Querido Diário,
Eu sei que essa é a frase mais clichê para se estrear um diário, mas não consegui pensar em nada melhor. Que seja, essa é só mais uma tentativa de aliviar essa dorzinha que vem me acompanhando por tanto tempo; me falaram uma vez que escrever ajuda a relaxar e, como não tenho nada a perder mesmo, resolvi experimentar.
Primeiro, conheci esse tal menino, o . Éramos ambos muitos jovens, porém quem liga para a idade quando se está apaixonada?!
Em menos de um mês me mudei para o apartamento dele, eu era nova em Londres e ele parecia estar disposto a fazer de tudo por mim. Ou quase tudo. Como disse antes, éramos muito jovens, cada qual com sua bagagem de sonhos e com determinação em dobro para alcançá-los. Ambos sabíamos que um podia contar com outro. E o tinha essa banda. No início, me orgulhava de ter um namorado tão talentoso, estava confiante que ele teria sua recompensa em breve, só não esperava que ela chegasse tão rápido. De repente, me vi deixada de lado enquanto ele viaja com os amigos por turnês ao redor da Europa, ou então se trancando em estúdios por dias, trabalhando em suas novas composições. Tudo isso em menos de dois anos, sendo que eu estragava os nossos poucos momentos juntos com meu ciúme, afinal eram quatro integrantes lindos com as emoções a flor da pele conquistando fãs de todos os estilos. Para piorar, o que antes parecia ser meu emprego dos sonhos estava somente me desgastando tanto emocional quanto fisicamente. Trabalhava todos os dias da semana querendo me sentir tão realizada quanto meu namorado estava com sua carreira musical.
No nosso aniversário de dois anos de namoro, comprou um apartamento que qualquer mulher cairia de joelhos, mas eu tinha que estragar tudo, ou não me chamaria . Comecei a gritar, afirmando que ele queria jogar o dinheiro dele na minha cara, que aquela era mais uma forma dele se exibir, entre outras coisas do tipo. Ele apenas se sentou e esperou meu show acabar. Aquilo sim me deixou mais nervosa, então me vi chorando. Minha vida estava sendo um mar de frustrações, e entendia isso. Ele sabia do desastre que estava sendo no meu emprego, desse ciúme doentio que eu tinha dele e diversos outros detalhes que hoje eu enxergo como insignificantes.
- , olha para mim. – disse-me, andando na minha direção e se abaixando para ficar com o rosto na altura do meu. – Que tal a gente tirar umas férias?! Aposto que você vai adorar a Irlanda.
Naquela hora, um fiozinho de esperança se acendeu em mim. Lembro que sorri para ele e concordei baixinho. Nem preciso descrever o que aconteceu a seguir.
O único problema foi: a agenda dele. Dois meses depois de ele ter feito essa proposta tentadora, ainda não tínhamos dia fixo para ir conhecer os famosos campos irlandeses. Aquilo só agravou o meu nervosismo. Para se desculpar, me levou para jantar fora uma noite, por algum milagre ele conseguiu essa folga. No início, foi realmente especial, aquela magia que parecia apagada ressurgiu. Eu estava feliz. Incentivei de bom grado as investidas dele, era como o replay nosso primeiro encontro. usou as mesmas técnicas de sedução que haviam me fascinado há dois anos.
Na hora de ir embora, já estávamos no carro quando quis mudar a trilha sonora - uma coisa tão simples que mudou tudo. Quando fiz menção de abrir o porta-luvas à procura de outro CD, a mão do segurou meu pulso.
- O que vai fazer? – ele havia me perguntado.
- Quero ouvir Beatles.
- Esqueci esse disco em casa.
- Não faz mal. - Retruquei. – Queen serve.
- Também esqueci.
Na hora, percebi que ele queria esconder algo de mim, fui mais rápida que ele e abri o porta-luvas. Ouvi um suspiro sair da boca dele e minha boca se abriu quando vi o que continha lá dentro.
- Uma calcinha?! E tenho certeza que essa é tão minúscula que não caberia em mim nunca!
- Era de uma fã.
- Isso tá na cara há tempos. Droga, como eu fui idiota! – Resmunguei para mim mesma, encostando a testa no vidro.
- Calma, ! É comum elas jogarem essas coisas no palco. Você já foi a alguns shows, sabe do que eu tô falando.
- Ah, claro. Mas se você só guardou como uma lembrancinha das suas amadas fãs, por que tentou me impedir de ver isso?! Quem não deve, não teme!
- Chega, tá! Eu não tô mentindo, só que eu conheço suas crises de ciúmes muito bem. Queria que essa noite fosse especial.
Esses fatos parecem pesar o dobro em meu peito enquanto escrevo. Como se cada palavra me lembrasse que eu estava, sim, sendo idiota. Chegamos em casa, eu sumi correndo e me tranquei no quarto. Na minha imaginação ainda posso ouvir as batidas contra a porta, as tentativas de se desculpar por algo que ele nunca fez.
No dia seguinte, quando abri a porta do quarto, ele se levantou correndo. Estava sentado no corredor somente esperando a hora de eu acordar. Nunca vou me esquecer da angústia no rosto dele quando olhou desolado para as malas em minhas mãos. De repente, estava ajoelhado na minha frente com uma linda caixinha contendo um anel dentro. Comecei a chorar por antecipação.
- Te pedir em casamento me pareceu a forma mais sensata de comprovar que não tenho olhos para ninguém, além de você.
Confesso que nunca fui ligada a coisas piegas, pelo contrario, até me enjoavam um pouco. Mas aquilo foi a coisa mais linda que eu já ouvi. Um breve sorriso tinha se aberto em meu rosto, logo senti duas mãos se firmarem na minha cintura.
- Lua de mel na Irlanda? – sugeri, horas depois. E foi assim mesmo. Sem dúvidas, aquele foi um mês inesquecível para mim. Atualmente vejo tudo em flashbacks: o casamento às pressas que eu inventei em uma praia de Bournemouth com um casal de turistas qualquer como testemunha; meu vestido branco e simples que o estragou no mesmo dia a caminho da Irlanda; o chalé em que ficamos hospedados, isolado de tudo e de todos, somente com o gramado verde a nos fazer companhia; minha primeira manhã como e meu marido trazendo café da manhã na cama com rosas amarelas* enfeitando a bandeja; enfim, escrever essas coisas me faz recordar de tudo, pura nostalgia. Mas aqueles dias no paraíso tiveram um final, fizemos uma última caminhada observando o nascer do sol e logo partimos para chuvosa e querida Londres.
Foi então que algumas semanas após nossa volta, programei um jantar especial, para um ocasião especial. Preparei tudo com muito capricho e quando chegou do estúdio, dei a ele um embrulho com um presente que havia comprado em uma lojinha ali perto. Eu já sorria por antecipação.
- Mas... o quê?! – Seus olhos haviam se esbugalhado, olhando o par de sapatinhos em suas mãos. Assim que caiu sua ficha, ele me agarrou pela cintura e começou a me girar pelo apartamento.
Falando nele, daqui a pouco meu bebê vai acordar. Acho melhor eu apressar por aqui.
Em suma, nove meses depois nasceu nosso milagre. Já tinha abandonado o emprego e qualquer pessoa que visse pensaria que éramos um casal feliz, apesar de volte e meia eu surtar por causa de uma ou outra besteira, humor de grávida.
Duas semanas depois de eu dar a luz, já estava em casa. era o verdadeiro pai coruja, eu mesma me sentia totalmente bobona pela criança. Sorte a minha que ele havia puxado o pai, os mesmos olhos, mesmo cabelos. Via pouco de mim em nosso filho, só que isso não importava. Ele era lindo a própria maneira.
Estava indo tudo a mil maravilhas até que no aniversario de um mês do , e eu brigamos, mais uma vez por culpa minha. Então, ele resolveu me levar para dar uma volta e confiou nosso filho aos cuidados de sua irmã que tinha vindo comemorar a ‘data especial’ conosco.
Era um dia chuvoso, pegamos o carro na garagem e saímos do prédio já brigando. Minha mente foi esperta o suficiente para me fazer esquecer o motivo da discussão, mesmo assim não me conformo. Se tivéssemos ficado no apartamento apenas curtindo o , se eu não tivesse começado a briga, se não estivesse chovendo... Desde então vários se’s aparecem na minha cabeça, cada vez que penso no que aconteceu. Estávamos perto das margens do rio Tamisa, ambos estávamos com atenção voltada a outros assuntos, no minuto seguinte me vi capotando mar abaixo. Apenas a lembrança do impacto com aquela água fria solta um arrepio por todo meu corpo, mas isso nem se compara com a angústia que vem me acompanhando desde então ou a imagem do sangue flutuando, sangue do . Havia um corte imenso em sua cabeça e a janela do seu lado estava totalmente quebrada, reparei o quanto ele lutava para manter os olhos abertos. Naquela hora, eu entrei em uma luta maior para me soltar do cinto que ainda me prendia ao banco, minha garganta queimava clamando por ar, porém isso era o de menos. Foi quando dei a devida importância pelo que eu sentia por ele.
O frio junto com a falta de oxigênio começaram a fazer efeito, meus movimentos foram ficando mais lentos. Senti uma mão tocando meus cabelos, desviei meus olhos do cinto, procurando o rosto dele. Ele queria me dizer algo, na hora não entendi muito bem, mas agora tudo fazia sentido. Seus lábios pronunciaram meu nome, depois do e mais uma bolha saiu da sua boca quando disse ‘te amo’. Enlacei sua mão a minha, num pedido mudo para que agüentasse um pouco mais. Pena que ele não ouviu a tempo. Não lembro quem foi o primeiro a fechar os olhos.
Agora, somente quatro meses depois do acidente, eu estava em nosso apartamento. E ele, no hospital em um coma profundo. Amanhã seria uma última tentativa dos médicos de conseguir um milagre. Por isso resolvi escrever, precisava de um passatempo já que o próprio tempo parecia conspirar contra mim.
Se por acaso eu abandonar esse diário, é porque nem as palavras irão servir para me consolar. Mas vou procurar pensar positivo, cansei de me odiar por ter tratado o tão desmerecidamente, o que vale é saber que essa época que passamos valeu a pena. O que passou, passou. Não adianta remoer o passado, basta saber que você o aproveitou, mesmo que por pouco tempo.
.
*Rosas amarelas: amor eterno
FIM
nota da autora editada em 21.03.2010:
Alohinha :3
Enfim, obrigada a todas que leram e para retribuir todos esses comentários lindos e esse presentão que foi por QD ter sido a short do mês venho através dessa terceira att na n/a avisar que finalmente escrevi QD2. (:
Continuo dedicando essa short a @saadias e sempre agradecendo a @linenunes por toda ajuda.
De resto, não parem de comentar. Eu leio ~todos~ de verdade e vocês realmente sabem mexer comigo fora o incentivo que me dão. Mais uma vez, obrigada. A cada elogio eu tenho vontade apertar a bochecha de todas e beijar em cada lado. Nhac.