- Vamos logo, Halls! Já estamos atrasados! – Charlie gritou da porta de entrada.
Eu me olhei no espelho outra vez, analisando meu cabelo.
- Já estou indo! Só preciso colocar os brincos... – Eu gritei de volta para ele, tateando na primeira gaveta à procura dos acessórios.
- Mamãe, vovó no telefone! – David entrou correndo pelo banheiro, segurando o telefone sem fio em uma das pequeninas mãos gorduchas.
- Oi, ! Sinto muito pelo atraso... – Eu comecei a dizer. – O Char se esqueceu de comprar o tender que você pediu, então eu precisei correr até o mercado.
Ouvi um pequeno protesto próximo. Virei-me e lá estava o Charlie, encostado no batente, franzindo a testa para mim em uma expressão de pura desaprovação. Levantei os ombros e fiz minha melhor cara de santa.
- Certo, já estamos indo! – Desliguei o telefone apressada.
Olhei para o meu futuro marido emburrado.
- Eu não queria te entregar, Char. Mas era você ou eu. – Aproximei-me dele e beijei seus lábios de leve.
- Vamos! – O David reclamou, cruzando os bracinhos e fazendo bico.
- Vamos sim. Este banheiro é pequeno demais para nós três! – Eu empurrei os dois porta afora, ainda com os brincos nas mãos.
- Aposto que já estão todos lá! – Charlie resmungava enquanto pegava os casacos.
- Não irão se importar em nos esperar um pouco. – Eu disse, enfiando minhas luvas pretas nas mãos.
Ainda não estava nevando lá fora, mas ainda assim o frio era absurdo. Vesti meu sobretudo preto e amarrei-o fortemente à cintura, por cima do vestido de festa.
Olhei para o Charlie enquanto ele enfiava o próprio casaco, percebendo o quanto ele estava lindo em suas roupas sociais.
David também parecia ser um pequeno príncipe que saíra de algum conto de fadas.
Nós três demos uma última olhada em meu apartamento de Cambridge e saímos para o corredor.
- Papai Noel vai vir? – David perguntou, puxando-me pela mão enquanto o Charlie trancava a porta.
Eu abaixei-me e olhei em seus olhos inocentes.
- É claro que vai, querido.
David me abraçou com força, parecendo radiante.
Charlie aproximou-se de nós e apertou o botão do elevador.
- Estou ansioso para ver o Mark. Aquele babaca não dá notícias há meses! – Disse Charlie.
- O que é “babaca”? – Perguntou David.
- Não é nada, meu anjo. – Eu lancei um olhar mortal ao meu noivo mal-educado.
Charlie desviou o olhar e abriu a porta do elevador para nós.
- Vamos. Aposto que vai estar engarrafado perto do centro de Londres.
- Eu SABIA que o trânsito estaria assim. Nós tínhamos que ter saído mais cedo! – Charlie disse, batendo violentamente no volante.
David arregalou os olhos no banco de trás, assustado.
- Você pode ficar calmo? Ainda são sete horas! – Eu disse.
- Não importa! Se houvéssemos saído mais cedo, não estaríamos presos aqui!
- E de quem é a culpa por estarmos atrasados? Foi você quem se esqueceu do tender, pra começo de conversa! – Eu rebati nervosa.
- Eu nunca vi ninguém demorar tanto em um supermercado como você. Mas que MERDA! – Charlie buzinou para o carro da frente.
- É Natal, Charlie! Eu tive que PROCURAR o tender, porque todo mundo já havia comprado o seu!
- Você foi fabricá-lo, então?
- CHEGA! – David gritou, tapando os ouvidos. – Eu estou com FOME!
- Tudo bem, querido. A vovó com certeza preparou uma ceia maravilhosa para nós. – Eu disse, virando-me para trás e acariciando seus cabelos ruivos.
- Já sei! – Charlie disse sorrindo. – Acabei de me lembrar de um atalho logo à frente. Podemos tentar chegar lá através dele.
- E se estiver pior do que aqui?
- Impossível. – Ele declarou, acelerando o carro e entrando em uma pequena ruazinha na esquina.
- O que é aquilo, mamãe? – Perguntou David, apontando pelo vidro do carro.
Eu olhei em direção ao pequeno prédio que ele indicava. Era cinza e baixo, com um pequeno quintal e algumas árvores em volta. Podíamos ver crianças correndo através das janelas iluminadas, e uma pequena e singela árvore de Natal (em desproporção aos outros enfeites da rua) postava-se na varanda de madeira polida..
Procurei por uma placa indicando o que seria aquele edifício, e a encontrei logo acima da entrada.
Dizia “Orfanato Anne-Marie”.
- Aquilo é um orfanato, David. É uma espécie de casa para crianças que não tem pai ou mãe. – Eu expliquei, sentindo um nó se formar em minha garganta.
David inclinou a cabeça para o lado, parecendo pensativo.
- O papai tem dois pais e uma mãe. Elas não têm nada? – Perguntou ele, franzindo a testa.
Eu suspirei.
- Sei que parece injusto, mas às vezes é assim que acontece, querido.
- Será que o papai Noel vai vir aqui? E se elas não ganharem presentes? – David perguntou, encarando-me com seus grandes olhos cheios de água.
- É claro que ele vai vir. O papai Noel tem uma lista com os nomes de todas as crianças, não lembra? – Charlie disse, sorrindo para o David através do espelho retrovisor.
David assentiu para o pai, ainda indeciso. Ele não tirou os olhos do orfanato Anne-Marie até que virássemos a curva.
Assim que chegamos à casa de e , eu senti um aperto de saudade no peito. Eu havia vivido tantas coisas entre aquelas paredes, tanto boas quanto ruins.
Charlie estacionou o carro na rua, pegou o tender no porta-malas e trancou as portas.
Nós dois demos as mãos a David e caminhamos até a porta de entrada, onde havia pendurada uma enorme guirlanda de Natal.
- AH, FINALMENTE! – me abraçou assim que passamos pelo batente. Ela estava deslumbrante com o vestido vermelho que Julie havia lhe dado de aniversário.
- Vovó! – David jogou-se nos braços dela.
- Oi, mãe! – Charlie disse, beijando sua testa.
- Finalmente vocês decidiram dar o ar da graça! – Joanna gritou do sofá, levantando uma taça de champanhe.
- Concordo plenamente, Jo! – Julie levantou outra taça, sorrindo para nós. Eu pus a mão sobre a boca e arregalei os olhos, totalmente surpresa ao ver o tamanho de sua barriga.
- Eu sei, eu sei. – Ela revirou os olhos ao ver minha expressão. – Pareço uma vaca.
- A vaca mais linda do mundo! – apareceu ao lado dela e beijou-a nos lábios.
- Meu filho! – sorriu de um canto da sala, onde estava sentado com , , Mark, Suzan e Lillian.
pegou o tender que nós trouxemos e levou-o em direção à cozinha.
- CHARLIE! – Mark levantou-se e correu até nós. Sem nenhuma cerimônia ou embaraço, ele abraçou o Charlie com toda a força.
Os dois começaram a dizer coisas ininteligíveis, rindo e batendo nas costas um do outro.
- Eu trouxe uma pessoa comigo. Gostaria muito que vocês a conhecessem. – Mark afastou-se de nós e voltou sua atenção à poltrona próxima ao sofá.
Foi só então que eu me dei conta de outra presença em nossa reunião familiar. Era uma jovem alta e bonita, mais ou menos da mesma idade que eu. Sua pele era muito clara, seus cabelos eram castanhos e seus olhos eram verdes e vivos.
Ela levantou-se com um sorriso radiante.
- Meu nome é Leslie. Sou a namorada do Mark! – Ela estendeu a mão e nos cumprimentou.
reentrou na sala. Eu olhei-a de relance, percebendo que parecia um pouco enciumada com a nova namorada do “filho”. Eu não podia culpá-la, visto que eu mesma me sentia um pouquinho irritada.
- Oi, moça bonita! – O David disse, estendendo-lhe a mãozinha.
Leslie riu, cumprimentando-o.
- Você deve ser o David, sobrinho do Mark. Que rapazinho encantador! – Clarisse disse, piscando para ele.
David ficou vermelho e escondeu o rosto em minha perna, fazendo todos rirem.
- Ei Dave, vamos assistir ao especial de Natal do Mickey? – Suzan disse, aproximando-se de nós.
- Oba! – O David correu até ela com um sorriso enorme.
Suzan lançou um olhar triunfante à Clarisse (um pouco desdenhoso, por sinal), balançou seus cabelos loiros e foi sentar-se com David em frente à televisão.
- Sentem-se aqui, vocês dois! – acenou com a mão para que nos juntássemos a eles.
- Onde estão os presentes? – Charlie perguntou, os olhos brilhando como os de uma criança.
- Escondidos, gênio! O David só deve vê-los amanhã de manhã, debaixo da árvore. – Disse Mark, apontando para a enorme árvore de Natal que brilhava na sala.
anunciou que a ceia já estava quase pronta, então todos nos levantamos e fomos nos sentar na grande mesa de jantar. Naquela noite, minha sogra havia posto sua toalha de linho estendida para nos servir, havia castiçais com velas vermelhas acesas na mesa e a louça era a mais cara que ela possuía (e isso é bastante coisa, afinal seu marido é um rockstar).
Todos estavam conversando, rindo e se divertindo. Foi quando chamou da cozinha.
- Preciso ver o que a patroa quer que eu faça! – levantou-se da mesa e piscou para o Charlie, sorrindo.
- Não acredito que você é tão obediente assim, cara! – Charlie riu.
entrou na cozinha e desapareceu de vista.
- O que será que aqueles dois estão fazendo lá, hein? – Perguntou Joanna, levantando as sobrancelhas em uma expressão sugestiva.
- Pelo amor de Deus, Jo! Temos crianças na mesa! – Julie disse, lançando-lhe um olhar repreensivo.
Joanna ia começar a argumentar quando e entraram na sala carregando a nossa ceia de Natal. A mesa foi preenchida com peru, tender, arroz com passas, rabanada, torta de chocolate com nozes, panetone e outras delícias típicas da comemoração.
Após darmos as mãos e rezarmos uma prece pelo nascimento de Jesus, atacamos a ceia maravilhosa que preparara.
- Mãe, eu quero tender! – David esticou a cabeça e olhou para o centro da mesa, onde estava o prato que queria.
Quando todos terminaram de comer, levamos nossos pratos para a cozinha e nos sentamos na sala para conversar e rir um pouco mais. Sabíamos que todos dormiriam ali, como em todos os anos, para que pudéssemos abrir os presentes juntos pela manhã.
David sentou-se no colo de , parecendo um pouco triste.
- O que foi, mocinho? – perguntou, levantando o queixo dele.
- Daqui a pouco o papai Noel vai chegar, não é? – David perguntou.
Olhei o relógio. Era quase meia-noite.
- Sim. – respondeu, olhando dentro dos olhos do neto (idênticos aos seus e aos do Charlie).
- Mamãe e papai passaram perto de um lugar ruim hoje. Lugar que criança triste! – Disse David.
- Passamos em frente ao orfanato Anne-Marie. – Disse Charlie, ao perceber o olhar indagador de para nós.
- Entendo... – Disse . – Aquilo não é um lugar ruim, David. É um lugar destinado a ajudar aquelas crianças. Pode não ser tão bom quanto um lar, mas ainda assim... É uma forma de ajudá-las!
- Mas e se o papai Noel não tiver presentes para todas elas? – David perguntou.
parou para pensar um pouco. Depois, ele lançou um olhar inquisitivo ao , ao e ao .
Todos estavam reunidos, escutando a conversa entre avô e neto.
- Tenho certeza de que o papai Noel não vai se esquecer daquelas crianças, David. Mas nós podemos ajudar também.
- Como, vovô?
- Eu e os seus tios podemos doar uma parte dos direitos autorais da nossa banda para àquele orfanato, se quiser. Será nosso presente de Natal para você! – sorriu.
- O que é isso? – David perguntou com curiosidade.
- É uma parte de todo o dinheiro que nós ganhamos. Podemos levá-lo para lá conosco quando formos. Você fará novos amigos e poderá ajudá-los!
- Obrigado, vovô! – David abraçou pelo pescoço.
Os olhos azuis e inteligentes da pequena Suzan (já não tão pequena assim) brilhavam de felicidade pelo sobrinho.
, e sorriram e entreolharam-se. Eu podia dizer pela expressão em seus rostos que eles haviam adorado a idéia.
Olhando a minha família sorrir e brincar, eu senti meus olhos se encherem de lágrimas. Eu era parte daquilo tudo.
- Precisamos agradecer aos quatro pelo presente maravilhoso que darão ao David. – Disse Charlie, segurando a minha mão.
- Sim. – Eu respondi, virando-me para ele. – E eu preciso agradecer a você.
- Pelo quê? – Ele perguntou curioso.
- Pelo filho lindo, por dentro e por fora, que você me deu.
Eu entrelacei minhas mãos nos cabelos dele, beijando-o. Era tão bom senti-lo perto de mim!
- VAMOS TIRAR A FOTO EM FAMÍLIA PARA O CALENDÁRIO! – gritou, entregando a cada um de nós um gorro vermelho de papai Noel.
Enquanto nos colocávamos em posição, foi ajeitar a câmera sobre o tripé.
- CHEGUEM MAIS PARA TRÁS! – Ele gritava, olhando pelo foco da lente.
ligou o timer da câmera, saiu correndo e se enfiou entre o Mark e a Joanna.
Todos nós rimos da foto e fizemos mais um brinde ao Natal perfeito que estávamos tendo.
- Vovô , será que eu vou ganhar o caminhão-monstro vermelho do papai Noel? - David perguntou, pulando no colo de .
- Vamos ter que esperar até amanhã para saber. - Ele piscou para o neto.
Charlie apertou a minha mão e sorriu, afastando-se. Eu já sabia o que ele iria fazer.
- , eu e a Halls temos um presente em especial para você. Na verdade, o "presente" já existe faz um bom tempo. - Charlie riu, tirando uma folha de papel do bolço. - Acho que nós nunca lhe dissemos sobre isto. O que foi bom, porque agora eu posso retribuir o presente que você vai dar ao Dave.
Ele entregou a folha nas mãos do pai.
- É a certidão de nascimento do David. - disse sem entender.
- Leia o nome dele em voz alta.
- David Williams . - leu. Ele levou um tempo para perceber que seu sobrenome estava ali.
arregalou os olhos para o Charlie, que sorria de orelha a orelha.
aproximou-se, leu o documento e se afogou em lágrimas.
- Muito obrigado, Char. Significa muito para mim. - sorriu com sinceridade, abraçando-o. Ele fungou um pouco, passando rapidamente as mãos pelo rosto.
- O sobrenome do pai deve ser sempre transmitido à frente. Como eu tenho dois pais... - Charlie levantou as sobrancelhas e encarou a mãe com um sorriso irônico, fazendo todos rirem.
- Meu filho não vai falar assim comigo quando nascer! - Julie provocou, passando as mãos carinhosamente pela barriga.
- É claro que vai. - rebateu. - Pais e filhos brigam e se provocam.
- Só se ele for insolente igual a você! - Julie sorriu, colocando-se na ponta dos pés e beijando o rosto do marido.
- Vocês são todos tão bobos... - Suzan arrebitou o nariz. Depois, ela abriu um sorriso. - Mas eu amo a minha família!
- Eu também. - Lillian disse, passando os braços ao redor do pescoço de .
- ESTE É O MELHOR NATAL DE TODOS! - David gritou, pulando para os meus braços.
E foi assim que terminou a nossa noite de Natal. Não havia estrela no céu que brilhasse mais do que o sorriso do meu pequeno David, ao ver a neve começar a cair lá fora.