(n/a: ponha pra carregar: Secondhand Serenade – Fall For You)

Mais um dia tinha se passado; mais um dia de brigas e descasos; mais um dia de gritos e lágrimas. Eu estava tão cansada. Cansada de tudo; cansada dele; cansada de mim. Recostei-me no banco do carona e virei meu rosto para o lado contrário do dele, dando um suspiro rápido. Ele olhou para mim, pude sentir seus olhos, mas eu não correspondi. Preferi observar pelo vidro do carro, a neve começava a cair sobre as ruas de Londres. Início de inverno. Tudo parecia estar tão em paz. Uma paz que eu invejava.
Fui sentindo minha alma sair de mim, como se eu estivesse flutuando. Fechei meus olhos e pedi para não acordar. Não até aquele nosso inferno particular estar acabado.
Nós chegamos em casa. Daniel me chamou, mas eu não quis abrir os olhos. Eu não consegui. Meu corpo não respondia as minhas ordens. Eu não queria. Ele me chamou de novo, um pouco mais alto. Eu continuei imóvel. Ele ficou por alguns minutos, ali do meu lado, tão imóvel quanto eu. Até que ele pareceu desistir. Abriu a porta e saiu. Estaria ele cansado de mim também?
A porta do meu lado se abriu. O leve peso da minha bolsa sumiu do meu colo. Senti-me sendo levantada e carregada. Eu não precisava abrir os olhos para saber que era ele. O seu inconfundível perfume o entregava. Ele botou o meu braço solto em volta de seu pescoço, tão delicadamente que eu mal senti seu toque.
Ele me levou até o quarto. Sentou-se na cama, comigo ainda em seus braços. Tirou o meu sobretudo e soltou o meu cabelo. Depois me deitou na cama – na cama dele - de forma bem suave, me ajeitando para que eu ficasse de forma confortável. Tirou os meus sapatos e puxou o cobertor para cima de mim. Tentou certificar-se de que eu não sentiria o frio daquela noite. Ele não esquecia que eu sofria com o frio.

Pude escutar ele sentando no chão, ao lado da cama. Eu o escutei respirando fundo algumas vezes. Depois de alguns minutos, senti sua mão em meu rosto. Ele respirava perto de mim. Mais alguns segundos e seus lábios estavam contra a minha testa, ainda de forma delicada.
Aquele toque fez com que eu abrisse meus olhos.
Eu coloquei a minha mão sobre a dele que ainda estava segurando o meu rosto. Ele se afastou e olhou em meus olhos. Ficamos ali parados por algum tempo, até que seu celular tocou. Ele tentou levantar, eu tentei segurá-lo pela mão. Mas não adiantou. Ele levantou, olhou para o número que aparecia em seu celular, e saiu do quarto.
Preferi não pensar em quem seria. Virei para o lado e deixei o sono tomar conta de mim.


Acordei com o barulho do meu celular tocando. Já havia amanhecido. Levantei rápido, e me senti meio zonza. Botei a mão na cabeça e senti um pouco de dor. A imagem do meu acidente na noite anterior veio na minha mente. Eu havia caído da escada quando tentava sair apressadamente da festa em que estávamos.
Meu celular estava no bolso do meu sobretudo de lã branco. Olhei o número. Era o Tom.
- Olá, Tommy.
- Oi, . – Ele disse num tom de voz estranho. – Como você está se sentindo?
- Hmm... Um pouco de dor de cabeça e dor no braço. Mas... Eu vou sobreviver.
Eu ri levemente da minha tentativa de piada, mas Tom, que deveria fazer outra piada sobre isso, ficou mudo do outro lado da linha.
- Tommy, aconteceu alguma coisa?
- ... É...
Ele não conseguia falar. Algo de ruim deveria ter acontecido.
- Fala logo, Thomas. O que aconteceu?
- É o Danny.
Meu coração acelerou desesperadamente.
- O que aconteceu?
- Um bêbado babaca dormiu ao volante e... Danny tentou desviar... O carro dele capotou...
Eu perdi o poder sobre minhas pernas e parei no chão, sentada. Tom ainda tentava explicar o que tinha acontecido, mas eu não entendia suas palavras. As únicas que consegui identificar foram algo como “estamos no hospital”.
Eu não esperei ele terminar a frase. Sabia exatamente o hospital em que eles estavam. Sem calçar os sapatos ou pegar o casaco, eu corri até a garagem e peguei o meu carro. Dirigi o mais rápido que pude. Meia hora depois, estava no hospital. Eu parei o meu carro de qualquer forma em frente à entrada principal. Simplesmente bati a porta do carro, sem tirar a chave da ignição. O guarda que estava perto tentou me parar, mas eu consegui ser mais rápido que ele.
Entrei gritando pelo Danny, olhando para todos os lados, procurando em cada sala. Algumas enfermeiras vieram em minha direção, tentando me parar, mas eu não as escutava. Eu não escutava nem a minha própria voz.
Em pouco tempo encontrei os olhos de Tom, ao longo do corredor. Ele vinha correndo na minha direção.
- Tudo bem. – Eu o ouvi dizer. – Ela está comigo. Tragam um cobertor pra ela.
Tom me segurou pela cintura e começou a andar comigo pelo corredor. Eu sabia que estava frio, mas eu não me importava. Eu precisava vê-lo.
- Acabaram de trazer ele aqui. Está tudo bem, fique calma.
Ele tentou me acalmar, mas eu sabia que havia algo errado. Eu podia sentir. De repente, alguns enfermeiros passaram correndo por nós. Eu soltei o braço do Tom da minha cintura e corri atrás deles.

Envolto por médicos e enfermeiros, eu o vi, com parte do rosto coberto de sangue, os peitos descobertos. Eu abri espaço entre todos que estavam ali e peguei sua mão.
- Acorda, Daniel, por favor! – As lágrimas começaram a correr pelo meu rosto. – Por favor, Danny, acorde. Eu não... Eu não estou mais chateada. Por favor, acorde!
- Alguém a tire daqui. – Gritou o médico, pegando o desfribilador.
Eu me debati contra os dois enfermeiros que tentavam me tirar da sala, enquanto chamava pelo Daniel, pedindo para ele acordar.
Tom me segurou pela cintura o mais forte que podia, pedindo para eu me acalmar, mas eu não consegui. Eu ainda podia ver Daniel, pela porta. Os médicos ainda tentavam reanimar seu coração.
Até que houve o silêncio. Um silêncio profundo, que pareceu durar horas. Um silêncio que me deixou apavorada. Um silêncio que só foi quebrado pela voz do médico.
- Hora da morte: 10h28m.

Eu congelei por alguns instantes. Tom ainda me abraçava, mais forte, chorando. Eu olhei para o lado e percebi que Harry e Dougie também estavam ali. Dougie estava com a cabeça baixa, com uma das mãos no ombro de Harry, que estava sentado, cobrindo o rosto com as mãos.
Em câmera lenta, os enfermeiros saíram do quarto e eu pude ver Danny, ainda com o peito nu, totalmente paralisado. Pálido. Morto. Eu não quis acreditar na ultima palavra que eu pensei. Mas era verdade.
Eu afastei Tom de mim, mas continuei paralisada. Minha cabeça estava dando voltas. Eu comecei a sentir o frio. Dei alguns passos em direção a cama onde estava o corpo do homem que eu amava. Até que minha visão começou a ficar turva, seguida pela escuridão.


A enfermeira estava me levando até a sala onde Danny estava. Ela tinha me emprestado uma sapatilha, e eu estava com o casaco do Dougie.
Ela abriu a porta para mim, e me deixou sozinha com ele. Eu dei um passo de cada vez, respirando profundamente. Ele estava ali, totalmente parado, ainda sujo com seu próprio sangue. Eu levantei a mão para tocar seu rosto, mas não consegui.
Do lado dele, havia uma bandeja com algumas toalhas e água. Eu sequei as últimas lagrimas que ainda teimavam a sair dos meus olhos, peguei uma toalha e molhei uma parte dela. E comecei a limpar o seu rosto, do jeito mais delicado o possível. Era como se eu estivesse com medo. Medo de machucá-lo. Mesmo sabendo que nada poderia feri-lo mais. Nem a mim. Eu já estava completamente destruída.

- ? – A voz de Tom me chamou, mas eu não respondi.
Ele se aproximou de mim, mas não me tocou ou falou algo mais.
Eu estava deitada ao lado dele. Meu rosto grudado no seu. Um dos meus braços envolvia seu rosto, meus dedos enrolando os cachos do seu cabelo.
- Eu estava me lembrando da noite anterior. – Eu comecei a falar baixo, mas sabia que Tom podia me ouvir. – Antes de eu sair da festa. Ele tentou falar comigo. Ele tentou se desculpar. – Cada palavra saía de mim me causando uma dor inexplicável. – Mas eu não quis escutar. Eu não... Eu não queria escutar.
Tom não disse nada. Apenas chegou mais perto e botou uma de suas mãos em meu braço.
- Eu nem pude me despedir, Tommy. Nem pude dizer a ele o quanto eu o amava. O quanto eu o amo.
- Ele sabia. – Disse Tom – Ele ainda sabe. E ele te ama também.
Eu comecei a chorar de novo. Sim, eu o amava. Desde a primeira vez que o vi, na casa do Tom.
Eu tremi quando Tom nos apresentou e Danny sorriu pra mim. Eu ainda tremia toda vez que ele sorria, toda vez que ele me tocava, toda vez que ele cantava em meu ouvido. Eu queria passar o resto da minha vida com ele, mas ele nunca soube disso. Eu nunca disse. E agora ele nunca saberia.
E nos últimos meses, tudo o que nós fazíamos era brigar. Por tudo. Por coisas fúteis. Por nada que realmente valesse à pena. Como ele poderia saber que eu o amava?
- Vamos, . – Tom sussurrou, passando a mão por meu cabelo – Está na hora de ir.
Eu levantei o pouco que eu conseguia do meu corpo. Alisei seu rosto uma última vez.
Beijei seus lábios gelados uma última vez.
- Eu te amo, Daniel. - Sussurrei pela primeira e última vez.


Não passava do meio dia, mas o céu sobre Bolton estava escuro. Os jornais avisavam que em algumas semanas, uma grande tempestade de neve estava por vir.
O velório tinha acabado de começar. Todos os amigos e parentes de Danny estavam presentes. Todos de preto. Nenhuma cor representaria melhor o sentimento das pessoas naquele lugar. Do meu lado direito, estava Tom, segurando minha mão e, do lado dele, Dougie e Harry. Do meu lado esquerdo, estava a mãe dele. Eu segurava sua mão solta, já que a outra estava em seu rosto, secando as lagrimas.
Depois da cerimônia, todos vieram cumprimentar a mãe de Danny, a mim, e seus companheiros de banda e melhores amigos.
Aos poucos, as pessoas foram indo embora. Mas eu continuava ali. Eu não queria ir embora. Não queria deixá-lo. Tom, que sempre fora meu melhor amigo, desde quando éramos apenas duas crianças, me esperava em seu carro.
Eu estava ali parada, com o rosto virado para o caixão, que estava no buraco ainda descoberto. Eu pude sentir alguém se aproximar, mas eu não mexi meu rosto.
- . – Eu conhecia aquela voz. – Eu preciso falar com você.
- Eu não tenho nada para falar com você, Patrícia.
Patrícia era ex-namorada de Danny. Durante os dois anos e meio em que Danny e eu estivemos juntos, ela fazia de tudo para nos separar. Patrícia era um dos maiores motivos de nossas brigas. Patrícia foi o motivo da nossa briga.
- Escuta, ...
- Escuta você, Patrícia. – Eu a cortei, me virando para ela. – Por quase três anos você perseguiu o Daniel. Você me perseguiu. Por quase três anos você tentou nos separar. Foi graças a você que nós passamos nossa última noite juntos brigando. Será que uma vez na vida, uma única vez, você poderia nos deixar em paz.
Eu voltei para minha posição anterior, dando alguns passos para frente.
- Eu sei que errei. E é exatamente por isso que eu vim aqui. Eu finalmente tinha que fazer algo certo. Eu não vou pedir desculpa, porque eu sei que você não vai me desculpar. Mas eu precisava te dizer algo.
Ela tomou ar antes de começar falar.
- Ontem à noite, não foi o Danny que me procurou. Fui eu. Eu o fiz ir para o quarto. Ele pensava que era você quem estava esperando por ele. Foi eu quem o beijou, e não ele que me beijou.
- Mas ele foi encontrar com você. – Eu falei irritada – Você ligou para ele de madrugada, e eu sei que ele foi se encontrar com você.
- Sim, mas ele não chegou a ficar nem cinco minutos perto de mim. Ele não me deixou falar. Ele disse que não queria mais me ver, nunca mais. Que não queria que eu estivesse perto dele, de você ou dos seus amigos. Ele me disse que amava você, e só você.
Escutei os passos de Patrícia se distanciando. No meu rosto, lágrimas começavam a correr.
Milhares de vezes, eu havia pedido aquilo a Danny. Eu implorava a ele para se afastar dela, para ignorá-la. E ele finalmente tinha atendido ao meu pedido. Finalmente ele tinha percebido o quanto aquilo nos fazia mal. E ele disse a ela. Disse a ela que me amava. Mas por que ele não disse para mim? Por que ele nunca me disse?


Era véspera de Natal. Eu costumava passar o Natal com a família de Tom. Mas naquele ano, as famílias de Dougie, Harry, Tom e Danny tinham decidido passar o Natal com todos reunidos, em homenagem ao Danny. Essa era a época favorita dele.
Eu estava deitada no sofá, vendo pela milésima vez um dos DVDs que eu tinha, quando Tom entrou pela porta do meu apartamento. Ele deu uma olhada em volta, tirando o seu cachecol e o casaco e colocando em cima da bancada ao lado da porta. Depois de ir à cozinha, ele veio até mim e se sentou do meu lado.
- Eu estou surpreso. – Ele disse, sorrindo. – Eu pensei que ia chegar aqui e encontrar a casa de pernas pro ar, com lixo para todos os lados, os pratos todos sujos. Mas eu acho que eu nunca vi esse apartamento tão limpo.
Eu tentei forçar um sorriso.
- Os armários e a geladeira estão vazios. – Ele afirmou. – Não me diga que você está sem comer?
Eu não respondi.
- É claro que está. Você está pálida, e mais magra. – E continuava séria, olhando para a tv. - Ainda bem que a ceia está carregada. Vá se arrumar.
- Eu não vou. – Disse ainda olhando pra tv.
- Mas é claro que você vai. Você já está trancada aqui há muito tempo. Precisa voltar a viver.
- Eu não consigo, Tommy. Eu não tenho mais motivos para continuar viva.
- Mas é claro que tem. – Ele me cortou – Nós sentimos falta dele também. Lembramos dele todos os dias. Mas já se passaram duas semanas, e nós precisamos continuar. Por nós mesmos e por ele. Você precisa continuar também. O Danny quer isso.
Eu suspirei e Tom me deu um beijo na testa. Há duas semanas que eu não escutava o nome dele. Mas ainda tinha o mesmo efeito em mim.
- Você tem duas opções: ou você vai se arrumar, ou eu ligo para minha mãe, e mando todo mundo vir para cá. Serão no mínimo, 25 pessoas nesse cubículo. O que você me diz?

Quando cheguei à casa dos pais do Tom, todos vieram me cumprimentar. Eu ainda não me sentia confortável, mas forçava o sorriso. Ainda faltava um beijo, um sorriso, um abraço.
Faltava a pessoa que eu mais sentia falta. Faltava o motivo da minha alegria.
Tom fez com que eu sentasse ao seu lado durante a ceia. Cumprindo seu papel de irmão mais velho, ele me lembrava que eu tinha que comer.
Sentamos na sala, perto da lareira. Os mais velhos estavam todos perto do sofá. Eu preferi ficar com Tom e os outros. Eles conversavam sobre qualquer coisa que não pudesse me lembrar o Danny, embora aquilo fosse impossível, já que só de estar ali me lembrava ele.
Mas eu consegui me distrair um pouco.
Até que eu vi. Em cima da lareira. No meio de algumas fotos, eu vi o seu sorriso. O sorriso que eu amava. O sorriso que eu sentia falta.
As lembranças daquele dia vieram a minha cabeça. Tinha sido no ano passado. Ele e eu, junto com os outros meninos e as suas namoradas tínhamos ido ao Havaí. Passamos quase um mês lá. Nós estávamos em um restaurante típico e Danny e Tom tinham sido puxados até o palco, aonde algumas pessoas dançavam. Eles colocaram cordões havaianos e Danny, sempre sendo o palhaço, dobrou sua camiseta, fazendo parecer um top, e botou uma saia de palha. Todos riram.
Eu ri comigo mesma enquanto estava presa naquela lembrança. Só acordei quando senti o toque do Tom em meu braço.
- , eu tenho que te dar seu presente de natal.
- Eu não quero, Tommy. Não precisa.
- Vem comigo. – ele me ignorou.
Tom me levou até seu carro. Em poucos minutos, já estávamos longe. Ele dirigia com cuidado, pois havia muita neve na estrada. Permaneceu em silêncio, mesmo quando eu pedi para me dizer onde nós estávamos indo. Mas depois de uma curva, eu sabia muito bem aonde iríamos parar.


Tudo estava do mesmo jeito. Apenas a poeira era nova. Ninguém tinha estado na casa do Danny desde sua morte. Apenas eu tinha a chave da casa dele. Ele tinha deixado tudo o que tinha para mim. Mas eu não tinha coragem de voltar ali. Tom devia ter pegado a chave enquanto eu me arrumava.
Eu fui até o quarto. Meu casaco ainda estava no chão. Meus sapatos também. A cama ainda estava desfeita. Eu abri a porta do guarda-roupa. Passei os dedos lentamente sobre as camisas deles. Parei em uma de flanela verde. Era a favorita dele.
Eu a tirei do cabide. Ela ainda tinha seu cheiro, como se ele tivesse acabado de tirá-la. Fui andando lentamente até a cama e deitei. Do lado em que ele sempre deitava. O cheiro do cabelo dele também ainda estava no travesseiro. Como se ele tivesse acabado de se levantar.
Fechei meus olhos e a lembrança de todas às vezes que nós tínhamos dormido juntos, abraçados, veio em minha cabeça. Quando abri meus olhos novamente, vi um porta-retrato, virado em minha direção. Nele, uma foto que Danny tinha tirado enquanto eu dormia. Ele tinha deitado ao meu lado, encostado seu nariz no meu, e tirado a foto, como se nós dois estivéssemos juntos. Eu sempre odiei aquela foto. Ele a adorava.
- ?
Tom entrou no quarto, segurando uma caixa azul. Eu me sentei e passei a mão no rosto. Surpreendi-me por não estar chorando.
Ele foi até o aquecedor e o ligou antes de sentar-se ao meu lado.
- Esse é o seu presente? – Eu perguntei.
- Não. Não meu.
Engoli seco.
- Danny estava preparando isso para você. Ele... Esteve preparando por meses antes do... Pediu para eu ajudá-lo e não te contar. Estava escondido na garagem.
Ele passou a caixa para mim. Eu a analisei, mas não abri.
- Eu estava esperando você... Se sentir melhor para te entregar. Mas eu acho que... Bem... Ele queria te entregar.
Eu fiquei meio paralisada por um tempo. Tom deu um beijo em minha testa e levantou.
- Eu vou voltar pra casa. Eu venho aqui te buscar amanhã antes do almoço, mas se precisar, me ligue.
Eu acenei com a cabeça e o observei sair pela porta.

Eu abri a caixa azul. Dentro havia uma caixa de cd, um envelope, e uma caixinha pequena de madeira, com as letras e D.J. separados por uma rosa.
Havia também uma pequena lista, com alguns rabiscos. Entre eles, eu pude ler na letra do Danny, algumas linhas:

- 50 buquês de rosas vermelhas
- Aprender a fazer o prato que ela gosta (ou comprar no restaurante)
- Reservar hotel
- Achar os pais dela no Brasil
- Trazê-los aqui
- Pensar em mais coisas


Eu coloquei tudo em cima da cama. Reparei que na capa do cd, estava escrito “Colocar no DVD”.
Peguei as coisas que estavam na cama e fui até a sala. Liguei os aparelhos e coloquei o cd. Sentei no chão gelado e esperei começar.
A imagem da sala onde eu estava apareceu na tela. Logo em seguida, Danny apareceu, se sentando no sofá. Eu tremi por dentro.

Oi querida! Em primeiro lugar, não me mate. Pode deixar que eu vou limpar a casa. Afinal, eu que tive o trabalho de espalhar as pétalas de rosas pelo chão.
Bem, não sei se esse vídeo vai ficar muito bom, mas eu juro que vou tentar fazer o meu melhor.
Eu estava um dia desses, observando você dormir, e eu me lembrei do dia em que a gente se conheceu. Foi numa quarta-feira. Estava chovendo. Você tinha chegado à casa do Tom, toda molhada, com metade da sua calça suja de terra. Eu lembro que você passou direto pela sala e foi pra cozinha, sem perceber os guys e eu na sala. O Tom me chamou e me apresentou pra você. Eu sei que você estava se sentindo horrível, mas a primeira coisa que eu pensei quando olhei pra você era que você era a garota mais bonita que eu já tinha visto em toda a minha vida. Eu simplesmente não conseguia tirar os meus olhos de você.
E eu sei que você achava que eu estava rindo de você, e do seu estado. Mas na verdade, eu estava rindo de nervoso. Você não sabe disso, mas o Tom já me falava de você muito antes dele nos apresentar. Eu sentia que já começava a gostar de você antes mesmo de te conhecer. E quando eu te vi... Eu achava, quero dizer, eu tinha certeza que estava apaixonado. E olha aqui. Eu ainda tenho a foto que eu tirei com meu celular de você sentada na bancada da cozinha do Tom.
Uma semana depois nós já estávamos namorando.
Eu percebi que você era a melhor coisa que poderia ter acontecido comigo.
Eu simplesmente amo tudo o que você é. Amo tudo o que você faz.
Eu adoro sentir o seu cheiro, olhar em seus olhos, sentir seus lábios. Adoro o jeito que você penteia o seu cabelo, e o jeito como você fica enrolando os seus dedos no meu. Adoro poder dormir abraçado com você, te esquentando quando está muito frio. Adoro como você fica sem graça quando eu fico muito tempo olhando pra você. Adoro quando você bota suas mãos no meu rosto para me acalmar. Adoro quando você me atrapalha quando eu estou compondo, tirando o violão dos meus braços e deitando no meu colo, dizendo que precisa de mim para poder dormir. Adoro ver você pulando feito uma criança quando eu e os guys estamos tocando. Adoro a forma como você sempre dá um jeito de segurar a minha mão. Adoro que você só me chame de Daniel, já que todos os outros me chamam pelo meu apelido. Adoro receber suas mensagens ou encontrar seus bilhetinhos entre as minhas roupas quando eu to viajando.
Ainda tem um monte de coisas que eu adoro sobre você, mas eu prefiro dizer pessoalmente. Mas o que eu preciso dizer agora é que eu não existo sem você. E que eu te amo. Eu te amo há muito tempo. Perdoe-me se eu demorei tanto tempo para dizer.
Como pedido de desculpa, por essa minha burrice, eu planejei algo. Dentro desse envelope, que eu espero que você ainda não tenha aberto, tem duas passagens de avião. Eu vou te levar para a Itália, e de lá, vamos para Veneza. Eu sei que você sempre quis conhecê-la. Espero que não se incomode de eu ir com você. Você fala tanto de lá, que eu também quero muito conhecer, e passear de gôndola com você.
Também quero pedir desculpa por ser meio cabeça dura, às vezes. Você também não é nada fácil, sabia?! Mas o importante é que a gente sempre se entende no final.
Bem, eu vou acabando aqui a gravação, mas logo em seguida, se eu conseguir fazer isso no computador, vai aparecer algumas fotos nossas. As que eu mais gosto. E eu escolhi como trilha a nossa música. A música que estava tocando quando a gente deu o nosso primeiro beijo. Eu sei que você discorda, mas pra mim, o nosso primeiro beijo, foi quando eu roubei um selinho seu naquele pub em que a gente foi com a galera no dia seguinte ao que eu te conheci. Estava tocando Fall For You, lembra?
Ops. Barulho na garagem. Acho que é você chegando. Preciso desligar.
Mas antes, nunca esqueça que eu te amo. Hoje e sempre.
(n/a: ponha a música pra tocar)

Danny se levantou do sofá e desligou a câmera. A música, a nossa música, começou a tocar. Fotos nossas, dos melhores momentos da minha vida apareciam na tela. Da nossa vida.
Mas eu não conseguia vê-las direito. Meus olhos estavam cada vez mais cheios de lágrimas, que corriam pelos meus olhos.
Ele me amava, e agora eu sabia. Ele sempre me amou, assim como eu sempre o amei. Me sentia tão culpada por nunca ter dito nada para ele. Eu tinha sido estúpida em esconder isso. Eu que deveria pedir desculpas, e não ele.
Sentei no sofá, tremendo. E não era pelo frio. Abri o envelope e lá estavam as passagens. Ele queria ir a Veneza comigo. Só ele e eu passeando por uma das cidades mais lindas do mundo.
Eu me lembrei do que ele disse. Ele queria passear de gôndola. Eu tinha contado a ele sobre a lenda, que dizia que quando um casal passasse por de baixo de uma das pontes se beijando, eles ficariam juntos para sempre. Ele queria ficar comigo para sempre. Ele me amava.
A caixinha. A caixinha de madeira. A caixinha com as nossas iniciais. Eu a abri e ali estava. A última prova de amor. A última prova da eternidade juntos. Do nosso feliz para sempre.
Uma aliança de casamento.


Foram mais 4 horas dirigindo. Mas eu finalmente estava ali, acompanhada pela neve. O frio insuportável tentava me impedir, mas eu consegui permanecer.
Ajoelhei-me no chão e limpei a neve que cobria seu nome.
Daniel Alan David Jones
12/03/1986
04/12/2008


Botei a mão no bolso do meu casaco. O pequeno objeto reluzente em minha mão. A aliança com nossos nomes gravados. Eu a botei em meu dedo.
- Por quê? Por que você teve que morrer? Por que você me abandonou?
Eu soluçava. As lágrimas tentavam sair, mas já haviam congelado.
- Eu também te amo. Eu não consigo... Não consigo mais viver sem você! Eu preciso de você! Eu te amo, Daniel!


Eu abri meus olhos com dificuldade. A neve tinha parado de cair, mas o sol ainda estava se escondendo. O frio era imperceptível. O silêncio, interminável. Levantei aos poucos, a neve saía de cima de mim.
Olhei uma ultima vez seu nome, escrito naquela pedra. Estiquei minha mão e a toquei. No meu dedo, a aliança permanecia. Eu não seria capaz de removê-la. Ninguém seria.

Comecei a andar. Minha cabeça ainda não estava em seu lugar. Meu coração estava lento. Minha respiração estava fraca.
Mais alguns passos e percebi que não estava sozinha. Não levantei meu rosto. Não queria ver ninguém. Não precisava. Não naquele momento. Mas a voz dele me fez paralisar.
- Olá, .
Seu sorriso nunca esteve mais bonito. Seus olhos nunca brilharam tanto. Mas não podia ser ele. Aquilo não era possível. Eu deveria estar louca.
- Daniel?
Ele veio andando em minha direção. Suas mãos nos bolsos de seu casaco. Ainda estava vestido como na última vez que eu o vi. Seu perfume ainda estava forte.
Parado a poucos centímetros de mim, uma de suas mãos veio ao meu rosto.
- Acha mesmo que eu seria capaz de te abandonar?
Eu não conseguia acreditar. Era ele. Ele estava ali, na minha frente. Falando comigo de novo. Olhando em meus olhos. Tocando-me novamente.
Eu o abracei forte. Como nunca o havia abraçado. Ele tinha feito o mesmo, mas seu toque era delicado. Sempre tinha sido.
- Me desculpe, Daniel. Eu fui uma idiota. Eu deveria ter dito. Eu sempre soube que sim. Eu sempre soube que te amava. Eu te amo. Mais que tudo. Mais que todos. Eu nunca disse por medo. Eu não... Eu disse tarde demais. Você já não podia me ouvir.
- Eu sei. – Ele passou sua mão sobre meu cabelo, parando-a em me rosto. – Eu sei que você me ama. Eu sempre soube que você me amava, assim como eu sempre te amei. – Seus lábios tocaram minha testa. – E eu ouvi. Eu estava lá, quando você limpou o meu rosto. Quando você me beijou e disse que me amava. Eu estava lá, assim como tenho estado com você todos os dias, todos os minutos. Você só não podia me ver. Não ainda. Mas isso não importa mais.
- Não. Não importa mais. – Eu repeti as palavras dele. – Você voltou pra mim. Você está aqui agora. Eu posso te ver.
Ele afastou seu rosto levemente, ainda segurando o meu, e sorriu.
- Não. É você quem está aqui.
Eu não entendi o que ele tinha dito. Ele então olhou para frente e eu segui o seu olhar. Lá estava eu, deitada ao lado da lápide dele. Completamente imóvel. Tão branca quanto à neve que cobria metade do meu corpo.
- Eu estou... Eu estou...
- Você está comigo. – Ele me interrompeu, impedido que eu disse aquela maldita palavra. – Você está comigo agora e para sempre. Seremos apenas nós dois. Para todo o sempre, assim como eu sempre quis. Como você sempre quis. Nada mais pode nos separar, . Eu te amo.
Ele me puxou para mais perto dele e me beijou os lábios. Tudo finalmente estava perfeito. Eu finalmente tinha a minha eterna felicidade. Eu finalmente o tinha. Eu finalmente estava com o único que eu amava.
- Sim. Apenas eu e você. Para todo o sempre e sempre.



Fim.


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