Ópera


Capitulo 15-

Londres; Highgate High School; Segunda-feira; 11:23 da manhã;

estava imersa em pensamentos. Pensamentos sobre e , pensamentos sobre Duan e suposições aceitáveis para o fato de não ter ido à aula.
Duvidava que tivesse sido capaz de fazer uma coisa como aquela, ainda mais a , a quem ele parecia amar. Lembrou-se dele já ter dito várias vezes que aquilo fora apenas um mal entendido, mas como isso seria possível? O relato de não parecia dar espaço a mal entendidos, ou dava? Algo ali com certeza não se encaixava. Mas o que?
Suspirou profundamente enquanto o senhor Johnson continuava falando sobre algo anotado no quadro. Ela nem fazia questão de saber o que era.
Mordeu a caneta mudando a direção de seus pensamentos.
”Esquece a parte que eu disse que me rendo ao Kasino. Eu me rendo é a você!” Lembrou-se da boca de Duan próxima, e de ela mesma acabar com a pequena distância. Lembrou a sensação do beijo, procurando alguma reação em seu corpo, como um coração acelerado ou frio no estômago. Não encontrou.
Antes que sua mente, por fim, se direcionasse a outro pensamento, o sinal do intervalo tocou. A garota se levantou silenciosamente e começou a andar ao lado de até a saída da sala. Essa, por sua vez, começou a contar animada sobre o final de semana que tinha passado com .
Quando viravam o corredor pra ir em direção às escadas, se chocou bruscamente contra alguém, deixando seus livros de álgebra cairem no chão.
- Ouch! – exclamou, colocando a mão no ombro atingido.
apenas virou seus olhos para a garota, e quando viu de quem se tratava, bufou e continuou a seguir em frente. Uma coisa ele nunca poderia negar para si mesmo: estava irritado... E muito.
ficou alguns segundos tentando assimilar o fato do menino estar na escola, e também de ter derrubado seus livros sem dizer nada, nem se desculpar.
- Grosso! – gritou pro rapaz que andava mais a frente, assim que deu por si. Ele pareceu dar de ombros. – Estúpido... – murmurou mal humorada, abaixando-se pra pegar seus livros.
observou tudo sem ter nenhuma reação, apenas analisando.

andou devagar até a sua mesa no refeitório, carregava a bandeja de almoço e ainda sentia uma pontada de irritação no peito. Quem pensava que era?
Colocou a bandeja na frente de onde estava sentado, e deu um suspiro pesado, antes de sentir duas mãos quentes em seu quadril.
- Que bom que está aqui. – ouviu a voz rouca de Duan sussurrar em seu ouvido. Arrepiou ao ouvi-lo. – Já estava com saudades.
Ela sorriu involuntariamente, colocando suas mãos em cima das do rapaz. Ele ficou satisfeito ao ver sua reação.
- Bom dia. – ela respondeu, encostando sua cabeça no ombro do garoto, ainda de costas pra ele.
mastigou fortemente sua comida, ao ponto das outras pessoas na mesa ouvirem seus dentes se chocarem uns com os outros. Encarou o casal por baixo das sobrancelhas.
- Não quer ir almoçar comigo? – ele apontou a mesa dos ‘playboys’ com o queixo.
- Não acho que eu combine muito com eles. – riu baixo. – Mas eu adoraria se quisesse almoçar conosco.
- Como quiser. – virou-a carinhosamente de frente pra si, encostando seus lábios nos dela. fechou os olhos e aproveitou o momento, sentindo-se estranhamente tranqüila de uma hora pra outra.
jurou ter ouvido os dentes de trincarem nessa hora. Segurou uma risada, assim como a namorada.
fez as devidas apresentações, que acabaram sendo desnecessárias, e todos começaram o almoçar. estava mais mal humorado do que de costume, e vez ou outra trocavam olhares cúmplices, como se compartilhassem dos mesmos pensamentos, estava mais falante e Duan acariciava a cada curtos intervalos de tempo.
- E aí, goleirão? – perguntou. aproveitou a deixa para procurar no garoto algum sinal de malicia, mas não enxergou nada além de sua divertida ingenuidade de sempre. Ele não seria capaz de alguma maldade, não mesmo. – Como se sente ao sentar com os perdedores?
- ! – o repreendeu.
Duan o olhou com as sobrancelhas levantadas durante alguns segundos, depois riu e respondeu:
- Nunca pensei que fossem perdedores. Além do mais... Eu venho os achado bem interessantes, principalmente do inicio do semestre pra cá. – lançou um olhar significativo pra , abraçando-a pelos ombros. Essa sorriu enquanto as bochechas ficavam levemente mais rosadas.
- Não desperdice elogios, Duan. – a garota respondeu. – Sou uma cética. Não acredito em galanteios.
- Ótimo. – ele deu um sorriso provocante. – Temos aqui uma questão a ser trabalhada. – aproximou a boca de seu ouvido. – Nunca pensei que fosse ser fácil estar com você.
engoliu a seco.

Estar com ela? Eles tinham firmado compromisso e ela não se lembrava? O que ela era pra Duan? Ou melhor, o que ele pensava que eles eram? Algo com certeza não estava certo. Pelo menos, não do jeito que ela queria... Mas afinal, o que ela queria? Nem mesma conseguia responder aquilo... Quando pensava no que desejava, inconscientemente, o rosto de lhe vinha à mente. Odiava a si mesma por isso.

Assim que o intervalo terminou, segurou o braço de para que ela permanecesse na mesa. Por certo tinha algo a dizer. A amiga concordou rapidamente, ao chegar a essa conclusão.
- Não vem, minha linda? – Duan chamou, lhe dando um beijo na testa.
mirou seus olhos durante algum tempo, incomodando-se de uma maneira estranha com o pronome possessivo usado por ele. Depois de se desviar dos pensamentos, sorriu cordialmente e respondeu:
- Ainda não, Duan. Preciso resolver um assunto.
- Te vejo no final da aula? – ele perguntou com uma animação repentina.
- Claro que sim. – ela respondeu pouco antes de sentir o rapaz colar os lábios nos dela.
Duan estava em pé de frente para a garota sentada, então não teve dificuldades de apertar o cabelo de sua nuca. Sua língua pediu a passagem que ela permitiu, beijando-a profundamente durante vários segundos. Quando separou suas bocas, ainda lhe deu um selinho antes de partir.
o observou sair do refeitório atentamente. Quando ele estava completamente fora da vista, assim como os demais que antes estavam sentados à mesa, virou-se ansiosamente de frente para .
- E então, o que foi?
- Primeiramente... – ela pigarreou – O que foi, você! Poxa, , acho que ao invés de ficar suspirando a aula toda você poderia ter me dito que estava com o Duan!
- Eu não... – deteve-se, depois abaixou o tom de voz. – Eu não estou com o Duan... Tecnicamente.
- Okay, então. – franziu o queixo, concordando com a cabeça. – Isso é sério. Preciso ligar para o meu médico: além de amnésia estou tendo alucinações!
- Deixa de ser boba, . – gargalhou. – Ele realmente estava aqui... E me beijou...
- Logo vocês estão juntos. Ou não? – estava confusa.
- Não... Ou melhor, sim! – apoiou a testa na mão. – Estamos apenas ficando, okay?
- Se você diz... – deu de ombros.
- Era só isso?
- Não, não. Claro que não. – disse como se estivesse se corrigindo. – Eu cheguei a uma conclusão maluca... E sabe como é, não é? Conclusões malucas levam a idéias malucas...
- Sei como é. – riu baixo. – Qual a conclusão?
- É sobre os meus flashbacks... – ficou ainda mais atenta depois dessa frase. – Por favor, não pense que eu sou doida, está bem?
- Doido é o cavalo-marinho... – antes que fizesse cara de desentendida, fez sinal pra que ela prosseguisse.
- Veja bem... Eu tive três flashbacks. – concordou, acompanhando o raciocínio. – No primeiro, eu conversava com a Iv no corredor do segundo andar. No segundo, eu a observava conversar com o Duan na saída do ginásio. E o terceiro... Estávamos assentadas vendo o treino do time de futebol.
- Aonde quer chegar com isso? – juntou as sobrancelhas.
- Esses lugares parecem familiares a você? – tentou estimular o raciocínio da amiga.
- Espera... – disse como se tivesse chegado a uma conclusão. – Mas esses não foram os lugares em que eu estava, quando você...?
- Exatamente.
- Que medo. – disse de uma forma gozada, fazendo gargalhar. – O que eu posso fazer a respeito?
- Promete não ficar assustada?
- Depois de dois meses na Highgate, duvido que algo ainda possa me assustar. – sorriu.
- Você iria comigo aos prováveis lugares onde eu estive com a Iv...? – perguntou receosa.
ficou um momento em silêncio, depois se pronunciou:
- Para estimular as suas lembranças e chegar até o culpado? – falou com o tom divertido. – Perigoso... Bem perigoso. – fingiu pensar por um momento. – Mas acho que eu sempre tive algum tipo de fetiche pelo perigo. – riu baixo. – Eu adoraria te ajudar com isso.
- Graças a Deus. – disse aliviada, apertando a mão da amiga.
também sorriu e as duas se levantaram para voltar à sala. Enquanto voltavam, ainda pôde analisar suas lembranças de no refeitório. O quanto a garota fingia estar feliz estando em total confusão...

Londres; Highgate High School; Segunda-feira; 4:57 da tarde;

- Vai lá, Bennet! – uma das garotas que estava encostada à grade gritou enquanto observava o treino de futebol. Eles simulavam um jogo.
A professora de Educação Física, senhora Mars, passou mal e teve que ir embora mais cedo, deixando várias garotas sem o que fazer até a hora do final da aula. Todas acabaram se dirigindo para o campo de futebol, que, com certeza, estava muito mais interessante.
rolava os olhos toda vez que uma das colegas gritava por Duan, mas não pôde deixar de estranhar o fato de nenhuma vez o nome de ser mencionado. Ele obviamente dava de mil a zero em muitos ali, tanto em talento quanto em beleza, e nenhuma delas parecia se empolgar com a sua presença. E não era ela mesma que tinha que fazer isso, certo? No fim das contas ele era só mais um mal educado bipolar, certo?
encostou a cabeça na grade, respirando fundo assim que o treinador apitou o final do treino. Quase todas as meninas entraram para a quadra de grama assim que eles devolveram a bola ao treinado Stevens. Elas estavam ansiosas para parabenizar os jogadores. e não moveram um músculo sequer.
Dois olhos curiosos se moveram rapidamente em direção a garota: o primeiro, do loiro encostado na trave do gol, o segundo, do único jogador solitário. se sentiu dividida durante um largo momento, sem saber a quem se dirigir. Suas dúvidas se esvaíram quando ouviu Duan gritar por ela:
- , aqui! – ele sorriu largamente, acenando.
A garota viu rosnar, depois devolveu o sorriso a Duan e entrou no campo. O rapaz de olhos esmeralda correu radiante até ela, e, sem dar tempo para que ela tivesse alguma reação, puxou-a pela cintura e juntou alvoroçadamente seus lábios. juntou suas línguas, abraçando-o pelos ombros.
Todos na quadra pararam para olhar. Cada um deles tinha uma diferente expressão de surpresa no rosto, de menos . Não, não. A expressão dele não era de surpresa. Era de nojo, raiva, impaciência e... Talvez outra palavra. Outra palavra que ele mesmo se recusava a utilizar...
O rapaz sentia seu estômago ser golpeado cada vez que e Duan abriam a boca. Seria possível que ele iria vomitar? Mas por quê? Por que naquela hora? Por que ao ver isso? Sentiu-se o pior idiota do mundo. O mais egoísta. Devia ficar feliz pela conquista do seu melhor amigo. Ele mesmo tinha aberto mão da garota. Ele mesmo tinha dito que não a queria sabendo das intenções de Duan. Espera! Ele queria a ? Ele, , queria ?
Sentiu o almoço chegar a sua garganta, mas se conteve. Seu aspecto estava o mais trancado possível e o humor negro que emanava chegava a ser sentido metros de distância.
Ele era um idiota. Duan era um idiota. era a pior idiota de todos.
Soltou o ar que estava prendendo e marchou agressivamente pra fora do campo, sem olhar pra trás. Quando estava contornando o ginásio para chegar ao estacionamento dos fundos, trombou com Brittany, que deixou o cigarro cair.
- Nossa, mas o que foi, ? – ela perguntou com a expressão divertida. – Que pressa toda é essa?
Ele respirou profundamente, olhando-a com o canto dos olhos e tendo um pensamento.
- Ah, por que não me con... – Brittany ia até completar a frase, se não tivesse tampado sua boca com o indicador, de forma decidida.
- Cala a boca e vem comigo. – falou por entre os dentes, deixando claro que estava furioso.
Ela apenas sorriu e obedeceu sem contestar. Se ele queria descontar toda aquela raiva nela, que ficasse à vontade. Brittany se sentiria mais do que honrada...

- E então? – Duan perguntou em um tom carinhoso, enquanto conduzia para o estacionamento. – Com quem está indo embora?
- Não precisa se preocupar eu... – ‘já tenho carona’ teria saído de sua boca, se tivesse visto o Audi estacionado no lugar de sempre.
tinha ido embora sem ela? Era o que faltava! Ele era mesmo um estúpido, bipolar. Fechou a cara assim que chegou a essa conclusão.
- Eu adoraria que você me levasse pra casa. – deu ênfase na palavra, apertando os dentes contra os outros, com raiva.
Duan esboçou um sorriso largo, levando a garota pelos ombros até o Toyota. Ao chegar à frente do carro, abraçou-a pela cintura e novamente a envolveu em um beijo, que, ao contrario das outras vezes, retribuiu com mais vontade.

Londres; Dockland; Terça-feira; 7:40 da manhã;

Brittany abriu os olhos com dificuldade, incomodada pela claridade vinda da vidraça transparente. Observou novamente o local, e, depois de uma dedução óbvia, deu um sorriso, extasiada com as lembranças da noite anterior. Cheirou o edredom azul e estendeu sua mão para o lado oposto da cama, procurando um corpo o qual não encontrou.
- ? – sentou-se de repente, preocupada.
Procurou-o com os olhos pela sala do apartamento, encontrando apenas o cachorro. Levantou-se e se enrolou no edredom, com a intenção de procurá-lo no pequeno corredor.
- , isso não tem graça. – disse com a voz trêmula. – ?
Já estava começando a suar frio, quando o rapaz abriu a porta do banheiro, ainda ajeitando a gravata vermelha no pescoço. A loira suspirou aliviada.
- Que susto você me deu. – ela disse se sentando na cama novamente. – Pensei que tivesse ido embora sem mim.
- Não sei o que pensa sobre mim... – disse inflexível como sempre, mirando-se no espelho da sala. – Mas não sou tão escroto a esse ponto.
- Desculpe por duvidar de você. – ela arrumou os cabelos bagunçados com uma das mãos.
- Coloque seu uniforme depressa, antes que cheguemos atrasados. – ele cruzou os braços, encostando-se à bancada. – Detesto atrasos.
Brittany consentiu, antes de recolher suas roupas no chão e se dirigir para o banheiro.

Londres; Highgate High School; Terça-feira; 9:40 da manhã;

- Como vamos dividir quem lê as obras? – perguntou mal humorada, sentada ao lado de na aula de literatura.
Tentava ao máximo ignorar o fato de que ele tinha ido embora sem avisá-la, ou que tinha derrubado seus livros e não a ajudado a recolher.
- Você quem decide. – ele respondeu com o humor não muito diferente. Isso a irritou ainda mais.
- Eu que decido, ?! – falou impaciente. – Eu que decido! – deu uma risada quase histérica. – Esse trabalho é de nós dois. É pra nós dois decidirmos em conjunto. Não sou eu que tenho que decidir o que vamos fazer a cada passo do trabalho. Somos nós!
- Eu realmente não estou afim de resolver algo sobre um trabalho que sou obrigado a fazer com você! – falou um tom mais alto.
sentiu-se extremamente ferida, mas não deixou transparecer sua chateação. Levantou o queixo e estreitou os olhos.
- Quer saber? Eu é que decido. – falou repentinamente. – Você fica com Hamlet. Bem a sua cara mesmo, todos morrem no final. Eu sei muito bem como você é chegado em uma morte. – estava com a clara intenção de feri-lo, assim como ele fizera com ela, e, mesmo sem saber, teve êxito.
- Ah, é, princesa? – ele sorriu cínico. – “Sonhos de uma noite de verão” é todo seu. Eu bem sei como você acredita em fadas da floresta, mas desculpe estragar suas fantasias, meu bem, contos de fadas não existem!
- Vai à merda, . Você é um idiota mesmo. – deu uma risada sem humor. – Não sei como pude sequer achar que você fosse uma pessoa boa. Você é péssimo.
- Você fala como se fosse alguma novidade. – ele mantinha a voz cínica. – Eu sempre te avisei que não era quem você pensava que eu fosse! Aliás, você e esse seu ceticismo inconseqüente. Você poderia estar morta agora por causa dele!
- E quem ia me matar, ? Você? – fez som de deboche com a boca. – Faça-me o favor! Você não consegue matar uma mosca que pouse na sua sopa!
O rapaz deixou a raiva tomar conta de si e segurou o pulso de fortemente, prendendo os olhos da garota nos seus.
- Não fale do que não sabe. – rosnou baixo, apenas para que ela escutasse.
estaria mentindo se dissesse que não sentiu um frio passar pela espinha. Talvez uma sensação involuntária de medo, ao ouvir o tom de voz que ele usara.
- Vai me dizer agora que já matou uma pessoa? – disse no mesmo tom, tentando induzi-lo a revelar alguma coisa.
- O que eu fiz ou não da minha vida está longe de ser da sua conta. – ele retrucou.
- Suponho que seria inteiramente da minha conta se eu estivesse me relacionando com um assassino.
- Por que não vai atrás do príncipe encantado do Duan e me deixa em paz? – sugeriu, dando um sorriso sarcástico.
- Porque ele não é a minha dupla na droga desse trabalho, se fosse, acredite, eu já estaria com ele há muito tempo! – se alterou, chamando a atenção tanto dos outros alunos quanto da professora.
- Que linda. – disse com ironia, ficando em pé. – O prefere a mim, então?
- Mil vezes. – rosnou pausadamente, ficando de frente para o rapaz.
- Senhorita e senhor , os senhores podem me explicar o que está acontecendo? – senhora Paskin disse os olhando por cima dos óculos largos.
- Eu não aturo nem mais um segundo com ele! – respondeu irritada. Os colegas se entreolharam, dando pequenas risadas.
- Eu é que não agüento ter ela como dupla. É simplesmente impossível! – rebateu.
- Se você não percebeu, - ela se virou pra ele, com as mãos na cintura. – Eu sou a única que está fazendo o máximo para que essa parceria dê certo! Você é estúpido demais se ainda não percebeu. – a essa altura, alguns colegas já arriscavam risadas altas.
- Os dois. – senhora Paskin apontou, decidida. – Resolvam seus problemas lá fora.
- Mas... – tentou argumentar, mas a senhora apontou a porta com as sobrancelhas.
saiu sem contestar e assim que se colocou pra fora, bateu a porta, deixando claro sua insatisfação.
- Satisfeito? – ela perguntou colocando as mãos na cintura e o olhando fixamente.
- Não. – respondeu impaciente em seus movimentos. – Não, sabe por quê? Porque eu nunca vou ficar satisfeito enquanto você não estiver longe de mim. – cuspiu as palavras, desejando mentalmente que o que saia de sua boca fosse verdade.
- Ah, é? – ficou visivelmente magoada. – Sabe o porquê disso, ? O porquê de você não me querer por perto? – mordeu o lábio inferior, medindo as palavras enquanto ele a desafiava a falar. – É porque eu te lembro a Ivane. Mas não sei exatamente se você não me quer ou não a quer por perto. – fez uma pequena pausa enquanto ele sentia o peso de suas palavras. – Novidade pra você: nós não somos a mesma pessoa!
Finalizou, seguindo quase marchando para o banheiro. ficou apenas parado de frente para a sala durante vários segundos, esperando-a desaparecer de vista.
‘Nunca pensei que fossem...’ Pensou consigo mesmo, arrependido pelo desentendimento desnecessário.
Quando adentrou o ambiente, colocou-se pra dentro de um dos boxes e começou a chorar.
estúpido.’

Depois de um tempo ainda dentro do box do banheiro, se levantou e foi em direção a pia, lavar o rosto quente pelas lágrimas. Fez um formato de concha com as mãos e aliviou o rosto com uma corrente de água gelada.
Quando pegou um papel-toalha para se secar, ouviu duas garotas que entravam no banheiro rindo. Preferiu não se incomodar e desconhecê-las.
Uma delas já sabia quem era. Kimberly, cujos traços a antipatizavam tanto. A segunda era uma loira dos olhos azuis e curvas fartas, que ainda não conhecia.
Brittany viu secar o rosto vermelho com um pouco de interesse. Era impossível vê-la sem ainda sentir um arrepio na espinha, afinal, ela era a imagem cuspida de Whinsky. Deu um sorriso de escárnio e resolveu aproveitar a oportunidade para dificultar ainda mais as coisas para a garota, em seu ver.
- Ai, Kim. – falou quase teatral. – A noite hoje foi maravilhosa.
Kimberly sorriu maliciosamente, percebendo a intenção da amiga e entrando no jogo.
- Sério, Brit? – riu. – Passou com o novamente?
parou por poucos segundos de secar o rosto e olhou para as duas meninas. Brit? Brit seria... Brittany? Espera! Ela tinha passado a noite com... ?
se sentiu extremamente estúpida. Era óbvio que ele não era tão impenetrável assim. Óbvio. Só pra ela. Ele nunca seria tão grosseiro com alguém que estivesse interessado, como parecia ser o caso da loira. Sentiu o rosto esquentar novamente e as pernas ficarem trêmulas. Merda
- Passei. – Brittany respondeu radiante. – É incrível como cada vez ele se torna mais surpreendente. Até arriscaria dizer que ele está apaixonado. – ela riu de forma exagerada enquanto retocava o batom.
amassou o papel que estava em sua mão movida pela raiva. Jogou-o na lixeira e saiu a passos largos do banheiro, sem saber exatamente que rumo tomar.
Brittany e Kimberly sorriram satisfeitas com a sua reação.

Quando a hora do intervalo chegou, Duan voltou a se sentar a mesa de , que parecia fazer ainda mais questão da sua companhia.
Enquanto almoçavam, segurou a mão do goleiro por baixo da mesa e esse sorriu abertamente. , quando percebeu, não gostou nada. achou excitante o fato de uma de suas amigas estar com um dos caras mais influente do colégio. Mal conseguia se conter na própria cadeira, de empolgação.
Na hora que o sinal anunciou que deviam voltar pra sala, Duan pediu pra que a garota esperasse durante alguns minutos, pois tinha algo a dizer. Ela concordou sem cogitar possibilidades e sem sinal de animação.
- O que quer me dizer? – ela perguntou, muito mais tranqüila do que na aula de literatura, assim que todos deixaram o local.
- O que você tem, amor? – o rapaz perguntou doce, passando a mão pelo seu rosto. se assustou com a palavra usada por ele. ‘Amor’. ‘Amor’?
- Como assim o que eu tenho? – franziu a testa.
- Ficou calada quase o almoço todo. – ele mirou seus olhos. – Existe algo te incomodando? Se existir, por favor me fale. Eu me preocupo tanto com você... Detestaria que algo estivesse aborrecendo a minha .
‘Ok, Duan. Calma, lá. Depois reveremos os termos que eu assinei sem saber transferindo a minha propriedade de mim mesma pra você...’ pensou, quase sorrindo com esse pensamento.
- Não é nada. Eu estou bem. – forçou um sorriso e ele novamente acarinhou seu rosto.
- Fiquei sabendo que foi expulsa da aula da senhora Paskin. – seu timbre de voz era compreensivo. – O que aconteceu?
- Nada. – desviou seu olhar. – Problemas com . Mas tudo bem, ele é grosso, mesmo.
- Com o ? – Duan pareceu assustado. – Dude, e eu que jurava que o problema dele era tensão sexual. Mas depois de ontem à noite, acho que isso não é possível...
‘Claro.’ pensou se sentindo ainda mais aborrecida.
- Tensão sexual? – perguntou desinteressada.
- É, mas depois da noite que ele teve com a Brittany, eu duvido muito... – ficou pensativo por alguns segundos, depois piscou pra garota. – Ela é da minha sala. Acabou me contando. Mas eu não estranhei, sabe? – ainda conversava como se fosse consigo mesmo. – Não seria a primeira vez que eles dormem juntos...
murmurou um ‘Hm’, fingindo não prestar atenção e o rapaz sorriu pra ela. Segurou levemente seu queixo e juntou seus lábios devagar, em um beijo calmo e delicado.
- Está mais feliz assim? – deu um sorriso meigo.
Sem precisar responder, a apenas colocou a boca sobre a dele novamente, permitindo o encontro de suas línguas.
Não. Não estava mais feliz. Mas aquilo a faria esquecer durante alguns segundos... ‘O que?’ Perguntou a si mesma. ‘Que tipo de monstro conseguiria usar o Duan desse jeito?’ Sentiu-se chateada com a sua própria observação. ‘Você é uma péssima pessoa, . Péssima. Por que o Duan? Ele não merece isso... Não merece!’ Novas lágrimas começaram a se formar no canto dos seus olhos, mas as conteve assim que viu o rosto iluminado do loiro.

Londres; Highgate High School; Quarta-feira; 5:30 da tarde;

já tinha alertado Duan que não precisaria deixá-la em casa aquele dia. A aula de quarta-feira seguiu sem muitas novidades. Ela e acabaram não se falando, nem ela e , que fingiam ser completas estranhas. Combinaram que seria melhor assim. Evitariam suspeitas antes da hora...
Depois da educação física, a qual todos várias alunas tinham que voltar a escola as quatro para fazer, tinha combinado de andar pelo colégio com e , em busca de lugares que pudessem estimular a memória da amiga.
Já tinha passado por toda quadra de futebol e nada. Por fim, sugeriu que elas contornassem o ginásio, de repente ali, que era um dos locais favoritos de Ivane, tivessem alguma pista.
Contornaram o local duas vezes sem êxito algum, quando por fim pararam com o cansaço na parte de trás do edifício.
- É... – disse suspirando e se encostando à parede próxima ao bebedouro. – Acho que ela não passou por aqui naquela semana... Ou suas suspeitas sobre mim estão erradas.
e se entreolharam durante um momento, em um silêncio pesaroso. olhou pra baixo enquanto escorria o corpo pela parede, ficando sentada na grama.
- Talvez, mas quando eu tive aqueles flashbacks tudo pareceu tão claro, eu... – teria continuado a falar, se sua mente não tivesse sido bruscamente desviada para outra época, quando se deparou com sentada naquele lugar.

“Estava escuro atrás do ginásio poliesportivo da Highgate. estava ofegante. Tinha procurado pela amiga em todos os lugares que julgava possível e não a encontrado. Soubera por boatos o que tinha acontecido, mas precisava encontrá-la para confirmar suas suspeitas. Aquilo não podia ter acontecido. Ou podia? O relacionamento dos dois parecia tão perfeito...
Ao chegar perto dos fundos do ginásio, escutou alguém fungando alto, como se tivesse chorado. Ivane. Com certeza era Ivane.
- Iv? – disse apressada, chegando ao local e virando imediatamente os olhos para a garota jogada, escorada na parede.
- Me deixa em paz! – ela gritou com a voz rouca pelo choro. Ivane nem tinha se dado ao trabalho de olhar . Seus olhos estavam fixos no estacionamento do fundo, completamente vazio, assim como seus pensamentos no momento.
Seu rosto estava completamente vermelho e inchado, a maquiagem borrada e os cabelos suados.
- Oh, Iv. – caiu ao seu lado, envolvendo-a num abraço apertado. Teria continuado a acariciar a amiga se não tivesse sentido algo encostar em sua barriga, enquanto a outra continuava a gemer. Era algo plástico. já tinha uma noção do que poderia ser, mas não chegou a conclusões até que tivesse certeza.
Chegou o corpo para trás encarando um pequeno saco plástico de conteúdo branco, no colo da garota.
- O que é isso, Ivane? – perguntou tomada pela fúria, tomando o saquinho das posses da amiga. – Iv, você é louca? Quantas vezes eu tenho que te dizer que isso ainda vai acabar com a sua vida?!
Ivane virou os olhos devagar pra amiga, fazendo bico e esticando sua mão lentamente até o objeto, que escondeu atrás de si.
- Me devolve, porra! – gritou. – Eu preciso disso.
- Você não precisa de cocaína, Ivane. – devolveu no mesmo tom.
Iv tombou a cabeça pro lado, mordendo fortemente seu lábio inferior.
- Eu não só preciso como já consumi hoje! – respondeu. – Eu amo a cocaína. Ela não me abandona. Ela me ama e não me trai.
- A cocaína não é uma pessoa, Iv! É algo que te faz mal!
- Mal quem me faz é ele! – Ivane se alterou completamente, segurando os cabelos com força. – Você viu o que ele fez, ? Você viu o que ele fez? – disse acabando com todo o ar dos pulmões, enquanto caia ao prantos no colo de e começava a respirar rapidamente ao rolar das lágrimas.
- Fiquei sabendo... – a amiga respondeu baixo, passando as mãos pelos cabelos claros da outra.
- As pessoas já estão comentando?! – Iv gritou. – Era só o que eu precisava mesmo. O me traiu, ! Ele me traiu com aquela desgraçada. E o pior é que eu vi!
- Ivane, você não sabe se ele teve motivos para... – tentou amenizar a dor da menina.
- Estou pouco me lixando pra qualquer motivo que ele tenha! – continuou a gritar e se sentou novamente, olhando para ela com os olhos molhados de ira. – Ele vai pagar. E vai pagar caro. – falou por entre os dentes. – Vai pagar mil vezes pior. Ele não tinha o direito de fazer o que fez!”


- ? – perguntou preocupado, segurando os ombros da namorada que já estava deixando os joelhos renderem. a olhava assustada.
- Ai meu Deus. – disse com os olhos cheios de lágrimas, apoiando-se nos braços do namorado e o fitando desesperada. – Eu tive o flashback! Eu estava certa, a os ativa! Eu vi a Ivane! Ela estava aqui e estava chorando... Estava histérica... – olhou novamente pra . – tinha a traído e... Ela estava se drogando...
e trocaram um olhar preocupado, enquanto dava o máximo de si para normalizar sua respiração.

Londres; Highgate High School; Quinta-feira; 2:30 da tarde;

Assim que as aulas acabaram senhora Paskin resolveu que já era hora de concretizar um pedido que o diretor lhe havia feito há alguns dias. Saiu da turma C diretamente para a sala onde estavam guardados os arquivos mais antigos dos professores, como notas vermelhas de alunos e detenções. O diretor tinha a pedido que organizasse as pastas e se livrasse daquilo que achasse desnecessário.
Quando viu que não havia mais alunos no corredor, destrancou a porta da pequena sala do segundo andar e adentrou, desviando de amontoados de folhas. No fundo tinha uma cadeira de madeira pequena, própria para quem quer que tivesse que organizar aquela bagunça sentasse.
Pegou a primeira pasta, do início do ano anterior e começou a ler seu conteúdo, separando agilmente aquilo que era relevante do que não era.
Começou a pensar sobre , enquanto trabalhava. Pensou sobre e , que antes pareciam se dar tão bem no trabalho, mas que a pouco tempo tinham se desentendido na sala de aula. Pensou nos dois últimos dias em que tiveram que trabalhar juntos. Mal se falavam e evitavam se olhar nos olhos. O que, diabos tinha acontecido? Queria provar a todo corpo docente que o aluno era inofensivo, mas como conseguiria fazer isso se ele continuasse brigando com a jovem daquele jeito?
, . Tinha tanto carinho por aquele aluno! E sabia muito bem de onde isso provinha: fora melhor amiga de sua mãe. Sim. Senhora Paskin já tinha sido grande amiga da senhora , antes que essa falecesse. Faleceu quando ainda era bem pequeno. O garoto cresceu sendo aluno dela, e cultivando um carinho pela senhora quase tão grande quanto o que ela sentia por ele. Chegara até a chamá-la de mãe, no primário. E agora estava sendo acusado de barbaridades. Impossível! Senhora Paskin sabia que nunca seria capaz de cometer tal ato. Sabia que estavam suspeitando da pessoa errada, mas não sabia em quem apostar suas fichas. Talvez devesse mesmo acreditar que o jardineiro da casa tivesse sido o culpado. Talvez seria melhor...
Começou a vasculhar os papéis de agosto do ano anterior. Nada tinha aparecido de muito interessante até que seus olhos se fixaram em um determinado papel de detenção. Senhora Paskin arregalou o máximo que conseguiu seus pequenos olhos, enquanto seu coração disparava.
Não era possível...
Aliás, era! Era possível! Depois de terminar de ler o papel, as coisas nunca lhe pareceram tão claras. Precisava informar , precisava informar o diretor, a polícia! Como nunca tinha pensado nisso antes? Será que nenhum dos professores se lembrava dessa ocorrência?
Levantou-se trêmula colocando o papel de lado, e quando finalmente se voltou para a porta de saída, alguém a estava barrando. A pessoa que menos queria ver, mirando-a com um olhar mórbido um tanto lunático.
- Por favor, saia da frente da porta. – disse ela, não conseguindo impedir sua voz de falhar.
Seu medo se tornava cada vez mais evidente na frente dos olhos assassinos. Assassinos. Não tinha palavra melhor que pudesse descrever...
Senhora Paskin deu alguns passos para trás até estar novamente sentada na cadeira. Seu corpo inteiro tremia e sua mente não conseguia projetar nenhuma idéia que a fizesse ficar livre daquilo. Do fim...
Tampou a respiração involuntariamente quando a pessoa disparou o primeiro tiro, acertando-a certeiramente no peito. Os outros dois foi incapaz de sentir, já estava morta.
Todas as folhas e pastas que estavam ao chão foram banhadas pelo seu sangue quente, que escorria em uma velocidade uniforme, como o curso de um rio. Todas as folhas presentes ficaram vermelhas. Todas que estavam naquela pasta... De menos uma. Uma que fora estrategicamente recolhida...
Dos olhos fixos e já sem vida da senhora Paskin, brotou uma lágrima: a sua última, que escorreu pela sua bochecha até alcançar o sangue de sua roupa, e nele, desaparecer.
Seria incorreto dizer que ela estava triste por deixar este mundo. Apenas triste por deixá-lo sem esclarecer algumas coisas para a única pessoa a qual ela ainda tinha afeição. . Mas tudo bem, se fosse para ser assim, ela ficaria em paz. Ficaria em paz porque novamente poderia estar junto de seu amado marido, que com certeza a receberia de braços abertos...




Capítulo 16-

Londres; Oxford Street; Sexta-feira; 8:50 da manhã;

O clima estava seco. Tudo bem que fosse quase inverno, mas não era apenas o clima físico, e sim o simbólico. Não teria aula na sexta-feira. Aliás, provavelmente a aula não voltaria naquela semana. Aquilo seria impossível.
se olhou novamente na frente do espelho. Suas vestes negras espelhavam perfeitamente como estava seu humor e a coloração embaixo dos seus olhos. Não conseguira dormir e era capaz de apostar um dedo que ninguém tinha o feito.
Prendeu parte dos cabelos pra trás, deixando a mostra o seu pescoço. Observou-o durante alguns segundos. Quando o vento gelado vindo da janela lhe tocou a pele da nuca, ela repensou e soltou-os novamente. O pescoço a mostra só a tornaria mais indefesa. Mais do que já era...
Seu vestido preto cheio de babados nunca fora tão triste. Fechou o bolero cinza que usava por cima, vendo pela janela que a árvore já estava coberta por uma fina camada de gelo. Sua meia-calça protegeria suas pernas do frio. Resolveu passar um pouco mais de blush para que seu rosto não ficasse tão pálido: pálido de susto, medo e desaprovação...
Ouviu duas fracas batidas na porta. Virou apenas as suas íris para olhar. Seu corpo permaneceu imóvel.
A cabeça de adentrou o quarto. Seu semblante era tão chateado e assustado quanto o dela. Talvez até mais...
Vestia um terno preto bem passado.
- , vamos? – perguntou com a voz baixa. Provavelmente pela impossibilidade de elevar seu tom.
Ela apenas consentiu e seguiu com passos lentos até o primo, que a abraçou pelos ombros.
- Não tenha medo, minha baixinha. – sussurrou pra ela, tentando parecer convincente. – Eu não vou deixar que nada lhe aconteça. Eu te amo.
também tentou abrir os lábios para manifestar o quanto o amava, mas foi incapaz. Seus olhos apenas se encheram de lágrimas e ela agarrou o terno do primo, ficando ainda mais próxima a ele.

Londres; Cemitério West Norwood; Sexta-feira; 9:10 da manhã;

Toda a Highgate tinha comparecido. Era impossível para enxergar o padre que falava, ainda mais o caixão da senhora Paskin, que a uma hora dessas já devia estar descendo rumo ao lugar onde ficaria durante um longo tempo. Vários alunos vestidos de preto escondiam essa paisagem nada agradável.
, , , e preferiram ficar um pouco mais afastados do grupo, embora ainda ouvissem a missa. Apesar de estarem juntos, não tinham trocado palavras significativas, apenas um silêncio melancólico e uma compreensão mútua de que não seria o último incidente como esse.
e estavam abraçados, como se compartilhassem a dor do outro. A garota nunca se sentira tão grata por ter um primo tão atencioso e carinhoso.
Ele era tudo o que ela precisava no momento.
Ficaram mais alguns minutos em silêncio, apenas ouvindo o padre.
- E com a graça do Senhor, - ele disse. – que agora a senhora Amélia Joane Paskin descanse em paz. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo...
Todos completaram em uníssono:
- Amém.
As pessoas deixavam o local enquanto os coveiros eram encarregados de jogar a terra sobre o caixão.
sentia o vento gelado no rosto, mas nem isso a fazia ter vontade de fechar os olhos. Mais do que nunca queria ver.
Observou Bennet passar por ela, com a sua cara de abobalhado mais deprimida do que de costume. Pouco atrás vinha Scott, com seu aspecto imutável de completa indiferença.
sentiu asco dele por isso. Ele passou pouco antes de um rapaz magrelo, amarelado e de aparência doente, que a garota nunca tinha visto, mas que virou seus olhos pra ela com um interesse no mínimo digno de nota.
Segundos depois vinham Kimberly e Brittany. As duas conversavam leves, como se estivessem apenas fazendo um passeio pelo shopping. ‘Patéticas’, pensou. Algumas pessoas desconhecidas passaram, até que avistou Duan, juntamente com um rapaz de cabelos crespos e curtos. A expressão dos dois estava praticamente a mesma: cabelos bagunçados, olheiras e semblante de pânico, de quem seria capaz de gritar com o passar de uma folha. Não os julgou, pois ela e os amigos passavam a mesma impressão.
Queria acenar para o loiro e mostrar que estava ali. Mas foi incapaz de fazer qualquer movimento nesse sentido, ainda mais porque avistou mais a frente, atrás de uma cruz de mármore, um rapaz solitário em seu terno negro.
Um vento ainda mais gelado passou, trazendo alguns cabelos para frente dos olhos da menina. Para algum supersticioso, talvez, aquilo significasse um mau presságio. Mas não pra ela.
- ... – conseguiu falar com a voz rouca, por falta de uso. A amiga virou seus olhos pra ela. – Você pode vir comigo? Acho que eu estou passando mal...
- Mal, ? – perguntou com os olhos arregalados, apertando-a ainda mais em seus braços. – Não quer ir pra casa? Se quiser, eu te levo pra casa. Por favor. Só não quero que fique mal...
- Não ficarei, molengo. – ela discordou com a cabeça. – Antes de ir embora quero orar pela senhora Paskin. Eu ainda não o fiz.
consentiu e tomou a mão da garota, infiltrando-se no meio das pessoas e seguindo em qualquer direção longe dos demais.
- Vamos achar algum lugar longe no qual você possa... – já ia continuar a fala, quando segurou sua mão, detendo-a. – O que? – perguntou curiosa, mas assim que viu a expressão ansiosa de , compreendeu que ela não estava enjoada.
A garota apontou com a cabeça a cruz de mármore, e não teve dificuldades em ver quem estava atrás dela. Deu um suspiro pesado e receoso, mas no fundo do coração soube que ele nunca seria capaz de fazer mal a ela. Nem a ela, nem a Ivane.
O fato de tê-la afastado do grupo fora unicamente para que não ficasse sabendo onde pretendia ir.
entendeu e balançou devagar a cabeça como um estímulo pra que ela fosse.
- Mas volte depressa. – alertou.
concordou e seguiu seu rumo.
Aproximou-se de pelas costas. Estava andando devagar, mas não devagar o bastante para que as folhas e galhos no chão não a denunciassem.
O rapaz virou o rosto pra ela, e poderia jurar que nunca o tivera visto tão triste. Bom que ali, afastados de todos, ninguém os veria.
- Quando eu era pequeno – começou a falar com a voz baixa. deteve seus passos quando já estava bem próxima a ele, completamente escondida pela cruz de mármore. – a senhora Paskin era como uma mãe pra mim. Ela era amiga da minha mãe, e sempre me tratou de forma especial. Era a única professora da escola que eu sabia que não tinha nenhum tipo de suspeita a meu respeito... - a menina o ouvia em um silêncio compreensivo e respeitoso. – Minha mãe faleceu há muitos anos, e agora, a única outra figura feminina a qual eu nutria alguma afeição, também se foi. – seus olhos se encheram de lágrimas. – As pessoas vão embora, . Elas sempre vão. Parece que eu tenho uma capacidade incrível de afastar a todos que conquisto e que me conquistam também... Como se eu conquistasse muita gente! – ficou um tempo em silêncio lutando contra as lágrimas. – Eu estava falando sério quando disse que combinava com as lágrimas e a solidão. São as únicas coisas que não me deixam. A saudade, a mágoa. São as únicas coisas que não vão morrer. Por que eu simplesmente não morro? Por que eu ainda tenho que ficar aqui pra ver tudo isso? Pra ver todos os que eu amo morrerem... E ainda por cima ter que agüentar os olhares desconfiados dos demais. – não foi mais capaz de conter o choro e se aproximou ainda mais da garota, para que ninguém mais pudesse vê-lo se desmanchar, atrás do crucifixo. – Como se eu tivesse sido capaz de matá-la! Como se eu tivesse sido capaz de acabar com a minha vida com as próprias mãos. – de uma hora pra outra, tinha certeza de que ele não se referia mais a senhora Paskin. – Elas eram tudo o que me restava. Agora eu não tenho nada. Eu não sou nada. Sou um corpo oco que está aqui apenas para ocupar espaço. Não consigo nem contar quantas vezes já pensei em suicídio, mas minha vontade nunca foi tão grande quanto é ago...
teria continuado a falar se não tivesse sentido os braços de envolverem seu pescoço e o puxarem completamente para perto, em um abraço carinhoso. Ela apoiou a bochecha gelada no pescoço quente do rapaz, sentindo, além do choque térmico, o seu perfume aromático. também a envolveu pela cintura com seus braços longos, trancando-a em um casulo imaginário junto a si. Fechou os olhos procurando sentir as batidas do coraçãozinho de , que batia tão rapidamente quanto as asas de uma borboleta que quer levantar vôo.
- Nunca mais pense nisso. – ela falou em tom autoritário, apesar de embriagada pelo choro. – Nunca mais pense em morrer, em tirar sua vida, ouviu bem?!
O rapaz ficou um momento em silêncio, depois respondeu, ainda chorando:
- Por que não? Ninguém se importa mesmo. Se eu morresse meu velório seria completamente vazio, nem meu próprio pai estaria lá. – soluçou. – Todos ficariam felizes por terem se livrado de um assassino.
tirou seus braços que estavam em torno do pescoço dele, segurando seu rosto entre as mãos. ainda a abraçava pela cintura, e fitava seus olhos doces de perto, sentindo dificuldade para respirar.
- Olha nos meus olhos e me diz que matou alguém, . – ela suplicou, com a voz quase histérica. – Foi você o assassino da Ivane? Você quem matou a senhora Paskin? Me diz que isso é verdade. – suas lágrimas caiam descontroladas, assim como as dele.
- Você não tem idéia de como eu queria que fosse verdade. – ele sussurrou. – Porque se fosse, pelo menos eu teria um motivo real para ser odiado. Eu não sou um assassino, . Por mais que eu queira ser.
- Não, você não quer. – ela ainda mantinha os olhos do rapaz presos ao seu. – As pessoas não precisam gostar de você, , nem se preocupar. Eu posso gostar por todas elas, e se você morresse, bem, eu estaria no seu velório e choraria o equivalente a Highgate inteira. Eu não te odeio. Estou longe de te odiar. Eu até queria, principalmente depois daquela briga na aula de literatura. Mas eu simplesmente não consigo. Não consigo sentir algo ruim a seu respeito.
- Sinto muito por aquilo tudo, . – colocou sua mão direita na bochecha da garota, puxando seu rosto ainda mais pra perto. – Eu sou um idiota. Me desculpe, por favor. Me desculpe... – sussurrou, passando o nariz devagar no dela.
O vento frio cortante ainda se manifestava, movendo alguns fios de cabelo dos dois enquanto eles se olhavam fixamente. Os olhos de e pareciam presos por uma linha imaginária. Seus olhares eram sólidos, concretos e passavam sentimentos que apenas os dois conseguiam captar. Quando por fim, resolveu desviar seu olhar dos olhos de para a sua boca mais rosada pelo frio, eles ouviram alguém gritar, de vários metros à distância:
- , a não melhorou até agora? – era a voz de .
Sem esperar que tivesse alguma reação, lhe beijou na bochecha e murmurou um “Até logo”. Correu de volta ao encontro de , que já a esperava aflita, e juntas voltaram para onde , e estavam.
O coração de batia acelerado. Suas suspeitas sempre estiveram certas, afinal. não era um assassino.
Quando a observou entrar no carro prateado em segurança, esperou que todos os outros estudantes saíssem do cemitério, para que, por fim, pudesse se dirigir a outra lápide. Andou devagar, com as mãos aquecidas pelos bolsos, até o local do cemitério que mais conhecia.
- Ei, Iv. – disse se deparando com a lápide coberta por gelo. O rapaz se abaixou um pouco para limpá-la e deixar novamente a mostra os dizeres nela esculpidos. Leu apenas o nome: Ivane Cornélia Whinsky. – Espero que receba bem a senhora Paskin aí em cima... Está frio e provavelmente agora eu tenho que ir, Spike detesta neve. – mirou novamente a lápide. - Farei com que a pessoa que lhe fez mal pague caro por tudo... Por você, pela senhora Paskin e por mim. – deixou mais uma lágrima rolar. – Eu te amo. – Disse como algo já decorado, e estranhou que essas palavras já não tivessem o mesmo efeito em seu coração do que antes.
Não tentou lutar contra isso, apenas deu um sorriso fraco e seguiu seu caminho de volta ao Audi.

Londres; Oxford Street; Terça-feira; 8:10 da manhã;

estava em um lugar florido e ensolarado. Corria animada por pequenos morros, entre girassóis e ria à toa, pois sabia que ele viria atrás.
- Você é lerdo, . – gritou, e no momento seguinte, sentiu uma das mãos do rapaz agarrando-lhe o braço. Conseguia ouvir sua risada gostosa cada vez mais próxima.
Quando descia um morro tentando se desvencilhar dele, de brincadeira, acabou tropeçando e o levando junto, rolando até estarem em chão plano. Ambos gargalhavam mirando a face do outro, como se aquilo fizesse parte de um encanto, ou simplesmente fosse hilário.
- Quem é o lerdo, agora? – ele perguntou, abraçando-a pela cintura e deixando seus narizes bem próximos.
encarou seu rosto por alguns segundos, depois sorriu.
- Continua sendo você! – beijou seu nariz, distraindo-o por tempo suficiente pra que ela ficasse em pé e voltasse a correr entre as flores.
- Hey, não é justo! Você me distraiu! – ele gritou em tom de brincadeira, se levantado e voltando a segui-la.
continuava entre sorrisos bobos e gargalhadas, sem estranhar o fato de que não estava cansando e nem ofegante. Sentia-se livre, completa, realizada.
Depois de um tempo, não ouvia mais nem as risada e nem os passos do rapaz atrás dela. Parou desconfiada e virou-se, ainda assim, em tom divertido.
- Eu disse que você era lerdo.
Quando virou o tronco completamente na outra direção, pode contemplar uma imagem que fez seu coração desmanchar e seus olhos esquentarem.
Era . Estaria tudo bem se fosse apenas ele... Mas ela estava o beijando. Aquela garota era... ! Não, não. Não era . Ela sabia muito bem quem era...
Ivane.”

acordou com o ranger baixo da porta do seu quarto. Levantou os olhos nessa direção pra olhar, de certa forma aliviada por aquilo ter sido apenas um sonho. Seu coração ainda estava disparado, e a chateação que aquilo lhe causara era óbvia. Por quê?
- Não é só porque não tem aula que você pode ficar aí até tarde, . – disse bem-humorado. – Levanta. está vindo pra cá.
- Eu já... – ela assentou no colchão, olhando em volta para garantir que nada daquilo tinha sido real. – Estou indo.
O primo piscou para a garota, fechando a porta em seguida. Assim que se encontrou sozinha, começou a analisar melhor o sonho que tivera. Estava tão feliz ao lado de ... Mas era errado. Era errado porque ele amava Ivane e ela mesma estava com o Duan. Pobre Duan... Ele não merecia isso. Não merecia estar com uma pessoa tão desinteressada por ele.
respirou profundamente, colocando os pés pra fora do edredom. Era incrível como Brittany, de uma hora pra outra, parara de ter importância. Talvez nunca a tivesse julgado tão importante assim. Deu um meio sorriso ao pensar nisso, pouco antes de voltar a ter a impressão de estar sendo observada. Um calafrio lhe passou pela espinha.
Era impressão, claro. Tinha que ser...
Quando colocou as pantufas se dirigindo para o banheiro foi que se deu conta: era a primeira vez que aparecia em seus sonhos. Não fora do jeito que ela queria, com certeza não. Aliás... Nem sabia realmente se o queria por seus sonhos... Ou por sua mente.
Pensando nisso se sentiu um pouco irritada. Um pouco, não. Muito. Não podia seguir pensando nem sonhando com ele dessa forma. E o Duan? E a Ivane? Mas no fundo, bem no fundo, sabia que se lembrando deles estava se esquecendo de si mesma...

Londres; Highgate High School; Quarta-feira; 5:02 da tarde;

Duan avisara a que não poderia levá-la pra casa naquela quarta-feira, mais de uma semana após a morte da senhora Paskin. O motivo? Bem, poderia até dizer que não suspeitava, se não estivesse tão empolgado com esse dia desde sexta-feira.
Todas as líderes de torcida teriam que ficar depois da educação física para fazer um ensaio geral da coreografia. Os jogadores estavam treinando desde as três.
‘Claro’, pensou. Era o dia da estréia dos Eagles no campeonato estudantil, e todos sabiam que a Highgate tinha uma excelente fama quando se tratava do time de futebol masculino. Tanto em beleza quando em títulos...
Quando terminou a educação física, todas as meninas se dirigiram para os vestiários no intuito de tomar banho e se arrumar, para o jogo que seria numa quadra a poucos quarteirões dali.
fez o mesmo, já esperando que, assim que terminasse, estivesse de carro na garagem, esperando-a para acompanhá-lo na arquibancada.
caprichou no hidratante corporal e no perfume, com fragrâncias brasileiras. Sentia-se feliz por estar sendo um pouco caprichosa consigo mesma, ainda mais feliz ao saber que nenhuma das meninas daquele local teria cheiro igual, ou conheceria aquele. Sorriu ao cheirar a própria pele, sentindo-se, de certa forma, mais próxima de casa.
Saiu do banheiro vestindo uma calça jeans skinny e uma blusa azul-petróleo de mangas compridas, que a protegeria do frio e indicaria pra que time estava torcendo. Prendeu parte dos cabelos pra trás com um prendedor preto, passou levemente a maquiagem que trouxera e saiu à procura de . Achá-lo não foi difícil, já que ao vê-la sair o rapaz deu duas buzinadas.
Chegaram ao local não muito tempo depois, juntamente com as líderes de torcida, que vestiam seus pequenos uniformes colados sem se importar com o vento. estava entre elas.
, que estava com as mãos nos bolsos de trás da calça jeans, parou para admirar a amiga em seu uniforme. Lembrou-se que também era líder de torcida e passou os olhos por todas as garotas, sem êxito em encontrá-la.
- Vamos, ? – segurou o braço da prima, convidando-a carinhosamente para a arquibancada que já estava lotando.
Ela o olhou.
- Vou falar com a e já volto, molengo. – estava tranqüila. – Pode ir sem mim.
alternou o olhar de para , que sorria para eles a poucos metros de distância. Não tinha como correr perigo perto das colegas, certo? deu um sorriso amarelo, soltando os ombros da garota para que ela seguisse até lá.
Quando estava se aproximando, correu animada até ela.
- Incrível como nunca ouvi reclamar do tamanho desses uniformes. – levantou as sobrancelhas, em clima divertido.
- Deve ser porque ele sabe que isso não é nada comparado ao que pode ser. – a amiga deu de ombros, sorrindo sapeca e a fazendo rir.
- Tudo bem, senhorita modesta. – ainda ria. – Mas me diga... – recobrou o tom sério. – Todas as líderes de torcida estão aqui?
passou os olhos pelas meninas com o uniforme número 3 da torcida: azul escuro e com pequenos detalhes brancos.
- não está. – disse ela.
- Por que não?
- Não sei. – respondeu. – Talvez ainda esteja cismada que não vá caber no uniforme. De qualquer forma, ela precisa estar aqui rápido, senão começarei a me preocupar de verdade. Nós precisamos dela. – fez uma pausa. – Mas por que a pergunta, ?
- Nada, . – sorriu. – Á toa. Só observando que vocês são muitas...
- Oh, que nada. – piscou. – A Hendrix High School tem cinco garotas a mais na equipe. Eu acho exagero, mas fazer o quê? – fez uma careta engraçada e riu.
Permaneceram mais algum tempo falando sobre assuntos agradáveis, como por exemplo, como era o time da Hendrix, quem tinha mais chances e como seria organizada a torcida.
parou de falar quando viu chegar esbaforida ao lado de , vestindo uma roupa qualquer com o uniforme da torcida na mão. olhou-a preocupada.
- Nossa, . Você está pálida. – aproximou-se da garota. – Precisa de alguma coisa?
- Não, , eu... – olhou aflita pra , que a retribuiu com um olhar desentendido. – Só preciso ir ao banheiro. Vou me trocar e já volto.
- Estaremos te esperando aqui, . – disse compreensiva. – Não se atrase.
consentiu e saiu rumo ao banheiro daquele campo alugado, que ficava ao lado direito da arquibancada. Caminhou um pouco se infiltrando no meio das pessoas, até que por fim saiu da vista das duas. engoliu a seco ao ver isso.
- A está me preocupando esses dias. – comentou, com as mãos na cintura. – Eu sei que há algo de errado com ela, mas ela nunca quer me dizer. Não sei o que faço...
permaneceu um tempo em silêncio, ainda olhando na direção do banheiro. Depois olhou a amiga.
- , preciso encontrar o , agora... – disse doce. – Tenho que ir.
- Okay. – concordou. – Torça por mim da arquibancada. – falou sorridente, beijando a garota na bochecha.
- Conte comigo. – também sorriu.
deu de costas e assim como , se infiltrou no meio das pessoas que estavam na entrada do campo, próximas às lideres de torcida da Highgate. Caminhou pela parte de baixo da arquibancada cinzenta durante um minuto, até chegar ao fim da quadra e em frente ao banheiro. estava escorada ao lado da porta do feminino, olhando pra baixo e, quando se aproximou mais, pode perceber que ela chorava.
- Eu não posso fazer isso, . – disse entre soluços, virando seus olhos para a garota. – Eu queria tanto participar dessa estréia, mas não posso... E se eu machucá-lo? Tão inocente e indefeso...
- Você não é obrigada a fazer algo que não queira. – a primeira falou, escorando-se do lado da menina.
- Sou, sim. Elas precisam de mim pra completar os saltos da torcida. Mas eu... Eu não posso! Como irei explicar isso a elas? – fungou.
- Como se livrar dessa sem contar a verdade...? – ficou pensativa.
virou seus olhos para ela, mirando-a por alguns instantes. Analisou-a dos pés a cabeça, depois, como um estalo, perguntou:
- Quanto você veste?
respondeu olhando-a desconfiada. Depois de dizer, ao perceber o olhar iluminado de , perguntou:
- Por quê?
- Já fez algum esporte... Algum tipo de ginástica?
- Fiz. Ginástica rítmica durante dois anos no Brasil... – fez uma pausa, levantando uma das sobrancelhas e perguntando novamente: - Por quê?
- Acha que agüentaria carregar a Kelly Sparks? – fez bico.
- Isso definitivamente não está me cheirando bem... – suspirou. – Por quê, ?
A verdade é que ela não precisava ter feito essa pergunta. Sabia perfeitamente bem o que a garota estava insinuando. Agora estava em suas mãos salvar um time de líderes de torcida ansiosas e um pequeno ser humano. ‘Merda’ pensou, ‘É sempre assim...’
deu alguns passos até a porta do banheiro, quando estava abrindo-a, com um largo sorriso estampado no rosto, sua face ficou verde, e seus olhos viraram para trás. Antes que pudesse gritar por ela ou ir socorrê-la, dois braços fortes a seguraram. Dois braços que sabia que estariam ali sempre para segurá-la, mesmo que ela não acreditasse.
.
- , você está bem? – perguntou, apavorado com a tontura repentina da menina.
- Estou, eu... – teria continuado a falar, se seu corpo não tivesse amolecido.
- ! O que aconteceu com ela? – perguntou em desespero. – Estava saindo do masculino quando a vi prestes a cair...
- Eu não sei... Estava tudo bem até agora e... – falou confusa, sabendo perfeitamente que não poderia revelar nada, ainda mais a ele.
- ... – murmurou, abrindo devagar os olhos. – Tome. – estendeu o uniforme. – Eu vou ficar bem...
E dizendo isso, desmaiou no colo de , que estava atônito. suou frio, mas resolveu cumprir a vontade da amiga.
Ela estaria em boas mãos. Pegou o uniforme que estava junto ao corpo dela, trocando um olhar assustado com o garoto.
- Leve ela pra enfermaria, . – disse quase histérica. – Rápido!
- Não precisa falar duas vezes. – o rapaz ajeitou nos braços e a levantou no colo, seguindo o mais rápido que podia para fora do campo.
observou-os desaparecer de vista com as pernas trêmulas. Depois deu um suspiro pesado, numa tentativa falha de se acalmar.
Como poderia estar na torcida se sabia que a amiga estava mal? Mas ao se lembrar das súplicas da mesma, mesmo que fossem implícitas, repensou. Faria aquilo por . Faria aquilo por . Simplesmente precisava fazer aquilo pelo bem das amigas... Só esperava não falhar.
Entrou no pequeno banheiro, trancando-se dentro de um boxe, e começou a trocar rapidamente de roupa, colocando a azul-marinho apertada da Highgate. Quando saiu para se olhar de corpo inteiro no espelho, estranhou o fato da roupa lhe calhar tão bem, ainda mais o fato de seus tênis brancos combinarem perfeitamente com o uniforme, como se os tivesse vestido para isso. Ah, a ironia...
Respirou fundo novamente, antes de criar coragem de sair daquele local. Assim que terminou de expirar, ouviu um apito: o jogo tinha começado.
Precisava se apressar ou não haveria ninguém para segurar Kelly Sparks. Quase riu com o pensamento dela se esborrachando no chão, mas pensou no vexame que seria para a escola, então segurou a maçaneta e a abriu. Trazia sua roupa dobrada em mãos.
Quando saiu da área coberta dos banheiros e colocou o pé na grama, nos fundos do campo de futebol, sendo iluminada pela luz emitida pelas arquibancadas, pareceu que o jogo parou. Aliás, pareceu não, ele parou.
Quando o garoto que vestia um uniforme vermelho e amarelo estava se aproximando de Scott na zaga da Highgate, ao procurar um colega para dar o passe, seus olhos se encontraram com ela. E pararam por ali. Ela estava lá... Vivinha da Silva...
pôde jurar que viu os joelhos do rapaz grandalhão fraquejarem, mas não tanto quanto os dos outros jogadores do time da Hendrix. Num momento de distração do menino, Scott tomou a bola e a passou rapidamente para o meio-de-campo, encarregado de passá-la a Kevin Pitterson e por fim, a , que marcou o primeiro gol.
O pessoal da Highgate comemorou enquanto todos da outra escola, inclusive o juiz, viravam seus olhos perplexos pra ela. engoliu em seco. Durante alguns segundos, todo o campo ficou em silêncio.
Ela fingiu desconhecer e caminhou até onde estavam as outras lideres de torcida. arqueou uma das sobrancelhas ao vê-la uniformizada, mas no fundo, achou gozado. Sabia o motivo do pânico geral.
- Tinha que ter alguém pra segurar a Kelly. – explicou baixo às companheiras e sorriu amarelo.
As meninas consentiram amavelmente, entendendo que ela só queria ajudar. De menos a própria Kelly, que torceu o nariz. As arquibancadas e os jogadores continuaram num silêncio desconfortável, sem que o juiz reclamasse da demora deles para voltar ao jogo.
- Era só o que faltava! – ouviu alguém cochichar da arquibancada próxima a ela. – Além de um assassino no campo agora também temos uma assombração!
Juntou as sobrancelhas, já preparada para virar e dar uma resposta rude.
- Ignore, . – a interrompeu. – Não vale à pena.
- Desculpe. pediu que eu a substituísse. Nem devia ter vindo pra cá... Aliás, devia ter suspeitado que as pessoas tivessem essa reação...
- Mas foi graças a ela que marcamos nosso primeiro gol, certo? – falou animada, abrindo um sorriso, mas foi interrompida por uma voz masculina vinda do campo:
- Que brincadeira de mau gosto é essa? – perguntou ensandecido, parando de frente pra ela.
- Não é uma brincadeira de mau gosto, . – colocou as mãos no quadril. – É uma ajuda a uma amiga. Além do mais, não te devo explicações.
Adeus clima agradável que se instalara entre eles desde o dia do cemitério, adeus.
- Continua sendo de muito mau gosto de sua parte. Não percebe que é por sua causa que o jogo está parado?
- Não percebe que eu não tive a intenção? – falou ainda mais alto, deixando claro que estava chateada.
encarou os olhos magoados da garota durante alguns segundos, depois respirou fundo e se aproximou ainda mais.
- Desculpe. – murmurou baixo, só pra que ela ouvisse. – A verdade é que eu estou sempre pisando na bola com você. Desculpe por isso... Eu... Eu sou um idiota mesmo.
já ia concordar quando sentiu braços fortes lhe agarrarem a cintura.
- Vejam se não é a minha garota parando o trânsito! – Duan disse bem humorado, girando-a de modo que fez a saia da torcida rodar.
Depois que ele fez isso e pregou um selinho na menina, outro silêncio se instalou no campo. Definitivamente, ninguém da Hendrix High School estava entendendo nada.
olhou o amigo abraçando a garota pela cintura cabisbaixo e incomodado, mas não tão incomodado quanto estava com aquele silêncio.
- Quer saber? – ela disse repentinamente, não só chamando a atenção dos dois como de todas as meninas da torcida. – Vou até eles esclarecer as coisas. Sei quem pensam que sou.
- Não, não. – disse Kelly, animada. – Deixe que eles pensem o que quiserem. Foi graças a isso que saímos na frente.
Todos olharam para ela.
- Não preciso de artimanhas ridículas como essa para ganhar o jogo. – retrucou áspero, fazendo-a se calar imediatamente. – E aliás, faço questão de que esse gol seja anulado. – começou a caminhar na direção do árbitro.
- Esse é o meu zão. – Duan se pronunciou sorridente e com ar de orgulho. – Todo cheio dos bons costumes!
Assim que as coisas foram devidamente esclarecidas pelo juiz do jogo, a partida recomeçou, e não levou muito tempo para que deixasse as coisas como estavam antes daquela interrupção fatídica.
estava se sentindo extremamente envergonhada por tudo, ainda mais porque estava sendo perturbada por olhares curiosos da arquibancada oposta, e um olhar nada agradável bem localizado na arquibancada atrás de si. . Teria muitas explicações a dar...
Conseguiu segurar a Sparks e até arriscar alguns passos e notas da torcida, incentivada por , que se divertia com tudo isso. também achava graça, da arquibancada.
Enquanto o jogo acontecia, esperava ansioso pelos diagnósticos da enfermeira, que estava atendendo em uma enfermaria ao lado do campo. Estava sentado em um pequeno corredor, fora da sala onde e a mulher estavam fechadas. Quando a maçaneta foi aberta, o coração do garoto faltou pular pela boca. Levantou-se da cadeira de plástico azul e fitou a mulher rechonchuda de branco com desespero.
- E então? Como ela está? – a voz falhou.
- Ela está bem. – sorriu, depois se lembrou de um detalhe. – Aliás, os dois estão bem.
- Os dois...? – arqueou uma sobrancelha.
Depois de um tempo, quando por fim conseguiu se sentar na cama, tinha acabado de adentrar o ambiente, sentando-se na cadeira branca que estava ao seu lado.
- Por mais que eu deteste admitir... – ela disse em um tom menos grosseiro do que costumava a usar com ele. – Eu te devo um ‘obrigada’. Obrigada, .
- Não há de quê. – pronunciou inexpressivo. Depois de um tempo em silêncio, voltou a se manifestar: - Ela me contou. Você sabe... – pigarreou, receoso de completar a frase. - Sobre o bebê.
arregalou os olhos por um momento, sentindo um arrepio passar por todo o corpo. Virou seus olhos para , que a encarava com o olhar denso. O que pensar disso? Como fazer para negar? Abriu a boca durante alguns segundos, sem conseguir pronunciar nenhum som, depois a fechou e esperou que as lágrimas chegassem aos seus olhos.
- Ele tem três meses, . Três meses! Sabe o que isso significa? – segurou a mão da menina que não estava menos gelada que a sua. estava demonstrando um misto de animação, surpresa e assombro.
- Não sei e não quero saber. – a garota murmurou de olhos fechados, permitindo que gotas gordas rolassem por sua bochecha, com uma expressão de dor.
- Que pena, pois eu quero. – sorriu de uma orelha à outra. – Eu... Eu vou ser pai!
- Não, . Você não vai! – falou alto pra ele. – Você não é o pai dessa criança!
- Então quem é? – ele fechou o sorriso, confuso. Depois uma conclusão lhe veio à cabeça, e a fúria lhe percorreu o corpo. – Ethan?
- Eu não sei. – respondeu quase num gemido. – Deus, eu não sei de nada!
- Você não sabe quem é o... – ficou atônito por alguns segundos. – Entendo... Eu ou o Ethan...
Ela apenas ficou em silêncio. Ele também, tentando processar tudo o que descobrira em apenas dez minutos.
- Vou sair pra esfriar a cabeça. - decretou. – Fique aqui até que a venha te buscar. Acho melhor...
Levantou-se e seguiu pra fora da enfermaria. Quando saiu, caiu no choro, amedrontando-se com toda aquela situação.
Quando se colocou para fora do lugar, o árbitro apitou: era o fim do jogo, os Eagles tinham ganhado por três a um.

Londres; Highgate High School; Quinta-feira; 2:17 da tarde;

saiu da sala com a cabeça lotada.
tinha voltado a ser gentil com a mesma, ou pelo menos, começado a ser. estava indo a escola e mal falava com as pessoas, o humor de também estava completamente alterado.
se perguntou se o rapaz tinha descoberto alguma coisa aquele dia. Mas só podia. Que outros motivos os dois teriam para ficar daquele jeito? E depois dessas reflexões é que vinha Duan. Todos os dias o garoto a acompanhava no almoço e a levava de volta para casa. Ele estava visivelmente feliz, enquanto ela estava insatisfeita, apesar de sempre tentar demonstrar o contrário. Coitado. Ele se preocupava tanto por ela, enquanto estava desinteressada. Sentia-se péssima e suja, como se estivesse fazendo alguma maldade.
Foi pensando nisso que decidiu ir atrás do rapaz no final da aula. Tinha que acabar com aquele sofrimento. Tanto pra ela quanto pra ele.
Quando avistou-o indo a caminho do estacionamento, acelerou seus passos.
- Duan? – chamou.
O loiro virou para trás com um sorriso no rosto.
- !
- Preciso falar com você... – respondeu se aproximando.
- Eu também quero falar com você. – alargou ainda mais o sorriso. – Pode ir a minha casa mais tarde? Fiquei sabendo que é boa em química. Sabe como é, amanhã tem prova e eu estou um lixo na matéria...
travou a própria língua ao ouvir essas palavras. Não podia negar ajuda a ele, e sabia que se terminasse com o garoto ali, não poderia ajudá-lo a superar sua dificuldade. Ele era tão bom com ela... Merecia pelo menos uma força.
- Conte comigo. – deu um sorriso sincero.
- Ótimo! Que tal depois da sua educação física? – sugeriu. – Hoje não tenho treino, é a nossa recompensa pela vitória de ontem. – estava radiante.
- Fechado.
- Então... Agora eu tenho que ir. – segurou o queixo da menina e de leve juntou seus lábios. – Arrumar a casa... Você não imagina a zona que é.
riu baixo enquanto Duan dava as costas e se afastava. Acenou com a mão esquerda quando ele olhou novamente para trás, e ao vê-la fazer isso, ele sorriu ainda mais. odiaria partir o coração dele, mas antes agora do que quando já fosse tarde demais. Decidiu então terminar com ele quando estivesse saindo de sua casa e explicar bem as coisas. Ele não merecia sofrer, não mesmo.
Já estava se dirigindo para encontrar com na garagem de frente da Highgate, quando sentiu alguém esbarrar o ombro no seu.
- Desculpe. – disse automaticamente. Quando encontrou os olhos de suas bochechas avermelharam e ficou totalmente sem graça. – Desculpe, . Foi sem querer mesmo.
Ela ficou um momento em silêncio, analisado o menino. Depois sorriu meiga.
- Tudo bem. Isso não foi nada. – balançou os ombros. – Parece estar com pressa... – observou, vendo a expressão um tanto aflita de .
- Um pouco. – ele respondeu. – Preciso resolver um assunto.
- Não te imagino com muitos assuntos a resolver...
- Acredite, tenho um bocado deles. – deu um meio-sorriso. Depois voltou a ficar sem graça. – Você... Você está indo embora agora? – colocou as mãos nos bolsos.
- Pretendo... Por quê? Precisa de ajuda para resolver seu ‘assunto’? – insinuou, divertida.
- Só se você quiser. – estava cordato, surpreendendo-a com a resposta.
Sério? precisava da sua ajuda pra alguma coisa? Essa, precisava anotar em algum lugar. Não era uma coisa fácil de acontecer. Não mesmo.
Gostava da companhia dele, não podia negar. Sentia-se feliz ao seu lado, mesmo que fosse para ele ficar resmungando, ou apenas para ficar calado. E estava bastante curiosa com o que quer que o garoto fosse fazer. Curiosa o bastante para consentir sem pensar muito.
- Onde vamos? – quis saber.
deu um sorriso frouxo. Deixou que a garota ficasse em expectativa por alguns segundos, depois respondeu:
- No hospital do meu pai. Preciso encontrar um arquivo.
- Okay. – concordou. – Só preciso avisar a para não me esperar. Um minuto. – Certo, ela ia ter que inventar uma mentirinha. Mas tudo bem, até a hora da educação física não tinha nada pra fazer mesmo... não ficaria zangado com algo tão inofensivo. Ou ficaria? Claro que ficaria. Então era melhor que ele nem suspeitasse...
observou fazer a ligação para o primo, o qual avisou que sairia com algumas amigas, quase hipnotizado. Ela era muito diferente de Ivane. Seus gestos eram diferentes, suas caretas, seu jeito de colocar o cabelo para trás da orelha, o sorriso e até mesmo os modos. Ninguém conseguiria ter alguma dúvida de que não era a mesma pessoa. Apenas os que desconhecessem ambas. estava encantado. E sabia que não era pela Ivane em . E sim apenas pela própria , a garota mais teimosa e meiga que já conhecera. Com todas as suas manias estranhas, que iam desde ir contra toda a escola até franzir o nariz ao sorrir. Simplesmente ela. Queria estar com ela. Oh, como queria! Mas não tinha coragem para tomar uma atitude sequer enquanto ela estivesse com seu melhor amigo, seu irmão.
- Pronto. – ela anunciou, acordando-o de seus pensamentos. – Podemos ir.
- Ah, sim. Claro... – concordou, apontando o Audi com o queixo. Eles começaram a seguir naquela direção, ela ia a sua frente. – Mas não vai querer nem saber o motivo pelo qual estamos indo até lá?
Ela parou de andar, esperando que ele a alcançasse detendo-se ao seu lado, e virou seus olhos até se encontrarem com os dele.
- Isso você me conta no carro. – deu de ombros. – Apenas pensei que fosse ser divertido. – sorriu travessa e continuou em seu rumo.
ainda ficou um tempo parado, observando a garota andar mais a frente e analisando de mil formas diferentes aquele sorriso que ela dera. Divertido? Ela pensava que sair com ele seria divertido? Que diversão via nisso? Será que ela falava coisas assim para o Duan?
Focou-se apenas no fato de que ela gostaria de sair com ele. Sorriu e continuou sua andança, seguindo-a até o Audi.
Entrou no carro com o humor renovado, assim como ela.
- Sem Andrea Bocelli hoje, por favor. – ele mesmo suplicou.
o olhou.
- Okay... Mas, por quê?
- Sei lá. Vai me deprimir.
O Audi ficou em silêncio por um instante, enquanto arrancava o carro. Pouco tempo depois, explodiu em risadas.
- Quem é você e o que fez com ?
- Não precisa caçoar, okay? – falou emburrado. – Só quis variar um pouco hoje.
- Ah, certo. Acredite, está dando pra perceber. – continuou a rir. – Mas, vem cá... Pra quê mesmo estamos indo ao seu hospital?
- Do meu pai. – corrigiu-a. – Porque preciso pegar uns documentos.
- Certo... E a minha ajuda entra aonde?
O garoto ficou em silêncio, com a expressão trancada. temeu ter tocado em alguma ferida, ou ter sido rude na pergunta. Talvez ele só quisesse sua companhia... Claro que não. Ele era ! Sentiu-se estúpida por pensar algo assim.
- Eu não gosto de lá. Me dá arrepios. – ele respondeu depois de um tempo.
- Uau, é raro achar alguma coisa que o deixe assim... – comentou, com os olhos no rosto do garoto. – Posso saber o porquê?
- Foi lá onde a minha mãe morreu.
Pequeno silêncio...
- Ah... Desculpe, eu não queria... – engasgou.
- Não, tudo bem. Não tinha como você saber. – sorriu. – Só não queria pisar lá sozinho... novamente.
- Novamente? – pensou um pouco. – O que você quer dizer? Que estava sozinho quando ela...
consentiu, mesmo antes que ela terminasse a frase. Uma sombra triste pairou sobre seus olhos. engoliu em seco, arrependendo-se por ter começado o assunto.
- Meu pai estava numa viagem a negócios. Mas sabe? Está tudo bem, eu já superei. Só não gosto de reviver a cena...
- E nem precisa. – a garota colocou a mão levemente sobre seu ombro, fazendo um carinho.
deixou um sorriso satisfeito se formar no canto da boca. Cara, ele estava sendo acariciado! Ele mal podia acreditar. Há quanto tempo não recebia um carinho? O quê? Desde que a Iv morreu? Devia ser algo por aí... Aliás, era exatamente por aí...
- Você está sorrindo. – ela observou com uma risada baixa.
- Ah, desculpe. – pigarreou, envergonhado. – Falta de costume...
- Falta de costume com um carinho? – deixou o queixo cair, olhando-o assustada.
- É... Bem, acho que ninguém vê muita graça em acarinhar um suspeito de assassinato. – deu um sorriso chateado.
- As pessoas são idiotas.
foi passando a mão devagar pelo ombro de , do seu pescoço até próximo a nuca. Começou a acariciar seus cabelos e sua orelha movimentando seus dedos devagar, exprimindo o máximo de afeto que conseguia. Não que fosse possível demonstrar o que sentia por ele naquele carinho, mas se pudesse confortá-lo, já tinha ganhado o dia. Seu carinho também alcançava a bochecha do rapaz, que se arrepiava a cada toque.
- Está bem assim, ? – perguntou.
- Nunca foi melhor. – ele respondeu automaticamente, depois se espantou com a verdade que havia naquelas palavras. Os carinhos de eram meigos e sem malícia, diferentemente dos de Ivane, que sempre procuravam por algo a mais.
segurou um sorriso ao ouvir suas palavras. Por que se importava tanto com ele? Por que tinha tanto carinho por essa pessoa? Incrível as reações que causava em seu coração, incrível como conseguia acalentá-lo tanto.
Depois de algum tempo, ele já estava estacionando o Audi na garagem de um grande prédio branco, que ocupava boa parte do quarteirão. O hospital.
- Difícil acreditar que alguém pode ser dono disso tudo. – ela falou inclinando o corpo para frente, para enxergar melhor os andares do hospital através do vidro do carro.
- Meu pai é exagerado. Gosta de causar esse impacto de grandiosidade em todos. – tirou o cinto e abriu a porta do carro, contornando-o para abri-la para .
- Diga a ele que teve sucesso. – ainda estava boquiaberta, enquanto se colocava de pé.
Ele a mirou nos olhos.
- ... Por favor, não conte a ninguém sobre nada que vir aqui. Ou sequer que veio aqui. – estava sério.
A garota engoliu em seco, entendendo a gravidade de tudo aquilo. Consentiu pesarosa, apesar de com sinceridade. Não contaria a ninguém se ele não quisesse. Não trairia sua confiança.
Ele fez sinal para que prosseguissem. o acompanhou rapidamente. Passaram pela grande porta de vidro automática dando de cara com uma recepção decorada de azul e branco. Algumas pessoas estavam sentadas nas cadeiras azuis macias, enfermeiras passavam de um lado para o outro e algumas atendentes sorriam para os que chegavam ou pediam informações.
- Senhor ! – uma atendente de aparentes trinta anos disse empolgada ao vê-lo. – Há quanto tempo não vejo o senhor.
- Olá, Janice. – ele respondeu cordial. – Essa aqui é minha amiga, . – nunca a palavra amiga lhe doera tanto. sentiu raiva de si mesmo por ter uma reação assim.
- Oi, Janice. – acenou, simpática.
A atendente deu uma risada, depois a respondeu polidamente:
- Muito prazer, .
- Sabe onde está a Martha, Janice? – o garoto voltou a perguntar.
- Ah! Ela me disse mesmo que estava a sua espera. Vou avisá-la que já chegou. – e dizendo isso, ela pegou o telefone branco da mesa de vidro e começou a discar alguns números. e permaneceram em silêncio. – Martha? Senhor já está aqui. Okay... Certo. – colocou-o novamente na base. – Ela está a caminho. Podem se sentar enquanto esperam.
concordou e conduziu para uma das cadeiras azul turquesa, que a garota deduziu serem mais macias do que aparentavam.
- Como está? – perguntou baixo para ele, assim que também se sentou.
- Um pouco melhor do que eu esperava estar... – deu uma varrida no local com os olhos. podia perceber seu nervosismo. – Deve ser porque as coisas mudaram um pouco desde a última vez.
- Mas está tudo bem agora. – sorriu. – Nada vai acontecer.
virou seus olhos para ela, percebendo-a muito mais próxima do que tinha imaginado. Mas ele não se importou. Aliás, até gostou da sensação de seu rosto colado ao dele, e por isso tratou de aproximá-los mais ainda. tampou a respiração.
- Obrigado por estar aqui. – murmurou, com a testa a poucos centímetros da dela. Quando deixou seus olhos começarem a ficar pesados, ouviu uma voz feminina próxima.
- Senhor ? – a voz perguntou. Assustou-se afastando seu rosto do da menina.
- Martha! – levantou-se às pressas com a falta de jeito.
esperou seu coração voltar ao normal, antes de ficar de pé. O que ele quis dizer com aquilo? O que diabos estava acontecendo ali? Respirou fundo e depois parou para observar a mulher. Era baixa, mais gorda e tinha os cabelos castanhos com alguns fios já brancos. Seria uma típica governanta de casa. Mas era uma enfermeira. É... Também parecia uma enfermeira.
- A garota está aqui. – ela cochichou para ele, mas graças ao fato de estar bem próxima, também ouviu. Ela arqueou as duas sobrancelhas, ficando ainda mais confusa do que já estava.
- Onde eu consigo a ficha dela? – ele perguntou.
Martha estendeu sua mão de dedos grossos na direção do rapaz, que segurou o objeto que tinha dentro rapidamente. Pelo barulho que ouviu, constatou que era uma chave. A mulher virou os olhos claros para ela.
- E essa, devo supor, é sua namorada, senhor ?
ficou um momento em silêncio, olhando dos olhos curiosos de Martha para os olhos embaraçados de .
- Não, Martha. – respondeu, novamente sentindo-se mal. – A não é minha namorada...
A enfermeira os olhou com uma expressão de ‘Sinto muito pela pergunta’, depois novamente se pronunciou:
- Oh, entendo...
- Muito prazer, Martha. – disse meiga, tentando se desviar da sensação que aquilo a tinha causado.
- Terceiro piso. Quarta porta do segundo corredor à direita. Seja discreto ou já sabe as conseqüências... – ela alertou.
consentiu, tomando pelo braço e a guiando em direção a outra porta automática, que dava de frente para um corredor lotado de portas azuis e três elevadores.
- Que garota é essa? – ela perguntou baixo, olhando para ele.
- Sally Andersen. – respondeu sussurrado.
- E o que ela tem?
- Ela é filha... – colocou a boca bem próxima ao ouvido de , para cochichar: - De alguém sobre quem quero algumas respostas.
Ela sentiu um gelo passar pela espinha. Não conseguia imaginar quem era esse alguém, mas com certeza coisa boa não podia ser.
O elevador chegou e os dois caminharam para dentro dele, parando lado a lado em um silêncio desagradável.
- Não estou vindo fazer nada de mau. – o garoto achou que seria bom esclarecer.
- Eu sei. – ela falou tranqüila. – Sempre soube que não era mau.
Ele deu um meio-sorriso, desfazendo-o assim que o elevador deu o toque de que estavam no terceiro piso. As portas se abriram e o rapaz esperou que passasse primeiro, antes de sair olhando para os lados, verificando se não tinha ninguém a vista. Quando voltou seus olhos para a garota, ela já estava seguindo em direção ao segundo corredor à direita. Andou rápido para alcançá-la.
- Hey. Não podemos ser vistos. – falou, chegando ao seu lado, com uma expressão brincalhona. – Não se esqueça que precisa de mim pra entrar.
- Não esqueci. Só estou curiosa.
Eles viraram o segundo corredor, que era tão idêntico a tantos outros: completamente branco com as portas azuis. Andaram devagar até a quarta porta. parecia natural, enquanto estava o mais cauteloso possível.
- Por favor, - virou-se pra ela. – Fique de olho.
Ela consentiu, enquanto ele tirava a chave do bolso e destrancava a porta. Ao girar a maçaneta e empurrá-la, aos poucos foi se revelando um quarto grande, abarrotado de papéis e com uma mesa branca no centro. moveu a cabeça para que entrasse. A menina obedeceu, assim que entrou, se colocou pra dentro em seguida e fechou a porta silenciosamente. Quando estavam finalmente fechados na sala, ele suspirou pesado e virou-se para trancar o aposento.
estava observando as prateleiras atenciosa, quando notou um detalhe e alertou o companheiro:
- Tem duas caixas para a letra S.
Ele virou seus olhos pra ela.
- Eu pego a mais pesada, pode deixar. – respondeu.
Ela entendeu que isso era um pedido de ajuda, e pegou a menor caixa de plástico, lotada de papéis. Colocou-a em cima da mesa e começou a vasculhar, assim como ele fizera com a maior.
Procurar pelo nome de Sally ali, ao contrário do que achavam, não foi nada difícil. Estava tudo minuciosamente separado de acordo com a enfermidade, idade, e ordem alfabética.
é que estava um pouco mais confusa, já que procurava às escuras. Não sabia a idade da garota e nem sua doença. Sabia apenas que se chamava Sally Andersen, então procurou pelas iniciais de seu nome.
verificava as folhas o mais rápido que podia, com o coração próximo a garganta. Aquela era uma sala freqüentemente visitada, e não dava muito tempo para que algum médico ou enfermeiro viesse buscar informações ali... Mas não podiam ser vistos. Não ali. Se ficassem sabendo que ele estava roubando a ficha de um dos pacientes com a chave de Martha, estaria realmente encrencado. Não só ele como e a própria enfermeira, que ia acabar perdendo o emprego, por ser cúmplice.
ia acabar sendo processada, ou algo do tipo, assim como ele, que, além disso, seria deserdado.
Tinha acabado de encontrar a ficha da menina, quando começaram a ouvir um barulho na tranca. soltou o papel imediatamente, virando seu olhar desesperado para , que estava paralisada.
- O que vamos fazer? – ela disse tão baixo que ele fora obrigado a ler seus lábios.
Seus lábios... Era isso, sabia exatamente o que fazer!
Olhou-a em duvida durante uma fração de segundo. Mas essa fração de segundo fora o suficiente para quem-quer-que-seja começar a girar a maçaneta, então tomou uma rápida decisão.
- Desculpe por isso, . – sussurrou, antes de agarrá-la fortemente pela cintura e prensá-la entre a mesa branca e o seu corpo.
Involuntariamente a garota o abraçou pelos ombros, com a expressão de assombro. apertou ainda mais a cintura de contra a sua, levando sua boca até o pescoço dela e ali depositando uma leve mordida. conteve um grito, segurando a nuca do rapaz com uma das mãos e espremendo os olhos. Ele deslizou rapidamente uma das mãos para sua coxa.
- Santa mãe do guarda! – uma voz masculina falou de fora da porta.
Ela nem quis abrir os olhos a princípio, para evitar ver com que aspecto a pessoa a encarava. Mas depois de sentir a boca de se afastar do seu pescoço, abrir os olhos foi inevitável.
- Senhor ? – um jovem médico, de cabelos castanhos e óculos grossos, perguntou boquiaberto, analisando-o novamente.
respondeu em um tom impaciente, pouco tempo depois:
- Porra, Simon. Não poderia interromper numa hora melhor! – utilizava de falso sarcasmo. – Não vê que estou ocupado?
- Vejo! Aliás, vejo muito bem, mas... – ajeitou os óculos no rosto, dando uma olhada em , que estava completamente ruborizada. Ruborizada por estar naquela posição com e ainda pior pelo que o médico deveria estar pensando.
- Mas o quê? Se manda! – o garoto respondeu grosseiramente.
desviou o olhar do médico para o rapaz.
‘Ah. Essa é a idéia genial dele, então?’ Bufou, ainda mais enrubescida pela raiva de estar sem graça.
- Eu só... – o cara parecia confuso. – Preciso pegar um arquivo aqui. Prometo ser rápido.
E ele entrou no aposento realmente como uma bala, procurando o que quer que fosse numa velocidade incrível. Simon deixava seu constrangimento transparecer toda vez que murmurava um ‘sinto muito’, ou ‘me desculpem’.
- Rápido, Simon. – grunhiu. – Você não tem noção do quanto isso é broxante.
- Pronto! Pronto! – o médico disse de uma forma esganiçada pelo nervosismo. – Já achei. – estava recuando de costas para a porta, enquanto movia as mãos em mais pedidos de desculpas. – Pode deixar, eu tranco a porta.
E antes que ele tivesse a oportunidade de fechá-la, disse em tom sério:
- Ah, e avise a quem puder que eu não quero ninguém aqui até que eu diga pra Janice que está desocupado. Fui claro?!
- Claríssimo. – Simon estava visivelmente amedrontado. Fechou a porta levemente e a trancou, finalmente deixando os dois sozinhos.
e suspiraram aliviados.
sentiu o sangue voltar ao rosto, e se conteve para não empurrá-lo. Não que estivesse achando ruim. Muito pelo contrário. Mas era errado. Ela ainda estava com Duan, e por mais que quisesse ficar próxima a daquele jeito, teria que se segurar.
- Ele já foi embora, . Pode me soltar agora. – murmurou mal humorada.
- Ah, claro. – o garoto disse completamente sem graça, descolando seus corpos em um segundo.
- Obrigada, . – falou sarcástica. – Agora serei conhecida aqui como: ‘A depravada do hospital’.
- Talvez. Mas duvido muito que volte aqui. – voltou-se para os arquivos. – Eu mesmo, quero evitar.
sentiu seu coração ainda acelerado. Nunca esteve tão perto de assim... Nem nas duas outras vezes que se abraçaram. Eles estavam tão próximos, tão juntos... Seria capaz de dizer que se encaixavam de uma forma assustadora. O corpo pequeno, macio e morno de parecia tão indefeso em seus braços...
Ele queria ter aquela sensação de novo. Oh se queria. Mas por enquanto tinha que se concentrar em tirar o arquivo de Sally Andersen dali sem ser percebido. Pegou a pasta feita de um papel marrom mais resistente e abriu o terno do uniforme, para colocá-la em seu bolso de dentro.
- Não sabia que a escola proporcionava bolsos internos tão grandes. – falou ainda um pouco ofegante, apontando para onde o rapaz escondia o papel.
- Não proporciona. – ele disse, dando um pequeno sorriso.
- Ah. – compreendeu. – Você acha que a Martha terá problemas por causa da chave?
- Levando em conta o que o Simon viu... Não. Acho que não. Se a culpa de eu estar aqui cair sobre ela, eu posso simplesmente dizer que roubei. Pelo desespero em que nós... – limpou a garganta. – Bem, eu, parecia estar, ele não vai hesitar em concordar com a hipótese. Aí eu livro a Martha da história, e quanto a nós... Bom, não fomos exatamente vistos pegando a ficha de uma paciente. Ou seja, a família dela não pode nos processar. A única pessoa que pode me processar no caso, já que você é inocente, é o próprio dono do hospital. E como meu pai não seria idiota de travar uma batalha contra si mesmo, estou livre.
- Tudo bem. – ela balançou os ombros. – Eu sei que provavelmente você quer ouvir o quanto eu estou impressionada com o fato de você ter pensado em tudo. Mas, eu não vou dizer. Não mesmo. É vergonhoso. – fez careta e ele riu.
- Eu não esperava por nada. Mas é bom saber que eu a impressionei.
Ficaram em mais um silêncio constrangedor, apenas olhando um pro rosto do outro. Ele tinha a face leve e ela deixava claro o seu nervosismo. Ambos ainda estavam ofegantes, com a proximidade e a adrenalina de quase terem sido pegos.
observou escorada na mesa pela cintura, com as bochechas mais coradas e a respiração acelerada. O coração do garoto apertou ao ter a consciência do que queria naquele momento. Ele sabia muito bem o que ele queria. Mesmo que isso significasse trair a confiança de Duan. Mesmo que talvez significasse ir contra a vontade de . Ele sabia que estava em ruínas por dentro, e não agüentaria mais. Ela era a única que fazia as coisas se estabilizarem dentro dele. Era como um doente viciado em um remédio forte pra dor. aliviava a sua dor.
Deu dois passos na direção da menina, ficando a centímetros dela, que o olhava interrogativa. Ele tinha que fazer isso. Se não fizesse, iria acabar enlouquecendo. Mas em compensação, não podia ser rejeitado. Uma rejeição seria a gota d’água... Mais uma, ele queria dizer. Mirou-a por alguns segundos, aproximando seu rosto do dela devagar. Quando estava prestes a deixar as pestanas abaixarem, o rosto do amigo lhe veio à mente. Por mais que quisesse, a amizade de Duan significava muito pra ele. Mas não conseguiria ficar pelo menos sem deixar suas intenções claras. Não acreditava no que estava prestes a dizer, mas ele ia pedi-la para... Para terminar com Duan.
- , eu... – abriu a boca para falar, enquanto ela arqueava uma sobrancelha, desconfiada. – Eu... Eu realmente...
- O quê?
- Eu realmente quero que... – não encontrava palavras para exteriorizar aquilo que seu coração gritava. – Você é... – desviou o olhar do dela, virando seus olhos para parede e curiosamente encontrando o relógio que marcava... - Três e meia?! Já?!
- A educação física! – ela exclamou, exasperada. – , sinto muito, mas não posso chegar atrasada. A senhora Mars disse que come meu fígado se eu perder novamente o início da aula... E, bem... Acho que ela estava falando sério. – mordeu inocentemente o lábio inferior.
O rapaz ficou alguns segundos olhando a face preocupada de , apenas piscando. Depois fez uma coisa que a garota não esperaria ver nem em oitenta anos: riu.
- Você acha que a senhora Mars vai comer seu fígado? – gargalhou.
- Nossa, , deixa de ser insensível. E eu aqui sendo sincera com você... – cruzou os braços e fez bico. Para não encará-lo, virou seu rosto para a caixa de plástico em cima da mesa.
- Não fica emburrada, . – ele segurou o próprio abdômen. – Isso só me faz achar mais graça. – deu outra risada.
- E o que tem de engraçado nisso? – ela perguntou colocando as duas mãos na cintura e voltando a encará-lo.
- O engraçado é que... – o garoto parou de gargalhar, apenas olhando-a, com um sorriso nos lábios. – Você fica extremamente fofa quando faz algo assim. E achar algo fofo é o bastante pra me fazer rir.
observou a face divertida do menino por um momento, deixando clara a sua incredulidade. Depois de ver que ele estava falando sério, apenas corou e abaixou os olhos, com medo de encará-lo.
- Podemos ir agora? – ela murmurou.
- À vontade.
O rapaz abriu a porta cautelosamente, com no seu encalço. Colocou o rosto pra fora e vasculhou o corredor, que estava completamente vazio. Suspirou e virou-se novamente para a menina, encarando-a dos pés a cabeça. Seu plano tinha que sair completamente infalível. Qualquer suspeita que levantassem, faria com que estivessem em sérios problemas.
Ele colocou a mão direita sobre os próprios cabelos e começou a chacoalhá-los, desarrumando-os ainda mais. Quando viu que a garota o olhava interrogativa, ele explicou:
- Se vamos fingir, vamos fingir direito. – sorriu frouxo. – Bagunce um pouco os cabelos. Vai convencer melhor.
Ela o encarou durante alguns segundos, ainda imersa em pensamentos.
- Hm... Acho melhor deixar meus cabelos como estão. Mesmo que realmente tivéssemos feito isso, eu não seria desmazelada a essa ponto. Mas há outra coisa que não depende de mim e que eu posso providenciar... – colocou a mão esquerda na própria boca e começou a esfregá-la, de forma que a mesma ficasse vermelha.
observou-a fazer isso sem emitir nenhum som. Assim que a garota afastou a mão do rosto e ele pode ver o êxito daquela tentativa, sorriu cordialmente e disse:
- Impressionante.
Ela deu um sorriso cúmplice em resposta, mas depois retomou seu aspecto sério.
- Sabe o que realmente será impressionante? – ele arqueou a sobrancelha em sinal de confusão. – Quando você me deixar sair e trancar a porta, .
Ele rolou os olhos, fazendo exatamente o que ela havia pedido. Quando já estavam fora da sala trancada, dirigiram-se ao elevador.
- Espero que encontre o que está procurando. – ela falou baixo, assim que a porta do elevador se fechou e o mesmo começou a se mover para a portaria.
- A probabilidade de eu não encontrar é pouca. – o rapaz respondeu. – Só quero mesmo tirar uma dúvida.
- Por que eu tenho a impressão de que essa dúvida implica em algo grande? – perguntou curiosa, e o que recebeu de resposta foi apenas um sorriso torto.
O elevador se abriu e esperou que saísse para se colocar pra fora. Assim que ela o fez, o rapaz se postou ao seu lado e entrelaçou os dedos nos dela.
virou seu rosto para o garoto involuntariamente com a surpresa. Ele percebeu e se abaixou para sussurrar em seu ouvido.
- Aqui fora seremos um casal. Lembra?
Ela observou as pessoas que os encaravam, inclusive Simon, que estava escorado na mesa de atendimentos. Martha também estava próxima, olhando-os curiosa. sorriu divertidamente e respondeu pra :
- Claro que sim, amor.
Ele riu baixo enquanto começava a se dirigir para a porta de vidro, puxando a menina junto. Passaram pela recepção do hospital à largas passadas e enfim se viram fora do edifício, olhando a rua movimentada.
soltou o ar, percebendo pela primeira vez que enquanto passavam pelos olhares curiosos das enfermeiras e atendentes, ela o havia prendido. Olhou os carros passarem, ainda de mãos dadas com , que se dirigia para o estacionamento. Inalou cheiro de fumaça exalado pelos carros, anestesiada pelo momento de estar unida ao garoto. E foi quando virou o olhar para suas mãos dadas que se lembrou de um detalhe...
- A chave – exclamou. – Você não devolveu a chave.
não parou de andar quando a garota mencionou esse fato. Apenas colocou a mão no bolso esquerdo, certificando-se de que a chave da enfermeira continuava lá.
- Não devolverei agora. – respondeu. – Seria óbvio demais. Prefiro entregar a ela depois.
- E como ela vai ficar sem as chaves?
O rapaz tirou um chaveiro do bolso e abriu o Audi preto, que ainda estava a alguma distância.
- A Martha sabe se virar. – seguiu com até o lado direito do carro, abrindo a porta para a mesma. – É uma mulher surpreendente.
A menina se sentou e esperou até que ele fizesse o mesmo do lado direito, para então comentar:
- Vocês parecem muito próximos... Você e a Martha. – colocou o cinto de segurança, observando-o repetir o movimento e virar seu olhar para ela.
- Parecemos?
- Sim, parecem. – balançou os ombros. – E é verdade?
Ele ficou um momento em silêncio, depois estreitou os olhos, olhando para fora do vidro a sua frente.
- A Martha... – começou. – Bem, eu devo minha vida a ela. – ficou ainda mais interessada, depois dessa frase do rapaz. – Ela e a minha mãe engravidaram na mesma época, e conseqüentemente, entraram em trabalho de parto na mesma semana. Tiveram a infeliz coincidência de que seus filhos nasceram magros demais e doentes... – ele respirou fundo, antes de prosseguir. – A filha da Martha morreu na noite mesmo de seu nascimento, dois dias antes de eu vir ao mundo. Quando isso aconteceu e os médicos viram que eu tinha pouca chance de sobreviver se não fosse bem amamentado, as esperanças da minha mãe estavam praticamente acabadas. O organismo dela já estava afetado pelo câncer que a matou, seis anos depois, e ela não conseguia produzir leite o suficiente para me manter vivo. Foi então que a Martha se ofereceu...
- A Martha foi sua ‘ama de leite’?
- Foi. – balançou a cabeça afirmativamente. - Graças a ela eu estou aqui. Apesar de às vezes preferir que ela não tivesse se oferecido, não consigo não me sentir grato.
Finalmente deu ré no carro e manobrou até sair do estacionamento. Durante um bom tempo, os únicos sons audíveis vinham da rua ou do motor.
- Também me sinto grata a ela. – disse simplesmente. Ele a mirou de soslaio. – Que bom que está aqui.
deu uma risada em deboche e respondeu:
- Você é muito ingênua, . – perdeu a expressão sarcástica, sendo tomado novamente pelo tom sério. – Gosto de você assim. Nunca mude.
- Não vou.
- Tenho medo de estar corrompendo sua pureza com esse véu triste que paira sobre mim.
deu um sorriso torto e abriu a boca para retrucar.
- Não está. – ele fez careta ao ouvir isso, como se duvidasse. – Bem, só quando você resolve tocar “Lucy” com os The Lumps. É deprimente.
deu risada.
- Mas o que eu posso fazer?
- Não vá dizer que é o seu estado de espírito... , isso é horrível! Essa música me faz quase chorar apenas por ouvi-la.
O garoto tomou ar pra responder:
- Mas... – ficou um tempo apenas ponderando uma resposta. – É o meu estado de espírito.
- Não. – ela falou decidida. – Você tem que superar isso, sério. você só tem dezoito anos! Tem uma vida inteira pela frente. Não é possível que vá ficar todos os anos se remoendo por causa disso!
A expressão dele voltou a se trancar em uma carranca sombria.
- Não pretendo que sejam muitos, obrigado.
pensou em retrucar com uma resposta rude, mas achou melhor ficar alguns instantes em silêncio. Ele queria perder a vida, não é? Por que insistia em algo assim? Por que não superava Ivane logo de uma vez? Afinal, ela estava morta. Morta! E , que estava viva ao seu lado? Não contava?
Os olhos da menina começaram a esquentar ao ter esses pensamentos. Sentia o coração apertar toda vez que pensava não ser motivo o suficiente para que quisesse permanecer respirando. Pra que ele quisesse continuar vivo ao seu lado.
O garoto estacionou o Audi na frente do colégio, dando uma olhada no prédio principal antes de se dirigir novamente a ela.
- Eu não tenho treino hoje. Então é aqui que nos despedimos...
Antes que ele pudesse falar qualquer outra coisa, observou a menina tirar o cinto e abrir a porta em um movimento brusco, deixando pra trás somente algo... Uma lágrima.
bateu a porta e seguiu seu rumo até o ginásio.
ficou atônito no banco do carona. Ela havia derramado uma lágrima? Estava chorando? No que ela estaria pensando? Será que ficou chateada com o fato dele querer viver pouco? Seja lá o que fosse, ninguém nunca havia chorado por ele por esse motivo...

Londres; Highgate High School; Quinta-feira; 5:05 da tarde;

tinha acabado de entrar num táxi para se dirigir a casa do goleiro. Lembrou-se de ele já tê-la passado o endereço quando estavam na festa de Bennet. Era em uma rua próxima a Dockland.
Deu as instruções para o motorista, que começou a seguir o trajeto. Enquanto escorava sua cabeça no vidro do banco traseiro, suspirou, deixando a mente vagar novamente para a conversa que tivera com no Audi. Mas não queria se aborrecer com isso novamente. Não queria mais derramar nenhuma lágrima, ou sentir seu coração se contorcer por esse mesmo motivo. Apenas se ajeitou no assento e tentou pensar em outros momentos do dia, e aí, lembrar da hora em que estavam abraçados dentro daquela sala era inevitável. se odiou por sentir o corpo estremecer, apenas pela lembrança do toque do rapaz. Mas o que podia fazer? Ela sabia que era inútil tentar controlar o que sentia. Ela sabia que era inútil tentar desviar esses sentimentos para o loiro. Duan... Bem, agora partir o bom coração dele era iminente. Ou ela fazia isso ou continuaria a se sentir péssima. Péssima por estar o enganando dessa forma. De quem ela queria esconder que nutria fortes sentimentos por alguém, que definitivamente, não era ele? A cada dia ficava mais explicito em seu rosto a quem ela tinha uma inclinação. Não queria que Duan descobrisse enquanto ainda estivessem juntos. Seria pior...
O taxista parou o carro na frente de um grande edifício branco.
- Segundo o que a senhorita me passou, o endereço é esse aí. – ele disse.
pagou o motorista sentindo uma ansiedade crescente em seu peito. Começou a repassar em sua mente todas as palavras que usaria para terminar aquele relacionamento com o goleiro sem machucá-lo. Caminhou até a entrada do edifício, pensando também sobre o que poderia dizer sobre química, para que o garoto entendesse.
O porteiro a recebeu com um sorriso, e falou, como se já a esperasse:
- Você deve estar indo ao apartamento do senhor Adams. – consentiu, passando os olhos pelo saguão branco e caprichosamente decorado. – É na cobertura. Décimo terceiro andar.
- Obrigada. – deu um meio sorriso e se dirigiu ao elevador.
Todos os apartamentos eram largos e tinham grandes vidraças que ficavam azuis a luz do sol. Duan era realmente um garoto afortunado, pelo que observara. Mas quem da Highgate não era? Era uma das escolas particulares mais caras de toda a Inglaterra. Só estava lá porque conseguira uma bolsa.
Quando o elevador finalmente parou, o loiro já estava escorado na única porta do andar, que levava a uma grande sala. Ele sorria para a menina. Vestia uma blusa branca e uma calça verde xadrez.
- Oi. – disse dando um passo pra fora do elevador e sorrindo pra ele. Quando ela mirava o menino nos olhos, ficava ainda mais difícil fazer o que ela faria. Mas era necessário.
- Pensei que não viesse mais. – ele falou galanteador, andando pelo corredor revestido de carpete bege e parando em frente à garota.
- Não seja bobo, Duan. – ela riu baixo. – Esse foi o mais rápido que pude chegar aqui e você sabe.
Ele colocou uma mexa de cabelos de para trás da orelha, fitando-a com seu olhar tipicamente maravilhado.
- Bem vinda a minha casa. – o rapaz sorriu levemente, colocando seus lábios delicadamente sobre os dela.
fechou os olhos involuntariamente, mas antes que ele levasse as mãos a sua cintura, ela afastou o próprio rosto.
- Hey, calma. Não vamos esquecer o estudo, ‘ta bem? – disse divertida, explicando sua ação quando ele fez cara de desentendido.
Ele fez sinal para que ela adentrasse a sala, e assim ela fez, apesar de estar um pouco sem graça. Enquanto Duan também entrava e trancava a porta, varreu o ambiente com os olhos, ficando deslumbrada com a decoração cara e ao mesmo tempo leve do apartamento. A sala era imensa, com três sofás marrons e uma televisão enorme de tela plana. Ao fundo, uma mesa de madeira no estilo vitoriano, com seis cadeiras a sua volta. No canto direito da sala, havia uma escada larga, para um segundo andar.
Antes que tivesse tempo para elogiar o local ou falar qualquer coisa, sentiu os braços de Duan agarrarem a sua cintura de forma firme, levando-a quase carregada para um dos sofás. Ela deu um pequeno grito com a surpresa. Sem que pudesse ter qualquer outra reação, sentiu o garoto vira-la para si e cair deitado por cima dela. Quando ele começou a distribuir beijos em seu pescoço e colo, foi quando a garota enfim tomou fôlego para se manifestar:
- O que você está fazendo? – empurrou o rosto do rapaz, segurando-o até que ficasse na altura do seu, para que olhasse em seus olhos. – Deveríamos estar estudando!
Duan sorriu maliciosamente ao ver a reação da menina, descendo uma das mãos para sua coxa descoberta pela saia do uniforme e dando um beijo molhado em seu pescoço.
- Duan! – ela protestou.
- Mas eu estou estudando, . – desceu ainda mais sua mão, apertando os locais por onde passava. – Anatomia humana.
- É sério – ela respondeu aflita, segurando a mão do garoto antes que ela descesse ainda mais. - Não estou aqui pra isso. Vim pra te ajudar com química, apenas. – ‘e terminar com você’ mas isso ela não falou.
- Qual é. – ele bufou, mesmo sem recuar. – Não se faça de boba. Todo mundo sabe que a prova da minha turma é só semana que vem.
- Eu não sabia! – ela se alterou, empurrando-o para seu lado direito e se desvencilhando de baixo do menino. – Eu não sabia, Duan. Não fazia idéia dos seus propósitos ao me chamar aqui.
- Não acredito que pensou que eu fosse chamá-la aqui só pra estudar... – fez careta com uma das sobrancelhas mais baixas e os lábios arqueados, como se suas intenções fossem óbvias.
Foi então que percebeu que aquilo seria mais simples do que ela imaginava. Fez sua melhor expressão de ressentida e respondeu, com ênfase:
- Se você está pronto para esse tipo de relacionamento, sinto muito, mas eu não estou. – falou convicta. – Não quero esse tipo de relação agora, e acho que estou te prejudicando. – tomou ar para falar, assim que o rapaz levantou a cabeça para olhá-la nos olhos, ao se dar conta dos rumos da conversa. - Duan, acho melhor a gente parar por aqui.
- Parar por aqui... O quê, exatamente? – fez uma expressão confusa. E , apesar de esbaforida, sentiu uma pontada no coração.
- Eu quis dizer: nós. Acho melhor nós dois pararmos por aqui. – esclareceu.
O garoto ficou alguns segundos com a expressão indecifrável, apenas mirando o vazio atrás de , depois pegou fôlego e murmurou apenas um:
- Ah.
Outro silêncio se instalou no local, enquanto abraçava as mãos na frente do corpo, tentando pensar em algo para dizer. Mas não foi necessário. O próprio Duan o fez.
- Entendo. – o rapaz se levantou do sofá, vagando inexpressivamente até a porta da sala. – Pode ir, se quiser... Eu entendo perfeitamente bem.
Ela caminhou até onde o garoto estava, parando a sua frente.
- Você é um bom rapaz, Duan. – sorriu. – Sei que vai encontrar alguém que o mereça.
Ele teria sorrido frouxamente, se antes disso não tivesse sentido os lábios de contra os seus, em um selinho rápido.
- Esse é o meu prêmio de consolação? – perguntou baixo, olhando-a nos olhos.
- Não é um prêmio. – a menina explicou, passando a mão levemente em seu rosto. – Fiz isso porque gosto muito de você... – alguma esperança estava prestes a surgir no olhar de Duan quando ela completou. - Mas não do jeito que deveria.
- Sei... – disse ele, com sinceridade no tom de voz. – Mas aqui. – colocou a mão no bolso e a estendeu pra ela. – O dinheiro do táxi. É o mínimo que posso fazer por ter tomado seu tempo...
- Eu não posso aceitar isso. E você não tomou meu tempo.
- Aceite, . – falou baixo. – Por favor. Me sentirei até ofendido se você não aceitar.
olhou a mão dele em duvida, durante alguns segundos, mas depois aceitou a gentileza, não se esquecendo de agradecer. Voltou para casa com o coração na mão, não conseguindo tirar da cabeça nem por um segundo, durante o trajeto, os olhos tristes do goleiro. Mas sabia que, no fim das contas, o havia feito um benefício.

Londres; Dockland; Quinta-feira; 4:37 da tarde;

se sentou na cama de casal bastante inquieto. Tirou o paletó preto da escola e enfiou a mão no bolso interno que ele mesmo mandara fazer. Quando viu o envelope com os dados de Sally Andersen, percebeu que seus dedos tremiam. Só não tremiam mais do que o dia em que recebera o outro envelope das mãos do detetive Daves, contendo as fotos da polícia sobre o assassinato de Ivane. Fechou os olhos tentando não se lembrar do corpo ensangüentado da garota caído ao chão do banheiro, já sem expressão no olhar.
Rapidamente tirou os papéis de dentro daquela pasta, folheando-os até achar o que queria: em nome de quem as consultas eram pagas. Desceu os olhos durante todo o contrato até parar no nome do remetente do dinheiro. Deu uma risada sem humor ao concluir o que já sabia, e bufou:
- Papai...
As suspeitas do detetive Daves estavam corretas, no fim das contas. O jardineiro não era o culpado. E se o jardineiro não era o assassino, o responsável estava à solta...


Capítulo 17-

Londres; Dockland; Quinta-feira; 4:41 da tarde;

caiu de costas na cama, encarando o teto mesmo que não o enxergasse. Claro que não o enxergava. Sua mente estava longe demais.
Lembrou-se do ano anterior. Lembrou-se de estranhar o fato do jardineiro ser acusado, ainda mais de ele mesmo assumir a culpa. O jardineiro sempre fora gentil com ele e Ivane. Que sentido tinha ele ter matado a garota?
Nenhum. Oh, Deus. Nenhum! E isso nunca esteve tão claro para o rapaz. Ele teria sido preso no lugar do Sr. Andrews se o mesmo não tivesse assumido a culpa. Claro. E também é claro que seu pai não ficaria nada satisfeito em pagar fiança ou ter seu sobrenome sujo. Imagina, o filho do grande dono das empresas preso por assassinar a namorada. Se não tinha imaginado isso até o momento, bom, seu pai tinha. Não só tinha imaginado como armou tudo para que essa situação desagradável não viesse realmente a acontecer. Ele sabia muito bem que a filha do jardineiro estava com problemas cardíacos, e que Andrews devia ser um pai muito dedicado. Sabia muito bem disso. Por isso fez um acordo com o homem. Esse assumiria a culpa enquanto senhor seria o responsável financeiro por todos os tratamentos da garota. Que por sinal, eram bastante caros e era improvável que um mero jardineiro pudesse pagá-los. Esse era o ponto em que o detetive Daves queria chegar. E o avisaria de que ele estava absolutamente correto.
E se ele mesmo não era o assassino de Ivane e o jardineiro também não, então era óbvio que o verdadeiro culpado continuava a solta. sentiu uma cólera doentia se formar em sua garganta e a exteriorizou com um rugido. Um rugido de dor e ódio. Dor e ódio que ninguém mais saberia dizer a intensidade. Qual era a probabilidade de duas pessoas próximas a ele terem sido assassinadas por pessoas diferentes? Qual? O rapaz julgou que mínima, quase nula. Mas quem teria algum motivo para assassinar Ivane e a senhora Paskin? Teria até pensando na possibilidade de ser um aluno revoltado. Mas, caso fosse, ele teria ido primeiro atrás do senhor Johnson, não da Paskin. Não fazia sentido. O que ela e Ivane tinham em comum? Nada. Apenas o fato de que eram as mulheres daquela escola mais chegadas a . Mas quem o odiaria tanto assim para tirá-las dele? Quem?
Seja lá quem fosse, os assassinatos giravam em torno de si mesmo. E seja lá quem fosse, não gostava de quem quer que fosse próximo a . Ou a Ivane. Ou que soubesse alguma coisa sobre o assassinato. Talvez fosse isso. Talvez a pobre senhora Paskin tenha descoberto alguma coisa. Mas o quê? E quem seria a próxima vitima?
Os pensamentos de se voltaram imediata e involuntariamente para um único rosto. O único rosto feminino pelo qual ainda nutria algum tipo de sentimento. .
Ela estava em perigo.

Londres; Highgate High School; Sexta-feira; 7:30 da manhã;

Ele estava lá desde sete horas. Desde as sete estava parado no estacionamento da escola, escorado ao seu Audi preto, apenas observando as pessoas que passavam, e, se seu esforço fosse compensado com um pouco de sorte, ver chegar ao colégio. Ele precisava vê-la, vigiá-la, protegê-la. Era mais do que uma simples culpa pela morte de duas mulheres, muito mais. Era um instinto protetor o qual ele tinha se afogado, e esse instinto girava em torno dela. Era a única pessoa a qual não queria ver ferida. E por isso ficaria na escola, atento, com olhos de lince analisando a todos que pudessem ter por uma fração de segundo, a intenção de feri-la. Não permitiria que alguém fizesse mal a . Porque, se isso acontecesse, sabia que não teria mais razões para lutar.
Quando o Civic prateado de estacionou em sua vaga habitual, endireitou suas costas no carro pouco antes de seguir o mais tranquilamente possível pra perto de onde estaria. A garota saiu do carro lhe lançando um olhar frágil, que foi rapidamente desviado pelo seu primo, que lhe dirigia a palavra. viu e seguirem juntos para a entrada da Highgate, e não demorou, nem se incomodou, de seguir atrás dos dois como uma sombra, olhando sorrateiramente para e todos que a encaravam.
- Só eu que não estou gostando desse cara andando atrás da gente? – sussurrou para a prima.
olhou por cima dos ombros, deixando que seu olhar se encontrasse com o de . Depois voltou sua cabeça para frente e olhou o primo de soslaio, rindo baixo ao ver a expressão carrancuda do menino.
- Não é como se ele estivesse nos perseguindo, . Ele está andando. E atrás da gente... Mas não necessariamente ‘andando atrás da gente’.
- De qualquer forma, eu não gosto. Me processe. – murmurou, de modo a fazer a prima gargalhar.
Continuaram andando pelos corredores do colégio com o rapaz em seu encalço, quando, finalmente, tiveram que se separar ao passar em frente à sala de .
Quando imitou o gesto do primo ao parar de andar para se despedir, deteve seus passos imediatamente, fazendo com que erguesse uma sobrancelha, em desconfiança.
- Isso está ficando mais estranho do que já estava. – sussurrou à prima, para que , mesmo a alguns passos a distância, não pudesse ouvir.
- , está tudo bem. Deixa de ser paranóico. – ela respondeu sem a mesma discrição.
- Te vejo na hora do almoço, baixinha. – disse antes de beijar o topo de sua testa e analisar dos pés a cabeça, para depois entrar na sala.
Esse, por sua vez, mantinha o olhar fixo nos , sem medo de esconder sua intenção.
ficou parada alguns segundos, apenas olhando pra e se perguntando o que o levava a segui-la. Mas não podia dizer ao certo que ele estava a seguindo, apesar de todas as evidências indicarem que sim. Tinha medo de fazer papel de tola ao pergunta-lhe a razão, então resolveu permanecer calada e seguir seu caminho até a turma B. Como imaginava, foi seguida pelo rapaz durante todo momento, até que entrasse na sala. Até então, nada a havia surpreendido. Nada a havia surpreendido até que ele pegasse o material escolar e colocasse do seu lado.
‘Okay, tem algo errado.’ Ela pensou ao se ajeitar na cadeira e olhar a figura inflexível do garoto, que passava os olhos em todos como se procurasse minuciosamente alguma coisa.
Mas antes que tivesse a oportunidade de deixar uma indagação sair por sua boca, a senhora Mabel, a nova professora de literatura, entrou pela porta pedindo silêncio. se calou imediatamente, perguntando-se se o verdadeiro motivo para isso foi respeito à professora ou receio de dirigir alguma palavra a .
Quase se esquecera de que estava chateada com ele. Quase. No dia anterior ele tinha provado a ela com palavras que ela não era motivo suficiente para que ele quisesse continuar vivo. Ele provou que não a amava o bastante. Amar? ‘Certo,’ entrou em um consenso consigo mesma ‘eu estou ficando louca’.
Pensou em opções que a dessem alguma pista de que aquele garoto nutria amor por ela. Nada de demonstrações de afeto, nada de carinhos e nem palavras agradáveis. Nada. Por que, diabos, algo assim passaria por sua cabeça? E quem falou em amor? Amor, amor, amor.
‘Que vá para o inferno esse tal de amor.’ Pensou.
Mas foi no meio da aula da senhora Mabel, enquanto tentava ignorar os olhares curiosos de do outro lado da sala, que concluiu que aquilo estava estranho demais até mesmo para os padrões de . Resolveu relevar o fato de que tinha magoas com relação a ele para lhe dirigir a palavra de forma incisiva.
- Por que se sentou ao meu lado?
Ele apenas desviou o olhar da senhora rechonchuda para lhe dirigir uma resposta, e a fez da forma mais cordata possível:
- Não posso?
Virou-se novamente para frente, enquanto sentia uma irritação repentina começar em seu peito.
- Poder, pode. – retrucou. – Mas acontece que você não senta. Quer dizer, você nunca senta do meu lado. Você senta nos fundos. Ao lado do Barry. E sei que faz isso porque ele é o único na sala que não pronuncia uma sílaba. riu baixo, mesmo que ainda olhando para frente e coçou levemente a cabeça.
- Variar faz bem.
Depois que o garoto disse isso, se sentiu intimidada em continuar uma conversa. Sabia que naquele momento não conseguiria extrair dele a resposta que queria, por mais que tentasse. Mas, talvez, ele pudesse estar dizendo a verdade. Talvez apenas quisesse sentar ao seu lado.
Claro que não. Nada com era tão simples assim. Nada. E os meses que ela passou na Highgate serviram para que ela visse isso. Provavelmente ele pararia de persegui-la. Provavelmente era apenas a sua forma de perturbá-la... E estava conseguindo. Oh sim, se ele queria perturbá-la estava tendo êxito.
Mas resolveu deixar esses pensamentos pra lá durante todas as aulas antes do intervalo. Resolveu pensar em coisas mais leves como o primo e os amigos, ou talvez coisas nem tão leves assim quando sua mente vagava pelo assassinato da senhora Paskin ou pela gravidez de . Ao chegar a hora do recreio, no entanto, teve suas expectativas desapontadas. Viu ir além do corredor onde ele sempre parecera preso no intervalo. Ele a seguiu e a conduziu com os olhos até o refeitório. Isso fez ficar desconsertado na fila da cantina, extremamente desconsertado, e fez questão de observar isso:
- Dude, há marimbondos na sua calça ou coisa assim?
não censurou o amigo, como normalmente teria feito. Olhou seriamente nos olhos de depois virou seu olhar para o garoto que observava se sentar a mesa em que costumavam ficar e o apontou com as sobrancelhas. acompanhou o gesto do amigo, mas contrariamente a ele, abriu um sorriso de uma orelha à outra e começou a acenar de maneira esbaforida e com movimentos amplos, chamando a atenção de todos ao seu redor.
- Hey, , aqui!
Gritou, abanando os dois braços e por fim chamando a atenção de , que lhe lançou um sorriso desanimado e seguiu em sua direção. Ao momento em que o menino deu um passo para dentro do piso branco do refeitório, todos os olhares que não estavam voltados naquela cena de repente foram atiçados a participar. Inclusive o de .
entrando no refeitório depois de mais de um ano? Ah, sim, essa era novidade. E com certeza teria uma nota sobre isso no jornal do colégio.
Ele caminhou até a fila do lanche, onde o olhava entusiasmado. Arregaçou a manga esquerda da camisa social, ainda infundindo os olhos nos de , com uma rápida olhada para o lado.
assistia aquela imagem com desgosto. Sentia até a pele coçar de antipatia toda vez que dava um passo para perto deles. Sua irritação chegou ao ponto de grunhir algo para , por entre os dentes.
- Você está do meu lado ou do dele?
olhou o amigo durante um momento, depois desviou seu olhar para que já estava quase a sua frente.
- Do meu. – balançou despreocupadamente os ombros, indo em direção a ele. – E aí, mate?! Há quanto tempo não o vejo por aqui.
sorriu sem graça.
- É. Já faz algum tempo...
- E a propósito, sua volta é motivo de comemoração. – bateu levemente em seu ombro. – Faço questão de que se sente à nossa mesa.
olhou em volta enquanto pensava sobre a proposta. Ignorou todos os olhares voltados em sua direção, apenas deixando que sua mente trabalhasse.
era amigo de . E se sentava com a prima na hora do almoço. Logo, também.
‘Que oportuno’ pensou, antes de sorrir sombriamente.
- Será uma honra. – respondeu.
alargou seu sorriso, segurando pelo braço.
- Vem, vamos pegar uma bandeja pra você.
Seria eufemismo dizer que todos da escola ficaram apenas atônitos. Muitos deles perderam até a vontade de comer, depois disso. , por outro lado, não parecia nada pasmo, e sim absurdamente furioso. Seu queixo estava projetado para frente, seus lábios formavam um grande bico e seu cenho estava tão franzido a ponto de unir suas sobrancelhas.
Como se atrevia a convidar aquele cara para sentar com eles? ‘Oh, é demais pra minha cabeça’ pensou. Mas sabia que não gostaria de sair da mesa. Sabia que a prima insistiria e permaneceria lá com aquela aberração, e o melhor que poderia fazer era se manter ao seu lado, impedindo que ela fosse ferida ou se envolvesse demais.
Viu a cozinheira colocar o purê de batatas em seu prato agora já completamente inexpressivo, apesar de que por dentro, estava se moendo. Caminhou até a mesa onde matinha os olhos bem abertos, olhando curiosamente a fila da cantina e se sentou ao seu lado esquerdo, apoiando o rosto na mão e a olhando.
- Nem pense em fazer algum comentário sobre isso.
- Sobre isso o que? – ela perguntou alienada, quebrando um pedaço de biscoito com os dentes e mastigando-o. – Suas narinas estão infladas. Ops, mal sinal. – sorriu.
- chamou aquela... besta... pra vir almoçar com a gente.
- Aquela besta? – arqueou uma sobrancelha, dando outra mordida no biscoito. – Bem, pra você estar assim a tal besta só pode ser o... Espera. O
chamou o pra almoçar com a gente?
- Sim. – grunhiu. – E ele aceitou.
- Sério?
Realmente, algo estava assustadoramente errado ali. não a perseguia para dentro da escola, não a acompanhava até a sala de aula, não se sentava ao seu lado e nem freqüentava o refeitório. Já não o bastasse ter feito isso tudo, ele resolveu fazer de uma vez só. Mas o que, diabos, poderia estar acontecendo?
deixou a mente vagar até o dia anterior. Lembrou-se do envelope que o tinha ajudado a tirar da pequena sala do hospital. Será que tinha a ver com isso? O que aquele envelope poderia ter de tão importante que o tenha feito segui-la como se fosse um cachorrinho? Um cachorrinho? Não. Não parecia indefeso como um cachorrinho. E sim incisivo como um caçador.
- ‘Ta, só preciso que você fale alguma coisa. – remexeu os cabelos, depois voltou a olhá-la. – No que está pensando?
olhou-o.
- Que será bom pra nós. E quando eu digo “nós” eu incluo ele e você.
O garoto voltou a ficar carrancudo.
- “Você e ele”, . Nessa ordem.
- Não importa em qual ordem seja. Dá na mesma. Vocês dois. Será bom pra ele perder esse medo de pessoas e pra você perder esse seu preconceito estúpido. – ela elevou o timbre de voz, uma vez que já estava irritada o bastante para falar besteiras.
O que não esperava era que, se estava bastante irritada, o primo estava provavelmente três vezes mais, e não pensou muito ao murmurar:
- Vá se fuder.
E isso foi o bastante para que a irritação que ela sentia saísse por entre seus dentes em forma de rosnado, deixando escapar a frase:
- Só se o for comigo.
Ela sabia que isso seria a gota d’água para . E estava certa. Ele se levantou sem pensar duas vezes e se dirigiu para outra mesa. Como o menino sabia que não seria bem recebido na mesa das líderes de torcida e dos playboys, escolheu a dos nerds. Menos fúteis e mais receptivos.
- Wow. O que aconteceu por aqui? – perguntou, alternando o olhar da aborrecida, que encarava a mesa, para
, não menos carrancudo e conversando com um garoto com um chapéu azul de mago na cabeça.
- Ele pirou. – respondeu, finalmente levantando os olhos e dando de cara com atrás de , fitando-a interessado. – E você também.
- Eu...
Antes que completasse a frase, tomou o lado direito de no banco, aproximando-se repentinamente dela até encostar o ombro no seu e encará-la nos olhos.
- Por que ele teria pirado? – provocou. – Não me quer aqui?
deixou que seus olhos ficassem entreabertos como fendas, apenas olhando o rapaz.
- A verdade é que não. Não quero. – disse ela. – Não até você me contar o que, diabos, está fazendo.
abriu o pão que estava em seu prato tranquilamente, passando manteiga. E sem ao menos olhá-la, respondeu:
- Sentando ao seu lado. O que parece que eu estou fazendo?
sentiu a irritação voltar como se fosse um choque.
- Parece que você está...
- Hey. – interrompeu, antes que ela continuasse sua resposta rude. – Eu estou completamente por fora do assunto de vocês. Podemos falar sobre algo que eu saiba?
- Como o que, ? – sorriu, chegando a mesa com a namorada. – Os lances do último jogo dos Eagles?
- Na verdade, não sei nada sobre isso. – deu de ombros.
‘Ah, sim, claro!’ teve um flashback espontâneo, lembrando-se que o menino tivera que ficar com na enfermaria, durante o jogo. Ela havia desmaiado e ele era seu acompanhante. É mais do que lógico que a enfermeira desse notícias dela a ele. Notícias dela e do bebê.
Isso explicava o fato dos dois estarem mais introvertidos durante esses dois dias. Não que fosse tempo o bastante para notar alterações em uma pessoa normal, mas os dois estavam realmente muito magoados, e isso qualquer um que os observasse era capaz de ver de longe.
- Como assim não sabe nada? – também se sentou. – Onde esteve?
estava prestando bastante atenção em no momento para perceber que ele vacilou. Sim, ela notara que ele tinha vacilado, e seria possível que contaria a razão?
- Sabe como é... – espreguiçou, tentando passar impressão de que estava relaxado. – Uma bebida aqui e outra ali no Mark’s e minha consciência já era. olhou de para com um ar curioso. E era um ar interessado de quem não tinha absorvido aquela desculpa do garoto, e sabia que tinha conhecimento do motivo.
- Já bebendo quarta-feira à noite? – arqueou as sobrancelhas. – Dude, você é um porco.
- É a vida. – deu uma golada em seu suco, olhando interrogativo para , como se ele se perguntasse o quanto daquilo tudo ela sabia.
E ela sabia muita coisa. Mas não diria nada a ele.
- Mas, sabe? – falou descontraída. – Você deu sorte, . Não há ninguém que possa lhe contar melhor sobre os lances do jogo do que o . – olhou-o.
educadamente retribuiu o olhar de e virou-o para .
- Tudo bem, o que quer saber? – sorriu.
pôde jurar que viu os olhos de brilhar. Claro que todos que estavam ali estranhavam o fato de estar sentado com eles. Era mais do que óbvio que a volta ao refeitório de um rapaz que não entrava lá havia mais de um ano causaria estardalhaço. Mas não queria perguntar o porquê, em respeito e por achar que aquilo poderia causar alguma dor a . não perguntaria, porque, por mais que no fundo não acreditasse que ele era um assassino, ainda era um suspeito. E , bom, estava achando ótimo o garoto estar ali e realmente não estava interessado no motivo.
Todos tiveram uma conversa bastante agradável durante o almoço. tinha muitas dúvidas sobre o jogo e as estratégias da Highgate, as quais fez questão de fazer desaparecer. contou um pouco sobre seu trabalho na empresa do pai, e comentou sobre a nova professora.
Todos deram palpite em todos os assuntos. De menos , que dava o melhor de si para permanecer calada, apenas observando. Não se sentia à vontade para conversar, no momento. Queria apenas pensar. Pensar no que poderia ter dito a , como o amigo se sentia e no motivo pelo qual não largava do seu pé. Bem, ele maior parte do tempo estava dirigindo a palavra a ela, mesmo que ela não quisesse responder. Queria que ela participasse da conversa, mas por outro lado, sentia que ela não estava confortável. De outra mesa, o loiro observava tudo com a chateação a flor da pele. Apesar de desejar a felicidade de seu amigo, era difícil ignorar seus sentimentos por . Ele gostava da menina, mas teria que parar com isso se quisesse continuar bem com . E ele queria. Com todo seu coração, ele queria estar bem com o melhor amigo.

Londres; Highgate High School; Sexta-feira; 4:34 da tarde;

acelerou os passos ao passar pelo campo de futebol depois de sair do ginásio para ir ao bebedouro. Não queria ser vista por dois jogadores em particular. Um porque ela sabia que tinha ferido seus sentimentos, e o outro porque desde o início das aulas a estava seguindo como uma sombra. Passou praticamente correndo e sem olhar para o lado, como se isso adiantasse para que ela não fosse vista. Virou à esquerda no final do edifício e se deparou com o local onde ficava o bebedouro vazio.
suspirou e se dirigiu até lá, apertando o botão da máquina e levando sua boca até a água. Enquanto se refrescava, ela fechou os olhos. Ninguém fora preso pelo assassinato da senhora Paskin. O colégio não conseguiu chegar ao culpado. As câmeras de segurança tinham sido sabotadas, e nenhum aluno parecia capaz de tal barbaridade. A polícia também não conseguiu ligar os fatos.
Por que um aluno faria isso? O que ele ganharia atirando na professora? Seja como fosse, esse assassinato só serviu para relembrar a todos de um outro acontecido há cerca de um ano. Teriam eles alguma ligação?
O barulho de passos sobre o concreto ao seu lado fez com que abrisse os olhos. Separou a boca do bebedouro e ergueu a cabeça, percorrendo com os olhos espantados toda a extensão do rosto de .
Ele estava ali parado, observando-a, como se não tivesse nenhuma outra pretensão a não ser olhá-la.
A menina se lembrou da raiva do primo no carro, enquanto a levava para casa e nas mil recomendações que ele dera a ela antes de deixá-la na porta da Highgate para a educação física.
estava colérico com toda essa situação. Ele mal agüentava que o nome de fosse mencionado, quanto mais o fato de ele parecer sempre estar no encalço de sua prima.
analisou a postura de , não completamente relaxada, como se ele estivesse pronto a qualquer momento para cair na briga com alguém.
- Tudo bem, . Cartas na mesa. – ela colocou as duas mãos na cintura, deixando os cotovelos altos. – Por que está me seguindo? Você não é assim. Você não faz isso. Eu sei que tem algo errado, e parece ser comigo. Mas se de fato é, você tem que me contar. O está pirando, eu estou encucada e você continua aí com a mesma cara de pateta. O que você quer de mim?
apenas sorriu, aproximando-se da garota.
- Já te disseram que você fala demais?
Ela juntou as sobrancelhas.
- Já, mas isso não vem ao caso. O caso é que ser perseguida é um saco, e eu exijo que você me conte o que está acontecendo ou Deus sabe do que eu sou capaz.
cruzou os braços e apoiou o corpo de lado na parede, olhando-a como se estivesse se divertido com aquela situação toda.
- Eu adoraria saber.
fez o mesmo, mas por sua vez bruscamente, de irritação.
- Vai à merda. Se você queria me tirar do sério está conseguindo... – ela o encarou dos pés a cabeça, pensando em algo que pudesse atingi-lo. – Você tem três segundos pra me contar antes que eu comece a gritar.
- E por que você faria isso? – ele desafiou, ainda sorrindo.
- Bem, eu não tenho motivos reais... Mas ninguém sabe. – ela deu de ombros e ele enfim entendeu. Antes que ele pudesse indagar do que ela o acusaria, sorriu maliciosamente e disse: - Tempo esgotado.
A menina mal tinha puxado o ar quando ele rapidamente se postou atrás dela e tampou sua boca com a mão.
- ‘Ta, eu te explico. Só prometa ficar quietinha, okay? – ela sorriu e concordou com a cabeça.
Assim que ele afastou a mão de seu rosto, se virou para olhá-lo.
- E então?
- Ano passado... Bem, um homem foi preso pelo... – ele não completou, com medo de suas palavras.
percebeu seu desconforto e ela mesma continuou:
- Assassinato da Ivane. Sim, sei.
- É... Ele era o jardineiro do meu pai. Robert Andrews. – fez uma pequena pausa. reconheceu o sobrenome. Ele percebeu. – Sim, ele é pai da Sally. Foi preso por assumir a culpa.
A menina se espantou. Por essa ela não esperava.
- Espera... Ele assumiu a culpa? – juntou as sobrancelhas. – Então esse mistério não estaria resolvido?
- Estaria. Se ele fosse realmente o culpado.
- Por que ele não seria?
a olhou nos olhos, repensando por alguns segundos no que estava prestes a lhe contar. Mas não tinha outro jeito. Precisava confiar na garota, assim como precisava que ela confiasse nele, e a única forma de isso acontecer era lhe contando a verdade.
- Meu pai... é um homem muito esperto. – pausou novamente. – Eu seria preso se Andrews não tivesse assumido.
apertou os braços que estavam cruzados, incrédula.
- Por quê?
- Porque eu estava na cena do crime. Eu estava coberto de sangue e as digitais na arma eram minhas... – ao ouvir isso, a menina levantou as sobrancelhas. – Tudo estava contra mim. Mas não tive culpa de ter perdido a cabeça quando vi a cena, segurado a arma e abraçado Ivane enquanto... – fechou os olhos por um momento, para impedir que as lágrimas rolassem, com a lembrança.
- Ela morria? – arriscou, segurando o ombro do rapaz.
- De qualquer forma, - ele continuou, engolindo o choro e voltando a encará-la. – meu pai fez um acordo com Robert, pra que ele assumisse a culpa. A empresa é quem paga as despesas das consultas e dos tratamentos da Sally, a filha mais nova do jardineiro, que nasceu com graves problemas cardíacos. Robert Andrews não é o assassino.
relaxou os músculos, desentrelaçando os braços e olhando assombrada para ele.
- E o verdadeiro está à solta. – ela disse, escorando as costas na parede. balançou a cabeça, assentindo, depois encostou-se ao seu lado.
- Tenho uma forte convicção de que o assassino de Ivane e da senhora Paskin sejam a mesma pessoa.
- Mas que ligação há entre elas? Quero dizer... O que uma tem a ver com a outra? – estava completamente confusa. - Eu não consigo...
- Eu. – disse ele.
- Como?
- A ligação entre as duas. – olhou-a fixamente. – Sou eu. As duas eram as mulheres mais próximas a mim, e agora estão mortas.
encarou os olhos de por um largo momento, sem pronunciar uma sílaba, apenas sentindo as oscilações de seu próprio coração.
- E quem você acha que pode ter sido? – perguntou inocentemente.
- Não faço idéia. Mas com certeza é alguém que tem prazer em me pôr pra baixo. Alguém que se felicita com o meu sofrimento... E me odeia.
- Ou odeia o que você ama. – ela sugeriu.
Ele desencostou as costas da parede de concreto, ficando de frente para e segurando seus ombros com as duas mãos.
- Quando seu primo disse que você deveria se afastar de mim, ele estava falando sério. – aproximou um pouco seus rostos e prendeu o olhar da garota no seu. – Você deveria ter ficado o mais longe de mim o possível.
- E agora não devo mais? – abaixou o tom de voz.
- Não. – ele respondeu. – Agora eu não quero ficar longe de você.
Por mais que não fosse a hora adequada, sorriu. Um sorriso sincero e que deixava claro o que o seu coração transbordava: felicidade e ternura. A garota esticou as mãos até o peito de , trilhando um caminho carinhoso até sua nuca. Ele apenas a observou, com a bochecha mais corada.
- Tenho certeza que o Duan quebraria minha cara por isso. – ele riu baixo, descendo as mãos do ombro da menina para sua cintura e colando a testa na dela.
- Acredito que não. – respondeu. Ao ver a expressão desentendida de , continuou: - Terminamos ontem...
Ele sorriu.
- Então ele não vai me matar. – olhou a boca da menina, forçando-a também a olhar a sua.
- Pelo quê? – ela arriscou.
E assim que encostou a lateral de seu nariz no dela, sentindo o lábio superior de roçar no seu, ouviram umas risadas próximas e se afastaram imediatamente.
tomou pela mão e seguiu com ela até o outro lado do ginásio.
se sentia estúpida por estar magoada com ele no dia anterior e quase implorar por um beijo seu naquele momento.
Quem era ela e o que tinha feito com a velha ?
- O ponto que eu queria chegar era que... – ele limpou a garganta, prendendo-a contra a parede novamente. – Seguindo esse raciocínio, você está em perigo. E eu não vou permitir que alguém encoste um dedo em você.
- E essa é a razão da perseguição?
- Sim. – ele concordou. – Eu posso protegê-la, mas você precisa me ajudar.
- Como?
- Tem que ficar perto de mim pra que eu possa impedir que alguma coisa aconteça. E precisa me contar se você percebeu algo estranho, ou alguém estranho perto de você.
- Eu...
comprimiu os lábios em uma linha fina, pensando no tempo em que esteve na Inglaterra e nas pessoas e situações que pudessem tê-la intimidado. Deixou as lembranças abertas, passando por todos os seus momentos na Highgate e citando lentamente para os nomes das pessoas que ela considerava... Suspeitas.
- Scott... Bennet... – disse ela.
A feição de ficou furiosa.
- Se aqueles canalhas tiverem encostado um dedo em...
colocou o indicador nos lábios dele, impedindo-o de continuar a fala.
- Eles não encostaram. – tranqüilizou-o. – Apenas me olham de uma forma estranha, só isso. – ela ficou um momento em silêncio, olhando-o e formulando o que ia falar. Tinha outras suspeitas, claro. Mas não se decidia se as suspeitas eram reais ou apenas para irritar , por ciúmes. De qualquer maneira, precisava falá-las. Não é isso o que ele tinha pedido? Confiança? – Kimberly... Brittany... Elas nunca me fizeram nada, mas... – interrompeu-se, pensando em outro assunto. – Espera. Se o assassino vai atrás das pessoas mais próximas a você, não significa que ele iria atrás da Brittany primeiro? Ou do Duan?
- A Brittany é ninguém pra mim. Qualquer um que me conheça sabe disso. – ele respondeu. – E quanto ao Duan... Bem, até agora só as mulheres foram feridas. Duvido que isso mude. Além do mais, creio que ele sabe se cuidar...
- Espero que sim. – ela respondeu com sincera preocupação.
- O que mais?
Ela forçou a mente, procurando por qualquer coisa incomum pela qual tivesse passado. ‘Pensa, . Tem alguma coisa...’ ela dizia a si mesma.
- Eu... Não consigo me lembrar de mais nada no momento. Mas qualquer coisa pode deixar que...
- Anota meu número. – ele tirou o celular do bolso. – E me passa o seu. Qualquer coisa me ligue, a qualquer hora e esteja onde estiver.
Ela consentiu.

Londres; Oxford Street; Sexta-feira; 7:30 da noite;

Mas foi naquela noite, sentada na cama digitando um e-mail para a mãe, que se lembrou de outra coisa estranha pela qual estava passando. Freqüentemente, quando estava em seu quarto, sentia como se estivesse sendo observada. Em algum lugar próximo a sua janela, sentia que alguém estava analisando seus passos.
Podia ser estúpido, mas era algo que a incomodava, e no dia seguinte mesmo seria encarregada de dizer isso a .
escutou duas batidas na porta do quarto e ergueu os olhos do laptop, observando escorado no batente, como ele tipicamente fazia.
- Eu... – começou a dizer embaraçado. – , olha... Me desculpe pelo que aconteceu no refeitório. Você sabe que aquela não foi minha intenção. Eu estava nervoso e o tinha conseguido piorar tudo, então... Mil desculpas.
Ela balançou levemente a cabeça de um lado para o outro e sorriu.
- Tudo bem, molengo. Eu sei que você não teve a intenção. Todos estavam muito estressados lá, e nem eu devia ter dito o que eu disse. Deus, imagina se alguém tivesse me escutado! – tampou a boca com as mãos, corada. – Com que cara eu ficaria? Eu só disse aquilo pra te irritar...
Ele adentrou o quarto e se sentou na cama, suspirando pesadamente.
- Mas sei que teve um pouco de verdade nisso, baixinha. – o semblante da garota ficou interrogativo. – Sei que nutre sentimentos por ele. Eu sei disso. Mas eu não me conformo. Não consigo estar bem com uma coisa dessas...
- , eu sei que você quer cuidar de mim, mas quero que saiba que ele também. – ela segurou as mãos do primo, olhando-o e sendo cautelosa com as palavras. – Ele não é um assassino.
- Você não sabe como todas as evidências estão contra ele... – retrucou.
- Acredite, eu sei. Sei que ele estava no local do crime, sei que suas digitais estavam na arma e ele estava coberto de sangue. Mas , ele não teria assassinado a própria namorada se fosse pra sofrer por isso a vida toda.
- Ele pode ter se arrependido. O que não faz dele menos perigoso...
- Ele investiga a morte dela! – gritou. – O não é idiota de gastar seu tempo e dinheiro para descobrir algo que ele mesmo causou.
- O pode estar fazendo isso pra te enganar.
- E o pode ser um duende. – ela rebateu. – Tudo é possível , mas sei que ele não é imbecil.
O menino se calou momentaneamente.
- Você confia realmente nele, não é?
- Sim. – ela respondeu decidida.
olhou-a nos olhos durante vários segundos, depois levou sua mão para acariciar o rosto da garota.
- Se cuida, ‘ta? – ele murmurou.
- Eu sempre me cuido.
E assim que ele saiu do quarto e fechou a porta, ela se deitou no travesseiro e observou o teto do quarto, apenas pensando nos acontecimentos dos últimos meses. Permaneceu assim minutos, até que ouviu o celular vibrando no criado-mudo de madeira. Estendeu o braço um tanto entediada, mas sua expressão de tédio foi logo substituída por uma de surpresa, ao ler o nome de quem a chamava na tela.
- Alô? – sua voz saiu falha.
- ? – perguntou do outro lado da linha. – Como você está?
- Eu estou bem, . – ela riu baixo, rolou até ficar de bruços no colchão e abraçar o travesseiro. – Não é como se eu estivesse com alguma enfermidade séria ou coisa assim.
- Tem razão, é pior. – ele concordou. – Pode tirar sua vida em menos de um segundo e sem aviso.
- Otimismo, bom dia. – ela rolou os olhos e o rapaz gargalhou. Ficaram alguns segundos em silêncio, até que ela voltou a falar: - Algum motivo especial para ter me ligado?
- Na verdade, sim.
Ela esperou por mais alguns segundos que ele completasse a sua fala. Como isso não aconteceu, ela se viu obrigada a perguntar:
- E qual é?
- Só... Mantenha-se falando. – suspirou. – Se eu continuar ouvindo a sua voz saberei que está viva.
- Eu estou viva. – fez uma pausa menos demorada do que as demais. – Sobre o que quer ouvir?
- Tudo. Só fale.
- Senão o que? – ela perguntou divertida.
- Senão eu não conseguirei dormir, pensando que algo possa estar te acontecendo.
- Tudo bem. Não quero que você esteja com olheiras amanhã. – deu de ombros. – Hm, por onde eu devo começar?
- No que está pensando?
- Que isso será mais estranho do que já está sendo... Sabe, quando as pessoas me dão muita liberdade pra falar eu falo demais.
- Até quando elas não dão...
- Cala a boca, . – riu, seguida por ele.
Ficaram no telefone durante um bom tempo, até que finalmente, a garota precisou desligar para tomar banho. Mas antes de desligar, teve o bom senso de se lembrar de lhe dizer sobre a sensação que tinha, de estar sendo observada. A princípio ficou taciturno, mas depois, em cada palavra que pronunciava, era possível perceber certa raiva e preocupação. Ficou decidido então, depois de ele muito insistir, que passaria a noite de sábado, a próxima, com o carro estacionado na frente da casa dos , para garantir que nada pudesse lhe acontecer.
achava toda a situação uma besteira, mas não parecia disposto a querer brincar com sua segurança, e repetiu duas vezes, durante o tempo em que falavam, que seria melhor prevenir do que remediar. Se tivesse como remediar.
Enquanto discutiam isso, também ficou decidido que e o tio seriam avisados e a aprovação deles seria necessária. ficou relutante ao ouvir essas palavras de , pois sabia que nenhum dos dois com quem morava facilitaria a boa vontade do menino.
- Preciso da permissão deles. – ele falou.
- Deixa de ser teimoso, já disse que não vai ser fácil convencer os dois. Se você realmente estiver disposto a vir, o que eu também não acho uma boa idéia, é melhor que seja sem o conhecimento deles.
- Com certeza irão estranhar o Audi preto na porta da casa a noite inteira. Não os culparia se chamassem a polícia...
- Você não vai ficar aqui a noite inteira. – ela confrontou. – Apenas algum tempo. Se não acontecer nada, você vai embora.
- Eu insisto.
- Você sempre insiste. – ela rolou os olhos. – Que seja, . Eu falo. Mas se eles não concordarem, o que tem mais de noventa por cento de chance de acontecer, lembre-se de que foi avisado.
- Prefiro correr esse risco.
- Tenho que ir, ... – ela olhou a hora no relógio, vendo que já tinha se passado aproximadamente uma hora desde o início da conversa.
- Qualquer coisa, já sabe a quem ligar. – ele se calou por um tempo. – Mas se eu não estiver por perto, recorra ao . Sei que ele só quer o seu bem e faria tudo para protegê-la.
Ela encarou o chão do quarto enquanto se sentava na cama, pensando sobre o que ele acabara de falar.
- Posso te fazer uma pergunta? – ela disse. – Quer dizer, outra...
- À vontade.
- Por que está fazendo isso? – sua pergunta foi coerente com o que sentia. – Digo, o que você ganha me protegendo? Por que faz tanta questão?
E isso bastou para que ele se calasse. ficou em silêncio, fazendo com que procurasse por qualquer sinal de que ele não havia desligado, do outro lado da linha.
- Por que... – ele enfim se pronunciou. – Por que fora você, eu não tenho mais nada a perder.
- Ah. – foi tudo o que ela conseguiu responder.
- Bons sonhos, minha . – ele sussurrou, antes de desligar o telefone.
- Bons sonhos, . – falou alienada, colocando o celular de volta no criado-mudo.
Seguiu até o banheiro do corredor, e lá ficou durante quase uma hora, embaixo da ducha quente. Esperava que a água daquele banho pudesse levar consigo todos os seus problemas. Queria que a água do banho pudesse lavar a sua alma, e torná-la imune a todos os males. Mas ela sabia que isso não seria possível.

Londres; Oxford Street; Sábado; 6:12 da noite;

- O quê?! – gritou. – Como assim esse cara vai passar a noite toda aí fora? , você não percebe que só está atraindo mais perigo pra perto de você?
- Eu não estou atraindo nada. Se há alguma coisa que eu queira com isso é a minha proteção, ao contrário de você. Por que não pode concordar com algo tão simples?
levou as mãos ao cabelo, chacoalhando-o enquanto se levantava de um dos sofás azuis e começava a seguir pela sala de um lado para o outro. O tio, que estava sentado ao seu lado, observava a sobrinha inexpressivo. Essa, por sua vez, estava sentada no outro sofá, com as duas mãos no colo e ansiosa pela reação do tio John, porque a de , ela já sabia de cor.
- Pai, fale alguma coisa! – pediu quase em desespero. – Fale algo que a faça desistir dessa sandice!
- Eu já sei o seu ponto de vista sobre a história, filho. – o homem falou sério. – Agora, por favor, faça silêncio para que eu possa escutar o que sua prima tem a dizer.
se calou extremamente contrariado, sentando-se novamente no sofá e cruzando os braços, como uma criança birrenta.
- Obrigada pela palavra, tio John. – ela suspirou. – Isso, ao contrário do que o molengo pensa, não é um plano ardiloso dele pra me assassinar ou coisa parecida. A prova é que eu mesma o convidei para passar a noite lá fora. Ele se ofereceu pra me proteger, e eu acho que o mínimo que eu devo a ele, uma vez que ele já salvou minha vida, é confiança. Se ele me quisesse morta, teria deixado o carro passar por cima de mim, no início do ano. Mas parece que qualquer ato bom que ele faça é completamente ignorado pelo !
- Porque ele é um assassino! – ele voltou a gritar, ficando de pé e projetando sua figura na direção da prima. Gesto que ela repetiu, ao respondê-lo.
- Ele é uma vítima!
- Na verdade, - tio John interrompeu-os, com a voz constante e pigarreando. – ele é inocente até que se prove o contrário.
- Mas, pai...
- Se isso o que a falou é verdade, ela pode estar correndo perigo embaixo do nosso próprio teto. Precisamos de alguém para nos tirar essa dúvida, ou para tomar uma providência logo de uma vez.
- Por que simplesmente não chamamos a polícia?
- Com que pretexto, molengo? “Ah, polícia, por favor, mande um carro para passar a noite na porta da minha casa. Estou com a impressão de que estou sendo observada”. – afetou a voz. - Quem eu seria se mandasse a polícia se preocupar com uma impressão minha enquanto professoras e colegiais estão sendo assassinadas? – ela apontou o dedo no rosto de , que não fez nada além de bufar.
- Acho que segundo a democracia, - tio John voltou a falar, sem perder seu timbre tranqüilo. – são dois “sim” contra um “não”. Desculpe filho, mas acho que dessa vez você perdeu. até pensou em retrucar alguma coisa rude, mas se deteve antes que o fizesse. Deu um rosnado de raiva e subiu rapidamente as escadas, socando o pé contra cada degrau para deixar claro que estava bastante aborrecido.
- Ele supera. – o tio disse antes de também se levantar do sofá, vendo a expressão preocupada de .
- É o que eu espero... – ela abraçou o próprio corpo.
O tio observou-a novamente, sorrindo.
- Acho que deve falar com ele. Sabe, o se preocupa muito com você. É comum que esteja com ciúmes desse garoto.
- Mas nada pode substituir o amor que eu sinto pelo , tio. – murmurou, sentindo algumas lágrimas surgirem em seus olhos.
- Será que ele sabe disso?
Assim que o tio se afastou, ficou alguns minutos na sala, imóvel, pensando em tudo aquilo. Seria possível que o primo acreditava que ela amava mais a do que a ele? Será que o motivo de tudo aquilo era ciúmes?
Fosse como fosse, ela não queria estar de mal do menino. Ele representava muito pra ela. Um irmão mais velho o qual ela considerava com todo coração. E esse motivo foi o bastante para fazê-la deixar o orgulho de lado e subir as escadas, até o quarto do rapaz.
Bateu duas vezes na porta cor de marfim, esperando alguma resposta. Como não obteve, girou a maçaneta e se encontrou com uma cena que ela nunca imaginaria.
Por mais que o primo estivesse de costas pra ela, encarando a janela do lado oposto a porta, ela podia perceber pelos movimentos de seus ombros que ele estava... Chorando.
- Vá embora, . – ele pediu, com a voz alterada pelos soluços.
O interior dela foi completamente despedaçado, ao ver aquilo. Foi como se alguma parte de seu cérebro tivesse sido desligada do corpo, pois ela não conseguia pensar em mais nada. Não. Não conseguia pensar. Só sentir. E sentia que seu coração estava em farelos, e tudo o que estava dentro dele agora estava saindo dela, através de seus olhos.
- Oh, meu Deus. – ela disse, colocando a mão na boca e fechando a porta atrás de si, após entrar no quarto. – Oh, meu Deus, não. – ela repetiu.
não podia estar chorando. Não podia! Aquele não era o mesmo exemplo de bravura que ela via desde pequena. Por que ele estava assim? Ah claro, ela sabia por que ele estava assim. Ela tinha causado aquilo. Ela.
O menino virou-se na cama, ficando de frente para , que soluçava alto por pensar em tudo o que o primo poderia estar sentindo. Ao ver o rosto dele vermelho, os soluços da garota ficaram mais freqüentes.
- Ah, não, . – ele rolou os olhos. – O que você está fazendo agora?
- Chorando, não está vendo? – resmungou, tampando o rosto com as mãos.
Ela ouviu um barulho vindo da mola da cama, como se ele remexido, ou se levantado. Mas ela não queria nem olhar. Apenas queria permanecer ali, com os olhos tampados, enquanto chorava.
- Shiu... – a voz dele apareceu mais próxima do que ela imaginava, e antes que ela tivesse tempo de pensar em alguma coisa, ele já estava a abraçando. – Por que está chorando, meu bem?
Ela o abraçou por baixo dos braços, virando o rosto em seu ombro.
- Por que você está chorando. Você nunca chora. E eu sei que foi por minha culpa...
- Óbvio que não. Se há um motivo pra eu estar chorando, sou eu mesmo. – ele acariciou os cabelos escuros da menina, beijando o topo de sua cabeça. – Estou chorando porque não sei controlar meus sentimentos. Estou chorando porque estou preocupado com você. Estou chorando porque eu me sinto impotente vendo você confiar no meu único suspeito. Se ele é o meu único suspeito e não é o culpado, então deverei te proteger de quem? Quem eu devo manter longe de você? Isso me fez chorar. – ele fechou os olhos, sentindo-a se acalmar em seus braços. – O que eu poderei fazer pra continuar sendo o herói da minha baixinha...
- Você sempre será meu herói, molengo. Não importa o que você faça.
- Mas eu não me sinto assim. Sinto que estou sendo substituído... Pelo ! – falou como se estivesse incrédulo. – Ele não pode chegar de repente e sair tomando conta do pedaço... Eu te amei primeiro!
- E eu a você. – afastou o rosto de seu ombro, para mirá-lo nos olhos. – Sua parte no meu amor nunca será alterada por ninguém. Nem por você mesmo.
- E isso significa que eu terei que confiar nele?
- Estará me fazendo um favor. – ela sorriu.
Um sorriso tinha começado a ser formar no rosto de , quando de repente ele se lembrou de um detalhe que fez sua face ficar rabugenta. A prima estranhou.
- Se alguma coisa, qualquer coisa, - ele dizia em voz ameaçadora. – acontecer a você... Serei eu a tirar a vida dele com as próprias mãos. Eu confiarei no , mas com essa condição. Estamos entendidos assim?
- Sim, senhor, capitão! – ela alargou o sorriso.
Ele a soltou e voltou a se sentar na cama, batendo de leve, duas vezes, no espaço ao seu lado.
- Agora vem cá e me conta que história é essa de xeretar a escola toda com a . – ele riu baixo.
não hesitou em se jogar ao lado do primo, na cama, e lá ficaram conversando sobre assuntos banais durante um bom tempo, até que a campainha tocasse.
- Pode deixar que eu atendo. – sentou-se na cama, aparentando má vontade.
- Não exigiria isso de você. – disse também se sentando.
- Eu faço questão. – ele deu de ombros. – É um novo passo pra mim, certo?

Londres; Oxford Street; Sábado; 8:31 da noite;

- Há quanto tempo ele está lá fora? – tio John perguntou de braços cruzados, em frente à janela da sala.
Pelo vidro podia observar encostado ao Audi preto, brincando com um cigarro entre os dedos e atento a qualquer movimento suspeito que pudesse ocorrer em volta da casa.
- Já tem bastante tempo. – respondeu assumindo a posição do pai.
- Onde está a ?
- Tomando banho. Nesses últimos dias ela tem estado muito tensa... – o rapaz suspirou, lembrando-se das semanas anteriores.
Tio John apenas o encarou durante um momento, depois caminhou em silêncio até um dos sofás e acendeu o cachimbo que estava em sua boca. sempre considerava essa ação do pai como sendo negativa e positiva ao mesmo tempo. Negativa porque, sempre que o pai fumava, significava que ele estava nervoso o bastante pra apelar ao cigarro para se acalmar. E positiva porque, geralmente, ele se acalmava.
Respirou fundo transferindo sua mente para a prima no segundo andar. Sentia que esse teria sido um pequeno passo para primos normais, mas um grande salto para e . É, um grande salto. O fato de saber que tinham uma confiança cega um no outro e que, por mais que ela se interessasse por outro rapaz, ele nunca seria substituído, levava o garoto quase ao estado de êxtase.
A mesma sensação de felicidade tinha , no andar de cima. Enquanto tirava o excesso de shampoo do cabelo, pensava sobre e . Enfim o primo tinha resolvido colaborar com o menino, e esse não tinha objeção nenhuma contra ele. Estava perfeito. Eles finalmente tinham se entendido.
A empolgação que isso gerava nela era motivo de estranheza para a mesma. O que tinha demais nos dois se entenderem? Quer dizer, era só o . E só o . O que poderia ter demais numa relação agradável entre os dois? O consentimento do primo? Mas espera... Consentimento pra quê? Ela suspirou profundamente, fechando o registro do chuveiro e caminhando pra fora do box enquanto se enrolava com a toalha de banho. Caminhou através da onda de vapor até a pia, limpando com uma das mãos o espelho para que pudesse se observar.
Ela admirou sua imagem no espelho. Mirou suas feições com uma espécie de curiosidade e desgosto. Sempre se achara diferente das demais, e agora, mal conseguia olhar para o próprio rosto sem se sentir tão... Tão desoriginal.
sabia que para grande parte do colégio ela não passava da imagem mórbida de um fantasma. Sabia que para muitos ali ela não passava de uma lembrança ambulante. E era exatamente essa lembrança que tanto perturbava os outros ao seu redor. Perturbava por ser a imagem viva de um grande amor já enterrado. Perturbava e por representar a memória de uma amizade perdida. Aos demais ela simplesmente relembrava que eram todos atores daquele grande palco chamado Highgate, que tivera um tão trágico desfecho a cerca de um ano. O engraçado era que ninguém queria saber o próximo ato. O temiam assim como temiam um novo desfecho. Mas o que não entendiam era que, para que o final da peça acontecesse, era necessário um clímax.
A menina escovou os dentes numa tentativa ainda maior de se limpar. Tinha uma estranha necessidade de se sentir limpa, de se sentir purificada. O motivo de estar se sentindo suja? Nem ela mesma sabia. Aliás, nem a própria sabia de muita coisa a seu respeito desde que chegara a Londres. Colocou suas roupas intimas e ainda enrolada na toalha, abriu a porta do banheiro. Olhou para os lados certificando-se de que nem nem o tio estavam por lá e caminhou pelo corredor, sentindo o clima mais fresco contra seus ombros e bochechas até chegar ao quarto e fechar a porta.
Enfim sós.
Ela riu pela estupidez de seu subconsciente ter projetado uma frase assim. Logo do nada. Do nada...
Já se preparava para desenrolar a toalha e vestir uma roupa larga quando seus olhos foram atraídos para além da janela. Atraídos de encontro a outros olhos. Olhos negros que brilhavam na noite. Sim, ela via alguém. Espionando-a por entre as folhas da árvore.
Não eram olhos opacos como os de . Esses olhos faiscavam. Faiscavam tanto que chegavam a dar medo... E deram. Deram porque o que uma pessoa estaria fazendo a espionando? Espionando seu quarto? Espionando uma garota tão parecida com Ivane no meio a um mar de assassinatos e mistérios?
Nada.
A menos que... A menos que a suspeita de estivesse certa, e aquele fosse o assassino.
tentou mover algum músculo sem sucesso, só então parando pra perceber o quanto eles estavam gelados. O quanto ela estava imóvel, tensa. Continuou encarando o brilho sombrio daquele olhar até que, inconscientemente, gritou.
Simplesmente agarrou-se a sua toalha e... Gritou. Gritou como nunca antes. Algum lado dela, o consciente pelo menos, sabia que se ela gritasse, a “cavalaria” viria a seu resgate. Ela não podia morrer. Ela não queria morrer. Não agora. Principalmente agora.
Como se defenderia? Bateria no assassino? E se ele tivesse uma arma? Claro que ele tinha uma arma... Todo assassino decente tinha uma arma.
E foi então que ele fez algo que ela nunca imaginaria. Assim que seu grito agudo começou a ser proferido, a pessoa apoiada na árvore... Caiu. Por susto, surpresa, estratégia... Fosse como fosse, quem quer que estivesse lá foi parar ao chão. E começou a duvidar que aquilo fizesse parte de alguma artimanha assim que ouviu o baque nem um pouco delicado na grama do jardim.
Ao ver um rapaz despencar da árvore ao lado da casa, se moveu rapidamente. Correu até ele e, sem que esse tivesse tempo pra se recompor, imobilizou-o com uma chave de braço.
Como aquele garoto tinha conseguido subir na árvore sem ser detectado? Ele estaria lá há muito tempo? não conseguia pensar em hipótese melhor para explicar. Ele estivera observando a casa o tempo todo e nenhum movimento suspeito ocorrera ali perto.
Mas o que queria aquele garoto, qual a sua intenção em vigiar a casa dos por tanto tempo?
Ele não prestava. Claro que não. Ele poderia ferir .
- Quem é você? – rugiu. apenas observou o menino magrelo se contorcer, antes de sua visão, que estava embaçada pela raiva, clarear.
Era um menino amarelo de aparência esquelética. Cabelos mel grandes o suficiente pra cobrir parte de seus olhos, que eram escondidos por um grande óculos redondo.
já tinha visto esse menino em algum lugar...
Estaria preocupado em indagar 'onde' se uma câmera não tivesse caído do bolso do infeliz. Colocou-se por cima dele – que gemia de dor – para que pudesse alcançar o objeto sem que o mesmo escapasse.
Segurou a câmera entre os dedos, passando rapidamente as fotos que nela existiam. , , , ...
Aquela câmera mostrava fotos de de ângulos e horas diferentes. Mostrava-a de pijamas, com roupas intimas, arrumada para a aula, arrumada para sair, conversando com ... ficou tão concentrado em ver “” nas fotos que mal percebeu quando, de uma hora pra outra no meio delas, a garota de cabelos escuros passou a ter cabelos claros.
Só parou de avançar as imagens quando seus olhos se fixaram em um detalhe diferente: a camisola. Uma camisola pequena, simples e cor-de-rosa. Conhecia aquela roupa.
Instantaneamente seus olhos seguiram para a cor do cabelo da menina. Aquela não era mais . Era Ivane.
- Quem é você? – repetiu, agora estático, olhando para o garoto que ainda tentava inutilmente se debater.
E foi então que a ficha de caiu. Foi exatamente com aquela roupa que Ivane fora assassinada. Aquele poderia muito bem ser...
Tomado pela cólera, soltou violentamente a câmera e apertou as mãos contra o pescoço do menino.
- QUEM. É. VOCÊ? – repetiu enraivecido.
Enquanto isso, no andar de cima da casa, entrava num rompante no quarto de . Correra o mais rápido que pôde até o quarto da prima, depois de ouvir seu grito. Assim que abriu bruscamente a porta, deparou-se com uma garota abismada encarando a janela. Seus músculos tensos chegavam ao ponto de tremer.
- B... – ele começou a dizer, assustado com a fraqueza de sua própria voz. – Baixinha?
- ...? – ela sussurrou de volta, virando seus olhos arregalados em direção ao mesmo. – Tinha... Um cara. Um cara na árvore. – seus lábios tremeram.
A menina nunca lhe parecera tão indefesa. Parecia que o pequeno corpo dela pedia por ajuda. Alguém como ela nunca conseguiria se defender sozinha. Ainda mais de um psicopata.
Movido pelo medo de perder aquela garota, agiu rapidamente em sua direção, ignorando o fato de ela ainda prender uma toalha contra o corpo. Abraçou-a forte, de modo a molhar sua camisa com os cabelos longos e encharcados da menina.
Através de sua blusa e do pano da toalha, o rapaz podia sentir perfeitamente bem que o coração de batia tão forte quanto o seu. Sua adrenalina era tamanha que não agüentou ficar muito tempo parado apenas naquele abraço. Segurou-a pelos ombros, afastando-a, e ergueu o queixo da prima até que seus olhos se encontrassem na mesma altura.
- Nunca mais me passe esse susto, . – falou com a voz esgotada. – Nunca mais.
- Acredite, eu não pretendo. – ela sorriu.
Como ela podia sorrir? pensava. Como, depois de tudo pelo que ela passou e ainda estava passando, aquela menina poderia sequer pensar em sorrir?
Como ele poderia cogitar a hipótese de sobreviver sem poder assistir àquele sorriso? Era impossível. Era viciante. Assistir à formação daquele sorriso era simplesmente viciante.
Ele sabia que nunca mais conseguiria ficar tanto tempo assim longe de sua baixinha. Ela era dele e de ninguém mais.
- Minha . – ele sussurrou, antes de espalmar a mão direita delicadamente na bochecha da garota e puxá-la para um beijo.
Um beijo. Simples. Lábios, línguas, saliva e muita, muita confusão envolvida.
permitiu a passagem da língua de no susto. Não esperava por aquilo. Céus, nem Deus esperava por aquilo!
continuava movendo seus lábios com toda concentração, explorando cada centímetro da boca da menina. retribuía ainda incerta. Suas mãos, no reflexo, abraçaram o pescoço do primo, e seus olhos permaneciam fechados. Mas aquilo era realmente o que ela queria?
Quando intensificou os movimentos de sua língua e apertou-a pela cintura, de modo a levantar a sua toalha, soube que aquilo estava indo longe demais.
Partiu o beijo ainda ofegante, olhando um tanto surpresa para o rapaz.
- Por favor, não pare agora, . – disse ainda com os olhos fechados, mas suplicante. – Porque se nós pararmos agora, explicações terão que ser dadas.
Ela ficou o encarando por um tempo, ainda pensando no que fazer ou dizer. “Explicações terão que ser dadas”. E se ela não quisesse essa explicação? Iria pedir para que ele fosse embora? Como poderia fazer isso com seu molengo?
Mas ela o amava, não amava? Então talvez fosse aquilo o que ela queria...
Não. Ela o amava, sim. Mas como um irmão.
Sentiu-se mais estranha do que em todos os momentos em que esteve na Inglaterra, o que, ela sabia, não era pouca coisa. Como um simples beijo poderia gerar aquilo nela? Mas claro, não era um beijo qualquer. Era um beijo com o , o molengo, o herói de sua infância. Era um beijo com seu irmão. Podia ser mais esquisito que isso?
Hm...
Conhecendo a Highgate... Podia. Mas ela duvidava.
Mirou-o, que agora a olhava confuso.
Como ela amava o rosto dele! Representava tanta coisa. Representava tudo. Representava seu porto seguro, seu canto seco na chuva, seu momento de paz no meio da loucura. Representava o seu refúgio. Ele era seu refúgio. Seu primo, irmão, melhor amigo. Nenhum outro amor ou paixão do mundo, não importando o tamanho que fosse, poderia substituir aquilo.
Ficou na ponta dos pés aproximando novamente seus lábios dos de . Assim que a viu fazer isso, ele fechou os olhos, na expectativa de continuar de onde pararam, mas só o que recebeu em resposta foi um selinho carinhoso.
- , eu... – ela começou a falar, pouco antes de ouvir uma sirene se aproximar da casa.
- Pai! – se lembrou repentinamente. Soltou a prima num pulo, seguindo apressado em direção a porta.
Ela o olhava com um olhar de "sinto muito". Ele percebera. Não suportaria essa rejeição. Não suportaria a rejeição de . Como esconderia sua frustração?
Não esconderia. Não conseguiria.
Então preferiu fugir.
– Ele ficou de chamar a polícia. Deve ter sido alguma coisa. – ele explicou.
Já ia se impulsionando para fora do quarto pelo constrangimento, quando o chamou. parou de andar repentinamente e inclinou a cabeça para o lado. Ela tinha o direito de se pronunciar, não tinha?
- Eu te amo. – ela disse.
- Mas não como . Você me ama como molengo.
- E você me ama como sua baixinha. – respondeu levemente, apesar de que com uma veemência assustadora no tom de voz.
- Desculpe. Você foi meu primeiro amor. Acho que nunca superei realmente... – E ao terminar de dizer isso, ele saiu do quarto cabisbaixo, deixando-a somente com seus pensamentos.
Com seus pensamentos e aquela sensação de que tinha que saber o que acontecera no andar de baixo. Por um momento quase tinha se esquecido de ... Quase.
Colocou um short jeans, um tênis qualquer e desceu apressada as escadas, ainda ajeitando-se na sua blusa cinza do Mickey favorita.
Enquanto se arrumava, do lado de fora, o menino magrelo tentava balbuciar coisas desconexas que justificassem a espionagem, na esperança que o deixasse ir embora.
- Sou eu. Gerald. Highgate. Me solte por favor. – sua voz saia estrangulada.
Claro que o conhecia. Ele só podia mesmo ser da Highgate. deu uma risada seca com isso, que apesar de ter sido com o intuito de debochar de si mesmo, não o fez perder nem um por cento da raiva.
- O que você está fazendo aqui? – perguntou voltando a sua aparência séria e a apertar o pescoço fino de Gerald. – Por que tirou essas fotos? Qual o seu interesse na Iv?... Qual o seu interesse na ?
- Eu...
Mas antes que ele pudesse completar a sua frase, os policiais chegaram, pedindo para que se afastasse do garoto de forma que pudessem prendê-lo.
- ! – gritou, descendo as escadas da varanda da casa e aproximando-se.
virou seus olhos foscos para ele, assim que saiu de cima do menino, certificando-se de que esse não teria para onde fugir. Antes de se voltar totalmente para , pôde observar a figura de tio John de longe, apenas observando e relatando algo a mais dois policiais.
- . – respondeu.
- O que... Como... Quem era ele? – apontou com as sobrancelhas para o magrelo que estava sendo algemado.
Quem era ele?
se perguntava a mesma coisa. O que aquele menino poderia querer com aquelas fotos? O que ele saberia sobre o assassinato de Ivane? Ele sabia de alguma coisa? Ele tinha sido o culpado?
Eram mil perguntas formando-se em sua cabeça ao mesmo tempo, tantas que não hesitou em correr até um dos homens que conduziam Gerald para a viatura e pedir para trocar uma palavra com o mesmo. Com a ação de , entendeu muito bem sua resposta.
queria saber aquilo tanto quanto ele. Ou mais.
Parou para admirar o menino por alguns instantes. nunca tinha se permitido realmente olhar para . E, sabe? Até que ele não era tão ruim quanto parecia.
Sua expressão de raiva e indignação com o menino de joelhos ossudos dizia o quanto ele se preocupava. E sua expressão enquanto via descer as escadas da casa gritava que ela era a única que tirava seu sono à noite.
‘Afinal, somos tão diferentes e tão parecidos, não é, ? Ele pensou, sorrindo para o rosto revoltado de quando o rapaz provavelmente a mandou se afastar do preso.
sabia que podia ser até aquele que recolhia as lágrimas da garota, mas nunca seria o causador delas. Não por querer fazê-la sofrer, mas sim por não conseguir fazê-la sentir. Não a esse ponto. Não a ponto de chorar de amor.
Chegou a um lugar que teria que abandonar as suas suspeitas. Não poderia culpar para sempre. Não poderia culpá-lo por ser o objeto do afeto de sua baixinha. Não poderia culpá-lo por um crime que, no fundo sempre soube, ele nunca cometeu.
E então se aproximou de ambos e de seu pai, que assistiam o carro policial ir embora, com uma estranha satisfação no peito. Aonde quer que estivesse, ela estaria feliz. Ela sabia se cuidar. E o sorriso em seus olhos só reafirmava isso.
- Você acha que eu sou o quê, hein? Alguma donzela indefesa? – ela perguntou grosseiramente para .
- É exatamente isso o que você é. – ele respondeu no mesmo tom.
- Pois fique sabendo que eu sei muito bem cuidar de mim mesma...
- Ah claro, então eu perdi minha noite vindo aqui!
- Eu disse pra não vir...
- Não importa o que você me diga, eu não vou parar de te proteger por causa disso. – ele cruzou os braços.
- Não estou pedindo para que pare, só pra que não exagere. – tomou fôlego. - Eu. Não. Sou. Mais. Criança.
E então no meio dessa discussão, riu. Só riu. Riu satisfeito, porque no meio daquela briga e de outras que viessem a acontecer, existiam mais sentimentos do que os olhos poderiam conter. E foi entendendo isso que, naquela noite, dormiu sossegado.

Capítulo 18- [N/A]: Se quiserem colocar pra carregar a música Save You, do Simple Plan, fiquem a vontade. ;)

Londres; Highgate High School; Segunda-feira; 7:40 da manhã.

saiu do Civic prateado naquela manhã ajeitando seus cabelos soltos e passando os olhos ao redor. Já tinha se acostumado com o clima da Highgate. Com o astral das pessoas. Mas naquele dia, justo naquele dia, parecia que algo estava diferente na atmosfera do colégio. Talvez fosse o fato de que a encarava com um sorriso nos lábios, escorado no Audi preto. Talvez fosse o fato de que Scott e Bennet estavam tão ocupados atazanando outra menina que nem perceberam sua chegada. Talvez fosse o semblante triste no rosto de Duan ao lhe acenar.
É, isso tinha doído.
Ela nunca quis ser a causadora de qualquer tipo de desapontamento. Principalmente a um garoto tão especial.
respirou fundo virando seu rosto em outra direção, para que suas reflexões sobre Duan não se aprofundassem. Não suportaria pensar em tê-lo rejeitado. Se pensasse nisso, automaticamente sua mente encontraria a noite de sábado. Rejeição. . Quarto. Beijo. Ok, tarde demais. Ela já tinha se lembrado da noite de sábado.

Mais estranho do que ela ter beijado o próprio primo e esse ter praticamente dito que tinha sentimentos por ela, era que ele não ligava. Ele não ligava.
agia como se estivesse numa felicidade plena. Como se nada daquilo tivesse acontecido, ou como se tivesse acontecido mais do que aconteceu.
não sabia ao certo descrever, mas parecia que ele estava... Satisfeito.
Ela era a única se importando com o que acontecera. Provavelmente ele não percebia quando ela refletia sobre o beijo, mas isso estava acontecendo freqüentemente.
E era normal. Ela sabia que era normal. Seus sentimentos com relação a ele tinham sido todos misturados em uma sopa e agora precisavam de resgate. Ela os estava resgatando. Um por um. Devagar, mas estava.
Sabia que nunca poderia apagar o ocorrido, mas no fim das contas, não tinha sido uma experiência ruim de forma alguma. Foi excelente. Excelente porque agora sabia exatamente o que sentia por ele.
Assim como esperava que ele soubesse o que sentia por ela.
Ele sabia.
Antes que ela pudesse refletir sobre mais alguma coisa enquanto caminhava pelo gramado do colégio, seus olhos foram atraídos para uma das mesas de concreto que ali havia.
estava lá, sentada com um sorriso frouxo, murcho. poderia jurar que nunca tivera visto algo assim em toda vida.
Nenhum sorriso tão murcho... Tão fraco. Nada que é fraco poderia ser chamado de sorriso.
Seu coração apertava só de olhar para ela. Aquela menina tinha mais tristezas guardadas no peito do que ela sequer um dia poderia imaginar. A única coisa que fez os pensamentos de se acalmarem, foi um garoto magro, sentado encolhido ao lado das escadas da escola.
O mesmo olhava para com olhos tristes. Mas não com olhos de decepção. Com olhos de amante. Tinha aquele olhar que só um amante poderia ter. Que só um amante poderia lançar ao seu amado.
- , tenho que ir à secretaria. – murmurou, ao seu lado. – Desculpe não poder te levar pra sala hoje, baixinha. Se cuida. – beijou-lhe a testa, como fazia normalmente.
Ela sorriu, e assim que o primo se afastou, voltou a olhar pra e seus olhos de amante.
Como alguém assim poderia trair? Como um menino tão ingênuo e apaixonado quanto ele poderia sequer pensar em trair a garota que ama? Porque ele amava. Oh, sim, amava. Isso era uma coisa que ele nunca poderia negar. Se seus lábios dissessem o contrário, seu corpo imediatamente diria outra coisa.
se recusava a acreditar que alguém como o poderia enganar outra pessoa. Ele não se encaixava na mesma laia do... Nick. Não mesmo.
No momento em que pensou sobre isso, uma dúvida foi acesa em seu peito. Uma dúvida que já estava adormecida por um tempo, mas que sua sede precisava ser saciada antes que se tornasse perigosa.
Mas o que podia fazer? A curiosidade sempre tinha sido um de seus piores defeitos... E uma de suas melhores qualidades.
Caminhou até ele, observando o caderno de rascunhos que ele rabiscava concentradamente. Tão concentradamente que nem percebeu quando ela se aproximou.
ouviu-o balbuciar algumas palavras enquanto alternava seu olhar do que estava escrevendo para . Algumas palavras que passaram a ter um sentido mais nítido quando ela se sentou ao lado do garoto.
- Eu nunca quis que tudo terminasse desse jeito... Mas você consegue pegar o céu azul e transformá-lo em cinza.
moveu a mão esquerda próxima a , testando se ele tinha alguma reação e notava sua presença. Mas não obteve resultado.
Como alguém podia ser tão pateta a ponto de não notar uma pessoa sentada ao seu lado? Ah claro, porque o amor deixava todos patéticos.
Ela sorriu ao perceber que essa era a única razão para tal falta de atenção. Amor.
Amor. Amor... Amor? E era aí que aquela dúvida acendida há poucos minutos voltava a arder.
Com a intenção de atrair a atenção do menino, puxou o caderno de rascunhos que estava nas mãos de para si. Assim que ele voltou seu olhar para a garota exclamando um “Hey!” indignado, ela lhe lançou um sorriso maroto. suspirou ao ver quem era, depois sorriu meigo.
- Oi, .
- Oi. – ela respondeu com uma animação que não foi retribuída pelas feições do rapaz. Ao perceber o quão perturbado ele estava, a garota olhou o caderno de rabiscos, onde algumas frases estavam escritas numa caligrafia garranchada. – O que é isso?
Os olhos de arregalaram ao vê-la lendo o conteúdo daquelas páginas. Sem pensar duas vezes, tomou o objeto de volta.
- Nada! Não é nada...
- Ah, qual é, ! Deixa de ser criança. – ficou emburrada, forçando um bico. – Me mostra. Qual o problema?
- O problema é que você vai rir. – ele explicou devagar, fechando o caderno e segurando-o firme contra o peito.
- Rir? Eu? – ela debochou, apesar de saber que, se houvesse motivo, ela seria a primeira em uma multidão a achar graça. – Tenho cara de palhaça ou o que?
- Não... Não é isso. É que... – ele, que tinha desviado os olhos por um momento, voltou a olhá-la. – Tudo bem. – suspirou derrotado. - Isso é uma... Uma música... Ou o esboço de uma.
Uma música? Certo. Isso era mais interessante do que ela havia pensado.
- E eu posso dar uma olhada? – perguntou esperançosa.
- Não está muito boa. – ele estava completamente sem graça. - Quer dizer, não está terminada. Ainda faltam algumas partes e provavelmente você vai achar estúpido...
- Nada que venha do coração pode ser considerado estúpido. – voltou a lhe sorrir. – Eu não sou boba, . Sei quem é a musa inspiradora.
- anda falando demais...
- Não é o . Qualquer um que tenha olhos nesse lugar pode ver isso. Ah, mas claro, a Highgate é como dizem: “em terra de cegos, quem tem olho é rei”.
- Isso é um ditado ou uma forma indireta de dizer que você é a rainha da escola? – ele riu baixo, seguido por ela.
- Você está ótimo. Já está até fazendo piadas!
- É...
- E aí, vou ler ou não? – voltou a perguntar piscando mais depressa, numa tentativa de induzi-lo com uma cara fofa.
O garoto apenas riu.
- Vai. Lê. – entregou o caderno à . – Mas se você der risada, uma risadinha que for, eu... Sei lá... Tomo o caderno da sua mão.
- Okay, menino das ameaças. Calma lá. – ela brincou, abrindo na primeira página.
Apesar de não saber exatamente o porquê, o coração de acalentava cada vez mais à medida que lia aquelas palavras. Qual é! Eram só palavras. Palavras...
A questão era essa, ela pensava. Não eram só palavras escritas. Eram sentimentos. Era o que sentia a respeito de , todos os pensamentos traduzidos em formato de versos.
- Eu parei aí porque não sabia como continuar. – ele falou baixo, coçando a cabeça como se estivesse envergonhado. – Na verdade, não sei de muita coisa. Saber não é o meu forte. Eu apenas sinto. E não gostaria que ninguém se sentisse assim...
- “Não desejaria que ninguém se sentisse como me sinto”.
- O quê? – perguntou confuso.
- A frase. Para terminar essa parte. – ela explicou. - Não desejaria que ninguém se sentisse como me sinto.
- Obrigado, . – sorriu. – Minha cabeça está mais bagunçada que minha gaveta de meias. Não sei como lidar com isso... se calou, apenas analisando a expressão chateada do amigo.
- Você a ama? – perguntou de repente.
- Como?
- Você a ama? Ama a ?
Apesar de ter sido pego de surpresa pela pergunta, não tinha dúvida alguma quanto a isso.
- Diabos... – sussurrou pra si mesmo. – Amo. Ainda a amo com todas as minhas forças. Mas a não me quer na vida dela. Ela prefere ficar com um babaca do time de natação a ficar comigo. Ela prefere achar que ele é o... – os olhos do garoto ficaram vermelhos com alguma lembrança, mas com um suspiro, ele se recompôs. – Deixa pra lá. Talvez ela esteja certa. Talvez eu não mereça estar ao lado dela...
Ah, sim. tinha acabado de abrir a brecha perfeita para colocar seu plano em prática.
- Por que não mereceria? – ela fez sua melhor cara de compreensão e desentendimento.
, como você é falsa’ Ela pensou consigo mesma.
- São coisas que... – ele se deteve. Depois de olhar para a menina ao seu lado por alguns segundos, prosseguiu. – Por favor, não deixe isso sair daqui. – ‘Bingo!’ quase sorriu ao consentir. – Foi há mais ou menos um ano...
E antes que contasse sua parte da história, se sentiu satisfeita consigo mesma em ter chegado justamente no ponto em que queria com tudo aquilo: a versão dos fatos de .
Sabia que ele não tinha culpa e queria, com uma vontade assustadora, provar isso.
Apurou seus ouvidos para que nenhum detalhe daquele relato lhe escapasse. Qualquer coisa, por menor que fosse, poderia ser útil mais tarde, quando ela investigasse a respeito.
- Sei que você sabe como eu gosto do Mark’s. – ela concordou. – Costumo ir lá vez ou outra, quando tenho que esfriar a cabeça ou pensar sobre algo importante... Muitas vezes a bebida me ajuda. Me ajuda a esquecer, ou simplesmente clarear minha mente.
“Eu estava decidido a dar um anel de compromisso pra , aquela noite. As minhas expectativas quanto às reações possíveis dela estavam me fazendo pirar... E quando eu digo pirar, eu falo sério. Eu ensaiava diálogos em frente ao espelho. Sabe o quão tosco é isso? Meu amigo Jack Daniels me daria coragem para entregar o presente. E foi aí mesmo que as coisas começaram a ficar... Confusas.
E a culpa não foi do Jack.
Kimberly estava lá. Na época a vadia ainda usava cabelo grande. Lembro como se fosse ontem. Ela sentou do meu lado no bar, e nós começamos a ter uma conversa casual sobre... Sobre qualquer coisa.
Ela se ofereceu pra me pagar uma bebida e claro, eu não recusei. Me arrependo amargamente disso até hoje...
Depois dos primeiros dois goles, só tenho lembranças de duas horas mais tarde. E mesmo assim, apenas flashes embaralhados.
me olhando com cara de nojo e gritando algumas coisas que, na hora, me pareceram desconexas. Eu no meu quarto. Kimberly ao meu lado.
Acho que nunca vou realmente saber o que, diabos, ela estava fazendo lá... Bem, a imagina. E as evidências denunciam.
Mas alguma parte de mim sabe que é impossível. A Kimberly só pode... Sei lá... Ter me estuprado!
Eu não fiz aquilo. Não faria aquilo com a . Mas como explicar isso a ela? Como explicar que eu não sou o canalha que ela acha que sou? Eu não tenho provas! Aliás... Ela já teve provas mais do que o suficiente do contrário. – os olhos de se encheram d’água. - Se passou um ano, . Um ano! Eu nunca tive olhos para nenhuma outra menina. Nenhuma despertou meu interesse. Não depois da . É como se eu tivesse experimentado do melhor vinho, e agora qualquer outro que eu prove nunca será bom o suficiente. Ninguém, fora ela, nunca vai ser o suficiente pra mim. Mas eu não sou o bastante. Isso é tão... Perturbador!
– as lágrimas que continha agora rolavam deliberadamente por seu rosto. - Às vezes prefiro voltar a ser o nerd idiota que apenas sonhava em tê-la, a ser o nerd idiota que a perdeu.
Eu venho tentado provar isso a ela desde que nos separamos. Venho tentado provar que nunca seria capaz de fazer algo assim. Que eu a amo. Mas a se recusa a me escutar e barra todas as minhas tentativas de tentar reparar as coisas.
Eu estou cansado desse jogo. De lutar e não obter uma resposta favorável. Nem um sinal!
Sei que ela já tentou me mostrar de muitas formas que tudo entre nós estava terminado, mas eu sou um grande teimoso, nunca acreditei. Agora essa verdade está entrando na minha cabeça. Empurrada, mas está. E isso está me matando.
Afinal, nem que seja por um momento, eu a fiz feliz? O que ela quer de mim, afinal?”
soluçou, só então escondendo seu rosto já vermelho entre os joelhos.
observou-o com os olhos também marejados. falava como se estivesse suportando uma dor física, não apenas emocional.
Mas que conexão havia entre os fatos? Kimberly poderia tê-lo dopado, porém como ninguém tinha percebido? Como ela o levou até em casa? Como tinha conseguido armar toda aquela cena? E ainda para ver... Com que propósito, se ela sabia, pois é claro que sabia, que nunca ficaria com ela depois daquilo?
Não era por amor. Com certeza não era.
Se realmente foi algo planejado, havia sido algo ardilosamente programado, que a mente estreita de Kimberly parecia incapaz de tramar.
Percebendo que as oscilações das costas de estavam aumentando, de forma que seus soluços também, não conseguiu pensar em ter outra reação a não ser acariciar seus cabelos.
Lembrou-se de quando era pequena e que sua mãe costumava a fazer isso nas noites em que tinha pesadelos. Ela passava a mão em seus cabelos. Era um carinho simples, mas pra sempre fora eficaz.
Acariciou durante vários minutos, até que o choro do rapaz finalmente cessou, momentos antes de tocar o sinal da escola.
- Se sente melhor? – ela perguntou. Em sua bochecha tinham desenhadas as trilhas que algumas lágrimas fizeram, enquanto ela observava o amigo chorar.
- Obrigado, . – ele limpou o rosto. – Nunca vou saber como te agradecer por isso.
- Mas eu vou. – E vendo a cara de interrogação do menino, ela disse: - Apenas sorria. Um sorriso verdadeiro seu terá feito tudo valer a pena.
- Prometo que vou tentar.
Ela se levantou. Bateu as mãos atrás da saia para limpá-la e, sorrindo, estendeu as mãos para , de forma a ajudá-lo a se levantar.
Quando o garoto ficou de pé, pôde observar o pátio da Highgate praticamente vazio.
- Então, senhor compositor, melhor correr pro banheiro rápido antes que sejamos barrados pelo atraso.
concordou, mas antes de se afastar, puxou , envolvendo-a em um forte abraço.
- Obrigado.
Ela sorriu.
- Vai lá.

Londres; Highgate High School; Segunda-feira; 8:07 da manhã;

chegou à sala de aula colocando seus livros no lugar de costume, na primeira carteira do canto esquerdo. Tinha dado uma passada no banheiro para lavar o rosto molhado de lágrimas e retocar o lápis de olho.
Não queria que ninguém a perguntasse sobre o porquê do choro. Não diria a verdade, mas também estava cansada de mentiras.
Seus pensamentos foram todos desviados para alguns livros que batiam contra a carteira do seu lado.
‘Ah, ótimo.’ Ela pensou ironicamente, apesar de no fundo saber que gostava da situação.
- Vejam só quem resolveu aparecer. – disse com um risinho no rosto.
- Vejam só que resolveu sentar do meu lado... De novo. – provocou.
- Okay, . Você me pegou nessa.
se acomodou na cadeira, depois virando o corpo em direção a ela.
- Por que tanto bom humor? – quis saber.
- Não posso?
Ela revirou os olhos e sorriu.
- Sabia que você ia falar algo assim. Claro que pode. Mas eu quis dizer... – pigarreou. – Você descobriu alguma coisa sobre aquele garoto... – sussurrou. - O Gerald?
A expressão de se alterou completamente, de um sorriso leve para um semblante sério.
- Ele tinha várias fotos suas – começou a falar, também num sussurro. – na câmera fotográfica. Parece que ele vinha te espionando há já um tempo... Esse garoto não tem nenhuma sanidade mental. Ele perseguia você. Assim como perseguia Ivane.
- O que quer dizer?
- Ele tinha fotos dela na máquina também. Inclusive fotos do dia em que ela foi... – ele tentou prosseguir, mas não conseguiu.
Depois de tanto tempo, ele ainda não conseguia completar essa frase. “Assassinada”. Não conseguia falar em Ivane no passado sem se sentir mal. Não conseguia simplesmente falar nela como se ela... Não existisse.
Ela não existia. Não mais.
- Entendo... – falou, refletindo sobre o assunto. – Você acha que ele tem alguma coisa a ver com o assassinato?
- Talvez.
Ele respondeu seco, cortando o assunto.
Ambos se viraram para frente quando o professor Walker pediu a atenção de todos. Mas apara o azar do professor Walker, ou deles mesmos, a mente de cada um vagou para um lado diferente.
A de partiu para o lado das suposições: “e se ele fosse o assassino?” “e se ele quisesse a matar?” “e se Ivane ainda estivesse viva?”. E foi aí que seus pensamentos pararam.
E se ela estivesse viva?
com certeza estaria com ela. Estaria com ela como um namorado apaixonado, e seria uma estranha no colégio, apenas os observando de longe e se perguntando: “e se fosse com ela?”
Será que ela e se falariam? Não. Muito provavelmente não. Será que... Será que ela se apaixonaria por ele?
Talvez, se nada disso tivesse acontecido, ela estaria apaixonada por seu primo... Ou pelo Duan. Mas a questão é que não se pode fugir das circunstâncias.
Ela abraçou o próprio corpo, querendo afastar e sua mente qualquer imaginação que a fizesse pensar em e Ivane. Juntos. Se amando.
analisava toda e qualquer memória que tivesse a respeito de Gerald. Já tinha visto o menino algumas vezes. Perto de . Perto de Iv. Mas mesmo assim, não conseguia ligar a ele aquele assassinato.
Gerald não parecia o tipo de menino que agia. Parecia apenas o tipo de menino que espreitava.
E quem muito espreita, pouco age.
sabia disso.
Mas caso não fosse assim, caso descobrisse que Gerald era o assassino, teria que levar a cabo a promessa que fizera a Ivane.
E foi pensando nisso que sua mente vagou até tão fatídico dia...

“Por mais que tentasse, naquele sexta-feira à noite, não conseguia parar de gritar por ajuda. Não conseguia guiar sua mente até uma solução, ou qualquer coisa útil que pudesse dizer ou fazer naquele momento.
Ele estava programado para gritar. Programado para se desesperar.
Ali, sentado no ladrilho frio do banheiro e abraçando o corpo já mole de Ivane, não conseguia imaginar outra coisa que não fosse maneiras rápidas e eficientes de tirar a própria vida.
Seus olhos alternavam do rosto assustado da amada, que ainda respirava, para a mancha vermelha na altura de seu peito, na camisola cor-de-rosa.
O sangue de Ivane jorrava quente em seus braços, sujando o chão e a porta do ambiente, deixando aquele lugar a cena perfeita de um crime.
- Iv!... Ivane! Por favor, Iv, não vá embora. – Ele gritava.
A garota o olhava com a respiração descompassada, como se quisesse lhe responder alguma coisa, mas não conseguia falar. Não conseguia se mover.
Ela sentia que a vida estava indo embora dela. Saindo dela através de seu peito perfurado.
- Iv, por favor. – levantou o tronco da menina, envolvendo-a em um abraço.
Eram tantas as coisas que queria dizer naquele momento que nem se importava com a altura de seus soluços, ou com quantas vezes as frases saíram emboladas. Ele apenas queria falar. Queria dizê-la o quanto a amava, o quanto sua vida seria nada se a mesma partisse.
Queria lhe fazer carinhos, lhe encorajar a agüentar firme, queria dizer-lhe para ter esperança.
Mas os sentimentos de estavam tão misturados que nem ele mesmo sabia dizer o que sentia. Não sabia se sentia medo, insegurança, tristeza, desespero... Esperança.
Uma parte dele queria acreditar que ela ficaria bem. A parte dele que ainda lembrava alguma coisa de sua infância.
Outra parte, a realista, sabia que ele estava perdendo ali o seu grande amor.
Vida maldita. Ele teria pensado, se tivesse pensado alguma coisa.
Com muito esforço, Ivane conseguiu sorrir e mover os lábios, de forma que ele lesse ali seu último: “Eu te amo”.
E então, ela partiu.
Sem uma despedida. Sem um nome. Sem uma pista que fosse.
Depois de chorar abraçado com a amada durante algum tempo, outro sentimento, além da tristeza, começou a predominar nas emoções de .
A raiva.
Afastou um pouco o corpo de Iv do seu, beijando-a pela última vez, e em seguida, sussurrando uma promessa em seu ouvido:
- Eu vou mandá-lo para o inferno. – falou por entre os dentes. – Quem quer que tenha feito isso com você, Iv. Eu vou matá-lo... Nem que vê-lo morto seja a última coisa que eu faça.
...”


‘Vou mandá-lo para o inferno.’ Lembrou, fechando os olhos na aula durante um segundo.
Ele prometera a Ivane acabar com a vida de quem lhe tinha feito mal. Isso seria heróico, sim, se por outra perspectiva, ele não tivesse prometido a ela que se tornaria um assassino.
Um assassino.
Chegava até a ser irônico. Enfim ele se tornaria o que tanto negou ser.
Mas no principio, ele não se importava. Não se importava porque, assim que tirasse a vida do infeliz, ele seria o responsável por acabar com a sua própria. Não queria mais viver, não queria mais sua miserável existência, assim que seu objetivo estivesse cumprido.
Ele não queria.
Mas então, entrou na sua vida. Entrou na sua vida e trouxe com ela a luz que tinha sido roubada dele.
Não por parecer com Ivane. Mas por ser seu encaixe perfeito. O encaixe que nem Iv conseguia ser.
entrou na escola e conseguiu monopolizar toda a atenção do menino para si. A atenção e os sentimentos.
Uma parte de acreditava que, se Ivane estivesse viva, ele seria capaz de deixá-la só para esperançar ficar com .
A garota tinha a habilidade de iluminar as partes escuras em seu coração, tinha a habilidade de fazê-lo se sentir... Alguém.
No fundo, sempre soube que isso era tudo o que queria. Se sentir alguém. Se sentir parte de alguma coisa.
Muitas vezes, com Ivane, ele chegava a pensar que era apenas um mero objeto sexual. Sem nenhum valor emocional para a mesma.
Para , não.
Ela o sentia. Ele conseguia mexer com ela... Ela chorava por ele.
Seria ela, mesmo depois de tudo, capaz de amar um assassino?
Depois de fazer algo assim ele ainda seria capaz de conquistar o seu amor?
Mas não queria pensar sobre isso. Queria ao máximo controlar o que sentia. Pelo menos até cumprir a promessa. Até cumprir a promessa e pensar em como lidar com essa situação depois.
Se mataria? Se entregaria?
Qualquer uma dessas saídas significava ficar sem ela. E era sabendo disso que ele tinha medo. Tinha medo das proporções que seu gostar podia tomar.

Londres; Highgate High School; Terça-feira; 4:43 da tarde;

- Vamos, . Vamos. Vamos! – o treinador Stevens gritava na quadra, incentivando-o a correr mais com a bola enquanto driblava alguns colegas.
Mesmo que voltar para o time de futebol tenha sido exclusivamente com o propósito de vigiar , não conseguia não se sentir bem ao praticar o esporte. Era a dança que ele mais gostava.
O gingado dos dribles, a arte do goleiro e a glória dos gols. podia continuar fazendo isso para sempre.
- Atenção, zaga! – Stevens gritou para os jogadores do outro time, assim que se aproximou.
Edgar, um grandalhão, foi facilmente ultrapassado por , deixando assim que a única pessoa entre ele e o goleiro fosse Scott.
‘Venha, .’ O moreno pensava.
Quando Scott olhava para , seus olhos sempre se estreitavam, sua boca sempre ficava amarga.
Culpava o menino por todos os problemas que tivera na vida. Principalmente a humilhação de ter apanhado do mesmo no corredor da escola.
era um lixo, segundo a concepção de Scott. Uma anomalia da natureza que não merecia estar naquele colégio. Que não merecia viver. Scott o odiava. Oh, sim. Concentrava toda a raiva de suas frustrações em .
Aquele perdedor merecia ser punido. Merecia ser punido apenas por respirar o mesmo ar que os demais.
Uma vontade nova cresceu em Scott. Ele queria feri-lo.
- Scott, é com você! – o treinador gritou.
‘Pode deixar comigo.’ Pensou, antes de sorrir maliciosamente e tomar impulso, jogando-se repentinamente no chão para impedir de passar da área com um carrinho.
Um carrinho o qual Scott tinha imprimido toda sua força.
A mente do garoto já previa os jogadores em volta do ferido. Já previa ele nos próximos dias com a perna engessada. E isso trazia a Scott uma felicidade imensa.
Quando sua chuteira ia acertar a canela de , o mesmo levantou a bola e pulou por cima da perna do garoto, desviando-se do impacto.
Uma onda de decepção atropelou Scott ainda mais quando viu os jogadores da outra equipe, no treino, comemorando o gol.
- Muito bom, . Muito bom. – Stevens aplaudiu.
Scott sentou no chão olhando a sua volta e percebendo um olhar acusador na sua direção. Duan. Duan o olhava como se soubesse exatamente de suas intenções ao dar o carrinho. E o condenava.
‘Vá se foder.’ Scott pensava em resposta.
Sua raiva era grande, mas não maior do que a que teve quando viu o sorriso vitorioso nos lábios de .
Oh, sim, . Você seria punido. Mais do que já tinha sido...
Observou o menino sair da quadra junto aos demais, assim que o sinal para o término do treino tocou.
sabia perfeitamente bem quais eram as intenções de Scott naquela hora. Mas preferia ignorar. Achava que o menino não era merecedor do mínimo de atenção de fosse.
Encontrou e também se dirigindo ao estacionamento.
estava com os cabelos presos, olhando para ele com menos resguardo do que olhava há uma semana. , assim que viu o rapaz, tirou a gominha dos cabelos, deixando que eles caíssem sobre a blusa do uniforme.
- Boa tarde, meninas. – ele tentou parecer simpático.
respondeu com uma risadinha. sorriu e virou o rosto, com a falta de graça.
- Você atropelou o dedão do Scott com uma bicicleta ou algo assim? – disse, ao ver o garoto carrancudo passar e esbarrar propositalmente em .
- Não preciso fazer qualquer coisa assim pra que ele fique raivoso.
- O que aconteceu? – perguntou, preocupada.
- Nada. – ele deu de ombros. – Meu time apenas ganhou do dele. Só isso.
‘Só isso’. pensou. Nunca pode ser “só isso” quando se trata da Highgate.
Scott parecia realmente furioso. E se ele quisesse fazer alguma coisa contra ? E se o ferisse? O coração de bombeava mais rápido só de pensar nisso.
Vendo a expressão perturbada no rosto da garota, colocou a mão em seu ombro, detendo o andar de , assim como o seu.
- O que foi? – perguntou baixo.
percebendo que os dois tinham ficado para trás, parou de andar a alguns metros de distância.
- Nada. – Ela tentou aparentar leveza, mas ele não a levou a sério. – Nada, sério.
- Se você diz...
- ! O já chegou. – chamou-a.
- Ah! – a garota falou, olhando para como se lhe devesse alguma explicação. – Prometi a eles que os ajudaria com... Alguns assuntos. Preciso ir, .
- Te vejo amanhã? – ele perguntou.
sorriu.
- Até amanhã, .
Deu as costas ao rapaz e andou com até o Hyundai i30 de .
Com a chegada de quase tinha se esquecido de que combinaram de ir ao Mark’s, para estimular os flashbacks de . jurava que tinham estado lá na semana do assassinato, então era lá mesmo que iriam.
Durante o caminho, pensava sobre e . Há quanto tempo não via um brilho assim nos olhos do garoto? Não poderia dizer que havia aproximadamente um ano, porque nem mesmo com Ivane os olhos dele brilhavam tanto. Será que havia sido capaz de restaurar todo o coração do menino? Até a parte que já estava arruinada quando Ivane chegou?
Fosse como fosse, ele estava feliz. E sabia que ele seria incapaz de fazer mal a ela. Seria incapaz de fazer mal ao motivo da sua felicidade.
Chegaram ao bar velho e sentaram-se no lugar onde costumavam há algum tempo atrás, antes da tragédia. Costumavam sentar lá com , , e às vezes até mesmo Ivane e , para jogar conversa fora.
Era uma mesa de madeira baixa, no fundo do pub, onde podiam ter a visão de tudo.
tinha até se esquecido de como gostava da sensação de se sentar ali. De conversar e estar naquele lugar com os amigos. Eram memórias que pareciam habitar um passado muito distante, tão distante que ele mal podia relembrar os papos, os sorrisos.
e juntos, apaixonado por uma líder de torcida, Ivane viva e feliz. Quase parecia um universo paralelo.
sorriu ao pensar que o único casal que não teve nenhuma alteração real, tinha sido ele e . Ainda bem, pois aquela era a garota que ele desejava desde os quinze anos de idade...
- E aí, ! – Marcus, o gerente, gritou do bar. – Vão querer alguma coisa?
- Nada por enquanto, Marcus. Obrigado. – ele respondeu, depois passando os olhos pelo ambiente.
Perfeito. Não estava muito cheio. Ninguém repararia em alguma coisa diferente que pudesse dizer ou fazer durante algum de seus flashbacks.
Quase não havia pessoas da Highgate. Apenas alguns nerds, que iam para lá tentar fazer a lição de casa.
- Pronto, . – disse. – Era aqui que Ivane sentava. – Apontou para a cadeira a sua frente, e a menina seguiu até lá sem contestar.
- Okay. – suspirou. – Devo fazer mais alguma coisa?
- Não. Acho que já está bom. Agora é só esperar que algo me seja familiar...
E assim ficaram durante um bom tempo, falando sobre coisas banais e esperando que alguma memória de fosse reatada. Apesar da decepção aparecendo na feição de todos na mesa, eles não iriam desistir.
, principalmente, tinha o pressentimento de que ali tinha acontecido algo muito importante para o entendimento de toda aquela história. Só não conseguia conectar os fatos. Não podia imaginar o quê.
Quando decidiu ir ao banheiro e apoiou na mesa para se levantar, soube exatamente o que era.

“O calendário marcava quarta-feira, na parede do pub. Naquele dia, aparentemente toda a escola tinha decidido aparecer no local. Estava bem mais animado do que de costume. Rock tocava no fundo, as pessoas dançavam, riam e se embebedavam.
Diferentemente de todos sentados a mesa, Ivane estava quieta, e olhava os presentes com um olhar sorrateiro, calculista.
- Cadê o , Iv? – perguntou abraçado a . Como sempre, o mais indiscreto.
chutou-o por debaixo da mesa, e assim que ele a olhou, ela fez careta. Sabia muito bem o que tinha acontecido entre e Ivane no dia anterior. Não queria que a amiga ficasse recordando isso.
Ivane tinha tendências destrutivas, impulsivas. Sempre que alguém lhe fazia mal, a loira queria revidar sete vezes pior. E sabia que ela era capaz. Se há uma coisa que Ivane sempre tinha tido, era malícia.
Uma malícia num nível que nunca saberia entender.
Iv olhou para e apenas lhe lançou um sorriso sarcástico. Isso bastou para fazê-lo engolir a seco.
e pareciam se divertir observando conversar com Ashley, outra líder de torcida, do lado oposto do pub.
A espinha de gelou ao ver a expressão ardilosa de Iv se tornar um sorriso sombrio. Nada de bom vinha daquele tipo de sorriso. Principalmente dos sorrisos dela.
- Iv... – ela começou a falar, tentando impedir a amiga de fazer o que quer que ela estivesse planejando.
- Relaxa, . – ela piscou, apoiando na mesa para se levantar. – Acho que vou ao banheiro.
- Ivane... – disse numa voz apreensiva. Assim como , não gostava nem um pouco quando a menina assumia o aspecto malandro.
- É só um segundo. – ela fez bico. – Prometo me comportar.
- Você não precisa de dedos cruzados para quebrar promessas. – disse. – Eu a conheço.
- Então sabe que não vou fazer nada demais.
Com um sorriso, ela se afastou da mesa.
A garota usava um vestido preto de couro colado, curto, uma bota, maquiagem forte. Com certeza não estava vestida como quem estava na fossa. Ou como quem quer agradar o pai.
Ivane estava ali armada para montar seus planos e estratégias. Planos esses que nunca acabavam de uma forma boa.
Sempre alguém saia ferido.”

avistou Ivane voltando para a mesa, depois de aproximadamente uma hora, trocando os pés.
A menina ria à toa. Seus cabelos estavam bagunçados e a roupa torta, como se tivesse tentado colocá-la novamente no lugar, mas sem resultado.
‘O que você fez?’ Sussurrou para ela, assim que a mesma se sentou.
Ivane sorriu, umideceu os lábios com a língua e sussurrou de volta:
‘Você sabe o que eu fiz’
...”


- Amor? – perguntava, segurando os ombros de . – , o que você viu?
também olhava espantada para a menina. Pela expressão da amiga, não podia ter visto coisa boa.
levantou os olhos do vazio e olhou para os dois.
- Ela o traiu. Aqui. – falou baixo, para que ninguém mais tivesse a chance de ouvir. – Ela traiu o . Foi aqui onde ela teve sua vingança.
O coração de bateu inquieto, ao pensar no quão chateado ele ficaria se soubesse disso. Já surgiu com outra pergunta:
- Com quem?
balançou a cabeça negativamente, depois disse:
- Não sei.

Londres; Highgate High School; Segunda-feira; 5:03 da tarde;

Já tinha se passado uma semana desde que conversara com , sobre . Uma semana tinha se passado desde que ela, sempre, em pelo menos alguma hora do dia, pensava nisso.
Era trágico de se pensar. E ainda mais de se ouvir.
As lágrimas de ficaram guardadas na cabeça da garota. Seu choro. Suas palavras. Palavras que também eram expressadas nas páginas de seu caderno. fechou os olhos por um momento, durante sua andança até a porta da Highgate, depois da educação física.
Seu corpo estava aquecido graças aos exercícios. Os cabelos finos presos por um rabo-de-cavalo e desgrenhados na frente, o pescoço suado. Odiava ser vista quando estava daquela forma, mas sentia como se isso fosse essencial. Essencial para que as pessoas a aceitassem como ela é.
Acreditava que, se uma pessoa tivesse que gostar dela, teria que aprová-la em todos os seus momentos. Momentos esses que variavam desde quando ela estava super produzida para uma festa, até quando ela parecia desarrumada ao acordar.
Respirou profundamente, colocando os fios de cabelo que estavam em pé para trás da orelha.
Seu relacionamento com ia bem, obrigada. Ou melhor, bem a medida do possível.
Às vezes gostava de fazer paralelos entre o do início do semestre e esse, que agora ela conhecia. estava mais extrovertido, mais alegre, mais vivo... Porém não menos encantador. Se há alguma coisa que aquele garoto não perdia, era o encantamento. O encantamento e toda sua aura de mistério e sedução.
Seus olhos agora mais brilhantes e menos foscos, eram até mais atraentes. De qualquer forma que ele estivesse, a cada dia que passava ele se tornava mais fascinante para ela.
Mas quem queria enganar?
Ela estava completamente apaixonada por .
Ela deu risada ao finalmente perceber o que há tanto tempo era tão óbvio.
Ouviu a voz de chamá-la do Audi preto, como se essa voz tivesse sido atraída pela força de seus pensamentos.
Aproximou-se dele com um sorriso nos lábios, e involuntariamente, soltou seus cabelos.
Não sabia porque tinha tanta necessidade de estar com eles soltos na presença de , mas tinha. Talvez, quando estava perto dele, ignorava a própria política de “ser aceita do jeito que é” e quisesse parecer mais bonita.
Provavelmente era isso.
- E aí? – tentou parecer descontraída, ao parar na frente do rapaz.
O que ela não sabia era que, para , de qualquer forma que ela estivesse, ela estava ótima. O menino achava bonito até o ritmo de sua respiração. Aliás, qualquer prova de que ela estava viva e ao seu lado era extraordinariamente adorada por ele.
Desde a morte de Ivane, a comprovação de que o que ele vivia era real, tinha se tornado uma necessidade. E a única hora em que tudo parecia normal, em que tudo parecia certo, era ao lado de .
Ela tinha sido a primeira a se importar.
Ao ver o sorriso nos lábios dele, se lembrou da semana anterior, quando voltou a lhe dar carona. Sentia-se mais confortável assim. Voltar para casa ficava melhor quando ela estava com ele. Não com um táxi. Não com qualquer outra pessoa.
tinha um jeito singular de morder os lábios e colocar os cabelos para trás da orelha. Não era nada parecido com o jeito de Ivane.
Aliás, as duas eram totalmente diferentes.
Às vezes, por mais que se envergonhasse disso, se pegava pensando em como poderia ter se apaixonado por alguém como Iv. Alguém tão egoísta. Tão egocêntrica.
Ivane gostava tanto das coisas erradas que algumas vezes chegava até a ser cruel. Gostava de jogar com os outros, como se fossem suas marionetes. De vez em quando, se sentia apenas mais uma. Mais um boneco do grande jogo de Ivane.
Ele sabia que, de um lado mórbido, uma parte dela que tinha ficado feliz em morrer. Enfim ela tinha conseguido o que queria: escandalizar na vida e na morte.
, em contra partida, apesar de não ser uma garota completamente comportada, tinha seus limites. Ela os estabelecia a si própria e aos outros.
Quando passava desses limites, era puramente com a intenção de se divertir, e nunca de fazer mal a alguém.
Para ela, todos eram “alguém”.
E era toda essa sabedoria que surpreendia . Como tanta astúcia cabia dentro de um corpo tão pequeno? [N/A]: coloque para tocar! Obs. Pode ler com bastante calma.
Ela era obstinada, esperta, generosa. Não chegava a ser algo como “a gêmea bondosa e a gêmea cruel”, porque sabia que fazia tanto coisas certas quanto erradas. Ela tinha suas malícias e molecagens. Mas não como as de Ivane. não feria alguém intencionalmente.
Pensou em algo como: “uma gêmea com sentimentos e a outra sem”. Mas seria uma grande mentira. Todos têm sentimentos e ninguém sabe controlá-los. A diferença é que uma das gêmeas tenta, enquanto a outra os esconde.
Escondia.
esticou sua mão esquerda para abrir a porta do Audi para , ao mesmo tempo em que ela esticava a direita para fazer o mesmo. Quando suas mãos se encostaram, instantaneamente recolheu a sua, como se tivesse levado um choque... Ou um susto. Não sabia o que causava aquelas reações em si mesmo. Podia dizer que não tinha idéia, mas isso não seria inteiramente verdade. O motivo disso podia muito bem ser a memória e a culpa que sentia pela morte da ex-namorada.
Passou um ano se acostumando a repelir as garotas para agora querer mudar completamente de hábitos, com a chegada de uma.
Era uma mudança difícil.
Mas ele estava disposto a conseguir.
havia encolhido os ombros e o olhava com o semblante machucado. Sentia-se rejeitada, e agora que finalmente tinha se declarado apaixonada por ele, essa ferida doía ainda mais.
- Okay, isso é patético. – ela disse irritada. – Você tem nojo de mim ou o quê? Do que tem tanto medo?
E isso serviu como um incentivo para que fizesse o que ele queria há meses.
Ele não tinha nojo dela, porém tinha medo. Tinha medo de afundar ainda mais no sentimento que, ele sabia, uma vez dentro, nunca mais o permitiria ser o mesmo.
esqueceu completamente o cavalheirismo ao puxá-la pelo braço. Esqueceu completamente o cavalheirismo ao emaranhar os dedos em seu cabelo sedoso e escuro.
Finalmente tinha ultrapassado a linha que estabelecera para si mesmo: permitiu-se ter sentimentos por outra mulher.
Ela queria saber o que ele temia.
‘Do que eu tenho medo?!” Ele pensou.
- Disso - sussurrou, pouco antes de sentir seus lábios finalmente junto aos dela.
Sua língua pediu passagem com uma urgência voraz, que foi igualmente correspondida pela menina.
fechou seus olhos, cravando as mãos nas costas de , que não menos violentamente segurava sua cintura e apertava seus cabelos.
Ela sentia calor. O calor do corpo de , colado ao seu. O calor da respiração do rapaz em sua bochecha. O calor de sua boca e língua, tão concentrado na ferocidade daquele beijo.
girou o corpo, de modo a conduzir a rapidamente se encostar contra a porta do carro. Ter uma superfície sólida a que se apoiar permitiu aos dois mais contato físico. Mais contato entre as peles por baixo das roupas.
Naquele instante sim puderam perceber o ritmo do coração um do outro. Acelerados, eletrizados. Assim como os dois estavam.
Quem via a cena devia ficar no mínimo constrangido. Mas quem ligava? Com certeza não e .
levantou-a até que essa estivesse sentada na altura do sulco da janela, e sem perder tempo, enlaçou a cintura do garoto com as pernas, enquanto subia uma de suas mãos para o cabelo do mesmo.
sorriu durante o beijo. Quase se esquecera de como era bom o sabor de um beijo assim. De um momento assim.
Talvez, na realidade, nunca tivesse vivenciado algo assim. E ele não queria parar tão cedo.
Do outro lado do estacionamento, um garoto moreno alto observava a cena com um sorriso de escárnio no rosto.
Scott estava posicionado atrás de sua picape, admirando tudo aquilo como se fosse uma atração de circo. E para ele era. Mas era apenas a atração inicial. O espetáculo em si estava por vir...
Foi no meio de lembranças que ele sussurrou para si mesmo:
- Meu prazer será ver a sua ruína, . Eu já fodi com a sua vida uma vez... E farei isso novamente .

Capítulo 19-

Londres; Audi preto; segunda-feira; 5:40 da tarde;

teria ficado surpresa ao ver entrar na rua errada, a caminho de sua casa. Teria ficado surpresa ao saber que fora de propósito, mas não ficou. Não ficou porque no fundo sabia o que ele pretendia fazer.
Ou não.
Claro que não.
Porque ficou extremamente surpresa ao olhar pro lado, assim que ele estacionou, e ver uma mansão abandonada.
Um cara normal a teria levado ao cinema. Um cara normal a teria levado ao parque de diversões. Um cara normal - um nerd talvez, mas não um cara normal - a teria levado para uma feira de quadrinhos. Mas com certeza, um cara normal nunca a teria levado a uma mansão abandonada. Sério. Qual era a dele?
- Ahn... Eu perdi alguma coisa? – perguntou inocentemente.
apenas riu, o que a fez levantar uma das sobrancelhas.
- Sério, . Tudo bem você desviar do caminho da minha casa pra me levar... Sei lá, pra jantar, mas me trazer para frente do portão de uma mansão abandonada? É muito estranho... Até mesmo pra você.
- Desculpe. – ele disse, embora ainda sorrindo. – Eu queria te mostrar esse lugar. – o sorriso desapareceu subitamente e seu olhar ficou vago. – Não sei por quê. Só quis.
- E esse lugar é o que, exatamente? – voltou seus olhos para a construção.
O portão de finas lanças negras guardava uma enorme casa de três andares, ao fundo. A mansão tinha as janelas escuras e as paredes num tom já gasto de salmão. Alguma gosma verde escorria do telhado, indicando a falta de limpeza do local.
Além do abandono, a residência tinha um vento mais fresco, mais sombrio. Algo naquela atmosfera era capaz de arrepiar até o último cabelo. Aquela casa parecia não apenas solitária... Mas morta. O céu concentradamente mais cinzento por trás dos salgueiros do jardim apenas reforçava aquela sensação.
Por que a havia levado ali, afinal? Quero dizer, que tipo de pessoa tinha fantasias com aquele lugar?
- Eu morava aqui. – ele disse. - Até ano passado.
‘Cruzes’ pensou, mas recompôs sua feição séria rapidamente.
- Hm. O que aconteceu aqui pra você se mudar? – olhou-o curiosa.
fez alguns segundos de suspense, devorando-a com o olhar como se não quisesse perder nenhum detalhe de sua reação.
- Um assassinato. – ele deu de ombros. Depois abriu a porta do carro e o contornou com a mesma tranqüilidade que teria se tivesse dito: “Você viu o jornal essa manhã?”
Mas isso não assustou . Assustou, aliás. Mas não o fato de ele ter dito as palavras daquele modo. A garota sabia muito bem que, quando as pessoas se importam demais com algo, gostam de demonstrar que não ligam, como uma defesa natural.
Assim como fez naquele momento.
Isso não a assustou. O que realmente era apavorante era o fato de ele tê-la levado pra lá.
Assim que o menino abriu a porta, ela o olhou com uma cara que o mesmo julgou estranha, fazendo-o gargalhar.
- Sério, por que me trouxe aqui?
parou de rir se sentindo um completo idiota. Os impulsos de suas vontades o haviam levado a dirigir até aquele lugar. Era seu desejo levá-la à mansão... Mas estava nervoso... E ria. Ria porque achava graça nas caretas da garota e ria porque estava inteiramente ansioso.
- Por que me trouxe aqui, ? – voltou a perguntar.
O rapaz ficou um tempo em silêncio, depois respondeu, com uma solenidade fria na voz:
- Porque hoje, pela primeira vez, eu segui em frente. – ele sorriu fraco, forçando-a, com um brilho renovado nos olhos, a fazer o mesmo.
segurou a mão da menina, conduzindo-a para fora do carro e assim que ficou em pé ao seu lado, ele entrelaçou seus dedos, lançando-lhe um sorriso torto.
Incrível como, em alguns momentos, as coisas parecem tão perfeitas. Não importa se são apenas minutos ou segundos, mas pequenas provas desses instantes ideais são capazes de dar a alguém um motivo para viver. E esse motivo seria a esperança de viver novamente a perfeição.
Era exatamente isso o que pensava, enquanto caminhava de mãos dadas com rumo a uma divisória menor do portão preto. Assim que chegou, tirou o chaveiro do Audi de seu bolso, e com uma das chaves nele pendurada, abriu a portão menor.
O ranger teria feito estremecer se ela não se sentisse completamente segura ao menor contato físico com . Um toque dele era capaz de fazê-la se sentir envolta em um manto de proteção.
Quando colocou os pés dentro da propriedade, um novo ar gelado foi de encontro a suas pernas descobertas. As folhas que se amontoavam no chão foram arrastadas pelo vento, que inalou. Aquele lugar tinha um cheiro estranho. Era uma mistura do ar mais puro das plantas com uma poeira fantasma. Um cheiro de móvel velho... De cemitério.
só voltou à realidade quando ouviu o bater do portão, atrás de si. Voltou-se para olhar e acabou encontrando os olhos de um acanhado, que enquanto uma de suas mãos estava ligada a dela, a outra estava timidamente escondida no bolso.
- Acho que você não quer me mostrar o local exato onde... – ela começou receosa.
Ele sorriu.
- Não, não. Não vou te mostrar onde aconteceu.
Ele continuou andando em direção ao casarão velho, que parecia aumentar cada vez mais a cada passo que davam.
- Então pra onde...?
- Nos fundos da casa – ele interrompeu – há uma piscina. É a única coisa que eu fiz questão de que fosse tratada.
Apesar de se perguntar o que ele via demais nisso, seguiu com ele sem contestar.
Ao contornarem a grande e sombria casa, a alguns passos, tinha uma enorme piscina, que de fato, era a única coisa nas redondezas de aparência preservada.
- Minha mãe a adorava. – Ele esclareceu. – Por isso fiz questão de mantê-la inteira.
- É uma boa piscina.
- Já foi melhor – ele deu de ombros.
seguiu até uma das espreguiçadeiras brancas de plástico e sentou-se na beirada, com se postando ao seu lado.
Ela examinou o rosto contemplativo de , perguntando-se sobre o relacionamento do mesmo com a mãe. Depois de um breve momento calada, ela se pronunciou, ainda observando a luz fraca do sol que batia na água refletida nos olhos menos opacos do rapaz.
- Como ela era?
Ele suspirou, apoiando os cotovelos no joelho e dando um sorriso fraco.
- Ela era tão linda e tão doce que até hoje me pergunto como ela agüentou meu pai – ele riu. – Se bem que a tolerância deve ser algo natural nas mulheres. Você está aqui, não está?
- Estou. – torceu a boca. – Mas duvido que o motivo pelo qual ela estava com seu pai fosse a tolerância.
- Que outro motivo pode haver?
sentiu-se desconfortável, abraçando a si mesma pelo frio e por não querer dizer a resposta. , percebendo o silêncio, encarou-a e notou suas bochechas coradas.
Ele levantou as sobrancelhas, sua face ficando rosada numa dedução silenciosa. Depois ele verbalizou seu entendimento:
- Amor.
- Não acha que tenha sido isso? – ela perguntou.
- Acho que meu pai não é o tipo de ser humano amável.
- Duvido que ele seja tão ruim.
- , não veja tanto o bem nas pessoas. Muitas delas não merecem. – Ele respirou profundamente, depois passou as mãos nos cabelos.
- Você acha que não merece?
voltou a olhar pra frente.
- Talvez não mereça. – Falou, em um murmúrio triste. – Ninguém que perdeu a motivação de viver pela morte de alguém que amava merece ser visto com bondade. O amor a vida nos torna humanos. Sem isso não sou nada.
- Então o que eu sou? – quis saber.
a olhou espantado. Perguntou-se se ela havia escutado direito o que ele acabara de falar.
- Conheço poucas pessoas que amem tanto a vida quanto você, .
- Então não me conhece. – Ela declarou. – Por muitos anos pensei que sofreria menos se morresse. - sentiu-se como se tivesse acabado de levar um tapa no rosto.
- Por quê? Você nunca perdeu ninguém...
- Você acha que não? – franziu o cenho.
Enquanto o vento soprava, arrastando as folhas e os fios de cabelo soltos de , engoliu em seco. As ondulações da água acompanhavam o chacoalhar das árvores e a temperatura anunciava a proximidade do inverno.
Os olhos de desceram do olhar severo de para sua saia, que rodopiava com a ventania.
- Quem? - perguntou.
ajeitou os cabelos atrás da orelha, antes de começar a falar. Seu olhar vacilou do incisivo ao triste, no mesmo instante.
- Eu tinha uma irmã. Lilian – esclareceu. – Ela era três anos mais nova que eu. Hoje pode não significar muita coisa, mas na época ela me tratava como sua tutora, como se eu pudesse dar todas as informações que ela não tinha sobre a vida. Eu queria ter dado...
- O que aconteceu com ela?
- Estávamos jogando bola em um parque, no Brasil. Nossos pais estavam organizando o piquenique quando eu lancei a bola e a Lily não conseguiu pegar – seus olhos lacrimejaram. – Ela correu para o meio da rua para buscá-la e quando a alcançou não teve tempo de se desviar do... – fechou os olhos. – Eu tinha oito anos quando aconteceu.
- Sinto muito, ... Eu, eu não sabia. – abraçou-a de lado, de modo que a menina escorasse a cabeça em seu peito.
- Eu só queria que você soubesse que, por mais que doa, por mais que pareça que não... É possível seguir em frente. Voltar a ser feliz não significa esquecer, .
Ele absorveu suas palavras em um silêncio respeitoso, enquanto estreitava ainda mais seu braço direito em torno da garota. Com a mão esquerda levantou o queixo de em sua direção, de forma que ela pudesse encarar seus olhos semicerrados mostrando uma franqueza e contundência incrível.
- Eu sei. – disse, antes de beijá-la.
sentiu como se estivesse sendo acariciada por uma borboleta, enquanto seus lábios e os de se moviam em sintonia. fazia questão de ser carinhoso e profundo ao mesmo tempo, como se pudesse, através daquele beijo, levar embora todas as angústias da menina.
Afinal, descobrira que não havia glória em acabar com a própria vida, mas sim conduzi-la para onde pudesse haver felicidade. E ele estava fazendo um bom trabalho. A felicidade para ele era tocável, e ele a sentia e via em forma de mulher. Uma única mulher, que no momento estava em seus braços. Era como ter a própria felicidade rendida a suas carícias.
sorriu, enquanto descia suas mãos até a cintura de .
Ambos estavam tão envoltos no momento que não perceberam o barulho de folhas se amassando com os passos de alguém na lateral da casa. O mesmo alguém que, ao vê-los ali, escondeu-se nas sombras, deixando um sorriso interessado surgir em seu rosto magro.
O homem, cujo os lábios que antes se curvavam em um sorriso curioso, que agora havia se tornado cruel, vestia um terno cinza. Recuou um passo quando viu o rosto do rapaz caucasiano e da garota de cabelos escuros se afastarem, mas só quando os dois retornaram a seu beijo apaixonado, deitando-se na espreguiçadeira, foi que enfim pôde se afastar.
As notícias em Londres nunca tiveram a necessidade de correr tão depressa.

Londres; Oxford Street; segunda-feira; 7:45 da tarde;

estava sacudindo o corpo no sofá azul da sala de estar, num movimento desengonçado que o mesmo chamava de dançar. Durante sua dança, também pulava, e havia quase dois minutos em que estava gritando coisas como: “YEAH!” E “UHUL!”.
O pai o estaria repreendendo por sujar o tecido do sofá com seus tênis sujos se não estivesse tão feliz pelo próprio filho. Tinha até se disposto a pedir uma pizza, e era exatamente isso o que estava fazendo quando entrou suspirosa em casa.
A garota respirou fundo, sacudindo sua blusa para controlar o calor do corpo enquanto afirmava para si mesma que aquela tinha sido a melhor tarde de sua vida, quando virou-se e deu de cara com o primo movendo-se de uma forma estranha.
- O que aconteceu?
- A melhor coisa que poderia acontecer! – gritou.
- Hm... Ganhou na loteria? – ela sugeriu, sentando-se no outro sofá e deixando o corpo mole.
- Não. Okay, não é a melhor coisa que poderia acontecer. – revirou os olhos, parando de pular e se sentando. – acabou de ligar. Falou que nossa banda foi escolhida pra tocar na DJ Yog sexta-feira.
- DJ Yog seria...?
- A boate mais badalada do momento – ele cruzou as pernas e os braços, que colocou atrás da cabeça. – Certo, não é bem uma boate. É mais uma casa de festas. Mas ainda assim é badalada.
- Isso é fantástico! – bateu palminhas, empolgada pelo primo. – Quanto custa os ingressos?
- Um pouco mais caro, tendo em vista que essa é uma festa temática. – ficou pensativo. – É um baile à fantasia.
- Amanhã mesmo vou procurar por uma...
- , por acaso você se lembra de que dia é sexta-feira? – levantou uma das sobrancelhas, vendo a prima se levantar apressada em direção ao telefone, provavelmente para ligar pra .
- Sexta? Ah, hm... – ela pensou um tempo. – Dia vinte e quatro? – Arriscou.
balançou a cabeça, descrendo da falta de atenção da menina.
- , essa sexta é natal.

Londres; Hyundai i30 prateado; terça-feira; 5:40 da tarde;

- Sabe há quanto tempo nossa aula de educação física acabou? – perguntou aparentemente furiosa, segurando o volante do carro. – Quarenta minutos! E sabe o que você disse? “Ah, , espera só um segundinho que eu vou ao banheiro é já volto”. Qual o significado de “JÁ VOLTO” para vocês, brasileiros?
bufou, olhando de soslaio para que, apesar de sua repreensão, parecia tranqüila.
- Qual o problema com você? – perguntou ainda vermelha. – E onde você passou o recreio afinal?
desviou o olhar da rua para devagar.
- Desculpe. Tive alguns impasses femininos. E hoje no recreio eu estive... – ela corou, lembrando-se de estar emaranhada entre braços, pernas e beijos no corredor do terceiro andar da escola. – Por aí.
- Você não tem jeito mesmo. – expirou. – Só espero que as lojas de fantasia ainda estejam abertas. E que ainda dê tempo de comprar os presentes. – completou.
concordou e escorou a cabeça na janela do carro, deixando sua mente vagar para o final da educação física, quando viu a chamar atrás do ginásio e disse à amiga que iria rapidamente ao banheiro.
realmente esperava que o momento em que estava com fosse breve, mas seus beijos e toques a tinham feito perder a noção do tempo. Atrás do ginásio parecia ter se tornado, desde o início das aulas, o seu local favorito de encontro, e depois daquela tarde o título apenas havia sido reforçado.
Seu contato físico com era sempre mais quente do que o de Duan e Nick jamais foram. Seu corpo reagia de forma diferente. Aquecia-se rapidamente com seus abraços e chamegos.
Seu deleite com tal relacionamento era tanto que só conseguia pensar em ao escolher sua fantasia. Só conseguia pensar em ao passar pela vitrine das lojas para escolher os presentes.
tentava de todas as formas atrair a atenção da amiga para seus assuntos, mas era impossível. Ela estava em outro lugar. até suspeitava onde, ainda mais com os lábios roxos com os quais a amiga apareceu ao chegar ao carro que havia lhe emprestado. E as marcas vermelhas no pescoço da menina eram um indício de que as suspeitas não estavam tão erradas.
Ao alugar as fantasias, comentou o quanto estava empolgada com a apresentação da banda dos garotos: “Hey Dude”. concordou, o que a fez voltar à realidade durante alguns momentos, concluindo que nunca tinha ouvido o nome da banda.

Londres; Oxford Street; sexta-feira; 9:27 da noite;

O baile à fantasia começaria às dez horas, e sabendo que o show seria as onze, os garotos queriam chegar pontualmente no início, para organizar os instrumentos de uma vez.
, em seu quarto, estava organizando seu cabelo encaracolado embaixo da capa vermelha, que compunha a fantasia. Não havia reparado no quanto a saia vermelha era curta, o que a deixava com um ar mais sensual do que ela pretendia. A blusa branca frisada, de elásticos, tinha suas mangas curtas pendidas abaixo dos ombros da garota. O espartilho preto alçava-se nos ombros e era amarrado na barriga por uma corda branca e fina.
observou, com os cílios pesados pelo rímel, a meia branca 7/8 e o sapato de salto de verniz. Sua bochecha rosada pelo blush, a sombra preta brilhante, os cabelos cacheados e os cílios longos, somados ao figurino, a faziam parecer uma boneca.
Segurou a cesta de vime com a tampa coberta por um lenço branco e rosa xadrez, que completava a fantasia, e abriu a porta para se dirigir ao quarto do primo. Já tinha colocado o pé no corredor quando seu celular tocou em cima de sua cama e a menina deu meia volta para atendê-lo. Era .
- Alô?
- – ele falou devagar, como se quisesse ouvir a própria voz pronunciando o nome. – Vai ao baile hoje?
- – ela fez o mesmo. – Vou, sim. Não poderia perder os meninos tocando nem se quisesse. Eles já são uma família pra mim.
- Toda a Highgate vai a essa festa – ele comentou leve, depois seu tom mudou para o severo. – O que significa que você tem que se cuidar.
- Eu vou estar no meio de amigos, . – ela revirou os olhos. – E não precisa dizer que eu tenho que estar atenta, é a única coisa que eu escuto desde que cheguei aqui. Acho que o significado já está meio incrustado em mim.
- Só queria reforçar... Você vai com seu primo?
- Já estamos indo, aliás. O deve estar tendo problemas com a fantasia, em dias normais ele já estaria me apressando há séculos. – Ela riu, fazendo com que fizesse o mesmo. – É uma pena que você tenha tanta aversão às festas. Queria que você estivesse lá...
Ele se calou por um momento.
- É realmente uma pena.
ia completar a ligação com mais alguma coisa quando ouviu duas batidas na porta. Lá estava , com uma venda azul passada em volta dos olhos, com apenas dois buracos para que pudesse enxergar, e uma armadura marrom, que atrás se tornava um casco de tartaruga. juntou as sobrancelhas olhando estranhada para o primo.
- Eu sou o Leonardo. – Sorriu inocente e a prima gargalhou.
- O que foi, ? – perguntou com o tom de voz divertido pela risada da menina.
- chegou aqui. Ele vai de Leonardo, das Tartarugas Ninjas – ela gargalhou novamente. – Se eu tivesse ido com ele escolher a fantasia, acredite, isso nunca teria acontecido.
Quem riu agora foi , que depois de um momento silencioso disse antes de desligar:
- Boa noite e feliz natal, minha .
sorriu ao desligar, depois analisou o primo de cima a baixo.
- Que coisa mais ridícula – riu novamente. – Mas ainda assim é incrivelmente fofa. Como você consegue?
- Eu sou fofo por natureza. – Ele sorriu triunfante. – Pronta para ir, chapeuzinho?
- Prontíssima.

Londres; DJ Yog; sexta-feira; 10:30 da noite;

e já tinham fofocado sobre a festa inteira. O lugar estava enfeitado de branco e dourado, as músicas que tocavam eram eletrônicas e a pista era banhada com tons de azul, vermelho e verde, que eram refletidos pela máscara dos garçons, que serviam imensas variedades de comida e bebida.
vestia um vestido branco, com os cabelos longos enrolados em tranças e presos em formato circular nos dois lados da cabeça, assim como a princesa Lea, de Star Wars. Fora quem dera a idéia para sua fantasia, e ela não achou ruim, ainda mais por ser fã da série.
De fato, praticamente toda a Highgate tinha comparecido.
Duan estava de príncipe encantado, galanteando uma garota vestida de fada Sininho. ficou feliz por ver que ele tentava seguir em frente, assim como ficou feliz ao ver que não pagaria mico sozinho. e vestiam a mesma fantasia de seu primo, a diferença era a cor das faixas amarradas em volta de seus olhos. A de era laranja (Michelangelo) e a de roxa (Donatello).
Enquanto esperava a hora do show, dançava espaçoso no meio da pista de dança, despertando olhares divertidos das garotas ao redor e desdenhosos dos garotos. Vestida de Alice no país das Maravilhas, o assistia com o olhar espelhando esperança e desgosto. Para ela, aquela sempre seria uma relação utópica: ela odiava amá-lo, portanto não faria e nem aceitaria nada que os fizessem reatar.
Alguns funcionários, espalhados pela festa, estavam fantasiados de cupidos. Anotavam e entregavam bilhetes de admiradores para os rapazes e moças do local.
observou enquanto um deles aproximava-se de e lhe entregava um bilhete.
“A terceira música é sua”, dizia. corou, sabendo que tinha vindo do namorado. Pelo jeito não esperava que alguma das letras fosse dedicada a ela, pois colocou o bilhete junto ao coração, assim que terminou de ler.
- Fiquei até com sede. – Comentou com um sorriso bobo na face, depois tomou um gole do coquetel que estava em sua mão.
- Onde encontrou os coquetéis, ?
- No outro lado da pista tem um balcão com alguns homens fazendo malabarismo com os copos. Dando a volta no circulo do centro você acha rapidinho. – Apontou.
consentiu e pôs-se a caminhar entre as pessoas, em direção ao outro lado da DJ Yog.
Pôde ver Brittany com um maiô branco e orelhas de coelho. Provavelmente era a coelhinha da playboy. ‘Vadia’, pensou. Kimberly também não estava muito diferente, com sua fantasia exageradamente aberta e colada, de mulher gato.
Empurrada pelos ombros da multidão, começou a andar rente às paredes e cortinas vermelhas, que eram a única coisa que destoava da decoração branca e dourada.
Quando viu a mesa onde três rapazes faziam malabarismo com copos e usavam pulseiras e colares de neon, acelerou seus passos. Mas seu andar foi interrompido por uma capa escura, que cobriu sua visão enquanto ela sentia duas mãos firmes a empurrando até a parede. deu um grito de protesto, que foi silenciado quando lábios familiares se juntaram aos seus.
Quando se separaram, conseguiu encarar, confusa, os olhos satisfeitos de .
- O que está fazendo aqui? – perguntou, percebendo que ele a havia conduzindo até o lado de uma das enormes cortinas e agora a empurrava para debaixo da mesma.
- Queria te fazer uma surpresa. – Ele sorriu.
, antes de ficar imersa na escuridão da cortina, observou as vestes de . O rapaz usava um colete vermelho por cima de uma blusa de mangas compridas de cetim. Usava calça e sapato social preto, com uma capa da mesma cor.
- É claro que estou surpresa. – Falou com a voz abafada pelo veludo vermelho do colete, enquanto ele a abraçava carinhosamente.
Depois que a soltou, por uma fresta de luz, observou-o analisá-la de cima a baixo, sentindo o estômago se revirar com esse ato. sorriu e disse:
- Chapeuzinho, hm? Bem adequado você vir com a fantasia da garota que se rendeu ao lobo mal. – Deu uma risada baixa e pretensiosa.
- E você? – ela perguntou levantando as sobrancelhas, mesmo que brincalhona. – Está de Edward por quê?
- Lestat, por favor. – Rolou os olhos, de forma que gargalhasse.
- Eu gostei. – Voltou a ficar séria, passando os braços em volta do pescoço dele.
- Já eu, - disse se aproximando da menina. – não.
Beijou-a de sua forma usualmente apaixonada, abaixando o capuz vermelho e passando as mãos desde os cachos até toda extensão do tronco da garota. , sem perder a oportunidade, fez o mesmo, registrando cada centímetro tocado em sua mente.

- Senhoras e senhores, - disse um senhor vestido de curinga ao microfone em cima do palco, em uma das extremidades da boate. – a DJ Yog tem o prazer de apresentar a banda que ganhou o nosso concurso de melhor música com: “Ponto de Vista”! Com vocês... “Hey Dude”!
As várias pessoas começaram a aplaudir e fazer sons de aprovação, enquanto os três rapazes vestidos de Tartarugas Ninjas subiam ao palco.
afastou seu rosto do de um pouco desnorteada, depois de um tempo seus olhos entraram em foco.
- É a banda dos meninos! – disse, ainda envolta pelo breu embaixo das cortinas. – Precisamos ir, .
Ele olhou-a fixamente.
- Não posso ir com você.
- Por que não?
- É melhor... Manter nosso relacionamento discreto por enquanto. – estreitou os olhos. – Me parece mais seguro.
- Entendo. – ela concordou. – Eu preciso ir, . está esperando que eu veja, não posso perder nem um segundo.
impulsionou-se para sair de baixo das cortinas, mas segurou seu braço.
- Você volta?
Ela sorriu.
- Assim que terminar.
desviou-se no meio das pessoas até o lugar onde continuava, aplaudindo de pé a entrada dos meninos. Antes de chegar, esbarrou em Scott, fantasiado de Robin Hood. O mesmo lançou-lhe um olhar pouco amistoso, antes de se afastar da vista de todos.
Foi quem assumiu o microfone:
- Boa noite e feliz natal, galera! Vamos começar com a nossa música vencedora, escrita por nosso amigo apontou-o com a mão, acenou. – para uma pessoa especial. Espero que gostem.
Assim que começaram os primeiros acordes, e gritaram alto, em meio aos aplausos.

“Estou ficando cansado de perguntar
Esse é o momento final
Então, eu te fiz feliz?
Porque você chorou um oceano
E há milhares de linhas
Sobre o jeito que você sorri
Escritos na minha mente
Mas cada palavra foi uma mentira
Eu nunca quis que tudo terminasse dessa forma
Mas você consegue pegar o céu azul e transformá-lo em cinza
Eu te jurei que faria o melhor para mudar
Mas você disse que não importava
Estou te olhando por outro ponto de vista
Não sei por que, diabos, me apaixonei por você
Eu nunca desejaria que alguém se sentisse como me sinto”


reconheceu a música que escreveu para , que, como observou, estava desconfortável em sua cadeira enquanto ouvia a música escrita pelo rapaz. Durante o início segundo refrão, desatou a chorar, tanto que teve que se levantar para ir ao banheiro. viu, por baixo do vestido azul, que a barriga da já estava se pronunciando, e observou também o olhar magoado de ao vê-la sair dali chorando.
estava distraída demais com as habilidades musicais de seu namorado para perceber o que acontecera com .
A platéia aplaudiu veementemente a primeira música, com uivos de aprovação e incentivo. , e ficaram tão animados quanto e , que faltavam cair de tanto gritar e aplaudi-los.
- Não sabia que eles eram tão bons! – gritou para a amiga.
- Meu é ótimo! – respondeu, dando pulinhos contentes.
Quando a terceira música começou, lançou um olhar significativo para a namorada, que se sentou em uma das cadeiras próximas com a bochecha avermelhada.
A música “Eu tenho você” começou a ser tocada.

“O mundo seria um lugar solitário
Sem aquela que coloca um sorriso em seu rosto
Então me abrace até o sol se pôr
E eu não estarei sozinho quando estiver triste
Porque eu tenho você
Para me fazer sentir forte
Quando os dias são duros
E as horas parecem mais longas
Eu nunca duvidei de você de forma alguma...”


Depois dessa, os garotos tocaram mais duas músicas, que foram aplaudidas e aprovadas com tanto entusiasmo quanto as primeiras.
- Pessoal, - disse , sacudindo a cabeça para que os cabelos suados saíssem da frente dos olhos. – sabe que horas são agora? – alguém próximo ao palco lhe respondeu. riu ao microfone. – Muito bem. São cinco para meia noite. Para não perder os bons costumes, sugiro que agora comecemos uma reza, para agradecer tudo de bom que nos foi concedido esse ano...
Enquanto falava, um dos homens fantasiados de cupido da festa aproximou-se de , entregando-a gentilmente um bilhete que dizia:
“Ainda espero meu presente de natal. Encontre-me no terraço assim que receber o bilhete.”
sorriu de uma orelha a outra, agradecendo ao homem e se virando no meio da multidão para alcançar as escadas que a levariam até o terraço. Chegando lá, abriu a porta devagar, em expectativa...

e saíram do palco depois de , que fora buscar algo para beber.
Assim que desceram, recebeu o namorado com um beijo intenso, que fez rolar os olhos em constrangimento.
- Onde está ? – quis saber.
- Ela estava aqui agora. – esclareceu, olhando a sua volta. – Deve ter ido buscar um ponche ou algo assim. Relaxe.
- Eu estou relaxado. – respondeu como se fosse óbvio.
deu pigarro.
- Por falar em ponche, estou morrendo de sede. Preciso beber alguma coisa. – beijou a bochecha de . – Espere só um momento. Estou indo buscar algo para beber e já volto.
concordou.
- Enquanto isso eu e o falamos sobre o show. – Sorriu para ele.
acenou para os dois com a cabeça e seguiu até o circulo central, onde começou a contorná-lo de forma tranqüila.
Avistou um bar onde alguns homens serviam bebidas alcoólicas para menores de idade, e teria passado direto, se seus olhos não tivessem se fixado numa figura jogada em cima do balcão, com os cabelos lhe tampando o rosto. se aproximou com descrença, mas depois que mirou melhor, não teve dúvidas.
O rapaz desacordado era .

estava a alguns minutos sentado em uma das mesas afastadas do centro, próximas a porta de saída da casa de festas. Aquela já era a segunda garrafa de cerveja que bebia, e sua vista já estava ficando embaralhada.
Ajeitou-se espaçoso no sofá de tecido dourado em que estava sentado, tentando distinguir as formas que passavam. Uma delas em particular lhe chamou a atenção.
Era um rapaz alto, largo, vestido de verde, segurando uma garota completamente mole em seus braços, como se a mesma estivesse desmaiada. conseguiu perceber que a menina estava descalça, e assim que tentou interpretar as feições do homem que a carregava, ele saiu com ela pela porta da DJ Yog.
Dando de ombros, deu outra golada na garrafa.

Londres; Oxford Street; sábado; 8:54 da manhã;

se levantara inquieto. Não apenas pelo fato de não ter topado com a prima logo depois do show, mas pelo fato de não ter topado com ela até agora. não tinha voltado com ele pra casa, passara a noite fora com Deus sabe quem, sem nem avisá-lo.
Só não estava tão preocupado quanto normalmente estaria porque ela já tinha passado a noite com Duan uma vez. Não estranharia se estivesse com ele novamente, ou até mesmo com .
Mas... Caramba! Já eram oito da manhã! Ela já deveria ter voltado ou pelo menos avisado onde estava!
Foi pensando nisso que pegou sua agenda telefônica dos alunos da Highgate e digitou rapidamente um dos números nela registrados. Ao quarto toque, Duan atendeu.
- Alô? – ele disse com a voz arrastada, como se estivesse acabando de acordar.
- Alô, Duan? – perguntou esbaforido.
- Não, São Judas Tadeu. Quem é que ‘ta falando?
revirou os olhos.
- Sou eu. . Primo da .
Duan ficou um tempo em silêncio.
- Ah. – calou-se por alguns segundos. – O que foi?
- Só queria saber se ela passou a noite com você, como da última vez.
- O quê? Ela nunca... – então Duan se lembrou do combinado que a garota tinha feito com ele, há mais de um mês atrás, quando o pediu para prometer que não negaria isso pra ninguém. – Ela não está aqui. Não passou a noite aqui, quero dizer.
sentiu a adrenalina percorrer seus dedos por alguns instantes.
- Obrig...
Foi então que outra voz invadiu o telefone. Uma voz feminina conhecida.
- Com quem você está falando?
Duan afastou a boca para responder.
- Com ninguém da sua conta, Kim.
Ouviu-se um barulho do outro lado da linha e no segundo seguinte era a voz dela que falava.
- Quem está falando?
, ao ouvir a voz nasalada de Kimberly, desligou o aparelho. De fato, nunca teria passado a noite com Duan.
tentou outro número, o único provável depois do goleiro. Sem a mesma demora que o loiro, atendeu ao telefone. Diferentemente de Duan, que tinha a voz rouca de sono, esse estava aflito.
- Alô?
- Alô, ? Aqui é o primo da...
- A está aí? – o interrompeu. – Ela chegou bem em casa? O que aconteceu?
- Eu... – pareceu confuso. – Na verdade estou ligando pra saber se ela passou a noite aí.
- Não... – ao perceber que seu tom de voz pareceu pensativo demais, completou: - Claro que não.
- Então... Onde mais a poderia estar? – sentiu um tremor passar por suas pernas. – O celular dela não atende. Ela não está com você. Nem com o goleiro. Ela desapareceu, . – os olhos de encheram-se de lágrimas. – Me ajude a achar minha baixinha.
ficou durante largos segundos em silêncio, depois disse com a voz rígida:
- Não saia daí.

Capítulo 20-

Assim que a campainha tocou abriu imediatamente a porta, dando de cara com . Ambos estavam com olheiras e os cabelos bagunçados, indicando que nem tinham se olhado no espelho depois de acordar.
Os dois se olharam com uma preocupação e frustração mútua, sem conseguir palavras para expressar o que sentiam ou idéias de por onde deviam começar as buscas.
- Quando – foi quem começou, com a voz agora baixa e rouca. – você a viu pela última vez?
abriu a boca para falar, mas suas bochechas coraram instantaneamente, fazendo-o perder a linha de pensamento por alguns segundos. Sentia-se envergonhado e constrangido por ter perdido a prima que tanto jurara proteger.
- Foi... Eu estava no palco. Ela estava aplaudindo. A estava lá. – começou a falar depressa, seus olhos se enchendo d’água. – Depois quando desci eu não a vi mais. Eu tentei não ficar muito preocupado porque ela já tinha passado a noite com o goleiro uma vez e...
Depois dessa frase, não conseguiu escutar mais nada do depoimento de .
‘Já tinha passado a noite com o goleiro?’ ele se perguntou. Seus olhos se encheram de mágoa, confusão e decepção. Ela tinha dormido com o Duan? Logo o Duan? Seu melhor amigo e companheiro?
Mas eles estavam juntos na época, então nada mais normal que... Bem, não conseguia completar. Não achava nada normal. Sentia o peitoral esmagando seu coração e estômago, sua respiração ficar mais aceleradas e imagens mentais de com o amigo se misturando em sua mente.
Só voltou a realidade quando estalou os dedos em frente a seus olhos.
- E então? O que fazemos? Pra onde vamos? – perguntou irritado.
pensou por alguns segundos, depois respondeu friamente:
- Entre no carro.
Desceram as escadas da casa numa postura tão elegante e rígida que qualquer um que os visse poderia acreditar que eram agentes secretos. A determinação de encontrar a garota os faziam inflar o peito e levantar o nariz.
Por mais que seu coração estivesse ferido, ainda a queria junto a ele. Mataria qualquer um que tivesse posto suas mãos nela.
Pensando nisso, ligou o motor agressivamente enquanto passava o cinto por seu colo.
- Pra onde estamos indo? – quis saber.
- Para a DJ Yog.

Londres; DJ Yog; sábado; 9:45 da manhã;

observou inflexível a versão dos fatos que contava para o segurança do local. Por mais que por fora parecesse completamente destemido, sua voz esganiçada de desespero entregava o quão aflito estava.
O segurança ouviu com atenção, e quando o garoto magro terminou sua fala, ele disse:
- Não tivemos nenhum indício de violência aqui ontem à noite. - Isso tranqüilizou um pouco os batimentos cardíacos de . – Sem brigas, sem ambulâncias, sem sangue. Um ou outro saíram carregados em função da bebida. Outros esqueceram alguns objetos por aqui, mas nada que tenha indicado um seqüestro ou o que quer que estejam sugerindo.
- Podemos ver os objetos deixados aqui? – perguntou.
O homem esguio mirou-o dos pés a cabeça, antes de dizer “Sigam-me” e seguir com os dois para dentro de uma pequena sala na DJ Yog.
pode observar que a faxina ainda não havia sido feita no local, já que o chão estava imundo, sujo de pedaços de copo, salgados e balões. Alguns confetes também estavam espalhados por ali.
Seria uma excelente lembrança do seu show se não fosse pelo desaparecimento repentino da prima.
Entrando na sala, passou os olhos minuciosamente por cada objeto guardado nas prateleiras. Máscaras, bolsas, celulares... Nada que o tivesse interessado.
- Alguma coisa? – perguntou.
- Não. Nada.
Dando-se por vencido, deu as costas para as prateleiras, mas tropeçou em um par de sapatos que imediatamente chamou a atenção tanto dele quanto de .
Os sapatos eram de salto, pretos e de verniz.
- O sapato! – gritou. – Ela estava com um igual a esse. Será... Será que são dela, ?
abaixou-se para pegar um dos sapatos. Tão delicado quanto se lembrava de que os pés de eram. Pareciam mesmo algo que seria usado pela menina.
Enquanto isso, o segurança os olhava com curiosidade e seriedade ao mesmo tempo. Não sabia se deveria prezar sua posição impassível ou sua curiosidade arrasadora.
- Esses foram encontrados no terraço – ele disse.
e olharam para o sapato e depois se entreolharam.
- O que ela estaria fazendo no terraço? – perguntou mais para si mesmo do que para os companheiros.
- A questão, creio eu, é porque ela foi pra lá. – disse , movendo o sapato de um lado para o outro, como se esperasse encontrar alguma identificação.
– Armaram pra ela, . – disse colocando as mãos na cabeça.
- Armaram para nós dois.
falou imerso em pensamentos, lembrando-se da noite anterior e atraindo a atenção de .

“Depois de ter saído de trás das cortinas, dirigiu-se até o bar.
Sentou-se em uma das cadeiras redondas enquanto pensava sobre seu relacionamento com e a música da banda dos amigos da menina começava a ser tocada.
virou-se de costas para o bar, olhando em direção ao que podia ver do palco, que estava praticamente tampado pelas pessoas em volta.
Os garotos tinham talento, teve que reconhecer. Eles conseguiam combinar o estilo de música pop e punk-rock em uma só. Era até interessante de se ver e ouvir.
Pensou nos ensaios com os The Lumps, que devido à semana de provas estavam consideravelmente atrasados. Pensou também no que Duan diria sobre seu relacionamento com , mas tentou não se preocupar com isso.
Pediu uma bebida ao homem que servia, e esse demorou um tempo maior que o normal para lhe trazer um simples whisky.
Despreocupado, tomou todo o conteúdo do copo de uma vez, e assim foi com o próximo, até que, alguns minutos depois, caiu na escuridão. Não soube como nem o que tinha sido o causador de seu desmaio, mas seja quem ou o que fosse, tinha sido bem sucedido.
perdeu todos os sentidos e apenas recobrou-os quando começou a lhe estapear o rosto, aproximadamente uma hora depois de ter apagado.
Como já tinha ido embora, presumiu que a prima tinha ido junto. Mal sabia ele...”

- Alguém colocou um sonífero no meu copo ontem à noite. – falou com os dentes pressionados contra os outros.
- E você só percebeu agora? – perguntou ainda com a voz esganiçada.
- Pensei que tivesse sido do meu organismo no momento... – então olhou para o outro com os olhos em fendas e grunhiu: - Mas obviamente estava enganado.
abraçou um dos sapatos com os olhos lustrosos. O segurança admirava a cena com um ar pesaroso. apenas pensava, precisava pôr sua mente pra funcionar a todo custo.
Morta ela não estava, pois caso estivesse, o assassino faria questão de que ele visse o corpo. Se matar era realmente algo para atingi-lo, nada melhor que deixá-lo comprovar sua morte, o que, de fato, não tinha acontecido.
Ela estava viva. Mas então, qual o propósito de alguém seqüestrá-la? Ela realmente havia sido seqüestrada?
- , , ... Já ligou pra todos eles? – perguntou.
- Foram embora comigo, . Acho que se tivesse deixado a lá eu saberia. – respondeu na defensiva, como se quisesse deixar claro que estava longe de ser estúpido.
- Quero saber se ligou pra saber se ela apareceu por lá.
- Ainda não... Mas acho que ela teria me ligado se...
- Não temos tempo para suposições agora, . – pegou rapidamente seu celular do bolso, discando alguns números que já haviam sido decorados por ele há aproximadamente um ano. Depois de alguns toques, atendeu. – . Aqui é . – ele ficou em silêncio para ouvi-la falar alguma coisa. – Não, comigo está tudo bem. Quero saber se a apareceu por aí desde ontem... Não?
Quando viu os olhos de se fecharem em preocupação, tomou o aparelho da mão do garoto, levando-o imediatamente à orelha.
- , escute, aqui é o ... Sim, eu estou com o . Não, isso não é uma piada! – gritou. – , preciso que ligue para o e o . Vamos nos encontrar na sua casa daqui a meia hora. – ficou em silêncio, escutando-a. – Se não fosse importante eu não estaria me convidando. – rolou os olhos. – , isso é uma emergência. A ... A sumiu.

Londres; Greenwich; sábado; 10: 44 da manhã;

Todos na sala permaneciam em um silêncio mórbido quando abriu estrondosamente a porta da frente.
Os amigos o olharam: vidrado, quase catatônico, segurava com as duas mãos trêmulas uma xícara de café. abraçava a namorada, enquanto a mesma deixava algumas lágrimas rolarem pelo rosto. encolheu-se instantaneamente pra perto de no sofá, quando cruzou a porta. permanecia em pé, escorado na poltrona, com os braços cruzados e olhos tão fundos que chegavam a assustar.
fechou a porta devagar, mirando cada um dos colegas. Assim que seus olhos se cruzaram com os deprimidos de , tentou descontrair o ambiente:
- E aí? Quem morreu? – sorriu, mas ao receber olhares de reprovação de todos, engoliu a fala e tomou a mesma expressão de : repreensivo e pesaroso. – O que houve, pessoal?
Todos ficaram em silêncio, sem a menor coragem de esclarecer o acontecido. Para e aquilo seria o mesmo que admitir um fracasso. Para e , que a história, por mais que alguns detalhes fossem diferentes, estava se repetindo. E não conseguia dirigir uma simples sílaba a .
- Sério, galera. Vocês estão me assustando.
, e se entreolharam, e, para a surpresa de todos, foi quem assumiu a fala.
- A sumiu.
ficou em silêncio, depois riu sem graça.
- Como assim a sumiu? É primeiro de Abril e eu não estou sabendo?
- Você acha que se fosse primeiro de Abril – tomou a voz. – estaríamos todos aqui reunidos sábado de manhã?
engoliu em seco. Olhou tristemente para o chão.
- O que... O que vocês acham que aconteceu com ela?
- Foi seqüestrada. Só pode! – disse com a voz estridente. – Alguém a levou. Eles não poderiam tê-la... Matado, poderiam? – olhou para todos os companheiros, em busca de uma resposta favorável.
- Não, . – respondeu. – Se quisessem assassiná-la teriam deixado o corpo. Não fariam isso pra que ninguém visse.
- Faz sentido. – completou. – Mas o que poderiam querer ao seqüestrar a ? Dinheiro do resgate?
- Alguém pode ter feito isso apenas para me atormentar. – falou. – Não imagino qual seja o segundo passo dessa pessoa.
Novamente a sala entrou em um silêncio desconfortável, até que , depois de dar um gole no café e demonstrar sinal de vida, se pronunciou:
- Acharam os sapatos dela no terraço.
permitiu-se desmanchar nos braços do namorado; cobriu o rosto com as mãos em sinal de completa frustração; permaneceu imóvel e ergueu o corpo, como se tivesse acabado de se atingido por uma solução.
- Ela estava descalça. – disse ele para si mesmo. – Descalça! É isso.
Os olhares seguiram em sua direção com curiosidade e alguma esperança.
- Eu fiquei sentado em uma das mesas próximas a saída depois do show. Eu podia estar bêbado, mas tenho certeza do que vi. – assentiu para a própria fala. – Um homem largo e alto carregando uma garota descalça!
- Quem era o homem, ? – quis saber, tão desesperado quanto os demais.
- Não consegui distinguir as feições do seu rosto, mas sei que... Ele estava vestido de verde. – colocou a mão no queixo. – É. Verde. Lembro-me de ter visto alguém usando uma fantasia exatamente daquela cor...
- Parecia com o que? Um verde claro? Escuro? Era um Peter Pan ou...
- Não, . – balançou a cabeça. – O cara estava mais pra Robin...
- Hood. – e completaram, espantados.
ergueu a cabeça, lembrando-se de ter visto a fantasia de Robin Hood. Oh, sim. Sabia quem era.
- Só pode ter sido o...
- Scott. – rugiu.

Londres; sábado; 2:07 da tarde;

abriu os olhos com a cabeça latejante. Sua visão custou a desembaçar e a focalizar o local escuro onde estava.
Percorreu com os olhos primeiramente a superfície em que deitava: uma pequena cama com o colchão duro, que fora a possível responsável pelas dores posturais que sentia pelo corpo. Olhou as tábuas de madeira corrida no chão. Algumas mais levantadas e úmidas, como se há muito tempo não tivessem visto uma faxina. As paredes, também de madeira, passavam a mesma impressão. A umidade da sala confundia-se com o forte cheiro de mofo.
tentou inutilmente se sentar por duas vezes, até concluir que estava fraca demais para fazer qualquer movimento.
Com surpresa e medo, ouviu alguém exclamar do outro lado da sala:
- Oh, já está acordada! – Scott disse apoiando-se no batente da porta. – Pensei que fosse dormir por uma eternidade.
deu uma resposta rude, mas sua voz saiu fraca até para ela. O grandalhão não perdeu a oportunidade de se aproximar da menina com um sorriso nos lábios e dizer:
- O quê, querida? Fale mais alto. Não posso te ouvir.
Com a raiva que sentiu, imprimiu toda a força que tinha na resposta:
- Eu disse que eu estou fantasiada de chapeuzinho vermelho, imbecil. Não de Bela Adormecida.
- Corajosa e insolente. – Scott balançou os ombros. – Não vê que sua vida está em minhas mãos, ? Se eu fosse você eu me acalmaria um pouco. Você sabe quem eu sou? – quando ela tomou ar pra falar ele mesmo respondeu. – Scott Turner, seu pior pesadelo.
esperou que o sorriso malicioso aparecesse no rosto o garoto antes de falar devagar, assim como se fala com uma criança:
- O tiro saiu pela culatra, querido. Há pessoas que vão procurar por mim. E quando me encontrarem, Scott Turner – disse com nojo. – você realmente vai saber economizar o uso da palavra “pesadelo”, uma vez que entenderá o seu real significado.
- E quem virá por você, ? – seu sorriso de escárnio permanecia. – Seu amado ?
ficou calada, sentindo os músculos do corpo doloridos novamente, ao tentar sentar na cama.
- Não é um lugar muito difícil pra me encontrar, você sabe. – ele riu. – Queria mesmo que ele viesse. Só eu e ele. Cara a cara. Finalmente vou poder dar àquele animal o que ele merece. – Scott observou sua mão fechada em punho.
- Você vai é morrer, seu cretino.
falou veemente, cortando o último fio de paciência de Scott, que deu dois passos largos em sua direção e esbofeteou-lhe o rosto.
fechou os olhos ao sentir a pancada, mas tentou permanecer impassível, por mais que tivesse vontade de chorar e gritar. Não daria ao rapaz o gosto de vê-la sofrer e estava fraca demais para tentar ter alguma reação.
- Você vai assistir de camarote a morte do seu queridinho, vadia. – ele disse, segurando-a pelos cabelos da nuca e levantando seu rosto em direção ao dele.
Como não reagiu com nenhuma resposta verbal ou física, ele a soltou e se dirigiu até a porta, falando incisivo antes de batê-la:
- Espero que reflita sobre a forma que me tratou, amor. Se eu decidisse, você morreria agora.

Londres; Lowden Avenue; sábado; 2: 21 da tarde;

sentou-se na varanda da casa branca, assim que saiu.
Havia se desgastado bastante arrombando as portas da casa, e seu esgotamento emocional foi ainda maior quando não conseguiu nenhuma pista. Aliás, uma única: Scott não havia estado em casa.
Todas as luzes do local estavam apagadas e os móveis arrumados, sem nada que indicasse a presença do rapaz no local nas últimas duas horas.
respirou fundo, limpando o suor da testa com uma das mãos e dirigindo sua mão ao bolso, até o celular. Quando se preparou para discar alguns números, o aparelho começou a tocar.
Era .
- Diga.
- Não há sinal de que eles tenham passado pela escola, . – o menino falou ofegante. – Eu procurei algum sinal desde o prédio principal ao ginásio e não achei nada. Não estiveram por aqui... Teve melhor sorte?
- Não. – disse fechando os olhos e apoiando o peso do corpo sobre o braço esquerdo. – O infeliz não voltou pra casa depois de ontem.
- O que sugere que eu faça agora?
- Volte para a casa das meninas. Vou ligar para os outros e nos encontramos lá.
- Tem certeza de que não devemos envolver a polícia nisso? – perguntou mais baixo.
- Tenho. – disse por entre os dentes. – Scott pode ser estúpido, mas não tanto. Se fosse fácil detê-lo com a ação da polícia ele nunca teria sido tão indiscreto. Ele tem como saber se envolvermos os tiras nisso.
- Mas...
- também acha melhor não envolvê-los... Por enquanto. – falou devagar.
- Tudo certo, então. Estou indo pra casa da . – concordou, em seguida, desligou o telefone.
respirou fundo antes de discar os números do celular de .
- Alô? – falou com a voz esgotada.
- Alguma coisa?
- Ah, . Não. Nada. Gastei trinta minutos pra abrir a porta da casa de Bennet para não encontrar droga nenhuma e ainda ser mordido pelo cachorro. – ficou calado por alguns instantes. – Parece que ele não esteve aqui ontem à noite.
- O mesmo percebi aqui.
- O que faremos agora? – desesperou-se.
- Vamos voltar para a casa das meninas. Avise o .

Londres; Greenwich; sábado: 3:05 da tarde;

e chegaram um pouco depois dos demais. As buscas de pelos arredores da DJ Yog também tinha sido um fracasso.
e também não conseguiram encontrar ninguém, através de seus contatos, que soubesse do paradeiro de Scott.
- Ligamos para todas as líderes de torcida e os garotos do time de futebol. A não ser mais dois, que não conseguimos nos comunicar, ninguém sabe onde Scott está. – disse.
- Perguntamos sobre Bennet também. Mas depois que a Kelly disse que não fazia idéia de onde ele poderia estar, meio que perdemos as esperanças. – completou, dando um suspiro triste.
- Tem razão – tentou falar num tom divertido. – Se a Kelly, maior fofoqueira do colégio, não sabe, tem menos de um por cento de chance de qualquer outra pessoa saber.
segurou um sorriso, o que fez se animar. O momento não durou muito, pois os olhos de se fixaram com algo que brincava. Algo que ele passava devagar no queixo enquanto olhava inexpressivo para o chão.
- O que é isso? – perguntou.
- Isso? – olhou-o, surpreso. – Ah, é uma carta de baralho. Encontrei na casa do Bennet. – ele virou o pequeno pedaço de papel até que estivesse de frente para todos. – Viram? É um curinga.
A mente de começou a trabalhar depressa, tentando alcançar tudo o que podia lembrar sobre aquela carta em particular.
- Cadê as outras? – perguntou depressa. – Estavam lá? As outras cartas estavam na casa?
Todos olharam para com um ar de confusão, principalmente , que alternou seu olhar da carta para os olhos do garoto.
- Não que eu tenha visto. O curinga foi o único que encontrei, jogado do lado da cabeceira. Foi a única coisa que me parecia fora do lugar. – pensou um pouco. – Ele estar ali não é algo que eu tenha considerado proposital. Ele estava jogado de tal forma que mais parecia que tinha sido esquecido lá... Ou que caiu sem ninguém perceber.
ergueu o corpo. Seu rosto destemido deu a todos um ar de segurança que há poucos minutos atrás não tinham. Ele deixou a sombra de um sorriso começar a aparecer no rosto, depois a interrompeu dizendo:
- , você vem comigo. , leve até a casa de Bennet e comecem a procurar pelas outras cartas onde você encontrou o curinga. Caso vocês as achem, me liguem imediatamente. – os rapazes consentiram. – Se não acharem, eu lhes darei uma nova coordenada a seguir.
Os meninos concordaram.
- Vamos, . – falou com a voz bruta. – Temos que encontrar a todo custo.
O amigo olhou os demais da sala. e se despediam com um beijo, depois de ela ter recomendado que o namorado tivesse cuidado. passou seus olhos por , que também o olhava. Quando seus olhares se cruzaram, ambos coraram.
- Er... Acho que já vamos indo. – coçou a cabeça.
fez menção de se levantar para se despedir, mas não o fez. Apenas olhou-o com a cabeça baixa e murmurou:
- Tome cuidado.
agradeceu, sorrindo torto.
Sentir que ela estava se preocupando com ele pela primeira vez depois de mais de um ano era revigorante. Ali sim ele tinha conseguido a força que precisava para continuar as buscas. Sentiu-se mais realizado do que há muito tempo, segurando firme a maçaneta e se pondo pra fora do apartamento, com em seu encalço.

Londres; Audi preto; sábado; 3:27 da tarde;

- Pra onde vamos, ? – perguntou se acomodando no banco do carona, apesar de sua postura ainda estar tensa.
- Dockland. – ele esclareceu ligando o motor do carro. – Preciso perguntar uma coisa a alguém.
- E você acha que esse alguém sabe onde a está?
negou com a cabeça, ultrapassando um dos carros que estava a sua frente.
- Não. Mas acho que esse alguém pode ter uma idéia...

torceu a boca enquanto esperavam o elevador chegar ao andar desejado.
Sabia exatamente onde estavam, mas ainda não conseguiu conectar os fatos. , ao contrário, parecia inteiramente certo do que fazia.
- Hm... ...? – começou a falar em tom interrogativo.
- Fala.
- Por que viemos pra casa do Duan?
Assim que terminou a frase, a porta do elevador se abriu e puderam observar, escorado no batente da porta guiada por um grande tapete claro, o garoto de cabelos loiros.
O rosto sempre confiante de Duan agora tinha sido substituído por uma máscara de confusão e curiosidade, observando e saindo do elevador com a expressão cautelosa.
- O que aconteceu?
- Podemos entrar? – perguntou.
Duan fez sinal para que os dois passassem, e assim fizeram.

- Alguma idéia? – quis saber depois de ter contado o ocorrido para o amigo.
- Até agora não consigo acreditar. – Duan colocou uma das mãos no queixo. – Eu sabia que o Scott era um canalha, mas não a esse ponto... – ele pensou durante alguns segundos. – Você disse um curinga, certo?
- Certo.
e estavam sentados em um dos sofás da sala de Duan, enquanto o mesmo se sentava em outro, de frente para eles.
- Tem uma casa... – o loiro começou a dizer. – Uma casa abandonada. Está no nome da família do Scott. Era lá onde costumávamos nos reunir pra jogar truco até ano passado. E, bem, você sabe, se eles deixaram só o curinga pra trás e não voltaram para pegá-lo, nada mais normal do que eles estarem jogando algo em que ele não seja necessário...
- Você se lembra de onde fica?
- Lembro. Tenho o endereço na minha agenda.
O goleiro se levantou, seguindo até um armário de madeira branca atrás da mesa de jantar, de onde tirou uma agenda surrada. Abriu-a e depois de algum tempo, arrancou uma das folhas que levou para .
- Se não me engano, é isso mesmo.
- Obrigado, Duan. Já estamos indo... – disse.
O celular de tocou, chamando a atenção dos dois que estavam na sala. Quando olharam para o menino, esse estava se dirigindo para a porta do apartamento, abrindo-a e pondo-se para fora:
- Desculpem. É o . Melhor eu atender aqui fora. – explicou.
Duan e voltaram a se olhar, assim que a porta se fechou.
- Pensei realmente que pudesse ter alguma idéia. – sorriu.
- E eu tenho, margarida. Sou o menino das idéias. – o loiro piscou.
- Se quiser nos ajudar com as buscas, ficaríamos até felizes em...
- Não, . – ele discordou. – Não sou eu quem a quer ter como herói.
encarou os olhos sinceros do amigo.
- Obrigado. – ele disse. – Agora eu tenho que ir...
seguiu em direção a porta com passos firmes e calculados, perguntando-se se aquilo teria sido um aval do goleiro para que ele e a ficassem juntos.
- , espera. – Duan falou alto, quando viu o rapaz abrir a porta. olhou-o por cima do ombro. – Você... Você está apaixonado pela , é isso?
Ele abriu um sorriso frouxo, apenas isso, antes de responder:
- Até mais, irmão.
Duan entendeu perfeitamente bem o que ele quis dizer, sentando-se em um dos sofás assim que a porta se fechou.

seguiu depressa para o elevador, juntamente com . Quando enfim entraram na segurança do carro, pôde dizer:
- disse que eles acharam mais dois curingas, mas sem sinal das outras cartas.
sorriu.
- Perfeito. Era exatamente isso que eu esperava. – enfiou a mão em um dos bolsos e entregou o papel amassado da agenda de Duan para . – Dê a eles esse endereço. Diga que nos encontraremos lá daqui à uma hora.

Londres; sábado; 4:15 da tarde;

O estômago de estava roncando pela terceira vez em meia hora.
Depois de ter sido agredida por Scott, tentara dormir para ver se o tempo passava mais depressa. Mas, para sua infelicidade, teve pouco sucesso.
levantou seus olhos quando a porta se abriu em um estrondo, revelando Scott e mais dois garotos do time de futebol. Um dos meninos segurava uma bandeja com um pão e uma caneca.
- Rápido. – ordenou Scott. – Quero que ela esteja bem acordada quando chegar. Não está nos meus planos que ela morra de fome.
Os rapazes se aproximaram da cama onde jazia, com passadas largas.
- Levantem-na, seus idiotas! – Scott disse da porta, ao ver um deles oferecer a bandeja a ela. – Ela não tem forças pra ficar em pé!
Os dois se entreolharam e, um deles, o que não segurava a bandeja, virou o corpo de até que ela estivesse de costas para o colchão, antes de espalmar sua mão nas costas da garota e colocá-la sentada, com o tronco apoiado na parede. O outro colocou os alimentos do seu lado.
Ao tentar se ajeitar, sentiu as costas serem pinicadas por baixo da roupa, por provavelmente algum alfinete que a dona da loja de fantasias esquecera-se de tirar.
- O que está esperando? – Scott perguntou-a rude. – Coma!
olhou-o com a cabeça baixa, pegando o pão seco e dando-lhe uma mordida cheia.
Scott tinha razão, afinal de contas. Ela precisava estar acordada para quando chegasse, sim.
Tomou um grande gole de café para disfarçar o sorriso malicioso que surgia em seus lábios.

Londres; Audi preto; sábado; 5:19 da tarde;

e estavam parados de frente para uma casa de madeira, sem qualquer pintura. Era lá que, segundo Duan, os rapazes do time de futebol costumavam jogar cartas no ano anterior, e era lá onde, provavelmente, Scott estaria.
A maior prova de que o grandalhão realmente estava no local era o fato de ter dois garotos do lado de fora, espreitando, como se estivessem atuando de seguranças.
, como tinha parado o Audi um quarteirão antes da casa, podia vigiar os dois sem levantar suspeitas.
No meio do silêncio foi que começou a falar:
- Eu nunca achei que tivesse sido você. – olhou o rapaz. – Você sabe... Que matou a Iv. Nunca pensei que fosse o culpado.
- O que o leva a pensar isso? – cruzou os braços em cima do volante, olhando para com um sorriso frio.
- Você me parecia apaixonado demais pra ter feito uma coisa como essas. Sei que não foi você.
- Obrig...
- Mas já te aviso, - o interrompeu. – se estiver com a porque vê a Ivane nela, desista. A não é boba.
sorriu.
- Nunca pensei que fosse.
O olhar dos dois foi atraído por um civic prateado, que estacionava atrás do Audi. Ao ver e saírem do carro, abaixou sua janela e destrancou as portas:
- Entrem.
Os dois obedeceram, sentando-se no banco de trás.
- Aquela é a casa. – apontou. – Há dois “vigias” na porta.
- Os caras do time de futebol com quem as meninas não conseguiram falar. – concluiu.
- Exato. – disse . – O que significa que Scott deve estar lá dentro, portanto...
- também. – interrompeu. – O que iremos fazer?
olhou do rosto dos três garotos para o relógio e em seguida para a casa.
- Daqui à uma hora escurece. Podemos nos aproveitar da escuridão para render os dois caras da porta.
- Eu e o rendemos os caras. – disse . – Você e o entram na casa.
- Combinado. – assentiu. – Daqui à uma hora então?
confirmou.
- Daqui à uma hora.

Assim que o último raio de sol se recolheu por trás dos prédios de Londres, fez sinal para que os garotos abrissem as portas.
fazia movimentos circulares com a munheca enquanto e alongavam seus braços e pescoços.
riu da preparação dos meninos, apenas tirando a blusa de frio grossa que usava e a jogando em um dos bancos de trás.

Londres; sábado; 6:20 da noite;

deu uma última golada no copo de café que Bennet havia levado para ela, uma hora atrás.
Depois de ter se alimentado e ficado um tempo na cama, já não se sentia tão fraca quanto anteriormente. Já até tinha arriscado dar algumas voltas pelo quarto, mas toda vez que ouvia um barulho no corredor voltava a se deitar, para se mostrar mais débil do que realmente estava.
Lembrava-se, de no dia anterior, ter sido pega de surpresa por Scott e Bennet no terraço da DJ Yog. Enquanto o primeiro agarrou seus braços e boca com força, de forma a não deixá-la se soltar, o segundo injetou em seu braço algum tipo de anestesia, que surtira efeito até ela acordar no dia seguinte.
Ao ouvir passos na escada de madeira, resolveu afrouxar um dos botões do vestido, com o intuito de facilitar a concretização de seu plano.
Depois de alguns segundos, Scott abriu a porta de sua maneira naturalmente rude. Como da primeira vez que o vira aquele dia, ele estava sozinho.
- Pois é, chapeuzinho. – ele deu teatralmente de ombros. – Parece que o príncipe não veio te socorrer.
desistiu de fazer uma observação mal educada sobre a completa falta de conhecimento da literatura infantil de Scott, preferindo ficar calada, observando sorrateiramente os passos do rapaz.
- E então? – ele levantou os dois braços ao parar próximo à cama. – Nenhuma tirada inteligente? Nada como: “Oh, você vai perder seu vilão malvado!”?– fez voz afetada. – Nada assim? – ela continuou a olhar fixamente pra ele, sem mover um músculo. – Que pena, então. Seria interessante essa discussão. – ele bocejou. – Já que a senhorita não tem nenhuma objeção quanto a isso, acho que vou aumentar minha aposta com o . – Scott mostrou seus dentes em um sorriso selvagem. – Estou pensando seriamente em enviar algo seu a ele. Mas ainda não me decidi o quê.
O brutamonte olhou de cima a baixo para , que ao perceber para onde seu olhar seguia, recolheu as pernas. Ele riu.
- Vamos, , não se retraia. Sei muito bem como você tem um fraco por jogadores do time de futebol.
- Não por você. – ela cuspiu.
- Ah. – ele alargou ainda mais o sorriso. – Não estou muito certo disso... – ele se ajoelhou no colchão, de modo que fizesse encolher seu corpo contra a parede. – Não tenha medo, amor. Eu só preciso de algo para atiçar a atenção do . Só isso. Prometo não te machucar se você for boazinha...
moveu o braço devagar, sem tirar os olhos do rosto de Scott, de modo que ele não prestasse atenção em seu movimento.
- E... – ela começou a dizer com a voz baixa e os lábios trêmulos. – E o que seria?
Scott voltou a sorrir, assumindo o tom de voz manso.
- Talvez uma mecha de cabelo... – seus olhos desceram novamente para as pernas descobertas de . – Ou uma peça de roupa.
- O quê? – disse horrorizada. Suas bochechas se avermelharam com a proximidade do zagueiro. – Turner, você é um porco!
E assim que Scott tomou-a pela cintura, segurando uma de suas pernas, ouviu-se um estrondo e alguns gritos no andar de baixo.
Esperançosa, e tentando afastar o rosto do zagueiro de seu pescoço, soltou um grito de ajuda, estridente.
Sorrindo com o provável sucesso de ter atraído pra lá, Scott puxou a garota pelas pernas até que os dois caíssem no chão.
sentiu forte a dor do impacto, mas segurou firmemente o objeto que possuía na mão direita. Tirar seu braço debaixo do corpo não seria tão fácil, já que além do peso do próprio tronco, agora teria que superar o peso do tronco de Scott.
- Grite, . Grite! – Scott ordenou a seu ouvido. – Você não quer que o esteja aqui? Chame por ele, . Grite o nome dele!
E como se fosse um boneco de controle remoto, obedeceu imediata e involuntariamente as ordens de Scott.
Quando sentiu as mãos do zagueiro se esgueirando por baixo de sua saia, soube que era hora de agir.
Tirou a mão direita de baixo do corpo e, rapidamente, enfiou com toda a força que conseguiu juntar, o alfinete no olho esquerdo de Scott.
Assim que conseguiu que o objeto perfurasse o globo ocular do zagueiro, ouviu um grande baque na porta...

Londres; sábado; 6:27 da noite;

e entraram correndo na casa, assim que e acertaram o primeiro golpe nos dois meninos que tomavam conta.
Não tiveram tempo para olhar para trás para ver a situação dos amigos. Apenas entraram em um rompante, e assim que se puseram pra dentro, escutaram um grito feminino do andar de cima.
- . – rugiu em sua conclusão, subindo as escadas a largas passadas.
fez o mesmo, até sentir uma de suas canelas ser puxada por alguém alguns degraus a baixo, o que o fez estatelar sua boca e costela na escada ao cair.
- ! – gritou olhando pra trás, vendo o menino caído na escada sendo arrastado por Bennet.
- Continue, . A precisa de você. – conseguiu dizer com a boca ensangüentada.
considerou por alguns momentos, até ouvi-la gritar por ele:
- !
Depois disso, sua forma mais primitiva e irracional tomou posse de seu ser. Não conseguia pensar em mais nada que não fosse agredir Scott, vê-lo sangrar, vê-lo morrer... E essa vontade intensificou-se ainda mais quando, ao parar na porta de um dos quartos, o viu saindo de cima de .
O que foi surpresa para foi o fato de o rapaz já estar gritando de dor, sem que esse precisasse mover um músculo. Havia algo pequeno e metálico enfiado em um dos olhos de Scott, que vazava sangue.
- ... – sibilou, arrastando-se para longe de Scott, até o canto da sala.
O zagueiro espremeu a boca tentando conter outros urros de dor. Segurou o alfinete com uma das mãos e o arrancou de seu olho.
Depois de jogar o objeto longe, Scott olhou para dando uma alta gargalhada.
- Incrível como por tantos anos esperei por esse nosso encontro, ... – ele fechou o punho. – E agora, ironicamente, a única coisa em que consigo pensar é em matar a sua vadia suburbana. – urrou enquanto corria em direção a e fechava os punhos em seu pescoço.
nem teve tempo de tentar alguma reação, quando viu, já tinha agarrado Scott pelos cabelos e o lançado para longe. bateu as mãos, para livrar-se dos tufos que ali ficaram grudados.
- Tem razão. – Scott disse pondo-se de pé. – Façam fila. Eu te matarei primeiro, depois eu mandarei essa imunda pro inferno junto com você. Não vai nem precisar pegar outro vagão. – ele sorriu, antes de se lançar em direção a .
Scott conseguiu acertar o primeiro soco no rosto de , mas não conseguiu curtir sua glória, pois assim que acabou de atingi-lo, foi golpeado por um soco ainda mais forte. empurrou Scott pra trás até que esse batesse suas costas na parede oposta onde estava , no intuito de manter a briga o mais longe o possível da menina.
Esbofeteou o rosto de Scott duas vezes com toda a força, e assim que o rapaz caiu molhe no chão, o mesmo começou a rir. olhou-o em confusão.
- Você pode até me matar, . Pode até me cegar como sua namoradinha das cavernas. Mas nunca, nunca poderá mudar o fato de que, enquanto você acreditava ser o único, era comigo que a Iv dormia.
colocou as duas mãos na boca, sem idéia de como reagir àquela revelação. Quando tocou as bochechas com os dedos foi que percebeu que elas estavam molhadas. Ela estava chorando. Desde quando? Ela não sabia. Mas com aquela descoberta, sentiu necessidade de chorar cada vez mais e mais alto.
Como estaria se sentindo? Como Scott podia dizer uma coisa dessas?
Lembrou-se de Scott ter dito com uma presunção determinada: “Não tenho muita certeza disso...” quando disse não se sentir atraída por ele. Estaria o rapaz falando de Ivane?
Não teve tempo para mais indagações. Na distração de , o zagueiro retomou a vantagem...

Capítulo 21-

Scott apertou o pescoço de .
teria ficado muito preocupada se não tivesse percebido o quão tonto o zagueiro já parecia estar. Não foi difícil para acertá-lo no nariz e ficar por cima do menino, socando-o, por fim, até que esse não tivesse mais consciência.
postou suas mãos no pescoço de Scott, não de forma firme, como se ele se perguntasse se deveria ou não dar um fim em sua vida.
levantou devagar, seguindo até ele e observando que, enquanto ponderava entre matar ou não Scott, algumas lágrimas escorriam de seus olhos e gotejavam na ponta de seu nariz.
Tanto suas mãos, observou, quanto as de , estavam sujas de sangue. Sangue do rapaz inconsciente no meio da sala.
- Não o mate. – disse caindo ao seu lado.
, com as mãos trêmulas envolvendo o pescoço de Scott, olhou para ela.
- Eu tenho que fazer isso, . – ele respondeu com a voz fraca.
esticou uma de suas mãos até os cabelos de , que estavam caindo em seu rosto. Vagarosamente, passou a mão por seus cabelos e orelha, repetindo um carinho que já tinha lhe feito.
- Você não é um assassino, .
- Eu não era. – ele concordou. – Mas olhe suas pernas, ! Quem eu seria se deixasse vivo o cara que fez isso com você?
desceu seus olhos até as pernas descobertas, onde estavam algumas marcas roxas. Surpreendeu-se por não ter reparado antes.
Ela voltou a olhar o menino, virando seu queixo pra ela.
- Você seria o meu . Não se torne igual a ele. – apontou Scott com a cabeça. – Você é muito melhor que isso.
envolveu com sua mão livre um dos punhos de , puxando-o delicadamente para cima e afastando-o do pescoço de Scott.
- , eu fiquei com tanto medo de te perder. – ele disse, envolvendo-a em um abraço caloroso e permitindo que algumas lágrimas caíssem.
- Eu também tive medo de te perder, . – também se permitiu chorar. – Apesar de sempre saber que você viria.
Ficaram um tempo abraçados, até ouvirem um barulho alto vindo da direção da porta.
Era , que tinha caído sentado e apoiado suas costas no batente. Havia tanto sangue entre sua boca e nariz que era impossível dizer qual pertencia a quê.
- ?! – gritou, desvencilhando-se do abraço de e indo em direção ao primo. – Molengo... – ela se ajoelhou a seu lado, ainda chorando. – Não acredito que você também veio. ... Você... Você estava brigando por mim?!
Ele olhou para a prima e sorriu. Seus dentes usualmente brancos agora estavam manchados de sangue.
- Por quem mais eu brigaria?
abraçou-o com força, chorando mais alto que nunca antes.
Ver e feridos daquele jeito era o bastante para despedaçar seu coração inteiro. com o nariz e a boca arrasados e com um enorme corte em uma das sobrancelhas, originado do primeiro soco que recebera de Scott.
- Confesso que não achei que você fosse vencer o Bennet. – disse se aproximando dos dois, com um sorriso no rosto.
também sorriu e respondeu:
- Confesso que também não, mas tive sorte de ter um vaso de plantas a meu alcance. – ele riu, também. – Não bato em alguém assim desde que o quebrou minha bicicleta. Incrível, não?
esticou uma das mãos para , e esse tocou na mão dele como um cumprimento.
- Parabéns, mate. – disse.
- O mesmo digo pra você. – olhou para Scott e depois para . – Obrigado por salvá-la.
se preparava para responder quando ouviram sons altos vindo do andar de baixo, como voz de alguns homens e a sirene de uma ambulância.
, e se entreolharam.
- e . – olhou preocupado para os companheiros.
passou por cima de e , para poder apoiar o garoto em seus ombros pelo outro lado. A menina compreendeu e fez o mesmo, passando um dos braços do primo em volta do pescoço.
- O quê? – disse. – Eles também vieram?
- Vieram. Alguém chamou uma ambulância... – observou.
Andaram devagar no corredor escuro e estreito, acompanhando o andar manco de até as escadas.
- , você acha possível que... Um dos dois...? – ele deixou a frase no ar.
- É o que vamos descobrir.
Chegando ao primeiro andar, foram envoltos por uma luz forte e agressiva, vindo da porta escancarada da frente. Ao acomodarem suas pupilas, observaram um grande farol em um dos dois carros da polícia estacionados na frente da casa.
- Oh, Deus! – gritou uma voz masculina grave, que e reconheceram imediatamente.
Tio John correu em direção aos três jovens que desciam algumas escadas na frente da casa. Assim que se aproximou o bastante, envolveu-os em um abraço... Todos eles.
Enquanto e retribuíam, apenas sentiu-se alarmado por ser recebido por tamanha receptividade.
- Filho, . – tio John falou, afastando-se um pouco dos três. A luz continuava a banhá-los, lançando grandes sombras escuras no interior da sala de madeira. – Deus. – repetiu. – . – olhou-o, com os olhos cheios de gratidão e orgulho. – Obrigado por trazê-los de volta...
A fala do homem ficou reticente. Logo ouviram um dos policiais perguntar, pelo megafone, se ainda existia alguém no local.
assentiu e dois tiras passaram armados por eles, entrando na casa.
Desvencilhou-se do braço de , para que o mesmo pudesse abraçar seu pai direito, e foi em direção a e . As duas estavam abatidas, olhando para dentro da ambulância estacionada do outro lado da rua.
Alguns vizinhos curiosos arriscavam pôr sua cara para fora da janela para sondar o ocorrido.
- O que aconteceu? Os meninos... – perguntou chegando ao lado de e olhando para dentro do veículo. , sentado em um dos pequenos bancos brancos, sorriu para ele. Já ... – O que houve com o ?
O garoto estava deitado, desacordado, na maca enquanto dois paramédicos o examinavam.
estava com um corte aberto embaixo de um dos olhos. Seu nariz e lábios também não estavam no melhor dos estados, mas iria sobreviver.
- Acho que quebrei uma costela. – ele disse. – Apenas. – olhou para o companheiro, que, com alguns espasmos nas pálpebras, começou a abrir os olhos. – Já o , pelo menos três coisas quebrou...
- Bateram nele tanto assim? – perguntou.
- Óbvio que não. – respondeu rouco, para a surpresa de todos. – Eu sentei o cacete.
- É, ele trouxe uma lanterna... E bateu nos caras com a lanterna. – uniu as sobrancelhas. – Só que as coisas ficaram meio ruins quando um deles tomou posse do objeto.
- E a única, única - deu ênfase. – razão para que eu tenha apanhado assim foi porque eles estavam armados.
- Com uma lanterna. – completou, rolando os olhos e fazendo todos, de menos , caírem na risada.
- Que tipo de idiota trás uma lanterna no bolso do casaco? – perguntou, divertido.
- Talvez o mesmo idiota que precise dela para se defender de dois meio-campo.
arriscou uma risada, seguido por e . Mas irritou-se o bastante para socar uma das pernas de .
- Ouch! – ele gritou. – Só porque eu estou brincando não significa que não esteja doendo.
Ela olhou-o com os olhos magoados, cheios de lágrimas.
- Você é um imbecil, ! – ela falou esganiçada, levando as mãos à boca. – Um completo e perfeito imbecil. Como tem coragem de se arriscar desse jeito?
Ao ver o clima gerado no local, sinalizou para e a namorada com a cabeça, para que eles se retirassem de lá. Até os paramédicos, que tinham saído para se comunicar com os das outras ambulâncias que chegaram, acharam melhor ficar um tempo afastados.
Ao ver que estavam a sós, falou:
- Qual é a sua, ?
- Qual é a minha? – ela berrou. – Qual é a MINHA? – meteu-lhe mais dois tapas na perna, arrancando gemidos de dor do menino. – Você acaba de quase se matar e ainda me pergunta qual é a MINHA?
a olhou ultrajado por alguns instantes, depois tomou ar para responder:
- Eu quase acabei de me matar para ajudar uma amiga. E lealdade, quer você acredite ou não, faz parte das virtudes que eu mais prezo. Comitatus, capiche? – moveu a mão, enfatizando seu italiano.
, ainda nervosa, rolou os olhos.
- Isso foi tão... Imprudente! Até pra você. O que você conseguiu com essa droga de lealdade? Três costelas quebradas!
Ele levantou um dedo.
- Três costelas e um braço quebrado.
- Piorou!
O menino observou enxugar os olhos lacrimosos na manga de sua blusa de frio. Quando a menina fungou, ele abriu um lento sorriso, arrastando-se na maca da ambulância até que pudesse tocar seus ombros.
- , não precisa ficar preocupada comigo. Eu fiz isso na total intenção de voltar inteiro, como, você pode ver, estou agora. Não vou a lugar nenhum... A não ser talvez ao hospital, mas depois eu volto pra você. – mostrou os dentes enquanto sorria.
encarou-o durante alguns segundos até afastar o garoto com as mãos.
- Eu não pedi por isso. – olhou constrangida pra baixo. – Quero dizer... Pra você voltar pra mim. Eu não...
- Eu teria feito isso mesmo que você me pedisse que não. – ele disse sincero. – Você sempre foi meu motivo pra voltar, e agora tenho mais um... – desviou os olhos devagar para o relevo visível por baixo da blusa da garota.
deu um passo rápido pra trás.
- Não!
- Por que não? Eu já disse que...
- Não, ! – gritou aos prantos, vendo o menino se esticar ainda sentado na ambulância, para conseguir afagá-la. – Eu já te disse. Não tem como eu ter certeza de... De quem é...
- É meu.
- Eu não sei! – ela limpou novamente os olhos com as mangas. – Não poderia fazer isso com você, . Não é justo.
- Você não pode me afastar dele. – apontou a barriga. – Isso sim não é justo!
- , quando você vai entender que você não é o pai?
- Você não tem como ter certeza. – ele trincou os dentes.
- E nem você.
suspirou, depois olhou para o lado direito. Havia uma pequena praça do outro lado da casa onde Scott escondera , e era por lá que os olhos do garoto vagavam.
Por mais que “” tenha soado mais sonoro vindo da boca de , ainda mais depois desse tempo todo, a mágoa de seu peito não parecia querer se dissipar nem um pouco. Respirou fundo e novamente levou seus olhos a garota parada a sua frente.
- Você sabe que eu estou disposto a assumir a criança.
respirou fundo, agarrando-se em toda sua coragem para respondê-lo:
- Você sabe que não estou disposta a deixá-lo assumir algo que não é seu.
E assim saiu de lá, deixando atordoado na maca da ambulância, observando-a ir embora. A vista do rapaz ficou turva, e, antes que percebesse, já estava chorando.
caiu de costas na maca, espremendo as mãos nos olhos e murmurando:
- Vida de merda!

- O que aconteceu lá dentro? – perguntou estarrecida, arrastando , que estava enrolada pelos ombros por um cobertor, pra longe dos demais.
A desculpa que utilizou para tirá-la de perto do tio, primo e bem, , fora que tinham assuntos femininos para tratar. garantiu aos três que havia coisas que só poderia compartilhar com uma mulher, e por mais que se sentisse incomodado ao pensar em não ter algo da garota dividido com ele, permitiu que ela seguisse com .
Quando estavam afastadas das ambulâncias, policiais e amigos, as duas meninas se sentaram no meio fio.
- Você deve estar sentindo muito frio. – disse, sinalizando as pernas nuas de .
- Até que não, você sabe, com o calor do momento. – ela deu de ombros.
As duas olharam em silêncio para as folhas escuras do parque. A noite trazia uma temperatura amena, que era sentida pela pele das pessoas um tanto mais gelada, graças à intensidade dos ventos.
observou as marcas roxas nas coxas de , engolindo em seco.
- O que aconteceu lá dentro?
Ela acompanhou o olhar da amiga.
- Ah, isso. – suspirou. – Eu... realmente não quero falar a respeito. Sei o que as marcas te levam a pensar e provavelmente era isso o que ele estava tentando fazer. Mas eu não sei, não tive tempo de ter certeza. – ela segurou o rosto, respirando fundo e percebendo sua vista ficar embaçada. – O que na verdade me marcou àquela hora não foi o que Scott estava fazendo ou o que poderia ter feito. Nem o que eu fiz para que ele me soltasse. Ele gritou uma coisa tão ruim pra . Algo tão... Cruel.
arregalou os olhos, abraçando a amiga de lado assim que ela deixou uma lágrima rolar.
- E o que foi?
- Ele disse que a Iv tinha um caso com ele. Digo, com o Scott. – limpou as lágrimas. – Eu acho que eu estaria até me importando mais de ter furado o olho de uma pessoa se a expressão no rosto do não tivesse sido tão... Arrasada.
engoliu em seco. Conectou imediatamente o que ouvia da boca da amiga ao seu flashback no Mark’s. Sim, lembrava-se agora. A pessoa com quem Ivane tivera um caso, naquele dia, tinha sido o zagueiro. O rosto satisfeito de Scott no fundo do bar parecia quase tão nítido pra quanto as folhas farfalhando na praça.
Era isso.
- Você acha... – falou com a voz desgastada. – Acha que ele poderia ter te matado, ?
A menina deixou óbvio para onde suas suspeitas tendiam. franziu a testa, tentando se lembrar de todos os momentos em que esteve no pequeno quarto de madeira, sob a vigília do grandalhão.
- A princípio, não. – ela respondeu sincera. – A intenção dele ao me seqüestrar não era me matar. Ele queria assassinar o , mesmo que isso acabasse o colocando na cadeia. Ele só queria que o tivesse um motivo para estar naquele lugar. – ponderou por um instante. – Mas suas intenções mudaram consideravelmente quando acertei seu olho...
- Acha que ele poderia ter assassinado a Iv?
balançou a cabeça.
- Ele parecia estar bastante orgulhoso de seu ‘affair’ com ela pra ter acabado com tudo desse jeito. Se bem que ele é muito estranho. – sussurrou, depois deu uma risada frouxa. – Não tenho como julgar as ações que ele foi ou não capaz de fazer.
Depois de um tempo em silêncio absoluto, apenas repousando sua cabeça no ombro da amiga, se permitiu chorar. Seu coração se encheu de mágoas a tal ponto que chorar era inevitável.
Ali estava ela, com uma roupa tão curta e inadequada para o inverno londrino que chegava a se sentir seminua, com as pernas e os braços com machucados tão superficiais que nem se comparavam a dor que sentia em seu coração. Estava ali, suja, desesperada, chateada por seus amigos e pensando em algo que sua mente nunca lhe permitiu engolir: que ainda amava Ivane.
A expressão de desgosto e completo horror quando ele ouviu as palavras vindas de Scott só podiam demonstrar ciúmes. Ciúmes por uma mulher cuja carne já havia sido comida pelos vermes. Como, se perguntava, ela teve coragem de fazer isso com ? Logo com o seu ?
Seus soluços ficavam cada vez mais altos e antes que percebesse, estava murmurando o que seus pensamentos gritavam:
- Cretina.
permaneceu em silêncio. Por mais que fosse amiga de Ivane, os únicos argumentos que tinha a respeito da garota só a fariam concordar com : ela era uma cretina.

Assim que o pai se afastou para responder algumas coisas aos policiais, se sentou ao lado de nas escadas da varanda. estava logo ao lado.
estava com um lenço apertado contra seu nariz, sentindo pela primeira vez, através da pressão que exercia sobre o rosto, a possível fratura que havia sofrido. Pensava não ser possível, mas com certeza sentia sua cartilagem nasal latejar, assim como sua gengiva.
Viu a expressão vaga de e instantaneamente sentiu um aperto no peito. O que eles acabaram de fazer? Perguntava-se. Bateram nos caras do colégio que os enfiavam em latas de lixo no fundamental. Era uma meta que sempre havia considerado impossível, até sentir tanta adrenalina quanto a que tinha sentido hoje.
A descarga de adrenalina, com certeza, alavancou os garotos para a vitória.
Mas apesar da satisfação, ainda sentia como se um caroço estivesse preso em sua garganta. Uma curiosidade ardente que se viu obrigado a exteriorizar:
- ... – começou. – Você acha possível que o Scott tenha... – olhou-o, com os olhos sem brilho. – Tenha assassinado a Ivane?
O rapaz voltou novamente seus olhos pra frente pensando sobre a pergunta do amigo. Esticou seus joelhos que estavam dobrados sobre os degraus, apoiou-se nos braços e disse, em meio a um suspiro:
- É impossível.
tentou fingir que não prestava atenção na conversa dos dois garotos, apesar de ter aguçado seus ouvidos para apurar o diálogo.
- Impossível? Como se vimos muito bem o que ele é capaz de fazer...?
novamente discordou com a cabeça, com a certeza transparecendo em seus olhos.
- Eu não pude levar a para a mansão aquela noite. – estreitou os olhos, lembrando-se do passado. – Lembro-me que o motivo foi a brincadeira que fizemos ao pichar uma das paredes da Drayton School de azul e branco, no dia em que ganhamos a semifinal. Algum aluno do time adversário viu e nos filmou. Passei alguns dias na detenção. A noite em que a Ivane foi assassinada foi um deles. – fechou os olhos com o pesar. – Scott tinha participado da brincadeira também, e, como eu, saiu de lá tarde demais pra que pudesse ter feito alguma coisa.
levantou-se de onde estava pela impossibilidade de ficar parado ao ouvir uma noticia como aquela. Scott estava na detenção. Estava na detenção e nunca poderia ter chegado a tempo de assassinar Ivane.
O que ele faria agora que seu principal suspeito era carta fora do baralho? Tampou a boca com uma das mãos, sentindo as têmporas fervilharam e algumas gotas de lágrimas começarem a se formar nas margens de seus olhos. Mas não iria chorar. Precisava ser forte o bastante para impor respeito, para mostrar a que era resistente tanto física quanto emocionalmente para ser seu protetor. Ao se lembrar desse objetivo que traçou para si mesmo, voltou os olhos para a menina, que se desmanchava no colo de .
Seu coração se amoleceu a tal ponto que seguiu até lá sentindo os membros do corpo formigando de forma incômoda. Quando sentou-se no meio fio, ao lado de , olhou-o com um olhar sugestivo, como se dissesse: “Deixo com você”.
Ele assentiu, e fixou-se, assim que se levantou, nos olhos úmidos que virou para ele.
- Eu sinto muito. – sussurrou, segurando uma das mãos finas e geladas da menina e colocando em seu colo.
Com as costas da mão que estava livre, acariciou o rosto de .
- Por me fazer sentir mais protegida que nunca na minha vida?
- Eu não te protegi o suficiente. Deixei que você passasse pelo que passou. Deixei você conseguir essas marcas. – O corpo dele estremeceu ao falar sobre alguns círculos roxos que observava nas coxas da menina. – Ele... Ele conseguiu...? Antes de eu chegar ele...?
- Não. – sorriu fraca. – Você chegou a tempo. Chegou quando chamei por você.
- ... – puxou-a pela nuca, fechando os olhos quando suas testas se encostaram.
Ele sentiu um alívio relaxar seu tronco, quando sentiu o calor da pele da garota. A pulsação tão viva em seu pescoço. Viva. Era isso o que ela estava. Viva e com ele.
Abaixou sua mão, deixando-a percorrer devagar todo o caminho entre o pescoço dela e seu braço.
- Cheguei a pensar que nunca mais a veria. – ele falou com a voz engasgada pelo choro preso.
Ela deixou mais algumas lágrimas rolarem, sabendo que não havia nada o que pudesse falar naquele momento. Teve o mesmo medo de que fosse morrer. Teve o mesmo medo de que nunca mais fosse ver o homem que amava. O pavor de não ver mais seus olhos que antes eram opacos, ouvir sua voz quando era sarcástico, seu sorriso escondido que a trazia a sensação de estar em casa.
- eu... – falou, três oitavas mais alto do que pretendia. Ele abriu os olhos e cravou-os nela. O que ela estava fazendo? Pensava, enquanto tentava verbalizar. Sabia que, se dissesse o que queria naquele momento, acabaria com seu relacionamento com o garoto. Mas o que podia fazer? Há meses essa verdade implorava para ser dita aos berros. – Eu... Eu te...
- ? – a voz de soou mais alto que a de , fazendo com que o casal, relutantemente, olhasse para o lado. – Desculpe interrompê-los, mas... Tenho um assunto sério pra tratar com você.
Ele olhou de a , beijando a segunda na testa antes de se levantar e andar até a outra.
“Eu te...” a frase inacabada rondava a cabeça do menino enquanto ele seguia com até o outro lado da rua. “Eu te...” “Eu te...”. O que ela iria dizer afinal?
Suas bochechas pinicaram para saber. Para voltar lá e levá-la pra casa, de modo que pudessem ficar abraçados até seu último suspiro. Ele queria tanto poder abraçar a garota o quanto quisesse. Tanto...
- Sei que talvez isso não tenha muito sentido pra você, mas mantê-lo informado é o mínimo que devo. – ela respirou fundo de nervosismo, preparando-se para dizer o que disse em seguida: - Lembrei de ter visto Ivane se drogando atrás do ginásio, depois da semifinal, ano passado. Sei que provavelmente é uma coisa sem sentido nenhum... Mas na hora me pareceu importante. Achei que ela tivesse parado com o vício quando começaram a namorar...
- Mas pelo visto não parou. – disse com os dentes trincados.
Pelo seu tom de voz pode perceber que ele também pensava que a menina tivesse parado de usar cocaína. Sentiu certa culpa por conseguir decepcioná-lo ainda mais com relação a ela, mas de repente ele teria uma idéia do que fazer com aquela informação. Essa era a esperança de .
olhou-a e percebeu que ela estava em expectativa. Sorriu, tentando parecer tranqüilo quando respondeu:
- Há muito tempo algo vindo de Ivane não consegue me magoar, .
- Eu sinto muito por ter dito algo assim. – levou as mãos ao peito. – Eu não deveria ter dito. Mas achei que talvez você soubesse o que fazer ao saber disso.
olhou pensando um pouco sobre o assunto. Ivane ainda se drogava poucos dias antes de seu assassinato. Ele se lembrava de que, quando começaram a sair, ela consumia grandes doses de cocaína.
deixou um sorriso frio surgir vagarosamente por seus lábios, depois sussurrou:
- E sei.
Com um lampejo nos olhos, observou um carro da polícia sair de lá com o camburão lotado. Uma ambulância com a sirene ligada foi logo atrás.
Por mais assustador que isso pudesse parecer, o único sentimento que tinha ao saber que Scott jazia dentro do veículo tomou conta de todo seu ser:
Satisfação.

Capítulo 22-

- Parece que é aqui. – respirou fundo, inalando toda a pureza do ar da manhã antes de estacionar o carro na frente de um grande prédio em Dockland.
Era segunda-feira, dois dias depois de seu fatídico seqüestro, e seu coração disparava em prol de um único objetivo. Abriu a porta do Civic que pegara emprestado de , pisando decidida com a bota de salto na calçada.
Olhou novamente o prédio e sentiu as pulsações em sua garganta, tão fortes que o sangue se concentrava em suas bochechas. Ela tinha dezoito anos e já era uma mulher, então porque se sentia como uma pré-adolescente saboreando seu primeiro amor platônico?
Como ela, madura como acreditava ser, ainda podia sentir seus joelhos fraquejarem com a simples menção do nome dele? Como poderia sentir sua pele queimar tão intensamente toda vez que ele a tocava? E a arritmia de seu coração? Como poderia explicar para si mesma?
Era como se todas as suas noções de amor e paixão tivessem sido automaticamente transferidas para um único ser humano. Nenhum dos caras com quem namorou ou saiu importavam. Ele importava. O cara que arriscara sua vida para salvá-la, que arriscou sua vida para vê-la respirar não apenas uma, como várias vezes. Aquele cara por quem, ela sabia, por mais que os anos passassem sempre seria o motivo de seus suspiros. O tema favorito de seus sonhos.
De repente o traiçoeiro destino pareceu tão correto. Não havia sido o acaso que a levara para Inglaterra, nem o acaso que tinha colocado o rapaz em seu caminho. Tinha sido o destino. O confuso e curioso destino.
respirou fundo ao parar em frente ao porteiro do edifício, que a olhou de cima a baixo com um olhar um tanto surpreso. Sabia a quem ele a estava conectando, mas enquanto sua mente estava voltada para seu objetivo, não se importou com o que quer que o homem poderia lhe dizer.
O porteiro, um homem albino e de ombros largos, examinou-a minuciosamente.
Observou em seu longo vestido de cashmere, com sua meia calça escura e preta contornando as pernas até serem escondidas por sua bota de salto bege.
- Perdoe-me se eu estiver errado – ele disse educadamente. -, mas a senhorita não é...
- Não. – ela interrompeu sem se preocupar com a grosseria. Estava mentalmente incapaz de ouvir um engano como aquele sem se magoar. – Meu nome é . – enfatizou, quase como se completasse com um “lembre-se disso”. – Gostaria de saber se está em casa.
O porteiro cruzou os braços por trás da mesa de mármore, que escondia a cadeira em que estava sentado. A disposição do apartamento onde morava era bastante semelhante à de Duan, com a diferença, claro, de a recepção ser menos ampla e de aparência mais fria, menos convidativa.
Ele olhou curioso para a sacola que pendia no braço, mas suspirou e acenou para os elevadores:
- Está. Vá em frente. Nono andar.
Ela caminhou até os elevadores mais incerta do que estava quando adentrou as portas automáticas do prédio. Apertou o botão sinalizando que estava a espera e esperou, com o coração latejando em sua garganta.
O porteiro não avisou a que ela estava lá, ela observou. Pensou que talvez fosse melhor assim, uma surpresa. Porém descartou essa idéia quando cogitou a hipótese de estar sendo um inconveniente.
Engoliu em seco quando as portas do elevador se abriram. Não podia voltar atrás. Tinha ido longe demais.
Fechou os olhos durante alguns segundos, acalmando seus nervos, depois bateu na porta de madeira clara e polida, que quase imediatamente foi aberta. Por . Sem camisa.
As bochechas da menina coraram instantaneamente quando viu o estado em que ele se encontrava, provavelmente da mesma forma que tinha saído do banho. Afinal, o que ela pensou que fosse encontrar indo na casa dele sem avisar?
As bochechas de também ficaram rosadas observando-a ali. Secou os cabelos molhados em uma pequena toalha que carregava no pescoço, depois disse, em tom surpreso:
- Eu não... – juntou as sobrancelhas, tentando encontrar as palavras certas enquanto passava os olhos rapidamente por ela, de cima a baixo. Por alguma razão, seus joelhos estremeceram enquanto subia sua visão do quadril até os olhos elegantemente pintados da menina. – Esperava que você viesse.
- Desculpe o incômodo. – ela falou constrangida. – Eu não deveria mesmo ter vindo sem avisar. – virou o corpo de lado, de modo que ficasse claro que pretendia voltar ao elevador. – Eu posso voltar outro di...
- Não! – agarrou-a pelo braço, assim que ela insinuou dar uma passada para frente. – Não precisa. Eu estou bem. – afrouxou os músculos, fixando-se nos olhos do rapaz, prendidos nos dela. Sua boca tremeu enquanto olhava as maçãs do rosto pronunciadas de , que estava marcada, do lado esquerdo, por uma marca roxa.
deixou o ar escapar, esticando uma das mãos rapidamente até o machucado.
- Isso foi... O Scott? – acariciou o local, ainda que estivesse tensa com o que via.
- Foi. – respondeu, colocando a mão por cima da dela e entrelaçando seus dedos. – Não precisa ficar tão assustada. Não está doendo.
mordeu seu lábio inferior, segurando uma chateação entalada na garganta. Mal conseguira segurar sua frustração quando fora visitar no hospital, no dia anterior, quanto mais ver a conseqüência da luta no rosto de .
- É culpa minha.
- O quê? – ele pareceu espantado. – Como isso pode ser sua culpa?
admirou os olhos do amado.
- Eu devia ter sido menos ingênua. Se eu não tivesse acreditado naquele maldito bilhete...
- Espera. Que bilhete?
abriu a porta para que ela entrasse. se colocou pra dentro observando cada detalhe do loft. Era espaçoso, frio e cuidadosamente organizado. Se não visse o garoto ali provavelmente diria que ele não estivera em casa por dias.
Apesar da enorme cama de casal no meio da sala e da pequena cozinha moderna situada do lado esquerdo do ambiente, o que mais lhe chamou a atenção foi algo em que quase tropeçou, e que assim que percebeu a presença da menina, enfiou o focinho por baixo de sua saia. Spike.
gargalhou enquanto empurrava, vermelho de constrangimento, o rosto do animal para longe das pernas de .
- Desculpe por isso. – disse com a voz abafada pelo esforço de conter o pequeno amigo em direção a garota. – Ele normalmente não é tão... Er... Amigável com as visitas.
gargalhou ainda mais.
- Tudo bem, eu também tenho um cachorro. – observou Spike pular até apoiar suas patas nos ombros de e lamber-lhe o rosto, enquanto ele fazia barulhos de protesto. – No Brasil, quero dizer.
O cão finalmente se acalmou, fazendo com que o menino permitisse que ele ficasse solto.
- O que me faz lembrar – disse. – que você quase nunca fala sobre sua vida no Brasil.
- Confesso que de uns meses pra cá ela ficou mais interessante. – deu de ombros, enquanto lhe sorria.
Ele apontou para a larga cama de casal, que fora as cadeiras no balcão da cozinha era o único lugar onde poderiam se sentar.
- É uma falta de preparo não ter um sofá, eu sei. Mas não costumo receber ninguém...
- , eu realmente não vim pra ficar reparando nessas coisas. – respondeu divertida.
Ele ficou um tempo perdido no sorriso dado por ela, depois se recompôs e perguntou:
- Mas e quanto ao bilhete? O que você estava dizendo?
- Que eu recebi um bilhete de um dos funcionários vestidos de cupido, . A mensagem me convidava ao terraço. Pensei que fosse seu e por isso fui. – esclareceu. – Mas eu nunca estive tão terrivelmente enganada. Se eu tivesse por um segundo desconfiado não teria causado isso ao , ao , ao e nem a você.
balançou a cabeça em negação.
- Scott arrumaria outros meios de me colocar onde queria. Como ele supunha: uma presa fácil pra morrer. – ele suspirou. – O que ele pôde concluir que não era verdade. Ainda mais quando você já o havia tornado tão débil... De onde tirou o alfinete, no fim das contas?
cruzou os pés e começou a balançá-los para frente e para trás, para esconder o quanto ainda estava ansiosa. A sacola continuava em seu braço.
- Do meu vestido. – estreitou os olhos. – Mas não fique preocupado. Não foi Scott quem tirou, fui eu mesma. Eu tirei e o acertei.
Ele, sentado ao lado dela, levou uma das mãos para seu ombro, acariciando-a. A mão livre de se fechou em um punho.
- Sentiu necessidade de fazer isso porque eu não cheguei antes.
- Senti necessidade de fazer isso porque sei que você não é telepata, portanto precisaria de tempo até descobrir onde ele tinha me levado.
Fez-se um breve silêncio enquanto eles se encaravam profundamente.
- Você foi muito corajosa ao fazer o que fez.
Ela sorriu.
- Acho que sempre, no final das contas, vamos acabar optando pela vida. Se tivermos escolha, se tivermos ao menos qualquer chance, nossa vontade de viver sempre prevalecerá.
- Se você tiver pelo que viver. – ele completou, aproximando ainda mais seus rostos.
- Eu nunca senti tanta vontade de viver quanto senti naquela hora. Era como se tudo o que tivesse valor pra mim passasse repetidamente pela minha cabeça. Não podia deixar tudo pra trás.
Observando abaixar seu olhar, disse baixo, e para seu espanto, de forma clara.
- Desculpe não ser motivo o suficiente pra você querer viver.
O olhar de ao assimilar essas palavras se arregalou tanto que seu semblante assumiu um aspecto completamente ofendido. Nem se dissesse que daria a luz a um filho de ele pareceria tão transtornado.
- O que você disse? – ele esticou seu rosto pra frente, como se precisasse da confirmação de que não estava ficando surdo.
- Eu pedi desculpas por não ser motivo pra você querer continuar vivo. Eu... – mordeu o lábio inferior. – Você não sabe o quanto eu gostaria de ser. – Falou por fim.
esticou a mão que anteriormente estava nos ombros da menina para seus cabelos. Esticou uma das mechas do cabelo de até sua boca, onde, antes de beijar os fios, inalou o perfume de pêssego que possuíam.
observou-o com admiração, até que ele conduziu seu rosto até próximo ao dela. Depois de alguns segundos sentindo a respiração dele em sua bochecha, fechou os olhos ao senti-lo encostar levemente seus lábios sobre os dela.
Fechou os olhos desfrutando da sensação de ter todos os sentidos de seu corpo aguçados para apenas uma ação. Sentiu os pelos que tinham se eriçado com a proximidade dele, baixarem com o calor que aquele contato a proporcionava. Assim que separou devagar os lábios para aprofundar o beijo, sentiu o coração girar 360 graus. Arrastou-se no colchão para se aproximar ainda mais dele, que pedia permissão com a língua para ir além do selinho.
juntou sua língua a dele no mesmo tempo em que o segurou pela nuca, deixando claro que, para ela, aquele beijo era mais que bem vindo. A outra mão que usava para se apoiar em um dos joelhos agora estava na cintura da garota, apertando-a de modo firme e fazendo com que seus arrepios voltassem.
percebia que diferenciar sua saliva e hálito do de agora já seria inútil. Suas bocas, línguas e salivas já estavam tão unidas que mal podia identificar os movimentos que seus próprios músculos faziam. Só sabia que, o que faziam, faziam certo e com sucesso de deixar aquela sensação ainda mais perfeita.
arrastou-se até se postar o mais próximo possível da menina que o espaço permitia, mas logo aumentou seu contato quando a puxou pela cintura, até que ela estivesse ajoelhada no colchão, com o corpo completamente colado ao dele.
desceu a mão que estava apoiada nos ombros do garoto até seu peito descoberto, e depois enlaçando seu braço por baixo do dele, de forma que pudesse acariciar levemente suas costas.
desceu sua mão esquerda pela perna de , e, alcançando os canos de suas botas, não teve trabalho para tirá-las.
soltou uma risada baixa durante o beijo que cada vez ficava mais intenso, ao perceber que, quando se deitou por cima dela, provavelmente havia tirado as botas para que não sujassem a cama. Isso provava que a estranha disposição e organização dos móveis era mesmo obra de .
jogou a sacola laranja que segurava para o chão assim que sentiu as mãos de , por baixo de sua saia, puxarem a meia calça pra baixo. Separaram o beijo assim que houve necessidade de passá-la pelos pés, e quando se olharam, com os peitos arfantes e bochechas coradas, de repente sentiram outro peso na cama.
olhou para o lado imediatamente, arrependendo-se de ter feito isso quando Spike lambeu seu nariz.
- Spike, sério, agora não. – murmurou impaciente, mas o cachorro não lhe deu ouvidos. Continuou a abanar o rabo no colchão. – Sai daqui. – insistiu.
Apesar de também ter ficado indisposta com a interrupção, não pode deixar de rir.
- Spike. – riu. – É esse o nome que você escolheu?
segurou uma das coxas de , enrolando-a em sua cintura.
- Algum problema? – levantou uma das sobrancelhas.
- Não. Claro que não. – ainda estava divertida. – Mas não consigo parar de pensar em “Rugrats” ou em “Buffy” quando escuto esse nome. – novamente caiu na risada.
também se arriscou a rir.
- Oh, céus. – choramingou. – Nada mais broxante que saber que o nome do meu cachorro te faz pensar em um homem com o cabelo tingido.
gargalhou, seguida por ele.
- Okay, então. – ela tirou os cabelos da frente do pescoço, olhando-o com um sorriso maldoso. – Pode deixar que nunca mais toco nesse assunto.
Quando inclinou sua cabeça para voltar a beijá-la, o cão pôs-se no meio, latindo animado como se pensasse que aquilo era uma brincadeira de que queria participar.
sentou-se bem humorada, acariciando os pelos de Spike e olhando para , que fez um bico desapontado.
- Juro que não sei o que deu nele. Acho que vou prendê-lo no banheiro.
segurou a cabeça do cachorro - que ofegava ainda mexendo o rabo - como se quisesse afastá-lo de .
- Hey, não faça isso com ele. – falou com uma irritação afetada, riu. – Ele pode ficar. Não é, menino? – perguntou a Spike, que lhe devolveu a pergunta com uma lambida no rosto.
- Não pode, não. – engatinhou-se novamente pra cima de , que largou o animal assim que o viu se aproximar. – Ele vai atrapalhar.
E quando viu que as atenções não estavam mais voltadas pra ele, Spike pulou do colchão, caindo em cima da sacola laranja e produzindo um alto barulho de papel amassado.
- Ah, não! – disse, empurrando – que havia começado a beijar seu pescoço – para longe assim que ouviu o barulho do plástico. – Ah, não. Meus presentes!
Sentou-se rapidamente na cama, esticando-se para alcançar a sacola amassada ao lado. se ajoelhou, sem vergonha de mostrar em sua face o quanto estava se sentindo contrariado com mais uma interrupção.
- Eu... – disse, colocando os cabelos para trás da orelha e sentindo, enfim, o peso da vergonha que tinha do menino. Observou suas pernas descobertas e se perguntou como havia sido capaz de deixar as coisas terem chegado a esse ponto. – Eu vim porque tinha um presente pra você. De natal.
Ela esclareceu, percebendo que não havia falado o motivo pelo qual o havia visitado. Quando voltou seu olhar para , que estava com as sobrancelhas arqueadas em desconfiança, corou ainda mais.
- Primeiro: - ela enfiou a mão dentro do saco laranja. – sua blusa. – jogou na direção do garoto sua camisa de treino dos Eagles, que ele havia deixado com ela há mais de dois meses.
- Até tinha esquecido que tinha essa roupa... – ele brincou.
Ela também tentou sorrir, apesar do constrangimento que sentia ao vê-lo escorado na cama e ela tão próxima, com as pernas completamente descobertas.
- Er... E bem... – ela enfiou a mão novamente na sacola, segurando outro objeto que escondia. Olhou pra com as pestanas pesadas, e depois de engolir em seco, disse: - Fui outro dia comprar presentes com a . Eu não sabia o que te dar então pensei que... Bem, se você não gostar pelo menos pode lhe ser útil.
Sacou um livro de capa grossa, jogando-o no colchão ao seu lado. se aproximou para segurá-lo, e quando o levantou em frente aos olhos pode ler o título:
Hamlet.
Ele admirou a capa por alguns instantes, depois virou o livro para ler o resumo. Observando com olhos atentos cada palavra, deixou sua boca entreaberta para falar o que pensava enquanto lia:
- “É bem a sua cara mesmo – começou a dizer a voz baixa e rouca. – todos morrem no final... Sei bem como você é chegado em uma morte.”
arregalou os olhos, percebendo que era essa a frase que tinha dito a ele alguns meses antes, enquanto brigavam na aula de literatura. Lembrou-se de estar tão chateada com ele que, ao levantar sua voz para brigar, foi mandada para fora da sala pela professora. A senhora Paskin. A boa senhora Paskin, que agora graças a um misterioso assassino estava tendo sua carne apodrecida embaixo da terra.
- Desculpe por isso. – ela respondeu sem graça. – Não tive a intenção de falar uma coisa como essas eu só estava com raiva...
- E tinha motivo. – concordou. – Eu também estava sendo um idiota.
rolou os olhos.
- Obrigada por ressaltar que eu estava sendo idiota, . Você realmente é muito legal.
Quando ele percebeu que tinha dito “também estava sendo um idiota” como se fosse outra, ele começou a rir. Ela ficou carrancuda por alguns instantes, mas depois seguiu a risada do garoto.
Será que ele ria assim quando Ivane estava por perto? Ela não pôde deixar de se perguntar. acabara se transformando, do menino misterioso e durão do início do semestre para aquele protetor e risonho, que agora, mais do que nunca, amava.
Perguntava-se se ele se portava tão feliz quando estava com Iv, se portava tão carinhoso, como estava sendo agora, abraçando-lhe pela cintura e lhe acariciando os braços. Quando permitiu que deitasse a cabeça em seu colo, ela pôde olhar seus olhos por outro ângulo. Tão brilhantes... Tão assustadoramente vivos. Será que, quando estava com ela, a felicidade que sentia era por imaginar estar com Ivane? Era uma dúvida que queria tirar.
- Você acha que alguém poderia nos confundir? – Perguntou de repente, enquanto se fingia de desinteressada brincando com alguns fios de cabelo. – Eu e a Iv.
amoleceu seu rosto, olhando com bondade para a garota deitada em seu colo. Era tão óbvio que perguntava isso por ciúmes que seu coração inflava de empolgação e expectativa ao respondê-la. sentia, por mais que ela nunca tivesse dito com palavras, que a menina gostava realmente dele. E ter esse seu sentimento tão secreto e intenso correspondido era tudo o que ele podia querer.
Acariciou os cabelos de enquanto lhe respondia:
- A princípio algumas pessoas confundiram. – admitiu. – Mas são idiotas. Apenas aqueles que nunca tiveram a oportunidade de conhecer nenhuma de vocês poderiam confundir. Você e a Iv são completamente diferentes. Não só emocional como fisicamente.
- Me dê exemplos. – desafiou.
respirou fundo e sorriu.
- Ivane, por exemplo, não seria tão petulante com essa história de se parecer ou não com outra garota. Ela, por exemplo, não teria se preocupado com algo tão simples quanto um presente de natal se para isso tivesse que interromper um momento como aquele.
corou, lançando um olhar incisivo para .
- Com isso você quer dizer que eu sou petulante e ela é esperta?
Ele gargalhou da cara de poucos amigos que ela fez.
- Com isso eu quero dizer que você tem um jeito de ser completamente seu. Vocês não se parecem. Sua voz é mais clara, seu tom de voz é mais suave. O jeito como você se move é tranqüilo, como se não estivesse nem aí pra nada. Já o jeito como ela se movia era altivo. Não é só a cor e a espessura do cabelo que diferenciam vocês duas, . É quem você é e ela foi. – acariciou as bochechas da menina. – Você está aqui, deitada no meu colo e fazendo perfeitamente bem seu papel de fofa enquanto Ivane nunca se contentaria com só isso.
corou, virando-se de lado para se sentar de frente pra ele.
- Queria ser como ela.
Respondeu, colocando as duas mãos em volta do pescoço do rapaz e lhe dando um selinho. sorriu.
- Por favor, não queira.
Ela se afastou, olhando-o magoada. Como ele poderia ter amado alguém como ela? Como? Como ele poderia ter amado uma garota tão... Insana, maldosa e infiel? sentia-se deixada de lado quando pensava sobre tudo o que Ivane era e ela não conseguia ser. Quando pensava que não conseguia ser tão atraente, sedutora e ousada quanto Iv. Era desse tipo de garotas que gostava, então? Se fosse, pensava, não havia nenhuma possibilidade de que ele pudesse amá-la como era.
Num momento de distração, os lábios de deixaram escapar o que ela pensava:
- Como você conseguiu amá-la?
fixou seus olhos nela enquanto a garota corava.
“Como eu posso ser tão estúpida de perguntar algo assim?” pensou.
- O que você quer dizer? – perguntou, com a voz transparecendo sua surpresa.
- Eu não sei... Eu... – tentou achar palavras. Depois respirou fundo e achou melhor dizer logo o que pensava. – Às vezes eu acho que ela não te merecia. As coisas que ela fez... Ela me parece ter sido alguém tão... Cruel.
segurou o queixo de , que tinha olhado pra baixo, de forma que levantasse seu rosto até que seus olhos se cruzassem novamente.
- Talvez ela fosse assim porque eu não tenha a amado o bastante.
balançou a cabeça discordando e percebendo sua vista ficar turva.
- Impossível. Nunca vi alguém amar tanto outra pessoa quanto você a am...
- Porque não nos conheceu quando ela era viva. – fechou a mão em punho. – Acho que todo o amor que senti e deixei de sentir por ela hoje se transformou em culpa.
A menina ponderou.
- E era a culpa que fazia com que você se afastasse de mim, no início do semestre?
riu frouxo, beijando levemente a bochecha de e depois encarando seus olhos.
- “O mel mais delicioso é repugnante por sua própria delícia”. – citou uma frase de Shakespeare.
- E no contexto, o que isso quer dizer? – perguntou divertida. – Que eu sou deliciosa ou que eu sou repugnante? – brincou.
- O que eu sentia por você era tão indecifrável mais ao mesmo tempo tão delicioso que me fazia sentir repugnância de me sentir assim.
sorriu.
- Você está tão poético hoje, . – passou seu nariz vagarosamente no dele, fechando os olhos, assim como o garoto, com a cosquinha que sentiu.
- Incrível como poético rima com patético.
- Mas é sinônimo de romântico. – ela completou.
voltou a envolvê-la em um beijo apaixonado, quando, de repente, uma música começou a tocar no ambiente. Ambos abriram seus olhos, confusos, olhando na direção de onde o som vinha.
Spike estava do lado do rádio, olhando-os com seus grandes e negros olhos amendoados e esclarecendo quem tinha ligado o som.
- Algum bicho o mordeu hoje. – disse, com as mãos no colo da garota.
deu uma risadinha enquanto ouvia Zizi Possi tocar no apartamento. Ficou um tempo ouvindo a voz fina da cantora, apenas com os olhos fechados, até que Per Amore começou a tocar e se viu obrigada a olhar para , que traduzia a música:
- Eu conheço sua estrada. Cada passo que fará. – ele sussurrou. – Seus desejos calados, vazios, as pedras que afastará. Sem pensar que sempre eu, como uma rocha, volto sempre pra você. Conheço sua respiração, tudo o que você não quer. Você sabe bem o que está vivendo, não é vida, mas se nega a reconhecer. É como se esse céu em chamas desabasse sobre mim, como um cenário sobre um ator. – ele beijou-a profunda, porém, rapidamente, antes de continuar a tradução do refrão. Ambos estavam com os olhos fechados. – Por amor você já fez alguma coisa? Apenas por amor, já desafiou o vento e gritou? Já dividiu o próprio coração? Já pagou e apostou nessa mania, que afinal, segue sendo só minha... Por amor... Você já correu até ficar sem fôlego? Por amor, já se perdeu e se reencontrou? E tem que me dizer agora... – , antes que pudesse continuar sua tradução, sentiu os lábios de junto aos seus, que já pediam o aprofundamento do beijo.
Ele puxou a garota até que a mesma estivesse sentada em seu colo, e assim, acariciando as finas ondas de seu cabelo, pode beijá-la com tanta vagarosidade e ritmo que se lembrou de ondas em um oceano. Provavelmente, com o destino que tinha traçado para si mesmo, nunca poderia admitir isso a ela, mas era tarde demais para não admitir pra si mesmo...: ele a amava. Tão descontroladamente que sentia dor em seu peito toda vez que o coração martelava, com a proximidade da menina. Com a volta do refrão, afastou seu rosto do dele, deixando suas testas coladas. Ele sorriu e continuou sua tradução:
- Por amor, você já esgotou sua razão? Seu orgulho até o pranto? Você sabe, essa noite fico sem nenhum pretexto, apenas essa mania que ainda é forte e minha... Dentro dessa alma que você dilacera. E eu te digo agora, com sinceridade, o quanto me custa não saber que você é minha... É como se esse mar todo se afogasse em mim.

Londres; Greenwich; segunda-feira; 1:18 da tarde;

- Precisamos conversar. – disse decidida, largando os pratos que estava lavando, após o almoço, na pia e olhando fixamente para e , que se entreolharam ao perceber a seriedade da amiga.
O que, de tão sério, poderia querer tratar com eles? Bem, fora a explicação, talvez, do por que ela tinha chorado ao ver “Procurando Nemo” na noite anterior. Isso sim era um mistério para .
estava escorada na pia, vestindo um blusão azul, com o qual tinha dormido. Olhou para os amigos percebendo a postura tensa de ambos. e o namorado estavam de mãos dadas, o que passava uma impressão ainda maior para de que estava lidando com seus pais.
- Diga, . – tentou dizer em um tom tranqüilizador. – O que foi?
“Ai, meu Deus” pensou, sentindo os joelhos fraquejarem “É exatamente assim que uma mãe teria feito. Exatamente”.
Já tinha lido histórias de quando os pais ficam cientes da gravidez de suas filhas solteiras. Sempre soube de repreensão, vergonha e até em alguns casos, espancamento. Não esperava isso de seus próprios pais, uma vez que eram suficientemente relapsos para não dar a mínima. Muito menos dos amigos. Mas ali, naquela posição e com o passar de tantos anos, sentia que e exerciam um papel muito mais familiar na vida dela do que os próprios genitores.
Julgou sua preocupação, com a repreensão dos dois, perfeitamente natural ao se dar conta disso.
olhou-a com tanto pesar como se olhasse para um cachorro ferido. Certamente tinha lido a cautela e hesitação nas feições da amiga. tensionou sua postura.
respirou fundo, achando melhor proferir tudo de uma vez de olhos fechados:
- Euestougrávida.
Espremeu os olhos como se esperasse uma reação explosiva dos amigos. Como não obteve nenhuma resposta, resolveu abri-los devagar para encarar os rostos estáticos de e .
- Como? – deu uma risadinha nervosa. – Acho que não ouvi direito. Você disse que estava...
- Grávida.
e se entreolharam novamente, com os olhos arregalados. Na impossibilidade da namorada responder alguma coisa, foi ele quem assumiu a voz:
- , você não pode estar grávida. A não ser que venha saindo com alguém escondida. Pelo que sabemos há uns cinco meses que você e o Ethan...
- O filho não é do Ethan. – interrompeu.
- De quem, então? – perguntou.
voltou a tomar coragem para continuar a história. Agora teria que ir até o final.
- Eu não sei quem é o pai. – admitiu. – A criança já tem cinco meses. Nunca tive coragem o bastante para admitir isso a vocês.
Instaurou-se um silêncio sepulcral no ambiente, até que finalmente o rompeu com a voz três oitavos mais alta.
- Ah, mas isso explica muita coisa! Por exemplo, porque você estava comendo tanto. E porque a caixa de absorventes parecia sempre cheia. E porque você engordou.
- E porque você chorou vendo Procurando Nemo. – completou.
tentou sorrir.
- Mas, espera aí. Você disse que a criança tem cinco meses e você não sabe quem é o pai. – ponderou, segurando o queixo. – Se não for o Ethan, quem mais poderia ser?
E era aí que entrava a parte complicada. Apesar de sentir um suor gelado rolar por seu pescoço, assumiu, pela primeira vez naqueles meses, uma atitude madura ao admitir:
- O .
engasgou com o suco que tinha acabado de colocar na boca. A situação parecia chocante e surpreendente, sim, mas não sabia que ainda poderia chegar a esse ponto.
- ? – falou com a voz esganiçada. – ? O MEU ?
assentiu lentamente, observando a boca escancarada de ao dizer essas palavras e o rosto assustadoramente miúdo com que parecia estar. Era como se seu rosto fosse uma poça e alguém o tivesse o enxugado. Seus olhos, apesar de ainda permanecerem do mesmo tamanho, pareciam menores como se fossem feitos de botões.
- Como isso pode ser possível? – perguntou .
- Foi... Um acidente alcoólico. – mordeu os lábios, olhando sem graça para as mãos cruzadas na frente do corpo, com as quais brincava com seus dedos indicadores. Seu aspecto físico demonstrava claramente seu nervosismo. – Na festa do Bennet... De despedida das férias de verão.
proferiu um guincho estranho, de forma que seu rosto miúdo parecesse voltar a tomar as proporções normais.
- Por que não me contou?
sentiu algumas lágrimas de culpa rolar por seu rosto. Por que não contara a amiga? Provavelmente entenderia... Mas, não. Era covarde demais. Era covarde demais para ouvir o julgamento que a garota pudesse ter a respeito.
- Eu tive medo. Medo do que você ia achar. Eu esperava que, se te contasse, você me tratasse como uma pessoa infiel e desmerecedora de confiança. Eu não estava sóbria quando traí o Ethan. Se estivesse, nada disso precisaria ter acontecido. Ou pelo menos não essa dúvida. – soluçou.
Ao ver se desmanchar em lágrimas a sua frente, também caiu no choro, levantando-se e indo consolá-la.
Que planos o destino tinha para elas, afinal? Será que o caminho para a felicidade era assim tão tortuoso que via necessidade de recorrer a artimanhas tão dolorosas quanto aquelas? Será que, quem quer que fosse o responsável pelos acontecimentos terrenos, não achava que elas tinham sido testadas o bastante com a morte de uma amiga?
Parece que não.
A vida continuava a brincar e a pregar peças, não apenas nas duas amigas, como em todos a sua volta.
“Mas viver é assim, não é?” indagou-se , enquanto sentia o namorado envolvê-las em um abraço emocionado. “Sentir-se a deriva em um oceano estranho, onde tudo pode acontecer a qualquer momento. A vida só pára para aqueles que morreram”.
E então pensou em Ivane. Se não tivesse morrido, quantas surpresas e polêmicas mais a menina era capaz de causar?
Esse pensamento foi totalmente desviado quando sentiu a saliência arredondada no abdômen de . Em aproximadamente quatro meses aquele apartamento de novo teria um terceiro integrante. Um pequenino e indefeso ser humano, que dependeria da mãe para absolutamente tudo. Uma pequena criança alheia a todos os assuntos mundanos. Alheia a todos os problemas. Vítima do azar por ser gerada naquela família. Naquela bizarra família composta por , , , , , e agora, .

Londres; Dockland; segunda-feira; 1:15 da tarde;

- Pizzaria Red Planet, são vinte e noventa pela... – o menino magrelo parou de falar assim que observou melhor o cara que tinha aberto a porta.
Ombros largos, calça colocada de qualquer jeito, rosto anormalmente avermelhado e cabelos bagunçados.
, preocupado demais em controlar sua respiração, nem percebeu que o garoto tinha parado de falar por um momento.
- , onde estão os pratos? – gritou.
“Explicado” Ben, o cara da pizza, pensou, olhando-o de cima a baixo.
pegou a caixa, dando-lhe o dinheiro o mais rápido que podia, de forma desajeitada. Assim que fechou a porta, observou colocar a mesa em seu vestido de cashmere.
- O cheiro está delicioso. – comentou, apontando um local no balcão onde o garoto poderia colocar a pizza.
se sentou em uma das cadeiras, observando a garota sentar a sua frente. Viu cruzar as pernas embaixo da bancada, sentindo um longo arrepio pela espinha e lembrando-se de um tema que incomodara seu sono. Automaticamente a feição tranqüila que tinha assumido enquanto traduzia músicas italianas e beijava a menina em seu colchão transformou-se em um semblante de desgosto.
- Vocês também pediram pizza? – perguntou de forma dura, fazendo-a levantar os olhos do prato para encará-lo. – Você e o Duan.
- O quê? – pareceu surpresa. – Claro que não. Mal ficamos juntos um mês...
- Mas foi o bastante, não foi?
- O bastante pra quê, exatamente?
- Pra você... – pareceu procurar palavras. – Ter passado a noite com ele.
apenas piscou. Uma, duas, três vezes enquanto tomava um demorado gole de refrigerante. Viu o rosto impassível de com as sobrancelhas levantadas, como se estivesse analisando a situação. Para aumentar a impaciência de , começou a rir.
- Do quê está rindo? – perguntou amuado.
- Eu nunca em minha existência aqui em Londres – continuava a rir. – pensei que você fosse conversar sobre isso com o . Logo sobre isso.
observou-a gargalhar, deixando um grande bico se moldar em seus lábios.
- Desculpe – disse, no meio de risadas. – mas isso é tão... Engraçado.
- O quê, exatamente? – trincou os dentes, apesar de ter soado solene.
- Eu não... Eu nunca... – ela respirou fundo, para pronunciar claramente as palavras. – Eu nunca estive com o Duan. Não desse jeito.
levantou uma das sobrancelhas.
- Mas disse que...
- Ele não sabe que eu nunca passei a noite com o Duan. Foi só uma desculpa pra eu estar em outro lugar... – remexeu na pizza com o garfo, ainda olhando-a incisivo. rolou os olhos. – Em outro lugar e não com outro cara.
desviou seu olhar assim que escutou novamente um barulho no aparelho de som do apartamento. Quando viu Spike se sentar depois de ter mexido no rádio, Per Amore voltou a invadir seus ouvidos.
- Ai, Deus. – comprimiu os lábios. – Parece que o cachorro gosta mesmo dessa música.
- Não é pra menos. – disse . – Ela tem um significado lindo. É daquele tipo de canção que te faz parar pra pensar.
- Em quê? – voltou a olhá-la.
- Você sabe. – ela balançou os ombros. – Até onde alguém iria por amor. O que se poderia fazer por esse sentimento.
- E você chegou a alguma conclusão? – colocou um pedaço da pizza na boca, saboreando-a enquanto via enrolar uma mexa de cabelos. Ela fez que não com a cabeça. – Qual a maior loucura você já fez por amor, ?
Ela mirou-o com seus olhos inabaláveis. Depois desenhou um sorriso com os lábios e respondeu:
- Estou no meio dela.
Depois dessa resposta, que fez corar tanto quanto ele acreditava não ser possível, terminaram a refeição em silêncio. Assim que levou os pratos para a pia, o rapaz pediu licença para ir se trocar no banheiro, e, enquanto ele fazia isso, recuperava sua meia-calça, vestindo-a rapidamente.
Quando saiu do banheiro, ela já o esperava de pé na sala, segurando sua sacola laranja.
- Obrigada pelo almoço, . Acho que já vou. – tentou sorrir, mas sua tentativa foi falha.
Perguntou-se se o silêncio incômodo tinha sido originado de sua tão repentina declaração. Talvez, aliás, provavelmente, ele não sentia o mesmo, e por isso tivesse ficado calado. Isso era o que pensava. Era isso o que estava atormentando seu coração desde o primeiro segundo em que ele não se pronunciou a respeito da declaração.
admirou-a respirando vagarosamente, como se quisesse congelar aquele momento. Seus olhos tinham, derramados em suas bordas, uma mágoa profunda que era incapaz de penetrar.
Não que o garoto não estivesse feliz por saber que era correspondido. Estava. Mais do que nunca poderia demonstrar. O problema era que, com a vida que levava e com os objetivos que pretendia alcançar, consolidar aquele laço afetivo com seria sinônimo de sofrimento para ambos. Não tinha coragem de fazer isso com a menina, envolvê-la ainda mais no mistério que buscava solucionar.
deu as costas pra ele, dirigindo-se até a porta do apartamento e girando a chave. Spike olhou-a com a decepção quase escorrendo por seus olhinhos pretos.
- , espere. – ele disse, segurando delicadamente uma de suas mãos. – Não posso fazer isso com você.
- Isso o quê? – ela perguntou confusa.
- Escuta, eu... – levantou o rosto de , olhando-a nos olhos. – Vou visitar alguém que pode me dar a resposta que quero. Sei que é perigoso, mas eu prometo... Eu prometo que volto pra você.
expirou, depois fechou os olhos assim que sentiu os lábios dele nos seus, em um beijo suave.
- Eu prometo que volto pra você, minha .

Londres; Greenwich; segunda-feira; 2:34 da tarde;

estranhou o cenário do apartamento. varrendo a cozinha, deitada em um dos sofás fofos e fazendo perguntas como:
- Quer mais alguma coisa, ? Que tal mais um travesseiro?
levantou uma sobrancelha ao ver a expressão folgada de .
- Hm... Há algo aqui que eu precise saber? – fechou a porta do apartamento, sentindo o olhar dos amigos a alcançarem.
olhou para o namorado, como se estivesse o consultando sobre o que responder. Para seu azar, ele fez o mesmo.
Então, ela disse:
- Er...
- Eu contei a eles. – interrompeu-a, sentando-se. – Sobre a gravidez.
passou os olhos pela sala durante um momento. Depois se permitiu sorrir.
- Ah, isso.
Com a tranqüilidade que a menina demonstrou ao pronunciar as palavras, mal pode conter necessidade de se segurar em alguma coisa para não cair. Como assim sabia? Ela não podia saber! Nem muito amiga de era... Ou era? O que mais poderia não saber a respeito do que estava se passando?
- Espera - foi o que conseguiu dizer. – você sabe?
assentiu. procurou imediatamente o namorado com os olhos, que estava tão pasmado quanto ela.
- Desde quando? – sua voz soou prostrada.
se levantou, indo até e abraçando-a de lado.
se perguntou se tinha causado algum tipo de conflito entre as garotas, mas depois que explicou calmamente o que ocorreu no dia em que a encontrara chorando atrás das escadas da escola, pareceu se acalmar um pouco. Claro que não poderia estar totalmente calma, uma vez que sua melhor amiga estava grávida, mas ainda assim, sua feição se tranqüilizou.
- Tudo isso é tão... Chocante pra mim e ao mesmo tempo óbvio. – arfou.
concordou.
- Claro que observamos que a estava... Er... Inchando. Mas concordamos em não dizer nada por que de repente poderíamos causar um caso de anorexia, sei lá. O médico da disse que o fato da estar engordando podia ser algum indício de depressão. Preferimos achar isso ao invés de perguntar e, obviamente, cometemos um péssimo engano.
- Não, não cometeram. – negou. – Vocês esperaram pra que eu estivesse pronta pra contar pra vocês. Isso significou muito pra mim.
A menina abriu um sorriso, antes que se virasse pra e gritasse determinada:
- Ao trabalho!
, por um momento, quase se esquecera do que tinha ido fazer ali. Quando retomou o assunto, lembrou-se de que tinha prometido passear pela casa, para atiçar qualquer memória perdida que a amiga, por ventura, pudesse ter.
- Antes que saiamos rondando o apartamento... , do que você se lembra? Onde a Ivane pode ter passado maior parte do tempo?
mordeu o lábio inferior. Fechou os olhos por um momento para tentar controlar o que lembrava, concentrou-se para trazer tudo de voltar como se fosse uma onda. Infelizmente, só conseguiu uma pequena marola.
- Eu me lembro do jogo. Lembro de estar na torcida... Nós três estávamos. A Highgate ganhou da Drayton e mais tarde, naquela mesma noite, encontrei Ivane aos prantos no colchão. Lembro que fomos ao Mark’s no dia seguinte ou dois dias depois... Não sei ao certo. Sei que enquanto estávamos lá ela parecia bem melhor, apesar de claramente determinada a fazer algo mal. Da semana do assassinato essas são as únicas lembranças que tenho das quais a Iv participa. – ergueu os olhos regados. – Eu passei os dias com o .
Um breve silêncio instaurou-se na sala.
- Tem certeza, ? – sondou.
- Foi isso mesmo que aconteceu. – reforçou. – Lembro que você reclamou porque a nunca parava em casa. Sempre estava com o e sempre te deixava sozinha, uma vez que já era de se esperar que a Ivane nunca estivesse. Eu não achei isso ruim de forma alguma... Mas você estava... Perturbada.
deu um longo suspiro.
- Acho que não há mais nada pra se descobrir a respeito das lembranças da . – olhou para , que tinha permanecido calada e pensativa durante todo o tempo. – Vamos.
preparou-se.
, e a acompanharam até o banheiro, onde a garota perambulou do vaso sanitário ao box, sem conseguir fazer nenhum movimento que estimulasse as lembranças sobre Ivane.
Resolveram então que seria melhor começar pela sala, e não pelo banheiro. andou vagarosamente pelo cômodo, sentando-se em todas as poltronas e ainda assim, não conseguindo nenhum resultado.
- Talvez a cozinha. – sugeriu, apontando para o grande arco que dividia a cozinha da sala de estar.
concordou e começou seu trabalho ali. Abriu e fechou a geladeira várias vezes, abaixou-se perto do fogão, ficou perto da pia como se lavasse as louças, sentou-se a mesa... Nada.
Dando-se por vencidos, foram saindo um por um do cômodo, até que, quando passou cabisbaixa pela saída, sentiu um calafrio percorrer seu corpo:



“- Ah, mas eu mato aquela vadia! – Ivane trovejava.
Apesar das incessantes tentativas de para manter a amiga sentada a mesa de madeira, enquanto cuidava de seus inúmeros machucados no rosto, seus esforços pareciam inúteis. Ivane estava inquieta demais.
A loira se levantou, andando de um lado para o outro da sala em um tom aflito e ao mesmo tempo arrogante. Sua expressão era azeda como se planejasse a pior das vinganças.
Embaixo dos longos cílios de Iv, podia observar um pequeno corte, que se destacava por ser o único fio vermelho no rosto da menina. Os outros ferimentos estavam roxos: uma marca no supercílio e outra no queixo.
- Você ainda não me contou quem fez isso com você. – observou.
Ivane parou de andar, virando vagarosamente seus olhos para com uma fúria assustadora, como zumbis faziam em filmes de terror. A menina sentada na cadeira de madeira engoliu em seco, e então, como num rasgo, Iv respondeu:
- Brittany.
- Brittany? – pareceu sem voz durante alguns instantes. – Pensei que vocês fossem amigas!
A loira começou a rir escandalosamente, colocando a mão em seu abdômen para tentar conter a contração dos músculos durante as gargalhadas.
- Por favor, não me faça rir. – depois inspirou, voltando a olhar para a amiga miúda. – Nós já fomos amigas, admito. Mas não mais. Não nessas circunstâncias.
rolou os olhos e se pôs de pé.
- Que circunstâncias, Ivane? Você falando picado desse jeito até parece alguém com insanidade mental...
Iv parou de sorrir, tirou uma caneta da mesa de telefone ao seu lado e começou a girá-la nos dedos, fingindo estar pensativa.
- Hm... Talvez eu tenha. – voltou a dar seu sorriso escancarado. – Mas é assim que o gosta de mim. De MIM, e não da piranha da Brittany!
- O que você quer dizer?
Ivane juntou as sobrancelhas e abriu a boca, como se dissesse com sua expressão: “Ah, caramba, como é possível que você ainda não entendeu?” Depois de deixar se sentir estúpida por alguns segundos, esclareceu:
- Ela o ama. Ela é apaixonada pelo MEU namorado. Ela o quer mais do que a Kelly Sparks quer ser chefe da torcida. – riu em deboche. – Mas ela não pode tê-lo. Porque – olhou para a caneta como uma jovem apaixonada olha para uma margarida. – ele me ama.
- Você acabou de me dizer que comprou uma briga dessas porque a Brittany tem uma paixonite pelo seu namorado?! – parecia enojada e incrédula. – Ivane, você é doente!
A garota negou.
- Foi a Brittany que começou.
- Por quê? – ainda estava com a voz esgotada. – Por que ela começaria com a briga?
- Porque – Ivane voltou a dar um de seus sorrisos que, antes pareceriam inocentes, mas de acordo com a situação, tornara-se medonho. – ela o quis primeiro...”


Capítulo 23-

Londres; terça-feira; 5:31 da tarde;

subia com cautela e ao mesmo tempo com nervosismo as escadas do prédio mal iluminado. Estava em um dos piores lugares de Londres para se estar: onde gangues se encontravam, pessoas fumavam baseados e traficantes andavam livremente pelas ruas.
Mas sua postura altiva e confiante, apesar de não se sentir assim por dentro, seria a responsável por mantê-los afastados enquanto cruzava os limites de um muro de tijolos e abria a porta principal do velho edifício, com um rechinar.
Respirou fundo ao parar na frente do apartamento 201. Aliás, do apartamento 20, uma vez que algum engraçadinho lhe arrancara um “1”. Porém, a marca do número perdido continuava lá, impregnando na madeira da porta.
se afastou um pouco ao perceber o celular vibrar dentro do bolso da calça. Desceu alguns degraus e o atendeu, falando no sussurro mais baixo que podia:
- Daves.
- Já está aí? – o homem do outro lado da linha perguntou.
- Sim.
- Senhor , - o detetive deu um suspiro pesaroso. – não acha que seria mais prudente de sua parte deixar esse trabalho pra mim?
- Você não entende. – sussurrou ainda mais baixo. – Isso é algo que quero fazer.
E com o longo silêncio que se estabeleceu entre ele o outro, sentiu-se livre para desligar o aparelho. Voltou a colocá-lo no bolso esquerdo da calça, dessa vez concentrado em uma proeminência que sentia no direito.
Sorriu frio e voltou a ficar de frente para a porta do apartamento 201. Bateu três vezes.
A porta se abriu, revelando apenas uma fresta, que era o máximo que a corrente de proteção permitia chegar. observou algo brilhar no escuro do apartamento, e reconheceu o pequeno brilho preto como olhos de uma pessoa.
- O que quer de uma velha senhora? – uma voz trêmula veio de dentro da sala.
apartou uma risada, vendo ainda mais estupidez naquela senha do que na primeira vez em que visitara o local com Ivane, no ano anterior.
- Seus biscoitos de polvilho, madame. – sorriu, sentindo-se absurdamente idiota.
A porta se fechou, e, durante alguns segundos, pôde ouvir os barulhos de algumas trancas sendo destravadas. Um tempo depois, um enorme homem – que fingia a voz da velha senhora – abriu-a.
Sem esperar o convite para entrar, se colocou para dentro do pequeno quarto que era o apartamento, de forma tão bruta que chegou a esbarrar um dos ombros no homem que permitiu sua entrada.
O grandalhão sentiu-se desafiado, virando-se imediatamente para o garoto que já estava atrás de si no aposento e apertando os punhos:
- Escuta aqui, seu fedelho...
Mas não prosseguiu. Não conseguiu proferir mais nenhuma palavra assim que vislumbrou de perto o cano de um revólver de calibre 38, diretamente apontado para uma de suas bochechas: a que possuía uma extensa cicatriz.
- O que você quer? – se deu por vencido olhando para , que segurava a arma com aptidão.
- Quero a ficha dos seus clientes do ano passado. – o homem levantou um dedo para protestar. - Agora.
O traficante olhou de cima a baixo. Depois, rendendo-se, caminhou na pequena sala até um armário escondido pelas sombras.
observou a quitinete com desgosto. A única coisa no local que de fato lhe chamara a atenção tinha sido a mesa de madeira, no centro do cômodo. Sabia que tinha sido exatamente a mesma mesa na qual tinha se sentado com Ivane no ano anterior, na qual a menina tentou induzi-lo a experimentar cocaína. sorriu amargo, sem perder por um segundo o homem da mira de sua arma.
Craig, o traficante, colocou uma série de pastas em cima da mesa, olhando desconfiado para o rapaz por baixo das sobrancelhas grossas. Sua enorme cicatriz reluzia na penumbra em que se encontrava, assim como seu cabelo grisalho.
- Algum nome específico? – a solenidade de Craig transbordou sarcasmo.
permanecia com as pestanas caídas, de forma a dar aos seus olhos um ar calculista de caçador. Inexpressivo, disse:
- Ivane Whinsky.
Craig pareceu surpreso por alguns instantes. Depois repuxou os lábios numa espécie torta de sorriso.
- A garota morta. Sei. – remexeu em alguns documentos, abrindo-os para lê-los. – Sabia que conhecia você de algum lugar. Você não era o namorado dela? Aquele que amarelou quando ela ofereceu...
- Só faça o que eu disse. Não vim aqui pra dar respostas. – apertou o revólver nos dedos.
O homem levantou as mãos, como se pedisse “calma”. Assim que viu respirar fundo, continuou seu trabalho vasculhando os documentos.
- Aqui está. – disse depois de um tempo.
estendeu uma das mãos para pegar as folhas que o traficante lhe passou vagarosamente. Admirou-as, lendo seu conteúdo em questão de segundos.
- Ela estava devendo. – observou. Depois virou seu olhar gélido para Craig.
- Estava. – ele concordou. – Espera. Isso aqui é algum tipo de investigação ou o quê? – sentiu-se desconfortável. – Pra quem você trabalha?
- Eu não trabalho pra ninguém, Craig Finn. Mas como pode ver, me lembro do seu nome. – sorriu selvagem.
- Olha, - o largo homem refletiu nervosismo. – eu não lido com cobranças. Eu sou peixe pequeno aqui nas redondezas. Eu só interfiro quando a quantia em dinheiro é grande... O que não era o caso da senhorita Whinsky. Nenhum traficante, em sã consciência, sujaria suas mãos por uma quantia tão pequena.
observou novamente o documento de Ivane, ainda sem se convencer. Virou seus olhos para o grisalho e disse impassível:
- Então me dê um exemplo de uma quantia grande.
Craig olhou-o como se estivesse incrédulo, mas quando o menino voltou a esticar a arma em sua direção, o cara não teve dúvidas em voltar as suas buscas.
- Aqui. – esticou duas fichas. – Essas duas compraram uma droga no ano passado. Acho que nunca recebi uma “encomenda” com o valor tão grande.
aproximou-se da mesa, segurando as duas fichas e trazendo-as para perto do rosto.
Qual não foi sua surpresa quando se sentiu banhado pelo óbvio?
- Eu fico com essas aqui. – declarou, andando de costas até a porta da quitinete e girando a maçaneta para abri-la.
Craig pareceu furioso e ao mesmo tempo desnorteado.
- Eu vou chamar a polícia, você sabe. – ele disse com a voz trêmula. – Você não pode vir aqui, roubar documentos confidenciais e ainda sair ileso.
mirou-o por cima dos ombros, com um sorriso felino delineado nos lábios.
- A decisão é sua. Você é que sabe quem de nós dois tem mais a perder.
Ao fechar a porta, ouviu o traficante esbravejar.
Talvez não tivesse tido a resposta que esperava. Talvez ainda não fora capaz de alcançar o assassino de Ivane. Mas sabia que, com aqueles documentos, tinha uma peça importante em mãos. Aqueles documentos que poderiam significar tudo, e ao mesmo tempo a sua volta ao marco zero. Porém, satisfazendo suas esperanças, as evidências de que chegaria a um grande resultado examinado tais fixas eram grandes.
Ao passar pelos muros do apartamento, seguindo em direção ao Audi, leu novamente o nome das clientes.

Brittany Harris e Kimberly White.

Londres; Greenwich; terça-feira; 5:10 da tarde;

- Droga! – gritou da sala.
e saíram afobados da cozinha em encontro da garota, o que arrancou uma risada calorosa de . Como eles poderiam ficar tão preocupados com essa gravidez?
- O que foi, ? – perguntou.
desviou os olhos da televisão da sala, que estava assistindo sentada no sofá ao lado de , para encará-lo.
- Odeio esse papa-léguas. – indicou o desenho com a cabeça. – Torço pro coiote.
e se olharam por um largo momento, sentindo-se estúpidos por tamanha neura. Depois desembestaram a rir.
- Gente, a está grávida. – explicou. – E não com uma doença terminal.
colocou uma das mãos na cintura, fazendo voz afetada ao respondê-la:
- Desculpe se essa história de gravidez é uma novidade pra mim.
As pessoas na sala voltaram a rir.
caminhou até o braço do sofá, sentando-se e afagando os cabelos de .
- Espero que essa criança seja muito feliz.
A amiga deu um sorriso sincero pela primeira vez em meses.
- E ela será.
Passados alguns minutos assistindo desenho, não conseguiu deixar de se incomodar com uma cena em que o papa-léguas e o coiote se atracavam. Suspirou, virando os olhos para os amigos e perguntando de repente:
- Vocês acham possível que a Brittany seja a assassina?
Os olhares de e se voltaram para , enquanto sentia um forte arrepio subir por sua espinha. Brittany. Era incapaz de ouvir qualquer menção ao nome da garota sem se sentir estranha.
fixou-se no chão ao responder à amiga:
- É possível. – falou com a voz angustiada. – Toda vez que eu passo por ela nos corredores eu sinto algo... Um calafrio. Pensei que fosse apenas coincidência, mas de uns dias pra cá parece estar ficando mais freqüente.
abraçou o próprio corpo como, se ao ouvir essas palavras, quisesse proteger seu neném daquele mal.
ficou contemplativo por alguns segundos, depois completou:
- Ela não estava na detenção. Nem ela e nem a Kimberly. – e como num estalo, deduziu: - A Kimberly pode ter sido cúmplice!
O coração das pessoas na sala estava acelerado. perguntou-se como pôde ter sido tão idiota em não ter cogitado essa hipótese antes.
Birttany. Claro! A loira tinha todos os motivos para assassinar Ivane: queria seu cargo na torcida, seu namorado, tinham até se engalfinhado no banheiro por essas questões. Por quê não, sendo insensível e determinada como Brit era, assassinar a rival?
Era um trunfo até interessante para Brittany tirar Ivane do caminho: ter todos os holofotes da escola voltados para si, e não divididos com Whinsky. Com a morte de Iv, Brittany conquistou o que sempre quis: popularidade, olhares desejosos do sexo oposto. A única coisa da qual não conseguiu posse, e que provavelmente era o motivo para acreditar que estava em perigo, era .
- A Kimberly não pode ter sido cúmplice. – quebrou o silêncio, e, conseqüentemente, a linha de pensamento dos demais. – Ela estava com na hora do assassinato.
Ambos voltaram a mergulhar em um instante de silêncio, antes que dissesse:
- E vale à pena ressaltar que não temos mais apenas um assassinato em mãos. – levantou o dedo indicador. - Brittany tinha todos os motivos para assassinar Ivane, certo. Mas e a Paskin? Foi confirmado pelos policiais que a bala era de uma arma do mesmo calibre da que atingiu a Iv. Além do mais, as câmeras de segurança da escola também foram desativadas, assim como no ano passado. O que a Brittany poderia querer com a Paskin? O quê?
E foi ao mirar a televisão, observando o coiote novamente se enfurecer com o papa-léguas, que entendeu.
A ira é um dos maiores pecados da humanidade, afinal. Tinha sido ela a responsável pela briga de Brittany e Ivane, que depois se lembrou de ter acontecido no banheiro feminino. A ira foi a responsável por fazê-las se chafurdar em uma briga dentro dos muros da própria escola. Uma escola que tinha uma inspetora. Inspetora essa, senhora Campbell, que não permitia que nenhuma folha naquele colégio caísse sem sua permissão.
É óbvio que, ao ouvir os gritos do vestiário, ela tenha intervindo. E óbvio que, ao intervir, as duas receberam uma punição. Provavelmente uma detenção.
- O papel. – disse, despertando a atenção dos amigos. – O papel da detenção que sumiu dos arquivos da escola. A Brittany e a Ivane brigaram dentro do colégio. É óbvio que a senhora Campbell encontrou as duas e lhes aplicou a devida punição... Acho que a Brittany tinha medo que a descoberta daquele papel faria voltar à tona o mistério mal solucionado.
se levantou, incapaz de ficar sentada com a tensão emanada do local. mirava o chão com a expressão de choque, já a namorada mostrava-se frustrada e alarmada, olhando o rosto esgotado de .
- E o que fazemos agora? – perguntou-a. – Chamamos a polícia?
negou com um sorriso leve.
- Não. – e quando os demais amigos viraram seus olhos em sua direção, ela continuou: - Nós esperamos.

Londres; Oxford Street; quarta-feira; 10:18 da manhã;

Assim que tocou a campainha, colocou as mãos dentro do casaco grosso e observou com uma estranha satisfação o vapor de sua respiração diante do nariz.
Esse era um dos dias atípicos onde seu humor estava impecável, e ninguém melhor para compartilhar isso com ele do que a garota brasileira. Sentiu algumas folhas dentro do bolso e fechou os olhos, pensando na reação de quando ele lhe constasse sua descoberta.
Tentou imaginá-la ali, agora, e não saindo cabisbaixa de seu apartamento, da última vez em que se viram.
“Estou no meio dela” Tinham sido as palavras dela, quando lhe perguntou qual a maior loucura que a menina já tinha feito por amor. tinha medo de não ter entendido certo. Tinha medo de ter tido o coração tão anestesiado para nada. Será que ele tinha captado a mensagem? Ela o amava?
Não teve tempo de continuar seus devaneios. Assim que abriu os olhos, deu de cara com segurando a porta. O menino mirrado vestia uma blusa verde com listras pretas, e, para o imenso choque do de dois meses antes, o convidou para entrar com um sorriso.
- ! – gritou ele. – Seu... Er... – analisou o rapaz que tirava o casaco para colocar no cabideiro. – Hm... Amigo está aqui!
abaixou a cabeça para rir da falta de jeito de , mas sentiu-se obrigado a levantá-la quando ouviu passos pesados estacionando-se no topo da escada.
E lá estava ela: com uma blusa vermelha de mangas compridas, uma calça de moletom e descalça, como se, apesar de ter crescido em um país tropical, o frio londrino não lhe afetasse. levou a mão ao peito, parecendo emocionada ao vê-lo.
E de fato estava. Ele tinha cumprido sua promessa, no fim das contas. Ele tinha voltado. Voltado pra ela.
O alívio que sentiu quando o viu ali, vivo, saudável e a sua procura seria impossível de descrever. Nem ela mesma soube verbalizar, portanto desceu correndo as escadas e se lançou nos braços do amado, em um abraço apertado. retribuiu apertando-a até que suas duas mãos alcançassem os braços da garota. Queria envolvê-la o máximo que conseguia, e descobriu ser algo fácil, uma vez que, comparada a ele, tinha uma silhueta bastante fina.
- Eu disse que voltava. – sussurrou.
Ela não respondeu, apenas aninhou-se ainda mais em seu peito.
olhava a cena com os olhos arregalados, apesar de ter aprovado o relacionamento. Não era todo dia que via sua baixinha, a garota que lhe batia com bichos de pelúcia aos cinco anos, abraçar tão saudosamente um rapaz. Depois de algum tempo, o espanto de se tornou constrangimento.
Pigarreou, ainda que em tom de brincadeira:
- Hm... Que tal vocês dois procurarem um quarto?
gargalhou, desvencilhando-se do abraço e olhando para o primo. também sorria, envolvendo um dos ombros de com seu braço.
- Okay, já paramos. – ela disse, depois se virou pra . – E então? Aceita alguma coisa?
- Na verdade, não. – recolheu seu braço, de forma que pudesse ficar de frente para ela. – Tenho um assunto importante para tratar.
- Eu também. – ela falou baixo, lembrando-se do dia anterior que passara na casa das amigas. lançou um olhar sugestivo para ela, já estando ciente do assunto.
- Você primeiro. – disse.
- Por que não conversamos sobre isso na sala? – sugeriu.
Seguiram até a sala de estar. e sentaram-se no mesmo sofá azul-marinho. sentou-se no outro, inclinado na direção dos companheiros.
começou a contá-lo da tarde que tivera na casa de . Falou sobre o flashback, aquele em que Ivane e Brittany se atracavam no banheiro feminino da escola. Falou sobre sua suspeita de que a senhora Campbell tivesse encontrado as duas e as enviado para a detenção. Quando falou do motivo pelo qual achava que Brittany teria assassinado a Paskin, interrompeu:
- Estranho... – semicerrou seus olhos. – Eu tive acesso a alguns documentos... – tirou as folhas que tinha transferido para o bolso da calça. – São de um traficante de drogas. Craig Finn. As folhas fazem parte de um documento. Para ser mais exato, uma ficha de compra no nome da Brittany e da Kimberly.
Quando ele desdobrou os papeis, e debruçaram-se para ler seu conteúdo.
- Elas receberam a droga um dia antes do assassinato. Pra quê ela teria comprado esse produto se não fosse para usá-lo? – perguntou, com os olhos ainda em fendas.
pediu permissão para examinar os papeis.
- GHB. – leu. – O que significa?
balançou a cabeça.
- Não sei. Não tive muito tempo de conferir.
jogou o queixo para frente durante sua análise do documento, depois olhou decididamente para e a prima e disse:
- Eu vou lá em cima pesquisar sobre esse tal de GHB. Qualquer coisa que descobrir eu volto aqui para avisá-los.
concordou e agradeceu. Assim que não era mais visível, virou-se para a menina, segurando as duas mãos dela em frente ao corpo.
- , eu precisava falar com você.
- Diga. – sorriu, apesar de perceber o ar receoso do rapaz.
- Eu não sei se você entende a gravidade do momento pelo qual estamos passando...
- Entendo. – ela falou imediatamente.
- Não, . – suspirou. – Creio que você não entende. Se entendesse, não conseguiria sorrir dessa forma.
fechou o rosto.
- Qual o problema com o meu sorriso? – perguntou desconfiada.
- Nenhum. Deus! – deu uma risada seca, colocando uma das mãos na testa. – Como você pode achar que há algo de errado com o seu sorriso? – “Afinal,” ele pensou “é isso o que está me mantendo de pé durante meses”. – Ele é apenas... Inadequado.
- Inadequado?
- , nós temos um assassino em série a solta. – ele falou de forma didática. – E você sabe que o alvo desse assassino pode ser muito bem...
- Eu? – ela interrompeu, levantando uma das sobrancelhas. Ao ver engolir o que ia falar, prosseguiu. – Eu sei. Mas veja só, se essa pessoa é tão excelente assim na arte de matar, por que eu ainda estou viva?
- Ela pode estar esperando a hora certa.
segurou o rosto da garota com as mão em concha. mirou-o como uma criança emburrada faria, depois falou devagar:
- Quando tiver que chegar a minha hora, será a minha hora e não há nada que eu possa fazer.
- Ficar longe de uma potencial assassina, talvez? – sugeriu.
rolou os olhos.
- Não é como se eu fosse procurar a Brittany ou algo assim... – desviou seus olhos dos dele, com medo do peso de seu olhar.
- Nem pense nisso.
voltou a olhá-lo, deixando faiscar em seus olhos algo a mais que a teimosia: determinação.
- Eu não tenho medo da morte, .
- Eu a temo por você, anjo. – ele falou colocando uma das mexas do cabelo da menina pra trás da orelha. – As aulas voltam semana que vem. Por favor, - suplicou. – não vá mais.
Sem responder, colocou seus lábios sobre os dele, que não contestou.

desceu as escadas com os resultados impressos da pesquisa. Parou de caminhar assim que se deparou com e , que se beijavam terna e concentradamente no sofá da sala. Respirou fundo, percebendo que ver aquilo não causava dor ao seu coração, como achou que seria.
Observou : inclinada completamente na direção do rapaz. Sua expressão estava tão serena que estava claro que estava entregue de corpo e alma àquele ato. Já tinha as sobrancelhas juntas. Sua expressão demonstrava tanto sofrimento que era capaz que achar que se afastasse dele, ele morreria. O semblante de não era apenas de preocupação, mas sim o de um homem completamente dependente da vida daquela pequena menina.
Quando viu colocar uma das mãos na perna de , o ardor das bochechas de se intensificou, e ele foi obrigado a interrompê-los com mais um de seus pigarros.
Assustados, e se viraram para ele:
- GHB. – começou a falar, ignorando a falta de graça dos dois: - Quer dizer “gama-hidroxiburetano”, também conhecido como “gotas de amor”. É uma droga ilícita e vendida no mercado negro por um preço alto. Ela causa desinibição e euforia, até certo ponto... Até que a pessoa fica sedada e desmaia.
olhou-o confuso:
- Mas por que as duas iriam querer uma droga assim?
Os três se entreolharam durante alguns instantes, até que a resposta, mas óbvia do que nunca, apareceu na mente de :
- .

Capítulo 24 -

Londres; Oxford Street; quarta-feira; 10:54 da manhã;

- Mas por que - enfatizou dramaticamente. – repito: por que elas dopariam o pra terminar com seu namoro?
olhou hipnotizado para o tapete da sala, em sinal claro que estava imerso em pensamentos. , segurando sua mão, apenas encarou o garoto, como se ele pudesse se lembrar de algo que ela mesma não sabia...
...e estava certa.
- Eu sei por quê. – disse vagaroso, erguendo a curiosidade dos companheiros. – e iriam à mansão naquela noite. Assim como e . Iv pretendia oferecer um jantar aos amigos...
- Que por motivos óbvios – interrompeu, seguindo a linha de raciocínio. –, não puderam comparecer. e por terem terminado de uma forma tão... Fatídica. E , claro, porque fora atropelada naquele mesmo dia.
Eles ficaram um tempo em silêncio, observando um o rosto do outro.
O mistério em que se encontravam chegava até a ser... Literário. O que não era literário, de fato, era o medo que tinham. Era o gelar de suas mãos, o apertar de seus estômagos toda vez que pareciam estar perto de uma conclusão.
respirou fundo, sentindo mais frio do que havia sentindo ao longo de toda aquela manhã. Com o olhar baixo, disse o que todos ali pensavam:
- Seja lá que tiver sido... não agiu sozinho.

Na segunda-feira da semana seguinte, sentou-se a mesa de café da manhã inquieto. Até sua gravata vermelha do colégio, usualmente frouxa, agora estava apertada de uma forma estranha. A blusa social branca estava parte para dentro e parte para fora da calça de pregas.
Borbulhou com a boca seu café com leite, observando atentamente as horas em seu relógio de pulso. Depois de tomar uns dois goles e dar uma mordida cheia no pão doce, respirou fundo: o fato da cadeira a seu lado estar vazia era um excelente sinal.
Apressou-se em terminar o lanche, e assim que o fez, subiu as escadas. Caminhou a passos de formiga no corredor, dando o máximo de si para não pisar em nenhuma tábua solta ou nada que pudesse fazer o menor barulho.
Assim que parou na frente do quarto da prima, abriu a porta devagar, que, apenas para aborrecê-lo, rangeu baixo. murmurou alguns palavrões ao ouvir o barulho feito pela guarnição, mas, para sua imensa felicidade e alívio, não acordou.
Ela ainda estava lá, enrolada no edredom verde. Sua respiração regular e baixa aqueceu o interior do primo. sorriu, voltando até a escada com cautela, e assim que desceu o último degrau, sentiu-se livre para ir à escola: estava dormindo e não o seguiria.
se lembrava de, juntamente com , ter pedido a ela encarecidamente para que não freqüentasse mais a Highgate. Sentiu que, no fundo, a prima estava relutante com relação aquela idéia, mas na situação inconsciente em que se encontrava, não poderia reivindicar seu direito de ir à aula.
girou a chave nos dedos, alargando seu sorriso e sentindo-se mais confiante. Primeiro porque tinha combinado de buscar em casa, para que pudessem tratar de um assunto sério durante o caminho. Segundo por que, até onde sabia, a prima estaria a salvo.

Assim que ouviu o motor do Civic roncar, abriu seus olhos. Sentou-se na cama espiando o quarto, certificando-se de que nem o primo e nem o tio estariam vigiando-a.
Jogou o edredom pra longe, deixando a mostra o uniforme que vestia: uma blusa social branca afinada na cintura e uma saia vermelha plissada. Colocou rapidamente os tênis brancos que estavam do lado contrário a porta e levantou-se do colchão, abaixando-se para alcançar a gravata vermelha que tinha escondido embaixo da cama.
Assim que a organizou no pescoço, postou-se em frente ao espelho: enquanto se arrumava, ela já tinha se encarregado de sua higiene matinal e quando ele fora tomar café, se ocupou de passar a maquiagem leve que usava normalmente. Tudo o que teve que fazer no fim das contas, foi fingir que estava dormindo quando ouviu passos na escada.
Se ele não queria levá-la para a Highgate, tudo bem. Ela tinha pés. Sabia como chegar lá sozinha.
Borrifou duas vezes o perfume e desceu as escadas, sem o mesmo cuidado que o primo tivera para não acordá-la. Sua mochila, escondida atrás do sofá da sala, já estava cheia com o material que precisaria para seu primeiro dia no segundo semestre.
Abriu a porta da casa e se colocou para fora, trancando-a e deixando transparecer seu sorriso esperto.
Afinal de contas, não era pra isso que estava na Inglaterra. Não estava lá para passar seus dias letivos em casa. Tudo bem que o primo e estavam certos em um ponto: tinha um assassino a solta. Mas seu relacionamento com , além de não ser oficial, não era de conhecimento de grande parte da escola. E pelo que sabia, Brittany não tinha conhecimento de que soubesse de algo que pudesse incriminá-la. Na cabeça de , ela estava praticamente a salvo.
Mas sua vontade de continuar freqüentando as aulas inglesas não era a única motivação para fazê-la caminhar até a Highgate High School naquela manhã. Não. Algo mais importante do que isso poderia acontecer:
e estavam prestes a fazerem as pazes.
Descoberto o motivo pelo qual tinha sido encontrado com Kimberly na noite do assassinato, não havia mais nada que pudesse contestar. não era um traidor. Nunca a havia traído. E isso seria provado pelo menino assim que lhe contasse sobre suas conclusões, a caminho da escola.
estava se coçando de curiosidade e euforia pelos amigos. Queria saber e ver, a todo custo, se eles de fato iriam voltar a ficar juntos.
A menina sorriu, imaginando o espanto de ao saber o que foi feito com ela e a alegria e surpresa de ao saber que não foi traída. Talvez, era a esperança de , eles voltassem a ficar juntos para dar um lar a pequena criança que estava a caminho.
Já tinha andado dois quarteirões quando parou para perceber a enorme sombra que a seguia. Acelerou os passos, aguçando os ouvidos para distinguir melhor o baixo barulho de motor de carro próximo a ela. Ao deduzir que não era impressão, parou de caminhar e virou seus olhos austeros para trás, fixando-se exatamente na figura que esperava ver:
O Audi preto.
O carro, que estava apenas a alguns metros atrás da garota, continuou a andar até que estivesse ao seu lado, onde estacionou. Quando assim foi, abaixou a janela do lado do motorista.
- O que, raios, você está fazendo, ? – perguntou ríspida.
apoiou os pulsos no volante e olhou-a incisivamente.
- Te seguindo. – assim que viu colocar as duas mãos na cintura, como se pedisse uma explicação, ele prosseguiu: - Eu sabia que você desobedeceria.
- Olha só – ela respirou fundo, fechando os olhos durante alguns momentos como se para adquirir paciência. -, não fazia parte do meu sonho passar os dias letivos em casa. – levantou uma de suas sobrancelhas ao ouvi-la dizer isso. – Além do mais, eu quero ver meus amigos e... o ! O e a provavelmente vão fazer as pazes hoje e eu não acredito que você e o acham mais “recomendável” que eu fique em casa!
olhou-a da cabeça aos pés, ponderando por alguns segundos. Depois suspirou derrotado e disse:
- Você nunca chegará a tempo se for a pé.
, depois de alguns milésimos de segundo em estado de choque, abriu um sorriso sincero.
- Mas – levantou um dedo. – com uma condição...

Londres; Highgate High School; segunda-feira; 7:45 da manhã; [música: All time low]

analisava algumas anotações do semestre anterior sentada em sua cadeira. Faltavam quinze minutos pras aulas começarem, de forma que sua sala de aula estava praticamente vazia: os estudantes preferiam passar o tempo no pátio.
Ela sabia que, apesar de ter disfarçado muito bem a gravidez durante os primeiros meses, a partir de agora seria impossível negar: ela tinha engordado muito em pouco tempo.
Antes, como , as pessoas pensavam que ela estava comendo mais devido a uma depressão pelo término do namoro com Ethan. Mas uma vez que as pessoas, que pensava não serem tão estúpidas, começassem a perceber que sua barriga crescia pra frente e não para os lados, sua maternidade seria inegável. A difícil questão a ser declarada era apenas uma: quem era o pai.
Deu um longo suspiro, passando a mão por seus cabelos e fechando os olhos, como se para meditar um pouco mais sobre a própria vida. Assim que o fez, passou a mão pelo abdômen, tentando dessa forma acariciar seu bebê.
De repente seu alheamento foi interrompido pelo baque de alguma pasta batendo bruscamente sobre sua carteira. Assustada, levantou o olhar até que ele encontrasse os olhos difusos de .
- ? – pareceu surpresa. – O que está fazendo aqui?
, com o olhar ultrajado e magoado, apontou para as folhas que tinha jogado na mesa da garota.
- Aí está a prova que você precisava.
- Que pro...
- A prova – interrompeu . – de que eu estava falando a verdade. De que eu te amava. A prova de que eu não te traí.
- , - pegou as páginas, olhando-as com confusão e perguntando afobada. – mas do que é que você está falando?
- Brittany e Kimberly – falou com desgosto. – em agosto do ano passado compraram uma droga chamada GHB. GHB é popularmente conhecido como “gotas de amor”, como você pode muito bem ver aí na pesquisa do .
, com as sobrancelhas juntas, estava prestes a perguntar o que tinha a ver quando o menino prosseguiu:
- É uma droga do estupro. A vítima fica dopada o bastante pra ficar inofensiva. Algumas vezes até causa inconsciência, dependendo da pessoa e da dosagem. – tirou as folhas que estavam na mão de , selecionando uma em particular. – Esse documento foi roubado de um traficante. Está vendo aqui o nome da compradora? Kimberly White?
leu, sentindo como se toda a umidade da garganta tivesse sido transferida para os olhos. Seu coração latejava, os ruídos já estavam ficando abafados e sua voz vacilante.
- Isso quer dizer... – disse ela com esforço.
- Que eu nunca te traí, .
engasgou, apertando os olhos com as mãos e permitindo-se chorar o mais alto que conseguia. As únicas pessoas na sala, que por sorte estavam usando fones de ouvido, apenas olharam para ela sem dar muita atenção. segurou seu ombro, acariciando-o para acalmá-la.
- Vai ficar tudo bem. – ele disse de forma carinhosa.
- Eu... – olhou o menino, que a admirava com um sorriso simples. – Eu não acredito que isso possa ter acontecido. Eu nunca pensei que duas pessoas pudessem ser tão cruéis a esse ponto... O que elas fizeram com você... O que elas fizeram com nós! , eu não posso acreditar que fui tão estúpida em acreditar que você pudesse ter me traído com a Kimberly...
- Tudo bem, . As evidências eram um tanto incontestáveis... Até eu já tinha começado a duvidar de mim mesmo.
- Como eu pude duvidar de você? – ela parecia incrédula. – De todas as pessoas no mundo, como eu pude duvidar de você, ? Você era tudo pra mim... A pessoa mais – ela tentou gesticular – engraçada, doce e leal que eu já conheci em toda a minha vida.
sorriu sincero com o elogio, sentindo o coração disparado se acalentar a cada palavra de .
Sentados na cadeira perto da porta da sala, estavam , e , admirando-os com sorrisos bobos e olhos lustrosos. sentia uma expectativa crescente em seu peito, que foi desviada quando ouviu passos altos no corredor, e quando olhou na direção do mesmo, viu duas pessoas escoradas no batente da porta, com o peito arfante.
, ao ver e , levantou alto uma de suas sobrancelhas, mas não atreveu fazer nenhum barulho que pudesse interromper o momento de e . Apenas observou a prima de maneira desconfiada, ainda mais quando enlaçou seus dedos nos dela.
- Levanta, . – disse, voltando a atrair a atenção daqueles que estavam dispersos pela chegada do outro casal.
obedeceu, ainda secando seus olhos com a manga da blusa de frio roxa. virou o queixo da menina em direção ao seu, mas quando aproximou seus lábios dos dela, virou o rosto repentinamente.
Os amigos levantaram as sobrancelhas, ainda sem fazer nenhum pio.
- Não posso fazer isso com você, . – ela insistiu. – Eu não posso pedir para que você assuma esse bebê sendo que eu nem...
- Shh... – ele colocou o dedo indicador nos lábios da garota, impedindo-a de continuar a fala. – Eu não estou aqui pedindo para ser pai, se é o que você está pensando. Se não é seu desejo, eu não vou insistir para dar meu sobrenome a essa criança. Eu só estou pedindo para ser o namorado da mãe dela. Acho que o neném não vê nenhum problema com isso... A mamãe vê? – olhou-a inocentemente, abrindo um sorriso tão doce que juraria ter visto açúcar grudado em seus lábios.
Sem responder, abraçou-o rapidamente pela nuca, juntando seus lábios aos do rapaz depois de quase cinco meses e arrancado aplausos acalorados dos amigos.
Apesar de já terem se beijado várias vezes, para e sempre parecia a primeira vez. Os mesmos calafrios, as mesmas borboletas no estômago, os mesmos batimentos disparados. sorriu enquanto sentia puxá-la ainda mais para perto pela cintura. Lembrou-se do principal motivo pelo qual gostava do menino: sempre que estavam juntos, ela se sentia de volta a infância.
Algo em torno de , talvez seu sorriso maroto ou sua aura sempre brincalhona, lembrava de suas incontáveis tardes no parque de diversão quando menina. Era uma sensação tão revigorante que ela sentia o sangue mais quente percorrer por suas correntes sanguíneas. Sentia-se tão realizada que se imaginou como uma garrafa de refrigerante quando sacudida e aberta, que derrama seu conteúdo para todos os lados. E sim estava derramando seu conteúdo naquele beijo. Todo seu carinho, toda sua saudade, toda sua paixão. Tudo ali, acariciando os cabelos do garoto.
E ali estava ela novamente, onde sempre sonhou estar. De onde nunca deveria ter saído: nos braços de seu .
Quando se afastaram, pode sussurrar a ele, enquanto ofegava, o que sempre dizia a em seus sonhos mais secretos:
- Eu te amo, .
encostou sua testa na dela, sorrindo largo e deixando uma pequena risada escapar. Com suas mãos, trêmulas e geladas, acariciou o rosto de , deixando que, assim como a menina, suas lágrimas corressem deliberadas.
- E eu sempre, , sempre te amei. – deu um selinho na garota. – Eu te amo.
soluçou do lugar de onde estava sentada, ainda aplaudindo desesperadamente, assim como . , e apenas observavam com sorrisos trouxas na cara.
Assim que se passou um tempo desde que e se envolveram em um abraço, virou seu rosto para o casal escorado no batente da porta, com a expressão totalmente alterada. De alegria passou subitamente para a suspeita.
- O que você está fazendo aqui? – falou para a prima, que de imediato percebeu que ele não estava muito feliz ao vê-la.
Antes que pudesse desenvolver a frase enrolada que já tinha iniciado com um “Er...”, tomou a frente:
- Ela está aqui submetida a uma condição. – desviou seus olhos para ele de forma interrogativa. – Ela concordou que só viria para a aula se eu pudesse estar nos mesmos lugares que ela durante todo o tempo. Como uma espécie de guarda-costas. – fez uma cara de deboche, como se soubesse que poderia burlar algo assim em um piscar de olhos. Ao ver isso, continuou com seu plano: - Isso significa, deixei bem claro, nada mais de ir ao banheiro aqui na Highgate.
- Ah, ainda bem. – disse . – Ela poderia facilmente escapar pela janela do vestiário...
rolou os olhos.
- Posso não ser a pessoa mais obediente do mundo, mas não sou mentirosa. Eu disse que não iria fugir, me esconder ou ludibriar esse acordo de qualquer outra forma. Portanto, não vou. – parecia aborrecida. – Mas admito, - transformou seu bico em um sorriso apalermado, olhando e se beijando novamente. – que essa condição parece que vai vale à pena.
olhou dos dois que se beijavam no centro da sala para , que os admirava com os olhos deslumbrados.
- Por que vocês meninas ficam tão maravilhadas com essas coisas? – quis saber.
- Por que vocês meninos não?
sorriu, acariciando a mão da garota que estava abraçada à dele com o polegar.
- Talvez nós sejamos idiotas.
e , assim que pararam de se beijar, andaram abraçados na direção dos amigos. Ambos estavam com os rostos vermelhos de choro e vergonha.
- Hey, galera! – falou, chamando os demais. – Acho que vocês deveriam ouvir o que a se lembrou sobre o dia... Bem, vocês sabem que dia.
Todos voltaram os olhos atentos em direção a menina, que deu um passo a frente para que os demais da sala não participassem da conversa, mesmo que ouvir o que eles estavam falando fosse algo improvável.
- Quando eu estava entrando no prédio de , um ano atrás, - fez uma pequena pausa, encarando os olhos dos amigos. - eu jurei ter visto a Brittany. Ignorei esse fato porque achei que não fazia sentido, mas depois da descoberta sobre essa tal droga... Achei que pudesse ser bem provável que se tratava da mesma...

Capítulo 25 -

Londres; Highgate High School; quarta-feira; 11:55 da manhã;

- Saiam da frente, saiam da frente!
Todos os alunos que esperavam na fila da cantina, no refeitório do colégio, se viraram para trás para ver a quem pertencia a voz que gritava. , ao perceber que fora notado, deu um sorriso singelo e disse, com os ombros encolhidos:
- Mamães na frente. – e segurou pelos ombros, empurrando-a, mesmo contra a vontade da menina, para frente dos colegas.
- O é tão indiscreto. – comentou com ar de tédio, da mesa onde normalmente se sentava no almoço. , ao seu lado, balançou os ombros.
- Pode até ser indiscreto, mas ainda assim é fofo. – ela remexeu na bebida a sua frente com o canudinho, olhando para e percebendo o quão alienado o garoto estava. – ? – perguntou, de forma que o menino erguesse sua cabeça para lhe mirar os olhos. – Cadê a ?

Já tinha se passado mais de uma semana que as aulas voltaram na Highgate. Mais de cinco meses que tinha classes naquele colégio e ainda assim se esquecia de que depois do recreio tinha aula de química e não literatura. Quando Peter, um garoto de sua sala, a avisou que estava levando para estudar no intervalo o livro errado, apressou seus passos para voltar a seu armário no corredor do terceiro andar.
Depois da semana anterior, que tinha sido tranqüila, aparentemente já a estava deixando ter mais liberdade. Brittany nem se deu ao trabalho de olhar no rosto de depois da volta às aulas.
O fato de estar mais relaxado significava que, apesar de seu estômago ter esfriado com o pensamento, estava sozinha naquele largo corredor. Tão sozinha que era capaz de escutar o eco do barulho dos próprios passos no corredor; o barulho metálico do cadeado ao abri-lo.
Tensa, puxou a porta do armário, pensando que talvez fosse melhor ter pedido para acompanhá-la. Mas depois riu do próprio pensamento. Não era ela mesma que dizia não ter medo da morte? Então por que, ela se perguntava, seus joelhos estavam tremendo tanto?
Quando esticou seus dedos finos para alcançar o livro azul, uma mão pesada e fria segurou seu ombro. segurou um grito, inclinando devagar sua cabeça para trás no intuito de ver quem era.
Mas para seu imenso alívio, deu de cara com um par de olhos azuis que a encaravam divertidamente.
- Por que essa tensão toda, ? – perguntou Todd, um garoto da turma A, a quem tinha sido apresentada na festa de Bennet.
olhou em volta dele, pelo corredor. Nenhum sinal de vida. Apenas ela, ele e a luz que refletia nos cabelos castanhos do menino, vinda das inúmeras janelas de vidro.
- Hm... Você está sozinho? – ela perguntou baixo, depois se sentiu estúpida pela pergunta: era óbvio que ele estava sozinho.
Todd riu.
- Estou, . Calma. Não faço parte de uma gangue que quer te seqüestrar ou sei lá o quê.
transformou seu olhar do alarmado para o sério, sem gostar muito daquela brincadeira. Aliás, quem gostaria de uma brincadeira como aquelas quando, realmente, se tinha sido seqüestrada por uma gangue?
Ele pareceu perceber o erro, pois deu um pigarro e continuou:
- Desculpe por isso, eu sou muito ruim com piadas.
- É mesmo. – a menina concordou.
Todd se recostou nos escaninhos ao lado de , admirando-a como se ela fosse alguma jóia rara. corou, só então parando para perceber o bronzeado do menino.
- E então, – ele começou. – eu estava pensando se você gostaria de comer uma pizza comigo um dia desses.
Ela juntou as sobrancelhas, abrindo sua boca para negar. O que acabou não sendo necessário, uma vez que sentiu alguém lhe abraçar pelos ombros e no segundo seguinte uma voz familiar declarou:
- Ela não está interessada.
virou seus olhos para encarar , que sorria confiante ao seu lado, olhando de forma soberana para o outro cara de ombros largos. Todd esmoreceu-se.
- Ah, vocês... Vocês estão juntos?
continuou a sorrir enquanto absorvia aquelas palavras. Juntos? Ela e o ? Tudo bem que eles haviam se beijado várias vezes e andavam um com o outro maior parte do tempo, mas ele nunca lhe pedira fidelidade. Nem isso e nem firmara compromisso nenhum com ela. Não estavam ficando, não estavam namorando. Tinham um relacionamento incompletamente completo, sem pé nem cabeça, mas tudo o que ela precisava e pensava até o momento. Só naquele instante, de frente para um pretendente e tendo a proposta do mesmo rejeitada por ela, foi que começou a pensar a respeito do tipo de relação que tinha com .
Antes que ela pudesse retomar o fio da meada, Todd já tinha se virado de costas e voltado a andar em direção as escadas com o rosto baixo, provavelmente com a faltas de graça. sentiu suas bochechas ficarem rubras, virando para com um súbito sentimento de irritação e dizendo:
- Eu posso muito bem falar por mim mesma.
Ele se desvencilhou dos ombros da garota e olhou-a com as sobrancelhas levantadas.
- Só disse o que você ia dizer. – defendeu-se, mas depois olhou para a face zangada de por um momento e ponderou. – Ou você iria responder diferente? – levantou uma das sobrancelhas, colocando as duas mãos do lado da cabeça da menina e prendendo-a contra os armários. fixou-se em seus olhos. – , - ele respirou fundo. – sabe a palavra corno? Então, eu não gosto dela.
- , sabe a palavra compromisso? Então, a palavra corno não existe sem ela. – rolou os olhos.
riu, estendendo uma das mãos para acarinhar o rosto da garota. fechou os olhos ao sentir o carinho, deixando que alguns calafrios vindos dos locais onde o rapaz tocava se esgueirassem pro resto do corpo.
aproximou seu rosto do da amada, fazendo com que sua bochecha se encostasse a dela e sussurrando:
- Namora comigo.
sentiu todos os pêlos do corpo se eriçarem, arregalando os olhos e afastando o rosto de da sua bochecha, para que pudesse lhe encarar os olhos. Seu coração corria em uma maratona fictícia a mil por hora, e sua boca entreaberta deixava claro o estado em que se encontrava: de choque total.
Não que não quisesse ser a namorada de . Ela queria. Muito. Mas ainda havia alguns assuntos com os quais precisava tratar e lidar, como por exemplo, um assassino em série a solta, ou como o fato da última namorada do menino ter terminado cruelmente assassinada.
Depois de ter ouvido vários gemidos reticentes saindo da boca de , falou com o olhar baixo:
- Eu entendo que você precisa... Aliás, que você deve pensar antes de responder. – ele enfiou uma das mãos que apoiava do lado do pescoço da menina dentro de um dos bolsos da calça, tirando de lá dois papéis finos. – “Romeu e Julieta” está em cartaz na ópera da cidade. A senhora Mabel, nova professora de literatura, sugeriu que assistíssemos para tirar idéias para o trabalho final. – olhou-a intensamente. – Quero sua resposta depois do espetáculo.
fitou o rapaz durante alguns segundos, depois sorriu:
- Tudo bem.

No final da aula, observava sair da escola escondido atrás da escada principal. Queria dar à menina a sensação de liberdade, mas não imaginou que ela pudesse ser tão avoada a ponto de acreditar que ele realmente a tinha deixado algum segundo sozinha. Ele, durante todos os momentos, sempre estava espreitando a sua volta, tensionando-se a cada vez que alguém fazia um movimento suspeito.
Nem pensava o que poderia fazer se visse Brittany se aproximar de , ou lançar para a menina um olhar mal intencionado. Brittany. Foi pensando nela que estendeu sua mão para apalpar o bolso da frente da blusa. O revólver calibre 38 ainda estava lá, lotado de balas. Balas essas, ele se lembrou, que apenas utilizaria contra o assassino.
Ao ver ir em direção ao estacionamento da escola acompanhada de seu primo, relaxou. Observou o caminhar lento da garota entendendo enfim os motivos pelos quais Gerald era tão obcecado por ela. É, obcecado. Acabou por descobrir, através de análises policiais, que o menino de aparência doente era apenas... Bem, doente. Ele idealizou em e Ivane sua imagem ideal de uma das personagens do videogame que jogava, por isso as perseguia de cima a baixo. Acreditou que, assim como a rainha da fadas teria feito, Ivane renasceu.
suspirou, dando um sorriso carinhoso. Gerald, no fim das contas, era apenas só mais um joguete do destino. Não poderia chamá-lo de louco, pois ninguém sabe o que é verdade no mundo em que viviam. Ele era só mais uma vítima do azar. Um bom rapaz, apesar de curioso, que estava no lugar errado na hora totalmente errada...
tirou a mão do relevo que o revólver formava. Desde a volta às aulas andava com ele pra cima e pra baixo no bolso, preparado para usá-lo a qualquer momento, contra quem quer que fosse...
Uma palma ao seu levado o fez despertar de seus pensamentos.
- Até que enfim. – Duan disse, sorrindo largamente. – Estou do seu lado há... – olhou no relógio. – Um minuto, exatamente, e só batendo palmas pra você me notar. Não foi assim que eu o ensinei, Margarida.
afrouxou seus músculos quando viu que se tratava do amigo, então sorriu.
- E aí, Duan, como está indo?
- Hm... Bem. Melhor agora que o treino de futebol vai voltar, não acha?
- Acho que sim... Fiquei sabendo de você e da Missy. – falou, lembrando-se repentinamente. - Por que não me contou?
Duan olhou-o com um sorriso, espreguiçando-se despreocupadamente e dizendo:
- Melhores amigos não precisam necessariamente contar tudo um pro outro, não acha?
lembrou-se de no exato momento em que viu uma faísca diferente reluzir nos olhos do companheiro, mas nada disse. Também, como poderia?
- Concordo. – ele respondeu. – Mas não acho que a Missy seja uma dessas coisas, er... Secretas.
O loiro chacoalhou os ombros.
- Ela de fato não é. Nós só estamos ficando, nada sério. – observou abaixar a cabeça um ar de curiosidade. Duan abriu um sorriso torto, felino e mandou: - Você e a , por outro lado...
ergueu os olhos. Se o goleiro mesmo já tinha tocado no assunto, nada mais justo do que continuar:
- Duan... Eu a pedi em namoro. – falou baixo, com medo da reação do amigo.
- Quê? – o loiro levantou as sobrancelhas, surpreso.
- Eu estou... Não, eu sou apaixonado por ela. – enrubesceu-se. – Pensei que você, de todas as outras pessoas, fosse entender.
Duan piscou em choque durante alguns segundos. jurou ter visto um furacão de emoções transparecerem seus olhos verdes: espanto, raiva, rancor, ternura, compaixão e enfim, a compreensão.
- Desculpe minha expressão – o loiro disse quase cordialmente. – mas você tem que concordar comigo que foi meio de repente. O que eu tenho a dizer sobre isso é que...: Eu desejo a você toda felicidade do mundo. Você sabe disso. Se estando com a é a sua forma de se desvencilhar do passado e seguir em frente, saiba que eu vou te apoiar mil por cento nessa idéia. Além do quê, minha paixonite por ela já foi superada há muito tempo. – sorriu. – Sabe o porquê de eu, acima de todas as outras pessoas, te entender? – negou. – Porque você é minha única família, . Desde que meus pais morreram no acidente de carro, você têm sido o meu único amigo de verdade. Serei eu e você até o fim, parceiro, e não é nenhuma garota que vai mudar isso. Eu apoio o relacionamento de vocês, sei que a é uma pessoa adorável e que você merece muito.
, no fundo emocionado pelas palavras do rapaz, puxou-o para um rápido abraço entre comparsas. Durante o abraço, Duan sorriu.
- Mas diz aí, - o loiro completou quando se afastaram. – o que foi que ela respondeu?
- Ainda nada. Vou levá-la àquela ópera que a senhora Mabel mencionou. me dará a resposta no final da obra...
- Ah, é? – Duan alargou o sorriso. – Essa menina está te mudando mesmo. Tudo bem que toda escola vai estar presente, mas nunca imaginei que você estivesse entre eles. Fala sério, você, em uma ópera?
riu.
- Você também vai?
- Vou sim, Margarida. Para ficar na fila do gargarejo pra você.
sentiu o relevo do revólver se encostar novamente em seu peito, então se lembrou de algo que fez seu tom se voltar completamente para o obscuro:
- A Brittany vai?
Duan pareceu confuso.
- Vai. Vai, sim. Por quê?
trincou os dentes.
- Quero que, enquanto você estiver lá, me ajude a tomar conta de , para que ela e a Harris não se encontrem sozinhas em momento algum. Acho que a Brittany é mais perigosa do que aparenta ser...
Duan piscou os olhos algumas vezes, ainda em sinal de confusão. Mas como era o seu chapa quem estava pedindo, ele não via problemas:
- Eu faço qualquer coisa.

Capítulo 26 -

prendeu seus cabelos em um largo coque.
Seu rosto e unhas, nunca antes tão bem pintados, só faziam com que o estômago de gelasse mais quando ela pensava para quem estava se arrumando.
Observou o longo vestido vermelho de chiffon que tinha comprado dois dias antes, para a ocasião. O corpete drapeado e bordado com alguns enfeites dava àquela roupa a distinção necessária.
perdurou um colar de prata em volta do pescoço, e assim que terminou todos os ajustes do cabelo, observou-se.
- Perfeita. – disse, fazendo-se notar escorado no batente da porta.
sorriu para o primo, voltando-se para o próprio reflexo para admirar ainda mais o sucesso de sua tentativa cosmética. Ela estava linda. C ílios grandes e pesados escondendo seus olhos brilhosos, bochechas devidamente rosadas, lápis e delineador tão bem passados que davam àquela pintura um ar de profissionalidade. observou o topete que tinha deixado para fora do coque, enrolado na testa e dando um charme a mais ao penteado.
Tudo em sua perfeita ordem.
- Você acha que o vai gostar? – perguntou ao primo, que apenas revirou os olhos com o nervosismo da garota.
encarou-a como se ela fosse tola.
- Não existe uma chance sequer de ele não se sentir o maior felizardo do mundo ao vê-la assim, . – ele caminhou até se sentar na cama.
- Eu nunca fui a uma ópera. – comentou ansiosa, sentando-se do lado dele. – Como deve ser?
- Pessoas cantando em tons agudos ou graves demais. Uma suposta história dramática contada. Bem, imagino que seja isso. Um drama musical... Literalmente. – sorriu bobo, fazendo a prima gargalhar.
- Eu aposto que vai ser ótimo.
- Tudo bem, podemos apostar um lanche na Starbucks se você quiser. Eu acho que vai ser uma droga. – deu de ombros.
levantou a mão para apertar a do primo.
- Vai ser uma excelente ópera.
aceitou o cumprimento com um sorriso satisfeito, só então parando para se lembrar do que tinha ido fazer no quarto dela anteriormente.
- Hm... ?
- Oi?
- Você por acaso viu por aí meu celular? Não o vejo desde a escola...
sorriu.
- Você é sempre avoado, . Não, molengo, eu não vi seu celular.
suspirou em derrota, postando-se de pé.
- Ah, droga. Acho que vou ligar pro e ver se por algum motivo eu deixei com ele. – andou até estar fora do quarto, antes recebendo um desejo de “boa sorte” da prima.
caiu deitada em seu colchão, fechando os olhos por um momento para pensar sobre a semana que tivera. estava mais afastado durante os últimos dias, mas ela sabia que o motivo era porque ele não queria passar a impressão de que estava querendo pressioná-la a aceitar sua proposta.
“Namora comigo”. Essas tinham sido suas palavras exatas. O pedido mais bonito e sincero que acreditava já ter recebido na vida. E ainda da boca do homem por quem ela era tão pavorosamente apaixonada.
Como dizer não a um pedido desses? Ela sabia que era impossível. Seu coração nunca quis tanto alguma coisa do que ter o de junto ao seu. Sua alma e corpo pediam desesperados por ele, e essa era uma súplica a qual pretendia atender. Ser de e ele seu. Namorados.
Quando ouviu duas buzinas do lado de fora da casa, calçou suas sandálias de salto, pegou sua bolsa prateada e pôs-se a caminhar até a porta, com o coração na boca.
Girou a maçaneta e a puxou, encontrando-se com um par de olhos iluminados que pareceram ainda mais escuros ao vê-la.
vestia um smoking preto com uma camisa social da mesa cor por baixo. Elegante, cheiroso, impecável. Tudo o que podia esperar de seu retrato pessoal da perfeição.
Perfeição.
Sabia muito bem que não era perfeito. Seu rosto não era perfeito, seu corpo. Ele tinha defeitos tão repreensíveis quanto suas qualidades admiráveis. Mas, apesar disso, apesar de tudo, ele ainda continuava sendo seu estereótipo de perfeição.
Como algo tão imperfeito, alguém com as imperfeições tão tatuadas na pele podia se encaixar tão exatamente no que procurava? Que sentimento era esse que fazia com que as faltas mais graves se tornassem contornáveis aos seus olhos?
Amor? Não. Uma palavra de apenas quatro letras nunca alcançaria a imensidão daquele sentimento.
ficou boquiaberto durante alguns segundos, sem nenhuma vontade de se corrigir. estava ali, a sua frente, mais bonita do que qualquer outra mulher que ele já tivesse visto. Não era pela maquiagem, nem pelo decote avantajado. E sim por ser, e sempre ter sido, a única mulher capaz de arrancar uivos de felicidade de seu coração. Ela era tudo.
Sua base, sua família, seu anjo da guarda. Finalmente entendeu que, durante todo esse tempo, não era realmente ele a proteger e afastá-la do perigo. E sim a menina, que o afastara de toda a escuridão de seu próprio ser e agora lhe conduzia a um caminho de luz aonde nunca tinha estado. Era ela sua protetora. Aquela que retirava as pedras de seu caminho. A pessoa de quem, sem, a vida seria incompleta.
Minha protetora”, pensou.
Depois, quando finalmente parou de mirá-la de cima a baixo, perplexo pelo fato de toda aquela beleza interior, e também exterior, tinha feito seu sistema entrar em pane, ele conseguiu dizer:
- Oi.
sorriu.
- Você está esmagando as flores. – ela observou, apontando para a mão do rapaz que apertava um buquê como um espremedor de laranjas.
ruborizou, tentando pegar no arranjo de rosas colombianas mais delicadamente e entregando-a de forma desajeitada.
- Pra você. Eu não sabia se deveria trazer alguma coisa, então... – calou-se, expirando e olhando-a em expectativa.
segurou as rosas vermelhas com carinho, cheirando-as e passando-as levemente no rosto, de olhos fechados. Quando olhou novamente o rapaz parado a sua frente, sorriu emocionada.
- Isso foi... – “perfeito” ela iria dizer. Mas depois de pensar no quanto aquela palavra já tinha sido utilizada e pensada em tão pouco tempo, tentou corrigir-se. – incrível, . Incrível e romântico.
Ele colocou as mãos no bolso, olhando para os lados e tentando esconder de alguma forma o rubro de suas bochechas. Como viu que era inútil, respirou fundo, engoliu a vergonha e olhou-a com seu olhar tipicamente inteligente.
Segurando uma das rosas do buquê, ele disse:
- Cada flor – começou a dizer baixo. – tem um significado diferente. As tulipas, por exemplo, dizem respeito à independência e à prosperidade. Os girassóis, à alegria e dignidade. Já as rosas... São a virtude e o pecado... São as oscilações do amor. – olhou fixamente nos olhos.
- E o que as vermelhas significam? – ela quis saber.
aproximou-se ainda mais da garota, segurando seu rosto em um toque simples e cortês.
- Paixão. – ele respondeu. – Vívida e intensa.
sentiu os pêlos da nuca se eriçar, fechando seus olhos devagar ao ver a proximidade com a qual o rosto de estava. Quando sentiu o nariz do rapaz tocar o seu, ouviu um pigarro vindo da sala.
Ambos desviaram seus olhos para uma figura paterna escorada no corrimão da escada, de braços cruzados.
- Boa noite, senhor . – disse em seu melhor tom cavalheiresco.
- Duas horas da manhã – ele disse. – a quero aqui em casa. Nada de baladas, nada e festas e principalmente: nada de seqüestros.
segurou uma risada ao ouvir o tio falar dessa forma. não pareceu perceber. Apenas consentiu e a conduziu para o lado de fora da casa, depois que ela colocou as rosas na mesa do telefone.
Andaram de mãos dadas até o Audi, onde abriu a porta para que entrasse. Assim que ela o fez, contornou o veículo para se sentar no assento do motorista.
Quando estavam dentro do calor e da segurança do carro, observou mexer nos enfeites da bolsa com uma vontade reprimida.
- ? – chamou.
Logo que a garota virou seu rosto curioso para ele, se inclinou por cima do assento, segurando-a pela nuca e pregando-lhe um beijo intenso e apaixonado. recebeu-o no início com certa surpresa, mas depois se entregou ao momento, fechando os olhos e segurando com força o smoking de .
Depois de algum tempo naquele carinho ao mesmo tempo meigo e voraz, recolheu seu rosto, olhando-a com um sorriso.
- Bem melhor. - disse. – Odeio ser interrompido.
- Você está lindo hoje, . – falou, olhando-o afetuosamente. – Ainda mais com esses lábios roxos.
riu.
- E você... – olhou-a de cima a baixo com a feição desejosa. – Esquece.
Sorriu, ligando o Audi e já começando a seguir com o veículo pela rua. sentiu-se incomodada.
- Existe coisa pior que quando alguém está pra falar algo que você está louco pra ouvir e esse alguém fala: “Esquece”?
deu risada.
- Mas é que... – tentou se explicar. – Duvido que você se sentisse confortável com o que eu tenho a dizer.
- Não me chamando de Fiona, a ogra, eu aceito tudo. – ela brincou, fazendo-o gargalhar.
“Não me chamando de Fiona...” ela pensou. Aliás, concluiu, se fosse chamada de Fiona se sentiria até bastante orgulhosa, uma vez que era uma de suas personagens favoritas. A princesa que, apesar da aparência, era em seu interior a mais bela de todas. E que, através disso, pode ficar junto de seu amado.
discordou.
- Você não parece uma ogra nem de longe.
- Então complete a frase. Nada disso de “esquece”. – afetou a voz, divertida.
Ele sorriu maliciosamente, depois olhou a garota de soslaio.
- ... E você, – começou, completando a fala que deixara no ar. – está exatamente tudo o que eu vejo nos meus sonhos mais sórdidos.
sentiu uma onda acalorada passar por todo o corpo, segurando involuntariamente as bochechas em brasa com as duas mãos.
- Okay. Talvez eu realmente devesse ter esquecido. – falou sem graça. – Mas obrigada, de qualquer forma.
Ele sorriu.
- Você não precisa agradecer por fazer parte dos meus sonhos.

estacionou o Audi a alguns quarteirões da casa de show onde ocorreria o espetáculo. Várias pessoas vestidas com traje a rigor passavam por eles. Casais, amigos. Muitos deles eram estudantes da Highgate, que estavam ali para tirar idéias para seu trabalho de literatura sobre William Shakespeare.
estava curioso em saber como alguém teria transformado o mais clássico dos romances em uma ópera. Provavelmente, sem nem que a professora pedisse, ele teria levado até lá.
Saindo do carro de mãos dadas com a menina, cochichou em seu ouvido:
- Brittany vai estar na ópera. – antes que tomasse ar para falar ele completou: - Não precisa se preocupar. Seus amigos não estão aqui, mas o meu está. Duan concordou em me ajudar a tomar conta de você por essa noite, então você está bem segura conosco.
suspirou, sentindo-se péssima por ter que ficar sob os cuidados de Duan. Logo Duan, que aparentava gostar tanto dela. Logo Duan, melhor amigo de seu namorado.
Antes que tivesse mais tempo para pensar na culpa que sentia, observou o loiro parado a alguns metros das longas escadas que levavam ao imenso portão do prédio antigo. Ele vestia um smoking cinza, olhando para todos num ar cabisbaixo, mas quando seus olhos se encontraram com e , ele abriu um largo sorriso.
- Ainda bem, margarida. – disse assim que eles se aproximaram. – Achei que tinha se esquecido de mim aqui. – quando viu , colocou uma dos braços para trás do corpo e, com o outro, conduziu a mão da garota até seus lábios. – Com toda a sua licença , - fitou-a com seu olhar apimentado. – você está maravilhosa hoje, .
O estômago de gelou. Gelou, mas não tanto quanto quando a ópera começou. Os assentos macios, seu lugar entre e Duan, as longas cortinas vermelhas que se abriam e davam lugar para uma senhora rechonchuda, que pelo jeito representaria a ama de Julieta. Quando as luzes do ambiente se apagaram, teve que segurar um dos braços de para se sentir mais segura: nunca tinha se sentido tão observada em toda a vida.
Algo em sua nuca, algum calafrio, indicava que de longe alguém a observava. Só não sabia que esse alguém era a Morte.

Londres; sexta-feira; 7:25 da noite;

- Esse lugar faz meus pés ficarem gelados. – Disse .
Ele e a namorada estavam de frente para uma enorme mansão salmão, que não só a ele como a todos os cientes do assassinato que acontecera naquele local parecia assustador.
O vento frio do inverno londrino cortava a noite. e , bem agasalhados, estavam rondando pelos arredores da mansão em busca de pistas ou flashbacks. Infelizmente, sem sucesso.
- Tem que ter alguma coisa. – choramingou. – Foi aqui que tudo aconteceu. Foi aqui onde eu fui atropelada. Não é possível que minha mente não vai me proporcionar nem uma santa visãozinha. – bateu na própria cabeça.
passou novamente os olhos pelo ambiente.
- Você não tem medo daqui? – perguntou.
fez que não com a cabeça.
- Sinto calafrios quando estou por perto, às vezes. Mas nada que me intimide. – abraçou o próprio corpo com o frio que sentia. – Sei que coisas horríveis aconteceram dentro e fora dessa casa, mas qualquer coisa, qualquer mínima coisinha que possa me fazer desvendar todo esse mistério já é motivo o bastante para que eu me esqueça de todos os meus receios. Eu preciso lembrar.
- Às vezes eu invejo a sua coragem, minha pequena. – o namorado lhe sorriu.
caminhou tranquilamente até o meio da rua, o mais próximo de onde tinha dito que ela fora atropelada.
Olhou para o lado direito e foi então que teve a visão. A visão mais importante que já tivera.
Ao ver a namorada mudar sua expressão da incerteza para a perplexidade, mudando rapidamente de sua cor usual para um verde musgo, abraçou-a e levou-a para longe da rua. ofegava. Algumas gotas de suor gelado percorriam seu pescoço e rosto.
- O que foi, ? – ele perguntou em desespero. – O que foi que você viu?
virou seus olhos esbugalhados para ele. Sua boca trêmula mal a permitiu falar uma frase inteligível. Mas o que escutou foi o suficiente. Em meio a gaguejos e nuances, ouviu:
- Eu sei quem me atropelou.

Londres; sexta-feira; 7:32 da noite;

Durante a cena do baile onde Romeu e Julieta se conhecem, observou uma movimentação do outro lado do auditório. Brittany, vestida em um longo vestido azul petróleo levantou-se com um sorriso satisfeito e pôs-se a andar para uma das saídas.
Quando virou seus olhos alarmados para avisar Duan, percebeu que os olhos de águia do amigo já tinham captado o movimento. parecia entretida o bastante para não notar.
- Quer que eu vá dar uma checada? – Duan sussurrou.
assentiu, e assim o loiro saiu de seu assento e esgueirou-se no meio das pessoas, para caminhar atrás da loira sem atrair suspeitas da mesma.
sorriu, sentindo-se relaxado pelo fato do amigo estar ali. Pelo fato do amigo poder ajudá-lo a proteger seu tão precioso tesouro. Quando viu o goleiro sair do auditório atrás de Brittany, ficou tranqüilo para passar um braço pelos ombros de , que pareceu aprovar o carinho.

A alguns metros dali, o segurança debruçava-se sobre o painel de vídeo desinteressadamente, dando grandes goladas em seu café. Sentia-se prostrado em mais um dia de sua rotina cansativa, onde era contratado para assistir às filmagens da câmera de segurança que nunca mostravam nada de diferente...
Como ele estava enganado. Tremendamente enganado.
Assim que seus olhos vacilaram de sono, todas as câmeras foram simultaneamente desligadas...

deu um salto na cadeira, despertando o olhar desagradável de algumas pessoas a volta.
- O que foi? – perguntou preocupado.
abriu e bolsa e pegou seu celular.
- Eu deixei no vibracall. – sussurrou. – Eu sempre assusto com isso.
Ele riu baixo enquanto observava a garota apertar algumas teclas. Assim que leu o recado, seu rosto ficou completamente desolado.
- O que houve?
- Tio John está passando mal. não sabe o que fazer, portanto não viu saída melhor que vir me buscar na ópera. – olhou com pesar. – Eu sinto muito, mas acho que realmente vou ter que ir.
- Eu entendo. – concordou. Agora que sabia o que era uma família, saber o que era ficar preocupado com ela fazia parte do pacote. – Pode deixar que eu te levo em casa.
- De forma alguma. – falou com determinação. – , pelo menos um de nós tem que assistir a obra. Além do mais, detestaria que você gastasse o dinheiro do seu ingresso comigo. Já não basta o meu... – comprimiu os lábios. – avisou que já está na porta, só me esperando. Não tem erro.
olhou-a desconfiado por alguns minutos, depois pareceu dar de ombros apesar de sua face ainda apresentar relutância.
- Me ligue assim que chegar ao carro.
concordou, dando um selinho rápido no amado e se apressando para se desvencilhar da fila de cadeiras. Caminhou até o lado de fora do auditório, e quando se debruçou em um dos muros do segundo andar para ver onde tinha estacionado, arrependeu-se amargamente de ter saído de casa naquela noite.
Um barulho ensurdecedor cortou seu ouvido. Como um foguete soltado bem de perto ou... O tiro de uma arma. Ficou tão estática com sua surdez momentânea que custou a perceber que, não apenas a alça de seu vestido como seu ombro, estavam rasgados e o sangue corria quente por sua pele. Os fios de seu cabelo despencaram de um lado da cabeça, deixando claro que o impacto não fora imaginário.
Todos os nervos de se petrificaram e então ela virou para trás estarrecida, fitando assustada os olhos divertidos do assassino.


Capítulo 27-

Durante um dos agudos da protagonista, na cena em que recebia o veneno do padre, involuntariamente pôs-se a lembrar de alguns detalhes que antes lhe pareciam tão sem sentido. O detalhe que mais lhe chamara a atenção, de fato, e provavelmente conectado a cena que assistia, era a quantidade de GHB compradas por Brittany e Kimberly.
Segundo as pesquisas de , o volume do remédio que elas compraram seria o suficiente para levar um ser humano à morte, por ataque cardíaco. Como o único efeito que causara em tinha sido apenas a tonteira e o desmaio, duvidara que todo produto tivesse sido utilizado contra o garoto.
Mas então o que, ele pensou, elas teriam feito com o resto das “gostas de amor”? Não poderiam tê-las guardado, uma vez que os danos não seriam mais os mesmos. E também não poderiam ter comprado a mais por engano, porque, mesmo sendo Brittany e Kimberly, elas não seriam tolas o suficiente para gastar um punhado de dinheiro com algo que não usariam. O fato de terem feito consumir a dosagem exata para que o menino ficasse dopado era outro indício de que elas sabiam o que estavam fazendo.
A pergunta era: em quem foi aplicado o resto do GHB?
Se elas estivessem realmente relacionadas ao assassinato de Ivane, que era o que tudo indicava, nada mais normal do que elas terem usado em outra pessoa daquele mesmo círculo de relacionamento.
“Pense, ” dizia para si mesmo “Quem mais ficou desacordado aquele dia?”

sentiu algumas lágrimas inundarem as margens de seus olhos. A dor em seu ombro, o fato de seu vestido estar sendo encharcado de sangue... Nada importava agora. Ela não conseguia sentir. Seus pensamentos estavam tão escuros e misturados que não conseguia se concentrar no presente, não conseguia sequer raciocinar. Alguém havia desligado sua tomada da realidade.
A única coisa que sabia, e que se dava ao trabalho de sentir, eram agora as lágrimas que rolavam em seqüência por sua bochecha. Assim como seu sangue, que se disfarçava no vestido vermelho, as gotas de choro eram quentes.
- Isso não... – começou a dizer com a voz fraca. – Isso não está certo.
Ela observou o cano do revólver calibre 22 virado diretamente em direção a ela. engoliu em seco.
- O que não está certo, minha querida? – o assassino perguntou.
- Não era pra ser você – tentou argumentar em desespero. – Era a Brittany. Como você pôde...
Duan gargalhou alto.
- Você o traiu! – gritou. Depois engoliu seu berro e voltou a sua posição inicial, em completo estado de choque.
- Eu nunca trairia o . – Duan abriu um sorriso arregalado. Seus olhos, que antes pareciam simpáticos e doces, agora eram lunáticos.
segurou seu peito, tentando de alguma forma conter as batidas aceleradas e dolorosas de seu coração. Percebeu que estava ofegante. Sua pulsação latejava tão forte em seu pescoço que por um instante chegou a pensar que ele fosse se partir.
- Você... – voltou a tentar dizer, mas sua tentativa acabou saindo em forma de sussurro. – Ivane e a Paskin... Você...?
Duan sorriu satisfeito.
- As duas. – concordou. – Acabei com a vida das duas.
O queixo da garota começou a tremer assim como o resto de seu corpo. Sentia frio nos braços e principalmente no rosto, como se todo o sangue estivesse escapado de lá. O que não chegava a ser mentira, pois percebera que as gotas de sangue vindas de seu ombro ferido, por onde um tiro tinha a atingido de raspão, já estava gotejando no chão de mármore branco da antiga casa de shows.
- Por quê? – ela perguntou.
O loiro alongou o pescoço sem perder seu sorriso. Enquanto ele fazia isso, olhou desesperada para os lados, na esperança de encontrar alguém que pudesse ajudá-la. Ninguém. Estava deserto. Todas as pessoas que conhecia naquele lugar estavam dentro da ópera, inclusive .
.
Como será que ele reagiria a sua morte?
- Eu e a Ivane – Duan começou a falar em um tom despreocupado. – tínhamos alguns assuntos pendentes. Com isso eu quero dizer que não é todo dia que a vadia com quem você ficava se engalfinha com seu melhor amigo... – depois ele transformou seu olhar em um alfinetado, como se tentasse perfurar a face de . – Aliás, estou mudando minha percepção com relação a isso.
se apoiou no muro, inclinado a cabeça para trás para sondar a distância de onde estava até o chão. Impossível de pular. Era alto demais.
Mas pensava que, talvez, se pudesse manter Duan falando, pelo menos adiaria sua morte.
- E você matou a Ivane por ciúmes?
O goleiro balançou a cabeça em negação.
- Ciúmes, ? Me poupe. Eu nunca me apaixonaria por uma naja como a Ivane. – riu em escárnio. – Eu não sou o . Não consigo ver o lado bom de todo mundo.
- Então, por quê?
Duan analisou dos pés a cabeça, depois trouxe a arma até o rosto e passou a língua no cano, como se mostrasse que sabia exatamente o que estava fazendo.
- Ainda falta o quê? – ele olhou no relógio. – Meia hora para o espetáculo terminar? Bem, de qualquer forma, até lá você não vai estar mais entre nós... Você não sabe como eu estou me coçando para fazer uma bala atravessar direto o seu coração, . Você não tem nem idéia... – ele voltou a mirá-la com o revólver. engoliu em seco.
- Você não me respondeu. – falou depressa. – Por que você matou a Ivane, Duan?
- Porque ela – um lampejo de raiva passou por seus olhos. – não merecia estar com o meu . Ela não merecia seu afeto. Ivane era apenas mais uma garota que não valia nada, que o apunhalava pelas costas. Ela estava comigo antes das aulas começarem. Nunca devia ter se engraçado para o meu melhor amigo. Eu a avisei. Disse que era pra ela ficar longe dele... Mas ela me ouviu? A única coisa que fez foi rir da minha cara. – ele trincou os dentes. – Ela disse que eu era apaixonado por ele. Que tinha desenvolvido uma obsessão pelo . E que naquela noite mesmo ela trataria de contá-lo. – Duan voltou a dar um de seus sorrisos lunáticos. – Só que, é claro, ela não contou. Não teve tempo. Eu nunca permitiria que ela sujasse minha imagem com o meu . Aliás, ele é que não devia ter desenvolvido sentimentos por mais ninguém além de mim.
o encarou estática durante o relato, para enfim, quando ele terminou de falar, ela semicerrar os olhos.
- Você está dizendo que é apaixonado pelo , é isso?
Adams gargalhou.
- Claro que não. Eu não sou homossexual, se é o que está pensando. Apenas acho – voltou a admirar a arma. – que eu deveria estar no centro das atenções do meu amado . E não qualquer outra pessoa. Não Ivane. Não você.
- E o que te leva a pensar algo assim?
- Ai – ele revirou os olhos e sorriu, como se estivesse achando aquilo tudo divertido. – vamos lá, . Não é possível que essa conversa vai durar a vida inteira.
percebeu que os olhos do garoto também estavam lustrosos, como se ele estivesse prestes a chorar.
- Ele é a única pessoa que você tem. – deduziu.
- E eu deveria ser o único na vida dele também. Eu vou aniquilar qualquer um quer queira tirar isso de mim. – algumas lágrimas escorreram pelo rosto pálido do garoto enquanto ele rugia essas palavras. intimidou-se ainda mais, sentindo o vento frio tocar sua pele rasgada.
- Mas isso não explica porque você matou a Paskin.
- A Paskin. – Duan falou com cara de entediado. – Aquela velha só estava no lugar errado na hora errada. Não precisava ser assim. Ela não precisava ter lido aquele papel. Quando fiquei sabendo que ela tinha sido encarregada de checar as folhas de detenção do ano anterior, imediatamente fui até onde ela estava. Já sabia que ela seria mais uma na minha lista.
- Que papel? – juntou as sobrancelhas.
“Isso!” ela pensou “É só mantê-lo falando até as pessoas saírem. É só mantê-lo falando...”.
- Uma folha de detenção que por acaso era do semestre anterior ao assassinato. Quando a senhora Campbell encontrou eu e a Iv numa situação digamos... inapropriada para um banheiro feminino. – sorriu maléfico. – Sorte minha que ela é tão burra que esqueceu esse ocorrido, de forma que nenhuma suspeita foi levantada pro meu lado. A ocorrência já estaria devidamente enterrada se a Paskin não tivesse voltado a pô-la à tona. Que azar o dela... – fingiu pena.
- Mas você... No assassinato da Ivane as circunstâncias estavam tão a seu favor. Você não pode ter agido sozinho. – ela suava frio.
- E não agi...

Um ano antes...

“Londres; Highgate High School; segunda-feira; 5:10 da tarde;

Assim que viu se mover na quadra de grama, chutando algumas bolas na direção do gol, Ivane se escondeu atrás da grade. Sentia que seu coração sangrava toda vez que via o rapaz, ainda mais depois de ter feito o que fez.
O que havia de errado com ela, afinal? Ela o amava com todo o coração. Então o certo seria que ficassem juntos a todo custo. Não era Brittany, Scott, Duan ou qualquer outra pessoa que iria separá-los.
Ivane esqueceu completamente a mágoa que tinha ao vê-lo aos beijos com Brittany no final do jogo contra a Drayton. Aceitou a explicação do rapaz de que tinha sido pego de surpresa, mas ele não parecia ter aceitado o fato de ela ter tido uma relação com Scott. Tudo certo que o que tinha feito não assumia as mesmas proporções que teria se ele tivesse se deitado com a Brittany, mas feria da mesma forma.
estava disposto a não aceitá-la de volta depois de saber do ocorrido entre ela e Scott. Quem mesmo havia contado isso a ele? Alguma líder de torcida fofoqueira?
Ivane suspeitava seriamente de Kelly Sparks, mas preferiu não fazer nenhum alarde em cima disso.
Observou novamente em sua camisa suada dos Eagles. Ivane sentiu seu estômago entrar em erupção enquanto observava as oscilações do peito do garoto enquanto respirava.
Ela não podia ficar sem ele. Estava determinada a tê-lo de volta a todo custo...
Colocou os pés no gramado caminhando decididamente até o amado, que parou o que estava fazendo assim que a viu se aproximar. olhou-a magoado, depois voltou a olhar a trave, ignorando sua presença.
- Precisamos conversar. – ela disse.
- Eu não tenho nada pra falar com você, Ivane.
- Mas – ela segurou o rosto dele de forma a fazê-lo olhá-la nos olhos. – eu te amo, .
- E do que serve o amor? Do que serve o amor se não se pode haver confiança e lealdade?
Ivane deixou a fúria transparecer em sua face.
- Você me traiu primeiro!
- Eu não a traí. – falou esgotado, como se repetisse isso pela milésima vez. – Já disse que fui pego de surpresa.
- E eu fui tentada a fazer o que fiz, . – ele a olhou incrédulo. – Você conhece quando eu fico com raiva. Conhece a fraqueza da minha carne. Por que simplesmente não aceita minhas desculpas?
Ele voltou a alternar seu olhar da trave do gol para a bola em sua mão com a expressão ininteligível.
- Eu já disse que não há mais nada entre nós.
Ivane fitou-o nos olhos durante alguns segundos, deixando a astúcia e a mágoa confundirem-se em suas feições.
- É aí que você se engana.
voltou a olhá-la com desconfiança.
- Por quê?
- , - Ivane segurou as mãos do rapaz com comoção, seus olhos agora eram grandes poças por onde a água vazava. – eu estou grávida. – o semblante de se tornou de completa confusão e espanto. – Grávida de um mês. Grávida... de você, .
O rapaz ficou inexpressivo durante vários segundos, apenas absorvendo as palavras da garota. Grávida? Ele seria... Pai?
Apesar de já ter começado a sentir os joelhos fraquejarem e os a vista ficar turva com a revelação, ele não pôde deixar de perguntar:
- Você tem... Alguma prova disso?
Ivane consentiu veementemente, enfiando uma das mãos em sua mochila bonina e tirando de lá um teste de gravidez.
- Duas linhas – ela mostrou. – Deu positivo. Ontem mesmo fui consultar um médico.
perdeu para o tremor e o choque, sentando-se no chão ainda com os olhos arregalados. Ivane, com o rosto iluminado com um largo sorriso, sentou-se a sua frente e segurou suas mãos.
- Eu vou ser pai? – perguntou em um sussurro incrédulo.
- Vai, meu amor. Eu estou esperando o seu filho. Nós vamos ser pais, .
apertou as mãos da menina, enfim tendo alguma reação e demonstrando seu sentimento sobre aquilo tudo: surpresa e medo, apesar de felicidade e entusiasmo.
- Você me perdoa? – ela perguntou.
sorriu, afagando seus cabelos longos e loiros.
- Como eu poderia não perdoar a mãe do meu filho?
E assim, ajoelhando-se, Ivane selou seus lábios com os do amado.

- Você não vai voltar pra casa. – disse, caminhando até seu Audi preto e abraçando Ivane por trás, de modo que pudesse encostar suas mãos na barriga da menina.
- Ah, é? – ela sorriu. – Por que não?
- O pai sou eu. Eu quem tomo conta da mãe e do bebê a partir de hoje. – assim que chegaram ao veículo, encostou Ivane no carro, segurando-a carinhosamente pela cintura. – Você irá morar comigo. Na mansão.
- Que chique. – ela disse cheia de pompa. – Vai parecer até que somos casados.
A expressão de se alterou da risonha para a séria.
- Eu realmente quero dar um lar a essa criança, Iv. Não quero que ela se sinta rejeitada de forma alguma. Não quero que ela seja filha de uma mãe solteira. – segurou a mão da amada, que o fitava com admiração. – Quero que você se case comigo, Ivane Whinsky.

Londres; Mark’s; sexta-feira; 5:12 da tarde;

- Mais uma aí, Bob.
Kimberly caminhou para dentro do pub observando dizer a mesma frase de sempre. Em sua blusa azul xadrez o menino parecia até mais atraente. Melhor, Kimberly achava, para os seus propósitos.
Depois de Duan ter avisado Brittany sobre os planos de de se juntar legalmente a Ivane, o plano dos três tinha tomado mais corpo. Eles pretendiam se livrar de Whinsky, e cada um por um motivo diferente.
Brittany a queria fora do páreo. Sem Ivane por perto, ela teria o caminho livre para se aproximar do amado.
Duan não quisera compartilhar com nenhuma das duas seus motivos, mas Kim pensava que ele estivesse afim de Iv, ou algo do tipo.
Já Kimberly, apenas teria o prazer de ajudar sua melhor amiga e prima a se juntar ao homem que ela amava. Nem que para isso tivesse que dopar Daniel e acabar com seu namoro.
Sentou-se ao lado de dando seu melhor sorriso despretensioso. Puxou um assunto leve com o menino, que parecia mais inocente do que ela imaginava. Assim que ele se levantou para ir ao banheiro, Kimberly depositou na bebida que tinha pagado para ele algumas gotas da droga que Duan as intuíra a comprar.
Quando voltou e bebeu o liquido a largas goladas, Kim conseguiu comprovar o efeito do medicamento. No momento em que o rapaz já não estava mais dizendo coisa com coisa, conduziu-o para o lado de fora do pub, pegando a chave do Fiesta de Daniel e colocando-o para dentro.
Brittany, Kimberly lembrou-se, estava ajudando Duan com o transporte de algo mais importante.
Tudo o que Kim teve que fazer depois de conduzir até o apartamento, fora deitá-lo em sua cama e esperar que o mesmo apagasse.

Longe dali, Brittany estacionava seu ecoesporte preto na porta da mansão, com Duan ao seu lado.
- Você sabe como nós vamos nos ferrar se isso der errado. – ela falou nervosa.
- Não vai dar errado.
- Já está tudo certo? Já sabe como entrar? – movia suas freneticamente com a ansiedade. Duan assentiu. – Mas e se a e o aparecerem por aqui...?
O goleiro rolou os olhos.
- Eles não vão aparecer por aqui. Não ainda. Pelo que me lembro, eles estão na detenção por terem pregado aquela peça idiota na Drayton.
- E o porteiro?
- Devidamente subornado. Com o dinheiro que eu ofereci, ele até me ensinou como burlar o sistema de segurança.
- O quê? – ela disse em deboche. – Aprendeu a se desviar de lazers?
- Melhor que isso. – Brittany olhou-o com curiosidade. – Aprendi a desligar todas as câmeras de segurança.
Ficaram um tempo em silêncio observando a movimentação na casa. Algumas luzes eram acesas e apagadas. Por uma vez, Brittany teve a impressão de ver pela janela da varanda.
Dez minutos depois, Duan abriu a porta e se colocou para fora do veículo, andando sorrateiramente até o portão da frente, onde um porteiro magrelo e de terno cinza o recebeu com um sorriso maldoso.

Alguns minutos tinham se passado dentro do ecoesporte e nenhum sinal do Duan. Brittany estava começando a ficar aflita enquanto olhava pelo relógio.
Essa era uma daquelas horas que começava a repensar em seus atos. Não queria repensar, pois, se repensasse, provavelmente voltaria atrás. Tirar a vida de uma pessoa, quem ela pensava que era afinal, Deus?
Mas quando se lembrou das provocações e agressões de Ivane no banheiro feminino, mudou seu ponto de vista. Ela merecia morrer. Merecia estar morta, e não se casar com .
Brittany permaneceu imersa em pensamentos até que um táxi estacionou do outro lado da rua, deixando ali uma garota que, apesar de sua estatura pequena, fez com que a loira arrepiasse até seu último fio de cabelo.
. Ela não podia estar ali naquela hora!
A mente de Brittany começou a trabalhar depressa, pensando em algo que pudesse atrasar a menina, ou simplesmente afastá-la da mansão por tempo o bastante. Mas não conseguiu chegar a uma conclusão. Quando percebeu que tinha virado seus olhos para dentro da mansão e encarava alguém com as sobrancelhas juntas em confusão, não teve dúvidas de que ela tinha visto Duan.
“Merda!” pensou Brittany, escorando sua cabeça no volante com a aflição e deixando algumas lágrimas de desespero rolarem.
Mas foi quando resolveu atravessar a rua que a mente de Brit se clareou. Ela enxergou ali a oportunidade perfeita, enxergou no movimento da menina miúda exatamente o que deveria fazer.
Sem mais dúvidas, Brittany pisou no acelerador...”


- Eu e a Brittany visitamos a enquanto ela estava inconsciente. Eu pretendia matá-la asfixiada, mas quando o médico disse que ela tinha sofrido danos cerebrais e perdido a memória, resolvi pagar pra ver. – Duan sorriu.

acariciava as têmporas com os dedos, para estimular sua memória.
“Vamos” ele pensava “Quem mais ficou desacordado naquele dia?”
Alguns rostos aleatórios passaram por sua mente, mas nada significativo... Até que uma frase em particular, dita por uma pessoa próxima, atingiu como se fosse uma bola de boliche.
Uma lembrança enterrada, que antes teria julgado inútil. Mas assim que pensou um pouco mais sobre o assunto, seu interior se congelou.
“- A culpa foi minha, na verdade. Se eu não tivesse bebido até desmaiar, o Duan não precisaria ter me arrastado pra casa, e nós poderíamos ter estado lá.” Josh dissera.
Mas não fazia sentido. Não podia fazer... Então, apunhalado por outra memória, sentiu o gelo dentro de si se transformar em uma erupção vulcânica.

“Melhores amigos não precisam necessariamente contar tudo um pro outro, não acha?”

- Eu não suporto – Duan disse com os dentes trincados, apertando ainda mais o revólver em sua mão na direção de . – ir às aulas e ver todo dia o fantasma de Ivane cometendo os mesmos erros...
pregou as costas no muro sem coragem de respirar. Não conseguiria mais enrolar Duan com sua conversa. Não conseguiria mais mantê-lo falando.
A menina respirou fundo, colocando a mão no peito para sentir, nem que fosse pela última vez, as batidas do próprio coração. As lágrimas, agora geladas, não deixaram de correr por suas bochechas durante nenhum segundo.
- Algum último pedido, ? – ele desafiou com um sorriso maníaco.
espremeu os olhos, tentando de alguma forma desaparecer daquele lugar. Mas era inútil. Continuava sentindo a tensão esmagadora e a aspereza do muro em suas costas.
Trêmula, voltou a olhar para Duan com os incisivos.
Era esse seu destino, então. Não devia temê-lo. Não devia ter medo da morte. Era isso o que a vida tinha planejado para ela, portanto não deveria se intimidar.
Esboçou um sorriso insolente, e com um guincho, respondeu:
- Eu quero que você morra.
E então, Duan apertou o gatilho.
fechou os olhos e tirou a mão do peito, esperando o impacto direto... Que acabou não vindo. Ao invés disso, sentiu como se um vulto tivesse se jogado em sua frente, e junto com ele, sentiu algumas gotas quentes lhe acertando o rosto.
Quando abriu os olhos ainda zonza, viu um corpo cair ao seu lado. Um corpo que fez com que suas mãos se transformassem em pedras de gelo.
No segundo em que se deu conta de quem era, o tempo pareceu parar. Tudo a sua volta ficou imóvel, inaudível. ouviu as pancadas de seu coração contra as costelas uma, duas, três vezes. E então não agüentou. Rompeu o universo paralelo em que se encontrava com um urro de dor:
- !
correu até o amado em um furor. Carregou o tronco de sem se importar com o peso, que era abafado pela descarga de adrenalina em que se encontrava. Virou o rosto do garoto para si, as lágrimas agora mais freqüentes que nunca.
observou os olhos pesados de , reparando enfim no líquido quente que escorria em seu vestido. , com esforço, virou seu olhar para , levantou uma de suas mãos e lhe acarinhou o rosto.
- Como deveria ter sido. – sussurrou. Fez força com a nuca até que seus lábios estivessem bem próximos dos dela dando-lhe um selinho simples, e assim, como o Romeu da peça teatral, pronunciou: - E com um beijo, eu me despeço da vida...
Quando fechou seus olhos e deixou a cabeça pender de lado, berrou. Um grito gutural que se confundia com seus soluços.
Duan observou a cena estático, sem conseguir mover um músculo. Quando se deu conta do que acabara de fazer, deixou o revólver cair, acertando o mármore com um alto som metálico. O loiro deu uma risada incrédula e quando viu o corpo mole de , jazido no colo de , despencou sobre os próprios joelhos.
- Margarida – sussurrou, engatinhando rapidamente em direção ao corpo do amigo. – Margarida... Margarida! – urrou ao chegar perto. E quando esticou seus dedos finos e gélidos para tocar a testa do amigo, algo lhe atravessou a testa.
conteve um grito quando sentiu o sangue de Duan esguichar em seu cabelo. Conteve um grito ao olhar para o rosto do loiro e ver, bem em sua testa, um enorme buraco de bala. Ainda assustada e chocada demais, ergueu os olhos para ver de quem tinha vindo o tiro.
Em pé, chacoalhando com o nervosismo e segurando firmemente a arma que o goleiro deixara cair, estava Brittany. Quando a garota abaixou o olhar para , ela caiu sentada, grasnando e chorando alto como um filhote de corvo.
se voltou para o rosto do amado, sujo de sangue, embora tranqüilo. Acariciou-lhe a face ainda entre soluços e sussurrou o que guardava para si mesma desde que o conhecera:
- Não me deixe, . Eu amo você.


Capítulo 28-

“Duvida da luz dos astros,
Duvida que o sol tenha calor,
Duvida até da verdade,
Mas confia em meu amor.”

William Shakespeare.

O som de água lhe acordou.
abriu seus olhos devagar, varrendo a sua volta. Estava no nada. Era exatamente esse o lugar onde estava... Nada.
Sentou-se, percebendo que estivera deitado em uma superfície sólida e gelada, coberta pela neblina densa do local. Não via início nem fim. Só uma imensidão gélida, enevoada e vazia.
Pôs-se de pé observando suas estes. Ainda usava o smoking preto que vestira para a ópera. Ao lembrar-se disso, levou as mãos na cabeça, que reagiu à memória com um forte latejar.
Ainda conseguia ouvir o barulho de água. Água. Talvez fosse para lá onde devesse ir, para perto da água.
Caminhou, sentindo seu andar mais leve do que nunca, para onde intuía que vinha o barulho. Depois de um tempo de sua andança, observou uma silhueta preta coberta pela névoa, sentada às margens de um lago.
Aproximando-se, percebeu que a sombra pertencia a uma mulher fina e esguia, que brincava com as águas turvas.
- ? – chamou.
Mas quando a garota inclinou a cabeça, atendendo ao chamado, sentiu que seus batimentos teriam se acelerado... Se ainda tivesse algum. A menina de longos cachos dourados se levantou com um sorriso débil, caminhando até ele e lhe envolvendo em um abraço saudoso. retribuiu, ainda incerto se o que via era realidade.
- Eu sempre – disse Iv. - Sempre ouvi tudo o que você me disse, meu amor.
arregalou os olhos. A lembrança de Duan apontando uma arma para aparecera nítida em sua mente. A lembrança da menina fechando os olhos para receber a morte. A lembrança de ter se jogado na frente e ter tido o peito perfurado.
- Eu morri? – perguntou em um murmúrio.
Ivane fitou-o com os olhos magoados. Era possível ver que ela segurava o choro.
- Ainda não.
- E onde nós estamos? – ele disse ainda absorvendo as palavras da menina.
- Na Passagem. – ela esclareceu. – É pra onde as pessoas que estão entre o mundo dos vivos e dos mortos vão.
sorriu frio.
- Claro.
- , será que você não entende? – ele voltou seus olhos para os suplicantes de Ivane. – Podemos ficar juntos pra sempre. Eu e você, como nós tínhamos planejado. Eu te amo.
olhou Iv dos pés a cabeça com o ar suspeito. Fixou-se nos olhos da loira erguendo uma sobrancelha. Sua face não estava nada satisfeita.
- Se me ama tanto, por que mentiu pra mim?
- Como? – ela pareceu surpresa.
- Por que disse que estava grávida, Ivane?
Ela ficou com a expressão de confusão durante algum tempo, mas depois retomou o fio da meada.
- Porque senão você nunca me perdoaria. Você nunca... Nunca teria me pedido em casamento.
- Eu te pedi em casamento porque queria dar um lar à criança, Iv.
- E eu disse que estava grávida porque queria me casar com você. Eu queria estar ao seu lado pra sempre. Quando nos casássemos, era só uma questão de tempo para que eu engravidasse de verdade...
- Você me fez de bobo.
- . – ela revirou os olhos. – Por favor. Eu nunca te fiz de bobo. Só queria que as coisas voltassem a fica bem entre nós. Quer maior prova de amor?
- Honestidade. – disse educadamente.
- Estou sendo honesta com você agora: eu te amo. Depois de todo esse tempo sem você, sem te ver... Eu nunca tive tanta certeza disso quanto tenho agora. Eu sei que você me ama também. Eu podia ouvir as suas preces. E agora, querido, podemos voltar a ficar juntos. Tudo o que você tem que fazer... – ela estendeu uma das mãos pálidas pra ele. – É segurá-la.
Nesse momento, outra voz feminina rompeu a Passagem. Uma voz distante, um eco, mas que foi o bastante para desviar a atenção de .
- ! por favor, não me deixe. , eu amo você! – gritava.
- Não dê ouvidos. – Ivane cortou. – Segure a minha mão, , e você vai ter tudo o que sempre quis. Eu e a morte.
A voz de ecoou novamente.
- Por favor, . Eu não sei se você pode me ouvir, mas eu te amo. Você não pode me deixar. Eu amo você, .
Com a feição de poucos amigos, Ivane repetiu.
- Ignore.

Enquanto isso, acomodava a prima em seus braços, na sala de espera do hospital.
- Vai ficar tudo bem, minha baixinha. – ele murmurava.
e estavam escorados na parede, olhando desolados para a sala de cirurgia onde estava sendo tratado. havia ido comprar um lanche para , durante a espera.
- Eu não acredito que por tanto tempo o discriminamos para terminar assim – os olhos de se encheram d’água. -, com o coração na mão para saber se ele vai ficar bem.
suspirou.
- Duan. Quem diria?
E assim outro longo silêncio voltou a se instalar entre os amigos. Todos com medo de tornar o clima ainda mais pesado do que já estava.
, vestindo algumas roupas confortáveis que tinha levado para ela até o hospital, era abraçada ainda mais forte pelo primo toda vez que soluçava.
Sua história de amor não podia acabar assim, ela pensava. Cadê o final feliz que tanto encontrava nos romances que lia? Agora estava lá, a beira da morte por ter se jogado na frente de uma bala para salvá-la. As coisas não deveriam ser assim.
Ele tinha que sobreviver.
Pensou no corpo de Duan enrolado por uma lona preta, quando as ambulâncias chegaram. Pensou em Brittany sendo arrastada pelo camburão, e nos policiais que agora iam atrás de Kimberly.
Ao notar que embaixo de suas unhas ainda havia sangue, voltou a chorar. Nem se importava mais com as faixas em seu ombro. Nem se importava com o fato de ainda haver sangue de Duan em seus cabelos.
O homem, aquele que ela amava, aquele por quem era desesperadamente apaixonada, estava morrendo. E morrer, ela sabia, significava nunca mais estar com ela.
Como passaria a vida sem mais ouvir suas risadas? Como ela lidaria com o fato de não poder mais ver o progresso de seus olhos, antes tão obscuros e agora tão brilhantes quando uma noite estrelada? Como seria não ouvir sua voz? Como seria não ouvi-lo dizer seu nome...
“Minha . Era o que ele sempre dizia. Mas ela sabia, no fundo sabia, que seu subconsciente nunca guardaria com lealdade o timbre de voz de . Como seria, dali em diante, passar os dias sem dividir sua vida com ele? Sem compartilhar longas conversas ou envolvê-lo em ternos abraços?
pensou no que nunca mais teria. Não teria mais o calor que sentia quando o via. Não teria mais o coração disparado pela mesma pessoa. Não teria o sabor de seus beijos.
Ela não seria mais a mesma pessoa.
Enquanto chorava baixo, para não interferir na recuperação de nenhum dos pacientes do hospital, ouviu sussurrar:
- “Em tempo algum teve um tranqüilo curso o verdadeiro amor”.

- Só basta – Ivane disse. – segurar a minha mão.
olhou vacilante da mão estendida de Ivane para seu rosto decidido.
“Então é isso?” ele pensou “A morte?”
lembrou-se de todas as vezes pelas quais chamou pelo fim. Lembrou-se das vezes em que pensou em suicídio, de quantas vezes sonhou em ser abraçado pela morte. Mas ali, revendo a mulher pela qual quase acabara com a própria vida, isso não parecia ter mais sentido. Ali, olhando os olhos mordazes de Ivane, clamar pela morte já era algo distante de sua realidade.
Ainda mais quando ouvia a voz de ecoando no fundo da Passagem. A voz baixa e desesperada. A voz que chamava por ele, que dizia que o amava.
Enfim tinha chegado a um ponto em que teria que fazer a escolha mais importante de sua vida.
Ivane, de um lado, com sua beleza mórbida e seus grandes cachos dourados. Seus olhos azuis ferinos voltados na direção do garoto quase lhe queimavam a pele. Em seu longo vestido branco, Whinsky parecia um anjo. Sim. Mas um anjo da morte.
Ela estava ali como representante do fim. Como representante do falecimento.
, por outro lado, estando presente apenas pela voz, representava toda a vida a qual ele revogaria se segurasse a mão de Iv.
e Ivane. A vida e a morte.
De repente para , tudo ficou escuro.

Alguns “bips” regulares insistiam em soar em seus ouvidos. Uma, duas, três vezes. Isso o estava incomodando tanto que fez questão de abrir os olhos.
Para sua decepção, isso seria mais difícil do que imaginava. Parecia ter algum peso de papel sobre suas pálpebras e o resto do corpo estava insensível.
Era isso. Tinha morrido.
suspirou com aquele entendimento, mas depois estarreceu. Ele suspirou! As batidas agora sensíveis, porém fracas, do seu coração também só podiam indicar uma coisa: ele estava vivo.
tentou novamente abrir os olhos, mas sem sucesso. No intuito de ser notado, tentou abrir a boca para dizer alguma coisa, mas ainda não sentia seus lábios. Apenas forçou o ar com a garganta, recebendo em resposta um pequeno ronco.
Como não ouviu nenhum barulho a sua volta além dos bips incômodos, resolveu que era necessário ver o que se passava. Precisava olhar. Novamente forçou suas pálpebras, recebendo como resposta positiva a invasão de suas pupilas por uma luz aguda.
O teto era branco. Foi a primeira coisa em que pensou assim que sua consciência voltou. Virou a cabeça com alguma dificuldade para seu lado direito, onde alguns aparelhos médicos estavam instalados. Ah, sim. Era daí de onde os bips vinham.
Moveu o corpo novamente para mirar seu lado esquerdo, e lá, com uma surpresa que acalentou seu interior, encontrou debruçada sobre o colchão onde estava deitado. Dormindo.
sorriu enquanto esticava seus dedos na direção da menina, para acariciar seus cabelos. Quando conseguiu dominar os movimentos de sua mão, tocou a testa de com maciez.
Mas isso foi o suficiente para que ela pulasse da cadeira de onde estava sentada, alarmada. Quando fixou seus olhos nos de , vivos e abertos, voltou imediatamente a se sentar, tomada pela emoção de vê-lo desperto.
- Ai, meu Deus! – ela disse com os olhos molhados. Seu sorriso se estendia de uma orelha a outra. – Eu não acredito. Isso... Não é um sonho. , você está bem! – ela gritou. – Ah, céus! Eu tenho que avisar as enfermeiras. Eu tenho que chamar a Martha.
se levantou esbaforida seguindo até a mesa de cabeceira e telefonando rapidamente alguns números no telefone branco, assim que deu seu recado, colocou-o novamente na base e olhou o garoto, que lhe sorria fracamente.
- , - colocou a mão em sua bochecha. – o que você está sentindo? Está com dor em algum lugar? Está com fome?... Mas que tipo de pergunta é essa? – disse para si mesma, rolando os olhos. – É óbvio que você está com fome. Não come nada há uma semana! Eu vou pedir pra Martha trazer...
colocou o dedo indicador mansamente sobre os lábios de . Olhou-a com seus olhos aveludados e proferiu:
- Já te disseram que você fala demais?
- Acho que alguém já disse, só não consigo me lembrar quem. – ela sorriu.
apoiou-se nos braços para se sentar, e quando assim fez, recostou-se no encosto na cama.
- O que aconteceu?
o olhou atônita durante alguns segundos.
- Vocês não de lembra de nada?
- Lembro. – ele falou com pesar. – Quero saber o que aconteceu depois daquilo.
- Ah, bom... – olhou pra baixo, tentando encontrar palavras para dizer o que queria. – A Brittany foi presa. Kimberly, o porteiro e até aquele traficante... Finn. Estão todos na cadeira.
consentiu, depois seu olhar ficou vago.
- E o Duan?
mordeu o lábio inferior, esticando seu braço direito e segurando a mão do amado com delicadeza. Olhou-o profundamente nos olhos e disse baixo:
- , ele morreu.
abaixou o olhar, sentindo o embaçado lhe preencher as vistas. Depois de clarear sua visão ao deixar duas lágrimas sofridas rolarem, votou a fitar .
- Como?
- Ele deixou a arma cair quando te atingiu. E ao vê-lo já sem cor, Brittany se desesperou e... – as bochechas de estavam coradas, seus olhos nebulosos.
entendeu o que ela quis dizer, soltando um longo suspirou e limpando suas bochechas molhadas com as costas das mãos.
Apesar do que tinha feito, Duan sempre fora e sempre seria seu irmão.
- Por que ele assassinou Ivane? – quis saber.
- , os psicólogos encarregados chegaram à conclusão de que... Quando os pais de Duan faleceram no acidente de carro, ele ainda estava formando sua identidade, sua personalidade. E foi então que você apareceu. Seu melhor amigo. A única pessoa que ele tinha... Alguns exames feitos há alguns anos pelo psicólogo particular da família Adams comprovavam que ele tinha distúrbios mentais. Duan desenvolver um sentimento de posse e obsessão sobre você. Não tinha como ninguém saber...
- E ele não me suportava ver amando outro alguém. – completou com o ar dolorido. – Entendo... Mas isso não explica o porquê de ele ter assassinado a senhora Paskin.
respirou fundo.
- Ela encontrou um papel enquanto organizava as folhas de detenção. Um papel onde dizia que, no semestre anterior ao assassinato – fechou os olhos com aflição ao pronunciar -, Duan e Ivane tinham sido encontrados juntos no banheiro feminino. Ele matou a Paskin para que ela não levantasse suspeitas para o lado dele.
levantou as sobrancelhas, deixando transparecer a sua surpresa.
- Me desculpe se eu te magoei, esse era a última coisa que eu queria, mas...
- Não magoou. – ele sorriu torto.
- Brittany foi responsável por atropelar . Não creio que se tenham provas contra isso, mas quanto ao assassinato de Duan... Disso ela não pode escapar. Além do mais, entregou os documentos em que ela e Kimberly ordenavam uma droga ilícita.
- Então realmente era tudo parte de um complô. – ele deu uma risada seca. – É entendível. Ivane nunca foi uma pessoa adorável.
O olho direito de expulsou uma lágrima, que correu lentamente por seu rosto.
- Olha, eu sinto muito. Sinto muito por tudo. Sinto muito pelo que você está passando, sinto muito por você ter tido que se jogar na frente de um revólver pra me salvar. Eu não queria nada disso. Nunca quis que você sofresse. , eu...
E então alguém abriu a porta do quarto. Era Martha com um doutor em seu encalço.
Quando terminaram de medir a pressão de e constataram que o menino estava saudável, a mulher rechonchuda se ofereceu para buscar uma sopa pra ele. Martha estava maternalmente preocupada com , o tempo todo querendo saber se o travesseiro estava confortável ou se ele queria que ela instalasse TV a cabo no quarto.
aceitou a sopa, depois disse que queria um pouco de sossego. Não estava bem para se submeter aos demais exames naquele dia.
Assim que Martha e o médico saíram do quarto, voltou-se para com um sorriso secreto no rosto, seguido por um olhar penetrante.
encarou-o em interrogação.
- Eu não esqueci a resposta que você me deve.
corou.
- Ah, isso.
- É. Isso. – falou enfático.
A menina respirou fundo.
- Eu não vou te dar a resposta agora, . Só vou dizer quando você melhorar.
olhou-a cabisbaixo. Transpareceu em seus lábios um sorriso conformista.
- Isso significa que ficarei de coração partido?
riu.
- Isso significa que só vou te dizer quando você melhorar. Talvez você use a curiosidade como estímulo para se curar depressa.
Ele analisou a menina de cima a baixo. vestia um sobretudo bege de botões pretos por cima do que parecia um vestido branco. Sua postura estava nervosa. Suas mãos juntas e apertadas sobre o colo. Nas bochechas, vestia um leve tom de rosa.
- Enquanto eu estava desmaiado – disse baixo, ainda incerto se deveria tocar no assunto. – jurei ter ouvido você dizer...
- O quê?
- Jurei ter ouvido você dizer que me amava. – o leve tom rosado nas bochechas de se tornou um escarlate. – Sou muito tolo por pensar algo assim?
Ela deu um riso envergonhado.
- Imaginar coisas como essa não é tolice, .
se recolheu, olhando para as pernas cobertas pelo lençol azul e chegando a conclusão mais óbvia que aquela situação o permitia: ele tinha sonhado com isso.
Antes que pudesse se pronunciar novamente, se colocou de pé.
- Já está tarde. – olhou o relógio. – Tenho que ir. Não tenho permissão pra passar a noite aqui com você consciente.
se aproximou do colchão onde se encontrava reclinado. Aproximou seu rosto do dele vagarosamente e lhe deu um selinho solene, sentindo com satisfação o calor dos lábios do rapaz.
- Se você não vai passar a noite aqui – começou a perguntar assim que ela afastou o rosto do seu. -, quem vai?
A maçaneta girou rapidamente, revelando o rosto de um garoto lácteo e magrelo. sorriu assim que os viu.
- Boa noite, flor da noite. – sorriu pra , que deu uma risada fraca.

revirou-se no sofá onde estava deitado pela milésima vez, sem conseguir pregar os olhos. A luz da lua era a única iluminação do quarto de hospital.
Virando para o lado contrário de , enroscado nos lençóis azuis, estava .
- Hm... ? – perguntou, sem obter nenhuma resposta. – ? você está acordado?
deu um muxoxo, depois se virou para com os olhos brilhosos cravados em seu rosto.
- Agora estou.
- Ah, desculpe. – falou sem graça.
Quando balançou os ombros para voltar a se virar para o outro lado, prosseguiu:
- É que eu estava pensando...
- No quê, ?
- No quanto eu sempre estive errado a seu respeito. Eu sinto muito por isso. Não queria ter sido injusto hora nenhuma.
- Não é sua culpa. – a voz de saiu abafada pelo cobertor. – Eu também não deixaria se aproximar de nenhum suspeito de assassinato. Você só fez seu papel de bom primo.
sorriu leve.
- É, eu sei. Mas não deu muito certo já que tive que injustiçar alguém.
- Eu compreendo seu lado, mesmo. – falou fechando suas pálpebras. – eu só... Preciso dormir um pouco agora.
- Ah, claro.
concordou imediatamente. Depois de um tempo olhando o teto iluminado do quarto e se decidindo se colocava ou não sua canela para fora do cobertor azul que tinha levado, voltou a falar:
- Hm, ? – esperou a resposta durante algum tempo, que veio em forma de ronco. sorriu carinhoso, depois completou: - Eu só queria agradecer.

Três dias depois, liberado para voltar pra casa, foi recebido pelos amigos na porta do hospital.
O Fiesta vermelho de já estava aberto para recebê-lo, assim como os braços de , , , e .
- Que bom que está melhor, ! – disse recepcionando-o com um buquê de rosas amarelas e lhe dando um abraço apertado.
- , tenho que admitir que você foi muito corajoso. – a próxima na fila do abraço era . – O que você fez pela Iv... Não, o que você fez pela é indescritível. Você conseguiu provar que a nobreza é algo difícil de se encontrar, . Ainda mais em tanta abundância quanto você possui.
era o próximo, aproximando do menino e lhe dando alguns tapinhas nas costas.
- Nunca pensei que poderíamos ficar tão preocupados com você, mate. Você precisava ver a cara com que todos estávamos durante a cirurgia. Era de assustar!
sorriu, agradecendo a atenção e o carinho de todos.
- Eu sabia que você não ia morrer! – gritou, abraçando-o ainda mais apertado que . gargalhou. – Eu apostei dez reais com a Kelly Sparks que você saia dessa sem nenhum hematoma. E adivinha só? Nunca recebi dez reais com tanta felicidade na minha vida.
gargalhou ainda mais, virando seus olhos para e estendendo-lhe a mão.
- Amigos? – perguntou.
sorriu.
- Para o que der e vier. – e chacoalhou a mão do rapaz.
varreu sua volta com os olhos, sentindo uma pontada no coração por não ver uma pessoa em particular. Uma pessoa que, durante os três dias que se passaram, não tinha ido vê-lo no hospital.
- Cadê a ?
Os amigos se entreolharam. Ficaram alguns segundos em silêncio até que respondeu por todos:
- Ninguém sabe. Tentamos contatá-la, mas... Não obtivemos nenhum sucesso.
abaixou a cabeça, deixando a decepção e a mágoa tomarem conta de seu corpo.
Então de fato, a resposta da garota seria “não”. Ela não o amava como pensava. Se amasse, com certeza estaria preocupada com ele e a sua espera. Pelo menos era isso o que achava.
- Vem, . – falou, tirando uma mala de roupas que estava na mão de e alojando-a no porta-malas do carro. – Eu te levo pra casa!

Longe dali, contemplava os escritos cravados em um mármore negro, no cemitério West Norwood. Abaixou-se para tirar um pouco da neve que cobria a data de óbito da garota, olhando com os olhos embargados seu nome:
“Ivane Cornélia Whinsky”.
- me disse – começou, vendo um vapor de água se formar na frente de seu rosto. – que cada flor tem um significado. Eu não estou muito certa do que elas querem dizer, mas quando pesquisei na internet, disseram-me que as rosas rosadas significam gratidão. Estou trazendo aqui pra você, Iv – tirou uma rosa de dentro do sobretudo preto. – essa flor para expressar o meu agradecimento. Se não fosse por você eu não teria me aproximado tanto dos melhores amigos do mundo. Se não fosse por você, eu não teria conhecido o homem que... Bem, se tornou o guardião de todo o meu amor e paixão. O homem que eu amo mais do que amei qualquer outro. – colocou a rosa em cima dos montes de neve que cobriam a terra. – Você era realmente uma garota de sorte e eu te agradeço muito, Ivane Whinsky.
Quando deu as costas e começou a caminhar pelo tapete branco de gelo, em direção ao Civic prateado, sentiu um vento cortante e diferente dos demais passar por seu rosto.
sorriu, sabendo que, aonde quer que estivesse, Ivane tinha recebido a mensagem.

Depois de alguns minutos, estacionou o carro vermelho na frente de um grande prédio em Dockland. Olhou para pelo retrovisor, sentado no banco de trás. , no banco do carona, sorria generosa.
- E é aqui que nós ficamos.
olhou saudosamente o apartamento, sentindo seus olhos ficarem quentes durante alguns segundos. Conteve seu choro, abrindo a porta do carro e se dirigindo ao porta-malas para pegar sua mala. Assim que a pegou, aproximou-se da janela de .
- Muito obrigado pela carona. Espero que vocês sejam uma família muito feliz.
corou enquanto abria um sorriso enorme.
- Seremos.
caminhou até a recepção, onde o porteiro o recebeu tirando o chapéu, em sinal de cumprimento e respeito. Ele respondeu com um aceno de cabeça.
Girou a chave do seu apartamento sentindo a exaustão lhe alcançar. Ainda sentia o peito e as costelas doloridas, e por mais que sentisse falta da caminhar com Spike, teriam que adiar o passeio para outro dia.
Foi daí que outro tópico invadira sua mente. Spike. O amigão deveria estar faminto.
Quando puxou a maçaneta, esperando que o cachorro aparecesse correndo e pulasse em seus ombros, foi decepcionado pelo silêncio. Nenhum sinal de Spike.
entrou no loft, examinando o local onde a comida de Spike geralmente ficava. Sua tigela estava cheia. Virou seus olhos para o outro lado e tampou a respiração quando viu observando a cidade por sua parede de vidro, sentada no chão enquanto acariciava o Golden.
estava imersa pelas luzes que via sem ter movido uma palha quando ele entrara no apartamento. deduziu, então, que ela ainda não o havia percebido.
Fechou a porta com cuidado e caminhou até ela a passos de formiga, para que a menina não despertasse de sua ilusão. Quando chegou, sentou-se atrás da garota e sussurrou em seu ouvido:
- Eis a minha dama. – viu arrepiar. – Surge, formoso sol, e mata a lua de inveja, que se mostra pálida e doente por ter visto que és mais formosa que ela.
sorriu, escorando a cabeça no peito de e suspirando ao ouvir sua citação de Shakespeare.
- Ai de mim. – ela completou com a frase de Julieta.
abraçou-a por trás, passando carinhosamente o nariz em seu pescoço enquanto sussurrava:
- Fala de novo, anjo brilhante.
- , . Por que és tu, ?
citou outro trecho de Romeu e Julieta que tinha aprendido durante seu trabalho. Preferia manter as coisas assim, enquanto ainda falavam sobre Shakespeare. Se mudassem de assunto, a resposta que teria que dar a ele, aquela que fazia seu coração disparar e suas bochechas enrubescerem, teria que ser dada logo.
- Continuo ouvindo-a mais um pouco ou será que lhe respondo? – falou como se para si mesmo.
- , risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteira.
aninhou ainda mais a menina em seus braços, chegando a boca perto de seu ouvido e sussurrando, dessa vez não como Romeu, mas como .
- Dá-me o nome apenas de amor e ficarei rebatizado. De agora em diante, não serie mais . – expirou fechando os olhos e assim ficou durante um largo momento. apenas acompanhou a respiração da menina, até reaproximar seus lábios de seu ouvido e novamente sussurrar: - Namora comigo.
abriu os olhos envergonhada e virou seu tronco até que estivesse de frente para o dele. Quando pôde mirar o olhar abrasado de , sorriu e lhe disse o que estava guardando para si desde a fatídica ópera:
- Se você me perguntasse mil vezes, mil vezes eu diria sim.
sorriu. O sorriso mais feliz que já tivera durante toda sua vida.
Seu coração estava feliz, em paz. Para era impossível descrever a sensação de se pertencer a algum lugar. E ele sentiu que pertencia ali. Pertencia àquela garota, àqueles amigos.
Ele tinha amigos. Amigos verdadeiros, que não lhe queriam mal. Amigos que o recebiam no hospital. Que se preocupavam com ele. Que choravam por ele.
Tinha ao seu lado, para caminhar com ele, a menina por quem era, e sempre tinha sido, apaixonado. Acreditava que o amor despertado por tinha feito parte dele desde que nascera, mas só então pode surgir com tamanha intensidade.
Pensava sobre tudo isso enquanto mergulhava no beijo mais apaixonado e fervoroso...

Quatro meses depois...

andava de um lado para o outro no corredor branco, com a impaciência. Olhava o relógio de cinco em cinco segundos, sem conseguir conter a ansiedade que sentia.
- , - disse em seu “educado agudo” – você quer fazer o favor de sentar?
Ela, , e estavam sentados nas cadeiras verde-água da sala de espera. Os casais estavam com as mãos dadas, vez ou outra trocando um olhar carinhoso. , que era o único sozinho, caminhava a passos largos da esquerda para a direita, sem se cansar do movimento.
- Eu não consigo. – falou com a voz desesperada. – Eu estou muito ansioso.
- Mate, se eu fosse você eu sentava – aconselhou. – Daqui a pouco é você quem vai ter um...
Mas antes que ele terminasse a frase, um senhor de aparentes cinqüenta anos, com um longo bigode cinza, saiu pela porta verde-claro, na frente da qual todos estavam. Os amigos se levantaram, observando o homem com a feição séria. O jaleco branco que ele vestia, além de seu porte elegante, reforçava ainda mais seu ar de profissionalidade.
- Vocês podem entrar – ele deu um passo para longe da porta. Quando segurou a maçaneta esbaforido, o médico alertou. – Mas em silêncio.
O quarto estava banhado com a luz do sol, que passava pela janela quadriculada. estava debruçado sobre o colchão onde estava sentada, carregando um pequeno embrulho de lençóis azuis no braço.
estava com os olhos molhados, o que não era nem de longe como estava: emocionado de tão forma que mal conseguia abrir os olhos sem que esses derramassem lágrimas.
esgueirou-se até o lado do amigo, esticando a cabeça para ver o rosto do pequeno neném.
O pedaço de gente era gordinho e rosado. Seu único tufo de cabelo, enrolado na cabeça, assemelhava-se aos que possuía quando era mais novo.
- Posso carregar minha afilhada? – cochichou.
consentiu passando o pequeno embrulhinho para seus braços. sentiu os joelhos fraquejarem ao sentir o calor emanado daquela criaturinha. Deu um sorriso maior que o rosto e a levou até onde os demais amigos estavam esticando-se para mirar a recém-nascida.
- disse com os olhos empoçados. -, ela é maravilhosa!
- É, não é? – foi a vez de dizer. – Vou ter que ficar de olho na minha pequena Chelsea.
- Chelsea. – falou sorrindo e enrolando ainda mais o cachinho da criança com o dedo. – Devia ter suspeitado que seria a sua escolha.
, ao ter o bebê a sua frente, acariciou a cabecinha de Chelsea, observando o quão pronunciada suas bochechas eram. , apesar de completamente sem traquejo fosse com adultos ou bebês, apenas esticou seu dedo indicador na direção do neném. Quando encostou no peito arfante de Chelsea, a pequenina segurou-o.
o olhou com um sorriso cheio de admiração e carinho, depois se virou para o bebê, que se esforçava para abrir os pequenos olhinhos.
- Gente, olha! – deu um grito sussurrado. – Ela tem os olhos azuis. , ela tem seus olhos azuis!
sorriu terno, olhando para que estava se desmanchando em lágrimas. Ao abraçá-la de lado, cochichou:
- Eu sempre disse que a filha era minha.
- Seu sangue ou não, ela sempre foi.
Então se selaram seus lábios em um beijo apaixonado.
, ao ver a cena, falou afetado.
- Acho que está na hora de sairmos do quarto, Chel. Imagino o quanto seja nojento ver mamãe e papai na maior agarração.

Caminhando pelo parque Russel, depois de terem saído do hospital, e resolveram descansar perto do lago. apoiou suas costas em uma das árvores e deitou a cabeça em seu colo, observando o rosto da menina.
Depois de um momento em silêncio, ele murmurou:
- Eu estive no céu.
olhou-o, surpresa com a fala do namorado.
- O quê?
- Quando Duan me atingiu com uma bala. Quando fiquei preso entre a vida e a morte. – ele esclareceu. – Eu estive no céu, .
Ela ficou calada durante alguns instantes, acariciando os cabelos macios de . Retomando a coragem, perguntou:
- E como foi?
olhou a amada nos olhos durante alguns segundos, depois, olhando para as nuvens, deixou seu olhar se esvaziar.
- Eu estive em um lugar cinza, gelado... Enevoado. Meu andar parecia tão leve quanto uma pena. Eu ouvia barulho de água, e quando me aproximei de um lago escuro, lá estava ela. Ivane.
sentiu um nó na garganta, fechando seus olhos durante alguns momentos. Depois de dar um pigarro, tentando desembargar a voz, perguntou:
- Então o seu céu era com a Ivane?
riu.
- O meu céu, , foi quando no meio de toda a escuridão daquele lugar, eu escutei sua voz. Ecoando de longe, mas ainda assim a sua voz. Chamando por mim e dizendo que me amava. – suspirou. – Sei que você já me disse que isso foi fantasioso da minha parte, mas não posso negar que esse foi o grande motivo pelo qual eu decidi lutar pela vida. Seu amor.
sorriu, voltando a sentir o coração disparado. Voltando a sentir as mãos suadas e todas as reações que tinha quando via .
- E se eu te dissesse – sussurrou. – que não foi fantasia?
fixou-a, com as sobrancelhas levantadas.
- Eu te diria que minha fantasia é agora.
- Na noite em que você levou o tiro, , eu entrei em desespero. Como eu não fazia idéia do que fazer, pensei que talvez compartilhar meus sentimentos mais íntimos com você naquela hora pudesse fazê-lo voltar. – acarinhou o rosto do rapaz. – O que eu disse era tudo o que eu sempre quis dizer desde a primeira vez. O que eu disse, , era exatamente o que eu sentia e ainda sinto.
se sentou, voltando a ficar de frente para e elevando seu queixo de forma a poder olhá-la nos olhos.
- E o que, exatamente, você disse?
fechou os olhos.
- Que eu te amo, .
sentiu seu sorriso secreto ser formado, mas interrompeu-o quando juntou seus lábios com os da garota.
- Eu te amo, minha .


Ato final

50 anos depois...

- Não. – Marissa disse, enfim levantando seus olhos do livro e cravando-os em mim. – Não, não, não! Como assim ela volta pro Brasil, vó? Como assim?
Por pior que possa parecer, seu olhar de desespero me causava algum divertimento. A verdade era que eu estivera esperando essa reação desde que a entregara meu pequeno livro.
- Mas vó, me diz, ela volta pra Inglaterra, não é?
Caminhei devagar, percebendo que minha saia negra estava mais justa do que eu pretendia. Sentei-me ao lado dela, na cama de solteiro do quarto de hóspedes, e acariciei seu rosto fino.
- Se ela não voltasse, você não estaria aqui.
Os olhos de Marissa se arregalaram, e então, num átimo, ela se sentou na cama.
- Não brinca! – ela falou boquiaberta.
Sorri para ela, que continuava extremamente delicada em suas vestes pretas, e neguei com a cabeça. Eu não estava brincando.
- Essa é a história de como eu conheci e me apaixonei pelo seu avô. – falei. – Essa é a história sobre a qual jornalistas e fãs especulam tanto, a história que eles nunca conseguiram desvendar.
Marissa ficou um tempo me encarando com a expressão ininteligível, com seus grandes olhos castanhos piscando mais depressa do que anteriormente. Eu segurei sua pequena mão, mas depois fui obrigada a virar meu rosto para o lado para dar uma tosse seca.
- Vovó... – ela piscou, batendo sua cortina de cílios umas nas outras. – Eu não imaginava.
- Ninguém imaginava.
Antes que ela pudesse começar a esboçar a fala que estava preparando, ouvimos batidas leves na porta do aposento. Viramos nosso tronco para olhar – minha neta, claro, com mais facilidade que eu – e nos deparamos com Dimitri, neto de .
Ele vestia sua blusa verde musgo, estampada com o nome de sua banda favorita. Seus jeans largos e desajeito me lembravam exatamente de como era quando tinha essa idade. Dezesseis anos.
- Ah. – ele disse, arregalando seus olhos ao me ver. – Bom dia, senhora .
- Bom dia, querido. – respondi.
Vi os olhos de Dimitri se desviarem para Marissa, que tinha se sentado no colchão assim que percebera a presença do rapaz. Minha neta tentou esconder de mim suas bochechas rosadas, mas era inútil. No ramo do amor eu já tinha bastante experiência.
- Hm... Marissa, eu vim te chamar pra dar uma volta no jardim. – então ele voltou a olhar pra mim. – Mas é claro que, se a senhora vir problema, eu não faço questão de atrapalhá-la...
- De forma alguma.
Marissa me agradeceu, despedindo-se de mim com um carinhoso beijo na bochecha e correndo até o namorado.
Namorado.
Quem poderia imaginar que um dia minha neta namoraria o neto do meu molengo.
Levantei-me da cama andando vagarosamente até a janela do quarto, que tinha uma vista direta para o portão da casa. Por trás das grades, eu podia observar uma multidão de pessoas e repórteres. Respirei fundo, mudando o foco de meu pensamento.
Era incrível como as coisas tinham mudado. Era incrível que, tudo o que eu conhecia quando era jovem, tivesse se alterado tanto. Eu não poderia dizer que foi em pouco tempo. Cinqüenta anos não era pouco tempo. Mas de qualquer forma, era como se tudo tivesse acontecido rápido demais. Era como se alguém tivesse corrido minha vida inteira diante dos meus olhos e eu não pudesse fazer nada para interferir.
e , por exemplo. O casal de amigos que nunca suspeitei que fosse se separa. No final do colegial, seguiu para uma grande universidade de direito em outro estado, enquanto resolveu se dedicar aos ideais de sua mais nova e ao mesmo tempo antiga banda. Com a entrada de , “Hey Dudes” nunca mais seria a mesma.
se tornou uma grande advogada. Acho que nem eu mesma alcançava as proporções de seu sucesso na área. Ela se casou com um engenheiro que conhecera na faculdade e agora é mãe de dois garotos.
, não me entenda mão, também não ficou sozinho. Casou-se com uma das várias modelos que conheceu durante as turnês, a que intitula de sua melhor amiga. Porém, ao contrário de , nunca teve filhos.
e continuam muito bem, obrigada. Casaram-se assim que se formaram no colegial, e com o sucesso da banda pôde sustentar a família que crescia. Depois de alguns anos, não eram mais apenas os pezinhos de Chelsea a preencher o lar de alegria. e tiveram mais dois filhos homens, sendo que um deles – para a imensa alegria do pai – tinha se tornado um jogador de futebol bem sucedido. Agora já eram quase bisavós. A filha de Chelsea se casaria em outubro desse mesmo ano.
.
Quando era pré-adolescente, na Highgate, era apaixonado por uma líder de torcida... Uma tal de Ashley, por quem cultivou um amor platônico até um ano antes de eu chegar a Inglaterra. Como uma fascinante jogada do destino, hoje estavam casados e tinham uma filha, Emma, mãe de Dimitri.
Com um suspiro doloroso, olhei a porta do quarto de hóspedes. Saí de lá dando pequenos passos, seguindo pelo corredor acarpetado da casa até o quarto do casal. O meu quarto.
Coloquei as duas mãos no batente da porta quando cheguei, olhando o aposento. Ainda era largo e espaçoso. Ainda tinha a mancha de vinho que derramara na parede em um dos nossos primeiros anos vivendo ali. A janela tinha a mesma vista. O tapete estava no mesmo lugar e a cama ainda tinha o mesmo cheiro.
Então por que parecia tão vazio?
Eu sabia que todos os meus amigos estavam me esperando no andar debaixo. Todos aqueles amigos que, depois de cinqüenta anos, eu ainda podia chamar de meus. Sabia que, junto com eles, estariam meus três filhos: Alana, Viola e David.
Eu sentia meu interior definhado. Sentia meu coração ferido e fraquejando a cada batida. Mas, ao contrário de uma lágrima – que era o que se esperaria dessa situação – minha face apresentou um sorriso.
De todas as promessas que me fizera durante nosso tempo juntos, apenas uma tinha ficado pendente:
Voltar pra casa.
É incrível como nossa vida é frágil. É incrível como nosso coração pode parar de bater por tão pouco. Foi incrível quando, naquela madrugada de domingo, recebi uma ligação do hospital.
Voltando da empresa de seu pai, onde tinha ido resolver assuntos pendentes, sofreu um acidente de carro. Um simples acidente de carro, que foi o responsável por acabar com toda a alegria, sonhos, dor e lembranças que ele tinha. Um acidente que foi o responsável por acabar com todas as lembranças que ainda poderíamos ter.
foi como um sonho bom. Daqueles dos quais nós nunca queremos acordar. Dos quais nunca queremos nos despedir. Mas há uma hora, a hora mais difícil, em que teremos que abrir os olhos. E anteontem, eu tinha aberto os meus.
Olhei no meu relógio de pulso as horas. Faltavam duas horas para o enterro. As pessoas me esperavam como anfitriã do velório.
Voltei a caminhar pelo corredor em direção as escadas e em seu topo, quando ali parei, observei cada um dos rostos que me fitavam tristemente.
e . e . .
Os mesmos olhares tristonhos de cinqüenta anos atrás. A mesma essência.
Sorri cordial a eles, com apenas um pensamento em mente:
Ao contrário do que acreditava em sua juventude, seu velório não seria vazio. Seus amigos estariam lá. Seus fãs estariam lá. Eu estaria lá, e choraria o equivalente a Highgate inteira.
Cheguei ao último degrau onde David, meu filho caçula, me recebeu com os olhos vermelhos. Ele me abraçou firme, enquanto eu afagava seus cabelos finos e macios, iguais aos do pai.
Assim que ele se afastou, pude olhar novamente, através da minha vista já gasta, a imagem mais próxima que existia do meu amado aos trinta e sete anos. Sorri para David, que ao contrário de mim, parecia incapaz de esboçar qualquer movimento que espelhasse felicidade.
Alana e Viola me alcançaram em seguida, apertando a mim e ao irmão em um abraço conjunto. Alana, sempre a mais emotiva, dava soluços altos e gemia palavras desconexas.
Viola, como mais velha, tentava passar aos irmãos a melhor imagem que podia de controle.
E assim, como meus três filhos, amigos e família foram se aproximando de mim para me entregar seus “pêsames”.
Confesso que fiquei estática enquanto faziam isso. Imóvel, inexpressiva, como uma boneca de plástico. Às vezes eu conseguia sorrir e dizer algum: “obrigada”, mas o resto simplesmente se tornou um grande branco.
Pêsames.
Creio que nem eu sentia isso por mim mesma. Sabia que, onde quer que estivesse, estaria feliz. Ele enfim tinha conhecido a morte e bem mais tardiamente do que almejava quando nos conheceram.
“Obrigado por me salvar”, tinham sido as exatas palavras de em nosso casamento.
E o único pesar que eu tinha era de, dessa vez, não poder tê-lo salvado.

Pedi para que todos fossem pra suas casas.
Eu estava bem, garanti, não precisava que outras pessoas fossem passar a noite comigo para o caso de eu me sentir sozinha. Pedi encarecidamente para meus filhos que voltassem para suas famílias.
Caminhei até o quarto do casal, pensando na grande falsidade por trás daquela solidariedade. Para afastar a solidão eles passariam a noite comigo um, dois, talvez até três dias. Mas a saudade tinha se adiantado. Ela me acompanharia eternamente.
Sentei na cama segurando um pires, onde uma vela se apoiava. A forte chuva do lado de fora tinha acabado com a eletricidade, e a única forma de que eu enxergasse meu caminho de volta era com o auxilio daquela pequena chama.
Pequena, mas efetiva. O queimar do pavio iluminava todo o quarto, mesmo que de maneira fraca, fazendo com que eu me sentisse na penumbra. A chama oscilava, de modo que minha sombra também se movesse.
Em frente a minha cama, um espelho. Mirei meu rosto já enrugado. Meus cabelos curtos, agora em um tom de castanho claro, estavam atrapalhados na cabeça.
“Tenho que arrumá-los antes que o ...” Mas ele nunca ia chegar. Ele nunca ia ver.
Tirei minhas pantufas, passando minhas pernas por baixo das cobertas e sentindo elas se aquecerem. Estendi minha mão para pegar, ao lado da vela em meu criado mudo, a foto que eu guardava com mais carinho:
tinha saído péssima. Estava reclamando de alguma brincadeira que os garotos fizeram, então tinha saído falando. Seus cabelos pretos e curtos eram mais azulados do que atualmente. Seu corpo miúdo conseguia ser ainda mais fino e esguio que hoje. , a seu lado, olhava-a com olhos tão ternos e apaixonados que era impossível acreditar que não tivessem ficado juntos. Seus cabelos loiros eram ressaltados por uma única mecha negra, que tinha feito questão de que fosse na franja. Seu sorriso singelo reluziu à luz da máquina.
O próximo era .
Ele também não tinha saído muito bem devido a gargalhada que dava da brincadeira de . O castanho de seus olhos, semicerrados graças à proporção do sorriso, mal podia ser distinguido. Seu cabelo loiro acinzentado, assim como os de seu neto Dimitri, estava completamente desordenado.
também ria, mas com os olhos azuis e infantis bem voltados para a câmera. A seu lado, – de longos cabelos amarronzados – carregava a pequena Chelsea e tentava disfarçar um sorriso.
No canto direito da fotografia, estávamos eu e . Abraçados e nos olhando com cumplicidade. Ele, com seus longos cabelos castanhos, esboçava um sorriso esperto. Eu, ao lado, jovem, bonita e saudável, tudo o que eu já não era hoje, apenas reagia a seu corpo. Eu estava inclinada em sua direção, com um sorriso largo e o brasão da Highgate, em meu uniforme, quase totalmente escondido por meus cachos achocolatados.
Uma gota em meus olhos, uma lágrima, desceu por minha bochecha, levando com ela toda a minha saudade, meu sofrimento, minha dor.
Coloquei novamente a foto no criado mudo, recostando-me nos travesseiros altos para tentar dormir. Mas eu sabia que, como nas outras noites, fechar os olhos e sonhar seria impossível. O meu lado direito estava vazio e frio e não havia nada que eu pudesse fazer para reverter àquela situação.
- Lembro-me – falei sussurrado. – de quando eu chamei por você e você veio ao meu encontro. Na casa de Scott. Pergunto-me que se eu fizesse a mesma coisa hoje, você viria me encontrar. Eu não sou mais tão bonita, meu querido. Nem, provavelmente, tenho mais nada a lhe oferecer. Mas eu queria que você estivesse aqui, .
E quando me virei para apagar a vela, ouvi um barulho próximo a janela. Um guincho vindo da cadeira de balanço me fez imediatamente voltar o olhar naquela direção.
Para minha surpresa, ainda que eu estivesse velha e devagar, lá estava ele, atendendo o meu chamado.
Meu estava parado na frente da janela, tão lindo quanto eu lembrava que ele era em nossa época de juventude. Vestia seu uniforme da Highgate da mesma forma como eu havia guardado em minha mente: a calça de pregas preta, a gravata vermelha e as mangas do terno arregaçadas.
Seus olhos negros, mais brilhantes do que nunca, fitavam-me com um misto de curiosidade e fascínio. Em seus lábios estava estampado seu típico sorriso malicioso, do qual eu me lembrava de ter visto tantas vezes.
esticou uma das mãos em minha direção e abriu a boca para falar, sua voz tão nítida e profunda como se estivesse realmente presente:
- Com medo, ?
Eu sorri, levantando-me e andando até ele a passos de tartaruga. Segurei sua mão, quente, sólida e macia como a do meu de dezoito anos:
- Eu não tenho medo de você, .

Fim.



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Nota da Beta: Nossa, nem sei o que escrever aqui, sério. Minha história com Ópera é antiga e com a Lan mais antiga ainda. É meu o segundo comentário na fic lá no FFOBS e eu acompanhei todo o crescimento e desenvolvimento da história. Dessa brilhante história. Antes de ser beta, antes mesmo de fazer o próprio teste do FFOBS, eu já acompanhava, tipo fã mesmo. E então eu passei do teste, virei beta e me vi com essa preciosidade em minhas mãos. Vocês não têm noção do meu orgulho de fazer parte dessa história, de ter o privilégio, de ter o ‘poder’ de levá-la até vocês. Me sinto quase a madrinha de Ópera, desculpem, mas eu me sinto. No meu último comentário em outra fic da Lan, We’ll Be a Dream, eu disse que ela tinha um talento e não deveria desperdiçá-lo e ela vem com Ópera, que serviu para dar mais certeza ao que eu tinha dito e preciso dizer novamente: Lan, você nasceu pra isso. Você tem um dom, um talento nato e não pode nem pensar em não aproveitá-lo. Nós, meros mortais comparados a você, temos o direito de continuar lendo suas histórias maravilhosas. Lan, você estava comigo quando eu comecei essa caminhada, quando me aventurei nesse mundo louco de fictions e isso me deixa muito feliz. Saber que eu pude compartilhar tudo com você, saber que de alguma forma eu posso fazer parte dessa sua loucura é gratificante. Você foi minha companheira, minha conselheira, minha autora... Não sei como te agradecer. Acho que todas concordarão comigo quando eu disser que preciso, preciso mesmo, de outra história sua. Seja sobre amigos, assassinato ou qualquer outra idéia mirabolante, o que importa de verdade é viver no mundo que você criou. Obrigada por nos dar Ópera.

Qualquer erro nessa atualização é meu, só meu. Reclamações por e-mail, nada de e-mails para o site, ok?

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