harry.
- Realmente, - ele ria da cara dela, mas não por muito tempo.
Bob estava de volta dentro de alguns minutos. E trazia alguns papéis com ele.
- Ok, vocês disseram, - olhou a ficha – Steve Mark Judd? – ele olhava para os dois aguardando uma confirmação.
- Isso. – disse Harry.
- Bem, o seu pai tem uma bela ficha! – Bob parecia sarcástico.
- O que tem aí? – tentava ler.
- Digamos que alguns assassinatos e furtos.
Harry começava a perceber que deveria ter ouvido a pequena voz.
- E... E de quando datam? – Harry batia a ponta dos dedos sob a bancada da delegacia.
- A ultima, foi em 1985. Foi quando a policia o capturou, por essa série de crimes.
- E agora ele está à solta? – indagava a Bob.
- Sim, aqui diz que ele acabou de sair de um regime fechado. – Bob começava a guardar os papéis, - Acho que já ajudei bastante, certo?
- Oh, certo, certo. – olhava para Harry, que parecia estático.
- É, certo... – Harry disse deixando a delegacia ao lado de .
- Obrigada Bob! – acenava da porta.
Estavam indo a Pensão de Dona Ruth, num completo silêncio.
Só se ouviam os passos deles, e os carros que – de vez em quando – passavam por ali.
- Harry?
- Sim? – Harry andava, encarando a calçada.
- O que foi? – ela o olhava.
- Foi no ano em que eu nasci. – ele continuava inexpressivo.
- Eu sei - ela tirava uma mexa de cabelo dos lábios – que estavam cobertos por uma fina camada de gloss.
- Meu pai é um assassino. Eu não quero que ele se aproxime de mim, estava muito bem sem ele. – Harry parava de andar, tinham chego a Pensão.
parava na frente do amigo.
- Harry, - ela arrumava o topete dele – Não se preocupe, acho que ele não te machucaria, só deve estar querendo falar alguma coisa, - ficava na ponta dos pés para dar um beijo na testa de Harry.
- Eu sei, mas não quero falar com ele. Ele podia me ligar, sabe? Podia me mandar cartas. Mas não... Ele nem tentou. – Harry encarava seus pés.
sorria fracamente.
Definitivamente, não queria ver Harry assim. Ela o amava tanto.
Abraçou-o.
Ele a abraçou de volta.
- Estarei sempre aqui, quando precisar, am... Amigo.
- Obrigado, . – ele suspirou e separou-se dela. – De verdade.
Ela sorria.
E aquele sorriso era todo dele. E por ele.
Só restava ele notar.
- Não é nada, você sabe Harry. Bem, eu vou indo, - ela entrava pelo portão enferrujado.
- Ok, até a final, então.
- Até.
E mais uma noite se passou.
Cinco dias até o festival. Era um bocado de tempo.
E novamente, a campainha gritava, acordando Harry de um sonho emocionante – uma bela partida de cricket.
Desceu, vagarosamente, e abriu a porta na mesma velocidade.
- O que é? – dizia com os olhos semi-serrados por causa da claridade do exterior.
- Preciso que me ouça, não vou demorar.
Novamente aquela voz. Por mais que Harry nunca tivesse se acostumado a ela, já sabia a quem pertencia.
- Como você sabe onde eu moro? – Harry franzia o cenho.
- Isso não importa.
- Não quero falar com você. – ele despertava mais rápido agora.
- Por favor, já falei que não demoro.
- Ah claro, você deve ser muito bom assassino, vai me matar rapidinho não é? Assim como matou minha mãe, só que com ela você preferiu demorar anos, agonizando-a. - Harry fechava a porta.
Mas uma mão o impediu, forçando a porta contra a mão de Harry.
- Eu insisto, meu filho. – o velho homem dizia, calmamente.
Harry suspirou e analisou o pai rapidamente.
Estava com um casaco e chapéu pretos, escondendo os fios que lhe sobravam. Já grisalhos.
- Ok, mas não pense que é bem-vindo. – Harry abria mais a porta.
- Obrigado. – o velho tossia, e entrava na casa.
Indicou o sofá ao pai, que se sentou, sentando-se em seguida em frente a ele.
- Escute com atenção, meu tempo é curto, e eu mesmo sei disso. – ele voltava a tossir.
Harry inclinava-se para frente, na procura de entender melhor as palavras roucas do velho homem.
- Eu matei muitos homens, sim, confesso. Tentei fugir da policia, pois sabia que sua mãe estava te esperando. Não consegui, e fui condenado.
- Agradeço a minha mãe por ter me feito pensar todos esses anos que você estava morto. – Harry dizia frio agora.
Steve sorriu, demarcando suas rugas. Marcas do tempo, e de um homem que vivera por anos na prisão.
- Por que não me deu nenhum sinal de vida? Nem uma carta, nem um telefonema? Por quê? – Harry falava com mais indignação.
- Eu tinha vergonha... Não queria que meu filho pensasse como você pensa agora. Vejo que isso foi em vão. – o velho tinha uma expressão triste.
Harry mordia o lábio, ouvir isso doía. Mais do que saber que seu pai era um assassino.
- É... Dizem que se deve fazer tudo o que deve ser feito, para que depois não se arrependa do que não se fez. – Harry falava, apoiando a cabeça sob as mãos.
- Deveria levar os ditados mais a sério... Era, era só isso... - Steve começava a se levantar, com dificuldade. – Desculpe, mais uma vez, e... Saiba que amei muito sua mãe.
Harry chorava silenciosamente. E afirmava com a cabeça.
A porta abriu-se, e segundos depois, ouviu-se o barulho dela se fechado pela casa toda.
Seria a primeira, e a última conversa dos dois.
Steve andava doente há tempos na prisão, havia adquirido um câncer na garganta – resultado de muitos cigarros – e acreditava que isso era uma forma de Deus o punir por tudo. Três dias depois da conversa, os novos vizinhos de Steve chamaram uma ambulância, ao ver o velho caído na calçada.
Ele morreu a caminho do hospital.
E em seguida, Harry soube da notícia.
Por mais que não conhecesse o pai – tanto quanto queria – isso o abalou. Já estava ferido pela perda recente da mãe. Não estavam sendo bons tempos para Harry. Seria o inverno mais frio de todos os anos que vivera. E não por causa da temperatura, de forma alguma.
E lá estava ele, com um casaco preto, vendo o caixão do pai descendo, e descendo.
Sozinho.
Faltavam poucas horas para a festa da final - de cricket estadual de escolas. Já nem importava mais a Harry a sua tão esperada surpresa.
Além disso, Dana não dava mais sinais de vida, assim como .
Mas mesmo assim, trocou-se, e foi à escola.
Deviam ser nove e alguma coisa da noite, a partida terminava. E como todos esperavam, a vitória foi dos Essex Eagles.
As pessoas começavam a ir festejar na quadra fechada da escola. Onde uma musica alta já agitava tudo.
Harry – que já segurava uma garrafa de cerveja – procurava silenciosamente por Dana.
Que logo o encontrou.
Sorriu ao vê-la. Ela parecia feliz, ria e brincava com seus amigos.
Mas seu sorriso se fechou quando um dos jogadores do Essex Eagles agarrou Dana e a beijou. E o pior, ele fora correspondido.
Harry estava sendo traído, e estava vendo isso com os próprios olhos. Seus impulsos gritavam em sua cabeça. Não demorou muito tempo para que ele separasse os dois, e jogasse o cara – Brandon - no chão.
- O que é isso?! – ele gritou enfurecido.
Dana ria.
Brandon saía dali.
- Do que você está rindo?! - ele a olhava com raiva.
- Da sua cara! – ela ria mais ainda.
As pessoas ao redor pareciam nem notar dançando ao som da musica alta.
- Então era essa a minha surpresa? Era isso que você queria que eu visse Dana?! Por quê?! – ele a puxou para bem próximo dele.
Dana aproximou seus lábios dos ouvidos do namorado – ex – e sussurrou:
- Era sim, Lindinho, bem, o motivo?... – uma pausa para uma risada – Por que eu não te amo, simples, - ela tinha um largo sorriso nos lábios - gostou da surpresa? – Parecia bêbada, mas Harry sabia que estava completamente lúcida.
- Muito, isso só me prova o quão burro eu fui por cometer um erro tão grande quanto foi te amar. - ele sussurrou ofensivamente, largou-a e saiu dali com certa dificuldade entre a multidão.
Foi até o pomar. Já havia comprado outras garrafas de cerveja, e bebia.
“Mas que bela vida você tem Harry” ele pensava, sendo irônico consigo mesmo.
Concentrou-se na lua, que se escondia atrás de algumas nuvens. Podia ver sua mãe. Ela tinha um olhar triste. Não estava mais ali para cuidar do filho.
- Você também me abandonou... – foi o que Harry disse por fim, terminando a ultima cerveja. Adormeceu ali mesmo. Era uma noite escura.
- Harry? Harry? – alguém o cutucava.
- Me deixa em paz. - Virou-se para o outro lado e balbuciou sonolento.
- Não Harry, eu não vou te deixar em paz. – Ela o virou. – Vai, me fala.
O que você está fazendo aqui?
Era .
Finalmente alguém.
, ah, como estou feliz em te ver” era o que sua mente pensava, mas Harry ainda estava com muito sono para isso.
- Dana... Ela... – Harry coçava os olhos.
- Ela...? – inclinava-se até o amigo. - Me traiu, na minha frente. Na final, ontem. – Harry encarava o campo a sua frente agora. Um leve sol o iluminava, mas estava frio.
- Por que ela fez isso? Que idiota! – dava pra ver o ar que expirava do pulmão quando falava. - Não quero pensar nisso agora. Não estou tendo uma boa semana... Por onde você andou? – ele continuava encarando o horizonte.
- Bem... Os meus pais voltaram de Londres, querem que eu saia da pensão e... Que vá morar com eles lá. – ela suspirava.
Harry começou a rir.
- Mas que bela noticia! – ele falava irônico.
- Desculpe, - ela abaixava a cabeça.
- Ah... Não se desculpe, a culpa não é sua. – ele acomodava-se em seu casaco.
- Na verdade é.
Harry teve que encará-la.
- Como assim?
- Eu podia escolher ficar, mas... Não tenho motivos, sabe? – o queixo dela tremia levemente.
- Não?
- Não. A pessoa por quem eu largaria tudo, não faria o mesmo por mim. Ela nem me nota. – olhava o campo agora.
- E você já tentou falar com essa pessoa? E por que não me contou dela? – Harry não estava levando muito a sério.
- Harry... Por favor. Meu pai quer voltar amanhã. E eu vou com ele, logo cedo.
- E você vai sem me dizer quem é? – ele ainda a olhava com curiosidade.
- Estou falando com ele agora. E ele parece nem se importar. – ela se levantava. – até qualquer dia Harry, melhoras.
- Ei, espere aí! – Harry levantava-se e corria atrás da amiga.
Ela se virou para ele.
- O que é? – uma lágrima escorria de seus olhos.
Harry tinha uma expressão confusa. E tudo o que fez foi limpar a pequena gota de água.
- Vou sentir sua falta. – ela falou baixo. – Mas... Eu não consigo mais Harry... Eu faço de tudo por você, eu até suportei, por todo esse tempo, ver você junto com aquela vaca! E você nunca me notou... Você nunca me viu como eu te vejo.
- Desculpe... Eu realmente não notei... Desculpe . – ele aproximava-se dela, para um beijo.
Mas recuou.
- Eu preciso ir.
E foi.
Harry podia sentir seu coração se apertando dentro do peito. Murchando. Parando.
Nada foi tão difícil quanto vê-la ir. Nada.
E foi tudo tão rápido. O pior, é que a velocidade, fazia com que doesse mais.
Em pouco tempo, Harry perdera tudo, perdera todos. E perdeu quem lhe era mais importante. Quem ele confiava todos os seus segredos e sentimentos. Quem acima de tudo, ele amava. E que o amava também.
E assim os meses se passaram, e a vida nunca mais foi a mesma.
O único confidente de Harry agora era o pomar.
No qual ele ia todos os dias.

Dormia pacificamente em seu sofá. Ao som baixo da tevê, e da lenha que queimava em sua lareira.
Outro inverno se iniciava. E ele ainda estava só.
A porta se abria silenciosamente, o vento frio adentrava sua casa.
Um simples sussurrar ao pé do ouvido:
- Acorde Harry, o tempo está mudando.

Fim.

N/A: Uau, segunda fic oficial! Mais breve e mais dramática. A mensagem que podemos tirar dela, está nela toda. Devemos cuidar de quem está próximo a gente, pois nunca se sabe o amanha, e ninguém quer se arrepender do que não fez, certo?

N/B: Erros? Me mandem um e-mail! aninha.schmidt@hotmail.com

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