Escolhas. A vida é feita de escolhas. Por mais indecisos que sejamos, ao abrir os olhos pela manhã, teremos que optar entre permanecer na cama, esquecendo as horas, ou levantar. A opção continua na primeira refeição da manhã: cereal, frutas, chá, café, pão integral, pão branco, mel, açúcar ou adoçante.
Desejar bom dia ou resmungar qualquer coisa, ou ficar calado. São opções. Escolhas que você tem que tomar. Sair de carro, dar uma caminhada, correr para não perder a condução ou fazer de conta que não tem compromisso nenhum. Ser gentil com as pessoas a sua volta, ou simplesmente ser indiferente.
Mas cada escolha, independente de suas opções, tem que ser tomada com cautela. Qualquer piso em falso pode alterar todo o andamento de seu dia, ou de sua vida. Eu... Bom, eu escolhi enfrentar meus problemas, deixando de lado meu passado e a boa pessoa que eu era. Eu escolhi ser a pessoa indiferente.
Estava parada em frente àquele portão de bronze gigante, seguido de uma muralha com pintura rústica e descascada. Evitava aquele momento há um ano inteiro, desde que fui morar na casa de meu pai, em Frankfurt, Alemanha. Havia deixado tudo para trás: minha mãe, irmã, amigos e namorado. Eu sabia que muita coisa havia mudado, sabia de tudo graças às cartas de minha irmã, Bridget. Agora, a Drayton Manor School mudara sua carga horária de oito, para dez horários. No almoço, acrescentaram mais três tipos diferentes de refeições e outros dois de sobremesa. E mais outras coisas que eu precisava esquecer. Eu iria esquecer.
Arrumei a alça da minha bolsa vermelho-sangue que insistia em cair, dei uma olhada para meu carro, pensando em fugir dali o mais rápido possível. Eram minhas opções. Mas a partir do momento em que fui para a França, entrei no Eurostar e desci na Saint-Pancras, eu havia feito minha escolha. Então a sirene tocou uma ultima vez, dispersando-me de meus pensamentos. Não havia outra saída, eu teria que entrar.
Vi uma garota de estatura muito baixa, de cabelos extremamente loiros, pele aveludada, sem comentar de seus olhos verdes, se aproximar e colocar a mão em meu ombro.
- Você consegue fazer isso, ... - minha irmã mais nova sussurrou e me puxou pelo braço, levando-me para dentro daquele imenso colégio.
A partir do momento em que adentrei, todos os olhares se voltaram a mim. Eu esperava por isso. Teria que me acostumar a partir de agora.
- Cabeça erguida... - Brie sussurrou novamente, e imediatamente eu o fiz. Ergui a cabeça de um modo superior, e ignorei todos os olhares e cochichos que insistiam em cair sobre mim. "O que ela está fazendo aqui?" era tudo o que as pessoas se perguntavam. Ou "Ava sabe que ela voltou?"
Eu escutei o nome da garota enquanto atravessava aquele imenso gramado até a entrada principal. Aquele nome me causou repulsa e me fez lembrar o principal motivo por eu estar de volta a Londres: vingança. Alguns filósofos acreditam que ela é necessária para manter uma sociedade justa. E eu estava ali somente para isso, contribuindo para uma sociedade melhor, nada mais. Esse sentimento me alimentava e me fortalecia a cada segundo. Deixei todas aquelas boas memórias de lado, e as substitui por raiva.
A que todos eram acostumados havia ficado em Frankfurt, junto com a aquela garotinha simpática com todos. Simpática era um adjetivo fora do meu dicionário às pessoas do Drayton Manor.
Antes de subir as escadas com Bridget ao meu alcance, olhei de relance para as pessoas a minha volta. Sorri de lado a quem quer que visse, e passei pelo portão de entrada.
As pessoas no corredor pareciam dar-me passagem enquanto andava, e aqueles murmúrios estavam me entusiasmando cada vez mais. Finalmente cheguei à sala de numero 605.
- Está entregue... - Brie parou em frente àquela porta branca. - Boa sorte... - minha irmã desejou sinceramente, e me deixou encarando a larga porta.
Vi a inspetora Burke se aproximar e me olhar da cabeça aos pés, procurando disfarçar, inutilmente. Seus olhos castanhos e pequenos devidos à sua descendência asiática mostravam um curioso interesse sobre mim. Ela continuava a mesma. A mesma expressão de pseudo-superioridade, aquele cabelo crespo, preto e ondulado caindo sobre seus ombros, e as roupas apertadas e de tecido barato...
- Está pronta?- a voz firme da mulher se pronunciou. Concordei silenciosamente. Sra. Burke abriu a porta de metal, ecoando o barulho que seus saltos faziam ao tocar o chão. Imediatamente, a classe se silenciou.
- Bom, como de costume, irei apresentar os novos alunos... - Foi só ai que percebi os outros cinco alunos ao meu lado. Todos pareciam tímidos à minha presença. Talvez soubessem quem eu era, afinal, quem não sabia?
Ignorei a presença deles e voltei minha atenção à inspetora. Então a mais velha chamou-nos com um aceno. Dei passagem aos outros, ficando em última posição. Abaixei um pouco a cabeça, fazendo com que meus cabelos tampassem meu rosto, e entrei.
- Mathew Farrell, de Boston, EUA.- Ela apontou para o garoto alto de cabelos loiros. - Jessica Flemming, da escola Vanderpool, Erick Lewis de Manchester, Tania Owens da escola Parmevall, Joseph Hammer de Melbourne, Austrália, e... - ela parou no momento de pronunciar o nome do próximo. Talvez até a inspetora estivesse intimidada com a minha presença. -... . - A voz da mais velha saiu quase em um sussurro. Percebi que todo o restante da classe havia prendido a respiração. Passei os olhos por todos sem receio, mas ninguém parecia ter coragem de me encarar, mas eu mantinha o pequeno sorriso no rosto, talvez cínico ou intimidador. Reconhecia cada rosto que estava assustado com a minha presença.
As pessoas se entreolhavam, e outras olhavam em uma só direção, em uma cadeira em particular, no meio da sala. Foi aí que eu também olhei. Reconheci aquela loira de cabelos lisérrimos e olhos azuis, os quais tinham um toque de choque. A garota me encarava, totalmente incrédula. Eu prendi meu olhar em Ava, e percebi que esta tentava disfarçar sua feição de choque.
- Podem se sentar - ordenou a inspetora após perceber o clima pesado no qual pairava a sala 605. Ninguém ousava dizer sequer uma palavra.
Passei por entre as pessoas, ignorando a presença de todos, com o olhar fixo naquele par de olhos azuis.
Havia duas cadeiras vazias, uma ao lado de Ava, e outra ao lado de algum desconhecido. Todos esperavam que eu sentasse ao lado do desconhecido, mas não foi o que fiz. Uma garota, talvez Jessica ou Tania (eu não fazia questão em saber), estava quase se sentando naquela cadeira, mas bastou um olhar para que a tal se afastasse.
A classe continuava em silêncio, até o professor de Ciência e Cidadania parecia prestar atenção naquela cena.
- Hey, Ava - me pronunciei pela primeira vez, sem tirar o sorriso do canto dos lábios. Quem sabe eu não o aderisse para o resto dos dias.
Ava piscava incessantemente, abria e fechava a boca, procurando o que falar.
- O-olá... - a outra disse num sussurro. Mostrei todos os meus dentes abertamente em um sorriso, e me sentei ao lado de Ava. A partir desse momento, o professor se lembrou do porquê das pessoas o pagarem para que ele estivesse ali, e chamou a atenção de seus alunos.
Ninguém moveu uma palha se quer. Foi aí que eu parti o contato visual com Ava e encarei todos à minha volta. Estes se viraram imediatamente para o professor, que começou a falar alguma baboseira sobre direitos políticos dos cidadãos.
Senti que a garota ao meu lado estava extremamente incomodada com a minha presença, pois olhava para qualquer lugar, exceto meus olhos. Estava até prestando atenção em Cidadania, coisa que nunca fizera antes. Pelo menos não nos tempos em que éramos... amigas.
- Então... - comecei, vendo que a outra ainda não me dirigia seus olhares. - Você e Aaron...
- Não estamos mais juntos! - Ava se adiantou desesperadamente a falar. Sorri.
- Que peninha... - forjei uma cara triste, e a morena lançou-me um sorriso amarelo, olhando novamente para o magrelo de óculos fundo-de-garrafa, que falava empolgadamente sobre algo totalmente inútil aos meus olhos. Eu não precisava saber sobre os direitos e deveres ao qual um indivíduo está sujeito em relação à sociedade em que vive. Eu estava pouco me preocupando sobre a sociedade e seus problemas.
Mas fui sujeita a aturar longos cinquenta minutos com a voz irritante do professor Neumeier na minha cabeça, mas o divertido foi ver o desconforto que eu estava causando à Ava Caldwell. Vi a garota se remexer a cada cinco minutos em sua cadeira, escrever coisas alheias em seu caderno, olhar constantemente em minha direção e desviar o olhar no mesmo momento.
Então assim que a sirene tocou, cochichos começaram, e os alunos se levantaram, indo em direção à sala de literatura.
Ava se levantou sem ao menos dizer algo, adiantando-se a sair de perto de mim o mais rápido que pudesse, e se juntou ao resto do bando.
Quando não havia mais alguém ali, me soltei literalmente naquela cadeira de madeira extremamente dura, respirando e soltando aquela tensão que estava me dominando.
Fechei os olhos, desejando que tudo aquilo sumisse da minha visão, e que meu quarto se projetasse naquela sala clara e fria.
De repente senti que não estava sozinha. Abri os olhos lentamente, a ponto de perceber a presença de ao meu lado. E eu nunca desejei tanto em minha vida poder me teletransportar dali.
- Então é verdade que a grande está de volta... - ele falou lentamente, de um modo que fez parecer que ele ainda não acreditava naquele fato.
- É o que parece... - respondi descrente, encostando minha cabeça na cadeira. tinha um sorriso de canto em seus finos lábios, e me encarava cuidadosamente. - O que você quer?- soltei friamente aquela frase, a fim de ter longe de mim o mais rápido possível. Ele continuava o mesmo. Sinceramente, nada nem ninguém daquela escola parecia ter mudado. Tolice minha ao pensar que poderia ter se tornado alguém menos irritante, mimado e cínico. Doce ilusão.
- Só queria ver com meus próprios olhos... - ele disse, com um cinismo típico em seu tom de voz. Bufei.
- Você já viu, agora poderia me deixar em paz? - Levantei a cabeça e comecei a encarar o garoto irritante ao meu lado. Ele sempre foi assim. Irritantemente cínico e impertinente. Como disse antes, não esperava uma mudança de sua parte, seria perturbador ver com um sorriso meigo em seu rosto. Eu sempre fui fascinada em sorrisos. Como dizem os mais patéticos poetas: o sorriso é o espelho da alma, ou qualquer besteira assim. Os de sempre o mostraria como a pessoa mais fria e calculista do mundo.
- Na verdade, não... - ele disse naturalmente, retribuindo a intensidade do olhar.
- , será que um dia você vai cansar de receber nãos?- perguntei, incrédula.
- Não... - o garoto soltou uma gargalhada estridente. Eu tinha que admitir que aquela risada era algo incomum. Aquele tipo que dá vontade de rir junto. Sem falar sobre seus olhos incrivelmente e sua samba-canção saindo de suas calças largas e o modo como ele sempre deixava a parte de cima de seu informe intacta. Sua gravata perfeitamente moldada ao redor de seu pescoço, a camisa amarela por baixo e o paletó marrom por cima de tudo. Seu cabelo era bagunçado do jeito mais charmoso possível, sem falar de seu rosto indefectível. E suas sobrancelhas arqueadas deixavam o garoto mais irresistivelmente charmoso em todo o mundo. Foi ai que me lembrei que falávamos de , a pessoa mais repugnante de toda a galáxia. Entretanto, beleza não tem o mesmo significado que repugnância, para a sorte de . E para a minha infelicidade.
Mas eu mantive a minha postura, bufei, peguei minha bolsa no chão e me dirigi à sala de número 069. Número sugestivo, eu pensei.
Como da primeira vez, os olhares foram dirigidos a mim. E desta vez, não sentei ao lado de Ava (para o alívio da garota). O susto que tinha que dar, já havia dado. Sentei-me na cadeira mais afastada de todas, me isolando de qualquer comentário inútil que poderia escutar. Fiquei de frente para a grande janela que situava na parede, me perdendo em pensamentos diversos, de como aquele semestre seria extremamente cansativo e tenso acima de tudo. E eu já estava a ponto de socar cada pessoa que me encarava. Aquilo já havia perdido a graça, e em tão pouco tempo. De repente eu havia me tornado a celebridade da Drayton Manor, e eu estava prestes a me tornar a nova Amy Winehouse do pedaço.
- Morram todos... - foi o que eu murmurei antes de fazer meus braços de travesseiros.
Senti algum ser me balançar bruscamente. Acordei com Bridget dando ataques, me dizendo que era a hora do intervalo e que era um absurdo eu estar dormindo. Não respondi, eu normalmente acordo mal-humorada, não importa a hora que seja. E como se eu me importasse pelo fato de ser a hora do intervalo, sejamos honestos, nada mais me interessava naquele recinto, a não ser os meus objetivos.
Sai de dentro da sala sendo seguida por minha irmã, que continuava a tagarelar, agora sobre um assunto sem importância. Corrigindo: todas as palavras vindas da boca de Bridget eram sem importância.
Eu reparava nos folhetos coloridos pregados nas paredes descascadas do corredor. Festas e mais festas eram anunciadas. Mas à medida que eu andava, os olhos continuavam a me perseguir, não importava o quão insignificante fossem meus atos. Era como se ali, eu fosse um extraterrestre, ou algo pior. Eu precisava fazer um bloqueio de olhares sobre mim, isso era fato. Ser benzida contra mau olhado também soava como uma boa ideia. Comecei a imaginar se o semestre inteiro seria daquela maneira. Seria simplesmente insuportável, e minha paciência esgotaria facilmente.
Viramos à esquerda na quinta porta do corredor, e ao abri-la, demos de cara com o enorme refeitório. À esquerda, notei o enorme balcão com a variedade de refeições de sempre, como um self-service. À direita, junto à maquina de refrigerantes, havia outra bancada, mas com doces. Essa com certeza era a minha favorita.
- Impressionante como não cansam de você... - Bridget começou enquanto adentrávamos o grande salão. - Nas aulas, o único assunto era "A grande volta de ". Até os professores paravam suas aulas para escutarem as fofocas... Você não imagina o quanto eu escutei. Kelly disse que você voltou para matar Ava... LJ contou algo sobre você estar em um reformatório e ser expulsa por vender drogas no banheiro feminino... - Minha irmã ria a cada palavra. Na verdade eu não achei a mínima graça de nada disso. Fofocas sem fundamento para mim são dispensáveis. Apesar da ideia sobre matar Ava não seja completa e inteiramente fofoca...
- Arrume uma mesa enquanto eu pego um refrigerante... - disse à Bridget, que saiu imediatamente. Aquele refeitório mais parecia um grande zoológico, para ser mais realista. Um amontoado de cobras venenosas e leões prontos para atacar uns aos outros.
Espantei as imagens de uma selva de minha mente, e me concentrei em colocar uma moeda na máquina, e em seguida apertei o botão referente a Pepsi. O barulho do metal rolando sobre o plástico me fez abaixar e pegar a lata. Assim que me virei, para a minha surpresa, havia um garoto encostado em um dos pilares próximos me observando de braços cruzados. Ele vestia as mesmas calças largas de , com aquela samba-canção à mostra igualmente. A camisa social amarela, que estava sem a gravata e sem o paletó por cima e com as mangas dobradas até o cotovelo, parecia ser um tanto quanto justa, pois marcava seus músculos bem esculpidos. Era , eu reconheci imediatamente. Ele estava mais bonito do que eu me lembrava. Seu rosto não tinha expressão alguma, tampouco seus olhos vazios. Sua feição fez meu estômago dar mil voltas, e por um momento, me fez esquecer o meu propósito em Londres.
O que eu mais queria naquele momento era pular em seu pescoço em um abraço sufocante. Mas isso era tudo o que eu não podia. Eu precisava manter as aparências, e não merecia meu afeto. Sustentamos o olhar por alguns segundos, eu tentava ler o que se passava em seus pensamentos. Eu provavelmente não ficaria feliz após lê-los. Então simplesmente arqueei uma de minhas sobrancelhas e cortei nosso contato visual, indo em direção à mesa da minha irmã, sem olhar para trás.
- Era o , huh? - ela disse assim que me sentei e abri meu refrigerante. Dei de ombros, sem soltar uma sílaba. - Você sente falta dele, não? - Brie me olhava apreensiva, como se tivesse pena. Eu não precisava de ninguém sentindo pena de mim.
- Não - eu disse curta e friamente, dando um gole em meu refrigerante, e cortando aquele assunto pela raiz. Brie deu de ombros e voltou sua atenção à sua refeição.
Como de costume, os alto-falantes presos em cada canto no teto, começaram a tocar alguma musica escolhida pelos coordenadores da rádio da Drayton Manor. Em cada intervalo, o salão era invadido por diversos tipos de sons. Os dez minutos finais cabiam às noticias do colégio, coisas inúteis e fúteis como mudanças de horários, ou fofocas sem fundamentos, como quem estava namorando quem. Aquele maldito noticiário infernizou muito a minha vida no último ano em que estive aqui. É como se eu vivesse em uma mini-Hollywood, onde não se tem privacidade. Ou respeito.
Butterfly Boucher envolvia e distraía a minha angústia por lembrar tudo o que eu vivi naquele maldito refeitório. Eu cantarolava a música Life is Short baixinho, uma vez ou outra lançava olhares mortais aos que me encaravam.
'Oh I am young but I have aged. Waited long to seize the day. All things said and plenty done... life is still short'
Era exatamente o que eu sentia. Tudo que havia acontecido nos anos passados, me fez amadurecer de um modo que eu não esperava, de um modo que qualquer pessoa desejaria num futuro bem distante.
De repente senti alguém se sentar ao meu lado, mas não me importei em olhar, já que eu tinha certeza de que seria . Ele tinha mania de perseguição, e em todos os intervalos passados ele insistia em me dar de presente sua ilustre companhia. Mas me surpreendi ao escutar uma voz feminina falar.
- Estou muito feliz em ver que você está bem, ... - a garota falou, mas eu nem precisei olhá-la para saber quem era. - De verdade... - possuía aquele mesmo rosto angelical, e aquela feição que lhe faz sentir que tudo ficaria bem. Ela sempre possuiu esse poder, seu olhar passava segurança, e isso não mudou. Com ela, eu não conseguiria ser fria, ou manter os olhares assassinos. Os sentimentos de raiva e ódio não se encaixavam sobre ela.
- Digo o mesmo... - respondi meio tímida, mantendo a firmeza na voz. Ou pelo menos tentando. Eu ainda não era capaz de olhá-la diretamente. Haviam degraus que eu ainda precisava subir.
- Vamos ter que fingir que somos estranhas? - disse pesarosa, procurando meu olhar. Hesitei alguns instantes.
- Acho que eu não seria capaz de ignorar sua presença... - olhei-a finalmente. A vontade que eu tinha de abraçar , eu tive agora, mas não ficou apenas na vontade. Acho que ela pensava como eu, pois ao mesmo tempo nossos corpos se chocaram em um abraço quebra-ossos.
Não havia algo que eu mais sentia falta, do que de uma melhor amiga.
- Senti tanto a sua falta, ! - ela disse em um sussurro enquanto me apertava.
- Nem me fale... - concordei, lembrando de tudo o que eu passei sem ela do meu lado.
Soltamo-nos, e ao olharmos para os lados, foi inevitável conter o riso.
- Você está tão linda e... Superior! - disse rindo, me analisando. - Eu via você olhar para as pessoas, eu admito que fiquei com medo! - Ri do comentário. Que bom que era esse o efeito que eu estava tendo sobre as pessoas.
- Você não precisa ter medo de mim... - dei um meio sorriso. O dela desapareceu.
- Você não está pensando em...
- Sim, . Eu estou pensando nisso. - Arqueei as sobrancelhas e ela me repreendeu.
- , esquece isso! É passado!- minha amiga disse meio desesperada. Bufei.
- , olhe ao seu redor - falei pausadamente, e esperei para que ela olhasse. A maioria das pessoas, para não falar todas, direcionava seus olhares curiosos sobre nós. me olhou novamente. - Você realmente acha que é passado? - a enfrentei. A garota olhou à nossa volta mais uma vez. Não havia dúvidas que tudo aquilo ainda era o assunto no Drayton Manor. soltou um suspiro derrotado e eu sorri, vitoriosa. Subitamente, aquela musica ridícula que sempre anunciava o inicio do noticiário estúpido, começou a tocar.
As pessoas ficaram apreensivas para escutar o que Clair, a nerd desesperada por popularidade, tinha a dizer. Eu previ cada palavra que jorraria daqueles alto-falantes, ate mesmo os maiores perdedores sabiam o assunto principal do dia.
- Bom dia alunos do Drayton Manor School. Aqui é Clair White, com as principais noticias do nosso colégio... - a voz irritante da garota soava ainda mais insuportável, e eu senti uma vontade monstruosa de fugir dali. Mas é claro que não o fiz.
- Como todos já sabem, nossa garota pródiga, , está de volta a Londres... - suspirei e fechei os olhos, irritada. - Mas o que será que ela faz aqui, afinal? Uns a chamam de intrusa, outros apóiam a vinda dela. É um mistério a sua volta, pode ser por vingança, e se for, muitos estão com os dias contados. Ou simplesmente saudade, já chegou a informação que ela e estão amigas novamente... - olhei de relance para minha amiga, e percebi sua timidez. - Podemos ver que o semestre vai ser cheio de surpresas. Eu particularmente preferia que estivesse ficado na Alemanha, fazendo o que quer que seja... - Certo, agora chega. Estava na hora de fazer algo, estrear meus planos. White parecia perfeita para isso. Levantei-me, atraindo toda a atenção do refeitório. Comecei a andar a passos largos e pesados em direção à saída. Assim que a porta se fechou atrás de mim, os murmúrios eram constantes. A velocidade dos meus passos aumentou e eu podia ouvir o eco que minhas sapatilhas pretas faziam ao bater no chão de mármore.
Subi as escadas que levavam ao segundo andar do prédio. Continuei com passos rápidos e desordenados no corredor, observando cada uma daquelas portas brancas com um pequeno quadrado de vidro no meio.
- 2.08B. - Era esta. Deixei minha educação de lado e abri a porta sem bater. Dei de cara com uma sala cheia de TVs, aparelhos de som de todos os tipos, gravadores, microfones.
Três cadeiras em frente a cada TV, e na do meio, uma ruiva com roupas que pareciam ser costuradas pela avó. Ela segurava o microfone, e olhava estática em minha direção, assim como os outros.
- Hey Clair... - eu falei no tom mais cínico que consegui. Sua feição de choque só fez aumentar ainda mais meu sorriso irônico. Eu entrei neste colégio com um objetivo, e eu iria fazer tudo para chegar até ele.
- ... - ela disse em um sussurro desesperado. Todos seus amigos nerds a encaravam também desesperados, provavelmente preocupados com meu próximo passo.
- Como vai a vida jornalística? O noticiário continua sendo a mesma merda que sempre foi ou piorou? - continuei com o sorriso aberto enquanto a boca de cada um ali parecia querer despregar de seus rostos. Clair olhou para um de seus companheiros, que fez menção de desligar o microfone, mas eu o impedi. - Não faça isso, querido. Não é isso que todo mundo quer? Ouvir as palavras imundas vindas da boca da... garota pródiga? - repeti as últimas palavras no mesmo tom em que haviam sido pronunciadas anteriormente. O rapaz soltou o microfone no mesmo momento e passou a encarar seus sapatos mal encerados.
- O-o que você quer, ? - Clair forjou uma segurança em sua voz, talvez tentando passar uma mensagem do quão corajosa ela (não) era.
- Vejamos... - aproximei-me mais dos três, fazendo-os afastar de imediato, batendo as costas de suas cadeiras no móvel onde se encontravam os aparelhos eletrônicos. - Há muitas coisas que eu queria, como acabar com esse noticiário ridículo que tenta ser uma imitação muito mal feita daquele seriado... Qual é mesmo o nome? Oh sim, Gossip Girl. Você se considera uma Gossip Girl, White? - falei com as sobrancelhas arqueadas, mostrando um interesse falso sobre a resposta que estava por vir. Clair abriu a boca para responder, mas eu tratei de falar antes. - Que bom que não. Você seria uma cópia muito barata, e ainda precisa acrescentar muitas palavras inteligentes ao seu vocabulário, e não tenho muita certeza de que você tenha essa capacidade... - forjei uma feição de dúvida, e vi o quão envergonhada a garota Clair estava. Não me importava se eu estava pegando pesado ou não, eu realmente não me importava. Palavras piores já foram jogadas da boca suja de Clair White sobre a minha pessoa, e nem um pingo de misericórdia circulava em minhas veias.
A menina estava visivelmente sem palavras, assim como seus colegas. Ela me encarava incrédula por trás de seus óculos remendados, como se pedisse piedade ou algo assim. Resolvi pegar um pouco mais leve, devido ao fato de eu ter certa compaixão por cachorrinhos desamparados.
Eu mesma desliguei os microfones e olhei profundamente nos olhos da garota a minha frente, que me olhava com tanto medo que tive a impressão de ver suas mãos tremerem.
- Nunca mais ouse em tocar no meu nome, ou no de , ou seja lá a pessoa que esteja envolvida comigo. Está me entendendo ou será que eu preciso te lembrar do que você sempre faz no bloco C com um certo professor de Aritmética? - falava friamente, chegando cada vez mais perto do rosto de Clair, para que eu parecesse mais intimidadora. A garota assentiu freneticamente a cabeça, me fazendo sorrir e me afastar lentamente.
- Ótimo. Acho que não teremos mais problemas... Por enquanto - sorri abertamente para os três estáticos a minha frente. Liguei novamente o microfone. - Até mais, querida. Cuide-se, está bem? - antes de obter qualquer resposta, dei as costas a todos e bati fortemente a porta logo que sai da sala.
Suspirei pesadamente e fechei meus olhos fortemente, tentando obter forças de alguma parte qualquer do meu corpo, pois meu cérebro estava farto.
Apoiei meus braços em meus joelhos, antes de criar coragem para continuar com tudo aquilo.
We
Just
Like to Party
Eu estava enrolada em milhares de edredons, me mantendo quentinha, mesmo sabendo que lá fora não estaria tão frio assim. Pelo menos ali dentro eu havia colocado o ar-condicionado nos 18 graus.
Não tinha a mínima noção de tempo, não sabia se já eram três da tarde ou se ainda eram cinco da manhã, e não me importava, a cortina tamparia qualquer sinal de luz mesmo.
Eu decidi que iria ficar ali o resto do dia, quem sabe amanhã também e se me deixarem, o dia depois de amanhã. Mas claro que não me deixariam ser tão feliz assim...
Então resolvi aproveitar, quem sabe, o pouco tempo de placidez que me restava, tentei até voltar para o meu agradável sonho antes de uma vontade irritante de ir ao banheiro me acordar. Um sonho em que eu estava de volta a Frankfurt, dando meus passeios diários na Praça Römer pela manhã, sentindo aquele vento delicioso da primavera germânica. Sem falar das maravilhosas cervejas que eu fazia questão de tomar toda noite com meu pai. Bons tempos.
Mas senti o sorriso solitário se desmanchar quando vi alguém abrir a cortina que mantinha minha felicidade. Quanta impertinência!
- Horrra de acorrrda, senhorrrita - escutei a voz incrivelmente irritante de Berta, a governanta, soar como gritos aterrorizados. Coloquei o travesseiro em meu rosto a fim de proteger meus olhos da claridade, mas ele logo foi tirado de meu rosto.
- O que significa isso, Berta?- perguntei, irritada com a audácia da mulher. Não é só porque ela trabalha para minha família há milênios que ela podia ter essa autoridade!
- Escola! Já são sete e meia, a escola fecha às oito! - aquele sotaque russo dela nunca me pareceu tão horripilante quanto naquele momento.
- Acha que eu me importo com isso? - sentei-me na cama, totalmente aborrecida, enquanto Berta começava a tirar as minhas roupas jogadas no chão. A mulher era bem pequena, possuía no máximo um metro e meio e era bem gordinha. Gordinha era elogio, já que ela me lembrava um elefante recém-nascido. Apesar de sua mania aterrorizante de me acordar desde que me lembro por gente, eu gostava dela. Quero dizer, naquela casa, onde minha mãe era pouco presente, meu pai havia a largado para casar-se com sua secretária alemã e minha irmã mais nova não se importava com nada além de sexo, bebidas e rock ‘n’ roll. Adolescência pródiga, eu sei. Ela nunca se importou muito com o que a elite londrina pensava, no sentido de sair com garotos, devo alegar. Imagino que já tenha transado com todos da Drayton Manor, inclusive meu ex. Isso pouco me importava. Não agora.
Voltando à Berta, fora ela quem sempre cuidou de mim, como mãe, quero dizer. Sempre me ajudou a escolher roupas para ir à escola, assim como comprá-las nas melhores lojas de Londres e Paris, sempre me aconselhou em assuntos de garotos e todos os quais eu segui, acabei me dando bem. A mulher não passava dos quarenta anos e seu sotaque robusto vinha de um vilarejo qualquer da Rússia.
- Odeio você. Odeio essa escola repugnante. Odeio Londres. E principalmente, odeio esse travesseiro de pluma de gansos. Trate de me arranjar um Duoflex, sem falta! - continuei com minha arrogância matinal. Pobre Berta, às vezes me questionava como ela conseguia me aguentar.
Levantei-me da cama, sendo seguida pela mulher, que me entregou uma roupa qualquer em mãos, saindo do quarto logo em seguida, dizendo-me para não demorar. Vesti o traje escolhido por Berta. Impressionante como ela conhecia meu gosto e escolhia sempre algo que cairia bem em mim. Fiz minha higiene matinal, coloquei um chapéu em meus cabelos para dar apenas uma disfarçada. Ele estava horrível naquele dia.
Então desci para tomar o café-da-manhã com minha linda e adorável família. Todas as duas mulheres com lindos rostos após acordarem.
- Bom dia - falei vagamente à minha mãe, que lia o The Times distraída, provavelmente na sessão de moda. Ela nem me deu atenção, o que não me incomodou nem um pouco, já que eu estava acostumada. Acenei vagamente à Bridget e sentei ao seu lado.
Enchi minha xícara de café, peguei uma waffle para forrar o estômago e lambuzei-a de calda de chocolate. Passei a ler o Mirror, que estava a postos perto de mim. Berta sabia que eu gostava de me distrair durante o café para não ter que dar atenção às coisas que minha mãe ou Bridget diziam.
- O motorrrista chegou - Berta anunciou após uns dez minutos de refeição silenciosa. Limpei minha boca com um guardanapo de pano e me levantei cuidadosamente da cadeira.
- Adeus, mãe - falei apenas por educação, pegando minha bolsa que estava jogada no chão.
- Até mais - ela respondeu vagamente, ainda sem tirar seus minúsculos olhos do jornal. Escutei Brie se despedir e vir correndo me alcançar antes que o elevador se fechasse.
Foi um trajeto silencioso até o térreo, eu e minha irmã não tínhamos muito que falar de manhã, na verdade nunca tínhamos o que falar em qualquer hora do dia, pelo menos eu nunca tinha. Quando nos falávamos, normalmente eram apenas futilidades ou assuntos relacionados a garotos.
Um sinal singelo foi tocado, anunciando que havíamos chegado ao nosso destino e assim que a porta do elevador se abriu, saímos saguão adentro. A portaria do meu prédio era um tanto quanto refinada. O piso de granito era tão bem polido que eu podia ver meu reflexo enquanto passava. Havia um grande lustre pendurado no teto, revestido de ouro e cristais que caíam para todos os lados. Tudo muito requintado. Desde os móveis até o uniforme do porteiro, o qual abrira a porta de vidro para passarmos e desejara um bom dia. Sorri agradecida, já que ainda lembrava-me de algo chamado educação. Vi a limusine estacionada em frente ao prédio e o motorista, que aguardava-nos do lado de fora, abriu a porta traseira para que entrássemos. Sentei-me em um lugar mais afastado de Brie, encostando minha testa no vidro levemente gélido e vendo a rua Chelsea já movimentada. Atravessamos toda a King's Road até chegarmos à Sloane Square, que dava início ao centro da cidade, onde a verdadeira movimentação acontecia. E após alguns vinte minutos de trânsito, descemos na Drayton Manor. O fluxo de alunos que entravam ali já era intenso, todos entrando sorridentes e acompanhados de seus melhores amigos, dizendo coisas fúteis e inúteis como era de se esperar de pessoas dessa idade e dessa classe social. Enquanto eu atravessava o imenso gramado, vi de longe alguém encostado em uma árvore fechar seu livro e vir radiante em minha direção. Não radiante porque essa palavra acompanhada ao sobrenome simplesmente não combinavam.
- Bom dia, - ele disse com sua típica cara marota, com aquele típico sorriso escrotamente safado. Não sei por que ele ainda insistia.
- Enquanto tiver você no caminho, nunca terei um verdadeiro bom dia, - falei simplesmente sem olhar diretamente em seu rosto, sabia qual seria sua reação. Um sorriso descarado estaria estampado em seus lábios. Talvez se eu começasse a tratá-lo de forma amável, ele desistiria de mim. Essa era definitivamente uma ótima idéia.
- Adorável como sempre - continuou, andando ao meu lado, mas sem dizer mais palavras, apenas me acompanhando.
Não devo esquecer-me de mencionar que as pessoas ali pareciam ainda não ter se esquecido da minha existência, o que continuava a me irritar. Talvez se eu passasse a ameaçar todas, elas parassem de me infernizar com seus olhos cheios de luxúria. Eu estava farta de ideias naquele dia.
A figura de espantou os planos mirabolantes e nem um pouco bondosos de minha mente, e uma alegria me dominou por vê-la. despertava o meu lado bom. De um modo estranho, por ele estar tão apagado e esquecido.
- Bom dia! - ela disse radiante antes de me dar um abraço apertado.
- Dia! - falei na mesma alegria, até ela ser totalmente evacuada assim que escutei o riso cínico vindo de . - O que você ainda faz aqui? - perguntei irritada.
- Você sabe que eu adoro desfrutar da sua adorável companhia - respondeu ele galanteador, fazendo-me rolar os olhos.
- Gostaria de dizer o mesmo - falei vagamente antes de deixá-lo falando sozinho e arrastar escola adentro.
- Como você ainda atura esse garoto? - perguntou rindo, enquanto vagávamos no corredor do bloco B em direção à sala de Orientação Sexual. Sim, nós tínhamos matérias baldadas como essa, que no final não serviam para nada, já que todos continuavam a praticar sexo totalmente desordenado e inseguro.
- Eu não aturo! - bufei. Nenhum ser humano é tão pecador a ponto de ter que aturar um em sua vida.
- ! - escutei ao meu lado gritar e no mesmo instante a vi correr para os braços de alguém. Eu não acreditava no que via.
Aproximei-me daquelas duas pessoas ainda abraçadas, mas agora se beijando, e uma repulsa me dominou. Fiquei parada em frente aos dois, apenas observando aquela patética e romântica cena, sem nenhum dos dois se quer notar a minha presença. Pigarreei.
- Oh, me desculpe ! - afastou-se do garoto com um risinho e se virou pra mim. Forcei um sorriso. - Se lembra do ? - ela apontou para o garoto ao seu lado.
- Claro que me lembro, como poderia esquecer? - continuei com o sorriso cínico em meu rosto. - O que você estava fazendo agarrando ele? - olhei-o de cima a baixo.
- Prazer em revê-la também, - disse sorridente, abraçando minha amiga logo em seguida. - Eu e estamos namorando, ela não te disse? - ele completou, olhando de esguelha a garota, que agora olhava para os próprios pés e colocava uma mecha do cabelo atrás de sua orelha.
- Primeiro: não me chame de . Não somos amigos - sorri. - E como você não me contou que está namorando este traste? - perguntei chocada, vendo-a brincar envergonhada com os dedos.
- Devo ter esquecido de mencionar... - ela disse baixinho, já sabendo que eu surtaria. Talvez eu soubesse o motivo de ela não ter me contado... Talvez por eu ter implicado o primeiro ano inteiro... Não tenho culpa se ele é extremamente irritante e ainda por cima ser amigo de , apesar de ser totalmente o oposto do amigo. Nossos santos simplesmente não batiam, era isso.
- Como você se esquece de mencionar que namora esse... - me lançou um olhar letal. - Ser... - rolei os olhos.
- Você vai ter que aturá-lo a partir de agora, . Esse é o nosso trato - puxou o garoto mais pra si, o qual mantinha um sorriso de orelha a orelha por ver minha derrota. - Agora sorria! - ela disse alegre.
Como essa garota consegue ser assim mesmo?
- Eu posso aturá-lo, agora não me peça para ser simpática com ele! - rolei os olhos e comecei a andar novamente em direção à nossa sala de aula, tendo andando logo atrás de mim.
- Como foi a estadia na Alemanha, ? - escutei a voz de ao meu lado e não pude deixar de bufar. Desculpe, mas ainda ficarei sem aturá-lo por um bom tempo.
- Você ainda está aqui? - não pude evitar, entretanto, senti pisar em meu pé e tive que rever minhas palavras. - Foi ótimo. Tranquilo. Sem pessoas me irritando, entende? - sorri.
No intervalo, sentou-se comigo, e Bridget. Eu realmente teria de me acostumar. Mas não foi só isso. Eu também tive a ilustre companhia de para completar minha manhã. Que ótimo.
- Você está sabendo? - o escutei sussurrar em meu ouvido. Já começava a me arrepender de ter deixado a Alemanha. Vir-me-ei a contragosto.
- Por favor, me diga que você está com um tumor e que irá morrer amanhã - fechei os olhos com força. O garoto apenas riu de leve.
- Infelizmente para você, não. Estou dando um brunch hoje à noite, e sua presença é essencial - disse com o charme de sempre. Eu não podia negar ao seu charme, mas sua repugnância era maior, graças a Deus. Ou o mundo estaria perdido.
- Infelizmente para você, eu não vou - disse simplesmente e voltei minha atenção à latinha de refrigerante na minha frente. Não estava interessada em uma das festas/escândalos de . Já havia passado dessa fase e eu havia prometido a mim mesma que festas em Londres, jamais. Eu me proibia a aceitar. Nada (nem ninguém) me faria aceitar. Eu queria distancia de escândalos.
- irá. Talvez você pudesse repensar... - apoiou a cabeça em uma das mãos na mesa. - E disse que queria poder conversar com você... - ele pegou meu refrigerante e deu um gole. Meu coração parou por um segundo. Talvez eu pudesse repensar. Para toda regra há uma exceção, não é mesmo?
- Ele... Ele disse? - fraquejei. A idéia de ter querendo conversar comigo parecia tão impossível, mas meu coração queria tanto acreditar... apenas balançou sutilmente a cabeça, fazendo meu coração acelerar mais e mais. Fiz um custo para respirar e fazer meu cérebro pensar em algo racional...
- Eu vou! - falei impulsiva. Que se dane tudo. A vida era minha e dela eu faria o que quisesse. Feito.
apenas sorriu e balançou a cabeça.
- Ainda gosta dele? - ele perguntou sem me encarar. Suspirei. Eu na verdade não sabia o que sentia por ... A única coisa que acontecia era que minhas mãos suavam quando nossos olhos se encontravam por um instante. As borboletas em meu estômago afloravam e me faziam afundar em pura condolência... E cada vez que ele se afastava de mim propositalmente, ou me encarava com aqueles olhos cheio de ódio e repulsa, eu sentia uma parte de mim cair em um abismo...
- Não é da sua conta - respondi simplesmente. Não cabia a ninguém saber dos meus sentimentos, e o único ser vivo o qual eu jamais discutiria minha medíocre vida amorosa era .
- Por que não o conta a verdade, ? - ele rebateu, e não pude deixar de rir. Onde ele estava com a cabeça afinal? Perdera o juízo de vez? Não me surpreenderia muito...
- Não seja tolo, . Ele não acreditou quando eu quis contar, não me interessa mais. Ele que acredite no que quiser - lancei meu olhar para o outro lado do refeitório, onde reconheci a imagem de Ava imediatamente, rodeada de suas seguidoras patéticas e tão hipócritas quanto ela mesma. - Ou em quem quiser - disse finalmente, encerrando aquele assunto e me levantando assim que a sirene da escola tocou, nos avisando sobre o término do intervalo.
Não pude negar o alívio, sabia sempre o que perguntar para nos acurralar e arrancar a verdade.
A manhã se arrastou pesarosamente. Meu ultimo horário foi latim, aula a qual eu tinha com . O garoto fez questão de se sentar em um lugar bem afastado do meu e simplesmente encostou sua cabeça na mesa, caindo no sono em alguns instantes. Talvez ele não quisesse aturar meus olhares sobre ele dessa vez. E eu fingi estar interessada em qualquer baboseira que o professor Cortese tinha a ensinar. O latim já havia sido extinto há muito tempo, de qualquer maneira.
No término da aula me encontrei com Brie nos portões de fora para que pudéssemos sair daquele lugar. Entramos dentro da limu que já nos aguardava, e tivemos uma jornada silenciosa até nosso condomínio.
- Ficou sabendo do brunch do ? - minha irmã se pronunciou finalmente, assim que adentramos o prédio.
- Hoje as pessoas só falam disso? - apertei o botão do elevador.
- Você sabe como são as festas do ... Todos ficam loucos para chegarem... - ela disse animada, e entramos no elevador. Se fosse no ano em que eu morava aqui, eu provavelmente estaria nesse estado. É impossível negar que as festas de eram estrondosas, já que elas realmente eram. Muita bebida, drogas, música boa... Tudo o que um adolescente quer. Além do status, é claro; quer coisa melhor para sua pequena e patética reputação que ser convidado a uma festa de ?
- Essas pessoas aqui nunca mudam... - suspirei antes de sair do elevador e adentrar o grande saguão do meu apartamento.
Subi as escadas rapidamente e me joguei na cama assim que cheguei a meu quarto. Ponderava a opção de ir ou não para o brunch. Eu já via como seria. Todos loucos na beirada da piscina enorme do condomínio, alguns se pegando em cima das espreguiçadeiras, garotas em cima das mesas, enquanto os garotos as observavam com desejo como se fossem prostitutas. Eu encontraria um canto para ficar, onde observaria toda aquela cena com nojo e com uma taça de champanhe em mãos. Ah claro, teria em minha cola.
Era sempre assim. Eu sempre me via rodeada por ele e, querendo ou não, ele era minha companhia constante em qualquer lugar.
E tinha o ... Eu poderia ir, conversar com ele e, quem sabe, reataríamos. Esse era meu maior desejo naquele momento. Eu sentia muito sua falta, nossos momentos passavam como flashes na minha mente o tempo todo. Ele nunca me deixava em paz.
Apesar de ter me machucado muito nos últimos minutos que eu estava em Londres, tudo o que eu sentia era mais forte que a raiva e qualquer sentimento ruim que pudesse me dominar. Por ele, eu com certeza desistiria de tudo para ser como era antes de partir.
- Você foi a pior coisa que me aconteceu, - os olhos de estavam cheios de raiva e lágrimas, cortando cada pedaço dentro e fora de mim. Possuía uma expressão de nojo, e todos em volta de nós me encaravam, perplexos. Como se eu tivesse cometido um crime. Um que eu não havia cometido, entretanto. - Eu tenho nojo de você, NOJO! - as palavras saíam sem pena e compaixão de sua boca, atingindo-me como balas perdidas.
- Nunca chegue perto de mim novamente. NUNCA! - ele gritou, apontando o dedo indicador ameaçadoramente em minha direção. Meu choro desabou por entre meus olhos e soluços desesperados gritavam da minha garganta. Meu coração parecia ter sido prensado entre minhas costelas e pulmões e eu já não conseguia respirar.
Ele bufou raivosamente uma ultima vez antes de cuspir em meus pés e dar as costas a mim, passando por entre o tumulto de pessoas à nossa volta.
Então, com a decisão já feita, aguardei o dia se arrastar lenta e preguiçosamente.
Meu coração batia freneticamente, deixando visível meu nervosismo. O brunch estava marcado para as dez e meia, e lá estava eu – e Bridget – em frente ao prédio luxuoso de .
Havia uma grande movimentação de pessoas, carros e fotógrafos inclusive. As festas da elite londrina sempre fora alvo de paparazzis de jornais sociais, e as da família sempre estavam na primeira página.
- de volta!- escutei um deles gritar assim que coloquei meus pés para fora da limusine. Sorri um tanto forçada e andei rapidamente até o saguão, sendo seguida por vários flashes. O segurança perguntou meu nome e eu informei, em seguida fui guiada até a área de lazer do condomínio. A música alta era perceptível e várias luzes e lasers se misturavam dando àquele local um ar totalmente boêmio e maluco. O cômodo todo rodeado de vidros possuía algumas mesas decoradas espalhadas por cada canto, um imenso bar ao fundo, onde um garçom fazia malabarismos com fogo e bebidas. Um palco foi montado, onde um DJ enlouquecia a todos com suas músicas, e um telão atrás dele estava a todo o momento passando imagens e vídeos psicodélicos. Havia varias pessoas na área da piscina também, dançando loucamente e aproveitando aquela festa como se fosse a última de suas vidas.
Todas estavam muito bem vestidas, como era de se esperar. Uma garota competindo com a outra para ver quem tinha o modelo mais bonito da nova coleção outono/inverno.
Eu usava um vestido desenhado por minha mãe, Janette , uma das estilistas mais famosas da Europa. Ela era prestigiada, devo ter me esquecido de comentar. Quero dizer, para mim, ela servia apenas para isso, já que nunca cumpria seus verdadeiros papeis como mãe. Atrizes como Nicole Kidman e Angelina Jolie estavam sempre ligando em casa à procura da mulher. Eu já encontrei várias delas, inclusive. Rich explodia das caixas de som espalhadas por toda a área, e eu, numa reação involuntária, já começava a me animar. Puxei Brie pela mão, trançando por entre o emaranhado de pessoas que pulavam elétricas, até chegar com muito custo ao balcão de bebidas.
- Gim Tônica, por favor - pedi ao barman (ou malabarista, vai saber) e ele apenas sorriu e foi arrumar minha bebida.
Eu encarava minhas unhas vermelhas que começavam a descascar, no intuito de me distrair e não ter que olhar para ninguém ali.
- Hey, - escutei alguém do meu lado e bufei antes de encarar o ser maldito. Surpreendi ao ver um rosto muito conhecido por mim. Aqueles olhos muito azuis que chegavam a refletir qualquer luz, os cabelos pretos encaracolados até o ombro, a pele invejável, nariz invejável, boca invejável, corpo invejável... Encarava-me com um sorriso singelo (mas não tão bondoso) no canto de seus lábios.
- Callie - falei em um sussurro pela surpresa imensa. Quero dizer, fazia meses que eu não a via, nem mesmo na escola desde que cheguei, e vê-la ali, depois de tanto tempo, fez todos meus músculos se contraírem.
Ficamos nos encarando por não sei quanto tempo, até o barman nos interromper com minha bebida pronta.
- O que você está fazendo aqui? - ela me perguntou. A pergunta podia parecer rude, ao contrário do tom de voz calmo e amável que usou. Peguei a taça da bebida e dei um grande gole antes de começar aquela conversa.
- Você sabe que eu não fiz isso, Callie - falei entre dentes, indo para cima da garota. Ela continuava com sua expressão cínica, com aquele maldito sorriso no canto dos lábios. Estava me irritando profundamente, e no meu estado deploravelmente desesperado, eu não seria responsável pelos meus atos a partir de certo momento.
- Sei sim, - ela se aproximou de mim. - E daí? - riu sarcástica.
- E DAÍ? - estourei, quase puxando meus próprios cabelos. - E DAÍ? Estou quase sendo presa e linchada dentro dessa escola e você vem me dizer: E DAÍ? - fechei meus olhos fortemente e me virei de costas, antes que agarrasse sua juba encaracolada.
- Sim, e daí? O que eu tenho a ver com isso, ? Não é meu problema se você se mete com as pessoas erradas! Eu sempre te avisei sobre Ava e você nunca me escutou! Arque com as consequências - sua voz mantinha o desdém. Suspirei pesadamente para manter o controle.
- Consequências de algo que eu não fiz! Você é minha única prova, Calliope, você tem que me ajudar! - meu tom agora era desesperado e eu apenas não me virei para não mostrar total humilhação. Ela riu.
- Eu não tenho que fazer nada para você, . Se vire - ela disse indiferente antes de bater a porta do banheiro com força.
Encostei minhas costas na parede fria antes de cair no chão desesperada.
- Você sabe que não vive sem mim - falei indiferente, dando outro gole da minha bebida, sem encará-la. Se eu o fizesse, provavelmente lhe arrancaria os cabelos.
- Sei - ela disse com um tom de divertimento na voz. Ficamos em silêncio. Eu queria que aquela garota sumisse dali.
- O que quer, afinal? - não me aguentei. Encarei-a com ignorância, esperando uma resposta imediata ou eu sairia dali de uma vez por todas.
- Quero o mesmo que você... - Callie falou pausadamente, com um brilho misterioso e ambicioso no olhar. Arqueei uma sobrancelha. - Acabar com Ava - finalizou, tirando a taça de minhas mãos e dando um gole da minha bebida. Como era atrevida! Quem ela pensava que era?
Peguei a bebida de volta e joguei o líquido num vaso de plantas ali do lado, vendo sua cara surpresa.
- Mais um, por favor. Alguém estragou a que você tinha feito - sorri para o barman alto e loiro, que era tão bonito que me perguntei como não ter reparado nele antes. Ele sorriu de volta e começou a preparar a bebida. Virei para Calliope e desfiz o sorriso no mesmo instante, vendo-a me encarar ainda surpresa. - O que a garota fez de tão ruim para você estar rastejando por mim? - falei debochada, vendo-a fechar a cara.
- Eu não estou rastejando! - rebateu chocada. Dei de ombros e continuei a encará-la com tédio. Olhou para cima com pesar.
- Ela... Ela transou com Bruce - as palavras saíram como sussurro de sua boca, como se tivesse vergonha de dizê-las para mim. Não contive a risada, devo admitir.
- Oh, meu Deus! Ava me surpreende mais a cada dia que passa! - ri mais alto e descontroladamente, vendo a expressão de choque da garota aumentar.
- O que quer dizer? - me perguntou desentendida. Eu provavelmente estaria parecendo contraditória aos seus olhos. Suspirei, tentando me controlar de mais um ataque.
- Quero dizer, querida... - aproximei-me ameaçadoramente de seu rosto. - Quem é otária suficiente para ficar com aquele... Estrume? - fiz uma careta. - Oh, me desculpe! - passei para uma expressão chocada e coloquei a mão na boca, repreendendo-me. - Você!
A garota bufou e parecia estar perdendo a paciência. Não mais que eu, querida.
- Ela também fez meu pai perder o emprego, ! Tudo por sua culpa!
E então me lembrei do quanto Ava poderia ser persuasiva para cima do pai, dono de uma das maiores empresas de sapatos da Europa. Empresa a qual o pai de Callie trabalhava.
- E por que diabos isso seria minha culpa? - perguntei intrigada, aumentando meu tom de voz.
- Seu drink, senhorita - o charmoso barman colocou-a em cima do balcão e eu o olhei sorrindo, desmanchando-o para encarar Calliope.
- Porque eu estava lá quando tudo aconteceu, . Só por isso - sua voz também foi se alterando e nós duas já estávamos de pé, uma em frente à outra.
- Você estava lá e não me ajudou quando eu pedi - fiz gestos robustos com as mãos, demonstrando minha indignação.
- É, mas estou aqui agora para recompensar! Você não vai conseguir derrubar aquela garota sozinha, ! - seu tom era de certeza, o que me fez rir. Se alguém ainda tinha duvidas do que eu era capaz de fazer, iria se surpreender.
- Eu não preciso de você, Calliope. Se vire - repeti friamente as mesmas palavras que ela havia me dito um ano atrás. Peguei meu drink em cima da bancada, dei um último olhar ao barman e dei as costas à Callie, deixando-a atônita com os próprios pensamentos.
Quando dei dois passos, a silhueta de me parou com um sorriso satisfeito que me fez rolar os olhos.
- Você me orgulha a cada dia, - disse galanteador, dando-me um beijo na bochecha.
- Já estou na sua festa, . Seria possível agora me deixar em paz? - supliquei.
- Jamais - deu de ombros. Bufei e o empurrei, voltando a andar para lugar algum. Afinal, odiava todos ali. E todos ali me odiavam de volta. Era recíproco.
Até que resolvi ir para a área das piscinas tomar um ar. Aquele tumulto de pessoas respirando o mesmo oxigênio me dava fadiga.
Ali fora estava mais calmo e eu poderia tomar meu drink em paz. Não estava a fim de companhia, não precisava de uma. O álcool era meu melhor amigo, de qualquer maneira.
Até que uma figura loira despertou meus pensamentos alheios. Seus cabelos presos em um rabo-de-cavalo torto, deixando o decote frontal e posterior à mostra em um vestido extremamente curto. Não nego que possuía um corpo espetacular, mas seu jeito de ser borrava toda sua beleza física, pelo menos em minha opinião.
Andava despreocupada e de nariz empinado, demonstrando o quão superior (não) era.
Eu a encarava andar, torcendo para que seus saltos quebrassem, mas nada disso aconteceu.
Senti alguém parar do meu lado, mas não fiz questão de ver quem era. Pelo perfume francês já adivinhava.
- Só observe - falou perto do meu ouvido, fazendo alguns pelos da minha nuca desobedecerem às minhas ordens para que não se arrepiassem.
Continuei observando Ava andando autônoma, em uma direção ainda desconhecida para mim. Até que avistei a pessoa que eu tanto queria ver, mais à frente: .
Vi um sorriso brotar nos lindos lábios do garoto, e um apareceu involuntariamente nos meus.
Sabia que me observava ali do meu lado, mas não me importava com o quão ridículo aquilo poderia parecer.
Então, fazendo meu coração quase parar e o ar faltar dos meus pulmões, Ava parou em frente ao garoto, a poucos milímetros do mesmo.
Passou uma de suas mãos lentamente em sua nuca, e toda aquela cena passava em câmera lenta por meus olhos.
Ele espalmou as suas na cintura da loira, puxando-a mais para si, de modo que seus lábios se tocassem no momento seguinte.
Prendi um suspiro de choque com a mão, assistindo com os olhos arregalados àquela cena.
Beijavam-se com fúria, como se não existisse nada além dos dois naquela festa.
- O que significa isso, ? - falei, mas minha voz mais pareceu um grunhido de dor.
- Era isso que eu queria que visse, - sussurrou perto do meu ouvido, enquanto eu ainda observava os dois à minha frente se engolirem. O corpo de estava relativamente próximo do meu, e então ele encostou seu queixo em meu ombro nu.
- Você... Você disse que ele... Ele queria falar comigo... - meus olhos continuavam vidrados e arregalados sobre os dois. As mãos de , que antes costumavam explorar minhas costas, agora vagavam lentamente por toda região posterior de Ava.
- Ele não quer - falou simplesmente, seguido de um riso cínico e abafado por meu pescoço. - Mas eu queria que você visse... - beijava meu pescoço lentamente, apenas tocando seus lábios quentes em toda região, sem causar efeito qualquer sobre mim.
- Por quê? Por que quer me torturar assim? - falei com pesar, ainda observando a cena, como se eles fossem um casal apaixonado de um filme romântico barato.
- Não quero te torturar. Quero te deixar esperta. Quero que você abra seus olhos e se prepare para o ataque - beijou meu lóbulo. Preparar para o ataque...
queria me estimular, não é mesmo? Queria que eu tivesse – mais – motivos para acabar com todo aquele circo.
Fechei os olhos e suspirei pesadamente antes de me virar para o garoto.
- Queria me ver com raiva e com mais sede de vingança, ? - olhei profundamente em seus olhos extremamente . O garoto concordou com a cabeça. - Não reclame depois que eu despedaçar seu coraçãozinho - falei bem perto de sua boca, de um jeito provocativo, vendo-o fixar seu olhar em minha boca. Quando ele se aproximou um pouco mais, quase tocando nossos lábios, empurrei-o com uma mão levemente, dando as costas e voltando para dentro da festa.
Eu iria acabar com aquilo.
Dirigi-me novamente para o bar a fim de mais uma bebida. Eu precisaria de muita bebida.
Joguei mais um charme para cima do barman bonitinho, apenas para que ele enchesse meu copo com mais vodka. Fui para a pista de dança, onde todos se esfregavam e pulavam como macacos. Parei ali mesmo, no meio da pista, dando um gole longo na minha bebida, sentindo o destilado rasgar minha garganta. Uma ânsia de vomito me abateu, entretanto segurei. Respirei fundo e bebi todo o resto que ainda sobrava.
Vi Bridget se aproximar de mim com mais duas amigas, que sorriam e mandavam tchauzinhos animados em minha direção, me fazendo rolar os olhos. Não estava com ânimo para mimar criancinhas.
- Me dê isso - roubei o copo de Martini da mão de minha irmã, virando todo o líquido turvo em minha boca, fazendo uma careta em seguida. Ela riu e olhou para as amigas, que riam divertidas igualmente. O que achavam de tão engraçado?
- Aceita, ? - a mais baixinha ofereceu seu com um sorriso patético.
- Tanto faz - dei de ombros e peguei o copo, e reconheci o gosto de uísque no momento seguinte.
- Você está maravilhosa, - a outra disse. Impressão minha ou elas eram iguais? Forcei um sorriso e peguei a bebida de sua mão também. Elas estavam pedindo por isso e eu não estava com paciência de ir ao bar pegar mais álcool.
- Bridget, porque não vai até o bar pegar um drink pra mim, hein? - olhei-a sugestivamente, vendo-a sorrir animada e puxar as duas amigas pelo aglomerado de pessoas. Impressão minha ou aquelas três resolveram virar minhas escravas? Eu não ligava, de qualquer maneira.
Comecei a dançar sozinha, puxando meu vestido até metade das minhas coxas para que minhas pernas se mexessem sem mais pudor.
Eu sentia os olhares sobre mim, alguns admirados e outros... Que eu simplesmente não me importava.
Era que eles queriam? Era isso que teriam.
Senti um par de mãos envolverem minha cintura e estremeci ao sentir o contato de seu corpo por trás de mim. O álcool já subia para minha cabeça, fazendo-me perder um pouco dos meus sentidos.
- Senti sua falta - escutei em meu ouvido. Apesar da musica alta e da voz sussurrada, eu reconheci imediatamente.
- Aaron - minha voz saiu como suspiro enquanto nossos corpos se movimentavam de acordo com a música. Suas mãos estavam na minha barriga, enquanto as minhas continuavam abaixadas, em estado de transe. Eu não acreditava que aquele garoto estava ali.
- PARA, AARON! - eu gritei desesperada por entre risos, enquanto o garoto insistia em me fazer cócegas. Estávamos deitados em uma cama do Hotel Savoy, em um quarto de frente para o Tamisa. Só estávamos cansados de nossos quartos e famílias. Queríamos algo novo.
Ava estava tomando um banho enquanto Aaron e eu fumávamos e bebíamos uísque roubado do pequeno bar que seu pai tinha dentro de casa. Até que o garoto resolveu me matar com cócegas torturantes.
- Hey - a garota apareceu no quarto com uma cara um tanto séria, mas com um sorriso singelo. Aaron parou o que fazia na hora, enquanto eu me recompunha. O garoto foi em direção à namorada e a beijou nos lábios e eu acendi mais um cigarro.
- Não acreditei quando me disseram que você estava aqui... - continuou com sua voz charmosa perigosamente perto de mim. Eu me lembrava perfeitamente do garoto. Aqueles cabelos castanhos caindo-lhe à face e, por trás, aqueles olhos verdes que fazia toda e qualquer garota implorar por um olhar. Lembro-me de suas bochechas rosadas, de sua voz doce e seu modo delicado de falar comigo. Sim, eu me lembro.
- Linda como sempre... Para não falar mais - o escutei rir.
Eu não podia negar que sentia falta de Cutshall. Eu sentia sim, e muita. De seus abraços principalmente.
Ele sempre foi meu melhor amigo, e nossa amizade sempre se pôs firme a todos os obstáculos que enfrentamos juntos, inclusive o incidente do ano passado.
- Também senti sua falta - me virei rapidamente, dando-lhe um abraço de surpresa. O menino hesitou por um instante, mas logo envolveu minha cintura com seus braços fortes e aconchegantes. - Como tem passado? - perguntei curiosa, querendo saber se tinha levado alguma sequela do acontecimento. Nunca tive tempo de procurá-lo desde que chegara e nem ao menos tive a capacidade de perguntar para minha informante, Bridget, de como ele estava. Eu era uma péssima amiga.
- Bem, na medida do possível... - deu de ombros e fez uma cara fofa que me fez querer agarrá-lo. Maldito álcool.
- Desculpe por ter parado com as cartas... - olhei para meus sapatos, imaginando o quão difícil aquilo tudo não foi para ele.
- Não se preocupe. Imagino que você estava precisando de um tempo para... Esquecer tudo... - levantou meu rosto com sua mão, fazendo-me encará-lo. Sorri singelamente, escutando alguém pigarrear ali perto.
- Sua bebida - Brie estendeu a taça para mim e eu apenas sorri, bebendo todo o líquido rasgante de uma vez só. - Oi, Aaron... - a escutei dizer com timidez, mas não dei atenção.
- Me desculpe, A., mas eu tenho coisas para tratar nesse momento. Depois nos falamos com mais calma, pode ser? Vá à minha casa amanhã - pisquei antes de, novamente, enfrentar o mar de gente. Eu não tinha a mínima idéia do que fazer. Mas eu tinha que bolar algo. Eu tinha que começar a colocar meus planos em prática. Eles pareciam tão fáceis vistos pelo papel apenas...
De repente olhei para os lados e vi que todos olhavam para um ponto fixo mais à frente.
Vi que encaravam para o telão do DJ e meu queixo foi até o chão quando me deparei com as imagens que lá passavam. Todos olhavam absortos e cochichavam uns para os outros, rindo e soltando suspiros de choques.
Um sorriso brotou facilmente dos meus lábios ao ver as fotos de Ava se beijando com um cara qualquer, um cara que eu tinha certeza que não era . Olhei mais a frente do palco e lá estava Callie, olhando fixamente para mim. Continuei sorrindo e vendo as fotos passarem, uma mais promíscua que a outra. Uma do garoto com as mãos espalmadas em seu bumbum, outra dos dois se agarrando em cima de uma mesa e o nível ia caindo...
Vi a silhueta de um garoto passar por entre as pessoas e atingir a porta de saída, batendo-a fortemente em seguida.
Fui andando naquela direção, já sabendo quem havia saído.
- Satisfeita? Vai aceitar minha ajuda agora?- Calliope puxou meu braço antes de eu cruzar a porta da saída. Apenas sorri sugestiva antes de largá-la ali.
- ? ?- gritei, enquanto via o garoto andar a passos largos dentro do saguão do prédio. Ele me ignorou totalmente, continuando a andar rapidamente. - ! - puxei seu braço, vendo sua expressão num misto de raiva e decepção.
- O que quer, ? - gritou entre dentes, puxando seu braço de minhas mãos. - Você é desprezível. Qual sua intenção em me humilhar diante de todos? Me ter de volta? - ele gritava e fazia gestos robustos com as mãos.
- Não foi eu quem passou aquelas fotos, ! Foi Calliope! - gritei de volta, vendo algumas lágrimas surgirem no rosto do garoto, enquanto ria cinicamente.
- Oh, isso me faz sentir bem melhor! - rolou os olhos. - Como se ela não fosse sua cúmplice!- riu.
- Olhe aqui, . Deixe de ser um crianção uma vez só, e cresça! - apontei o indicador em seu rosto. Estava cansada daquelas acusações e o modo ingênuo do garoto acreditar em Ava. Aquela garota era uma víbora e só ele não via isso! - Você não conhece Ava, aquela garota é má! Ela é falsa, , ELA TE ENGANA! - gritei veemente, empurrando-o com raiva. Segurou meus braços.
- Mais do que você é má? Mais do que você é falsa? MAIS DO QUE VOCÊ ME ENGANOU? - me sacudia entre seus braços. Balancei a cabeça e o empurrei novamente.
- EU NÃO TE ENGANEI, ! ELA É QUEM CONSEGUIU TE ENGANAR DIREITINHO! DEUS, COMO VOCÊ É TOLO! COMO VOCÊ É PATÉTICO! - eu gritava, já sem o total controle sobre mim ou sobre aquela situação. Eu queria jogar todas as verdades em sua cara, e ver se ele abria os olhos! Ele não queria acreditar, só podia! Aproximou-se perigosamente de mim.
- Prefiro ser patético a ser mesquinho como você - ele disse fracamente, olhando tão profundamente em meus olhos que me deixou mais tonta do que já estava. Balançou a cabeça em desaprovação e me deixou ali, sozinha com meus fantasmas me rodeando e rindo de mim.
Levei a mão em minha boca, prendendo o choro que estava prestes a vir. Eu não iria chorar. Eu não iria dar esse gosto a nenhum dos curiosos que já me rodeavam.
- Você me paga, - vi a loira passando por mim, olhando-me mortalmente antes de correr atrás do garoto que acabara de me deixar ali.
Coloquei minhas mãos sobre meus olhos e suspirei pesadamente antes de abri-los. Aquilo estava sendo mais difícil do que eu pensava que seria. Não cheguei a pensar nas consequências dos meus atos, não pensei que eles afastariam ainda mais de mim.
- O que estão olhando?- gritei a todos que me rodeavam e me encaravam com seus olhos cheios de maldade. Empurrei alguns da minha frente e corri em direção à rua, largando-me nos degraus da escada de entrada.
A cada dia que passava, meu mundo desabava ainda mais em cima de mim. Podia sentir as telhas caindo sobre minha cabeça e eu ser soterrada em pura amargura.
Eu não tinha outra escolha, entretanto. Aquelas pessoas, aquela sociedade havia finalmente me ensinado como eu deveria ser para sobreviver ali.
E apesar das conseqüências, eu teria que ser forte. Mais forte do que eu esperava ter que ser.
Harder.
Better. Faster.
Stronger.
Eu estava em frente à devida plataforma que me levaria à França. Eu apertava a bolsa contra meu corpo, numa tentativa de fazer tudo parar de doer. Meus olhos ardiam, minha cabeça doía... Todos ali me olhavam, reparavam no meu estado deplorável, nos soluços que saíam como grunhidos de dor, no meu delineador que escorria por toda minha face, juntamente com as lágrimas.
Eu tinha que ir embora. Era preciso. Eu tinha que fugir daquela cidade que agora me assombrava. Eu podia ver as luzes dos carros da políicia girando em minha cabeça, os sussurros ecoando em minha mente, os olhos chocados que me perseguiam.
Aquilo tudo não podia ter acontecido comigo. Era um pesadelo, não havia outra explicação.
Vi alguém parar do meu lado, ofegante. Colocou as mãos sobre os joelhos, de modo que respirasse melhor. Provavelmente estava correndo.
- - reconheci a voz. Meu coração apertou e minha respiração falhou, soltando um mais novo soluço. - , olhe pra mim! - se reergueu, parando em minha frente. Era impossível resistir àquela beleza e voz.
Não olhei, fazendo com que o garoto tocasse meu queixo com uma mão, direcionando meu rosto a si mesmo.
- Não vá embora - sua voz era mais uma suplica que um pedido propriamente dito. Olhei para o chão. - Por favor, não vá embora... - seu timbre falhou e vi uma lágrima se formar em um de seus olhos. Funguei e olhei para frente, tentando escapar do olhar de súplica que o garoto me lançava.
- Fique! Fique e lute!
- É muito fácil para você dizer... - dei de ombros, segurando as lágrimas que ainda queriam cair.
- Eu estarei aqui por você! Enfrentaremos isso juntos! - sua voz mais parecia um pedido desesperado que uma sugestão. Eu sei que poderia superar tudo com ele do meu lado, mas uma força dentro de mim gritava para que eu fosse embora, implorava por isso. Era muito mais fácil fugir a enfrentar a maré.
Neguei com a cabeça e novamente olhei para os meus pés. Os olhos persuasivos e cheios de lágrimas poderiam me convencer a qualquer minuto.
- O que... O que eu vou fazer sem você? - sua voz cedeu ao seu desespero.
Minha garganta se fechou, e aquela vontade de gritar me sufocava. Apertei meus olhos com força, com a finalidade de fazê-lo sumir dali, e não tornar aquela partida ainda mais difícil.
- Você vai se virar... Como sempre fez - tentei me manter firme, e aquilo me pareceu a coisa mais difícil a se fazer, no momento em que eu mais precisava de um abraço e de alguém para dizer que tudo ficaria bem.
- Mas eu... Eu te amo! - minha respiração falhou no instante em que aquelas palavras foram ditas. Meu coração poderia saltar de dentro de mim a qualquer momento, e eu sabia disso.
O que eu mais queria fazer naquele momento era gritar que o amava de volta, pular em seu pescoço e fugir para algum lugar qualquer.
As palavras que eu sempre almejei escutar, aquelas que soavam como uma doce melodia e que faziam você ter a sensação de poder flutuar.
Apesar de elas significarem tudo, naquele momento, elas só serviam para dificultar minha partida. Novamente, eu tinha que ser forte.
- Você vai sobreviver - forcei um tom frio no momento em que vi meu trem ir parando lentamente.
Abaixei para pegar minhas malas e andei em direção ao veículo, sem ao menos olhar para trás.
Não há nada melhor para fazer num domingo do que dormir. Domingos são deprimentes. Ainda mais se a semana que acabou fora simplesmente horrível, e se sabe que irá piorar na seguinte. Por isso odeio domingos. Deviam excluir esse maldito dia do calendário, e transformar todos os outros em sextas-feiras. Quanto seria preciso para isso?
Senti minha cabeça doer e isso me fez acordar. Ressaca.
Fechei meus olhos com força, impedindo qualquer possibilidade de um feixe de luz os atingir.
Percebi que os travesseiros possuíam textura diferente e que os lençóis não eram de seda como os meus. Então abri meus olhos imediatamente, arrependendo no momento seguinte, obviamente.
O quarto possuía uma coloração azul-clara e não o tom rosa que era o meu. A cama era grande e estava vazia, e o móvel que ficava em frente a ela tinha um punhado de carrinhos pequenos e enfileirados. Na parede, alguns pôsteres de bandas como Queen, The Used, Beatles... Era certamente um quarto masculino. Mas a pergunta era: a quem pertencia?
Escutei um barulho de chuveiro sendo fechado e me espantei ao ver a porta do que seria o banheiro ser aberta. A silhueta de apareceu no batente, com os cabelos encharcados, o corpo com algumas gotículas de água e apenas uma toalha amarrada na cintura. Admito que fiquei um tanto quanto hipnotizada. Quero dizer, acordar e me deparar com aquilo? Aquele corpo perfeitamente esculpido, as dobras que seu abdome possuía faziam com que as gotas de água percorressem curvas enquanto caíam.
- Gosta do que vê? - escutei sua voz soar como um eco no fundo da minha mente e só ai foi que eu realizei o que estava fazendo. Encarando – descaradamente – o físico de . Ele jogaria isso na minha cara pro resto da minha vida. Pigarreei e cobri-me com o lençol, totalmente envergonhada. Foi ai, também, que vi que estava apenas de lingerie. Meus olhos saltaram das órbitas.
foi em direção ao seu guarda-roupa e o abriu.
- Pode continuar me admirando enquanto há tempo... - falou com um sorriso na voz, enquanto analisava o conteúdo de dentro. Neguei-me a olhá-lo mais uma vez e me limitei a preocupar com o fato de estar apenas de roupa íntima. Milhares de perguntas pairavam sobre minha cabeça.
- O que estou fazendo aqui? - fiz uma careta só de imaginar o que eu poderia ter feito ali.
- Não se lembra de nada mesmo? - se virou para mim, com algumas peças de roupas na mão. Neguei timidamente com a cabeça. - Isso me decepciona, já que tivemos uma linda e louca noite de amor... - falou pensativo e meus olhos novamente se arregalaram.
Abri a boca para contestar, entretanto eu realmente não me lembrava de nada a partir do momento em que deu as costas para mim. Senti minhas bochechas queimarem e me encolhi por debaixo do lençol. A risada estridente de me despertou dos meus pensamentos grotescos envolvendo uma linda e louca noite de amor com o garoto.
- Você devia ter visto sua cara - disse em meio de risadas e um alívio – junto com uma raiva – me atingiram em cheio. Peguei um travesseiro atrás de mim e, sem pensar duas vezes, arremessei contra o garoto.
Devido à minha pontaria terrível, o travesseiro acertou no joelho e, quando caiu, levou a toalha que cobria suas partes íntimas junto. Um grito de horror escapou da minha garganta, no mesmo instante em que eu tampei meus olhos com as mãos. riu novamente.
- Não é como se fosse algo novo para você, - escutei o garoto dizer e me privei de pensar ou dizer qualquer coisa. Só senti minhas maçãs do rosto corarem ainda mais.
- Já está vestido? - perguntei, ainda com os olhos tampados. O garoto não respondeu de imediato, mas eu não me atrevi a checar a informação.
- Estou - respondeu depois de alguns segundos.
Tirei as mãos sobre meus olhos finalmente, e me preparei para mais um mutirão de perguntas.
- O que eu estou fazendo aqui? - repeti a primeira pergunta, esperando por uma resposta que esclarecesse minhas dúvidas.
- Você apagou na escadaria do meu prédio, com vômito ao seu redor... Deplorável. Então os seguranças a trouxeram para cá - respondeu sem me encarar, entrando no banheiro e parando de frente para o espelho, onde passou a arrumar o cabelo. Suspirei. Isso era típico de alguém como eu.
- Minha mãe deve estar furiosa - passei as mãos nervosamente sobre meu rosto. Não havia coisa que Janette mais odiasse que suas filhas bêbadas e esparramadas por algum canto. De acordo com ela, devíamos manter a classe e escândalos era coisa de favelado.
- Eu liguei para Janette - escutei dizer de longe. - Adorável como sempre. Adorou saber que você dormiria aqui e perguntou se estávamos juntos... - ele completou com um risinho. Eu nem ao menos precisava ouvir o que ele teria respondido. - Obviamente eu disse que sim. Imagine, você dormindo aqui sem ao menos namorar comigo. Sua mãe faria um alarde.
E ela realmente faria. O pior de tudo seria aturar as perguntas e os elogios que ela faria mais tarde... Não havia ninguém melhor para eu supostamente namorar?
- Mas você... Fez... Você sabe... Alguma coisa comigo? - tive medo da resposta. Por que eu estaria apenas de lingerie? Estremeci só de pensar.
- Você não tem graça desacordada, ... - o olhei através do espelho, e o garoto possuía um sorriso nem um pouco inocente nos lábios.
Saiu do banheiro e atravessou o quarto, saindo do mesmo logo em seguida.
Olhei para o chão à procura de minhas roupas, mas não as encontrei. No entanto, achei uma camisa social branca, a qual me lembro de ver no corpo de na noite anterior. A peguei e vesti, vendo que esta batia um pouco acima do meu joelho devido à diferença de tamanho entre e eu. Saí apressadamente do quarto, a fim de achar o garoto, ordenar minhas roupas de volta, e pedir o telefone para poder chamar meu motorista. Eu precisava da minha casa, do meu chuveiro – das minhas roupas – e uma noite inteira com era o limite.
Eu conhecia seu apartamento perfeitamente. Sempre que seus pais viajavam, fazia alguma festa ali dentro. Já dormira inúmeras vezes ali, na maioria quando eu estava bêbada demais para ir embora.
Pensei que não haveria ninguém em casa, por esse motivo, quase desmaiei ao ver o casal ao redor da mesa da sala de estar, tomando café-da-manhã tranquilamente. Acabara de perceber o que me fez fazer.
Saiu rapidamente do quarto justamente para me ver segui-lo e dar de cara com seus pais. Em seus planos, eu provavelmente estaria de lingerie. Previsível.
- ! - Naomi , a mãe, levantou-se de sua cadeira e veio graciosa em minha direção. Era uma mulher muito simpática, em todos os sentidos. Cabelos loiros claros que lhe caíam no ombro, um sorriso amável e olhos cor de mel. Era maravilhosa e enxuta para a idade.
Abraçou-me com ternura e deu um beijo em cada bochecha minha, as quais ardiam de vergonha. Eu estava com apenas uma blusa de , meu Deus!
- Sra. ! - sorri nervosa, tentando puxar a camisa para baixo na intenção de tampar minhas pernas e parecer menos promíscua.
- Você está cada dia mais maravilhosa! A Alemanha fez muito bem para você! - me analisou de cima até embaixo, com um sorriso satisfeito.
- Oh, muito obrigada... E a senhora está mais bonita desde a última vez que nos vimos... - e era verdade. Apesar de eu querer amenizar o fato de estar quase semi-nua em sua casa, ela realmente estava mais linda e radiante.
- Venha, tome café conosco - depositou a mão sobre meus ombros e me guiou até a mesa, não me dando a opção de fugir.
- Bom dia, - Phill se pronunciou, com aquele tom sério de sempre. O pai de era um homem muito cético e bem sucedido, aqueles de não muitas palavras, rígido e difícil de agradar. Não sei como havia se casado com alguém tão amável como Naomi.
- Bom dia, Sr. - falei um pouco sem graça, na verdade eu desejava enfiar minha cabeça debaixo da mesa, mas cheguei à conclusão de que aquilo pioraria minha situação.
- Então... - ele disse sem emoção, fechando seu jornal e me encarando. Eu sempre tive medo de Phill, apesar de ele nunca ter me ameaçado e sempre ter me tratado bem à sua maneira. - Fico feliz que você e estejam juntos... Pelo menos assim, quem sabe, você não o coloque nos eixos e ele pare de trazer prostitutas para casa quando não estamos... - completou friamente e imaginei qual seria minha reação se e eu realmente estivéssemos juntos. Quero dizer, aquela não seria a coisa mais agradável de ouvir vindo do pai do seu namorado. Olhei para de esgoela e vi que ele encarava seu copo de suco com um sorriso meia-boca. Não sei se seria um sorriso satisfeito ou sarcástico simplesmente. Ele era uma pessoa ilegível, na maioria das vezes.
Naomi pigarreou e lançou um olhar repressor para o marido, o qual apenas voltou a ler seu jornal despreocupado, como se nada tivesse acontecido.
- Sirva-se, ! Fique à vontade - a mulher tocou minha mão delicadamente e eu sorri, vendo a ajudante vir em minha direção e me perguntar o que eu queria comer.
- Obrigada pela carona, ... - falei sem emoção, já pronta para sair do carro. Já havia passado tempo demais com o garoto para o meu gosto.
- Vamos fazer alguma coisa... Mais tarde, quero dizer... - ele disse simplório, como se não fosse aquele manipulador de sempre. Respirei fundo antes de responder.
- Desculpa, mas tenho muito que fazer hoje... - mentira. Na verdade eu tinha absolutamente nada para fazer e isso me assustava. Não ter nada para fazer sempre me faz pensar nos últimos acontecimentos, e isso era o que eu menos queria fazer.
Mas aquele dia tivera muito nele, e eu precisava de um descanso. Eu provavelmente ligaria para e combinaria alguma coisa, quem sabe uma rodada de compras ou simplesmente tomar um café...
simplesmente deu de ombros e virou seu rosto para frente, encarando a rua. Olhei disfarçadamente para meus pés e sai do carro rapidamente, entrando no saguão do meu condomínio em seguida.
- Bom dia, Srta. - o porteiro, que após olhar em seu crachá descobri que seu nome era Jeffrey, saudou com educação.
- Bom dia, Jeffrey - respondi e o vi me acompanhar e apertar o botão do elevador por mim, fazendo-me sorrir em resposta.
- Tenha um bom dia - ele disse sorridente.
- Igualmente - e acenei com a cabeça antes da porta do elevador fechar.
Dentro do elevador, uma musica agradável tocava: Easy Like Sunday Morning do Faith No More. Eu balançava meus pés de acordo com o ritmo calmo da musica, vendo os números reluzentes em uma placa metálica indicarem em que andar passávamos. Quando as luzes pararam no décimo nono – e último – andar, as portas se abriram e eu já dei de cara com a sala de estar do meu apartamento.
Estava tudo muito calmo, mesmo para um domingo de manhã.
- Olá? - chamei por alguém, mas tudo parecia estar na perfeita harmonia. Não acreditava que teria a casa só para mim naquele dia.
Fui caminhando contente até a escada que levaria para o segundo andar, quando uma voz ao longe me surpreendeu.
- Finalmente - reconheci a voz fina de minha mãe. Rolei os olhos. - Achei que se mudaria para a casa dos - vir-me-ei para encará-la, vendo um pequeno sorriso formado em seu rosto.
Mamãe veio em minha direção e me deu um singelo beijo na bochecha direita, arrumando a alça do meu vestido em seguida.
- Fico feliz que você e estejam juntos finalmente... Ele é um garoto esplêndido - ela disse com todo aquele ar de graça. Se ela soubesse quem era o verdadeiro por trás da máscara de bom moço que carregava... Apenas rolei os olhos, evitando falar qualquer besteira e me colocar em uma confusão.
- Suba e se vista, você tem visita - Janette disse apreensiva, apontando com a cabeça para a sala de visitas mais atrás. Tentei espiar por cima do ombro da mulher, mas nada consegui ver.
- Quem é? - perguntei curiosa. Minha mãe apenas balançou a cabeça e passou a me empurrar delicadamente pela escada acima. - Mãe, me fale quem é!- ri, vendo-a negar.
Bufei e passei a subir as escadas de dois em dois degraus, indo rapidamente para o meu quarto.
Coloquei uma roupa qualquer e desci rapidamente, curiosíssima para saber quem era a misteriosa visita.
Berta me esperava no pé da escada com uma feição não muito agradável.
- Mantenha a calma, senhorrita... - ela disse apreensiva e me indaguei o motivo de sua fala. Minha feição era de desentendimento provavelmente, já que ela pegou em minha cintura e passou a me guiar até a sala de estar.
As cortinas estavam abertas, deixando que o sol londrino invadisse todo o cômodo e iluminasse a silhueta de uma garota que observava o movimento da rua pelas vidraças enormes. Seu cabelo loiro e curto era reconhecível.
Olhei assustada e irritada para Berta, e a mulher apenas deu de ombros, saindo do cômodo em seguida.
- O que diabos está fazendo aqui? - minha voz já saiu impaciente. Vi a garota se virar, mostrando sua feição indiferente e despreocupada. Abriu um pequeno sorriso – quase imperceptível de tão sutil – e se aproximou de mim.
- Jannete continua adorável como sempre... - falou tranquilamente, analisando os móveis da sala ao invés de me encarar. A raiva passou a borbulhar dentro de mim.
- O que está fazendo aqui, Ava? - o ódio era visível em meu tom tanto quanto a ameaça. Quem foi o asno que deixou aquele estrume entrar? E o que minha mãe tinha na cabeça de deixar que ela permanecesse ali? Ainda tinha alguma esperança de que fôssemos amigas novamente? Aquilo era insano!
- Pra que tanta raiva em sua voz, ? Eu era quem devia estar furiosa aqui depois de ontem... - se aproximou ainda mais, ficando apenas alguns poucos metros de mim.
- Como você consegue ser tão cínica? - falei com nojo. Em minha imaginação fértil, eu já havia a empurrado pelo blindex e ela espatifara no chão lá embaixo. Não pense que isso era maldoso perto de todas as coisas que eu sofri nas mãos daquela garota.
- É um dom - sorriu e senti minhas mãos se fecharem em punhos involuntariamente.
- Acho melhor você ir embora, Caldwell - continuei firme. A garota cerrou os olhos e balançou a cabeça negativamente.
- Já estou indo, . Só vim aqui alertá-la - disse num tom frio e ameaçador. Eu não me deixei abalar, obviamente. Tudo que eu não tinha era medo de Ava. Estava mais do que preparada para aturar e revidar suas ameaças. Como eu já dissera, eu era uma nova – e pior – pessoa. Arqueei as sobrancelhas em resposta.
- Se você está pensando que eu vou ficar parada enquanto você tenta me destruir, está muito enganada - continuou entre dentes, apontando o dedo indicador em minha direção. - Estou preparando vinganças piores do que as que te fizeram ir embora, . Se eu fosse você, ficaria esperta e realizaria da pessoa com quem você está brincando...
- Bem... Bom para mim que eu não sou você... Eu seria eternamente infeliz se tivesse que viver com esse cabelo horroroso... - falei alheia, olhando com nojo para sua cabeça. A verdade era que Ava já fizera milhares de escovas – desde a progressiva à marroquina – e vivia de hidratações. Aquilo pareceu irritar ainda mais a loira e eu, particularmente, adorei.
- Olha aqui, Ava. Se você pensa que pode vir na minha casa me ameaçar, é você quem está enganada. Eu estou preparadíssima para seus golpes, e não pense que vim despreparada. Quem deveria ficar esperta aqui é você... - dei alguns passos em sua direção, vendo a garota permanecer estática e com um olhar fulminante. - Agora, você vai sair da minha casa ou eu vou ter que te jogar pela vidraça atrás de você? Estou imaginando essa cena desde a hora que você chegou... - sorri tão cínica quanto ela.
Ava bufou furiosa e me lançou um último olhar feroz antes de sair do cômodo com pisadas fortes.
- Berta, acompanhe a senhorita Caldwell até a saída - pedi assim que vi a mulher aparecer atrás do pilar. Como sempre curiosa, ela provavelmente estava escutando a conversa nas escuras.
Depois que o silêncio dominou a sala, não resisti e me joguei no sofá mais próximo. Suspirei alto e cada vez mais o arrependimento batia em minha cabeça. Por que eu havia deixado a Alemanha? Uma vida calma, sem muitos agitos – exceto pelas cervejadas que eu sempre participava da escola e ficava com Stephen Würz do terceiro ano, um loiríssimo de olhos extremamente azuis – e o conforto do meu pai. Não que eu reclamasse da minha mãe, mas ela tinha uma idéia diferente do que era o melhor para mim. Troquei tudo isso por uma vida incerta em Londres, com intrigas, inveja, luxúria, vaidade e todos os outros pecados capitais. Entretanto, dizem que esse é o conjunto das coisas que deixam a vida excitante, não é mesmo?
Esperei alguns instantes até que eu me acalmasse completamente e liguei para e Aaron, combinando algo para fazer. Decidimos por ir a uma cafeteria no centro da cidade, assim poderíamos conversar pacificamente sobre os acontecimentos recentes. E sobre o que também aconteceu enquanto eu estava fora. Eu precisava saber de todas as armas de Ava para poder usar tudo contra ela.
Com a mesma roupa que estava, saí e pedi ao motorista que me levasse a tal cafeteria.
já me esperava sentada em uma das mesas no centro e a abracei imediatamente. Eu não havia a visto na festa de por dois motivos: um, eu estava preocupada demais em seguir os passos de Ava e que mal prestara atenção em qualquer outro participante do brunch; dois, ela provavelmente estava se amassando com aquele em algum canto.
Contei sobre a aparição de Ava em minha casa, o que fez minha amiga ter tanta raiva quanto eu. Antes, quando nós três formávamos o grupo mais unido e conhecido da Drayton, , Ava e eu nos amávamos e jamais deixamos coisa alguma entrar no nosso caminho. Depois de tudo o que aconteceu, havia uma barreira entre nós e, felizmente, estava comigo.
Depois contei de como acordei na cama de .
- Ele me contou que os seguranças me pegaram em meio de vômito. Urgh, por que eu nunca consigo me controlar com um copo de álcool na mão? - falei com nojo só de imaginar a cena. Eu realmente dava razão para minha mãe se sentir envergonhada às vezes. Ela era uma estilista famosa e renomada, o quão bom seria para sua carreira ter uma filha avassaladora?
- Essa é uma pergunta que nunca terá resposta, ... - riu, tomando um gole de seu frapuccino. - Mas não foram os seguranças que te pegaram... - ela concluiu com uma cara confusa. Não mais que a minha, óbvio.
- Não? - perguntei absorta, vendo se eu não havia escutado coisas na frase de .
- Não! - ela confirmou. - Foi o próprio quem te pegou! Depois de ter esculhambado todos que estavam ao seu redor e não faziam nada para ajudar... - ela deu de ombros e levou um pedaço de torta holandesa à boca.
Meu queixo foi até o chão e meus olhos arregalaram-se. havia me levado para seu apartamento ao me ver desamparada e brigou com os curiosos? Aquilo era uma...
- Piada, certo? - ri ironicamente. negou com a cabeça. - me defendeu? - ela agora concordou. Joguei meu corpo na cadeira, totalmente chocada e contemplativa com aquela informação que acabara de me dar. Era muito para a minha cabeça.
- Velhos hábitos nunca morrem, ... - ela disse com um sorriso sapeca no rosto. Dei-lhe um tapa na cabeça.
- Fique calada! Não toque nesse assunto! - adverti bravamente, apontando o dedo indicador em seu rosto. A garota apenas rolou os olhos e continuou comendo sua torta. E eu, continuei estática com milhares de pensamentos na cabeça. Sempre quando eu menos esperava, dava um jeito de me surpreender. Ele estaria finalmente cedendo?
Eram milhares de luzes saindo de milhares de lugares. Eu já estava confusa pelo excesso de álcool no sangue e aquele ambiente piorava tudo. Eu cambaleava pela falta de coordenação motora e meus olhos mal podiam ficar abertos. Nem por isso deixei de encher meu copo com champanhe novamente. Eu estava pouco me importando e todos sabiam disso. Procurei beber o líquido o mais rápido que pude e tirei o morango do fundo do copo.
Senti um par de olhos sobre mim e nem ao menos tentei descobrir de quem eram. Eu sabia de quem eram.
Levei o morango à boca e o mordi lentamente, procurando ser o mais sensual possível.
havia brigado comigo – eu não me lembrava o motivo mais – e eu sabia que seu melhor amigo me almejava. A culpa era toda de por ter me largado justo naquela noite. E também por não ver os amigos que tinha.
Vi pelo canto do olho ele se aproximar e continuei saboreando o morango, sentindo o hálito quente do garoto bater em meu ouvido sutilmente.
- Não me provoque, - ele disse daquele seu jeito galanteador – e encantador – de sempre.
- Não olhe, - rebati, encarando-o sutilmente.
Ele sempre fora assim. Descarado. Nunca havia escondido a ninguém seu interesse por mim desde a sexta série. sabia... Mas em uma competição, fora quem acabou ficando com o prêmio final. Entretanto, nem assim desistira de correr atrás do que queria, mesmo depois dos meus milhões de nãos.
O garoto aproveitou meu vestido tomara-que-caia e beijou meu ombro nu gentilmente, fazendo-me arrepiar até o ultimo fio de cabelo pelo contato de sua boca úmida em minha pele.
- Saia daqui, ... - ordenei, entretanto meu tom de voz não foi tão convincente quanto eu queria. Parecia mais uma súplica para que ele continuasse.
- Não... - ele disse simplesmente e seus beijos suaves foram subindo para meu pescoço. Estávamos em um lugar público, em uma festa do colégio, cheio de pessoas que nos conheciam e, principalmente, sabiam que eu namorava e que era seu melhor amigo.
- Pare... - sussurrei ofegante, agarrando seus cabelos com veemência. E ele parou. Meu coração palpitava para que eu pedisse por mais, urrava por mais! No entanto, eu me contentei. Eu não iria ceder – de novo – aos encantos de . Eu tinha que ser mais forte, eu precisava ser mais forte.
Senti a mão de entrelaçar-se na minha e no momento seguinte fui puxada para dentro do amontoado de gente. Todos estavam preocupados demais em se esfregarem uns nos outros que nem ao menos nos notaram.
Estávamos na mansão de David Vegh e eu não tinha a mínima noção de onde estava me levando.
De repente estávamos em frente a uma porta qualquer e o vi bater na mesma.
- Saia logo... - ele puxou a pessoa para fora e eu abaixei a cabeça, deixando que meus cabelos tampassem meu rosto.
me puxou com urgência e percebi que tínhamos acabado de entrar em um banheiro.
- Um banheiro, ? Eu não mereço um quarto? - falei irônica olhando ao meu redor. Certo que aquele banheiro era maior e mais luxuoso que o quarto de metade da população londrina, mas e daí?
nada disse, apenas veio em minha direção como um raio: envolveu minha cintura com os braços e me levantou, sentando-me na bancada da pia. Antes que eu pudesse ter qualquer reação, sua boca foi colada na minha com fúria e sua língua nem ao menos pedira por passagem.
Envolvi sua cintura com minhas pernas e o trouxe para mais perto, acabando com qualquer possibilidade de distancia entre nós. Minhas mãos já puxavam seus cabelos e a excitação percorria cada parte do meu corpo. me dava o que – ou qualquer outro homem – jamais seria capaz de me dar. Eu não sabia exatamente o que era. Muito menos o porquê de somente ser capaz. Talvez a fúria incessante dentro de nós nos corroía de tal maneira que nos aproximava. Talvez a repulsa que sentíamos um pelo outro se transformasse num desejo fulminante que nenhum de nós dois podia controlar e talvez o misto disso tudo deixasse tudo mais gostoso...
apertava minha coxa direita com veemência e eu agora já arranhava suas costas por debaixo da blusa – até o momento em que resolvi tirá-la e jogá-la em qualquer lugar.
O garoto colocou a mão dentro da minha saia e apertou meu glúteo com força, encaixando nossos corpos ainda mais – e eu que pensava não ser possível – de forma que eu pude sentir sua excitação mais íntima.
Beijei seu pescoço e fui descendo pelo seu peito. Ele já suspirava profundamente em meu ouvido e sussurrava meu nome de tempos em tempos.
E eu posso afirmar: não havia nada melhor que escutar a voz de dizendo seu nome, quase como uma suplica, bem no pé do seu ouvido.
Naquele momento, eu nem ao menos lembrava da existência de .
Ou de qualquer outro ser desse planeta.
- Hey, - escutei a voz de Aaron me acordar dos meus pensamentos. Sorri levemente e me levantei para abraçá-lo. - Como está? - perguntou receoso.
- Muito bem, Aaron - sorri e apontei para a cadeira ao meu lado. Primeiro foi até e a cumprimentou.
Contei a ele sobre a aparição surpresa de Ava em minha casa e Roberta, que já estava com raiva e já sabia da história, pareceu se enraivecer ainda mais após escutar pela segunda vez.
- Impressionante como aquela garota não cansa. Ela devia crescer, sei lá! Preocupar com a própria vida e parar de fazer o mal para os outros! - disse raivosa. Aaron olhava o cardápio da cafeteria.
- Não tivemos tempo de falar dela, por sinal. Vamos, hora de me contar o que ela aprontou enquanto eu não estava aqui - adverti e vi os olhos verdes do moreno saírem do cardápio e encontrarem com os meus.
- Pra que tocar nesse assunto? - disse, mas eu continuava com o olhar firme em Aaron.
- , eu preciso saber - falei decididamente. A garota bufou.
- Aaron, tire essa idéia de vingança da cabeça da ! Talvez a você ela dê ouvidos! - minha amiga falou irritada e cruzou os braços.
- Eu não vou desistir, - mirei meu olhar a ela lentamente.
- Não faz sentido! - gesticulou com as mãos.
- Depois de tudo que ela fez conosco , você realmente acha que não faz sentido? - Aaron se virou para a garota. Esta olhou para as mãos, um tanto quanto envergonhada. Aquilo me intrigou.
- O que ela fez com você, ? - perguntei ameaçadoramente.
- Nada - ela disse vacilante. Aaron suspirou.
- Primeiro, ela espalhou para a escola inteira que o pai de é... Bem, você sabe...
- Homossexual? - completei. Aaron concordou com a cabeça e eu olhei para minha amiga, a qual encarava a rua pela janela. Segurei sua mão por cima da mesa.
- Depois, ela sabotou a festa de dezesseis anos dela - o moreno completou.
- Como ela fez isso? - eu perguntei chocada, procurando não me martirizar pelo fato de não estar aqui apoiando minha melhor amiga em todos esses momentos.
- Trocou o vestido da , boicotou o bufê, o DJ, humilhou os pais dela em frente a todos... Bom, preciso dizer mais? - ele finalizou indignado.
- Isso tudo é verdade, ? - apertei sua mão levemente. A garota novamente olhou para baixo e concordou levemente com a cabeça. A raiva começou a borbulhar novamente dentro de mim. Sabotar comigo era uma coisa, mas a partir do momento que mexem com as pessoas que eu mais amo nesse mundo, as consequências são bem piores.
- E com você, Aaron? - o encarei. O garoto balançou a cabeça, embravecido.
- Bom, além de ser considerado o adúltero da escola, ela infernizou minha vida por aquele ano inteiro, . Um ano inteiro. Foi um inferno - ele fazia um esforço ao se lembrar, parecia. - Contou aos meus pais que eu fumava maconha com nos banheiros da escola, quase me fez ser expulso e preso, contou também daquele meu caso com Karen Clinch, se lembra dela? - me perguntou.
Claro que me lembrava. Karen era uma bela garota de dezessete anos, filha de Steve Clinch, um dos homens mais poderosos de Londres. Era o ex-prefeito da cidade e estava ansioso para as próximas eleições, a qual o pai de Aaron, Robert Cutshall, as venceu. As duas famílias, Clinch e Cutshall, sempre foram inimigas políticas, e um namoro entre qualquer membro de uma família com a outra, era simplesmente inaceitável. Imagino o estardalhaço que não foi feito sobre o caso de Aaron com Karen.
- Eu fiquei preso dentro de casa por meses, e até hoje tenho detetives em minha cola a mando do meu pai - o garoto fechou as mãos em punho, demonstrando sua raiva. - Tirando os dias quando ela não resolve me ligar vinte e quatro horas por dia, dizendo o quanto me ama... - rolou os olhos.
- Aquele monstro não sabe o que é amor - disse friamente.
- Nem nunca vai saber... - conclui. - Você me deu motivos suficientes para querer uma vingança, , não me venha com essa de tentar fazer a minha cabeça. Nós duas sabemos o quanto ela merece.
finalmente pareceu ceder, já que concordou sutilmente com a cabeça.
Perguntaram-me quais eram meus planos e, para falar a verdade, eu não tinha nenhum. Não me importava como, quando e nem onde eu faria minhas vinganças, eu só sabia que eu queria derrubar Ava. Desmascará-la e a humilhar de todas as maneiras possíveis. Não me importava se aquilo era certo ou errado, minha consciência havia fugido de mim há muito tempo.
- Agora me digam uma coisa... - comecei um tanto incerta. - Como Ava e acabaram juntos? - fiz uma careta sutil. Aaron e pareceram incomodados em tocar no assunto. Entretanto, eu precisava saber. Eu precisava saber que tipo de veneno aquela cobra jogara em cima do meu ex-namorado. E eu precisava saber o quanto ele era idiota de acreditar em todas as mentiras da garota.
- Você sabe o poder persuasivo que aquela garota possui... - Aaron começou. - Ela envenenou a cabeça de com mentiras e falcatruas, e ele ficou tão cego de raiva que não podia mais ver um palmo à sua frente...
- Raiva... De mim, não é mesmo? - apoiei minha cabeça em uma das minhas mãos e passei a observar as migalhas de cookies em meu prato.
- Nós não podemos julgá-lo, . Você nem ao menos deu tempo para explicações, você simplesmente foi embora! Você fugiu! O que esperava que pensasse? - cuspiu as palavras e, por mais que elas doessem em mim, eu sabia que eram verdades. Eu fui covarde e fugi dos problemas ao invés de enfrentá-los. Eu dei oportunidades para que todos inventassem suas teses sobre o acontecimento sem que eu pudesse me defender e as desmentir.
- Não foi só quem acreditou nas mentiras de Ava. Foram todos, , todos! Os únicos que sabem a verdade sou eu, Aaron, e a megera da Calliope. Eu já até tentei fazer a cabeça de , mas ele finge acreditar... - falou com pesar.
Aquilo me fez realizar do quão poucos éramos. Cinco contra centenas. E não cinco inteiros, já que eu tinha minhas duvidas sobre as ajudas de . Ele faria o que fosse conveniente a ele, faria o que lhe trouxesse benefícios, pouco se importando com quem ganharia a batalha.
- E nessa historia toda? Ava não fez nada? - perguntei curiosa. Aaron soltou uma risadinha cínica.
- Você acha mesmo que Ava seria capaz de fazer algo contra ? Ela pode ser má, mas não é doida. Quem em sã consciência chantagearia o ? Ele provavelmente faria algo com o dobro de maldade contra ela... - o garoto disse como se fosse óbvio e eu também cheguei a essa conclusão. era dez vezes mais perigoso e poderoso que Ava, ela não seria capaz de arcar com as consequências de seus atos sobre ele.
- Preciso aprender a ser um pouco como ... - falei alheia com um pequeno sorriso no rosto.
- Somente se prometer voltar ao normal depois. Eu não aguentaria dois na minha vida - disse satírica e rolou os olhos. Aaron e eu não conseguimos segurar nossas risadas.
- Vamos para Ibiza e depois para alguma praia da Grécia... - eu sugeri com os olhos ainda um pouco fechados, mesmo com o Wayfarer amarelo no rosto. Estávamos deitados na grama verdíssima do Green Park.
- Não sei por que você quer ir para uma praia, já que provavelmente vai ficar debaixo de um quiosque com medo do sol... - Aaron disse divertido enquanto observava o céu super azul, o que era um milagre em Londres. Gostávamos sempre de aproveitar os raros dias de sol na cidade com passeios em parques. Só nós dois, esquecendo que existia mundo a nossa volta. Ficávamos horas deitados na grama, falando sobre tudo ou às vezes nem falando nada, apenas saboreando a presença um do outro.
Aaron era o melhor amigo de todos, e estar com ele me trazia uma paz incrível. Estar com ele me fazia esquecer o mundo fútil que nos cercava, me fazia esquecer das fofocas e intrigas que precisávamos conviver todos os dias.
Estávamos, naquele momento, planejando nossas férias de verão. Enquanto todos iriam para Sanremo na costa do Mediterrâneo, Aaron e eu planejávamos algo totalmente diferente. Um pouco de paz de todos, inclusive de Ava, sua namorada.
- Sol faz mal à pele, Aaron - aleguei, tentando justificar as minhas fugas do sol. Eu, com certeza, era a única pessoa que ia para alguma praia e passava metade do tempo na sombra.
- Sol em excesso faz mal, - ele corrigiu e me encarou.
- Ah, me deixe em paz, okay? Enquanto morenos são a cor do pecado, eu sou... Sei lá, a cor da bondade? - falei incerta e Aaron caiu na gargalhada.
- Cala a boca, vai - ele me caçoou e passou o braço pelos meus ombros, fazendo-me aconchegar em seu peito.
- Esse verão vai ser épico... - sussurrei sonhadora, animada só de imaginar três semanas inteiras longe do caos de Londres.
Já pelo final da tarde, , Aaron e eu resolvemos dar uma volta pelas ruas de Londres. Passávamos pela Bromptom Road quando o sol já começava a se por e o movimento de carros ficava mais intenso. A noite de domingo chegava e só de pensar que no dia seguinte eu seria obrigada a encarar a Drayton novamente, uma vontade de fugir outra vez me atormentava. Essas oscilações em meu humor já começavam a me irritar.
Após alguns minutos de caminhada meus amigos me deixaram em frente ao meu prédio.
- Até mais, - disse, abraçando-me fortemente em seguida.
- Até, - sorri e a soltei, esperando Aaron se despedir.
- Se cuide - ele disse com um sorriso singelo e olhos insistentes sobre mim. Agora eu tinha certeza: não havia algo que eu mais senti falta que seu sorriso e olhares. Sorri de volta e o abracei intimamente, sentindo o garoto envolver-me com seus braços. Depositou um beijo no topo da minha cabeça e colocou meu rosto entre suas mãos. Procurei não me perder naquele mar intenso que era seus olhos, mas ele foi se afastando antes que eu tivesse a oportunidade.
Agora era esperar por mais um dia dos infernos.
You
Know
I’m No Good
A aula de Trigonometria estava entediante como sempre. Eu não fazia a minha idéia do que era um arco trigonométrico, muito menos das fórmulas seno/cosseno/tangente. Para melhorar tudo, a professora Constance Welch fazia canções rítmicas para que decorássemos as fórmulas mais facilmente. ‘Nem por osmose, querida’, pensei. Eu, particularmente, preferia geometria à trigonometria.
Após longos e intermináveis quarenta e cinco minutos, a sirene apitou indicando o fim daquela aula. Quando saí da sala, me esperava do lado de fora.
- Já escutou a nova música da tangente da Sra. Welch? - ela me perguntou com um sorriso maléfico no rosto.
- Vou ficar com essa música na minha cabeça o dia inteiro - falei irritada, ao me pegar repetindo a melodia da canção.
Continuamos nosso caminho até o refeitório falando mal dos professores e suas péssimas – e até engraçadas – maneiras de nos fazer aprender.
- Oi, minha pitchuca - escutei alguém atrás de nós dizer e soltei uma risada ao escutar o apelido ridículo. Quando dei por mim, já estava no colo do namorado, . Rolei os olhos.
- Pitchuca? Sério? - debochei quando a colocou no chão.
- É o nosso modo carinhoso de chamar um ao outro - disse alheia, sem se importar com a minha feição devassa.
- É o modo ridículo de se chamarem, certo? - continuei, mais para irritar minha amiga do que qualquer coisa.
- Deixa ela, pitchuca. Essa sua amiga não tem amor no coração - disse com um tom infantil e abraçou a garota pela cintura.
- Você vai ver a falta de amor na sua cara daqui a pouco, - falei ameaçadoramente e o garoto simplesmente deu língua. Por que é que eu tinha que aturá-lo mesmo?
O refeitório já estava lotado e havia poucos lugares vagos. A única mesa que nos restava era, por coincidência, a de . Aquilo era perseguição? Destino? Carma?
Vi e irem de mãos dadas até a devida mesa e se sentarem perto de . , o quarto membro da trupe, também estava sentado lá. Vi tirar seus olhos de e se encontrarem com os meus. Por que diabos ele sempre conseguia me encontrar no meio de uma multidão?
Rolei os olhos e comecei a caminhar em sua direção, tendo seus olhos ainda fixos em mim. Quando eu já estava relativamente próxima, vi também se aproximar.
- E aí, caras? - ele cumprimentou sorridente. Tudo em mim, como era de se esperar, pareceu se esfacelar. Todos o cumprimentaram de volta e, como , seus olhos por um acaso se encontraram com os meus.
Seu sorriso se desmanchou no momento seguinte. Ele fazia menção de sentar-se à mesa, mas, aparentemente, ao me ver mudou de idéia. pareceu sussurrar algo para o amigo, algo que eu não pude ouvir, e se afastou.
Suspirei pesarosamente e encarei minhas sapatilhas. Aquilo – mesmo não tendo nem começado – já havia ficado cansativo. Pelo menos a parte em que se mantinha afastado de mim. Olhei novamente para frente a ponto de ver me encarando sem expressão, apenas com uma das sobrancelhas arqueadas. Ele provavelmente sorria por dentro.
Cumprimentei ao sentar-me à mesa e nada mais disse. Não estava com humor – na verdade nunca estava – para gastar saliva com .
Olhei de relance para a mesa de Ava, onde ela e as amigas riam debochadamente, provavelmente riam de mim. Entretanto, percebi que uma delas olhava insistentemente para nossa mesa. Não para mim, mas para outra pessoa. Vi virar sua cabeça e encarar a mesma garota, a qual reconheci por sendo Gina Holden, uma morena alta do segundo ano.
Ri fracamente ao perceber o flerte descarado entre os dois. Devo admitir que algo – ainda não sabia se era meu coração estúpido ou meu estômago – deu reviravoltas ao observá-los. Apesar de querer ignorar , ele tinha que olhar para mim.
Quando o garoto finalmente resolveu voltar a sua posição inicial, tomou um gole de se refrigerante e respondeu algo que havia perguntado. Eu continuava a encará-lo, testando a teoria de que olhares atraiam olhares. E ela não falhou. Segundos depois os olhos de estavam fixos nos meus. Eu não sabia se era por causa da teoria em si ou se simplesmente não conseguia ficar cinco minutos sem dar uma checada em mim. Talvez fossem as duas ao mesmo tempo.
Bufei e, ao ver um sorriso cínico em seus lábios, senti minhas bochechas queimarem. Ele provavelmente sabia que eu o observava. E ele também sabia da minha reação mais profunda... Ciúmes...
Após alguns minutos, Calliope e Aaron se sentaram à mesa ao lado de , e a primeira apenas me lançou um olhar sem expressão, enquanto o segundo deu uma piscadela. Fiquei sem dizer uma palavra durante todo o intervalo, sem saber por quê. Estava apenas sem motivação alguma naquela manhã.
- , esqueci que tenho alguns livros de História no meu armário e como está quase no horário da aula, vou lá pegá-los, okay? - interrompi o chamego da minha amiga com e ela me encarou, assentindo em seguida. Eu simplesmente precisava sair dali.
Levantei-me da mesa em silêncio e andei rapidamente até a saída do refeitório. Sobrepus um braço sobre o outro enquanto encarava o piso sob meus pés. Eu precisava de algo para ocupar minha mente. Mente vazia é arma para a loucura. Principalmente se você é um ser cheio de conflitos internos.
Quando cheguei ao meu armário e o abri, peguei alguns livros e os coloquei dentro da minha bolsa. Sorri ao ver uma foto minha e de pregada na porta do escaninho. Ríamos abertamente com o mar de Ibiza de paisagem. A foto fora cortada na parte onde Ava antes estava. Verão de 2007.
- Olha só aquele garoto de bermuda vermelha! - Ava sussurrou animadamente, apontando para um garoto a alguns metros de nós. Alto, cabelos castanhos, costas incríveis. e eu entreabrimos a boca, totalmente absortas ao observar aquela paisagem. - Estou apaixonada - a garota completou, fazendo-nos cair na gargalhada.
Aquela era Ava, sempre encontrava algum garoto para se apaixonar à primeira vista e dizer que era sua alma gêmea.
- Ele olhou para cá! - disse histérica quando o garoto lançou-nos um olhar totalmente hipnotizante.
- Tirem o olho! Ele é meu! - Ava completou autoritária, arrumando seus cabelos loiros e sentando-se sensualmente na espreguiçadeira.
O sol de no mínimo trinta e seis graus quase torrava nossa pele, mas insistíamos em voltar com um bronzeado decente para Inglaterra. Qual era a graça de ir para um paraíso daqueles se for para voltar com a mesma cor? Apesar de odiar sol, concordei que eu realmente precisava dourar-me um pouco. E além do mais, precisávamos provar o quanto as férias haviam sido boas, e nada melhor para isso que um bronzeado tropical.
Tirei meus óculos de sol para observar melhor aquele pedaço de mau caminho. Para mim, não havia algo mais atraente do que costas... E as suas eram... Esplêndidas. Vi o garoto desviar sua atenção do amigo que conversava e lançar um olhar em nossa direção. Mais especificamente, a mim. Sorri com discrição e coloquei meus óculos novamente.
- , se você demorar mais um pouco eu te deixo para trás! - Ava disse de braços cruzados, encarando o reflexo de no espelho. Eu e Ava estávamos prontas há mais de meia hora e ainda estava indecisa sobre qual vestido usar. A minha escolha havia sido fácil.
- Como você é chata - rolou os olhos e optou por um vestido vermelho e tomara-que-caia. Eu já havia feito sua maquiagem, então estava tudo pronto.
Iríamos a uma festa à beira da praia, em um clube chamado Pitch Point. Cabanas na areia, fogueira, bebidas e DJs.
Com o carro que havíamos alugado fomos em direção ao clube, com The Hives no último volume. O vento bagunçava descaradamente nossos cabelos graças à parte destampada do conversível e isso pouco nos importava.
, que dirigia, cantava compulsivamente e eu, ainda sem álcool, já me sentia entusiasmada demais. Aquelas estavam sendo as melhores férias da minha vida.
Estacionamos no devido lugar e já pudemos ver a movimentação na entrada do local.
A música era animada e contagiante. Não podíamos conter os sorrisos e os gritos de êxtase.
Entrelaçamos nossos braços e entramos no clube altamente luxuoso. Já havia pessoas dentro da piscina, outras se agarrando sobre as espreguiçadeiras... Todos queriam aproveitar o máximo que podiam de suas férias de verão. Muitos alunos do Drayton estavam ali, uma vez que a notícia de que Ibiza prometia as melhores estruturas para as férias, todos combinaram de se encontrarem. Ninguém tinha interesse de passar o verão em uma praia fria e cheia de pedras na Inglaterra.
Encontramos Calliope Rote e Keira Dawson, as quais já estavam bêbadas, e elas nos mostraram onde pegar bebida.
- Achei que nunca ia te encontrar aqui - escutei uma voz atrás de mim enquanto esperava o barman preparar minha Marguerita. Senti seu corpo prensar o meu contra a bancada e suas mãos passaram pelos meus braços lentamente até se encaixarem em meus dedos. Meus pelos da nuca se eriçaram e meus olhos se fecharam.
- Eu até me esqueci que teria férias de você também. Doce ilusão... - tentei me controlar, lembrando o quão desprezível era. Mas meu corpo me dizia o contrário...
- Você nunca vai ter férias de mim... Eu nunca vou te dar esse... desprazer... - ele riu fracamente perto do meu ouvido e depositou ali um leve beijo.
- Não é só porque não está aqui que você pode ser descarado - falei lentamente, ainda tentando manter meu autocontrole, quando o barman me entregou a bebida esverdeada.
Virei-me e continuei presa pelos braços de , mantendo seu corpo perigosamente próximo do meu.
- pouco me importa - o garoto retrucou com malícia e aquele típico sorriso cínico em seu rosto. Era verdade: ele pouco se importava em dar em cima da namorada de seu melhor amigo, qual fosse o lugar que ele estava.
- Você é um péssimo amigo... - arqueei uma das sobrancelhas e levei a taça à boca, sentido o sal se misturar com a bebida assim que a tomei. A cena pareceu excitar de alguma maneira.
- Você é uma péssima namorada... - ele disse por fim. Suspirei e bufei em seguida, dando um leve empurrão no garoto para que ele finalmente me desse espaço.
Aquela noite era minha, e só minha. Nada de , ou qualquer problema que eu deixara para trás na Inglaterra. Espanha: novos horizontes. Pelo menos naquele verão. E o que acontecia em Ibiza, ficava em Ibiza.
- Você está pensativa hoje... - uma voz me acordou dos meus pensamentos e no momento seguinte fechei meu armário.
- Eu sou muito pensativa, ... - falei com descaso, dando as costas ao garoto e andando para a sala 13, onde eu teria aula de História Geral.
- Hoje você está mais... O que te aflige? - ele perguntou assim que me alcançou. O jeito observador de às vezes me irritava. Ele sabia o que você sentia sem nem mesmo te perguntar. Isso era perigoso.
- Deixa seu espírito detetive de lado, vai - rebati, impaciente, tentando contornar a situação e não ter que admitir qualquer sentimento a . Sentimentos aflitos os quais nem eu mesma sabia os motivos. - Por que você não me explica a tal historia de que você me levou para seu quarto para cuidar de mim no seu brunch?
Ótimo jeito de encurralar : fazê-lo admitir algo que antes ele havia negado.
Ele jamais reconheceria que cuidara de mim enquanto eu estava desacordada. era feito de aparências, e ser bonzinho e gentil não era uma delas. Muito menos para mim. Ele gostava de jogar, trapacear, enganar; tudo apenas para provar ser alguém frio e calculista, alguém que precisava ou se preocupava com ninguém.
- Que história? Eu, cuidar de você? Endoidou de vez, não foi? - sua voz saiu trêmula como esperado. Suas sobrancelhas estavam contraídas e ele mexia a cabeça freneticamente. Fiz uma careta.
- Vamos... Admita... - falei provocante, chegando perto de seu corpo e o vendo ficar ainda mais nervoso.
- Admitir o quê, ? - perguntou, irritado. Levou uma mão aos cabelos e os bagunçou. Ponto para mim! Ver nervoso não tem preço.
- Que me ama... - sussurrei perto de seu ouvido, vendo-o arrepiar. O corredor ainda estava vazio, já que todos estavam no refeitório. Mas fez questão de olhar para os lados.
O garoto segurou em meus ombros e me empurrou com leveza.
- Você... - ele disse com dificuldade. - Você é louca! Louca!
Não pude deixar de rir de sua expressão de desespero. Um a zero.
Deixei murmurando palavras nada amigáveis enquanto voltei a andar por aquele corredor. Segundos depois a sirene tocou e indicou o fim do intervalo; e então toda a boiada voltou a encher o curral.
Os pensamentos que me assolavam com nostalgia antes de me interromper, voltaram a todo vapor para minha mente. Não hesitei em relembrá-los com pesar.
Eu dançava como se ninguém pudesse me ver. E não me importaria se alguém visse, de qualquer maneira. O clube estava lotado, e a música saía frenética das caixas de som. Todos curtiam tão intensamente que dava a impressão de que aquela seria a última noite de suas vidas – e provavelmente seria para aqueles que bebiam e se drogavam loucamente.
Mas eu não me importava. Cada um tinha sua maneira de curtir, e a minha era com um copo de Gin Tônica na mão e a pista de dança só para mim.
Algo me chamou a atenção ali. O mesmo garoto que havíamos visto na praia – o das costas maravilhosas e alma gêmea de Ava – me encarava com olhos nem um pouco amáveis. Eram olhos cheios de lúxuria e desejo. Olhos que eu já acostumara a ter me seguindo.
O garoto misterioso levantou-se da espreguiçadeira e começou a andar em minha direção com todo aquele charme. Usava uma bermuda preta e uma camiseta branca. Os cabelos castanhos tinham um corte impecável; os olhos verdes não se moviam e um sorriso buliçoso brincava em seus lábios.
Quando ele estava a poucos metros de mim, vi uma pessoa interceder entre nós. Aqueles cabelos loiros encaracolados eram totalmente reconhecíveis, bem como seu vestido de seda branco.
- Hey... - aquela voz melódica assoreou o ambiente e eu arqueei as sobrancelhas. O olhar do garoto ainda estava preso em mim. Ao mesmo tempo, vi um vulto parar ao meu lado. Só pelo perfume Dior Homme eu reconhecia quem era.
- Olá - o garoto disse à Ava por simpatia.
Não escutei mais uma palavra. Caldwell o tinha visto primeiro de qualquer maneira, deixe que ela se divirta. No entanto, os olhos do loiro continuavam sobre mim, fazendo Ava direcionar seu olhar para o mesmo canto, encontrando com os meus. Estreitou o olhar. Dei de ombros. Sabia que ela havia bufado, mas manteve a classe.
Eu não tinha a mínima culpa.
Ava passou a mexer compulsivamente nos cabelos, talvez para chamar a atenção, ou talvez por raiva. Sorri e dei um gole na minha bebida, cortando meu contato visual com o misterioso. Ele pareceu notar a presença de Ava novamente. E a garota parecia fazer o possível para se mostrar.
- Não cobiçai o homem do próximo... - a voz sádica de despertou-me, fazendo-me dar um grande gole no Gin.
- Quem é você para pregar a palavra de Deus, ? - falei com humor, vendo-o parar em minha frente. Eu ainda não o encarava, observava o movimento no clube e acenava para alguns conhecidos.
- Eu sou um santo... Você sabe disso... - ele respondeu com um sorriso de meia boca. Ri e dei tapinhas em seu ombro.
- Hoje não, ... Hoje não... - falei apreensiva e o deixei falando com seus botões.
Já em casa, eu encarava meu guarda-roupa com Berta do meu lado. Ela mantinha uma mão no queixo e forjava uma expressão pensativa.
- Acho este conjunto aprrropriado... - disse ela, finalmente, com seu sotaque forte.
- Mas e o vestido verde? - indaguei, passando a mão sobre a malha do vestido Chanel.
- Nah, o conjunto.
- Certo, o conjunto.
Peguei o conjunto e coloquei sobre o corpo, analisando os prós em usá-lo. Hoje teria um jogo de pólo na propriedade dos Linus em prol do Hospital Pedro II. Pura fachada, eu diria.
Ricos normalmente não se importam com outras classes. É tudo pura publicidade.
Eu enjoara de toda aquela falseta da sociedade, mas eu pretendia pôr um dos meus planos naquele dia. passaria para me pegar às dezessete horas, e eu faria meu melhor para convencê-lo a me ajudar. Não seria muito difícil. Talvez um beijo no pescoço fosse o suficiente.
Em menos de quarenta minutos eu já estava pronta e encarava o grande relógio na sala de estar, impaciente. Faltavam cinco minutos para as dezessete horas, mas eu já estava ansiosa. Já havia tomado as devidas providências para meu plano não ter uma falha sequer, ainda assim estava apreensiva.
Hora nenhuma hesitei. A sede por vingança borbulhava na minha corrente sanguínea. Era como a felicidade - ou até mesmo amor - que te consome inteiramente, e não te deixa pensar em mais nada. Te cega e guia seus atos, por mais inconsequentes que sejam. A vingança não perdoa e não sente pena. Te domina inteiramente, e é difícil de ser exorcizada.
- Senhorrrita, o senhorrr está aqui - Berta anunciou e eu assenti distraída. Levantei-me do sofá e esperei que entrasse sala adentro.
Não me surpreendi ao sentir minha respiração falhar. Era impressionante seu charme exacerbado. Com apenas um olhar ele poderia ter o que quisesse. E ele tinha. Usava uma calça jeans meio surrada - não por ter usado demais, era um modelo único da Calvin Klein - fazia a combinação perfeita com o terno preto de linho aberto. Uma regata branca por baixo e um Addidas Star nos pés.
Suas mãos estavam dentro dos bolsos do terno e, por um segundo, o sorriso estampado em seu rosto não parecia ser falso nem maléfico. Era um sorriso ingênuo, sincero, quase imperceptível. Acho que nem ele sabia que o tinha no rosto.
Eu pareci esquecer-me de tudo, esqueci do meu propósito ali. Esqueci que tinha boca para falar, nariz para respirar, cérebro pra raciocinar...
Mova-se, ! Mova-se!
Mas eu não conseguia mover um músculo. Seus olhos me hipnotizavam de uma forma mágica. Parecia que lia meus pensamentos de tão intenso era seu olhar sobre mim.
Um impulso assustador me assoreou: eu queria tocá-lo. Queria beijá-lo como nunca havia antes, queria ter seu suor fixado em mim, suas mãos passando por meu corpo...
Era só desejo. Era só desejo. Tinha que ser só desejo. O que mais poderia ser?
E de repente ele se aproximou. Tudo se movia em câmera lenta diante dos meus olhos. Então ele parou defronte a mim. Continuamos a nos encarar. Sua respiração descompassada alcançava minha bochecha e seus lábios estavam entreabertos e convidativos. Seu típico Dior Homme invadiu minhas narinas sem o menor pudor, e eu tinha certeza que eu tinha uma expressão patética no rosto.
Você é patética, .
Sim, eu era. E fiquei mais ainda quando senti uma das mãos ásperas de tocar meu pulso. Seus olhos não se moveram um milímetro sequer. Mas suas mãos passaram a subir pelo meu braço todo. Lentamente... Aumentando a sangria dentro de mim. Eu nunca o desejara tanto na minha vida. E por que isso estava acontecendo agora? Por que diabos agora?
- , meu querido!
Uma voz ao longe nos despertou. Eu levei um susto - literalmente. Pulei meio metro para trás, me distanciando de . O garoto, no entanto, pareceu sair ileso do transe, apenas movendo seus olhos para a origem do som: minha mãe.
- Senhora - o garoto cumprimentou, esbanjando todo seu charme e elegância.
- Janette, ! Janette! Me chamando de senhora faz parecer que tenho oitenta anos de idade! - a mais velha forjou indagação em seu rosto.
- Imagine. Você está cada dia mais nova.
O sorriso da minha mãe alargou. Não restavam dúvidas de que era o genro que ela pedira a Deus. Os dois trocaram mais algumas palavras, mas o feitiço de parecia estar sobre mim ainda.
- Vamos? - o garoto me perguntou, despertando-me finalmente do transe. Acenei com a cabeça e nos despedimos de Janette.
Dentro do elevador, o silêncio prevaleceu. Vi pelo canto do olho que me encarava, mas não ousei olhá-lo de volta. Tinha medo de entrar em hipnose novamente. Ainda estava assustada por tudo que ocorrera minutos antes. Não entendia por que me sentira daquele jeito... Tão tonta e entorpecida... Nenhum outro garoto jamais me deixara assim.
No hall do condomínio fora a mesma coisa. O mesmo silêncio perturbador nos dominara até entrarmos em seu Porche Carrera. Ele não estava com motorista aquele dia. Talvez quisesse mais privacidade para me torturar mais.
- Você está deslumbrante - disse enquanto dava partida em seu carro. Sorri apenas, sem olhar para ele.
Quando parou no primeiro sinaleiro, senti sua mão tocar meu queixo e virar meu rosto sutilmente em sua direção.
- Por que está assim? - perguntou calmamente.
- Assim como? - rebati a pergunta, tentando o possível para parecer... Normal.
- Você sabe como... Nunca vi me olhar do jeito como me olhou hoje... - continuou no mesmo tom neutro. Eu não estava tão neutra dentro de mim. Respirei fundo, tentando assassinar todas aquelas borboletas insistentes de dentro do meu estômago.
- O sinal está verde... - falei simplesmente.
A calma pareceu voltar para mim aos poucos. Quero dizer, por quê? Acho que isso ficaria matutando em minha cabeça.
E então, o motivo principal de eu ter chamado ali voltou para minha mente.
- Er... Você conhece Gina Holden? - perguntei com indiferença, encarando minhas unhas vermelhas. O garoto riu.
- Ah, se conheço...
Fiz uma careta. Ele era repugnante.
- Vocês são próximos? - insisti. Sentei-me defronte para , de modo que encarasse suas expressões maliciosas.
- Se sexo casual faz as pessoas serem próximas, então sim. - sorriu malicioso. Como um dos impulsos loucos que eu estava tento, tive uma vontade tremenda de estapeá-lo. Murmurei um som qualquer e assenti.
- Por quê? - ele perguntou de sobrancelhas arqueadas, olhando-me de esgoela por alguns segundos. Dei de ombros, fingindo indiferença. - O que você quer, ?
- Por que acha que quero alguma coisa? - mostrei-me ofendida e voltei a encarar seu perfil. Sua boca entreaberta em um pequeno sorriso. Olhou-me novamente.
- Acha que eu não te conheço? - indagou com humor. - Pois eu te conheço muito bem. Principalmente quando faz essa cara de indiferença.
Ri nervosa e passei a mão pelos cabelos.
- Se eu quisesse alguma coisa... Você faria? - perguntei sem emoção, tentando parecer o mais natural possível, enquanto meu coração batia forte contra o peito sem razão aparente. Ele riu baixinho.
- Você ainda não sabe que eu faria qualquer coisa por você? - hesitou por alguns instantes. - Quero dizer, para você...
Um frio percorreu por toda a minha espinha. Engoli seco. Então ele continuou:
- Ainda mais se for para uma de suas maldades... - sorriu mais abertamente. Recompus-me para que pudesse continuar.
- Então eu tenho um trabalho pra você... E não vai ser tão difícil, já que você está familiarizado com Gina... - fiz uma careta novamente. - Eu preciso de informação, . Preciso saber o que a Ava faz durante o dia, aonde ela vai, com quem conversa... Preciso saber das fofocas... De cada detalhe de sua vida. - falei devagar para que ele entendesse bem.
- O que você tem em mente pra ela? - me perguntou curioso, enquanto vi a velocidade do carro diminuir. Havíamos chegado ao sitio.
- Você vai ver, . Você vai ver... - sorri com um tanto de maldade. Meu celular tocou e me despertou dos pensamentos mirabolantes.
“Ele já está aqui comigo e com Aaron no estacionamento. Venha logo, tenho medo dele. Xx ”
E a primeira parte do meu plano estava prestes a ser colocado em pratica. Senti pena de Ava por alguns segundos.
Mentira, senti apenas prazer ao imaginar sua cara ao ver o que eu tinha preparado para ela...
I’m
Feeling Good
abriu a porta do carona para mim e me ajudou a descer. Deu a chave do Porche ao manobrista, e então entramos sítio adentro. O local estava todo decorado com margaridas e forros branco, dando àquele local uma tranquilidade estupenda. Meu braço estava entrelaçado ao de , e nós cumprimentávamos algumas pessoas pelo caminho até o grande gramado. Havia mesas sob tendas brancas e algumas cadeiras ao redor do que era um campo de futebol. Alguns cavalos estavam amarrados nas traves do gol, cavalos extremamente bem cuidados. Eles provavelmente valiam uma fortuna.
O sorriso educado estava estampado em minha face ao cumprimentar a elite, assim como no de . Avistamos e acenando de longe, então fomos em sua direção para nos sentarmos.
- Boa tarde, - o garoto se levantou e sorriu galanteador. Ele tinha um charme, eu não podia negar.
- Boa tarde, - sorri de volta. Apenas acenei com a cabeça para , que desmanchou o sorriso no mesmo momento. Longe da minha amiga, eu não o aturaria.
arrastou uma cadeira para que eu me sentasse, mas hesitei. Tinha outros planos naquele momento, poderia ficar sentada por muito tempo enquanto assistia ao show.
- Preciso encontrar . Ela trouxe alguém especial para a festa - falei insinuante, e eu sabia que, com apenas um olhar, sacaria o que eu queria dizer.
- Quer que eu vá com você? - perguntou, com um toque de excitação na voz.
- Não, fique aqui. Caso Ava apareça, chame-a para se sentar aqui.
O garoto concordou com a cabeça e eu então parti para o estacionamento.
Meus saltos afundavam na grama enquanto eu andava, então tive que me equilibrar na ponta dos pés. Eu olhava atentamente pelo ambiente à procura da loira e , mas nenhum sinal do casal do ano. Ou ex-casal do ano, já que eu havia estragado o relacionamento perfeito deles após a festa de Dougie.
Quando cheguei ao estacionamento, vi três pessoas viradas de costas para mim. O cabelo castanho e liso de Aaron eu reconheci de longe. Usava uma calça social preta e terno de mesma cor. Ele sempre conseguia ser charmoso ao extremo...
usava um vestido branco e tomara-que-caia, enquanto seus longos cabelos estavam presos em um rabo de cavalo baixo e torto para o lado direito, caindo-lhe sobre um ombro. E havia um garoto - melhor dizendo, um homem - entre os dois. Tinha o cabelo preto arrepiado, um terno azul marinho e calça jeans. Eu me lembrava bem de sua fisionomia. Era moreno e tinha olhos verde-oliva. Era bonito, mas sua profissão me impedia de sentir algum interesse por ele.
Pigarreei quando me aproximei.
- Jeremy... Como é bom te ver! - menti. Por mim, jamais o veria novamente. Mas as circunstancias pediam por aquilo. O homem sorriu abertamente, deixando seus dentes extremamente brancos entrarem em contraste com sua pele.
- Igualmente, ... - ele disse com sua voz grossa. Eu sabia que ele pouco se importava em me ver. No entanto, tínhamos um interesse em comum: derrubar Ava. Na verdade a sua vontade não abrangia o mesmo sentido que a minha. Eu tinha desejo por vingança, ele queria apenas seu dinheiro de volta.
Jeremy e Ava namoraram quando a garota tinha seus quinze anos. O garoto era três anos mais velho e de uma classe social bem abaixo da de Ava. Quando os pais da garota descobriram a profissão de Jeremy, proibiram-na de namorá-lo, mas aquilo não seria suficiente. Ava era mimada demais para fazer algo que os pais mandaram.
Jeremy era traficante. Mas não um simples traficante: ele comandava toda a rota de drogas de Londres, logo, a maior rota de todo o Reino Unido.
Ava quis aproveitar-se desse fato, e os dois planejaram um assalto. Sim, um assalto. E contra sua própria família.
Contara os pontos estratégicos da segurança da mansão dos Caldwell, a senha do cofre principal...
Como ela foi capaz de trair a própria família?
Bom, essa era uma boa pergunta. Na verdade, Ava Caldwell jamais se importara com sua família. Pensava que tudo o que eles faziam por ela não passava de sua obrigação. Ela queria o que era deles para que pudesse sair dali, fugir e viver sua vida.
Então Jeremy, por mais perigoso e esperto que fosse, caiu na lábia da garota e aceitou participar do plano. Roubara a família Caldwell o máximo que conseguira e entregara a fortuna a Ava. E o que a garota fizera? Pegou todo o dinheiro e jóias da família, e em seguida, denunciou o namorado à polícia. Jeremy ficara preso por dois anos, e eu fiz questão de pagar sua fiança.
Eu queria ver a cara de Ava quando o visse ali. Eu queria que ela visse que eu era capaz de colocá-la em sono profundo e mergulhar em seu pior pesadelo.
Olhei e Aaron de relance e os dois lançaram-me um sorriso. Aquilo era infalível.
Entrelacei meu braço no de Jeremy e tomamos o rumo para fora do estacionamento.
Algumas pessoas mais conhecidas olhavam-me com receio.
O que ela está fazendo com esse criminoso?, pensavam.
E eu me importava?
Eu estava pouco me lixando. Pensassem o que quisessem, eles não eram meu problema.
O sorriso continuava estampado em minha face, por estar finalmente colocando a primeira parte do meu plano em prática.
Avistei a mesa onde estava sentado e, como de esperado, seu olhar fora atraído pelo meu. Seus olhos sorriam, e ele tentava disfarçar o riso que queria soltar. também pareceu ser atraído pelo olhar da namorada que andava atrás de mim, mas sua reação foi diferente. O choque pareceu consumi-lo, e no momento seguinte, todos daquela mesa já estavam nos encarando. Vi virar sua cabeça para nossa direção, e sua reação não fora diferente da de . Seus lábios se entreabriram em choque.
A última que pareceu notar o que estava acontecendo foi Ava. Ela demorou alguns segundos para lançar sua atenção para mim. Mas quando lançou, o que eu mais quis fazer foi gargalhar. Eu queria rir de sua feição de choque, medo, aflição... Seus lábios tremiam cada vez mais, à medida que nos aproximávamos.
Olhei para cima a ponto de ver o meio sorriso nos lábios de Jeremy. Então ele se sentia tão realizado quanto eu...
- Olá, pessoal... Lembram-se de Jeremy Maddson? - apontei com sutileza para o garoto ao meu lado. Ninguém disse uma palavra. - Lembram-se também que ele estava preso, não lembram? Bom, ele foi solto... E não vejo nada mais justo do que trazê-lo novamente para a sociedade. Toda aquela filosofia de dar uma nova chance, não é verdade, Jeremy?
O garoto sorriu com humor para mim e arrastou uma cadeira para que eu me sentasse ao seu lado. No mesmo lugar em que Ava se encontrava.
- Lembra-se de Jeremy, Ava? - direcionei-me à garota. - Como poderia esquecer, não é mesmo?
Seu peito subia e descia com velocidade, de acordo com sua respiração desesperada e descompassada. Seus olhos tinham um misto de fúria e medo. Tudo o que eu queria.
Todos ficaram em silêncio por longos segundos, até que lancei um olhar a e o garoto pigarreou, puxando um assunto qualquer. Um garçom passou servindo aperitivos e champanhe, e o clima pareceu descontrair ao longo dos minutos. Não para mim, Jeremy e Ava. Até parecia ignorar nossa existência. Encarei-o por alguns segundos. Ele estava com uma camisa pólo branca, com os primeiros botões abertos... Bem do jeito que eu amava...
- , eu estou nervosa! - apertei sua mão com força, à medida que saíamos do elevador. Puxei-o, de modo que me encarasse. Eu estava tremendo!
- Nem tem por que ficar assim, ! Eles vão te adorar! - o garoto envolveu meu rosto com suas mãos. - Para falar a verdade, eles já te amam... - concluiu com um sorriso sapeca. Bufei, ainda não me convencendo.
estava me obrigando a conhecer seus pais. Fazia apenas sete meses que estávamos namorando – tudo bem, era muito tempo, no entanto, eu tinha apenas treze anos e realmente não fazia questão de conhecer os pais deles. Podia parecer rude, mas eu não estava preparada!
Claro que os Judds já me conheciam, mas não oficialmente.
nunca dissera: “Oi pai, oi mãe, essa é minha namorada, !”
Éramos muito novos, mas agora a família fazia questão que me apresentasse como sua namorada.
E eu? Eu estava apavorada. E se eu fizesse algo de errado? Se eu não segurasse o garfo de forma errada? Se caísse ou falasse algo inapropriado?
- Vamos, respire fundo - disse calmamente, ainda com as mãos em meu rosto. Entrelacei nossos e inspirei profundamente. - Melhorou?
Abri os olhos e encarei aquele mar intenso que eram seus olhos. Como não acalmar diante daquilo?
Sorri docemente e beijei a palma de sua mão.
- Estou.
sorriu de volta e selou seus lábios aos meus.
- Vamos? - perguntou com ternura.
- Vamos.
Ele abaixou suas mãos e continuou com uma entrelaçada na minha. Bateu na porta de madeira perfeitamente desenhada e envernizada, e a Sra. a abriu em seguida com um sorriso enorme e gentil. Toda a tensão desapareceu completamente do meu corpo assim que fui acolhida como se fosse parte da família. Nunca me senti tão feliz...
- Er, ... Posso falar com você? - a voz veluda de Ava despertou-me de meus pensamentos. Meu estomago congelou.
- Claro... - forcei minha voz a se acalmar e me levantei.
Andamos silenciosamente pelo gramado, até estarmos relativamente longe da mesa onde nos sentávamos.
- O que você está fazendo? - a loira me perguntou com a voz trêmula. Eu sabia que ela estava prestes a ter um ataque. E eu veria aquele espetáculo de camarote.
- O que você quer dizer com isso?
- Você quer destruir a minha vida, é isso? - ela tentava manter a calma, mas suas mãos tremiam freneticamente. Um riso explodiu da minha garganta sem pudor.
- Oh, porque se eu destruir sua vida vai ser muito injusto, não é mesmo? - perguntei com o máximo de cinismo na minha voz. Ela queria mesmo bancar a vítima para mim?
- Olha aqui, , você mereceu o que eu fiz com você! - apontou o dedo em meu rosto ameaçadoramente. Que medo.
- Eu mereci, Ava? Eu mereci? Eu era sua amiga! Sua amiga! Nunca fiz mal algum pra você! Eu te amava incondicionalmente, e por que você fez isso comigo? Por quê?
Eu cuspia as palavras com o mínimo de pena.
- Você ficava com ! Ficava com enquanto estava com o !
- E desde quando você é boa samaritana? Você traía Aaron todo final de semana e agora quer me julgar? - falei com indignação. Aquilo não era possível. Tinha que ser brincadeira!
- Não é disso que eu estou falando! - ela gritou.- Eu amava , ! Eu sempre o amei, e você ficou com ele! O fisgou, deixou-o cego por você! Enquanto você não escolhia entre e , eu ficava sofrendo! E você nunca se importou com isso!
Um minuto. Planeta pare de girar porque eu quero descer. Ela amava ? Desde quando?
Uma onda de raiva ainda maior correu por meus ossos como uma corrente elétrica.
- Você amava ? Desde quando? E eu por acaso sabia disso? E isso é motivo para acabar com a minha vida? - meu tom de voz agora era o mesmo que o de Ava. Eu não ia mais segurar aquela fúria dentro de mim; eu precisava vomitar todas aquelas palavras.
- Você devia saber! Já que diz ser tão minha amiga... - ela rolou os olhos. - E não foi só por isso! Você sempre foi a queridinha de todos. Sempre chamando atenção, querendo que todos olhassem pra você... Sempre foi egoísta e nunca pensou em nada a não ser em você! - apontou novamente o dedo em meu rosto. Bati minha mão ferozmente em seu dedo. Quem era ela para me ameaçar daquele jeito?
- Eu sempre fiz tudo por você, Ava, e eu sou egoísta? Menti, magoei, perdi pessoas... Tudo por você! Eu sempre te idolatrei, sempre te amei, te considerei como uma irmã! Não venha me chamar de egoísta!
- Tanto faz, . Eu estava cansada de você! Queria você longe da minha vida, da de e de ! Queria que todos vissem quem você realmente era... E não é que eles acreditaram? Para você ver o quanto era importante para todos... - riu debochadamente. Sorri.
- Pois é... Mas quem você queria que acreditasse... Não acreditou. Ele continua fiel ao meu lado. É isso que te mata, não é mesmo, Ava? - aproximei-me da garota, e a cada passo que eu dava para frente, ela dava para trás. - continua atrás de mim como sempre esteve. O que acha disso?
- Não por muito tempo, . Você vai ver. Quando rastejar por mim, você vai ver que não tem mais nada. E quando eu fizer coisas piores com você, piores do que o que já fiz, você vai implorar por perdão. - Seu tom era de extrema ameaça. Se eu estava com medo? Se eu me sentia ameaçada? Eu não tinha o mínimo de medo, não sentia o mínimo de ameaça. Eu ia usar o veneno contra a própria cobra.
- Você está muito enganada se eu vou ficar parada vendo você planejar minha queda, Ava. Vai ser você quem vai implorar por perdão.
- Hey ... - escutei uma voz ao fundo tirar minha atenção dos olhos raivosos de Ava. - Posso falar com a Ava por um instante? - era Jeremy. O show estava prestes a começar.
- Claro, querido - sorri educada. Lancei um ultimo olhar mortal à garota antes de me retirar. Enfiei a mão em minha pequena bolsa e retirei de lá meu celular. Procurei pelo número de e comecei a escrever uma mensagem.
“Mudança de planos. Tenho algo mais interessante pra você. Xx ”
Sentei-me novamente à mesa. Havia uma cadeira vazia que me separava de . Ele tentava não me olhar, eu sabia que ele fazia um esforço grande para não fazê-lo. Sua mão estava posta sobre a mesa, e ele batia os dedos compulsivamente, em um ritmo sincronizado.
O que eu mais quis fazer naquele momento foi agarrar sua mão. Sentir a textura de sua pele em contraste à minha. Beijá-la, entrelaçar seus dedos nos meus... Aquilo era uma tortura.
E quando um baque de vento passou por nós, trouxe com ele o perfume de . Ele invadiu minhas narinas sem pudor algum, e desceu rasgando a minha faringe até chegar aos pulmões.
Senti meus olhos formigarem e se embaçarem por alguns instantes. Ficar ao seu lado era mais do que eu podia aguentar. Era o pior tipo de tortura que podia existir...
- Nós vamos ter um consultório só nosso... Onde vamos poder nos ver o tempo inteiro, e no intervalo entre um paciente e outro... Você sabe... - disse com uma voz marota e beijou meu pescoço. Sim, eu sabia o que ele queria dizer. Dei um tapa de leve em seus ombros.
Estávamos deitados em sua cama, enquanto Amsterdam da banda Anberlin tocava em seu mp3. Eu havia colocado a música para repetir; ela era, simplesmente, a musica mais linda que eu já ouvira. Apesar de a letra melancólica e triste não ter nada a ver comigo e , eu gostava de escutá-la.
- Você não vai enjoar de me ver o tempo inteiro? - indaguei, brincando com seus cabelos. Eu estava com a cabeça em seu peito, mas encarava seu queixo, enquanto ele olhava para o teto. Eu gostava de ficar naquela posição, só para sentir o cheiro gostoso que exalava de seu pescoço.
- Acha mesmo que vou me enjoar de você? - rebateu, apertando minha cintura contra seu corpo. Dei de ombros. - Você é muito boba por pensar isso. É bem capaz de você se enjoar de mim, não o contrário.
- Até parece... - murmurei baixinho contra sua nuca. riu docemente e beijou o topo da minha cabeça. Aconcheguei-me ainda mais, de modo que agora pudesse encarar seu rosto de perto.
Nossos narizes estavam quase se encostando, e eu chegava a ver apenas um olho de , tamanha nossa proximidade; sua respiração batia em minha boca.
Espalmei minhas mãos em seu peito, e elas se moviam para cima e para baixo lentamente, de acordo com sua respiração.
Eu não precisava de mais nada. Eu estava completa.
e eu tínhamos planos de nos formarmos em Medicina e abrir nossa própria clínica. Eu sabia, apesar dos meus quatorze anos, o que queria. Queria ter para o resto da minha vida, queria formar uma família, ter uma casa, cinco filhos e dois cachorros. Não importava como, eu só queria tê-lo para sempre. Nada podia nos separar, eu tinha certeza disso.
De repente, como se fosse uma falcatrua do destino - para quem nisso acredita -, uma melodia conhecida saiu das caixas de som ali perto. A música era baixa, para que não atrapalhasse os convidados a conversarem. Mas ainda assim, eu a escutei. E sabia que o garoto ao meu lado havia escutado também, já que suas mãos fecharam em punho.
Meu coração passou a bater descompassado. De movimentos rápidos a movimentos quase parando. Minha respiração falhou totalmente e meu cérebro pareceu parar de trabalhar. Era a nossa música.
Ela nunca fizera muito sentido quando estávamos juntos, mas escutando agora, parecia que fora feita para nós.
I don’t wanna be where you are
I don’t wanna be here even now
I don’t wanna be by your side
Sim… Nós não entendíamos como ela nos tocava naquela época... Talvez estivesse traçado em nossos caminhos os acontecimentos recentes. Talvez não era para ela fazer sentido naquela época, mas em um futuro próximo...
Vi o peito de subir e descer rapidamente, como se sua respiração estivesse falhando como a minha. Não sei explicar por que ela tocou naquele momento, naquele exato momento em que eu estava prestes a desistir de tudo e pedir desculpas. Eu estava quase desistindo do meu propósito... Por ele...
This is our last goodnight
Vi seus olhos encontrarem os meus por um milésimo de segundo. Eles, por um momento, não pareciam cheio de ódio, mas sim, decepção.
Ele era a última pessoa do universo a qual eu queria decepcionar. Se eu pudesse, pularia em seu colo, o encheria de beijos e pediria desculpas por ter esquecido quem eu realmente era... De quem nós realmente éramos. Falaria que ele era a única pessoa que fazia a minha vida ter sentido, a única que eu queria ter um futuro... Mas eu não podia. Eu não podia, pois algo maior dentro de mim fazia questão de me lembrar todas as palavras horríveis que ele já dissera. Mas eu queria esquecer. Eu queria esquecer as palavras e me lembrar dos atos... Lembrar-me de todas as maravilhas que já passamos juntos...
No entanto, no fundo - bem no fundo de mim - eu sabia que eu não merecia... Não merecia seu amor, seu afeto, sua amizade... Mas tampouco Ava. Ele merecia alguém que retribuísse toda sua bondade, que o amasse como ele merecia ser amado. Não alguém como eu.
pareceu não aguentar. Empurrou a cadeira com força e saiu batendo os pés fortemente no chão. Passou pela gritaria que acontecia entre Ava e Jeremy, e saiu do meu campo de visão.
Uma tristeza imensurável me assoreava. Era uma dor horrível. Uma vontade de gritar, chorar, dormir e não acordar.
Por um lado, Ava tinha razão. Eu era mesmo egoísta. Quando eu o tinha para mim, brincava com seus sentimentos como se fosse um jogo estúpido. O enganei, o trai, o magoei... Eu não era digna de seu amor.
Eu era digna de nada.
I Don’t Wanna
Know
- Oh, Aaron... Estou tão cansada de tudo... - queixei enquanto nos sentávamos no chão do almoxarifado. Era aula de latim, e nós sempre dávamos um jeito de cabulá-la. Normalmente Ava e estariam ali, mas as duas haviam sido suspensas da escola por dois dias devido a mau comportamento. Eu estava dormindo nessa hora, senão estaria em casa nesse momento também.
- Calma, ... As férias já estão chegando... - ele disse com tranquilidade. Encostei minha cabeça em seu ombro e encarei algumas vassouras velhas e descascadas à nossa frente.
- Eu sei... Mas em pensar que ano que vem terei que enfrentar tudo isso de novo. Eu não aguento mais tanta hipocrisia, Aaron. Sabe que continuo aqui só por vocês... - falei com melancolia, enquanto meu amigo passava a mão sobre meus cabelos.
Se alguma pessoa que não nos conhecesse nos visse, provavelmente acharia que éramos um casal de namorados. Mas Aaron e eu éramos amigos demais para sermos namorados. Ele era o irmão que eu nunca tive.
Nem ao menos me entendia como Aaron entendia. Ele sabia dizer as palavras necessárias nos momentos mais delicados. Ele sabia como me acalmar, como me entreter... Sabia o que eu sentia apenas com um olhar.
- Eu sei. Mas pense, será nosso ultimo ano. E depois, olá Cambridge! - ele disse com humor, fazendo-me rir só de imaginar.
- Seria ótimo se nós quatro fossemos aceitos em Cambridge... - suspirei.
- Nós quatro? - ele pareceu meio confuso.
- É. Eu, , você e Ava...
- Oh, claro - Aaron disse num murmúrio. Ele pareceu surpreso por um instante, mas acho que não percebeu que vi sua expressão.
Um silêncio calmo pairou sobre nós por alguns instantes.
- Você gosta muito dele? - Aaron pareceu ter dificuldades ao falar. - De , quero dizer.
Suspirei. Não hesitei, somente refleti por alguns instantes. Eu não tinha dúvida alguma.
- Sim. Eu o amo, Aaron. Eu o amo como nunca amei ninguém - falei meio romanesca. - Na verdade acho que nunca amei alguém além dele... - ri baixinho.
- Mas e ? - ele perguntou com receio. Suspirei novamente.
- Não sei o que acontece entre e eu... Acho que é apenas uma aventura, tanto pra mim quanto pra ele. É algo que eu não consigo resistir. Mas eu não o amo. Longe disso...
Aaron riu. E depois suspirou, um tanto quanto pesaroso.
- Sabe, , eu queria te dizer uma coisa... – Aaron começou com desconfiança.
Virei meu rosto em sua direção, encorajando-o que continuasse.
- Eu... Eu...
E então um baque ensurdecedor nos assustou.
- Aqui estão eles! - uma voz feminina - e familiar - gritou.
No momento seguinte, uma multidão apareceu diante da grande porta do almoxarifado. O lugar, que antes a escuridão dominava, agora estava repleto de feixes de luz que escapavam por entre as pessoas.
Vários cochichos e murmúrios abafaram o lugar. Cochichos maldosos, murmúrios de julgamento. Eu não entendia o que estava acontecendo.
- Eu sabia! - reconheci a voz de Ava gritando. - Eu sabia que vocês dois estavam juntos! Eu sabia que você estava me traindo com ela! - apontou para Aaron.
Meus olhos se arregalaram. O que estava acontecendo?
- Ava, do que está falando? - o garoto perguntou, levantando-se do chão. Fiz o mesmo.
- Aí está a prova! Vocês escondidos nesse almoxarifado enquanto estou procurando por vocês! Como você pode fazer isso comigo, Aaron? - ela agora chorava e gritava descontroladamente. E eu estava perplexa.
- Ava, você está louca? Por que está falando isso? Sabe que ficamos aqui durante as aulas de latim! E o que você está fazendo aqui, por falar nisso? - Aaron continuou, tão perplexo quanto eu. Só que eu ainda não havia absorvido aquele momento.
- Vocês esperaram eu não estar aqui para me apunhalar pelas costas, não é mesmo? - a garota se aproximou; os murmúrios cada vez mais intensos. - E você, ? Que diz ser minha amiga... Como teve a audácia de fazer isso comigo? Que tipo de cobra você é, que fica com o namorado da sua melhor amiga? - ela gritou cruelmente.
- Ei, o que está acontecendo aqui? - outra voz familiar apareceu no meio dos murmúrios. Era , mais confuso que eu.
- Quer saber mesmo o que está acontecendo, ? - Ava riu maleficamente. - Sua namorada, que todos pensam ser uma santinha, estava aqui de amassos com o meu namorado!
não falou nada por alguns segundos. Ele me encarava com uma expressão vazia, com a boca entreaberta.
- , isso é mentira! - acordei, e foi minha vez de gritar. Fui em direção ao meu namorado e fiquei de frente a ele. - , é mentira!
Mas ele continuou sem expressão alguma. Nem ao menos me encarava.
- Acha mesmo que é mentira, ? Repare em todo o tempo que eles passam juntos! Viajam juntos, jantam juntos, saem quando nem ao menos estão conosco! E as tardes de sábado no parque? Não me venha dizer que nunca desmarcou um encontro pra encontrar Aaron! - a língua afiada de Ava continuava a soltar um veneno peçonhento.
O garoto moveu a cabeça lentamente em direção à garota.
- Você sabe, não sabe? Sabe que no fundo o que eu falo é verdade! - ela gritou.
- Não dê ouvidos a ela! , pelo amor de Deus, olhe pra mim! - sacudi o garoto em minha frente. - Você não confia em mim? , olhe pra mim! - supliquei. As lágrimas já começavam a descer dos meus olhos sem pudor algum.
- Por que está fazendo isso, Ava? Por que está inventando essas coisas? - fui até Ava com toda a minha fúria.
- Inventando? Você devia ter vergonha de dirigir a palavra a mim. Você é uma vadia, . Uma vadia! - ela gritou e me empurrou com força.
No momento seguinte, ela atravessou a multidão que me encarava com olhos cheios de julgamento. continuava parado, atônito.
- ...
- Não encoste em mim - ele disse com o tom de voz assombrado. Ainda não me encarava. - Não encoste em mim...
Sacudiu a cabeça e saiu a passos largos do almoxarifado.
Mas a aglomeração continuava ali... Olhando-me como se fosse um animal em exposição. Um animal que tinha assassinado outro do mesmo bando.
O que tinha acabado de acontecer? Por que Ava tinha feito isso? Por que havia acreditado nela? Por que isso estava acontecendo comigo?
Acordei do cochilo que tirei durante a aula de História do Reino Unido quando a sirene tocou. Ainda tive que aturar um sermão do Sr. Meyers por ter dormido. ‘Não irei tolerar isso da próxima vez, Srta. ’, ele dissera. Isso, suspenda-me, Sr. Meyers, é tudo o que eu preciso nesse momento. Encontrei no corredor e tomamos rumo à saída do colégio, já que aquela era a última aula do dia, com a graça do Senhor. Combinamos de nos encontrar ao crepúsculo daquele dia para lancharmos em algum Café.
O motorista de chegara antes do meu. Na verdade o meu estava demorando uma eternidade.
Após longos quarenta e cinco minutos, não restavam muitas pessoas ali. Mas uma em particular chamou minha atenção. Levantei-me e fui em sua direção. Ele estava sentado sob a copa de uma árvore, com fones no ouvido e olhos fechados. Tinha as pernas cruzadas e braços em cima da cabeça.
Aproveitei seu momento de distração e me sentei ao seu lado, passando despercebida. Foi o que achei. abriu os olhos e me encarou com certo espanto.
- Se importa? - perguntei docemente, tomando cautela com as palavras que eu usaria. O garoto simplesmente deu de ombros, sem tirar os fones do ouvido.
- O que está ouvindo? - me atrevi a perguntar. arqueou as sobrancelhas e me olhou novamente, agora um tanto desconfiado.
- Mayday Parade - ele respondeu, sem muito interesse. Oh, como senti falta de escutar sua voz!
Murmurei ‘hm’ e pensei no que dizer em seguida. voltou a fechar os olhos.
- Miserable at Best? - perguntei novamente. Eu sabia que aquela era sua música favorita. tirou bruscamente os fones.
- , o que você quer? - rebateu com certa rudez. Encarei minhas sapatilhas por um instante. Quero você.
- Queria... Um novo começo... - falei sem nem mesmo pensar. riu.
- Você é inacreditável, ... - disse em meio de risadas. - Você faz tudo o que fez, some, não dá sinal de vida, volta completamente diferente, e ainda pede por um novo começo? - ele cuspiu as palavras sem pena alguma. Respirei, a fim de me acalmar.
- Você não sabe das coisas que aconteceram de verdade, ...
- Então me explique, ! Me explique, por favor! - falou com um tanto de cinismo. Eu iria manter a minha calma.
- Não vou te explicar nada, . Você escolheu seu lado, escolheu não me escutar... Já quis explicar e você não me ouviu. Mas não é isso que eu quero dizer...
- Então o que quer? - ele pareceu desorientado. - O que você quer? Quer me enlouquecer, é isso?
- Não, . O que passou, passou. Mas nós podemos pelo menos... Ser amigos... - falei com timidez, brincando com meus próprios dedos. balançou a cabeça e depois suspirou.
- Não sei como posso ser seu amigo, ... - meu coração revirou ao escutá-lo falando meu apelido novamente. - Não pelo que você fez... Mas pelo que você se tornou... Eu não te reconheço mais! Eu não sei quem você é!
- Eu sou a mesma de antes, ! Acredite, eu sou! - me virei de frente a ele, com um olhar de súplica.
- Não parece... A minha ... - parou de falar subitamente ao realizar o que tinha falado... Minha ... Meus olhos formigaram. - A antiga jamais agiria como você está agindo... Ela não era má. Era ingênua, queria sempre o bem dos outros... Não humilhava, não mentia... Acho que na verdade eu era o ingênuo da historia... - concluiu ele com pesar.
- É... Talvez eu não seja como a antiga ... - Mas eu ainda posso ser sua... - Mas se te incomoda tanto a nova, eu... Eu posso voltar a ser ela...
O garoto passou a encarar a rua. Seu perfil maravilhoso, exatamente como eu me lembrava. Fechou os olhos de repente.
Resolvi aproveitar daquele momento de hesitação. Foi mais por impulso que qualquer outra coisa.
Minha mão parecia ter vontade própria. Ela se levantou e se moveu lentamente em direção ao rosto de . Puxei-a por um instante. O que poderia acontecer?, me perguntei.
No máximo, ele tiraria minha mão.
E por mais um impulso, ela voltou a se mover.
Um arrepio percorreu todo o meu corpo no momento em que senti sua pele tocar meus dedos. pareceu se assustar, mas não abriu os olhos. Isso me fez querer continuar. Comecei a passar a mão por todo seu rosto. Primeiro pelas maçãs do rosto. Sua barba estava malfeita, por isso senti um pouco de cócegas. Subi para suas sobrancelhas e desci para seus olhos fechados. Trilhei o caminho lentamente até seu nariz perfeito, fazendo a curva da ponta com meu dedo indicador. E então, faltava sua boca. Ela estava entreaberta; Seus lábios rosados e convidativos. Eu podia sentir sua respiração descompassada sair pelas narinas e pelo pequeno espaço entre os lábios. Levei meu dedo até o lábio superior e fiz o contorno indefectível do mesmo. suspirou pesadamente, eu notei. Contornei até o lábio inferior, demorando mais ali.
Quando dei por mim, meu rosto já estava tão próximo do seu, e meus lábios formigavam para tocar os dele.
abriu os olhos lentamente e encarou os meus.
- Eu sinto tanto a sua falta... - ele disse com tamanha angústia que fez meu coração ser comprimido dentro de mim.
Segurei seu rosto entre minhas duas mãos.
- Eu estou aqui agora... - falei com a voz trêmula, segurando para não deixar lágrimas caírem dos meus olhos. - Me dê outra chance! Deixe-me recomeçar! Eu vou te mostrar que ainda posso ser a sua ! - meu tom era um misto de desespero e felicidade. Escutar aquelas palavras da boca de era tudo o que eu precisava para largar tudo. Eu jogaria tudo pro alto, por ele...
Uma buzina nos acordou do transe profundo em que nos encontrávamos. pareceu ter dificuldade para olhar para o lado. Vi que era seu motorista. E vi também que ele fechou os olhos e abaixou a cabeça. Ele iria falar algo. Mas acho que tudo o que eu escutaria seria as batidas fortes do meu coração.
- Eu... - ele começou, fazendo o ar ficar preso dentro de mim. - Desculpe, eu preciso ir...
Tirou as minhas mãos de seu rosto e se levantou. Parou por alguns segundos, de costas a mim, e então partiu, sem ao menos olhar para trás.
Uma lágrima solitária rolou pela minha bochecha. Apesar de tudo, eu já havia escutado o que queria.
Os olhares continuaram ao longo da semana. Eu não mais os suportava.
não falava mais comigo. Ava me ignorava completamente. Aaron havia sumido. não sabia como me ajudar. Eu não tinha mais opções. Eu estava acabada, martirizada, humilhada... Até mesmo minha irmã, Bridget, me olhava de maneira diferente. Não tocara no assunto, no entanto.
Eu estava vivendo um pesadelo. Daqueles em que você não consegue acordar de maneira alguma. Só me restava uma coisa a fazer...
- ! - gritei o garoto que conversava com uma ruiva qualquer. Aproximei-me mais. - ...
A garota me olhou do mesmo jeito que todos me olhavam: como se eu fosse uma aberração. A tal rolou os olhos e sibilou um ‘Converso com você mais tarde’ e saiu de perto.
, entretanto, não me olhava como os outros... Continuava normal, exceto por um brilho incomum.
- Você está sabendo de tudo? - perguntei um tanto eufórica, enquanto tentava fazer minha respiração voltar ao normal. Estávamos no gramado da escola e era a hora do intervalo.
- Do seu adultério? - ele rebateu com humor.
- Você sabe que eu não fiquei com Aaron, ! - contrapus com furor.
- Mas você continua sendo uma adúltera... - o garoto continuou com seu cinismo infernal.
- O que quer dizer com isso? - franzi o cenho, quase pronta para pular em seu pescoço. Eu precisava descontar minha raiva de qualquer maneira.
- Esqueceu das nossas noites esplendidas em Ibiza? Não só em Ibiza, é claro, mas é nessa que tenho as melhores recordações... - concluiu com um sorriso sacana no rosto.
- Mas eu estou sendo acusada de algo que não fiz! Se ela pelo menos tivesse falado de você, mas não! Ela falou de Aaron! Por que ela fez isso? Eu não estou entendendo... - passei as mãos por meu cabelo, um tanto desesperada. Eu estava prestes a enlouquecer.
- Não tente entender a mente de Ava, ainda mais uma mente tão ingênua quanto a sua... - disse com audácia. Passou o braço sobre meus ombros. - Vamos, se acalme. As coisas não vão se resolver se ficar nesse estado.
Por um segundo, quase acreditei que realmente se importava comigo.
- Por favor, , me ajude! - meu tom foi de extrema súplica. Ali estava eu, implorado por ajuda a .
- O que quer que eu faça? - me encarou com apreensão.
- Diga a que é tudo mentira! Ele é seu melhor amigo, vai acreditar em você! - continuei desesperada.
- Pra que eu faria isso, ?
Fiquei sem entender.
- Está tudo do jeito que eu sempre quis! – Dougie continuou. – Olhe, eu amo , mas ele agora está finalmente fora do meu caminho... - o garoto disse com um pequeno sorriso. Eu não podia acreditar.
- Você acha mesmo que vou ficar com você? - cuspi aquelas palavras. Eu estava cansada da arrogância de .
- Acho, . Acho que em certo ponto da sua vida, você vai ver que quem é o seu grande amor... - deu uma pausa e aproximou sua boca ao meu ouvido. - Sou eu.
- Foi você quem armou tudo isso, não foi? Você que está por trás disso tudo, não é mesmo, ? - minha voz já era mais descontrolada que o normal, e eu estava – literalmente - parecendo uma doida.
- Não, . Para o meu desprazer a anta da Ava teve essa idéia antes de mim. Quero dizer, sempre tive a idéia, mas nunca consegui colocá-la em prática. - Ele estava um tanto quanto impaciente, pelo seu tom de voz. - Mas se não tivesse dado certo, eu o faria se fosse preciso. - Sorriu vitorioso por fim.
O que eu queria fazer naquele momento? Estapeá-lo.
- Eu tenho nojo de você, . Nojo!
Dei as costas e sai pisando forte pelo caminho até a escola.
De volta para aquela escola maldita. Fazia apenas um mês que eu estava ali, mas eu já queria ir embora. Voltar para Frankfurt era uma boa ideia...
- Então, podemos começar com nosso trabalho sobre os animais em extinção do planeta? - Sr. Morrison perguntou por trás de seus óculos redondos. Ele era um homem de estatura muito baixa e poucos cabelos na cabeça.
- Como vocês nunca chegam a um acordo, eu escolherei os grupos desse trabalho - ele continuou com toda aquela simpatia exagerada. Minha respiração falhou. estava na minha classe!
Com a força do meu pensamento, eu pedia sem parar: e , e , e ...
- Ava Caldwell e... - Não sou eu, não sou eu, não sou eu - .
Um suspiro unânime percorreu a classe. Quer saber? Aquela merda de O Segredo é pura mentira!
- Er, professor Morrison - levantei a mão. O baixinho me encarou. - Tem alguma maneira de trocar minha parceira? - coloquei toda a minha simpatia em prática.
- Não, Srta. - ele respondeu com um sorriso. Quis matá-lo.
- Mas...
- Não, !- foi mais severo dessa vez. Eu definitivamente iria matá-lo. - Amanda Cook e Robert Stevens. Albert Sabin e Tyler Grey...
Não era possível. Aquilo tinha que ser brincadeira. Uma piadinha de muito mau gosto.
Encarei Ava do outro lado da sala. Ela tinha a mesma expressão que eu.
- Venha para cá - li em seus lábios. Era só essa que me faltava.
- Venha você para cá! - rebati a contragosto.
- Eu não vou pra aí! - ela aumentou seu tom de voz.
- Caldwell e ! Juntas! Agora! - Sr. Morrison ordenou. Quem aquele energúmeno pensava que era?
Bufei raivosa e me levantei, indo em direção à carteira da garota. Ela tinha um sorriso vitorioso no lábio. E eu queria esmurrá-la até sobrar apenas um dente.
O professor começou a distribuir papeis e alguns folhetos para servirem de inspiração. Sorri totalmente cínica quando ele passou e fez uma cara do tipo: Viu como estou ajudando vocês duas?
Sim, Morrison, você estava me ajudando a planejar formas de suicídio!
- E ai... Como foi a conversa com Jeremy no Pólo? - se era para aturá-la do meu lado, eu ia fazer o possível para infernizá-la.
- Cale essa sua boca antes que eu te estapeie em plena sala de aula – Ava disse num murmúrio raivoso, fazendo uma explosão de risos sair da minha garganta. Tive de colocar as mãos sobre minha boca para abafar o barulho que faria.
- Você sabe ser engraçada quando quer, Ava... – sorri, completamente cínica.
- Eu não estou fazendo graça, . Faz tempo que quero estragar esse seu rosto com uns belos tapas – a loira rebateu entre dentes. – Meus pais tiraram meu carro e eu estou sendo obrigada a trabalhar na lanchonete da esquina do meu prédio para conseguir dinheiro pra sair...
- Oh, você não imagina a pena que sinto de você! – falei em um tom infantil, colocando as mãos nos ombros da garota. Ela desvencilhou-se de mim imediatamente. – Pode deixar que irei à lanchonete e lhe darei boas gorjetas...
No minuto seguinte senti um dos pés de Ava indo de encontro com minha canela. Senti o local latejar e todo meu humor indo embora.
- Eu falei para calar a boca – Caldwell balbuciou e me olhou ameaçadoramente, como se aquilo pudesse me assustar. Instintivamente minha mão foi de encontro com seu pulso e eu o apertei com toda a força que eu podia fazer, vendo os lábios de Ava se retorcerem.
- Você acha que eu tenho medo desses seus braços desnutridos? Você sabe como sou boa de briga, Caldwell, pense duas vezes antes de levantar um dedo contra mim.
Eu olhava fixamente naqueles incríveis olhos azuis, vendo um pouco de terror ser plantado ali.
- E você acha que eu vou ficar parada? Acha mesmo que vai ficar tudo assim e você vai sair ganhando? – a garota disse com os dentes cerrados, aproximando seu rosto do meu.
- Sim Ava, eu acho que vou sair ganhando. Porque tudo o que você fizer, eu vou fazer duas vezes pior.
Ava riu.
- , você não sabe ser má. Não como eu. Ficarei apenas assistindo você queimar a si mesma. Eu não precisarei fazer nada.
As palavras de Ava me acertaram em cheio por alguma razão. Eu não me rotularia como uma pessoa má. Realmente, não como ela. Eu estava apenas me divertindo. Mas porque eu me queimaria?
Ela não tinha a mínima ideia do que dizia, era isso. Estava na defensiva, queria que eu saísse da retaguarda para poder dar o bote, mas eu não era tão inocente.
- É o que veremos... – sibilei com os olhos estreitos. Queria que ela visse a certeza neles, a certeza de que eu acabaria com a sua vida. Não no modo literal como ela fizera comigo; queria apenas que ela sofresse um terço do que sofri. Queria ver Ava humilhada, com sua reputação no chão.
- Sem conversa! Mais trabalho! – o professor nos interrompeu com gestos exagerados com as mãos.
Lancei um ultimo olhar aborrecido à Ava antes de começar a escrever sobre as capivaras no Brasil.
parecia estar mais flexível em relação a mim. Ele não mais me evitava como antes, e não fugia de mim como se eu tivesse uma doença contagiosa. Ele até se sentara na mesma mesa que eu naquele intervalo - causando a fúria de Ava, que estava sentada com suas súditas.
Não direcionou a palavra a mim, no entanto. Ríamos das mesmas piadas, concordávamos com a mesma pessoa, mas hora nenhuma trocamos palavras. Olhares eram raros, mas houveram certos momentos que fizeram meu coração parar por alguns segundos.
Eu sabia que notara, pois de tempos em tempos me encarava e depois , com um olhar indignado. Mas também nada disse. também notara; soube disso no momento em que ela apertou minha mão e sorriu abertamente. Eu apenas dei de ombros.
No final do intervalo, me abordou na entrada do refeitório. Sua feição não era das mais amigáveis.
- Vejo que você e voltaram a ser amigos... - começou com um tom melindrado. E não daria importância. Continuei andando - e ele me seguindo.
- Não somos amigos... Ainda - sorri sonhadora. bufou.
O garoto puxou meu braço com força e me puxou por uma porta adentro. Reconheci por sendo o banheiro masculino. Ele correu até o box mais próximo.
- Então é isso? Tudo o que você quer é ganhar de volta? - perguntou com raiva estampada em seus olhos.
- Não, não é isso. Claro que quero ganhá-lo de volta, mas não é tudo o que eu quero - rebati a raiva. O corpo de estava perigosamente próximo do meu, fazendo-me afastar e bater em uma parede. Eu estava encurralada.
- O que você quer então? Me enlouquecer? - ele disse impaciente. As mesmas palavras que antes dissera. Minha intenção - pelo menos conscientemente - não era enlouquecer ninguém. Aquilo era consequência.
- Não seja tolo, - falei com cinismo. - Eu bem que podia acabar com você também, já que quando te pedi ajuda, você me ignorou totalmente.
- Quando você me pediu ajuda, pediu que eu ajudasse com ! - ele falou entre dentes, aproximando-se ainda mais de mim. Eu não tinha saída. Seu rosto estava ameaçadoramente próximo, e eu podia ver sua ira claramente. - Acha mesmo que eu faria isso, quando o que eu mais quero é você para mim?
Ele cuspiu as palavras sem compostura alguma. E aquilo teve um efeito extraordinário sobre mim. Por que diabos eu tinha que estar sempre tão dividida?
- Mesmo assim. Eu podia acabar com você - falei com indiferença, tentando não mostrar minha fraqueza.
apoiou os dois braços na parede atrás de mim e aproximou ainda mais seu rosto do meu. Sua boca estava perto demais para meu gosto... E eu era muito fraca quando o assunto era ceder ao desejo.
- Então vai. Acaba comigo - sussurrou em meu ouvido. Estremeci da cabeça aos pés.
Ele não podia fazer aquilo comigo. Era injustiça! Eu estava vulnerável demais com tudo o que estava acontecendo. E eu não sentia o gosto de há mais de um ano. Era injustiça... Injustiça...
parou de se aproximar quando não sobrava espaço nenhum entre nós. Seu tórax estava colado em meu peito, suas pernas estavam encaixadas entre as minhas. Não moveu mais seu rosto, no entanto. Eu sabia o que ele queria. Queria que eu mostrasse o quanto o queria. Era sempre assim, aquele jogo interminável.
- Vamos... O que está esperando? - murmurou contra meus lábios.
Minhas mãos estavam trêmulas ao extremo. Elas queriam tocá-lo desesperadamente. E como esperado, ela novamente criou vontade própria. Tocaram a coxa do garoto por cima da calça jeans e subiram. Pararam por alguns instantes em sua bunda, fazendo o contorno perfeito. Invadiram sua camisa azul turquesa, e foi ai em que eu mais me arrepiei. Sentir sua pele quente e macia sob minha mão me fez suspirar em seu ouvido.
Continuei subindo, fazendo a curva que suas costas definidas tinham com as mãos; parei em seus ombros contraídos.
Eu sabia que não aguentaria por muito tempo. Logo ele já começou a beijar meu pescoço com furor, como se aquilo fosse a ultima coisa que faria na vida. Cravei minhas unhas em seus ombros ao sentir sua língua áspera na curva da minha nuca. Aquilo era demais para eu aguentar...
O corpo de já se pressionava contra o meu, e eu pude sentir o quanto ele me queria.
Tirei minhas mãos de dentro de sua camisa e segurei seu rosto com minhas mãos, acabando com o que ele estava fazendo. O garoto me encarou entorpecido. Seus olhos estavam confusos e cheios de cobiça. Eu sabia que os meus não estavam diferentes.
Não aguentei por mais tempo. Colei nossos lábios com desespero e procurei por sua língua urgentemente. A cada suspiro, se pressionava ainda mais contra mim. Minhas mãos entrelaçaram-se em seus cabelos e os puxavam de tempos em tempos. O garoto, por sua vez, levou suas mãos até meus seios e os apertou com urgência.
Pulei em seu colo. Eu não ligava para coisa nenhuma naquela altura do campeonato. Tudo o que eu queria era sentir em mim, era tê-lo novamente. Eu não me importava se aquilo era certo ou errado, se ia ou não contra meus princípios. Eu havia mandado todas aquelas indagações para o inferno.
já beijava meu colo descoberto por um decote e apertava minha bunda com força. Passei a beijar seu pescoço, enquanto minhas mãos foram até a barra de sua camisa. Eu iria arrancá-la quando escutei duas vozes familiares no banheiro.
- Ela é louca, ... Completamente pirada.
Era . Congelei completamente, assim como . Nossas respirações até se prenderam no mesmo instante.
- Ela disse que quer recomeçar... - ele continuou. Sua voz era um misto de angústia e emoção.
Eu estava encarando , e ele me devolvia o olhar. Meus olhos - assim como os dele - estavam arregalados, eu tinha certeza.
- Você sente falta dela? - foi a vez de falar. Meu coração desacelerou por alguns instantes. hesitou.
- Sinto, cara. Sinto demais... o garoto suspirou. - E quero dá-la outra chance, mas só não sei se isso é o certo...
É o certo, ! É o certo!
Por um instante esqueci que estava no colo de . E era isso o que eu mais odiava sobre toda aquela situação. O modo como um me faz esquecer o outro. Apesar da certeza de que se me quisesse, eu não hesitaria em deixar fora da história.
- Pensa, cara. Pensa muito antes de tomar qualquer decisão... - disse com pesar. concordou. A sirene então tocou, e escutei os dois garotos saindo do banheiro.
Meu peito subia e descia no mesmo ritmo que o de . Ele ainda me encarava, totalmente absorto. Não mais que eu, entretanto.
- Eu... Eu preciso ir... - sibilei nervosamente. Pulei do colo de e, sem ao menos ver se havia ou não pessoas dentro daquele banheiro, saí feito um furacão. Havia poucas pessoas ali no corredor, mas elas notaram minha presença.
- O que estão olhando? - soltei com o mínimo de humor.
Eu não podia ficar ali. Eu precisava espairecer. Precisava clarear minhas ideias.
Minha cabeça estava mais embaralhada que o possível.
iria me aceitar de volta. Eu sabia disso.
Standing
in the Way of
Control
Eu observava a Regent Street passar lentamente por meus olhos. Pessoas normais andando pelas calçadas e indo para seus trabalhos. Eu me indagava: O que elas pensavam naquele momento?
Era tão engraçado pensar assim. Cada uma daquelas pessoas tinha uma história para contar.
Mas, na verdade, aquilo tudo era só uma distração para minha mente. Porque o que eu mais pensava era no dia anterior.
Sentir os lábios de sob os meus era uma sensação que eu não cansava de ter. E como eu sentira falta de suas mãos explorando meu corpo, das puxadas de cabelo, de sua voz suspirando em meu ouvido...
Ela me fazia sentir tão... Idiota. É, essa era a palavra certa. Eu era tão vulnerável à presença daquela garota. E por que diabos ela me fazia sentir assim? Eu realmente não entendia. Não era como se eu ignorasse tudo aquilo que passava comigo e fingisse nada sentir. Eu sentia. Mas o que era? Desejo? Paixão? Amor? Não... Não podia ser a ultima opção. Pelo simples fato de eu não acreditar em amor. Era apenas uma desculpa para duas pessoas monopolizarem a vida uma da outra. Não fazia sentido... Apesar de eu querer monopolizar a vida de ... Tê-la só para mim...
Não, não era amor, definitivamente. Era um jogo. Um desses bem interessantes, que você não se cansa de jogar, pois, a cada dia, uma tarefa nova lhe é dada e você tem que completá-la para passar para o próximo level. E o jogo com era interminável... Quem sabe ela não fosse o troféu final? E sempre quando você ganha o que queria tudo fica sem graça. Você perde o tesão por jogar.
Então pronto. Não era amor. Era outra coisa.
Mas, disso tudo, o que mais me intrigava era . Ele realmente estava disposto a perdoá-la depois de tudo?
Certo, eu sabia que o tudo era nada, já que a ingenuidade de o impedia de ver a armadilha que Ava havia plantado para ele. E ele havia caído feito um pato.
De qualquer maneira. Sabendo o que ele sabia, iria perdoar ?
Eu não perdoaria.
Sim, você perdoaria.
Sim, eu perdoaria. Aquela garota maldita tinha algo de sobrenatural. Algo que, quando você olhava profundamente em seus olhos, fazia com que você cedesse tudo. Era o famoso você pula, eu pulo.
Eu pularia. E nem ao menos hesitaria.
Mas tinha tanta raiva, e assim, do nada, iria esquecer-se de tudo? Como isso era possível?
Isso me preocupava. Intrigava-me até o ultimo fio de cabelo.
Eles não podiam ficar juntos novamente. Eu sabia que, se ficasse com , ela esquecer-se-ia de mim. Talvez não esquecesse, mas me ignoraria. E eu não suporto ser ignorado por pessoa alguma, imagine por .
No entanto, quando eles estavam juntos, nem assim ela me ignorava. Sempre cedia aos meus charmes em um segundo ou em um mês. Por que seria diferente agora?
Era melhor não arriscar, de qualquer maneira. Eu precisava deixá-los separados. Sinceramente, eu amava . Mas meu prazer era mais importante.
- O que está fazendo aqui? - perguntei curioso quando vi a figura de sentada em minha cama.
Era minha festa de dezesseis anos, e eu havia ido a meu quarto apenas para pegar um saquinho de maconha que estava escondido em meu guarda-roupa.
- Ah... e eu brigamos... - ela disse chorosa. Sentei-me ao seu lado.
- O que aconteceu? - atrevi-me a perguntar, observando algumas lágrimas saltarem de seus olhos. Independente do que tivesse acontecido, era um idiota.
- Sabe... Eu realmente não sei se isso é minha culpa. É provável que seja... - parou de falar um pouco e suspirou. - Quero dizer, estou com há tanto tempo... Ele foi meu primeiro namorado... Faz sentido que ele seja meu primeiro naquilo também...
- Ele está te pressionando? - a interrompi um pouco impaciente. Ela negou com a cabeça.
- Não... Muito pelo contrário. Ele é paciente. Mas é que toda a vez que tentamos, eu... Eu... Bem, eu amarelo... - ela disse com um tom triste. Minhas mãos tremeram só de imaginar fazendo qualquer coisa com .
Não era segredo para ninguém minha paixão por ela, nem ao menos para seu namorado. Nós vivíamos em uma competição, desde a infância até a adolescência, sobre quem a teria primeiro. Ela sempre fora muito cobiçada no colégio, desde quando era pequena, digamos assim. tinha algo que as outras não, eu não sabia muito bem o que era... Talvez fosse seu olhar misturado com seu sorriso doce, aquele que poderia te desmanchar a qualquer momento. De qualquer forma, saíra ganhador. o escolheu sem aviso prévio, deixando-me às traças. Pode parecer um pouco dramático, mas era daquela maneira que eu me sentia; nunca fui de perder nada, então aquilo me irritou profundamente. A partir de então, eu sempre tentei ter algo mais com , e ela jamais cedeu. No entanto, nunca pensei em desistir. Se eu era masoquista? Talvez...
- Por que isso acontece? - continuei a perguntar. Não tinha o mínimo de interesse na vida sexual - ou a falta dela - dos dois. Mas estava triste e eu precisava fazer algo para acalmá-la.
- Na verdade, eu não sei... - fungou. - A única coisa que sei é que deveria ser ele, mas eu não quero que seja... Quero dizer, eu quero! Mas não consigo sentir...
- Tesão? - a interrompi rindo. Ela me lançou um olhar furioso.
- Na hora, quando estamos prestes a fazer, passa pela minha cabeça que não é com ele que quero perder minha virgindade...
- E com quem é? - a interrompi novamente, meu coração a mil por hora.
Ela me encarou por alguns instantes. Não consegui decifrar aquele olhar.
- Eu não sei. Talvez, simplesmente, não seja a hora certa. Talvez seja mesmo o mais apropriado para ser meu primeiro.
- Não seja tola. Você não tem que ficar com uma pessoa só porque é apropriado - fiz uma careta. - Tem que ter paixão. Tem que sair faíscas quando vocês se encostam... - me aproximei um pouco mais. - Seu estômago tem que revirar ao olhar nos olhos dele... - levei uma mão até sua maçã do rosto. Ela fechou os olhos por alguns instantes até me encarar novamente. - Quando seus lábios tocam os dele, você sente o ar chegar com dificuldade até seus pulmões... - aproxime-me ainda mais. Minha boca estava a milímetros da dela, e eu me martirizei para manter o autocontrole. Podia sentir sua respiração pesada bater contra meus lábios. Seus olhos estavam semicerrados. Eu senti paixão. Senti faíscas ao encostar seu rosto. Senti meu estômago revirar. E ao pressionar meus lábios contra os dela, senti o ar deixar meus pulmões e não voltar mais.
Segurei sua nuca. Ela não pareceu responder a início. Separei nossos lábios.
- Por que fez isso? - perguntou com a voz tremula.
- Porque eu quis... - falei simplesmente. - Não gostou? - rebati.
ficou calada por alguns longos segundos. Tudo o que eu podia ouvir, além da barulheira no andar de baixo, era sua respiração descompassada. Não vi mais nada no minuto seguinte. voltara a colar nossos lábios, dessa vez numa intensidade maior. Abri passagem para sua língua, e no momento em que a senti tudo pareceu desaparecer. Não sei exatamente o que aconteceu. Eu me senti meio tonto e passei a indagar sobre minha sanidade mental. O que estava acontecendo comigo? Eu jamais me sentira daquela maneira...
Não me lembrava que beijar fosse ser tão... Surreal.
Passei a outra mão em sua cintura e a puxei mais pra perto do meu corpo. A garota entrelaçou os dedos no meu cabelo e os puxava à medida que nosso beijo ia ganhando mais intensidade.
Eu já não pensava em nada mais a não ser naquele momento. Sentir o gosto de seu beijo, suas mãos puxando meus cabelos... Aquela situação toda estava me deixando louco; completamente louco.
se inclinou mais contra mim, e eu aproveitei a brecha para deitá-la em minha cama. Passei a beijar seu pescoço enquanto ela se encaixava entre as minhas pernas e passava as mãos por minhas costas.
- Estou sentindo... - disse ela ofegante, partindo nosso beijo.
Olhei-a profundamente, sem entender o que ela queria dizer. Depois de um tempo, um sorriso sincero brotou no canto dos meus lábios.
Não precisei dizer mais nada. Beijei-a novamente, com a mesma intensidade de antes. Sua boca junta à minha era algo que eu jamais havia provado antes. Uma sensação completamente nova, como se aquele fosse o primeiro beijo da minha vida. Não era o primeiro, mas com certeza era o melhor.
No momento seguinte, para a minha surpresa, tirou a blusa branca que usava. Eu já havia visto a garota de biquíni, mas vê-la ali, na minha frente, naquela situação, apenas de lingerie, fez meu sangue borbulhar dentro das correntes.
Ela aproveitou e tirou a minha também. Nem percebi e ela já estava por cima de mim, beijando meu pescoço, meu tórax... Eu perdia noção de tempo e espaço a caba beijo, a cada suspiro.
Passei a mão por suas costas descobertas e aproveitei para abrir o fecho do sutiã. Comecei a admirar toda aquela beleza sobre mim, aproveitando de cada cheiro, cada pedaço de pele... Aquilo tudo era demais para mim. Eu estava completamente entorpecido.
Comecei a desabotoar sua saia e a tirei em seguida. Percorri toda a extensão de sua coxa, querendo explorar cada centímetro de seu corpo.
suspirava cada vez mais alto em meu ouvido, e eu pressionava ainda mais meu corpo contra o dela. Queria nos tornar um só se eu pudesse.
A garota arranhava minhas costas sem pudor à medida que eu beijava cada parte de seu corpo e eu não sabia até quando seria capaz de manter minha sanidade. Não por muito tempo, eu supunha.
Sentei-me, levando ela em meu colo. Nosso beijo ficava mais intenso - se isso era possível, mas pela voracidade tudo indicava que sim - assim como nossas respirações. desafivelou meu cinto e desabotoou minha calça em seguida. Levantei-a sutilmente, terminando de tirar a roupa. O contato com suas roupas íntimas fez-me estremecer ainda mais de desejo. Eu nunca quis tanto algo como eu a queria naquele momento.
Voltei a beijar seu pescoço com avidez, enquanto ela puxava meus cabelos sem dó.
- , eu não entendo... - ela sibilou ofegante, enquanto eu ainda estava concentrado em seu pescoço, descendo para seu colo. - Isso não está certo! - continuou, antes de balbuciar meu nome com paixão.
- Acho que estou meio absorto para julgar a situação, - respondi alheio, segurando seu rosto com as duas mãos, deixando com que nossos lábios se encaixassem perfeitamente.
- Por quê, ... - voltou a falar com a mesma dificuldade. - Por que estou sentindo isso com você e não com ? Não era assim que as coisas deveriam acontecer!
Eu não respondi. Não queria pensar em naquele momento, muito menos se aquilo era certo ou errado. Que tudo se explodisse, eu queria viver o aqui e o agora, sem pensar em mais nada!
Voltei a deitá-la. Prendi seus braços na altura de sua cabeça, vendo seu olhar enlouquecido sobre mim. Observei seus seios. Eles subiam e desciam rapidamente, de acordo com sua respiração completamente descompassada. Passei meus dedos delicadamente por entre eles, vendo suspirar. Os desci, passando lentamente por sua barriga e contornando a curva de sua cintura perfeitamente esculpida. Subi por aquele caminho, vendo-a arrepiar-se por completo. Desci meus lábios e fiz todo o caminho anterior com eles, escutando suspirar meu nome em sua bela voz.
Inconscientemente - talvez nem tanto - minhas mãos desceram para o fino elástico de sua calcinha. Ela estremeceu. Encarei-a, pedindo permissão através do olhar, quase que como uma súplica. Ela apenas fechou os olhos. Levei aquilo como um sim. E então, a tirei lentamente, arrastando meus lábios por cada centímetro pelo qual a calcinha passava. E suspirava ainda mais. Voltei beijando todo seu corpo até chegar a sua boca. Não cansava de sentir seu gosto...
Tirei minhas boxers em seguida. Meu corpo já estava suado e grudado ao de , enquanto ela olhava profundamente em meus olhos, como nunca havia feito antes. Aquilo fez meu coração bater ainda mais contra meu peito, de uma maneira muito mais frenética. Aquela vez estava sendo a mais estranha da minha vida. Não um estranho ruim, muito pelo contrário. A diferença era as sensações completamente novas que estava me fazendo sentir. Aquilo era estranho. Um estranho que eu gostaria de sentir em cada segundo da minha vida.
- Posso te contar um segredo? - sussurrei em seu ouvido, com uma dificuldade incomum. Eu estava ofegante e sedento. murmurou algo indecifrável. Continuei: - Sonho com isso há um bom tempo... - ri baixo, depositando um beijo em seu lóbulo. Senti tremer sob mim.
- Fico feliz por realizar seu sonho, - ela sussurrou, puxando meu rosto com sutileza. Meu rosto estava entre suas mãos.
Gotas de suor caíam de sua testa, e eu estava maravilhado com tudo aquilo. Eu queria gravar cada detalhe daquela noite na minha mente de forma cautelosa.
Encarei-a nos olhos, e descobri que aquilo acabava com o resto de razão que ainda sustentava minha sanidade.
Ela sorriu docemente, passando os dedos sutilmente por minha face. Fechei os olhos inconscientemente e peguei sua mão, beijando-a suavemente.
E o maior prazer estava por vir, quando eu juntei nossos corpos em um só e fiz daquela noite memorável, para e, especialmente para mim.
Eu estava estranhamente... completo.
Cheguei à escola e tudo estava do mesmo jeito de sempre. As garotas com as saias do uniforme encurtadas e os primeiros botões da camisa abertos, alguns garotos já relaxavam suas gravatas e levantavam as mangas de suas camisas.
Tudo normal demais, monótono demais. A partir do momento em que eu a vi. Eu não podia negar que ela tinha um poder extraordinário sobre mim, mas eu não gostava de admitir nem a mim, imagine a ela. Era insuportável a ideia de pensar que tem algum controle sobre mim. Ela tinha que saber o seu lugar, saber que pessoa alguma comanda . Por isso mantinha todo aquele mix de sentimentos somente para mim.
Ela estava graciosa, como sempre. Ria de algo que havia dito. Sua risada indiscreta ecoou no fundo da minha mente, fazendo um riso sair da minha garganta sem que eu quisesse. Abanou o rosto, e eu supus que suas bochechas estivessem queimando de tanto rir. Aquilo era contagiante.
No entanto, algo prendeu minha atenção. Vi se aproximar de longe, e observei prender a respiração, do jeito que eu queria que ela fizesse por mim.
O garoto chegou timidamente, cumprimentando a todos. Cheguei a pensar que ele não cumprimentaria , já que olhou para os pés e mexeu com a grama por alguns milésimos. Não sei se os outros observaram isso, mas aquilo me intrigou bastante.
colocara uma mecha do cabelo atrás da orelha, seu olhar carregado de um misto de pesar e timidez. O que iria fazer?
- Olá, ... - meu amigo a cumprimentou embaraçoso. ? Chegou a esse ponto?
- Oi, - ela respondeu no mesmo tom. Senti que o clima ficou tenso por alguns segundos, até começar a contar alguma piada idiota.
Pensei seriamente em girar meus calcanhares e sair dali. Mas por que eu faria isso? Desistiria da batalha sem lutar? O quão covarde eu era?
Nem um pouco. Eu jamais seria covarde a esse ponto. Afinal, eu ainda tinha um resto de dignidade.
Coloquei um sorriso no rosto e caminhei até eles como se nada no mundo importasse. Como se a existência de não me afetasse em nada e ela fosse uma garota qualquer. Do modo como eu sempre - pelo menos tentava - a tratava.
- E aí, ! - gritou quando eu me aproximava, acenando em seguida.
- Fala, cara - apertei sua mão estendida e o abracei desengonçadamente.
Cumprimentei cada um da mesma forma, até chegar em . Eu não tinha me esquecido do dia anterior, quando quase transamos no banheiro masculino; mas ela provavelmente faria questão de fingir que nada acontecera e me trataria com seu jeito repugnante de sempre. As máscaras... Sempre as máscaras.
- ... - a cumprimentei galanteador, expondo meu melhor sorriso cínico que eu possuía. A garota estreitou os olhos e os rolou. Sussurrou um ‘’ quase inaudível e fingiu prestar atenção no que falava. Ela odiava , eu sabia que ela pouco se importava com o que saía de sua boca.
Todos riram em uníssono, mas minha atenção continuava fixa em e sua risada alta e contagiante.
A sirene estridente tocou e me acordou do transe, obrigando-me a entrar escola adentro. Percebi que me seguia, alcançando-me em segundos.
- Oi, - o garoto disse, e senti a tensão por seu tom de voz. Encarei-o curioso.
- E aí, - respondi intrigado. Lancei-o um olhar desconfiado e meu amigo coçou a nuca com nervosismo. Eu sabia o que estava por vir.
- Você reparou que eu e ...
- Sim, , eu reparei - o interrompi, já sabendo do que se tratava. sabia muito bem do meu poder de observação. Nada passava despercebido por meus olhos.
- Eu... Eu estou pensando em... - ele gaguejava e mexia cada vez mais no cabelo. Eu riria daquela situação se o nome de não estivesse envolvido. - Não sei. Mas estava pensando em dá-la outra chance...
- Está pensando em reatar o namoro? - perguntei, contendo meu tom restritivo. Não queria que pensasse que eu me importava.
- Não! - se apressou a dizer. - Não... Eu estava pensando em pelo menos sermos... Amigos. Sabe que eu sinto muita falta dela...
- Sim, eu sei - e realmente sabia. Sabia do quão acabado ficara depois da fuga de . Nunca o vi tão abalado em toda minha vida. Até um toque de pena e compaixão caíram sobre mim.
Eu não iria negar jamais: era meu irmão. Não importava o que acontecesse, minha afeição por ele sempre seria a mesma. As coisas que eu fazia não eram nem de longe aceitáveis, mas ninguém podia julgar meu amor por . Eu sempre fiz tudo para protegê-lo, fui até capaz de defender quando todos a acusavam ano passado. Quando a idéia de ajudá-la a reatar o namoro não parecia tão absurda, até tentei convencê-lo de que ela era inocente. Não fiz isso por ela, fiz isso por ele.
Esse era um dos motivos de nunca querer algo mais... Oficial com . Porque eu sabia que aquilo o magoaria. Mas eu era extremamente egoísta e queria ter os dois: o amor de e de . O que eu podia fazer se a meu pai me ensinara a ser ganancioso e querer mais, sempre mais? Eu era completamente inocente.
- Você acha que isso seria errado? Sabe que confio em você e que julgará a situação de maneira adequada... - sua voz era suplicante. Eu jamais mentiria a ele. Jamais faria algo que o prejudicasse.
- Olhe, , você tem que fazer o que julga que é certo - comecei, sem encará-lo. Eu olhava a multidão passar por mim. - Se a ama o suficiente para esquecer o passado, então te digo para tentar.
Eu era sincero. Que diferença faria com ou sem ? As coisas continuariam como eram. Ela me ignoraria, mas no final cederia.
- Mas foi sempre você que disse que ela nunca fez nada... - ele afirmou com incerteza. Assenti com a cabeça.
- Sempre disse e você nunca escutou - o lembrei. Foi sua vez de assentir.
- ... - ele me chamou após alguns segundos que andávamos em silencio lado a lado. O encarei. - Posso te fazer mais uma pergunta?
- Fique à vontade.
Coçou a nuca novamente. Seu desconforto era notável.
- Você ainda gosta dela? - ele pareceu tímido ao perguntar, pois não me encarava nos olhos. Soltei uma risada relutante. Ele me olhou assustado.
- É claro que não, - falei, como se fosse óbvio. O mais convincente que fosse, melhor. - Nunca gostei.
Menti descaradamente. Gostar de ainda era um fato que eu escondia até para mim. Eu sempre mentia e me enganava, insistindo que tudo o que eu sentia não passava de ereções precoces simultâneas, nada mais. Puro prazer e desejo. Completamente carnal. Aqueles sentimentos eram apenas... Ilusão de óptica.
- E você sente raiva de mim? - continuou com seu tom inseguro.
- Agora são duas perguntas.
Ele me encarou impetrante, como se sua vida dependesse daquela resposta. jamais se importou em me perguntar isso no momento em que começou a namorar . No entanto, eu não conseguia sentir um pingo de raiva de meu amigo, ele é que deveria ter de mim se soubesse de todo meu histórico com . Consideremo-nos quites, então.
- Você ainda tem a capacidade de perguntar, ? É obvio que não...
- Por quê? - continuou ele. - Você tem todo direito de ficar com raiva...
- Quantas vezes vou ter que te dizer? - coloquei a mão em seu ombro, obrigando-o a parar de andar. Ele finalmente me encarou. - Só existem três coisas que eu me importo nesse mundo, . Dinheiro, o prazer que o dinheiro me traz, e você. Agora deixe de bobagem.
O garoto suspirou e me puxou para um abraço. Fiquei surpreso e tenso no começo, mas cedi durante os segundos.
Todas as palavras que eu dissera não passavam de puras verdades. era realmente tudo que importava para mim, e qualquer pessoa no mundo sabia disso. sabia disso. Eu não garantia que nada - nem paixão alguma que passava pela minha vida - seria eterno, mas eu sabia que meu apego por seria algo que eu levaria comigo para sempre, não importa o que acontecesse.
fez questão de mudar de assunto rapidamente assim que me largou, e a carga pesada sobre nós espaireceu num piscar de olhos.
Tudo o que eu conseguia pensar era na noite anterior. havia ido embora havia algumas horas, mas essas horas insistiam em me perseguir a cada passo. Minha festa parecia se arrastar, e tudo o que eu queria era expulsar todas aquelas pessoas dali e ficar sozinho para poder absorver todos os acontecimentos daquele dia. Eu queria poder fechar os olhos e imaginá-la sob mim, beijando-me e me acariciando. Queria me lembrar do cheiro de seu cabelo, ou pelo menos procurar por rastros de seu perfume em meus travesseiros.
Eu sabia que ela era inexperiente, mas ainda assim, aquela fora a melhor noite da minha vida. Não por causa do sexo em si, mas da pessoa que estava comigo. Por causa da respiração ofegante, das batidas aceleradas do coração, por causa de seu olhar incomum e de seu toque sutil. Tudo era muito diferente e novo para mim, e eu não via um modo de como me acostumar com aquilo.
Mas o que mais me afligia, e de certo modo me instigava ainda mais, era o fato de não saber como seria o próximo dia. Com todas as outras garotas eu sabia. Elas me ligariam e pediriam com um tom suplicante por uma segunda noite. Não era uma lei, era apenas um acontecimento constante.
Eu sabia que não ligaria. Ela sabia que eu não ligaria. Eu era da filosofia Carpe Diem, aconteça o que tiver que acontecer, jogue tudo para os altos, confie no destino ou o inferno que isso significava. Eu simplesmente deixava as coisas acontecerem, sejam elas por força do destino ou do acaso, as duas eram satisfatórias para mim; contanto que no final eu tivesse saído vitorioso da situação.
Entretanto, eu não sabia se sairia vencedor naquele assunto. Não sabia se o destino trabalharia a meu favor. Aquilo poderia estar me desencorajando, mas me deixava demasiadamente curioso...
Naquele dia haveria certa festa de certo alguém insignificante ansiando por popularidade. A festa seria em um iate na costa de Dover, e eu estava animado. Animado por ter certeza que a veria. Sabia que ela odiava aquele tipo de festa, mas se contradizia ao ir a todas.
Arrumei-me e não hesitei ao pegar meu Porche e passei na casa de para apanhá-lo. A viagem não durou mais de uma hora de muita conversa inútil, e eu já estava à procura do porto onde seria a festa.
Já havia dezenas de carros no estacionamento improvisado, e eu entreguei a chave do carro ao manobrista, seguindo o fluxo de pessoas muito bem arrumadas pela ponte de madeira.
A brisa das ondas se chocando umas às outras soprou violentamente meus cabelos e balançou as abas dos vestidos das mulheres. Aquele clima deixava meu humor ainda mais aguçado...
Inspirei profundamente aquele ar salino e me preparei para entrar no iate. Não sei por que me sentia tão nervoso, só sabia que sentia como se estivesse doente, algo agitando dentro do meu estômago.
O iate era gigantesco. Todo o chão revestido de um mármore polido e impecável, refletindo a imagem de cada pessoa. Tinha no mínimo dois andares, e eu podia jurar que entrara enganado em um navio. Já havia pessoas o suficiente para as conversas serem exaltadas através da musica animada que um DJ tocava dentro de uma cabine contornada por vidros.
Um garçom bem vestido passou por mim e , e tratamos de pegar um copo de uísque. Vimos e uma garota mais à frente e fomos até eles, sentindo a energia do lugar nos contagiar. Meus pés já se moviam e eu já ria das bobagens que meus amigos diziam.
Cumprimentei algumas garotas que passavam por mim, sem deixar de observar seus atributos nem um pouco discretos.
- Olá, - escutei uma voz doce e reconhecível atrás de mim. Vir-me-ei e dei de cara com Ava. A garota usava um vestido amarelo até os joelhos, com um decote extravagante na frente. Não deixei de admirá-lo, é claro.
- Olá, Ava - dei um gole em meu uísque, tentando apagar o fogo dentro de mim. O que podia fazer se meus instintos eram exorbitantes?
A garota passou a língua sutilmente na borda de sua taça de champanhe tão discretamente que eu duvidava que alguém mais tivesse visto.
Depois, interpretou a boa moça e riu timidamente ao encarar o sorriso nada amistoso em meu rosto. Jogou os cabelos louros para o lado e deu as costas, afastando-se de mim.
Oh, ela foi em direção a Aaron. Pobre Aaron merecia alguém que não colocasse chifres tão pesados em sua cabeça. Não que eu algum dia tenha contribuído para o crescimento deles...
Dando um gole final em meu uísque e olhando em volta em busca de um garçom foi que eu a vi. Usava uma roupa casual, adequada para a ocasião, e tinha os cabelos soltos, impecavelmente ondulados. Estava de mãos dadas com , mas eu ignorara esse fato. Os dois estavam parados, conversando descontraidamente com algumas pessoas que os rodeavam. Inegavelmente, eles faziam um belo casal. Eu odiava admitir aquilo. Mas realmente pareciam aquele casal tirado de um filme clichê de romance. Por isso era enjoativo de olhar.
Roubei um copo de uísque de um garçom que passava do meu lado, sem desgrudar os olhos dos dois.
Por coincidência - ou algo mais - os olhos de encontraram os meus enquanto vagavam calmamente pelo local. Eles se arregalaram por alguns instantes. Ela pareceu prender a respiração por algum motivo, eu percebi.
Dei um longo e sutil gole da minha bebida, sem momento algum desviar minha atenção.
Havia um brilho novo em seus olhos. Um brilho que eu não pude decifrar. Talvez fosse arrependimento. Ou quem sabe desejo por mais.
A garota piscou algumas vezes, como se tentasse desviar sua atenção. Conseguiu depois de muito esforço, quando alguma garota passou a conversar com ela.
A coisa que se mexia antes no meu estômago, agora parecia tentar dilacerá-lo. Eu queria tomar aquela bebida logo para ver se conseguia acalmá-lo.
Após alguns minutos finalmente notou nossa presença e passou a andar em nossa direção. Eu podia até ler os pensamentos de .
‘Não , não para lá!’, eu também estaria relutante se estivesse em seu lugar.
- Ei, caras! - nos cumprimentou radiante, pegando um copo de vodca da bandeja de um dos garçons. roubou a bebida da mão do namorado e a bebeu em um gole, causando euforia de todos na roda.
- Já começou bem, ! - gritou entusiasmado, recebendo um olhar restritivo. Eu achava graça nas brigas dos dois, era realmente hilário.
Um por um dos garotos - e , quero dizer - a cumprimentaram com um abraço desajeitado, e a vi puxar assunto com eles para poder evitar que eu a cumprimentasse. Aquilo tudo estava me instigando ainda mais.
Cutuquei e ele deu espaço para que eu me juntasse a eles.
- ... - a cumprimentei com um sorriso no canto dos meus lábios. Eu nunca conseguia esconder meu cinismo, às vezes isso podia ser ofensivo - ou irritante.
Puxei-a sutilmente para um abraço, e observei por cima de seus ombros. Ele estava entretido numa conversa com Fletcher e .
- Não consigo te tirar da minha cabeça... - sussurrei perto de seu ouvido e a vi estremecer.
- Não faça isso, ... Não aqui... - seu tom era de súplica, o que deixava aquilo ainda mais excitante.
- Desculpe, não consigo me conter - admiti, rindo baixo. Olhei de esguelha novamente. Totalmente distraído. Atrevi-me a beijar sutilmente seu lóbulo.
- Pare! - ela sibilou entre dentes, empurrando-me com discrição para que ninguém percebesse a tensão ali.
- Amor, vou ver se encontro Ava ou por aí, tudo bem? - ela forçou um sorriso ao namorado, puxando-o para um beijo rápido. Rolei os olhos com repulsa. sumiu dali tão rápido quanto um relâmpago, me deixando com a vontade enorme de segui-la.
E assim o fiz depois de alguns míseros segundos; ela ainda estava em meu campo de visão.
subiu as escadas do iate que davam para o segundo andar, pegando uma taça de champanhe no caminho. Assim eu também fiz, trocando o champanhe por uísque.
Eu não tinha pressa. Subi os degraus lentamente, escutando a música ficar cada vez mais distante.
O segundo andar estava relativamente vazio, exceto por casais que se amassavam aqui e ali, principalmente sobre as espreguiçadeiras com vista para o mar.
foi até a poupa do iate, segurando nas grades de aço que estavam ali para proteção. Tudo o que podia ser escutado ali era o rugido do motor se debatendo contra a água do mar.
Parei bem ao seu lado, colocando as mãos nos bolsos da minha calça jeans. Não a encarei de início, e nem ela o fez. Mas de esguelha, vi que o vento rude desgrenhava seu cabelo seu pudor. Tive que fechar um pouco meus olhos para proteger tanto das ultimas rajadas do sol que se punha quanto do vento salino.
- Custa ser um pouco mais discreto? - ela soltou num sussurro, pegando-me de surpresa. Encarei-a finalmente.
- Desculpe-me - pedi com sinceridade. - Eu realmente não consigo me conter.
ainda não me olhava. Parecia concentrada em algum ponto fixo do oceano infinito. Balançou a cabeça, demonstrando um tanto de perplexidade.
- O que te aflige? - perguntei curioso após alguns minutos de um silêncio desconfortante.
- Noite passada foi... - A melhor noite da minha vida, pensei - um erro - ela disse num suspiro.
Foi como um soco certeiro na boca do meu estômago. As coisas que lá viviam com certeza estavam mortas depois dessa.
- Por favor, não diga isso - supliquei ridiculamente. Eu jamais dissera - e jamais diria - algo assim a ninguém. Eu nunca precisei de misericórdia alguma, mas aquelas palavras realmente me feriram.
- Falo sério, - vi uma lágrima rolar de seus olhos, dificultando ainda mais aquela situação. - Eu não devia ter feito aquilo... Agora é algo irreversível... - ela disse com um pesar enorme.
- Está arrependida, então? - perguntei com o maior esforço do mundo. Eu, sinceramente, não queria saber a resposta. suspirou pesadamente.
- Estou - respondeu simplesmente, ainda sem me encarar.
- Olhe para mim e diga que está arrependida - forcei minha voz a sair decente. Eu não gaguejaria ou hesitaria naquele momento. Precisava ser forte, não mostraria fraqueza alguma.
negou com a cabeça.
- Olhe para mim, ! - exigi mais agressivo. A garota continuou sem me encarar. Eu não suportaria aquilo.
Puxei seu braço com força, sem me importar se a machucaria ou não, e a virei de frente para mim. A prendi entre meus braços, encurralando-a completamente. Ela agora olhava para os pés. Mas que diabos era aquilo?
E então, por um impulso inconseqüente, segurei seu rosto com firmeza e pressionei meus lábios contra os dela com o mínimo de sutileza que consegui.
não moveu um músculo, nem ao menos seu maxilar. Sua postura, no entanto, era tensa.
Continuei pressionando meus lábios, tanto quanto meu corpo contra o dela.
Ela não pareceu ceder nem relutar. E eu novamente me perguntava: O que diabos era aquilo? Ela queria me enlouquecer, não era? Se era, estava conseguindo sem o mínimo de esforço.
Separei nossas bocas, relutante e cheio de raiva. Eu estava morrendo de raiva. Ela achava que era tão simples assim? Transava comigo e no outro dia vinha com a laia de que estava arrependida?
- Tem certeza de que está arrependida, ? - demonstrei toda a minha fúria em minha voz, e tenho certeza de que minha expressão não mostrava outra coisa. Ela, finalmente, olhou-me dentro dos olhos. Por um momento, todo o ódio pareceu extravasar.
Mas voltou no momento em que disse:
- Não chegue perto de mim novamente.
Desvencilhou dos meus braços e deu as costas.
Hide
andSeek
Minha raiva por Ava não havia passado, mas estava no mínimo desacordada. Eu não mais possuía aquela sede desesperada por vingança; pelo menos eu não pensava constantemente nisso.
Minha mente estava sempre tomada pela imagem de com suas feições e palavras. Nada havia sido dito, mas eu sabia que ele queria e tentava se aproximar de mim aos poucos.
Uma semana se passara desde o incidente no banheiro masculino, e a parir de então as coisas melhoraram em nosso relacionamento. Nenhum grande passo, nada tão significativo aos olhos alheios, mas que para mim era um tremendo avanço.
Já nos cumprimentávamos como dois conhecidos e até mesmo dirigia a palavra a mim no recreio. Certo dia se sentara ao meu lado na aula de latim, sem dizer uma palavra, no entanto. Tive que prender minha respiração durante todo o horário de tão nervosa que estava. E no fim da semana, toda a turma havia combinado de ir à chácara de .
Eu estava terminando de colocar minhas roupas dentro da mala, enquanto folheava uma Vogue antiga. Berta, por sua vez, catava as roupas que eu jogava no chão ao escolher qual levar ou não.
Claro que já estava cansada de me escutar falando sobre , já que ele era tudo em que eu conseguia pensar, então Berta estava sendo obrigada a me aturar.
“Espero que esse fim de semana seja decisivo. Tenho certeza de que as coisas darão certo para e eu... Estou tão empolgada!” exclamei sonhadora, sem me cansar de repassar os planos que tinha em mente. Seria a oportunidade perfeita para tudo voltar a ser o que era antes e fazer perceber que eu ainda era a sua .
“Nós sabemos, Srta. ...” Berta falou sem entusiasmo, visivelmente cansada dos meus suspiros utópicos. Não dei importância para a falta de interesse dela e de , e coloquei a ultima peça de roupa dentro da mala.
Todos iriam com seus carros e sairíamos no mesmo horário para chegarmos ao mesmo tempo na chácara. já havia ido, a fim de arrumar tudo em seus devidos conformes.
, por insistência de , iria conosco e o porteiro do prédio acabara de avisar que ele havia chegado. De uma hora para a outra minha amiga irradiou uma alegria e empolgação antes inexistentes. Previsível.
“Vamos logo!” a garota saltou da cama e colocou imediatamente a mochila nas costas, saindo do quarto apressada.
Berta me ajudou a levar a mala até o elevador e me entregou as chaves do carro. Desejou boa viagem, e então, e eu partimos animadas até o saguão principal do condomínio.
Ao avistar a entrada da chácara de , percebemos as dezenas de carros que estavam estacionados no jardim. E nós que pensávamos que seria um final de semana apenas para a nossa turma. No fundo sabíamos que não agüentaria não dar uma grande festa.
Estacionei o carro atrás de outro e saí rapidamente do mesmo, observando a casa com olhos atentos e absortos. A chácara continuava com aquele clima tranqüilizador que me lembrava. Apesar da musica frenética que podia ser escutada, estar ali ainda me trazia a mesma paz de antes.
Todo aquele verde exacerbado trazia uma calma avassaladora, tirando aquele estresse que a cidade colocava sobre nós.
Com o sol dando lugar à lua, as várias dúzias de luzes espalhadas por todo o imenso jardim já estavam ligadas, assim como as de dentro da casa rodeada de vidros
Deixei minha mala para que mostrasse seu cavalheirismo e a carregasse, e fui correndo juntamente com para dentro daquele imenso chalé requintado.
Apesar das vinte pessoas espalhadas pela sala de entrada, o clima ali dentro não deixava de ser agradável, com uma trilha sonora havaiana e uma conversa calma entre eles. Todos nos observaram entrar e nos cumprimentavam enquanto passávamos. Estava tudo incrivelmente aconchegante, e eu tinha a certeza de que não teria que me preocupar com nada a não ser curtir meus amigos ali.
Assim que avistei , corri em sua direção e o abracei, elogiando toda aquela maravilhosa paisagem. O garoto tratou de nos levar casa adentro para mostrar onde dormiríamos.
O quarto, assim como toda a casa, possuía uma decoração campestre e aconchegante.
- Venha , agora vou mostrar seu quarto e do - já foi se precipitando a sair do quarto, mas não tardei a segui-lo.
- , vou dormir sozinha? - indaguei curiosa. Não que eu me importasse com isso, mas seria agradável uma companhia.
- Er... - bagunçou os cabelos um tanto nervoso e, apenas por observar seu nervosismo, eu sabia que algo que me incomodaria muito estava prestes a acontecer. - Vamos .
O garoto puxou o braço de minha amiga, que me encarava com olhos confusos. Ele estava tramando algo, eu tinha certeza disso.
- ! Volte aqui! - exclamei um tanto frenética, vendo apertar ainda mais o passo para ficar longe de mim.
Tudo o que fiz foi suspirar, rezando para que, na pior das hipóteses, não fosse nada envolvendo Ava Caldwell. Eu realmente não queria ter que pensar nela por pelo menos dois dias. Queria um pouco de paz para a minha mente.
Entrei no quarto novamente e deitei na cama, encarando o teto. A atmosfera tranqüila novamente me acolheu com ternura, acalmando meus pulmões. Fechei meus olhos por alguns instantes, agradecendo ao meu cérebro por permitir que minha mente ficasse vazia.
Senti a cama se afundar sutilmente, indicando que alguém havia se sentado ali. Abri os olhos e os arregalei ao me deparar com o semblante perfeito do garoto que estava ali.
Não consegui esconder o sorriso ao ver me observando com cautela e uma expressão serena.
- Oi... - ele disse calmamente, talvez pensando no que falaria em seguida. Ou talvez nem ao menos pensasse em algo.
- Oi - respondi com um sorriso sincero e singelo, mantendo-me deitada e indagando-me de seu próximo passo. Eu estava inegavelmente surpresa por vê-lo ali. - É você quem vai dormir aqui? - atrevi-me a perguntar. bem que podia ter feito isso por mim, eu seria eternamente grata.
riu levemente e negou com a cabeça. Mas é claro, as coisas não seriam tão fáceis assim. *SMASH INTO YOU *
Sentei-me, ficando lado a lado de , encarando-o enquanto ele evitava fazer o mesmo. Eu sabia que era difícil pra ele me aceitar de volta, e que fazendo isso ele iria contra todos seus princípios. Apesar do bom caráter, ele era incrivelmente orgulhoso, e como eu sabia disso. Mas como não era segredo, eu estava disposta a tudo para quebrar essa barreira que nos impedia de ser felizes.
- Eu quero recomeçar, ... - o garoto começou, fazendo meu coração disparar com suas palavras. Ele ainda não me encarava, apenas brincava com os dedos de suas mãos. Suspirou, e finalmente conseguiu direcionar sua atenção a mim. Seus olhos tinham um misto de angustia e, ao que me parecia, felicidade. Seria possível?
- Mas não me peça para ser rápido. Eu quero te perdoar, quero poder conversar com você como antes, contar com a sua amizade, escutar sua risada... - ele riu baixinho, fazendo-me rir também. Eu escutava muito apreensivamente, absorvendo cada fonema. - Mas não espere que isso aconteça do dia para a noite. Eu preciso de tempo. Preciso digerir todas essas informações que estão aparecendo... Sua fuga, sua volta, Ava... Tudo ainda está muito confuso pra mim...
- Tenha seu tempo, ... Não quero te pressionar nem nada... - o interrompi, pegando em suas mãos hiperativas. O garoto encarou nossas mãos juntas por alguns segundos. - Pode demorar uma semana, um ano, um século... Eu espero você aceitar essa idéia... Eu só quero poder ter meu amigo de volta... Somente isso...
E era a pura verdade. Se eu não pudesse tê-lo como homem, somente sua amizade bastava. Ter em minha vida era tudo que importava, sem mensurar a circunstancia.
- Sinto saudades das suas piadas nem um pouco engraçadas... - o garoto admitiu e apertou a minha mão, soltando uma risada abafada.
- Nem venha com essa, você sempre morria de rir de mim. Eu sou a pessoa mais engraçada que você conhece... - bati em seu ombro, deixando com que aquele clima gostoso me dominasse por completo. Eu não podia pedir por mais nada.
- Eu ria de dó, . Acredite...
Suspiramos ao fim das gargalhadas. Um silêncio agradável era nossa trilha sonora, enquanto nos encarávamos com profundidade. Eu não queria ter que dizer uma palavra sequer, pois sabia que aquele momento dizia tudo pelo nosso sigilo.
Um sorriso humilde estava estampado no rosto lindo de , e ele devolvia as palavras silenciosas por seu olhar calmo e simples. Minha mão ainda estava posta sobre a dele, e por um impulso a puxei até meu rosto. Não houve hesitação por parte do garoto, que pareceu aproveitar aquela situação.
Movimentei sua mão pela minha maçã do rosto, arrepiando-me por finalmente estar sentindo o contato de sua pele com a minha. Beijei a palma de sua mão simultaneamente e a aconcheguei novamente em minha face.
Encarei-o novamente. Seus lábios estavam contraídos em uma fina linha e seus olhos estavam relativamente úmidos. Eu sabia que aquela situação era tão torturante quanto irresistível. Eu sabia que ele pensava o mesmo que eu, que queria a mesma coisa que eu. Sabia o que o impedia, sabia que ele não cederia. Mas aquele momento era perfeito devido às circunstancias. A história de ir com calma havia sido sincera e completamente aceita por mim, e eu não desrespeitaria os limites de . Mas eu precisava senti-lo, precisava saber que ele ainda se comovia diante de mim, que minha luta não seria em vão.
levou sua outra mão em meu rosto, e o levou próximo até o seu, encostando nossas testas. Nunca senti meu coração tão apertado dentro de mim, como se meu corpo fosse pequeno demais para sua extensão. Minha emoção fulminava em meus olhos, queimava-os e em seguida os libertou com lágrimas singelas que caíram enquanto falhava-me a respiração.
Segurei suas mãos entre as minhas e as apertei, tentando conter todo o meu anseio por ele. Chegava a doer a minha alma, tamanha era a minha vontade de colar nossos lábios, nossos corpos, acabar com todo aquele pesadelo e voltar a viver meu sonho com ele. Nosso sonho.
- Eu... Eu tenho que ir... - sibilou com dificuldade. Concordei com um aceno, relutando em deixá-lo partir, apesar de saber que o veria minutos depois em algum canto da casa. Mas sabia que demoraria uma eternidade até que tivéssemos outro momento como aquele.
depositou um beijo sutil em minha testa e me encarou uma ultima vez. Eu vi o pesar em seus olhos antes de deixar o quarto. E senti meu coração se desacelerar aos poucos.
Para minha situação piorar um pouco, observei a silhueta de aparecer no batente da porta. Não consegui ler sua expressão de imediato, mas ao observar seus olhos com mais cautela, eles mostraram uma decepção enrustida. Eu já aprendera a ler as pessoas há muito tempo, e por mais que fosse a melhor pessoa em esconder o que se passava em sua mente, ele jamais conseguiria ocultar seus sentimentos diante de mim.
Seus olhos pareciam tristes, desapontados, desistentes. Eu sabia que, mesmo não admitindo, ele se abalava cada vez que me via próxima de . Eu sabia que ele jamais aceitara o fato de que eu havia escolhido seu melhor amigo ao invés dele. Sabia que ele continuava a insistir em me ter mesmo depois de toda a minha relutância. E passados x anos, ele continuava a tentar me ter de todas as maneiras.
E com toda a certeza eu sabia, observando-o parado no batente de braços cruzados e aquela expressão vazia, que ele sofria ao saber que eu corria tanto atrás de como ele corria atrás de mim. Ele queria que eu corresse daquela maneira por ele. E por alguns instantes eu me peguei imaginando como seria minha vida agora se eu tivesse o escolhido há anos atrás. Seria ele tão manipulador e egocêntrico como é agora - Estaria me amando e fazendo tudo para me ver feliz?
E se...
E se...
A brisa da manhã esvoaçava meus cabelos e os bagunçava completamente. Meus pés se divertiam com a correnteza do rio que passava por debaixo da passarela de madeira, e meus olhos observavam a rapidez em que os peixes nadavam contra ela. Minha mente estava completamente vazia, e eu agradecia a Deus por isso. Depois de muito falatório de minha mãe, exibindo-me como um troféu para as famílias requintadas que estavam ali no almoço que os davam em sua chácara, tudo o que eu queria era um pouco de paz. Eu tinha apenas doze anos, mas já me repulsava a idéia de fingir ser algo que não era, como uma princesa que Janette insistia que eu devia ser. Eu queria mais era pintar meu cabelo de azul, rasgar todas as minhas roupas e montar uma banda de rock. Mas tinha que me contentar com o cabelo com corte perfeito, as roupas impecáveis e o futuro planejado por ela: formar em Medicina ou, quem sabe, Direito.
Então naquele momento de paz que eu tinha, ficava imaginando como minha vida seria diferente se eu me rebelasse.
- Pensando na nossa banda? - uma voz rouca, visivelmente passando pelos obstáculos da puberdade, despertou-me de meus deslumbres. Sorri ao ver os cabelos brilhantes de se aproximarem, e ele se sentar ao meu lado. Suspirei e sabia que nem precisava me esforçar em mostrar o que eu estava pensando. Ele saberia.
- Você viu como ela me trata? - comecei, voltando a encarar o horizonte atrás do rio. - Como um objeto. Não como sua filha...
também suspirou e passou a observar a linda paisagem a nossa frente. Parecia pensar no que dizer.
- Todos eles são assim, . Você sabe como é meu pai também. Do mesmo jeito que sua mãe, e talvez pior... - o garoto riu sem humor, e não pude deixar de concordar. Phill era o homem mais cético que eu já conhecera e iria conhecer. Não demonstrava uma simples expressão de carinho para com o filho. Janette, pelo menos, parecia se importar comigo. Ás vezes.
- Queria entender por que a aparência e o dinheiro importam tanto para eles... Por que o status é mais importante que os sentimentos... Eu não quero nunca ser como nossos pais... - desabafei. Eu me recusava a admitir que nossa imagem fosse o reflexo de nossos pais. Eu jamais colocaria a ganância ou meus interesses à frente das coisas que realmente importavam: o amor, a amizade... Eles haviam perdido todo e qualquer senso de humanidade, e eu, com apenas doze anos de idade, me recusava a ser esse tipo de pessoa.
- Tanto faz os valores deles, . O que importa é o que é importante para nós, e não para eles... - o garoto disse de maneira filosófica, talvez nem ao menos entendesse o que havia acabado de dizer. Mas ele tinha razão. Nossos valores importavam, nossa amizade, nosso amor.
era a pessoa mais inteligente que eu conhecia da minha idade. Apesar de ser uma das mais ricas também, mas com pensamentos completamente diferentes de qualquer um.
Recostei minha cabeça sobre seu ombro e passei a observar seu perfil, que ainda encarava o céu mudar de cor à medida que o Sol ia se pondo.
- Sabe que eu te admiro muito, não sabe ? - admiti, fazendo-o me olhar. O garoto beijou minha testa sutilmente e passou os braços pela minha cintura, abraçando-me com ternura. - Independente de qualquer coisa, não quero que nada mude entre nós...
Ele apenas me encarou por alguns instantes, fazendo meu mundo parar por alguns instantes ao observar aquela imensidão azul que eram seus olhos.
- E quem disse que algo vai nos fazer mudar?
Sorrimos mutuamente e esperamos o Sol se pôr por completo, deixando-nos admirando as estrelas que começavam a aparecer.
You
Got Me All Wrong
- O que você quer, ? - perguntei finalmente, após alguns segundos observando o garoto parado no batente da porta. As lembranças ainda me rondavam, mas eu fazia questão de mandá-las para bem longe da minha mente perturbada. Passado era algo que devia ser deixado esquecido. Eu era uma pessoa que vivia do presente e ponto.
O garoto por fim descruzou os braços e deu um passo a frente, deixando uma distancia razoável entre nós. Sua expressão continuava vazia, um tanto quanto triste. Talvez somente eu percebesse o toque triste em seus olhos, nem mesmo ele o queria demonstrar.
- Prefere que durma aqui, não prefere? - suas palavras saíram frias e ásperas, deixando-me um tanto confusa. Tinha ele visto o momento mínimo de intimidade entre e eu? Por isso tinha aquela expressão miserável? Pensei um pouco antes de responder. Sim, eu preferia que dormisse ali. Eu preferia ter seu carinho e suas palavras doces ao sarcasmo impertinente de .
- Então é você que vai dormir aqui? - adivinhei. O garoto olhou para os lados, um pouco relutante. - Previsível. - rebati com severidade.
Eu ficava imaginando... Apesar de seu ego intocável, não se cansava de ser tão apedrejado por mim? Seu ego era assim tão inatingível a ponto de aceitar ou até mesmo ignorar meu desprezo?
Às vezes eu me cansava de tratá-lo assim. Transformamo-nos em duas pessoas ranzinzas que sabiam apenas prejudicar um ao outro. Um tentando atingir o outro de alguma maneira, seja com palavras ou atos propriamente ditos. Cansava-me, pois não fomos sempre assim. Houve um tempo onde fora meu guardião, minha pessoa favorita. E o tempo, a idade, nos fez odiar um ao outro. Na verdade, o fez me odiar. Todas as escolhas, todos os caminhos que eu tomara até ali atingiram de alguma maneira. De uma maneira bem ruim. Eu, indiretamente, fizera-o tornar a pessoa ranzinza e fria que era naquele momento. De certa forma, eu era a culpada.
- Fique tranqüila, . Vou achar outro lugar para dormir. - o garoto me encarou com uma raiva peculiar e deu as costas. Sem pensar duas vezes, por um ato de puro reflexo, agarrei seu braço antes que pudesse sair do quarto. não dera mais um passo, mas também não me encarara de imediato.
- Desculpe por ser tão rude. Você pode dormir aqui... - falei calmamente, observando sua nuca nua. Eu sempre tive um desejo incrível por nucas, e a sua estava perigosamente próxima e convidativa. E cheirosa.
- Você quer que eu durma aqui? - eu sabia que ele sorria. Ele queria que eu dissesse que sim, apenas para inflar seu ego recém-abatido; não era nada burro.
- Sim, - rolei os olhos. - Eu quero que você durma aqui.
Ele então se virou e, antes que eu pudesse revidar ou ter algum pensamento sólido sobre isso, suas mãos estavam coladas em meu rosto e sua boca procurava enfurecida pela minha. Sua língua invadiu meus lábios sem pudor, deixando-me até sem ar.
Instantes depois daquela cena processada em meu cérebro, o empurrei sutilmente. Estávamos quase no corredor da casa de e, por sorte, não havia ninguém ali. havia acabado de sair, ele poderia aparecer a qualquer minuto.
- Está louco? - perguntei exaltada, observando o rosto sereno de . Ele gostava de me deixar louca.
- O que estava conversando com ? - ele ignorou completamente minha pergunta, e agora tinha um tom raivoso na voz. Ainda me segurava firmemente pela cintura, chegava a machucar.
- Desculpa te dizer, , mas isso realmente não te interessa - falei simplesmente a verdade, fazendo a ira do garoto aumentar. Puxou-me com mais força contra seu corpo.
- Vocês voltaram? É isso? - seu tom de voz era feroz, e seus olhos ferviam de raiva. Por um milésimo de segundo, eu podia ler seu olhar. Por trás da raiva, a decepção que eu já havia percebido. Eles me questionavam fervorosamente, perguntavam-me se eu iria fazê-lo passar por tudo novamente. E por outro segundo, eu não queria. Não queria fazê-lo reviver um passado tão doloroso.
O que eu não entendia era como eu conseguia ter esses sentimentos tão contraditórios dentro de mim. Em um momento, era tudo o que eu mais queria na vida, e no outro, quando aparecia, eu desejava ter feito escolhas diferentes. Eu podia ser tola por dramatizar toda aquela situação, que no fundo, era tão simples. Um ou outro.
Era mais do que isso, no entanto.
Era o egoísmo envolvido.
Eu chegara à conclusão de que eu queria os dois. Queria ter , mas queria ter . Queria que este continuasse a me desejar, e que aquele continuasse a me amar. Mas as coisas não podiam ser assim. Eu não podia continuar brincando com os sentimentos das pessoas para a minha diversão. Simplesmente não era certo.
E pelo terceiro segundo, desejei não ter nenhum dos dois.
- Apronte-se , estamos indo para um jantar na casa dos - minha mãe anunciou ao entrar em meu quarto, desconcentrando-me do dever de casa que fazia. Eu não estava sabendo de jantar algum, não me avisara. - Ponha sua melhor roupa, quero que cause uma impressão nos pais de ...
- O que quer dizer com isso, mãe? - confundi-me ao ver um sorriso singelo e débil em seu rosto.
- Ora, você tem que estar no mínimo apresentável para seus sogros... - disse ela com obviedade. Sogros - Eu havia escutado direito?
- Mãe, não é meu namorado, logo os não são meus sogros! Pare de insistir nessa historia! e eu somos amigos!
O sonho de Janette, sem duvida alguma, era que eu namorasse . O fato de eu ter apenas treze anos e não estar preparada para relacionamento de qualquer tipo não a incomodava. Por ela, eu não podia perder tempo.
- Mas vocês vão namorar - aquela frase soou como uma ordem vinda de seu tom de voz rouco e rude. - Vocês são perfeitos um para o outro. Bonitos, vindos de uma família tradicional, ricos...
- Então é tudo pelo dinheiro? - a interrompi, encarando-a incrédula. Não era possível que ela começaria com todo aquele discurso sobre riqueza. Então o dinheiro era mais importante que o amor?
Eu não queria saber.
Para a felicidade de minha mãe, não pelos motivos que ela almejava, eu gostava de . No fundo, ele era tudo o que eu queria em uma pessoa. Apesar de vir de uma das famílias mais ricas de Londres, a humildade e simplicidade em sua vida andavam lado a lado. Seus valores, nem um pouco mesquinhos, deslumbravam-me e me faziam admirá-lo cada dia mais. E para completar, eu não sabia por que, mas seus olhos faziam-me tremer dos pés à cabeça. Seu perfume causava uma agitação incomum dentro do meu estômago e, de tempos em tempos, mesmo separados, eu podia sentir seu cheiro e me pegar pensando horas e horas em seus lábios. Se eu ficasse com , seria por esses motivos, não pelo dinheiro; não pela tradicionalidade.
- Quer saber, não diga nada - a interceptei novamente, impedindo que ela dissesse qualquer bobagem que fosse causar repulsa dentro de mim.
Janette pareceu satisfeita, como se eu tivesse chegado às mesmas conclusões hipócritas que ela. Não me surpreendia o fato de meu pai tê-la largado. Era difícil suportar uma mulher com valores tão desprezíveis como os dela. Ela provavelmente ficaria sozinha até o fim de sua vida, onde finalmente perceberia que todas suas idéias ao longo de todos aqueles anos eram pura ilusão.
- Oh, sua roupa já está escolhida. Meredith a ajudará a vestir.
Janettte sorriu vitoriosa e saiu do quarto chamando por Mere. Deixei meu corpo despencar na cama enquanto esperava para me tornar na filha perfeita de Janette .
Na casa dos , luxo era o que não faltava. Havia meia dúzia de casais e alguns adolescentes, todos impecavelmente vestidos. No momento em que entrei naquele local meus olhos saltaram à procura de . Ele, como usual, seria minha válvula de escape para toda a falsidade.
Quando finalmente o vi conversando com um garoto que eu nunca tinha visto antes, andei rapidamente e o abracei pelas costas, sentindo aquele cheiro tão amado por mim. Novamente, as agitações voltaram. O entorpecimento me atingiu. Minha cabeça girou um pouco e me senti completamente tola.
- Boa noite - o escutei dizer com humor, virando-se e me abraçando normalmente. Eu nada disse, apenas aproveitava aquele segundo que pouco ia durar. Quando nos afastamos, seu olhar direcionou-se a mim de maneira profunda, e tudo o que eu mais queria era... beijá-lo. Apesar de nunca ter feito tal coisa, era o que eu queria. Mas não podia. era meu amigo. Meu melhor amigo. E apenas isso... Não é mesmo?
Escutamos um pigarro a fundo, e foi quando pareceu despertar do transe momentâneo em que entramos.
- Oh, sim. , este é . - meu amigo apontou para o garoto novo para mim. Como dificuldade eu o encarei e o analisei rapidamente. Ele devia ter a nossa idade, a adolescência florescendo em seus traços infantis. Reparei que, por tanta convivência com os modos frescos de Janette, suas roupas eram um tanto simples comparadas as do restante dos convidados. Minha mãe provavelmente teria um comentário infeliz quanto a isso se o visse. Também reparei que seus olhos estavam muito fixos a mim. Ele sorria singelamente, e me senti um tanto incomodada pela intensidade de seu olhar. Eu nem ao menos o conhecia...
O garoto estendeu a mão e eu a apertei por cortesia. O que me surpreendeu foi o fato dele levar a minha em direção aos seus lábios e beijá-la sutilmente.
pigarreou. Eu sentia seu desconforto ao meu lado. Bem, minha situação não era diferente...
- é novo na cidade. Também vai estudar na Drayton... - meu amigo acrescentou, quebrando o clima constrangedor sobre nós três. Concordei e não sabia mais o que dizer. Eu tinha esse defeito: nunca sabia o que dizer após conhecer alguém.
sabia disso, por isso começou a contar com detalhes coisas aleatórias sobre Londres e a futura escola de .
Enquanto isso, eu reparava no semblante dos dois garotos a minha frente. Tão diferentes...
, apesar de toda sua simplicidade, era um poço de classe. E talvez o fosse sem ao menos perceber. era um tanto mais despojado, usava calças largas e um paletó desgastado sobre uma camiseta branca. ria com discrição, tentando não chamar muita atenção para si, enquanto tinha uma risada rouca e alta, um tanto engraçada, que faziam todos lançarem olhares em sua direção.
Passei os olhos aleatoriamente pelo lugar, avistando Janette um pouco mais adiante. Ela acenou sutilmente com a cabeça, chamando-me para onde estava.
- Com licença.
Distanciei-me dos garotos e fui até minha mãe, que arrumou alguma imperfeição em meu cabelo com olhos desgostosos antes de falar alguma coisa.
- Conheceu o filho dos s, pelo visto... - o desagrado era visível em seus olhos, e ela não fazia a mínima questão de escondê-lo.
- Ele é adorável - eu disse, aparentemente querendo alfinetar minha mãe. Eu nem ao menos conhecia o garoto tão bem assim para afirmar que era adorável. - Quem são seus pais?
- Empregados de Phill ... - respondeu com repulsa. Havia algum problema em ser empregado de alguém? Janette direcionou seu olhar ao garoto, e assim também o fiz. olhava em nossa direção, enquanto continuava a falar algo animadamente. Janette então olhou para mim, e novamente para o garoto. Apertou meu braço com força, mas com sutileza para que ninguém visse.
- Você não está se enrolando com esse garoto, está? - questionou ríspida, apertando meu braço com mais força.
- O que? Você está...
- Se eu vir você se engraçando com esse - minha mãe interrompeu e me olhou com uma fúria imprescindível. - as coisas vão ficar muito feias para o seu lado, está entendendo?
Eu não acreditava que essa fúria toda de Janette era apenas por causa de alguns olhares incoerentes. E também me enfurecia com o fato de, novamente, ela querer comandar a minha vida e meus sentimentos.
Soltei meu braço discretamente das mãos de Janette e dei um passo para trás, lançando-lhe o mesmo olhar que ela me lançava.
- Eu me engraço com quem bem entender.
Dei as costas e procurei ficar o mais distante de minha mãe possível.
- Nós não voltamos, - falei a verdade e voltei a me sentar na cama. - E nem ao menos estou pensando nisso.
O que era mentira. Eu estava constantemente pensando nisso. Mas no momento em que vi o semblante de uma loira passando pelo corredor e lançando-nos um olhar enraivecido, outro assunto surgiu em minha mente. Minha vida não era mais sobre vingança. Não depois de todas as palavras ditas por naquele mesmo quarto. Eu já conseguira o que queria, mas algo ainda me instigava a querer destruir Ava. Talvez ainda fosse a vingança, mas não pelos mesmos motivos.
Eu simplesmente queria, precisava, acabar com a vida dela. Queria que ela sofresse apenas para o meu prazer. Queria ela humilhada, com nada além de murmúrios e olhares maldosos sobre suas costas. Queria que ela passasse por tudo o que eu passei.
Assim sendo, por um impulso, segurei o rosto de entre as minhas mãos e colei os nossos lábios. Eu senti a respiração do garoto parar por alguns instantes, e até vi seus olhos se arregalarem. Separei-nos e encarei Ava, que estava vermelha de tanto ódio.
- O que foi isso? - sussurrou contra meus lábios, com a visível feição de surpresa. Sorri cínica enquanto acariciava seu rosto.
- Já sei o que nós vamos fazer para nos divertir à custa de Ava... - sibilei, contornando seus lábios com cautela com um dedo. No minuto seguinte ele percebeu do que se tratava tudo aquilo. Mais um jogo divertido e perigoso que eu propunha. E ele simplesmente não conseguia evitar. Enganar e manipular eram características de seu ser.
- Se for o que eu estou pensando, você nunca teve uma idéia tão... prazerosa - o garoto disse ao abrir um sorriso tão cético quanto o que eu mantinha em meu rosto.
Como se tivéssemos planejado, olhamos em direção da garota, que ainda se estendia no corredor nos observando com ódio e inveja. Ela queria estar em meu lugar e não fazia questão de esconder.
entrelaçou os dedos em meus cabelos, e com fúria aproximou meu rosto do seu, chocando nossos lábios sem pudor algum. Suas mãos foram até minhas coxas e, ao que subiam, levavam a aba do meu vestido junto. Apertou meus glúteos com força e me deitou na cama, parando de me beijar por alguns segundos para me encarar. Apesar de tudo passar de uma encenação, eu sabia que para ele era real. E talvez para mim também fosse. O teatro seria apenas uma desculpa para ter suas mãos em mim.
O garoto se encaixou entre minhas pernas e passou a beijar meu pescoço com tanta exaltação que senti uma onda de calor imediato passar por todo meu corpo.
Abri meus olhos e encarei Ava. Ela ainda não havia dado um passo e nem daria. Quem sabe ela não estava se imaginando em meu lugar?
Eu queria que ela visse que tudo o que ela mais queria, eu tinha: um louco por mim acariciando todo o meu corpo.
Puxei os cabelos do garoto e mordi seus lábios, apertando minhas pernas contra seu corpo e nos aproximando ainda mais. Levei as mãos até sua cintura e puxei sua camiseta, de modo que seu tronco muito bem definido ficasse nu.
Os olhos de estavam vidrados, enlouquecidos, arregalados de tanta excitação.
Arqueei as sobrancelhas e com sutileza olhei para o lado. Ele entendeu meu gesto e encarou Ava de imediato.
- Ei, Ava - ele a chamou, e a garota veio de imediato em nossa direção. O que passava por sua cabeça?
tirou seu peso sobre mim e ajoelhou sobre a cama, de modo que ficasse da mesma altura da loira. Fiquei encarando a cena e interpretando a expressão de misericórdia vinda do rosto de Ava. Seus olhos exaltados e sua boca entreaberta implorando um beijo de .
O garoto tirou os cabelos loiros de seu ombro e passou a beijar calmamente a região.
Levantei-me e abracei as costas de , distribuindo beijos por toda a região, sem deixar de observar Ava.
Passei a morder sutilmente o pescoço de , enquanto minhas mãos passeavam por seu peitoral.
- Quem é melhor pra você, hein ? - sussurrei em seu ouvido no momento em que minhas mãos caíram para o cós de sua calça jeans. Vi os pêlos de sua nuca se arrepiarem sem vergonha alguma.
Seus lábios subiram pelo pescoço de Ava e finalmente atingiram sua orelha.
- Só queria que você fechasse a porta para e eu... Sabe como é, estávamos com preguiça de nos levantar... - sibilou contra seu ouvido, fazendo os músculos da garota se enrijecerem no mesmo segundo.
- O que?
Eu teria sentido pena se fosse outra pessoa ali. Aquele tom de voz choroso era de dar dó.
Pousei o queixo sobre o ombro nu de e o vi sorrir maldosamente.
- Saia e feche a porta, por gentileza - ele repetiu letra por letra devagar, machucando ainda mais o ego da loira abismada a nossa frente.
Num piscar de olhos, a mão de Ava foi de encontro ao rosto de e um estalo pode ser escutado; e então, ela saiu como um furacão do quarto.
se desvencilhou dos meus braços e foi até a porta, fechando-a. E eu não pude conter o meu riso alto e escandaloso depois de digerir toda aquela cena.
- Você... Você viu só a cara dela? - entre risos, tomei fôlego para falar. A expressão de era a mais cínica de todo o mundo. Aquele típico olhar cafajeste e o sorriso desumano, de arrancar suspiros de qualquer uma.
- Você vai ter que compensar esse tapa que eu levei... - ele foi se aproximando da cama e a minha feição foi mudando.
De diversão a excitação. Eu simplesmente não poderia resistir àqueles cabelos sedosos e àqueles olhos . Sem falar no peitoral nu e desenhado por deuses a minha frente.
Quando o garoto estava a centímetros de distancia, puxei seus cabelos com furor e trouxe seu corpo para perto de mim.
E demos, então, xeque-mate no simples jogo que havíamos começado.
Stop and
Stare
- Wow! Esse filme foi ótimo... - exclamei quando os créditos do filme Clube da Luta começaram a passar na tela. A sala de foi esvaziando aos poucos, à medida que nossos amigos que estavam ali se dirigiam à cozinha ou ao banheiro.
estava do meu lado e se soltou no sofá, deixando de lado o ar tenso que carregou durante todo o filme.
- Tyler Durden é o cara... - ele exclamou com exaustão. - Tem completa razão ao dizer que depois de um tempo as coisas que você possui acabam possuindo você... - disse num suspiro inspirado.
E eu concordava. Mais uma filosofia para os meus pensamentos. Mais uma frase explicando meus sentimentos em relação a tudo.
Só restavam nós dois no imenso sofá azul marinho. Nós e o silêncio.
- ... - o menino me chamou com calma e eu passei a encará-lo. - gosta de você...
Aquela informação me pegara de surpresa.
Por que ele falou aquilo tão... de repente?
não gostava de mim... Pelo menos eu pensava. Tudo bem que nesse primeiro ano em que o garoto estava na cidade eu notara alguns olhares insistentes e poucos discretos sobre mim. Mas isso não significava que ele gostava de mim. Nós éramos amigos...
- O quê? - foi tudo o que consegui responder. Era uma relativa surpresa escutar aquilo. Ainda mais vindo de .
- É sério... Ele gosta de você... - ele respondeu, encarando a TV. - Gosta de você desde aquele dia que te conheceu aqui em casa... - acrescentou.
Continuei sem entender. Por que estava me contando aquilo e não o próprio ? E por que ele não me encarava nos olhos? Aquilo me incomodou de certo modo.
- Por que está me contando isso?
O garoto suspirou.
- Ele me pediu. Não tem coragem de chegar a você e dizer, então... - meu amigo se interrompeu, deu de ombros e passou a encarar as próprias mãos. - O que você tem a dizer sobre isso? - perguntou-me num sussurro.
Parei para pensar por alguns instantes.
Eu nada tinha a dizer sobre isso.
Eram informações completamente novas para mim. Eu considerava um amigo, e pensar que ele sentia coisas diferentes da amizade por mim me deixara um pouco confusa.
Eu nunca havia gostado de alguém naqueles catorze anos. Sempre idealizara o amor, no entanto, jamais o havia sentido. Ainda era algo completamente abstrato para mim.
Mentira. Eu o sentia sim. Mas não por .
Eu sentia meu coração palpitar, e minha respiração falhar às vezes. Sentia minha cabeça tontear, meu estomago afundar. Mas por outra pessoa.
Não sabia se era amor. Sabia, entretanto, que era algo especial. Muito especial.
Tudo isso eu sentia quando , meu melhor amigo, colocava seus olhos sobre mim. Sentia toda vez que ele me abraçava, toda vez que enroscava seus dedos em meus cabelos, toda vez que ria de forma escandalosa perto de mim. Toda vez que sorria, e toda vez que abria a boca para falar algo. Qualquer coisa.
Algo especial. Algo que voava entre a amizade e algo mais.
Mas ele era meu melhor amigo. Meu melhor amigo. Meu porto-seguro. Minha válvula de escape. Como podia ser algo mais que isso?
arqueou as sobrancelhas, procurando por uma resposta, e eu me sentia cada vez mais perdida naqueles olhos que me encaravam com dúvida e precaução.
- Eu... - hesitei por alguns instantes. Eu não podia pisar em falso. Não naquele momento. - Eu não tenho nada a dizer. Não sinto nada por ele além de amizade...
suspirou novamente. E por um segundo, aquele suspiro soou como um alivio.
- Não vai ficar com ele então? - indagou novamente com um misto de curiosidade e medo. Eu sabia decifrar cada tom de sua voz, cada linha de expressão de sua face. Aquilo fez meu coração acelerar estupidamente.
- Por que eu ficaria? - rebati. - Você me conhece. Não sou experiente nesse assunto, e não gostaria de aprender com alguém que eu não goste... Você sabe...
Sim, ele sabia. Sabia que eu jamais havia beijado alguém, e que eu não o faria com uma pessoa qualquer. Meus anseios por um príncipe encantado já fora motivo de muitas de suas piadas.
engoliu seco.
- E você... Você gosta de alguém? - ele perguntou com certa insegurança. Todo o clima que estava ali era muito diferente de todos os que já pairaram sobre nós. Era um clima tenso, misturado com a curiosidade e o entusiasmo.
Seu olhar estava diferente. Havia um brilho em seus olhos azuis que eu jamais havia visto antes.
Minha respiração falhou por alguns segundos.
Naquele momento eu tinha certeza. A certeza que sim, eu gostava de alguém.
Acenei com a cabeça, desviando meu olhar do seu.
- E quem é esse alguém? - sua voz falha se atreveu a perguntar, afobando-me ainda mais.
Eu não sabia o que responder. Eu não conseguia responder.
Mas eu precisava. Algo dentro de mim me mandava responder. No entanto, as palavras estavam entaladas em minha garganta, e eu tinha certeza de que elas não sairiam dali.
Segurei sua mão em um ato impulsivo. as olhou juntas e entrelaçou nossos dedos. Encarei-as por alguns instantes. Era tão bom tê-la junta da minha. Apesar de não ser algo novo, naquele momento aquele ato significava algo diferente.
- Eu... - um som insignificante tentava sair da minha boca. Se eu falasse qualquer coisa, provavelmente gaguejaria.
Entretanto, não precisei dizer mais nada. olhou profundamente em meus olhos e eles pareceram sorrir. Sua mão livre foi de encontro ao meu rosto, acariciando minha bochecha.
- Eu também... - o garoto sussurrou à medida que se aproximava de mim.
Meu coração palpitava de maneira frenética, e tive medo que pudesse escutá-lo batendo contra meu peito. Poderia parecer ridículo.
Mas eu sabia que ele não pensaria assim. Porque ele também... Ele também gostava de mim.
Fechei os olhos enquanto acariciava meu rosto com uma ternura imensurável. Eu sentia cada parte do meu corpo se arrepiar.
- Abra seus olhos - sibilou.
Ao que o fiz, seus globos azuis estavam a poucos centímetros de mim, e eu podia até sentir sua respiração se misturando com a minha. Sua boca estava muito próxima e entreaberta, sugestiva como nunca fora antes.
Era isso. Era esse o momento pelo qual eu havia esperado. Eram por aqueles olhos que eu procurava, por aquela boca que eu ansiava. Era ele.
E no segundo seguinte, descobri que meus lábios haviam sido moldados para se encaixarem aos dele...
Dougie
Eu sabia que ela gostava de mim. Eu sabia que era louca por mim. Só tinha medo de admitir. Eu sabia disso apenas pelo seu olhar, aquele que tentava esconder seus verdadeiros sentimentos. Mas eu queria que ela admitisse. Eu queria que ela deixasse o orgulho de lado, me encarasse nos olhos e dissesse a maior verdade universal: eu te amo. jamais havia dito tais palavras para mim, mas ela sentia.
E eu... Bem, eu não sabia o que sentia. Já houve um tempo onde tinha a certeza de que sim, eu a amava. No entanto, segundos depois eu repensava. O que era amor? Eu não era capaz de definir. Então como saber se eu sentia algo que nem ao menos sabia o que era?
Em alguns anos atrás, quando era moleque e as coisas eram menos complicadas, eu até poderia defini-lo – ou achar que poderia. Eu sabia que esse tal amor já fez meu coração palpitar exacerbadamente. Já me fez gaguejar, pensar o tempo inteiro nela, de modo que eu ficasse lunático e alienado às coisas a minha volta. Eu suava, tremia, minhas pernas bambeavam. Mas principalmente: quando ela estava por perto, eu embarcava em um mundo completamente novo. O amor se manifestava por . Ela era ele encarnado.
Tudo o que eu queria, naquela época, era tê-la por perto. Eu não precisava nem ao menos tocá-la ou beijá-la – até porque nosso romance propriamente dito durou apenas um dia –; queria apenas poder olhar em seus olhos ou escutar seu riso. Mas, por algum motivo que até hoje não entendo, o encanto acabou.
humilhou meus sentimentos discreta e silenciosamente. Trouxe no lugar daquelas sensações puras e bonitas uma amargura sem tamanho. Pode parecer melodramático – talvez realmente seja –, mas depois dela, depois do que ela fez após nosso primeiro beijo, não consegui sentir novamente o que me proporcionava com mais ninguém. No começo era apenas medo de poder sofrer de novo, depois de um tempo aquele modo de agir se tornou uma característica da minha personalidade azeda.
O amor causava-me repulsa. Ele nada mais significava para mim além de uma grande bobagem inventada pela mídia. No entanto, por mais que eu negasse fervorosamente, ao vê-la meu coração disparava como antes, e eu me sentia ridículo, o maior dos babacas. Aquilo se chamava falta de amor próprio, já que, depois de tudo, eu ainda não conseguia tirá-la da minha cabeça.
Ao descolar nossos lábios descobri que não havia algo melhor do que beijar . Eu sabia que era seu primeiro beijo e que ela não tinha experiência alguma, mas não se tratava apenas do físico. Envolvia muito mais. Era o fato de ser minha melhor amiga. Aquela que sabia de todos meus segredos, sonhos e medos. A garota mais incrível que eu conhecera na vida. Há tempos que eu vinha sentindo algo diferente do normal perto dela. A simples vontade de ter minha amiga por perto se tornara num desejo incontrolável. Ao ver seus lábios se movendo quando me contava algum caso, minha mente se desligava e eu imaginava como seria beijá-los.
E agora eu tinha o feito. E fora melhor do que sempre imaginei.
olhou para os próprios pés, visivelmente envergonhada. Toquei seu rosto sutilmente, de modo que ela me encarasse.
- Você é meu melhor amigo, ... - ela disse num sussurro. Beijei sua testa.
- E quem disse que isso precisa mudar? - rebati, olhando profundamente em seus olhos, querendo que ela sentisse certa segurança nos meus.
Um singelo sorriso brotou em seus lábios maravilhosos e, conseqüentemente, um se abriu nos meus.
Como ela era linda... Uma beleza simples, porém exótica. Os olhos delicados, porém profundos. E o sorriso... Aquele tipo que te faz perder a respiração por alguns segundos.
- , precisamos ir... - escutei a voz de Bridget ao fundo. Eu estava em um estado de transe apaixonado e não queria ter que desfazer-me dos olhos de .
- Tenho que ir... - disse ela com a voz falha, tocando minha mão que ainda estava sobre seu rosto.
- Eu te levo depois... - tentei convencê-la, em vão, já que ela se afastou um pouco e encarou os pés por milésimos de segundo. Ela estava insegura, pude perceber.
- Preciso ir - falou com mais convicção, encarando-me finalmente e sorrindo. Seu sorriso era diferente. Era confuso, incerto.
Deixou a sala em seguida, deixando-me entorpecido em perguntas, ao mesmo tempo em que me maravilhava ao lembrar do nosso momento.
*
O final de semana se passou tão lentamente que pensei ser por implicância. Queria ver novamente, queria sentir seus lábios contra os meus, queria abraçá-la e admirar seu sorriso. Ela fugiu de mim por todo sábado e domingo, mas não me desesperei. Sabia que ela estava confusa e que precisava de um tempo para absorver a informação de que estávamos apaixonados um pelo outro. Por isso eu esperava ansioso por segunda-feira. veria nos meus olhos o quanto eu gostava dela e toda a insegurança iria pelos ares.
Então, no momento em que a vi no corredor do colégio, tive vontade de correr em sua direção e roubar-lhe um beijo; entretanto, contentei-me em andar normalmente e sibilar apenas um oi. Eu não sabia o que fazer. Não sabia o que dizer. Minhas mãos começavam a formigar e eu imaginava se ela se sentia da mesma maneira.
Mas estava estranha. Mais insegura do que a ultima vez que a vi. Tinha uma expressão triste, que disfarçava com uma falsa segurança. Eu a conhecia o suficiente para saber que algo estava errado.
- , queria conversar com você... - ela disse num tom tenso. Fiquei preocupado, e um nó foi feito na minha garganta.
- Po-pode falar... - gaguejei, arrependendo-me em seguida de ter aberto a boca.
- O que nós fizemos sexta-feira foi... - maravilhoso, pensei - Um erro.
Tudo parou por alguns instantes. O tempo, minha respiração, meu coração. Meu cérebro ficou mal oxigenado, e por isso pensei estar ouvindo coisas. Respirei fundo, tentando afastar aquelas alucinações da minha cabeça.
- Eu... Quero dizer, nós confundimos nossos sentimentos, . Nossa amizade é tão forte que pensamos ser outra coisa. Você é meu melhor amigo, e...
Espera. Então aquilo não era uma alucinação? Por que ela estava falando tudo aquilo? O que sentíamos um pelo outro era algo muito alem da amizade, e aquilo era inegável!
- , eu e você é muito mais que amizade! Você sabe disso! - eu já começava a me desesperar, e meu tom de voz não era mais normal. fazia de tudo para não me olhar nos olhos, e eu fazia nada além de procurá-los. - Eu sei que você sente o mesmo que eu, por que está mentindo agora?
- Eu não estou mentindo... - ela sussurrou. Havia certo pesar em sua voz. Eu a conhecia bem o suficiente para saber que algo a incomodava.
- Para a sua infelicidade eu a conheço demais, e sei que está mentindo! - falei convicto. - Por que está fazendo isso?
O nó se transformou em um bolo que ia aumentando a cada segundo que passava. encarava tudo menos a mim, e aquilo me agoniava.
- foi à minha casa esse final de semana... - ela pigarreou. E eu não queria mais escutar. Eu sabia o que viria pela frente. - Nós conversamos e eu senti algo que nunca senti antes... Meu coração palpitou, minhas pernas bambearam, minhas mãos suaram...
Desliguei-me daquele momento por segundos. Tudo o que narrava eram as exatas sensações que ela me causava. E que sentia por outro...
Mas ela estava mentindo. Ela tinha que estar mentindo.
- Eu não acredito em você - rebati com certa fúria. - Isso é mentira, . - reafirmei, na tentativa de fazê-la dizer a verdade.
Foi ai que avistei ao longe, com um sorriso quase imperceptível. Um sorriso direcionado à mim especificamente. Um sorriso que dizia: eu venci.
Minhas mãos se fecharam em punho e uma raiva jamais sentida antes tomou conta de mim. Ela era tão forte e devastadora que, sem ao menos ter feito nada, me vi quebrando o nariz de . Mas antes que pudesse por minha imaginação em pratica, meu amigo abraçou por trás e depositou um beijo em seu pescoço.
Eu queria matá-lo, queria quebrar todos os ossos de seu corpo com as minhas próprias mãos.
Jamais havia sentido tamanho ódio dentro de mim. Era algo tão mais forte que qualquer outro sentimento no universo.
- Você é o melhor cupido do mundo, - se pronunciou, e eu senti o cinismo em sua voz fazer tremer cada parte do meu corpo. Olhei profundamente nos olhos de , procurando um porquê, um motivo qualquer que justificasse toda aquela situação. Seu olhar era obscuro, perdido, pesaroso... Eu queria só um por que...
- Eu não quero perder sua amizade... - vi seus lábios se moverem sem emitir som algum.
Tais palavras fizeram o ar faltar em meus pulmões, e uma dor imensurável eu senti. Nada parecia fazer sentido. Era tudo uma brincadeira, talvez?
matara cada sentimento bom que eu sentia por ela, substituindo-os por uma ira gigantesca.
- Você acabou de perdê-la - falei em alto e bom som.
E a partir daquele momento, prometi a mim mesmo que infernizaria a vida de e pelo tempo necessário, até fazê-los sentir o mesmo que eu naquele dia.
Era fim de tarde no sítio de , e a música alta já saia de caixas de som espalhadas por todos os lugares. Eu já tinha um copo fixo de uísque nas mãos e vagava pela área da piscina, ora observando o sol colorir o céu enquanto se punha, ora analisando as pessoas que ali estavam. E pensando comigo mesmo: como eu era anti-social. Não tinha a mínima vontade de me entrosar com os ali presentes, muito pelo contrário: queria distancia. Seus atos me repeliam. Aquela mania irritante de falar alto, de querer ser o centro das atenções, de beber até fazer algo muito vergonhoso. Eu não gostava daquilo.
Preferia ficar em um canto, bebendo sozinho e apenas apreciando o álcool. Talvez fosse por esse meu jeito reservado que as garotas que passavam sempre me comiam com os olhos.
Procurei por alguém especial por ali, mas nem sinal dela. Qualquer pessoa que pudesse ler meus pensamentos provavelmente me acharia um idiota. Na verdade eu era idiota. Eu fazia de tudo pra tirá-la da droga da minha cabeça, mas todas as tentativas sempre eram em vão. A substituía por bebidas, por drogas, por prostitutas, mas nada, nada a expulsava dali.
Enquanto procurava por ela, outra pessoa chamou minha atenção. Uma loira de roupas curtíssimas parada do outro lado da piscina me encarando. Eu era muito bom em decifrar olhares, e o seu tinha um misto de raiva e desejo. Arqueei as sobrancelhas, sorri sutilmente e tomei um longo gole do uísque. O vestígio de raiva foi embora completamente de suas orbitas azuis, e o desejo o consumiu por inteiro. Ava era tão fácil de ler. Uma garota solitária, que tinha como amigos apenas os pecados. E os seus melhores eram a luxuria e a inveja.
Eu nem ao menos precisei chamá-la. Caldwell veio em minha direção, rebolando mais do que necessário para que eu notasse sua bunda. A garota parou na minha frente e me encarou sensualmente – ou ao menos tentou. Por algum motivo desconhecido, não conseguia me sentir atraído por Ava. Ela era inegavelmente bonita, tanto que sempre arrastava olhares por onde passava, mas... Algo lhe faltava.
- Sabe, ontem depois que vocês me expulsaram do quarto - começou ela com certa raiva na voz, - Eu não pude deixar de escutar seus gemidos por trás da porta...
Oh... Então Ava voltara ao quarto para me ouvir transando com ? Interessante.
- E eu não consegui não me imaginar no lugar de ... - a garota passou a ponta dos dedos sobre meus ombros, tentando de alguma forma me excitar. Ela provavelmente conseguiria, mas não de uma forma significativa.
No mesmo instante que suas mãos desciam por meu tronco, lancei meu olhar alheiamente pelo lugar e avistei parada perto de uma espreguiçadeira, conversando com e . Por alguma razão, como se ela escutasse meus pensamentos chamando por ela, me olhou e cerrou um pouco o cenho. Será que aquela cena a causaria ciúmes?
Provavelmente não, já que sabia meus verdadeiros sentimentos por Caldwell. Para a minha surpresa piscou e voltou a conversar com seus amigos, deixando-me à deriva. Quando os dedos de Ava cegaram ao cós da minha calça, pensei no que aquela piscadela poderia significar. E eu sabia muito bem o que queria...
- Por que não vamos para um quarto e fazemos sua imaginação se tornar realidade? - sussurrei em seu ouvido, vendo a garota estremecer. Ela nem pestanejou, já foi me puxando pela mão, levando-me para dentro da casa envidraçada de . Lancei um ultimo olhar na direção de e vi que esta me encarava. Sorrimos mutuamente e deixei que Ava me levasse até a escada.
Quando chegamos ao corredor, abri a primeira porta que vi e a empurrei quarto adentro. Ava pulou em meu pescoço e passou a me beijar fervorosamente. Apesar de não ser , ainda assim era uma mulher e eu aproveitaria da oportunidade. Comecei a tirar rapidamente as roupas da garota, vendo sua feição de excitação aumentar cada segundo mais.
Joguei-a com voracidade na cama e realizei seu sonho de consumo daquele dia. Vendo em seu rosto, aquele que não saia da minha mente.
Ava estava deitada em meu peito nu, provavelmente esperando que eu a abraçasse. Não o fiz, obviamente. Não éramos um casal e nem seriamos, aquilo tudo foi – além de encenação – apenas sexo casual. Extremamente casual.
Peguei um cigarro no bolso de trás da minha calça, a qual estava jogada no chão, e o acendi em seguida, esperando o momento certo para por meus planos em prática.
- Viu como somos uma dupla incrível, ? - Ava sibilou, apoiando um dos braços na cama, enquanto o outro vagava por meu abdome. Olhei-a de esgoela e dei uma tragada longa no Marlboro, soltando a fumaça sem pressa alguma.
- Está pensando nela, não está? - sua voz saltou da alegria para o ódio. Ri sutilmente e traguei o cigarro novamente. Ava parecia querer uma resposta urgente.
- Não - respondi simplesmente, ainda sem encará-la. Eu realmente não estava. Um milagre.
Ficamos em silencio por alguns instantes, até a loira suspirar pesarosamente e levar a mão até minha coxa, acariciando toda a região. Reservei-me a concentrar no cigarro e ignorar completamente a presença da garota. Daquele modo ela ficaria completamente louca e diria – ou faria – qualquer coisa. Ela gostava de ser maltratada.
- Ela não gosta de você, . Você sabe disso.
Todos os músculos do meu corpo se enrijeceram de tensão com a frase. Ava pareceu gostar da situação, e passou a se insinuar ainda mais ao meu lado, ainda tentando me excitar.
- Como você tem tanta certeza disso? - tentei parecer o mais natural e sereno possível. A última coisa que eu precisava era de uma terapia amorosa com Ava Caldwell.
- Todos sabem, . Todos sabem... - ela disse alheiamente, passando a beijar meu pescoço.
- gosta de mim. Só é orgulhosa demais para admitir. - rebati no tom mais convencido que consegui, tentando disfarçar meu nervosismo ridículo. Ava soltou uma risada rouca e cínica e tive vontade de sacudi-la, para não fazer algo pior.
- Ela está te usando , não percebe? E quando ela conseguir o que quer, que é , ela irá te enxotar em questão de segundos! - a loira argumentou com convicção, fazendo minha raiva aumentar ainda mais. Quem ela pensava que era para falar tal coisa?
Traguei um ultimo fio de fumaça e apaguei o cigarro no copo de uísque em cima da cabeceira.
- Ela realmente está conseguindo te enganar...
Num ato impulsivo empurrei a garota para o lado e me posicionei por cima dela, prendendo seus braços acima de sua cabeça.
- Ninguém me engana, Caldwell - falei ameaçadoramente, prendando meu corpo contra o da garota. Obviamente, sendo a safada que é, a loira gostou de tal agressividade.
- Nós veremos quando ela não quiser mais saber de você... - rebateu no mesmo tom, tendo sua raiva aumentada assim como a minha. - Ela não é a melhor para você, !
Tive vontade de rir. Eu sabia o que ela falaria em seguida, não precisei ao menos perguntar.
- Eu sou a melhor para você!
Como previsto. Pobre Ava. Ela realmente pensava isso? Quero dizer, do fundo de seu coração, era nisso que acreditava?
- Eu faço de tudo por você, !
E era daquele momento que eu precisava para colocar meu plano em prática. Tirei meu corpo sobre o da garota e me sentei na cama, pegando minha calça no chão e procurando pelo meu celular. Eu sabia exatamente o que ela falaria – graças à minha facilidade por traduzir suas feições e prever suas ações. E eu sabia exatamente o que eu faria.
Ava engatinhou até minha direção e abraçou meus ombros, apoiando o rosto em minhas costas.
- O que você já fez por mim, Caldwell?
A garota bufou antes de responder.
- Tudo que fiz com foi por você! - disse com ódio. - Claro que eu queria acabar com a vida dela, mas isso seria uma conseqüência! Eu queria que você visse o que eu era capaz, queria que visse o quão melhor e mais interessante eu sou! Muito mais do que aquela palerma quase morta da !
Suspirei tediosamente com todas aquelas informações. Não acreditava que Ava realmente me impressionaria com todas suas ações do ano passado. Se tivesse feito com qualquer outra pessoa, quem sabe... Mas Caldwell havia se metido com a pessoa errada.
- Foi tudo tão fácil! - ela continuou com um risinho irônico. - Tão fácil enganar ... Se eu pensava que era uma mosca morta, imagina ! Ele tinha tanto ciúme do relacionamento de e Aaron que acreditou cegamente que os dois estavam tendo um caso... Tão bobinho...
Realmente. Eu jamais sentira ciúmes de com Aaron, justamente por saber que eles eram melhores amigos... Bem como eu e éramos antes de... Bom, tanto fazia.
Olhei de relance para meu celular, verificando se o mesmo gravava cada palavra que saia da boca da loira. Ela sim era bobinha por nem ao menos perceber.
- Se você queria apenas separá-la de , por que precisou fazer aquele escândalo com o diretor Spancer? Era necessário fazer ser expulsa do colégio?
- Claro que era! Eu queria aquela vadia fora do meu caminho! - a palavra vadia fez meu sangue borbulhar. Novamente: quem ela pensava que era? - E não consegui só expulsá-la do colégio. Expulsei-a do país! Vamos lá, admita que fui sensacional!
Pobre Ava. Ela realmente se achava sensacional? Sensacional por ter feito ser humilhada diante de todo o Drayton, ser expulsa de casa e do colégio e ser presa? Nunca quis tanto machucar Ava quanto naquele momento.
- Quer saber o que eu acho, Caldwell? - perguntei calmamente. A garota concordou com a cabeça. - Eu acho que você é patética.
A respiração de Ava se perdeu por alguns segundos. Sua expressão de choque naquele momento com certeza era hilária.
- Pa-té-ti-ca. - repeti lentamente. - Acha mesmo que iria me impressionar com aquele showzinho? Me fez sentir ódio de você. E acima de tudo: pena. Precisar acabar com a vida de uma pessoa por inveja?
- Eu não fiz isso por inveja! - a loira tentou se defender, desencostando-se de mim.
- Oh, me poupe de teatrinho, Caldwell! Você morre de inveja de . Só porque ela é tudo o que você jamais vai ser. Inveja por ela ser amada pelos amigos sem fazer nada, enquanto você sempre queria chamar a atenção para si de modos ridículos! Mimada!
- Não vou mais escutar isso! - se levantou da cama e começou a pegar as roupas espalhadas pelo chão.
- Enquanto tinha apaixonado por ela, Aaron – seu próprio namorado – apaixonado por ela, e eu apaixonado por ela. Ao invés de você tentar mostrar... Não sei, talvez alguma qualidade que você pudesse ter, você quis acabar com a vida de uma pessoa! Acha mesmo isso impressionante? Isso é patético!
- Cale a boca! - Ava lançou um sapato em minha direção, e eu por sorte desviei. Aquela situação toda estava cada vez mais engraçada.
- Você. É. Patética.
E no momento seguinte, pela segunda vez em algumas horas, a mão de Ava se encontrou com meu rosto em um estalo. E daquela vez, o ato me irritou profundamente.
- Você me paga, ! - gritou.
Joguei o celular na cama e puxei seus braços com fúria, fazendo seu corpo colidir fortemente contra o meu. Apertava com furor os seus pulsos, rezando para machucá-los.
- Quem você pensa que é? - fiz a pergunta que tanto martelava minha cabeça, sacudindo a garota algumas vezes e fazendo uma expressão assustada aparecer em seu rosto. - Ou melhor, se esqueceu de quem sou eu? E do que eu posso fazer com você? Acha que não sei de todos os seus segredos podres? Como por exemplo, o seu caso sujo com o diretor Spancer?
A expressão de Ava variou entre choque e medo.
- Como você sabe disso? - perguntou desesperada, fazendo-me rir com prazer.
- Acha mesmo que eu acreditei tão facilmente no teatro que vocês dois fizeram para expulsar ? Quem acreditaria tão facilmente em você, dizendo que contrabandeava drogas na escola sem nem ao menos ter provas, se não fosse alguém que estivesse te comendo?
Ava tentava se soltar das minhas mãos inutilmente, e eu apertava ainda mais seus pulsos a cada tentativa.
- Eu tinha provas! - Caldwell gritou furiosa, debatendo-se contra mim.
- Provas que só você tinha, só você viu. Provas que você implantou no armário de . Vamos lá Ava, pare logo com esse teatrinho, que já está acabando com a pouca paciência que me resta!
Soltei-a de repente, e a garota cambaleou algumas vezes, apoiando-se na sua cama para não cair no chão.
- Da próxima vez, lembre-se bem do que eu sou capaz de fazer antes de me ameaçar, Caldwell. Agora saia desse quarto. - falei com fúria, vendo a garota se reerguer e lançar um olhar furioso em minha direção. - SAIA!
Sem pensar duas vezes, Ava correu cambaleante para fora do quarto, fechando a porta com toda sua força.
Passei a mão pelos cabelos nervosamente, tentando espantar aquela raiva de mim. Não eram para as coisas terem saído daquela maneira, apesar de ter sido tudo perfeito. Era para apenas Ava sair irritada daquela história. Agora eu exalava furor por todos os poros.
Peguei meu celular jogado na cama e finalizei a gravação de voz, mandando uma mensagem em seguida.
‘Me encontre no primeiro quarto do corredor do segundo andar. Tenho o que você precisa. Xx, .’
Deitei-me, nem ao menos fazendo questão de vestir minhas roupas. Não era como se nunca tivesse visto o que estava prestes a ver ao entrar naquele quarto. E eu queria que ela tirasse toda aquela tensão de mim, de uma maneira que apenas ela sabia como.
Após alguns longos minutos e dois cigarros, apareceu no quarto com uma taça de champanhe na mão, a qual deixou cair no chão assim que me viu nu deitado na cama.
- Por que você está pelado? - ela gritou, tampando os olhos em seguida e me fazendo rir. Típico de tal ação.
- Sem brincadeiras, venha aqui - resmunguei ainda contrariado, mas vendo minha ira extravasar aos poucos, à medida que sorria marotamente.
Deitou-se de bruços na cama, apoiando o rosto com os braços e me encarando de maneira angelical. Aproximei-me de seu rosto.
- Então... O que é que eu preciso? - perguntou sugestiva e ao sentir o cheiro de álcool vindo de sua boca, descobri o porquê de toda aquela afobação. não era tão soltinha daquela maneira usualmente.
De qualquer maneira, gostei de seus olhares sugestivos e sorrisos devassos.
Resolvi aproveitar da situação e puxei seu corpo para mais perto do meu, fazendo com que suas pernas ficassem entrelaçadas às minhas.
Tateei a cama até achar meu celular e procurei pela gravação. Coloquei para tocar e passei a admirar com diversão as diferentes expressões – de choque à diversão – que apareciam em seu rosto ao longo que as palavras venenosas de Ava eram ouvidas.
- ... Você é genial! - exclamou ao final da gravação e me surpreendeu ao colar seus lábios com furor contra os meus. Não hesitei e aproveitei para segurar firmemente sua cintura e a puxar por completo para cima de mim. As mãos de arranhavam minha nuca e ombros, enquanto as minhas deslizavam por suas costas.
Diferentemente de Ava, apenas com tal ato, conseguiu me excitar. Nem ao menos precisava se insinuar sensualmente ou fazer caras e bocas. Não precisava nem me tocar. Apenas o atrito de nossos lábios me fazia desejá-la loucamente.
Mordeu meu lábio inferior antes de separar nossas bocas e colou nossas testas, encarando-me profundamente. Eu sabia que era tão boa quanto eu em ler olhares e expressões, e eu sabia o que via em mim: um cara patético que tentava de todos os modos esconder a paixão que tinha por ela. Eu poderia ser cínico o tanto que fosse, mas isso eu não conseguia esconder.
Mas eu também via o que seus olhos transmitiam. E era o contrario de tudo que Ava dizia, e contrario a tudo o que a própria se permitia a admitir. Ela podia ter sentimentos por , mas os que sentiam por mim eram diferentes. Eu sabia que em cada ofensa, cada agressão, e cada vez que dizia não sentir nada por mim, ela queria dizer o contrario. Talvez até inconscientemente. Mas aquele olhar, daquele momento... Ele mostrava a que eu costumava conhecer a cinco anos atrás. A minha companheira, minha melhor amiga, meu primeiro amor. A que me transformou para algo ruim, mas que tinha total poder de me transformar em algo bom novamente.
Por um momento, também voltei a ser o de cinco anos atrás. Sem malicias, sem maldades, sem cinismos.
Toquei o rosto de com sutileza e coloquei mechas de seu cabelo para trás da orelha para que pudesse admirá-la com mais clareza. Ela fechou os olhos por alguns instantes antes de voltar a me encarar.
- Então é verdade? - sibilou calmamente, também começando a acariciar meu rosto. Respirei fundo, sentindo o oxigênio rasgar cada tecido por onde passava. Senti meu estômago dar voltas e voltas com seu toque delicado. Tive medo de abrir a boca, gaguejar e estragar aquele momento. gaguejando seria tão... Não- .
- O que? - limitei-me a dizer.
riu levemente e passou a ponta dos por meus lábios. E depois por meu nariz. Por meus olhos. Sobrancelhas. Desceu pelas bochechas.
- Que você é apaixonado por mim... - ela respondeu tão baixinho que por pouco não consegui ouvir. Sua voz era doce... Calma... Serena...
Cada parte do meu corpo se congelou. O que eu diria? Eu havia admitido na gravação – sem ao menos lembrar na hora que minha voz estava sendo gravada, senão com certeza não teria dito aquilo –, eu não poderia negar agora. Apenas dizer em voz alta – já que estava cansada de saber que sim, eu era apaixonado por ela – mostraria um sinal de fraqueza? Ser apaixonado era um sinal de covardia?
parara com seus carinhos e passara a me encarar com ainda mais profundidade. Pela proximidade de nossos rostos, senti sua respiração falhar algumas vezes.
Segurei seu rosto delicado entre as mãos com cuidado e vi aflorar um lado em mim que estava adormecido por muito tempo: , o romântico incurável.
- Eu sou louco por você, .
Pronto, estava feito. Se fosse fraqueza ou covardia, que se danasse. Eu precisava tirar aquele peso das minhas costas.
Pra que continuar jogando aquele interminável, cansativo e inútil jogo de sedução, sendo que o que eu mais queria era justamente aquilo: simplicidade e sinceridade entre nós dois.
Se fosse pra ser vulnerável, amável e tudo aquilo que eu costumava ser num passado remoto, que fosse tendo daquela maneira: doce, frágil e minha.
Um sorriso, o mais maravilhoso que eu já vira, abriu-se naqueles lábios que eu almejava sempre, fosse em sonho ou em realidade.
saiu de cima de mim e se deitou ao meu lado, aconchegando-se em meu peito. E dessa vez, ao contrario de Ava, eu tive o maior prazer em envolvê-la com meus braços, apertando-a tão forte contra meu corpo que seria até possível fundi-la a mim.
Encaramo-nos sossegados por alguns segundos, até sorrir marota e chegar os lábios perto de meu ouvido.
- Quer saber? Eu também sou meio que obcecada por você - ela disse num sussurro, fazendo-me rir e pôr meu corpo por cima do seu, beijando-a com um misto de calma e ferocidade.
Aquilo era tudo o que eu precisávamos para, quem sabe, voltarmos a ser quem éramos.
Half of My Heart's Got You
Assim que deixei a casa de , meu coração ainda batia forte. Aquele fora o momento mais especial da minha vida. Depois daquele beijo, a certeza de que eu estava completamente apaixonada era absoluta. Seus olhos não saíam da minha mente, e o gosto de sua boca não desaparecia. Não queria ter ido embora; por mim, ficaria com ele pelo resto do dia. Mas ao me chamar, Bridget parecia séria. E quando entramos no carro, dissera que mamãe queria conversar comigo, e que seu de voz não parecia dos mais amigáveis. Mas eu tinha certeza que, o que quer que a deixara com raiva, extravasaria no momento em que eu contasse que estava com . Quer dizer, eu não sabia se continuaríamos juntos, mas aquele era meu maior desejo.
Com em minha mente durante o trajeto até nossa casa, assim que pisei no apartamento, Janette nos aguardava no saguão.
- Para o seu quarto, Bridget. - a mais velha ordenou imediatamente, mantendo seu olhar fixo e severo sobre mim.
- Mãe, a senhora não vai acreditar no que aconteceu hoje! - comecei alegremente, vendo-a me calar com um aceno de mão.
- Eu sei muito bem o que aconteceu hoje, ... - falou, com um tom ríspido e rude, começando a andar de um lado para o outro. O barulho que os saltos de seus sapatos faziam contra o mármore deixava aquela cena ainda mais torturante. - Seu amigo , aquele pedaço de trapo, veio até a nossa casa... – Congelei. estivera ali? O que queria? – Ele entregou-me uma carta endereçada a você... – Janette mostrou uma carta em suas mãos, a qual estava aberta. Ela lera uma carta que fora endereçada à mim? Abriu a carta e colocou os óculos sobre o nariz. - ‘Querida , espero que já tenha falado com você, e que sua reação tenha sido positiva. Nunca gostei de alguém como gosto de você. Nunca os olhos de alguém me encantaram tanto quanto os seus me encantam. Nunca o sorriso de alguém me fizera tão feliz... Quero tanto ter você para mim... Espero que sinta o mesmo. Passarei em sua casa em breve para saber a sua resposta... Com amor, ’.
Ao terminar de ler com frieza, a expressão de nojo estava estampada em sua face. E a que continha na minha era de choque. Eu gostava de , mas não daquela mesma maneira... Nossa relação não passava de amizade, e eu havia deixado claro para .
Mas aquelas expressões de Janette estavam me irritando. Todo aquele ódio por era por qual motivo? Por ele ter menos dinheiro que nós? E, novamente, toda aquela picuinha econômica voltava a me assombrar.
- O que significa isso, ? - ela perguntou ameaçadoramente.
- Uma declaração de amor, não leu? - rebati, aumentando a fúria de minha mãe.
- Se você ficar com esse garoto...
- O que mãe? O que a senhora vai fazer? Me expulsar de casa? - a instiguei, vendo meu tom de voz se exaltar. Ela tinha absolutamente nada a ver com quem eu me apaixonava ou deixava de apaixonar. não era por quem meu coração batia, mas aquela discussão havia me alterado de tal maneira, que eu pensava em coisas completamente irracionais apenas para enfurecer a minha mãe.
- Ele é pobre, ! Pobre! - Janette gritou furiosa, quase arrancando os cabelos loiros da cabeça. - O que vão pensar de você? Que futuro você terá com esse garoto? Ele não pode te trazer nada de bom!
- Você realmente acha que amor e dinheiro estão interligados? Acha que serei feliz apenas se namorar alguém rico? - perguntei, incrédula com as palavras de minha mãe. Não era possível que alguém conseguia ser tão cega e hipócrita.
- Não é questão de felicidade! É questão de comodidade, de ter uma vida boa! - rebateu, ainda mais furiosa.
Ri sarcástica e nervosamente. Aquela fora a gota d’água. Então, eu somente teria uma boa vida – na mente de Janette, isso provavelmente significava ter uma vida luxuosa e cara – se eu me envolvesse com alguém poderoso... Preferia ficar sozinha para sempre a pensar daquela maneira.
- É por isso que papai te deixou... - meu tom de voz abaixou. O olhar da minha mãe passou de furioso para chocado, e depois para furioso novamente. - E é por isso que você continua, e sempre vai continuar sozinha. O que as pessoas pensam sobre isso, mamãe?
No segundo seguinte, sua mão estralara em meu rosto, e senti a região arder com fervor.
- Experimente ficar com esse garoto, que...
- Nós já estamos juntos, mãe. E quero ver a senhora tentar alguma coisa contra isso. - falei ameaçadoramente, subindo as escadas e deixando-a com a pior das expressões.
Quando me joguei na cama, um bolo de nós se formara em minha garganta e tive uma vontade horrível de gritar. Eu não acreditava no que havia acabado de fazer. Dissera a Janette que estava namorando , por um impulso fulminante e incontrolável. Minha raiva era tamanha que, no momento, o que me parecia mais certo era enfrentar minha mãe. E não havia maneira melhor para guerrear do que fazer de tudo para enfraquecer seu inimigo. Eu sabia que namorar causaria a maior discórdia entre Janette e eu.
Mas... E ? Era ele que eu amava, era com ele que queria ficar. Valeria a penar deixar o amor por uma simples vingança?
Eu não era assim. Eu não deixaria algo tão banal entrar no caminho da minha felicidade, ou senão me tornaria tão medíocre quanto as pessoas que eu desprezava.
O amor era maior que o dinheiro e a vingança juntos.
Desmentiria o que acabara de falar à Janette no dia seguinte.
*
No minuto em que abri os olhos na manhã consecutiva, meu primeiro pensamento foi o de tomar providências. Desci imediatamente a escada, a fim de abordar minha mãe no café da manhã, humildemente pedir desculpas e desmentir tudo sobre .
No entanto, uma onda elétrica de choque percorreu cada célula do meu corpo ao ver sentado na mesa do café conversando com Janette. O que significava aquilo?
Eu não sabia o que fazer. Meu desejo mais profundo era o de voltar para meu quarto, trancá-lo e não sair de lá até que aquele dia acabasse. Mas antes que pudesse o fazer, Janette avistou-me e se levantou imediatamente para vir ao meu encontro.
- Você estava certa. Não quero que fique sozinha como eu... - ela disse com simplicidade, depositando um beijo sobre minha testa. - Aprenderei a gostar do garoto. Já conversamos, e ele parece ser bom e completamente apaixonado por você... Acho que é isso o que realmente importa afinal de contas...
Janette foi para outra sala, deixando-me sozinha com naquele cômodo. Seu sorriso era enorme e radiante, e ele também se levantou para vir em minha direção.
Quando estávamos a milímetros de distancia, seus lábios tocaram os meus com sutileza e, rezei veemente para que pudesse sentir alguma coisa e tornar toda aquela situação menos teatral e com, pelo menos, um pingo de verdade.
Mas como eu já previa, nada senti. Nenhuma agitação no estômago. Nenhum suadouro na mão. Minha mente não girava, meu coração não palpitava.
me abraçou e sibilou: ‘Estou tão feliz’.
Naquele instante, uma lágrima se desprendeu dos meus olhos. E tudo o que veio em minha mente foi a imagem do sorriso de .
Eu não sabia mais o que fazer.
Por algum motivo, meus olhos se abriram devagar. Ao sentir um misto de Euphoria e álcool, eu sabia que não queria ter acordado. A sensação da minha pele ao contato da garota de costas a mim era esplêndida. Meus braços envolviam sua cintura, e minhas mãos estavam entrelaçadas às suas.
Cheguei meu rosto mais perto de seu pescoço e inspirei o cheiro de seu Calvin Klein profundamente, depositando beijos na região nua em seguida.
Eu estava oficialmente apaixonado por e nem se eu quisesse conseguiria esconder. Era uma sensação de liberdade incondicional poder admitir que era louco por ela. Estava feliz como nunca estive por um bom tempo.
De todas as mulheres que tive, nenhuma se comparava a ela. Todas eram tampões de diferentes tamanhos, tampões que nunca se enquadravam ao buraco contido em meu peito. Eram tentativas frustradas de me fazer esquecer ou pensar um pouco menos naquela que tinha o encaixe perfeito para aquele vazio dentro de mim.
E agora eu estava completo. Não faltava mais nada.
A máscara que se tornara parte de mim havia caído, levando junto todo o cinismo, a amargura e a infelicidade. Eu estava desacorrentado de mim mesmo, estava livre para ser quem quisesse: alguém melhor perto de .
Ao continuar beijando sua pele delicada, a garota mexeu-se algumas vezes e finalmente se virou. Os olhos borrados de maquiagem continuavam lindos.
- Bom dia... - disse num sussurro, com um sorriso singelo armado nos lábios. Eu imaginei se todas as vezes que eu acordasse com ela, aquele simples sorriso iria causar todo esse estardalhaço dentro de mim.
Eu tinha me esquecido da sensação de encarar os olhos sinceros de . Mas no momento em que vi aquele velho brilho ser implantado neles, recordei-me imediatamente. E era como se nunca estivéssemos separados.
Eu gostei de , jamais negaria isso. Mas o amor que ele conquistara fora pela convivência, pela amizade e comodidade. Em contrapartida, o que sentia por era fulminante, feroz, chegando a ser agressivo.
As vezes em que eu nunca sabia explicar o que ele me causava, parecia claro naquele momento. Era o amor que sentia por ele, que estava tão esquecido e tão preso a milhares de chaves, que me causava todas aquelas confusões.
Eu o amava. Sim, tinha certeza. Todas as vezes em que aquelas palavras foram ditas à pessoa errada, eu sabia que deviam ter sido ditas à outra. À pessoa diante de mim, acariciando meu rosto e me encarando com a maior ternura possível.
Agora não tinha vergonha ou receio em admitir o quão lindo ele era. O quão bom era beijá-lo, ter suas mãos vagando por meu corpo, e o quão magnífico era fazer amor com ele.
acalmou a tempestade em minha alma.
Eu não pensava em vingança, queria apenas provar minha inocência. Deixaria Ava em paz – e furiosa – e tocaria minha vida. Com . Nada era mais certo do que isso.
Conversamos por alguns minutos – e em outros ficávamos apenas nos admirando – e resolvemos descer para o café da manhã, aproveitando o último dia do feriado improvisado na casa de campo de . Chegamos à conclusão que era melhor mantermo-nos afastados por aquele dia, apenas até que meus assuntos pendentes com estivessem resolvidos.
O dia se arrastou com uma lentidão torturante. Tudo que eu queria era ficar perto de , mas nos contentávamos em nos encarar e rir ao lembrar de nossa cumplicidade. De tempos em tempos, passávamos um do lado do outro e esbarrávamos nossas mãos propositalmente, numa vontade incessante de entrelaçá-las. Mas toda aquela tortura acabaria em breve, eu sabia disso.
Quando a lua ocupou o lugar do sol e tochas iluminavam toda a área da piscina, procurei por . Puxei-o pela mão até o jardim, onde árvores poderiam nos esconder.
Prensei-o contra uma e não tardei a beijá-lo com fúria, extravasando a vontade louca que eu estava de tê-lo pra mim o mais rápido possível. Ele pareceu gostar, já que mordia meu lábio inferior de tempos em tempos e apertava minha cintura com fervor.
- Não aguento te ver de longe e não poder fazer nada... - disse num suspiro, voltando a colar nossos lábios com fúria e se virar, prensando-me contra a árvore. Suas mãos agora passeavam pela minha barriga debaixo da blusa e eu o puxava pela cintura, tentando fazer com que nossos corpos ficassem ainda mais colados.
- Graças a Deus você está dormindo no mesmo quarto que eu... - confessei, excitando-me só de pensar em como seria à noite quando tudo estivesse acabado. pareceu ter a mesma reação, já que quando apertou seu corpo contra mim, senti um volume avantajado em sua calça.
Afastei-o com carinho, sabendo que se continuássemos daquele jeito estaríamos sem roupas em cinco segundos, e dei um tempo para que pudéssemos recuperar a respiração.
- Quero acabar com essa história... - comecei ofegante, ainda tentando recuperar o fôlego. - Está com a gravação?
concordou um pouco vacilante.
Tirou o celular do bolso traseiro da calça e hesitou por alguns segundos antes de me entregar.
- Isso é apenas por vingança, não é? - ele perguntou, com um olhar confuso.
- Claro que sim... - respondi confiante, querendo que ele se sentisse da mesma maneira que eu.
- Só isso? - reforçou.
- O que você está querendo dizer?
Ele hesitou novamente, tirando seus olhos do meu e olhando ao longe.
- Você não está me usando só para ter de volta, está?
Não acreditei no que ele perguntara, a princípio. Ava conseguira envenenar sua cabeça?
Mas depois pensei um pouco mais. Ele tinha toda razão por se sentir inseguro. Tantas foram as vezes que eu escolhi equivocadamente ao invés dele...
Segurei seu rosto entre minhas mãos, não lhe dando opção a não ser me encarar nos olhos. Eu queria que ele olhasse profundamente e visse a verdade por trás deles.
- Não quero de volta, . - falei com segurança. - Quero você. Eu sempre quis você. Só não sabia disso, mas agora sei! É com você que quero ficar.
Um sorriso sutil surgiu em seus lábios. Não resisti e os juntei aos meus. Nunca tive tanta certeza de algo em minha vida.
- Agora me deixe ir...
Soltei seu rosto e saí de trás da árvore com o celular de nas mãos. Antes que eu pudesse dar mais um passo, o garoto puxou-me pelo braço e me beijou uma última vez, entorpecendo-me.
- Quero que isso acabe de uma vez. - ele confessou.
Sorri e dei as costas, indo em direção a e dando um jeito de realizar o desejo mais profundo meu e de .
Acompanhei com os olhos, vendo-a trançar-se pelas árvores e desaparecer segundos depois. Tudo acabaria em minutos, eu não poderia estar mais feliz.
Após alguns instantes,também saí dali e fui direto ao bar, adiantando minha comemoração. Depois de um copo de uísque, avistei ao longe com e fui de encontro a eles.
- Viu ? - não resisti e perguntei à . A garota contou que ela passara por ali minutos atrás com e eles desceram pelo campo de futebol. O olhar de era de pena. Ela provavelmente pensava que eu sofreria ao escutar tal sentença, mas ela claramente não sabia de tudo o que estava acontecendo.
Uma vontade de ir até e e ver o que estava acontecendo me abateu. Mas eu não a seguiria. resolveria a situação por si só e me contaria depois.
Roubei outro copo de uísque de um garçom e tomei toda a bebida em um segundo, tentando acalmar a ansiedade dentro de mim. Queria ver o que dizia a , mas tinha que confiar nela. Eu confiava.
Afinal, o que poderia acontecer?
Fui até o campo de futebol em passos largos, vendo e um pouco mais embaixo. já havia colocado a gravação para tocar, e escutava tudo com uma expressão de choque. Ele provavelmente se arrependia e se crucificava por todas as coisas horríveis que dissera a . E eu esperava que ela nunca se esquecesse daquelas palavras pesadas e injustas.
Enquanto a julgava, apedrejava-a e a acusava cegamente, eu nunca duvidei de sua inocência. E mesmo se realmente fosse culpada de tudo, creio que pouco me importaria. jamais aceitara tal idéia. Talvez nem eu mesmo aceitasse. Mas eu sabia que, inconscientemente, ela me teria a qualquer hora que quisesse, e isso me assustava.
- Meu Deus... - exclamou ao terminar de escutar a voz – agora muito irritante – de Ava. Eu queria socá-lo por ter sido tão idiota. Queria esmurrá-lo por tê-la magoado e caído tão facilmente na lábia de Caldwell. Ele era um idiota. E agora provavelmente se jogaria nos pés de , e se ele realmente o fizesse, eu o mataria. - Oh meu Deus... - repetiu.
Vi meu amigo começar a chorar e desarrumar os cabelos nervosamente, provavelmente se xingando por dentro. se mantinha calma e firme, olhando para os pés. Eu queria estar com ela, segurando sua mão e lembrando-a que estava e sempre estive ali.
De repente estava com os braços ao redor de , abraçando-a e chorando em seu ombro.
- Me desculpa, me desculpa... - dizia entre soluços. - Pelo amor de Deus, me desculpa...
Nunca tive tanta vontade de estrangulá-lo. Ele se faria de vítima? Na hora de xingá-la para mim de todos os nomes possíveis e impossíveis depois que se foi, era fácil. Agora ele acha que simplesmente poderia abraçá-la, chorar que nem um bebê e tudo ficaria bem?
segurou o rosto de entre as mãos e eu me segurei para não descer e acabar com todos os dentes de sua boca. Solte ela, filho da puta...
- Eu nunca imaginei, eu... Eu estava cego de ódio, nunca deixei você se explicar... Como pude ser tão estúpido?
não o encarava, e eu daria tudo para poder ler seus pensamentos.
Será que... Será que sua paixão por reacenderia? Será que ela sentiria misericórdia dele, o perdoaria e voltaria para ele?
No final das contas, estaria Ava certa? realmente me jogaria fora após ter o que queria?
Não. Não era possível. A própria me dissera. Ela não mentiria, não olhando nos meus olhos. Ela me amava. Eu sabia e ela sabia. a perdera e não podia fazer nada.
- Eu te perdôo... - a voz de soou doce, e ela finalmente olhou para o garoto. Senti meu punho se fechar instintivamente, deixando uma raiva jamais sentida antes ferver meu sangue e borbulhar em meu cérebro. Solte ela...
tirou as mãos de sutilmente de seu rosto, fazendo-me finalmente respirar. Meu coração palpitava e o ódio me consumia.
entrelaçou suas mãos, e prendi minha respiração. Estava no limite. Sabia que meus dentes poderiam se quebrar a qualquer momento, tamanha era a força em que eu os rangia.
Eu queria pigarrear, queria que eles notassem minha presença, e aquele assunto finalmente estaria acabado. Mas não conseguia mover um músculo. Todos estavam congelados, e por mais que eu mandasse impulsos para mexê-los, não obtinha resposta.
levou uma de suas mãos novamente ao rosto de . Minha respiração acelerou. Por mais que eu inspirasse, o ar parecia não suprir meus pulmões.
E então, o que eu mais temia. a beijou.
Um ódio enorme.
Uma ira imensurável.
Eu não conseguia pensar.
Minha cabeça girava.
Minha visão estava ficando embaçada.
Seria o álcool?
Seria a raiva nunca sentida antes que estava me inebriando?
Eu queria gritar.
Eu queria quebrar o pescoço de .
... Era tudo o que ela queria.
Eu finalmente havia realizado. Era isso que ela queria. .
Eu havia sido seu brinquedo, sua arma.
Enfim, Ava tinha razão.
Saí dali. Não queria pensar em nada. Eu queria quebrar todos os enfeites da casa, esmurrar a primeira parede que visse. Queria que o mundo acabasse e levasse para o inferno.
Mas antes, eu teria um coma alcoólico.
How You Remind Me
No momento em que senti os lábios de se prensarem contra os meus, ao contrário do que imaginava, nada senti.
Havia idealizado aquele momento por tantos meses que, agora, não fazia sentido.
Nossos lábios não pareciam se encaixar perfeitamente. Eu não senti nenhuma movimentação dentro de mim. Nenhuma palpitação, agitação. Nada de mãos suado, coração batendo rápido, respiração falhando...
A única imagem que veio em minha cabeça fora a de . Seus olhos e seus lábios que me completavam.
Afastei de imediato, e reparei em seus olhos confusos.
Respirei, jogando a franja para trás, tentando me acalmar. Agora havia alguma agitação dentro de mim.
- Me desculpa, eu... Eu estou confusa.
A verdade era que não havia confusão alguma. Eu finalmente sabia o que queria.
- Mas... Não era o que você queria? – o garoto me perguntou atordoado.
Aquilo era o que eu pensava que queria. O tempo todo me enganando, tentando cegar-me diante da presença de , e o quanto ele significava pra mim. Eu só não queria ver o que estava bem em minha frente, por medo de admitir que era apaixonada por e ver o novo eu do garoto me magoar. Eu não podia me dar àquele luxo.
E também tinha a doce vingança. Que me cegara de tal modo que me incapacitou de ver a verdade, de escutar meu coração. A vingança, no fim das contas, era um prato que se comia frio.
Naquele momento, lembrei-me do caminho que me levou até ali.
E se eu nunca tivesse inventado que namorava ? Será que e eu estaríamos juntos? Será que seríamos um daqueles casais que eu tanto suspirava ao ver em um romance?
Com certeza nossas vidas estariam menos complicadas. Ava poderia ter tentado nos separar, mas eu tinha minhas dúvidas de que conseguiria. Eu não teria me mudado para a Alemanha. Não teria sido expulsa de casa. Poderia ter minha banda com . Viajaríamos o mundo. Nós poderíamos estar felizes como nunca.
Como eu fui parar ali, naquela confusão? Tantas pessoas e tantos corações partidos... Tudo por um erro do passado?
Depois do escândalo com Aaron, de Ava me humilhar publicamente, fazer com que meu namorado pensasse que eu era uma prostituta e ter todos os olhares da Drayton direcionados a mim, eu não sabia o que fazer. Estava desesperada. Perambulava pelas ruas pensando em uma solução, em um meio de ver como aquilo era absurdo.
Eu jamais ficara com Aaron. Ele era meu melhor amigo, minha válvula de escape. Como ele podia acreditar nas palavras cruéis de Caldwell?
Eu ligava desesperada, mas a Sra. inventava uma desculpa para não colocá-lo na linha. Batia em sua porta, e nunca o encontrava. parecia estar não indo mais à escola. Talvez tudo aquilo também fosse humilhante para ele.
me dizia para dar tempo ao tempo, mas eu não conseguia mais esperar.
Eu não aguentava mais os olhares.
Mas minha mãe insistia que eu devia continuar indo ao colégio e enfrentando aquilo como adulta. Eu não era adulta. Eu não queria ser, queria simplesmente fugir.
Quando resolvi agir, coagi Ava no corredor em um intervalo entre aulas. Eu precisava saber o por quê. Ela achava que eu estava tendo um caso com Aaron?
- Você sabe que eu não fiquei com Aaron!
Foi a primeira coisa que pensei e disse. A loira fechou seu armário, que era ao lado do meu, e olhou tediosamente para os lados. Completamente cínica.
- Você é tão boba, ... Tão inocente... – ela rebateu, medindo-me dos pés à cabeça. Colocou as mãos na cintura e me encarou. Nunca havia visto tal expressão. Era um misto de fúria, tédio e diversão. Era uma pessoa que eu jamais conheci. – É claro que você não ficou com Aaron...
Foi como um tapa estralado em minha face. Então ela tinha certeza. Então não era uma desconfiança. O que era tudo aquilo?
A garota pareceu perceber meu choque e bufou antes de soltar uma risada irônica.
- Oh , você me cansa! – disse com diversão, aproximando-se. – Essa sua cara de anja, como se fosse a pessoa mais pura desse mundo! Deixe de ser falsa!
Ava gritava, e me deixava confusa. Eu não era pura. Não era falsa! O que diabos isso significava?
- Eu queria que todos vissem o quão suja você é. Que de pura e de inocente, não tem nada, que é uma verdadeira vadia!
- Do que está falando? Eu jamais fiquei com Aaron, por que está me chamando de vadia?
Eu já tinha o mesmo tom de Ava, e me segurava para manter o limite da paciência.
- Você ficou com ! Você transa com por todos os lugares e quer que eu não a chame de vadia?
- O que você tem a ver com isso? Você é o que, Jesus para me julgar? - rebati, quase agarrando seus cabelos.
- Vadia. Vadia, vadia, vadia! – Ava gritava e, num impulso, dei-lhe um tapa tão forte que pude ver minha mão marcada em seu rosto.
A garota suspirou, mostrando o choque em sua face e segurando o local em que eu gentilmente toquei.
- Isso, . Liberte-se! Mostre quem você é!
- Cala essa boca! - ordenei, fechando as mãos em punhos e me controlando para não esmurrá-la.
Ava aproximou-se mais de mim, de modo que nossos rostos ficassem muito próximos.
- Eu vou te tirar do caminho, . Vou te tirar de uma vez por todas. Estou farta de você, de Aaron falando o tempo inteiro de você, de correndo atrás de você, de babando em cima de você! Tudo é você, você, VOCÊ! Pois você não vai ser ninguém depois que sair da minha vida e de todos dessa escola.
Eu não sabia do que ela estava falando. Estava tão absorta com suas palavras, com o veneno jorrado de seus lábios peçonhentos... Eu não sabia como uma pessoa podia ser como a Ava... Tão... Mesquinha, infantil, ridícula e medíocre. O que era aquilo, uma briguinha de terceira série?
Caldwell me empurrou e eu tropecei em meus próprios pés, caindo no chão. Por um momento, não sabia o que fazer. Estava tão contemplativa, tão chocada com aquelas palavras vindas da minha melhor amiga, que não conseguia mover.
Vi Ava pegar o cadeado do meu armário e girar a senha no mesmo. O que ela estava fazendo? Eu queria me levantar, porque cada movimento dela me assustava, e o pensamento sobre o que ela poderia fazer me assombrou.
A loira tirou um pequeno embrulho de dentro de seu casaco e sorriu. Um sorriso maléfico, que fez tudo dentro de mim se revirar, fez meus olhos formigarem e meu cérebro se congelar. O que ela estava segurando naquele embrulho?
A garota fez o que eu temia. Colocou o embrulho dentro do meu armário e, com um último sorriso e antes que eu pudesse mover um músculo, Ava gritou.
- Diretor Spancer, aqui!
Olhei para os lados e vi uma pessoa estendida no final do corredor, observando toda aquela cena com uma expressão de choque, ainda assim sem se mover. Calliope.
- O que pensa que está fazendo? - gritei, conseguindo finalmente me levantar e avançar no pescoço de Ava. Derrubei a garota no chão e minhas mãos começaram a socá-la por vontade própria. Eu sabia o que tinha naquele embrulho. Eu sabia o que Ava estava fazendo. Ela queria acabar com a minha vida.
Meu punho não se continha e dava murros em seu rosto perfeito.
- Por que você quer acabar com a minha vida? POR QUE, AVA? - eu soluçava, gritava, me desesperava, chorava. Como alguém podia ser tão má? Como alguém podia fazer isso com a melhor amiga?
- SOCORRO! DIRETOR SPANCER, SOCORRO! - ela gritava enquanto o sangue começava a escorrer por seus lábios.
No instante seguinte, senti-me sendo puxada e toda aquela cena parecia mover-se em câmera lenta. Meus braços sendo segurados por dois policiais, enquanto o diretor de cabelos ruivos vinha em direção da garota um tanto quanto ensanguentada e estatelada no chão. Ele a levantou, preocupado, e a garota apontou para meu armário. Sua expressão cínica se tornara em uma vitimada. Ela estava se fazendo de inocente, violentada, agredida.
O corredor estava abarrotado de pessoas. Murmúrios, sussurros, gritos. Todos muito piores do que os de antes. Mas eu não os enxergava. Tudo o que eu via era o teatro de Ava. Outro policial indo até meu armário e pegando o pacote que a garota havia implantado ali minutos antes.
- Cocaína, senhor.
Encarei o policial. Eu queria gritar e dizer que aquele pacote não era meu, que Ava tinha armado tudo. Mas som algum saía da minha garganta. Eu tentava, tentava e tentava, mas não conseguia. Tentei me desvencilhar das mãos dos policiais que me seguravam, mas só fui repreendida ainda mais. Eles apertavam meus braços com tanta força que poderiam arrancá-los.
- Então é você que anda traficando drogas na escola? Uma garota como você, ? Como foi capaz? – o diretor cuspiu aquelas palavras sem pudor algum. Tudo que eu conseguia fazer era negar com a cabeça, ainda sem emitir som. – Demorou um tempo, mas finalmente a pegamos...
- Ei, o que está acontecendo? - uma voz ecoou em meus pensamentos, e vi se desvencilhar do mar de pessoas e aparecer na minha frente. – EI, TIRE AS MÃOS DELA!
O garoto gritou com os policiais, e por mais que eu tentasse escapar, eu não tinha forças.
- Tirem-na daqui! – Spancer ordenou, sobre sussurros e murmúrios. Sussurros e murmúrios que machucavam meus ouvidos, que me machucavam como se me estapeassem.
- SOLTE-A! - gritou. Ele não podia fazer nada.
- Me soltem! - consegui dizer, gritando e me debatendo.
- SPANCER, FALE PARA SOLTAREM-NA! – o garoto gritava contra o diretor, e suas vozes pareciam cada vez mais distantes à medida que eu era arrastada por entre aquelas pessoas chocadas. Eu só conseguia ver Spancer negando, enquanto começava a correr em minha direção, com uma expressão tão desesperada quanto a minha.
- Não era meu, ... Não fui eu que... – gritei por entre lágrimas, ainda me debatendo inutilmente.
- Eu sei! Eu sei!
E então ele parou de correr quando os policiais abriram a porta do carro e me jogaram lá dentro.
- Eu preciso ir, ... – afãstei-me do garoto, deixando-o ainda mais atordoado. Eu não me importava. Minha consciência estava limpa, e eu nunca me senti tão leve, tão livre... Todo aquele peso fora tirado de cima de mim, e podia ver as coisas como eram. Podia escutar meu coração, agora que ele não estava cheio de raiva e vingança.
Sorri e depositei um beijo em sua bochecha antes de sair do gramado do campo. Eu queria ver só uma pessoa. Queria abraçá-lo na frente de todos, finalmente dizer que o amava. Queria fazer amor sem culpa. Queria simplesmente... fazer amor. Como nunca havíamos feito antes. Ou como havíamos feito pela primeira vez.
Mas eu não o via por ali... Era um amontoado de pessoas, eu me costurei por entre elas, com um sorriso estampado no rosto. Exalava felicidade por ter acabado aquilo, e queria para compartilhar aquele momento.
Foi aí que meu sorriso se desmanchou. Meus olhos ficaram vazios. Meus pés fincaram-se no chão.
estava mais à frente, perto do bar. Com um copo de uísque em uma mão, e a cintura de uma garota na outra.
Mas não era uma garota qualquer. Seus cabelos loiros e brilhantes pareciam ofuscar minha visão.
Seus lábios estavam colados e eles se beijavam fervorosamente.
Senti-me apunhalada. Literalmente.
Doeu. Algo doía dentro de mim, uma dor tão insuportável que não contive as lágrimas que brotaram imediatamente e caíram sem pedir permissão. Uma dor que consumia cada parte de mim, tortuosamente.
a soltou. Sua expressão era de ódio. A expressão dela era de prazer.
Ava sibilou algo e saiu dali, encontrando com meus olhos.
Ela sorriu de uma maneira que eu já vira antes. Aquele sorriso infernal.
Veio em minha direção, como se fosse em câmera lenta. Talvez meu cérebro estivesse deixando de trabalhar.
- Viu? Eu sempre consigo o que quero...
Suas palavras fizeram a dor aumentar. Eu estava desmoronando, e não sabia como me mantinha em pé.
Quando ela passou por mim, meus olhos voltaram para . Ele bebeu o líquido de seu copo em um gole e pegou outro que já o esperava de prontidão. Não tardou em bebê-lo.
E como usual, o olhar de foi atraído pelo meu.
Os olhos vermelhos, cerrados, e uma expressão que transbordava ódio. Um ódio que eu jamais vira antes.
E ele também veio em minha direção. Em câmera lenta. Suas mãos em punho, as narinas dilatadas, os lábios prensados, o cabelo desordenado, os quatro primeiros botões da camisa desabotoados.
Quando finalmente parou em minha frente, eu não conseguia conter o choro que desabava em minha face sem pudor, que me deixava completamente frágil e vulnerável.
Eu não sabia o que estava acontecendo. Por que ele estava beijando Ava?
- Pare de chorar...
Sua voz era rude, furiosa, seca. Seu hálito estava inebriado de álcool.
- , o que...
- PARE DE CHORAR!
Eu suspirei, assustada, amedrontada. O que tinha acontecido?
- Você... – ele parou por alguns instantes, cambaleando sobre os próprios pés, fazendo esforço para se manter firme. Apontou o dedo em meu rosto. – Você é o pior tipo de vadia que existe. Eu pensava que Ava era a rainha das vadias, mas ela não chega aos seus pés...
Eu nunca havia escutado aquele tom vindo dele. E isso fizera a dor se tornar insuportável. Por mais que eu dizer algo, falhava. Chorar era tudo o que conseguia fazer, e eu me martirizava por dentro.
- Eu falei pra parar de chorar! – ele gritou novamente, jogando o copo de vidro bem longe. Pude escutar o eco do vidro se quebrando, e de praxe, toda a atenção fora direcionada a nós. - COMO EU FUI ACREDITAR EM VOCÊ? – se descabelou, completamente fora de si. - MEU DEUS, COMO EU POSSO SER TÃO BURRO?
- , pare de gritar... – pedi num sussurro, sendo aquele o único som que consegui emitir. – Por que você está fazendo isso?
- POR QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO ISSO? ESSE DRAMA? ESSAS LÁGRIMAS? – o garoto começou a rir. – QUER QUE TODOS PENSEM QUE É BOAZINHA?
As palavras antes ditas por Ava nunca soaram tão cruéis. Eu queria que as lágrimas secassem.
Ele estava drogado, era isso? Ava o drogara! Era a única explicação para ter deixado daquela maneira!
- VOCÊ FAZ ESSA CARA DE SANTA... SÓ PRA CONSEGUIR O QUE QUER... – ele mal conseguia se manter em pé, apontando o dedo em minha face e me julgando por algo que eu não sabia ter feito. – E você consegue... Não consegue?
Ele parecia se acalmar, e então vi lágrimas rolarem de seus olhos vermelhos. Puxou os próprios cabelos enquanto sacudia a cabeça.
- Ei, o que está acontecendo? - saiu por entre as pessoas e a confusão já instalada em seu rosto aumentou ao ver naquele estado.
- , é melhor você sair... - disse sem encarar , ainda com as mãos entre os cabelos.
- Por que você estava gritando? – o outro quis saber, ignorando o aviso do amigo.
- , SAIA DAQUI!
estava aturdido, olhando para mim a fim de uma resposta, mas eu nada sabia dizer. estava descontrolado.
- VOCÊ É UMA VADIA, !
Fechei os olhos, pedindo que aquilo tudo não passasse de uma ilusão, de um pesadelo. Mas a voz de me trazia para a realidade.
- Vamos sair daqui, ele está bêbado...
Senti os braços de envolverem minha cintura e finalmente fazerem meus músculos se moverem, mas no mesmo instante senti sendo puxado e vi atingir-lhe em cheio a barriga.
- VOCÊ NÃO VAI A LUGAR ALGUM!
- O QUE VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FAZENDO? – vi gritar e aparecer com , e escutei todos aqueles sussurros e murmúrios voltarem a me atormentar.
- Ela também te enganou? - ignorou os amigos e se direcionou a , que tentava se recompor do murro que acabara de levar. – ELA TE ENGANOU PELA MILÉSIMA VEZ!
O garoto começou a rir, enquanto parecia ainda mais fora de si.
- , PARA! – eu consegui gritar, vendo o desespero me abraçar por completo.
- CALA A SUA BOCA!
Eu nunca o vira daquela maneira. Eu nunca vira ninguém daquela maneira.
Nunca senti tanto medo. estava me assustando de uma maneira terrível, e eu não conseguia reconhecer parte alguma daquele garoto que estava gritando na minha frente.
- Eu pensava que era burro, mas você, ... Você me supera... – ele dizia com um cinismo estrondoso, rindo na cara de . – Caiu DE NOVO na mentira dela! - apontava em minha direção.
se levantou, balançou a cabeça e veio até mim, puxando-me novamente para sair dali. Daquela vez, eu não conseguiria andar. Eu não sentia mais meu corpo, não sentia mais nada. Apenas as lágrimas que queimavam tudo por onde passavam.
- QUER SABER POR QUE ELA NUNCA TE FALOU SOBRE A VIRGINDADE DELA?
Meu corpo se congelou. Assim como o de ao meu lado, que parara de andar no mesmo instante.
- CALA ESSA BOCA, ! – gritei novamente, indo de encontro com o garoto e empurrando seu corpo com toda a força que tinha. Ele começou a rir, num misto de desespero e fúria.
- Quer saber?
Eu não queria mais ouvir. Não queria que ninguém mais ouvisse. Por que ele estava fazendo aquilo? Por que toda aquela raiva repentina?
E de repente, tudo fez sentido.
vira me beijando.
Era isso, não tinha outra razão!
Mas ele não vira que eu empurrara ?
De qualquer maneira, era tarde. Eu não podia mais ficar ali.
- Vamos sair daqui, !
Meu desespero era avassalador, consumia e corroia cada parte viva dentro de mim.
Puxei o braço do garoto, andando a passos largos, driblando as pessoas para fugir dali.
- ELA NUNCA TE FALOU NADA, PORQUE A PRIMEIRA VEZ DELA FOI COMIGO!
Fechei os olhos. Tudo aquilo tinha que ser um sonho. Não podia ser realidade, aquilo não podia estar acontecendo realmente.
- COMIGO, ! SEU MELHOR AMIGO!
O garoto ao meu lado parou de andar. Me olhou de cenho franzido. Soltei seu braço.
- Comigo... - riu. – Na minha festa de dezesseis anos. Com você no andar de baixo, pensando que ela estava no banheiro...
Em um segundo, não estava mais do meu lado. Ele e rolavam no chão, e esmurrava o rosto de , enquanto este ria.
- E é verdade, nunca te traiu com Aaron! - disse quando os punhos de estavam prontos para atingi-lo novamente. – Mas te traiu comigo! DURANTE ANOS E ANOS, ELA TE TRAIU COMIGO SEMPRE QUE VOCÊ VIRAVA AS COSTAS!
continuou a esmurrar o rosto de , que começava a cuspir sangue.
Aquilo era o inferno.
Sim, eu estava no inferno.
Não sabia se fugia. Não sabia se ficava e via meu corpo se desmoronar.
Estava tudo desabando sobre minha cabeça, e eu estava sendo soterrada pelo meu passado, por aquelas verdades, por aquela sujeira.
Vi puxar e gritar com os dois. tentava se desvencilhar dos braços dele, com uma feição de ódio igual à de . E tudo continuava a desmoronar. Eu estaria em pedaços a qualquer momento.
- POR QUE ESTÁ TÃO IRRITADO? - e não calava a boca. Por que ele não podia simplesmente calar a boca? ainda tentava sair dos braços de , enquanto cuspia sangue no chão.
- Você é como ela... – ele continuou, apontando para mim com desprezo. – Essa cara de santo... POR QUE SÃO TÃO FALSOS?
Seu tom agora era de desespero. As lágrimas que antes vi em seu rosto voltaram a rolar e ele se levantou com dificuldade.
- VOCÊ A ROUBOU DE MIM! VOCÊ SABIA QUE EU A AMAVA MAIS DO QUE TUDO, E MESMO ASSIM TEVE CORAGEM DE ME PEDIR PARA AJUDÁ-LO! PARA CONTAR A ELA QUE ESTAVA APAIXONADO! COMO TEVE CORAGEM?
chorava, soltando aquelas palavras com angústia, vendo parar de se debater. Eu sabia que aquelas palavras atingiram-no.
- Você sabia, ... VOCÊ SABIA!
E eu... Eu não sabia de mais nada.
Eu não sentia mais nada.
Minhas pernas cederam no minuto em que vi tudo girar.
Eu não suportava aquilo. Era demais.
E depois da minha respiração falhar, uma escuridão tomou conta do lugar.
Finalmente, tudo desapareceu.
War of My Life
Eu estava em frente à devida plataforma que me levaria à França. Eu apertava a bolsa contra meu corpo, numa tentativa de fazer tudo parar de doer. Meus olhos ardiam, minha cabeça doía... Todos ali me olhavam, reparavam no meu estado deplorável, nos soluços que saiam como grunhidos de dor, no delineador que escorria por toda minha face, juntamente com as lagrimas.
Eu tinha que ir embora. Era preciso. Eu tinha que fugir daquela cidade que agora me assombrava. Eu podia ver as luzes dos carros da policia girando em minha cabeça, os sussurros ecoando em minha mente, os olhos chocados que me perseguiam.
Aquilo tudo não podia ter acontecido comigo. Era um pesadelo, não havia outra explicação.
Vi alguém parar do meu lado, ofegante. Colocou as mãos sobre os joelhos, de modo que respirasse melhor. Provavelmente estava correndo.
- - reconheci a voz. Meu coração apertou e minha respiração falhou, soltando um mais novo soluço. - , olhe pra mim! - se reergueu, parando em minha frente. Era impossível resistir àquela beleza e voz.
Não olhei, fazendo com que o garoto tocasse meu queixo com uma mão, direcionando meu rosto a si mesmo.
- Não vá embora - sua voz era mais uma suplica que um pedido propriamente dito. Olhei para o chão. - Por favor, não vá embora... - seu timbre falhou e vi uma lagrima se formar em um de seus olhos. Funguei e olhei para frente, tentando escapar do olhar de súplica que o garoto me lançava.
- Fique! Fique e lute!
- É muito fácil para você dizer... - dei de ombros, segurando as lágrimas que ainda queriam cair.
- Eu estarei aqui por você! Enfrentaremos isso juntos! - sua voz mais parecia um pedido desesperado que uma sugestão. Eu sei que poderia superar tudo com ele do meu lado, mas uma força dentro de mim gritava para que eu fosse embora, implorava por isso. Era muito mais fácil fugir a enfrentar a maré.
Neguei com a cabeça e novamente olhei para os meus pés. Os olhos persuasivos e cheios de lágrimas poderiam me convencer a qualquer minuto.
- O que... O que eu vou fazer sem você? - sua voz cedeu ao seu desespero.
Minha garganta se fechou, e aquela vontade de gritar me sufocava. Apertei meus olhos com força, com a finalidade de fazê-lo sumir dali, e não tornar aquela partida ainda mais difícil.
- Você vai se virar... Como sempre fez - tentei me manter firme, e aquilo me pareceu a coisa mais difícil a se fazer, no momento em que eu mais precisava de um abraço e de alguém para dizer que tudo ficaria bem.
- Mas eu... Eu te amo! - minha respiração falhou no instante em que aquelas palavras foram ditas. Meu coração poderia saltar de dentro de mim a qualquer momento, e eu sabia disso.
O que eu mais queria fazer naquele momento era gritar que o amava de volta, pular em seu pescoço e fugir para algum lugar qualquer.
As palavras que eu sempre almejei escutar, aquelas que soavam como uma doce melodia e que faziam você ter a sensação de poder flutuar.
Apesar de elas significarem tudo, naquele momento, elas só serviam para dificultar minha partida. Novamente, eu tinha que ser forte.
- Você vai sobreviver - forcei um tom frio no momento em que vi meu trem ir parando lentamente.
Abaixei para pegar minhas malas e andei em direção ao veículo, sem ao menos olhar para trás.
Acordei com o coração querendo saltar do meu peito. Minha cabeça latejava e eu desejava voltar a dormir para não sentir aquela dor torturante. Era como a pior ressaca da minha vida.
Abri meus olhos lentamente, me arrependendo no segundo seguinte ao ver os feixes de luz saírem das frestas de uma cortina pastel de mau gosto; eles vinham como raios certeiros em meus olhos. Depois de me acostumar com a claridade, reparei o quão diferente aquele lugar era do meu quarto, ou do quarto em que eu dormia no sítio de . As paredes eram azuis e não rosas como as minhas. A cama era dura, assim como o travesseiro. Senti que meu braço estava fincado por uma agulha; segui o fio preso na agulha e vi uma bolsa de soro.
Era oficial: eu estava em um quarto de hospital. Mas como eu havia parado ali? Não me lembrava de nada...
Na verdade lembrava sim.
Lembrava que tinha vivido a pior noite possível. Lembrava da voz rude e embriagada de . Lembrava das palavras horríveis que me acusaram e rasgaram tudo dentro de mim como uma navalha muito bem amolada.
Era impressionante como eu sempre escutava coisas horríveis dos homens que eu amava; como eles sempre me acusavam.
Talvez eu merecesse. Ou talvez eu simplesmente fosse um imã para problemas. Ou quem sabe os dois.
Talvez aquilo fosse uma sina. Quem sabe eu não havia nascido para ser odiada por aqueles que eu amava? E se eu estivesse sendo redimida por meus pecados?
Mas como eu havia parado ali mesmo?
Procurei por respostas ao redor do quarto e me deparei com e Aaron sentados num sofá-cama azul marinho em frente à cama que eu estava deitada.
Eles me encaravam com apreensão, como se esperassem que eu chorasse ou fizesse uma cena.
Por mais que eu realmente quisesse chorar, eu nada faria. Tudo o que tinha que acontecer, tudo que eu tinha para chorar... Enfim.
- O que aconteceu? - perguntei finalmente. Quebrando aquele silencio martirizante. e Aaron se entreolharam e hesitaram antes de responder.
- Você desmaiou na festa, ... - começou, olhando-me com pena. - O médico disse que sua pressão caiu devido ao estresse e o álcool também não ajudou...
Fazia sentido. E inconscientemente eu agradecia por isso. A cena da noite anterior era mais do que eu podia aguentar. Havia suportado até demais até minha mente e meu corpo finalmente cedessem.
Eles me contaram que chegou a se preocupar, mas depois simplesmente deu as costas. Quem me pegou no colo e me tirou do amontoado de gente que se reuniu em minha volta foi . O que me chocou por demasiado. Pensei que ele seria o primeiro a me deixar largada no chão...
Ele me colocou em seu carro e, junto com e , trouxeram-me para o Merlott’s Hospital em Woking, Surrey, onde a chácara de era situada.
Eles esperaram alguma palavra sair da minha boca. Mas eu não tinha nada para dizer. Eu estava esgotada.
- Vocês... Poderiam me deixar sozinha por alguns instantes? - pedi sem os encarar, mas sabia que eles perceberiam a suplica no meu tom de voz. Eu os agradecia mentalmente por estarem ali o tempo todo, e sabia que eles sempre estariam.
Mas, por mais que eu odiasse ficar na presença de minha própria companhia, eu precisava de um momento com a minha consciência. Precisava assimilar todos os fatos, pensar nas conseqüências, pensar no que iria fazer a partir daquele dia.
Eu estava cansada de vinganças, de mentiras, de hipocrisia.
Estava cansada daquela pessoa que eu havia me tornado.
Meus amigos se levantaram, sussurrou ‘Estarei ali fora se precisar de alguma coisa’, e finalmente me deixaram sozinha.
Levantei-me daquela cama nada confortável, arrancando o fio de soro do meu braço e abri a janela do quarto.
O que eu estava fazendo ali... Por que eu havia voltado para a Inglaterra? Teria valido a pena sair da Alemanha para ser massacrada aqui novamente?
Nunca odiei tanto meu país como odiava naquele momento.
Nunca me arrependi tanto de algo quanto me arrependia por ter voltado.
Mas não adiantava chorar agora. Simplesmente não adiantava. O que estava feito, estava feito. Eu não podia simplesmente passar a borracha naquela parte da historia, porque no final tudo faria sentido, apesar de eu não o enxergar naquele momento tão opaco da minha vida.
Eu queria sair dali. Queria sair daquela cidade estúpida e voltar para aquela mais estúpida ainda: Londres. Nunca pensei que odiaria tanto voltar para casa.
Mesmo ainda não recebendo alta do médico, convenci e Aaron a me tirarem daquele hospital imediatamente. Fugimos rapidamente e no mesmo instante estávamos na estrada em direção à Grande Londres.
- Eu vou voltar para a Alemanha. - falei rápida e decididamente. Meus amigos me encararam com confusão e indagação. Antes que pudessem falar alguma coisa, me adiantei. - Foi um erro ter voltado... Eu nunca deveria ter voltado... Tudo o que fiz foi magoar a todos, traumatizar a todos. Acabei com tudo. Tenho certeza que tudo estava melhor quando eu estava fora...
- Isso não é verdade, . Nossas vidas estavam um inferno! - disse em contrapartida, parecendo desesperada pela minha decisão. - Você não pode simplesmente fugir de novo. Não pode! Você não pode nos abandonar novamente!
Quando encarei minha amiga nos olhos, eles estavam marejados. Senti meu coração apertar e tornar tudo aquilo mais difícil.
- E daí que é um idiota? Ele sempre foi! E Ava também sempre foi uma vadia! Eles sempre acabaram com as próprias vidas, você não fez nada demais! - ela falava rapidamente. - Olha, não sei o que deu em para falar todas aquelas coisas horríveis, mas você tem que ser mais forte, . Chega de fugir. Chega! Eu não vou deixar você fugir de novo. Você vai encarar isso de cabeça erguida.
Do jeito como falava, parecia tudo tão simples... Parecia que seria fácil ir a aula no outro dia, receber todos os olhares de reprovação. Até que eu estava acostumado com eles, mas teria um olhar que eu não receberia: o de .
Não discuti com . Ela não entendia... Não entendia que eu não conseguia ser forte, que coragem não fazia parte da minha personalidade. Passei a simplesmente encarar a paisagem que passava rapidamente pelos meus olhos e deixei que aquele silêncio nos envolvesse por completo.
Quando joguei as malas em um lugar qualquer da sala, me joguei no sofá fofo e felpudo no instante seguinte. Escutei passos se aproximarem, mas nem me dei ao trabalho de ver quem era; não me importava de qualquer maneira.
- Oi ... - escutei a voz de minha irmã, Bridget. Mas era óbvio que ela já estava sabendo de tudo, mesmo não estando na festa. Fofocas dos alunos do Drayton sempre corriam rapidamente. Principalmente quando a fofoca envolvia , Ava Caldwell, e . - Você está bem?
Assumi que aquela era uma pergunta retórica. Não era preciso responder para saber que eu estava um desastre, certo?
- Falaram que você estava em uma reabilitação... É verdade? - ela perguntou apreensivamente, bem provável que estava morrendo de medo que eu estourasse a qualquer momento. No entanto, de acordo com as pessoas do Drayton, eu já havia ido para a reabilitação tantas vezes que eu nem me importava mais. Nem me dei ao trabalho de responder.
- Er... Amanhã é o baile de formatura do último ano... O seu ano... Você... Você vai?
Minha irmã havia tirado o dia para fazer perguntas idiotas, era isso? Baile de formatura? Depois de tudo? Oh, sim, seria um arraso.
- Estou voltando para a Alemanha. Infelizmente não poderei ir ao baile...
Levantei-me do sofá e, sem encarar Brie, comecei a andar em direção às escadas. Tudo o que eu queria era meu quarto. O quanto antes eu arrumasse minhas malas, melhor. Nem precisaria pedir à minha mãe, já que provavelmente seria um alivio para ela me ter longe. Que coubesse ao meu pai a responsabilidade de cuidar da filha inconsequente e rebelde; ela tinha mais o que fazer.
- Mas... Você não pode voltar, ! - Brie começou o discurso que eu já estava farta de escutar. - Quero dizer... E Ava? Você voltou para se vingar, você não pode voltar!
- Acontece que eu já estou farta de vinganças, Bridget. - rebati, parando na escada e me dirigindo a ela, com seus olhos azuis pesarosos me encarando. - Elas não levam a lugar algum, não entende? Eu me vingo, ela se vinga, e assim continuamos nesse ciclo vicioso que não nos trará nada de bom! Me custou um tempo a entender isso, mas agora eu entendo! Estou cansada, essa é a verdade.
Bridget me encarava com tanto pesar, que era como se eu estivesse na beira de um precipício, pronta para pular. Por que todo aquele drama?
- Ava conseguiu o que queria, não foi? Queria , conseguiu. Queria me afastar de , também conseguiu. Ela venceu, simples assim. Eu posso ser ruim, mas não chego nem perto da maldade de Ava.
- E você não vai correr atrás de ? Não vai falar que o ama? Tentar reconquistá-lo? - o desespero de Bridget chegava a ser engraçado. Era eu quem devia estar naquele anseio de ficar e tentar consertar as coisas. Mas acho que as pessoas a minha volta realmente não me viam como eu realmente era. - Vocês pertencem um ao outro! Eu me lembro de quando vocês se beijaram pela primeira vez na casa dele, eu me lembro! E eu me lembro de quando você se revoltou com a mamãe e começou a namorar ... Do tanto que você se sentiu mal, do tanto que chorava e sentia a falta de ... Você devia contar a verdade para ele, ! Quem sabe assim...
- Não vai fazer diferença, Brie. Vai ser melhor para todos se eu for embora. Sem mais confusões, sem mais intrigas... Confia em mim, vai ser o melhor. Eu vou terminar o colégio em Frankfurt e quem sabe ainda não consigo entrar em alguma faculdade - forjei um sorriso, apenas para tentar passar a ilusão de confiança a Bridget. Ela não precisava ver o quão instável e insegura eu estava. Apesar de não ter sido um bom exemplo naqueles últimos meses, eu poderia pelo menos tentar ensiná-la uma lição através do que eu havia vivido. Nunca repita meus erros.
Consegui convencer Bridget a não me esperar na estação de trem. Eu odiava despedidas.
Dei um longo abraço em Berta e a agradeci por ter aturado minhas maluquices. Ela disse que aquela casa ficaria muito, mas muito sem graça sem a minha presença.
Minha mãe não sabia a verdadeira razão por eu estar indo embora, mas ela sabia que eu havia aprontado alguma coisa. Em sua cabeça, provavelmente algo envolvendo drogas.
Brie ainda tentava me convencer de que ficar e lutar pelo que era o certo, e disse que pegaria meu vestido na Chanel para o baile, caso eu mudasse de idéia.
Eu não mudaria.
Assim que cheguei à estação do Eurostar, uma lembrança em particular estapeou meu rosto com força. Fora ali que ele me pedira para ficar e lutar, que juntos nós conseguiríamos vencer qualquer obstáculo. E dissera que me amava. E eu simplesmente dei as costas.
Aquilo mostrava o quão injusta eu sempre fui com . Não queria tê-lo, mas não queria perdê-lo. Queria tê-lo, mas queria me rebelar. O amava, mas fazia com ele me odiasse. E quando eu finalmente consegui deixar meu egoísmo de lado e nos dar uma chance, de alguma forma consegui estragar tudo.
- Eu estarei aqui por você! Enfrentaremos isso juntos!
Eu era mesmo uma vadia, como ele havia dito na festa. Era sim. Uma vadia sem coração que faz de tudo para ter o que quer, sem medir as conseqüências ou pensar em quem eu iria machucar. Sempre me importei com o que eu queria e nada mais. Nunca olhei a minha volta. Nunca parei para medir os danos.
- Por favor, não vá embora...
As lagrimas brotaram nos meus olhos como da ultima vez. A dor de ter algo sendo comprimido dentro de mim voltara. Mas agora, ao invés da vontade louca de ir embora, algo gritava para que eu ficasse. O meu lado egoísta urrava, suplicava, agitava tudo pedindo para que eu ficasse. Eu não podia ficar. Eu não podia bagunçar a vida dele novamente...
- O que... O que eu vou fazer sem você?
Às vezes me perguntava se eu o amava de verdade ou se aquilo não passava de uma obsessão, de um jogo que eu tinha que ganhar. Amar significa sempre querer o bem para a pessoa amada, não? Sempre tentar fazer o bem para a pessoa amada, vê-la feliz seja com quem ela esteja, certo? Se eu o amava, por que não conseguia deixá-lo ser feliz, mesmo que a felicidade dele não me inclua?
- Mas eu... Eu te amo!
Pensar em ficar longe de novamente fazia cada músculo meu doer em resposta, fazia um vazio se instalar em mim só de pensar. Eu não podia dar as costas novamente. Eu não podia desistir enquanto havia um resto de força dentro de mim.
Se não era amor, eu não sabia o que era. Por mais nova e ingênua que eu fosse, eu sabia que o que eu sentia era forte demais para ser apenas uma obsessão, um jogo bobo. Eu ainda tinha que aprender a ser mais altruísta, mas eu estava disposta a fazer feliz. Eu queria que ele fosse feliz. Comigo.
Dei as costas novamente. Mas dessa vez, para a Alemanha.
*
Bridget havia mesmo pego meu vestido na Chanel. Quando eu cheguei em casa, vi que ninguém estava e fui direto ao meu quarto, onde a roupa estava posta sobre minha cama.
“Eu sei que não voltaria para a Alemanha. Essa simplesmente não é você. Xx Brie.”
O que me impressionava era o fato de minha irmã saber mais sobre mim do que eu mesma. Eram tantas contradições passando pela minha mente ao mesmo tempo, que ficava difícil saber quem eu realmente era.
O baile seria no outro dia, e eu não tinha a mínima idéia do que eu faria. Tentaria me vingar mais uma vez de Ava e fazê-la ficar longe de ? Sabotaria sua formatura? O que eu precisava fazer para tê-lo de volta? Eu não simplesmente não sabia o que fazer. Mas sabia que tinha de fazer alguma coisa.
*
- Você está linda, - Brie disse quando eu estava completamente pronta, com o vestido, cabelos presos em uma trança de raiz e uma maquiagem leve. Eu não precisava estar extravagante, afinal, não queria chamar a atenção de ninguém. Exceto de uma só pessoa.
estava ali também, maravilhosa, e esperávamos por e Aaron que nos levaria ao baile. De limusine. Clássico.
Quando já estávamos a caminho do Drayton, eu não escondia meu nervosismo. Eu também não sabia se iria à festa, já que também não tinha certeza; não conversava com o amigo há dias. não atendia os telefonemas, mandava a governanta dizer que não estava em casa, e até conversou com Phill, o pai de , que contara com muito desgosto que o filho havia voltado para a vida de prostitutas, drogas e álcool.
O ginásio da escola estava superlotado, como era de se esperar. Decorado com rosas brancas e balões prateados, a música saía frenética das dezenas de caixas de som espalhadas pelo local. Não era permitido o consumo de bebida alcoólica, já que éramos menores de idade e supostamente não devíamos beber, mas as bolsas das meninas eram esconderijos perfeitos para a entrada de vodcas clandestinas.
escondia uma garrafa de vodka em sua bolsa e logo que sentamos em nossa mesa, tratei de encher um copo com o liquido. Eu não pretendia ficar bêbada, mas eu precisava de uma coragem que só o álcool podia me dar.
Na nossa mesa estava , Aaron, , , eu e... , que havia acabado de chegar. Óbvio que todos prenderam a respiração assim que o garoto se sentou, duas cadeiras distantes de mim. Cumprimentou a todos e, quando era hora de me cumprimentar, sorriu. O ato fez todos se entreolharem e fez meus olhos saltarem das órbitas. Ele sorriu. E não era um sorriso falso... Era um sorriso sincero. Simples. Sem muitos significados.
Sorri de volta e passei a encarar minhas unhas vermelhas, completamente desarmada. O que aquilo significava, afinal?
De qualquer maneira, não tive muito tempo para pensar, já que no momento seguinte me cutucou e apontou para a entrada do salão.
entrava, cambaleando e com cabelos completamente desgrenhados, sem falar em sua gravata frouxa e camisa aberta em alguns botões. Com Ava grudada em seu braço, sorrindo para quem fosse, como se fossem o casal mais lindo daquele Universo. Claro que ela não se importava nem um pouco com o fato de estar completamente bêbado e decadente.
Senti minhas mãos começarem a suar e tremer, meu coração bater tão ridiculamente forte contra meu peito que pensei poder desmaiar a qualquer momento. Não era possível que ele estava naquele estado por minha causa...
- Sem fraquejar agora... - apertou minha mão e me olhou com apreensão, e tudo que consegui fazer foi assentir.
O garoto começou a andar em nossa direção, sem precisamente olhar em nossa direção. Ele provavelmente ainda nem havia notado minha presença. Ava falava alguma coisa em seu ouvido, completamente extasiada, enquanto tirava um cantil, onde provavelmente continha vodca, ou uísque. Ele desencaixou seu braço do de Caldwell bruscamente e tomou um longo gole de sua bebida. Quando chegou perto o suficiente da mesa para me ver, seus olhos se arregalaram e sua bebida escapou de sua mão.
- O que diabos... - Ava exclamou em tom de choque, enquanto ainda me encarava. Seus olhos flamejando o ódio que sentia por mim. Tudo o que eu quis fazer naquele momento era me levantar e correr em sua direção; abraçá-lo com todas as minhas forças e dizer que eu o amava como nunca havia amado ninguém. Que eu nunca havia amado ninguém além dele. Beijá-lo ferozmente e depois entrelaçar nossas mãos, arrastando-o para longe dali.
Mas do modo como ele me olhava, era impossível me mexer. Eu estava completamente imobilizada, como se seu olhar fulminante estivesse me mantendo presa naquela cadeira.
Ele então quebrou nosso contato visual e simplesmente deu as costas, nem fazendo questão de pegar sua garrafa no chão. Ava lançou-me um ultimo olhar mortal antes de voltar a seguir , que gritou para que a menina parasse de persegui-lo e o deixasse em paz.
Nesse meio termo, eu apertava a mão de com tanta força e a garota nem ao menos falou uma palavra. Era obvio que a opção de desistir de tudo novamente passou pela minha cabeça, mas eu já estava ali. Não faria sentido ir embora agora. Eu precisava ter coragem pelo menos uma vez na vida.
Logo aquela atmosfera completamente constrangedora se quebrou entre nós, à medida que o álcool começava a embaralhar nossos sentidos e a nos deixar cada vez mais desinibidos. e já estavam na pista de dança, se descabelando como um casal de loucos. também já havia se levantado e agora sussurrava no ouvido de uma loira do segundo ano nas arquibancadas. Entre e eu estava Aaron e mais uma cadeira. É, a atmosfera constrangedora não havia se rompido completamente.
- Aaron, será que você poderia... Me deixar a sós um instante com ? - se pronunciou após longos e torturantes minutos de silencio. Aaron me encarou apreensivo. Eu não sei se queria ficar a sós com ... Tinha medo do que ele poderia dizer ou fazer.
No entanto, decidi que a onda de coragem tinha que ficar comigo durante a noite toda, não importava a situação.
Assenti veemente, tentando transparecer minha segurança e meu amigo se levantou, mas sem antes sussurrar:
- Qualquer coisa é só gritar. Estarei bem ali atrás.
O garoto deu uma piscadela e eu não pude deixar de rir levemente, me sentindo um pouco mais tranquila, mesmo sabendo que não faria nada contra mim.
O silencio continuou por mais alguns segundos antes que pigarreasse.
- Então, , eu...
- Me desculpe, - me adiantei por um impulso. Havia me esquecido como eu havia afetado sua vida também, em como brinquei com seus sentimentos desde o momento em que o conheci. Eu sei que podia parecer muita hipocrisia da minha parte, fazer todas as maldades que já havia feito e agora esperar por misericórdia de todos que eu já havia machucado. Eu não queria misericórdia, mas queria que todos soubessem que eu estava verdadeiramente arrependida. E que nada do que fiz foi com a intenção de magoar alguém. A não ser Ava Caldwell.
- Você foi muito errada, . - ele começou, e eu não pude deixar de concordar. - Muito errada por ter brincado com e comigo do jeito que você fez. No primeiro momento em que descobri, quando despejou todas aquelas verdades sobre mim... Eu fiquei com tanta raiva, , mas com tanta raiva. - o garoto fechou as mãos em punhos e os olhos com força, como se tentasse afastar a raiva que voltava em cheio para si. - Mas depois quando tive um pouco mais de tempo para pensar, clarear minha mente enquanto você estava internada no hospital, eu me acalmei. Eu sabia que você tinha ferrado com tudo, mas aquela confusão entre eu, você e era algo que eu devia ter previsto desde o começo. Talvez eu até soubesse que algo acontecia, mas eu não queria admitir isso, nem queria olhar pra você e ter a certeza de que eu te dividia com alguém. Eu queria apenas ter você só para mim, e na minha cabeça era assim. Não vou jogar a culpa toda sobre você, , porque eu também sou em parte culpado sobre isso.
Quando fiz menção de interrompê-lo e dizer que ele estava completamente enganado, ele voltou a falar rapidamente, nem me dando a oportunidade de dizer que não, ele não tinha a mínima culpa dos meus erros.
- É verdade o que disse na festa. Eu sabia que ele gostava de você, ele havia dito desde a primeira vez em que eu a conheci, naquela festa na casa dele. Ele me dissera que era apaixonado por você, mas que não sabia como te dizer, pois morria de medo de te perder. Ele não sabia o que você sentia por ele, mas eu sabia. Desde o momento em que te vi, nem ao menos sabia seu nome ou quem você era, mas reparei o modo como você olhava para ele. O modo como você o abraçava, como você ria para ele... Mesmo nem te conhecendo, eu senti tanta inveja de , e o achava tão burro por não ter coragem de correr atrás de você... Mas se ele não conseguia ver que você gostava dele, não seria eu quem falaria. Quando passei a te conhecer melhor, eu tinha certeza de que queria você pra mim. Eu precisava te ter. tinha tudo o que eu sempre quis: toda aquela riqueza e poder, mas eu queria ter você antes dele. Pelo menos uma coisa eu teria que ele não poderia ter.
A cada palavra de , eu me sentia um pouco surpresa, quase que usada, embora eu não tivesse o mínimo direito de sentir nada.
O que mais me deixara surpresa era o fato de ele saber que gostava de mim e eu gostava dele, mesmo que nós sentíssemos o mesmo medo de nos aproximar mais intimamente e acabar por nos afastando.
Mas eu consegui nos afastar sem ao menos ter tentado ficar com ele.
- No começo eu até sabia que você estava comigo só para atingir sua mãe, mas eu não importava. Você era minha namorada, e não dele. nunca mais disse uma palavra sobre você, por mais que eu soubesse que ele ainda gostava de você, e eu via como ele te provocava, como ele fazia de tudo para te irritar e fazer você me largar. Eu sabia que era o modo dele de atingir a mim e a você. E mesmo sabendo que vocês podiam estar juntos e que toda aquela confusão acabaria, eu era muito orgulhoso para te perder pra ele. Você era tudo o que ele mais queria, mas que eu tinha. Você entende agora, ? Não é só sua culpa. Nem só minha. Nem só de . Todos nós fomos idiotas e irresponsáveis nessa história, nunca agimos racionalmente. Sempre tentávamos um atingir o outro. Sempre.
O que dizia era verdade. Por um breve momento, acreditei no que ele dizia e não me senti tão culpada como eu vinha me sentindo. Todos nós fomos vitimas da ira, da luxuria, do orgulho, da inveja e da vaidade. Fomos vitimas de nós mesmos e de nossos pecados.
- O motivo por eu estar falando tudo isso, é que eu finalmente enxerguei a verdade. Nós nunca devíamos ter ficado juntos ...
- Não diga isso, ...
- O que nós tivemos, eu sei que foi verdadeiro em alguns momentos, mas... Nós dois sabíamos que era forjado desde o começo. Nós dois sabíamos com quem você realmente queria estar, mas ignoramos isso... E eu não tenho o direito de estar com raiva de você nesse momento. E eu queria dizer que eu te perdoo... Mas queria que você também me perdoasse...
Nós dois nos encarávamos com tanta profundidade, e eu finalmente senti um peso gigantesco sair de cima de mim. Eu estava mais leve, mais aliviada, mais feliz, mesmo que aquilo significasse o fim de um ciclo. E como mesmo havia dito, nós tivemos nossos momentos sim, e tudo o que eu havia sentido por ele fora verdadeiro. No entanto, eu sempre o usara para esquecer quem tanto perseguia meus sentimentos.
- Não há o que perdoar, . - falei sincera, sorrindo de uma maneira que eu não fazia há muito tempo. O mesmo sorriso que ele me lançara quando me vira: um sorriso simples. Sem muitos significados além da cumplicidade que aquele momento representou.
- Vá fazer o que você veio fazer... - o garoto disse retribuindo o sorriso, fazendo o meu alargar ainda mais. Me levantei da cadeira e passei a andar no meio daquela gente, que por estarem todos tão embriagados e preocupados em curtir sua ultima noite no colegial que nem ao menos pareciam notar minha presença. Muito menos se lembravam dos acontecimentos recentes. Pelo menos não naquele momento. E meus olhos procuravam por aqueles que não queriam me encontrar.
- , viu o por ai? - perguntei assim que vi o garoto enchendo seu copo com vodca ali perto. Ele ergueu o pescoço, dando uma olhada geral no lugar.
- Ele está perto do palco. - respondeu, e quando comecei a andar na direção que ele me deu, segurou meu braço com gentileza e me encarou com apreensão. - , tem certeza de que quer conversar com ele? Eu não acho que ele vai estar disposto a te ouvir...
- Eu não vou simplesmente desistir dele, . Não vou. - respondi com convicção, nunca tão certa de algo como naquele instante.
Sorri e dei as costas antes que a recém-adquirida força de vontade me abandonasse.
Vi a alguns poucos metros longe de mim. Ele estava escorado no palco, com os olhos perdidos no piso do ginásio e um copo de vodca em uma mão, enquanto as pessoas a sua volta pulavam e dançavam como se aquela fosse a ultima noite de suas vidas. Ava estava ao seu lado, com uma feição de tédio e decepção. Ela provavelmente achava que estaria tão animado quanto ela para aquela droga de baile.
Mesmo no estado decadente em que se encontrava, ele estava tão lindo... A gravata não estava mais no entorno de seu pescoço, mas a camisa branca continuava desabotoada nos primeiros botões. Também não estava mais de terno. Apesar das olheiras escuras ao redor de seus olhos, dando-o a impressão de que não dormia há dias e que provavelmente estava bebendo daquele jeito por um tempo... Continuava incrivelmente lindo. A vontade de abraçá-lo voltou a me atormentar, e eu nunca desejei tanto poder concertar as coisas em um passe de mágica.
Em um ato completamente impulsivo subi umas escadinhas que davam para o palco e me aproximei do DJ, pedindo para que ele parasse com a música. Todos olharam instantaneamente em nossa direção, surpresos pelo silencio repentino. Gradativamente, todos pararam de gritar e conversar, e agora todos me encaravam atônitos. Todos.
desencostou-se do palco e olhou em minha direção, vendo que eu era a razão por todo aquele estardalhaço.
Logo os sussurros começaram, mas todos estavam pasmados demais para perguntar o que eu estava fazendo ali em cima. Nem eu sabia, na verdade.
Me aproximei do microfone situado no meio do palco e o liguei. Encarei minhas mãos, ainda meio surpresa com meu próprio ato. Mas não pude ficar muito tempo sem encarar os olhos de . Sem ter a mínima idéia do que falar, comecei:
- Oi... Eu sou a . Vocês provavelmente me conhecem devido a todos os escândalos que envolvem meu nome. Me conhecem por ter supostamente traído meu ex-namorado com Aaron. Por supostamente ter contrabandeado drogas dentro do colégio. Por ter sido presa, fugido do país e depois voltado para acabar com a vida da minha melhor amiga... - ri nervosa, vendo o quão ferrada eu já fui (e estava). - Mas ninguém conhece a por trás de todos os escândalos... Ninguém conhece a que sonhava em ter uma banda de rock quando mais nova. Ninguém conhece a rebelde, que sempre quis ser diferente das pessoas mesquinhas que a rodeava. Não conhecem a que era apaixonada pelo melhor amigo e que por um erro, o primeiro que cometi com ele, o deixei escapar. -
A perplexidade ainda estava nos olhos de , mas nada além disso. - Mas eu entendo porque vocês me conhecem apenas pelos meus escândalos. Porque apesar de tudo o que eu sentia de bom por uma pessoa, nunca consegui me entregar a ele. Nunca consegui mostrá-lo o quanto eu o amava. Nunca consegui deixar meu orgulho de lado. Sempre preferi ser acobertada pelos erros, pelos escândalos, a ter que admitir o que eu sentia. O que é o maior erro de todos, já que se entregar ao amor verdadeiro nunca devia ser motivo de vergonha, de fraqueza. É por isso que estou aqui, me fazendo de boba e cometendo o maior dos clichês... Eu sei que isso não vai concertar as coisas que fiz, sei que isso não vai mudar o passado, não vai te fazer esquecer todas as coisas horríveis que te fiz passar... - nós nos encarávamos tão profundamente que eu nem mais me lembrava estar em cima de um palco, sendo observada por centenas de pessoas. Mesmo não querendo me expor ainda mais, não consegui segurar o choro que agora queimavam meus olhos - Mas eu só queria que você soubesse que tudo o que eu fiz, por mais que pareça contraditório e difícil de acreditar, foi por amor. Ou melhor, por medo de te amar. Um medo bobo, ridículo, já que eu sempre te amei, desde... Nem consigo me lembrar. Desde sempre. Eu te amo, . Eu te amo.
Eu esperava que ele corresse aquela escada e se juntasse a mim naquele palco, dando-me o beijo que eu tanto queria e então todos bateriam palmas. Mas não foi o que aconteceu.
Vi algumas lágrimas caírem dos olhos de , e em seguida o garoto empurrou as pessoas a sua frente, passando por elas com pressa em direção a saída do ginásio. Os sussurros agora voltaram a preencher o local.
Tudo o que consegui fazer foi descer do palco correndo, fazendo o mesmo caminho que fizera. Mas antes que eu pudesse segui-lo, escutei uma risada estridente atrás de mim, seguida de palmas vindas de uma pessoa. E eu nem ao menos precisei me virar para saber quem era.
Minhas emoções estavam tão aguçadas, que nem ao menos consegui me controlar em não revidar.
- VAI SE FERRAR, AVA!
A garota nem ao menos disse nada. Ela provavelmente esperava que eu continuasse correndo atrás de e a ignorasse, mas não consegui. Segurei meus próprios punhos com o pouco de autocontrole que eu ainda tinha, me impedindo de esmurrá-la até que não sobrasse um dente em sua boca.
Segurei a barra do meu vestido e voltei a andar rapidamente, enquanto as pessoas automaticamente me davam passagem.
Assim que sai do ginásio, senti o vento gélido e cortante passar por mim e olhei desesperada para todos os cantos da rua, até ver bem distante de onde eu estava, andando completamente desconcertado. Passei a correr em sua direção, nem dando importância aos meus pés que estavam sendo massacrados pelos saltos.
- ! - gritei na inútil tentativa de fazê-lo parar de andar.
Continuei correndo, e quando vi que o garoto não ia parar, puxei seu braço, virando-o para mim.
Seus olhos estavam inchados e vermelhos, e as lágrimas caiam incessantemente. Relutou a me encarar.
- Me deixa em paz, ... - suplicou com a voz embriagada.
Envolvi seu rosto com minhas mãos, obrigando-o a me encarar.
- Por que você não pode me deixar em paz? - agora seu tom era mais desesperado, e eu sentia cada parte de mim se esfacelar. Eu não queria vê-lo naquele estado...
- Você sabe que eu não consigo viver sem você... - falei, tentando forçar um sorriso. No passado, sempre quando me tentava, ele dizia que eu não conseguia viver sem ele. E mesmo nunca tendo admitido, aquela era a mais pura verdade.
- Claro que consegue! Você não se importa comigo, você diz que importa, mas eu te conheço! Você só quer brincar comigo, , isso tudo não passa de um jogo, e eu não quero mais participar dele!
O garoto tirou minhas mãos bruscamente de seu rosto e voltou a andar, e eu novamente o puxei pelo braço, segurando-o com força.
- Não é um jogo, ! O que eu falei é verdade, eu amo você!
riu cínica e estridentemente, ainda sem parar de chorar.
- Se você me ama, por que fez tudo isso comigo? Por que, , por que? - ele gritava. - Por que começou a namorar com depois de ter me beijado? Por que perdeu sua virgindade comigo e depois resolveu simplesmente me descartar? Por que beijou na festa do ?
- Ele me beijou, ! Eu o afastei, você não viu? - eu já começava a ficar desesperada, já chorava tão intensamente como ele e não sabia mais o que fazer.
- Não importa! Você me decepcionou! É só isso que você sabe fazer, me decepcionar! - tentou novamente se desvencilhar de mim, mas eu envolvi seu pescoço com meus braços. - Me solta! ME SOLTA!
Ele tentava me empurrar para longe de si, e eu o abraçava com ainda mais força contra mim.
- Me solta... - ele disse num sussurro em meio de soluços, e eu entrelacei meus dedos em seus cabelos, não contendo as lágrimas que caiam desinibidas.
- Eu te amo tanto, ... Te amo tanto... Eu não sei mais o que dizer, não tenho mais o que dizer a não ser isso...
O garoto pareceu cansar de tentar me afastar, mas senti seu corpo pesar sobre o meu. Fiz com que nós dois sentássemos na calçada. Nossos soluços se misturavam agora que a cabeça de estava em meu colo e seu corpo cedia ao cansaço e ao álcool. Aproximei meu rosto do seu e passei a acariciar seus cabelos, vendo seu choro cessar com o passar dos minutos. Limpei as lágrimas que encharcavam seu rosto e depositei um beijo em sua bochecha. Eu sabia que não havia acabado. Eu sabia que ele não havia me perdoado. Sabia que ele ainda me odiava. Sabia que nós não ficaríamos mais juntos. Eu sabia...
- Se você me ama de verdade... - ele começou com a voz ainda inebriada e relutante. Senti meu peito apertar, pois eu sabia o que vinha adiante. - Você vai me deixar te esquecer. Você vai me deixar viver minha vida em paz. Sem você.
Ele falou aquelas palavras tão baixinho. Como se fosse seu ultimo desejo. Como se aquilo fosse o que ele mais queria na vida.
Uma lágrima solitária caiu do meu olho. Eu não tinha mais o que fazer. Eu não podia mais fazê-lo sofrer. Se era aquilo que eu precisava para provar que eu o amava de verdade...
E com a pior dor que eu já havia sentido na vida, aproximei meus lábios de seu ouvido e, enquanto acariciava seus cabelos sussurrei:
- Eu vou deixar.
She Left Me With a Broken Heart
Sete dias. Sete torturantes dias desde a última vez que e eu conversamos. Sete dias desde que as aulas acabaram e eu não tinha mais noticias dele. Eu estava fazendo o que ele me pediu. Estava deixando ele em paz. Não procurei por ele, não liguei, não mandei mensagens, não tentei correr atrás nem uma vez. Quando encontrava com ao ver , me restringia a apenas perguntar como ele estava. Nada mais. Eu ficaria fora de sua vida de uma vez.
Mas quando foi em minha casa, muito apreensiva e receosa sobre se devia ou não me contar o que estava prestes a contar, não me contive. A idéia de ficar longe de se tornou mais insuportável do que já era.
- , eu tenho que te contar uma coisa. Mas você tem que me prometer que não vai surtar. Que não vai fazer absolutamente nada. - ela começou, segurando-me pelos ombros. Todo aquele suspense estava me deixando muito nervosa. Quando concordei em não fazer escândalos, ela continuou. - me contou que fará uma festa hoje... - falou pausadamente, mas não entendi o alarde diante daquele fato. Não era a primeira vez que fazia uma festa. -... De despedida.
- Despedida? - perguntei atônita, ainda sem entender muito o que minha amiga estava falando. respirou fundo e continuou.
- está indo embora, . Como ele não se inscreveu para nenhuma faculdade, o pai dele resolveu mandá-lo para a filial de hotéis que ele tem lá nos Estados Unidos.
Eu já não escutava direito. Meu olhar havia se perdido em algum lugar da sala. continuava falando, explicando sobre o motivo de estar se mudando de Londres e sobre a festa, mas eu não conseguia escutar mais. O fato de ter que ficar longe de , era suportável. Mas só de imaginar que ele estaria do outro lado do mundo, completa e definitivamente fora da minha vida, era um fato que eu não conseguia assimilar. Com ele em Londres, mesmo não falando comigo, mesmo tendo me esquecido, eu ainda tinha a oportunidade de esbarrar acidentalmente com ele em alguma festa, de vê-lo rapidamente quando estivesse com ou , de ocasionalmente encontrá-lo em um restaurante... Mas com ele nos Estados Unidos... Isso significava que eu nunca mais iria vê-lo. Nunca mais.
Eu sabia que aquela não era uma decisão feita exclusivamente por Phill . jamais iria para um lugar se não quisesse. O pai dele poderia simplesmente subornar os reitores de uma faculdade qualquer a deixá-lo ser admitido. provavelmente pedira, ou simplesmente concordara com pai – sem objeções.
Era incabível a idéia de tê-lo assim tão distante.
Vi todos aqueles dias que lutei em não procurá-lo irem para o ralo, já que obriguei a me dizer onde seria a festa. Ela sabia que não poderia me impedir de ir, e que eu descobriria o lugar da festa mesmo se ela não me contasse. Eu queria ter ido naquele mesmo momento até a casa de , mas por alguma razão, conseguiu me convencer de que a festa seria mais sensato.
Foram as horas mais agonizantes da minha vida. Eu pegava o telefone, começava a discar o numero de – que por brincadeira do destino era um número tão fácil que era impossível de se esquecer – e depois desligava. Desci inúmeras vezes até o saguão com a intenção de ir até sua casa, mas desistia de ultima hora e voltava para o apartamento. Passei a encarar meu closet, na inútil tentativa de me distrair, mesmo que pouco me importasse qual roupa eu usaria aquela noite.
E quando finalmente passara em minha casa para que pudéssemos ir à festa, eu não aguentava mais. Ela tentava inutilmente me acalmar, enquanto eu não conseguia ficar um segundo parada. Pedia para que ela acelerasse, mesmo vendo o caos que o transito estava. Ameacei descer do carro e ir a pé, até que ela decidiu pegar um atalho, saindo da rua principal.
A festa seria no hotel que seu pai tinha em Londres, um dos mais famosos e importantes de todo o Reino Unido. Ao contrário do que eu esperava, a entrada do local não estava lotada, nem mesmo o saguão. Fomos para o salão de festas no primeiro andar, e de cara encontrou . O garoto me olhou com surpresa e então olhou para a namorada, que simplesmente deu de ombros.
- Relaxa , não vou fazer escândalos... - bufei e dei as costas ao casal, procurando o bar de imediato. Eu realmente não pretendia fazer nada muito importante aos olhos dos demais presentes, eu queria apenas... Conversar. Eu queria tentar convencer que se mudar para os Estados Unidos era uma péssima ideia.
O local estava discretamente decorado. Havia apenas luzes saindo de todos os cantos e uma música que ecoava ao fundo. Também não havia muitos convidados, parecia mais uma festa para os íntimos. O que não mais me incluía. De qualquer maneira, foi fácil achar ali. Ele estava, como sempre, de tirar o fôlego. Conversava com dois garotos irrelevantes, com um copo de uísque em uma mão, um terno preto sobre uma camiseta com decote V e calça jeans. Tinha um sorriso singelo no rosto, mas mal abria a boca para falar. Me restringi a apenas encará-lo de longe, como se aquela fosse a ultima vez em que eu o veria, e eu precisava ter todos os seus detalhes gravados na minha mente; mas eu já os tinha.
Enquanto ele dava um gole em sua bebida, seus olhos vagaram pelo salão e se encontraram com os meus. Eu realmente achei que ele fosse ficar histérico e mandar um segurança me tirar dali. Mas ao invés disso, pediu licença aos garotos e passou a andar em minha direção, me encarando profundamente, mas sem nenhuma expressão. Tremi dos pés a cabeça.
- Eu sabia que você viria... - ele murmurou, tomando um ultimo gole do seu uísque e pousando sobre a bancada atrás de mim. Sua voz era calma, assim como sua feição. Já a minha era de perplexidade. - Você nunca faz o que as pessoas lhe pedem para fazer...
sorriu e continuou a me encarar. Eu não sabia o que fazia. Se gargalhava, se o abraçava, se caia aos seus pés e implorava para ele não ir embora...
- Você não esperava que eu ficasse em casa enquanto você está se mudando para um oceano de distancia, esperava?
O garoto suspirou.
- Claro que não.
O silencio se instalou sobre nós, e eu segurava minha bolsa com firmeza para que não tocasse seu rosto ou apertasse seus ombros.
- Será que... Que nós podíamos conversar a sós? - sussurrei, tentando ao máximo não parecer desesperada demais. Obviamente, ele sabia que eu estava morrendo por dentro.
assentiu e começou a andar por entre as pessoas, e eu andava ainda mais rápido para poder acompanhar seu passo. Eu queria entrelaçar minha mão na sua em um ato que nunca havíamos feito antes. Nós nunca andamos de mãos dadas publicamente. O quão absurdo isso era?
Mas qualquer movimento brusco da minha parte poderia assustar , poderia afastá-lo de uma vez, e eu não teria a oportunidade de persuadi-lo a ficar, muito menos de poder me despedir. Continuei a segui-lo até chegarmos ao elevador. Entramos no mesmo e apertou o botão que nos levaria para a cobertura. Eu não havia pensado na possibilidade de entrar em um quarto com ele, eu achava que ele me levaria simplesmente para a área externa do salão de festas. Mas um quarto me parecia ainda mais perfeito.
Enquanto o silencio nos envolvia dentro do elevador, a vontade de pegar em sua mão nunca foi tão urgente. Não teria como ele fugir de mim ali dentro, então resolvi atender aos meus desejos. Estávamos lado a lado um do outro, e nossas mãos estavam perigosamente próximas. Aproximei ainda mais a minha e por fim as entrelacei calmamente. não moveu um músculo, e continuou a encarar o painel que indicava o andar que estávamos. Não tirou sua mão da minha. Por mais silencioso e simples que fosse aquele ato, me senti a mais feliz das adolescentes e não escondi o sorriso dos meus lábios. Depois de minutos dessa maneira, chegamos à cobertura. Eu tinha certeza de que soltaria nossas mãos e fingiria que aquilo nada significava, mas naquela noite ele estava me surpreendendo demais. Continuou com sua mão grudada a minha e nos conduziu para dentro do cômodo gigantesco. Não era como os hotéis tradicionais, onde você veria apenas um quarto e um banheiro. Era praticamente um apartamento, com uma sala gigantesca na entrada e uma escada que provavelmente daria para um quarto ainda mais gigantesco em cima. Da sala podia-se ver a piscina e o céu escuro por trás de uma porta de vidro. Ainda sem desgrudar nossas mãos, cruzou a sala e abriu a vidraça, nos levando para a piscina iluminada.
Ele infelizmente me soltou e se dirigiu ao muro, de onde era possível ver toda Londres reluzente ali de cima. Me juntei a ele e cheguei à conclusão de que encarar seu rosto era muito mais interessante do que encarar a cidade.
- Por que você está indo embora? - não agüentei mais um segundo de silencio. Eu precisava escutar sua voz novamente, precisava escutar a verdade.
- Eu preciso de novos ares, ... - respondeu ainda sem me encarar. - Muita coisa já aconteceu aqui nessa cidade... Já fiz muita burrada, já arruinei minha vida dezenas de vezes... Meu pai sugeriu me dar parte das ações do hotel de Nova York, e nós dois concordamos que seria uma boa oportunidade para eu recomeçar...
Suspirei profundamente antes de voltar a falar.
- Então isso não tem nada a ver comigo?
finalmente me encarou, seu olhar um pouco surpreso e um pouco interrogativo. Eu podia ver a resposta através deles. Voltou sua atenção para a cidade. Não respondeu.
- Eu prometi que te deixaria em paz, , e eu pretendo continuar com minha promessa. Se você ficar, eu prometo nunca mais te procurar, fingir que não te conheço se por acaso te ver na rua, mas... Mas você tem que ficar! Por favor , fique...
Era como se a cena do ano retrasado, quando ele me implorara para ficar em Londres na estação de trem, estivesse se repetindo, só que com os papéis invertidos. Eu podia sentir claramente tudo o que ele havia sentido quando suplicava para que eu ficasse. Senti um medo horrendo por talvez viver tudo o que ele viveu...
- Por quê? - ele perguntou num sussurro, com certo medo de encarar. Senti as lágrimas eclodirem dos meus olhos e o desespero me envolver por completo.
- Porque você... Você pertence a mim! E eu pertenço a você! Demorou um tempo pra eu perceber, mas é assim, ! Você me irrita... Eu irrito você... Você grita comigo, eu grito com você... Você acaba com os meus namoros e eu acabo com os seus... Isso é o que a gente faz! A gente briga, mas no final ficamos juntos novamente!
- Mas dessa vez não é tão simples como as outras...
- E eu não sei por quê! Eu já te falei, eu não quero ! Nunca quis! Era uma maluquice que inventei para esquecer quem eu realmente queria! VOCÊ! Eu sempre quis você... Sempre quis sentir seu cheiro grudado em mim o tempo todo, sempre quis poder te abraçar o tempo todo, te beijar o tempo todo... Foi sempre você, ... Você o tempo todo...
Ele não me encarava. Acho que ele tinha medo de me encarar e ver que o que eu estava falando era verdade. Eu queria saber o que ele pensava, queria saber se o que ele queria era o que eu queria.
- Eu quero que seja você o tempo todo... Sem mais mentiras, sem mais trapaças... Só nós dois...
continuava observando Londres, relutante a olhar em meus olhos. Eu não sabia mais o que falar; as palavras se esgotaram completamente. Eu queria tanto tocá-lo, ver seu raro e magnífico sorriso, sentir o doce sabor de seus lábios... Eu não podia simplesmente deixar as coisas como estavam. Eu me levaria até o limite, nadaria até o fundo daquela confusão até que o oxigênio em meus pulmões não fosse mais suficiente.
Sabia que me amava. Tinha certeza. Amor não acaba da noite para o dia, era isso que eu pensava pelo menos.
Me pus por trás do garoto e passei as mãos sobre seus ombros, massageando-os lentamente. estava extremamente tenso, e nem a carícia o fez relaxar. Suas mãos agora estavam fechadas em punho, e eu sabia que ele fazia o máximo para se conter. Mas conhecendo como eu conhecia, sabia também que ele iria ceder.
Passei a beijar gentilmente seu pescoço, começando a sentir seu cheiro entorpecer meus sentidos lenta e tortuosamente. Uma de minhas mãos foi até a barra de sua camisa e penetrou por debaixo da mesma, explorando seu tórax tão bem definido e conhecido por mim. Fiz com a unha a curva de seu abdome, e vi os pelos de sua nuca eriçarem. Até quando ele resistiria?
Estava cientificamente provado. Não havia algo melhor que sentir seu cheiro, sentir sua pele contra meus lábios, vê-lo se arrepiar e arrepiar só por vê-lo. Tocar-lhe vagamente, escutar sua respiração falha, quase nula...
Com a mão livre, entrelacei seus cabelos macios nos dedos, puxando-os de leve. A cabeça de deitou em meu ombro e reparei em seus olhos fechados. Todos aqueles traços perfeitos, como se tivessem sido esculpidos por Deus em pessoa. As linhas de expressão, o nariz, a boca avermelhada e entreaberta que deixava escapar alguns ofegos...
Minha boca foi de encontro a sua orelha, mordendo sutilmente o lóbulo da mesma. não conseguiu se conter dessa vez e deixou escapar um gemido rouco de sua garganta.
Ele segurou a mão que estava debaixo da camisa e entrelaçou os dedos aos meus.
- Por que você sempre consegue o que quer? - o garoto balbuciou com dificuldade, virando seu rosto para a direita, de modo que seus olhos penetrassem nos meus com tamanha intensidade que me deixou tonta por alguns segundos.
- Por que o que eu quero é o que você quer... - falei simplesmente.
O olhar de ficou estático, como se ele refletisse naquela frase. Ele sabia que era verdade.
De alguma maneira, éramos um só. Não no sentido romântico da frase, mas no sentido quase literal. Pensávamos da mesma maneira, agíamos da mesma maneira... Todas as maldades cometidas até ali, todas as pessoas que machucamos, todos os caminhos percorridos até chegarmos onde estávamos... Era como se tivéssemos combinado o que fazer.
era . era .
Éramos tão opostos que chegávamos a ser iguais.
No final de tudo, ele sabia que o que ele queria era eu. Eu era o que ele precisava. Quem ele sonhava. Em quem ele sempre pensava. Eu sabia apenas de olhar em seus olhos; eles refletiam tudo o que os meus refletiam de volta.
se virou de frente a mim e segurou meu rosto entre suas mãos. Encarava-me com uma intensidade nunca antes utilizada, e eu estava praticamente hipnotizada. Foi por isso que meu estomago deu voltas histéricas quando seus lábios atingiram os meus com uma fúria imensa. Ele não estava sendo nem um pouco carinhoso, e eu também não esperava que fosse. A luxuria, o desejo misturado com a raiva, a vontade de ter um ao outro, toda a angustia acumulada... Tudo estava sendo despejado naquele beijo avassalador.
Ele me virou e prensou nossos corpos contra o muro, prendendo minhas mãos na parede. Voltou a me encarar. Seus olhos me deixavam louca, completamente desnorteada.
Mas ele voltou a me beijar com furor, agora pressionando seu corpo ainda mais contra o meu. Eu tentava inutilmente sair das amarras que eram suas mãos ao redor dos meus punhos. Eu queria, eu precisava mais do que tudo poder tocá-lo. Deixar as marcas do meu amor e do meu ódio por todo seu corpo. Queria explorar aquela terra tão conhecida, mas que nunca se tornava monótona.
Pegando o garoto despercebido, puxei meus braços para baixo com força e consegui me libertar, sem despregar nossas bocas em instante algum. Uma de minhas mãos foi logo para debaixo de sua camiseta, arranhando cada pedaço de pele por onde passava. A outra foi um pouco mais ousada, invadindo sua calça jeans e apertando seu glúteo, de modo que seu corpo prensasse ainda mais contra o meu.
Seus dentes e língua exploravam meu pescoço e suas mãos tiraram a minha camisa e meu sutiã. Sua boca agora beijava o meu colo e seu quadril apertava ainda mais o meu. Era fisicamente impossível ficar mais próximo do que aquilo, mas queríamos quebrar as leis da física e ocupar o mesmo espaço.
quebrou o beijo e passou a me encarar novamente. Sempre fui uma boa decifradora de olhares, mas naquele momento não conseguia lê-los. Ele apenas me olhava nos olhos. Apenas isso.
Aquele mar de confusões, de emoções... Aqueles olhos que me deixavam tonta, que me entorpeciam, que me enlouqueciam...
Passei minha mão por seus cabelos, apenas como um gesto de carinho e nada mais.
Eu ainda não sabia se ele havia me perdoado, não sabia se ele estava me aceitando de volta, se ficaria em Londres. Mas naquele momento, aquilo não importava. Eu queria somente aqueles olhos, aquela boca avermelhada por minhas mordidas, aquele suor escorrendo de sua testa grudado em minha pele.
Tirei seu terno e arranquei sua camisa com agilidade, arranhando suas costas em seguida. tirou minha saia com habilidade e voltou a me beijar.
Seu corpo estava cada vez mais grudado contra o meu, sua pele esfolando a minha com furor e desejo, nosso suor e nosso cheiro se misturando com perfeição.
Seus beijos eram ainda mais urgentes, e a vontade de respirar não era mais uma obrigação. Eu não precisava de ar. Eu precisava de .
Eu agora apertava seus braços com força, enquanto suas mãos estavam ocupadas em tirar a ultima peça de roupa que me restava: minha calcinha.
Assim que conseguiu, tratou de tirar sua calça e boxers.
Como eu amava aquele corpo... As coxas torneadas, o abdome cheio de dobras, as tatuagens que ele escondia, as costas irresistíveis. Pulei em seu colo e entrelacei minhas pernas em sua cintura. No minuto seguinte pude senti-lo como se fosse a primeira vez. Os espasmos por tê-lo tão próximo e tão profundamente, nossos corpos se movendo ritmicamente, sua respiração afobada em meu ouvido. Nossas mãos entrelaçadas e depois explorando um ao outro.
Os beijos calorosos e furiosos.
Seus olhos nos meus, sua testa na minha.
Meu nome saindo como um sussurro pesaroso de sua garganta.
Minha suplica por ter seus lábios sempre juntos aos meus.
A sensação incrível de me sentir completa e vazia ao mesmo tempo.
A sensação de tê-lo e no minuto depois não ter mais.
Todas as contradições tão simples.
Quando meu corpo sentiu finalmente que iria ceder aos prazeres de ter , senti meu estomago revirar, meus músculos se contraírem, minha garganta não suportar a pressão e urrar sem vergonha, minhas mãos agarradas aos seus cabelos com toda a força.
Escutei meu nome sair da boca de com fúria, enquanto ele enterrava seu rosto na curva do meu pescoço, contendo-se para não se entregar completamente a mim.
Mas eu sabia.
Eu sabia que o prazer que lhe atingira era uma mistura de amor e ódio tão perfeita, que parecia não haver diferença entre os dois.
Eu sabia.
Eu sabia que ele era meu.
- Passe a noite comigo... - ele disse com o resto de forças que ainda tinha, com a testa grudada na minha e com a paisagem da iluminada Londres atrás de nós. Eu não precisaria nem responder. Eu passaria todas as minhas noites com , se ele quisesse.
Com um sorriso no rosto, voltei a beijá-lo, e ainda grudada em seu corpo, o garoto nos levou para dentro do apartamento. Subiu as escadas com meu peso sobre si, e em seguida me deitou gentilmente sobre a cama, deitando-se ao meu lado em seguida. Me virei de lado, sendo abraçada e encaixada completamente ao corpo de . E a ultima coisa que escutei antes de fechar os olhos, foi um sussurro quase pesaroso.
- Eu também te amo.
You’re
So Last Summer
“Eu realmente amei você, e talvez sempre amarei. Mas nós simplesmente não nascemos para ficar juntos. A distancia vai ser o melhor para nós dois.”
Foi isso que li ao acordar, em um bilhete posto sobre o travesseiro ao meu lado. A primeiro momento nada senti, pois achava que ainda estava dormindo. Mas assim que me levantei e procurei por no enorme apartamento, apenas para perceber que ele não estava lá, o desespero me atingiu em cheio. Vi-me escorada em uma parede qualquer, enrolada por um lençol e chorando como nunca. Ele tinha ido embora.
Ao contrário do que parecia noite passada, quando dormimos abraçados como se não existisse nada além de nós dois, ele fora embora. Quando deixei que o sono me acolhesse, nunca imaginei que acordaria e não o veria ao meu lado. Senti raiva, e depois me martirizei por ser tão egoísta. Ele tinha todo o direito de me abandonar, assim como eu o abandonara uma vez. Mas tudo em mim queria acreditar que ele não teria coragem, que seu amor por mim o faria ficar, o faria querer me dar uma outra chance. Entretanto, no final das contas, eu não era merecedora de chance alguma.
Quando finalmente vesti minhas roupas e sai daquele hotel maldito, a primeira coisa que fiz foi chamar um taxi e ir até o prédio de . Não havia ninguém no apartamento, a não ser a tailandesa que lá trabalhava e não entendia nada do que eu perguntava. Fui até seu quarto, com a empregada aos meus calcanhares, gritando meu nome e mais outras palavras que eu não conseguia entender. O quarto de estava completamente vazio, sem os pôsteres de bandas que cobriam as paredes, o armário estava sem roupa alguma, e até mesmo sua cama estava sem lençóis. Foi lá que larguei meu corpo anestesiado. Mil pensamentos passavam pela minha cabeça, mas nenhum deles tinha sentido, e o aperto em meu peito estava começando a ficar insuportável. Eu não sabia o que fazer, não sabia se tinha ao menos alguma coisa a fazer. Uma parte de mim insistia que eu tinha que respeitar a decisão de de ficar longe de mim, que tinha que deixá-lo ir, deixá-lo viver sem minhas confusões. Mas outra parte, outra mais convincente, me dizia para pegar o primeiro voo para Nova York. Afinal, eu não poderia desistir assim tão facilmente, poderia? Eu havia acabado de declarar meu amor por , e como eu faria jus à ele se desistisse assim tão facilmente?
É. Eu realmente não sabia o que fazer.
Quando minha cabeça estava prestes a fundir, eu me realizei de que estava, pela milésima vez, sendo egoísta. Mas isso era tudo o que eu sabia fazer, afinal: ser egoísta, pensar só em mim, no que eu quero e com o que eu sinto. Ir embora fora a escolha de . Se afastar de mim era o que ele queria.
Por mais difícil – praticamente impossível – que fosse, eu teria que pensar em alguém além de mim. Alguém que havia sofrido todas as consequências dos meus atos muito mais do que eu.
A empregada de me encarava absorta, provavelmente se perguntando que diabos eu fazia ali, então sai de seu quarto de uma vez por todas e passei a andar sem rumo nas ruas movimentadas de Londres.
Último dia de aula. Fingi que estava doente e até mesmo me forcei a ficar doente, mas nenhuma desculpa seria boa o suficiente para Berta me deixar em paz. Ela sequestrou meus cobertores, tirou uma roupa do meu guarda-roupa e me puxou quase que pelos cabelos para dentro do banheiro. Pensei em me trancar ali, mas é claro que ela se sentou na privada e esperou enquanto eu tomava banho.
A limusine levou Bridget e eu para o inferno na terra chamado Drayton Manor. Ao mesmo tempo em que eu não queria ficar ali de jeito nenhum, eu ficava feliz por estar ali com o pensamento de que teria que ser a última vez. Não consegui me lembrar de um momento alegre que passei ali, pois os tempos de antes da mudança da Europa – além das lembranças frescas de tudo o que minha ex-amiga Ava tinha feito – pareciam estar em um passado muito, muito distante. E isso me fez realizar o quanto minha vida era patética. Sim, era. Tudo o que havia acontecido com me fizera realizar o quanto eu era vazia e o quanto meus valores eram fúteis. E eu nunca quis mais poder voltar no tempo, pro tempo onde eu era feliz, um tempo em que eu não havia complicado tudo. Afinal de contas, não era a vida que era difícil. Eu que a havia tornado.
Os olhares costumeiros estavam postos em mim assim que pisei no primeiro tufo de grama do colégio. Os olhares de pena e de nojo, os sussurros, as caretas. Tudo estava como devia e sempre estava. Eu merecia aqueles olhares; eu era merecedora de pena e principalmente de nojo. Mas não por muito tempo. Tudo estava prestes a acabar. Mais seis agonizantes horas e tudo estaria acabado, no passado, selado e enterrado.
Segui com a cabeça erguida até a primeira aula, encontrando uma sorridente com os braços envoltos em um mais sorridente ainda. Quando sentiram minha presença, desagarraram um do outro e expressões embaraçosas dominaram seus rostos.
- Agora todos são obrigados a serem infelizes na minha presença? – resmunguei ao sentar na frente do casal. A que ponto cheguei, que minha energia negativa acabava com a alegria dos que estavam a minha volta?
sorriu envergonhada e voltou a abraçar o namorado, que ainda me encarava. Eu sabia o que seus olhos queriam dizer. Era como se ele estivesse pedindo desculpas por outra pessoa. Devolvi o olhar com um sorriso singelo, que dizia que não havia com o que ele se preocupar, tudo estava bem. Ou ficaria. Eu tinha que acreditar que ficaria.
O professor finalmente entrou na sala e começou sua despedida, e eu nunca na vida quis tanto me despedir o mais rápido possível.
No refeitório eu presava um pouco de paz, mas sabia que jamais a teria. Pessoas passavam por mim cochichando coisas maldosas e eu apenas me resumia a mexer ritmicamente em minha comida, respondendo de forma monossilábica a cada pergunta que ou até mesmo fazia.
- Olha só, quase fico com pena dessa carinha triste de quem foi abandonada pelo namorado... – aquela voz fina e aquela risada maldosa me fizeram despertar dos meus devaneios. Respirei fundo e contei até dez, tentando impedir que a raiva dominasse meus pensamentos. Faltavam poucas horas para eu sair dali, pouquíssimas horas e nunca mais escutaria aquela voz irritante novamente. – Mas eu entendo perfeitamente. Afinal, nem mesmo eu consegui aturá-la por tanto tempo...
Olhei de relance para , que balançava negativamente a cabeça para mim, enquanto todos da minha mesa seguravam a respiração e estavam curiosos para saber o que aconteceria em seguida. Fechei meus olhos com força e não contive as palavras que saíram da minha boca.
- Pelo menos ele me aturou por algum tempo, não é mesmo, Ava? E você? Quando foi que ele te aturou?
Senti as unhas grandes de Ava agarrarem meu ombro com força e seu hálito com cheiro de menta bater em meu ouvido.
- Você ainda vai me pagar por isso, . Ele era meu. Eu vou fazer você pagar.
Peguei sua mão e a apertei com todas as minhas forças, fazendo-a tirá-la de meu ombro. Levantei-me do banco e fiquei a poucos centímetros da loira, que me encarava com uma fúria que era minha grande conhecida.
- Estou cansada de você, Ava Caldwell. Pra mim já chega. – apressei-me a sair do refeitório agora mergulhado em um silêncio absoluto, mas as mãos finas de Ava foram ágeis e brutas em agarrarem meus braços.
- Isso só acaba quando eu quiser acabar – a garota disse rispidamente a milímetros de distancia do meu rosto e seus olhos verdes fixados nos meus. O toque de suas mãos em mim era envenenado, mandava ondas de ódio e raiva para todo o meu corpo, fazendo-me desvencilhar delas rapidamente. Se eu pudesse me olhar no espelho saberia que minha expressão indicava que eu poderia matar Ava Caldwell a qualquer momento.
- Você acha mesmo que tem poder sobre alguma coisa Ava? – perguntei entre dentes, cerrando minhas mãos para que elas não fossem de encontro com o rosto impecável da garota. – Essas pessoas aqui não a conhecem como eu. Você não passa de uma garotinha insegura que sempre quis tudo o que é meu. Demorei a perceber isso, mas você não é má, Ava. Você é apenas uma criança mimada e invejosa.
- Inveja? De quem? De você? - Ava soltou uma risada estridente antes de continuar soltar seu veneno. – Me poupe, minha querida. Todos aqui sabem o quão superior eu sou a você. Em tudo.
- Claro. Você realmente possui todos os títulos de Miss Drayton. Meus parabéns! – bati palmas cinicamente. – Você pode ser mais bonita, Ava, pode ter as roupas mais caras, a maior casa, o carro mais moderno. Mas eu sempre tive o que você nunca teve: o .
Eu sabia que não podia ficar usando seu nome daquela maneira, mas quando se tratava de Ava Caldwell eu perdia minha cabeça. Vi que afetei a garota como se tivesse a ofendido profundamente.
- Ele não é mais seu. Ele te abandonou! – ela gritou
- Sim, Ava. Ele me abandonou! – gritei em seu mesmo tom, fazendo com que os olhares sobre nós ficassem ainda mais compenetrados. – Mas nem isso você vai ter! Essa angústia que estou sentindo por ter perdido a pessoa que eu mais amava! Você nunca vai sentir isso, porque não foi a você que ele abandonou! Não foi você que ele amou! E ele pode ter partido, mas sei que era eu quem estava em seus pensamentos no minuto em que ele entrou naquele avião! Você nunca vai ter isso, Ava, e é por isso que eu falo que sim, isso acabou! – gritei ainda mais alto. – Mas se quer saber, é exatamente por isso que você ganhou.
Caldwell estava sem palavras para me ofender pela primeira vez na vida. Me encarava absorta, pois sabia que tudo que eu havia dito era verdade. Ela nunca teria , e mesmo se tivesse, não passaria de um passatempo para me irritar, pois como eu havia dito, desde quando éramos crianças, tudo o que Ava sempre quisera era ter o que era meu, não importava o que fosse.
- Você ganhou porque conseguiu me tornar alguém mil vezes pior que você. Como eu disse, você é apenas uma criança mimada. Mas você fez de mim uma pessoa verdadeiramente má, Ava – aproximei-me da garota ainda mais, vendo em seus olhos certo medo que lá se instalava à medida que eu falava. – Você fez cada parte boa em mim desaparecer, sendo substituída por puro ódio. Um ódio que me fez decepcionar todos meus amigos, minha família, a pessoa que eu amava. Sua inveja conseguiu me destruir, Ava, não era isso que você queria desde o começo?
Ela ainda me encarava absorta, tentando entender a dimensão das palavras que saiam da minha boca. Minha intenção não era fazer com que Caldwell sentisse pena ou até mesmo remorso por mim. Eu duvidava que seu cérebro alienado a permitisse sentir qualquer remorso. Inveja é uma doença que cega os olhos e insensibiliza o coração. Fosse o que fosse, seus olhos me encaravam com um toque de algo desconhecido.
- Você ganhou, Ava. É por isso que te digo que esse jogo está acabado.
E com estas palavras, deixei todos os rostos boquiabertos do Drayton para trás.
Just a
Day Dream Away
Berlim. Não havia cidade que eu mais amava no mundo que Berlim. Seu ar parecia mais leve, sua população parecia mais alegre, suas árvores pareciam mais verdes. Não que eu não amasse Londres. Mas em Berlim existia algo que em Londres eu jamais teria: um futuro.
Aquela cidade conseguia me fazer sorrir quase a maior parte do tempo e até mesmo me arrancava algumas gargalhadas de tempos em tempos. Me mudar de volta para aquela cidade havia sido a melhor decisão que tomei em séculos.
Morar com meu pai era a coisa mais maravilhosa do mundo. Ele era a pessoa mais calma do universo, e era inevitável que sua calma me contagiasse. Perto dele era como se nada tivesse acontecido nos últimos meses, como se eu nem ao menos tivesse saído da Alemanha para voltar a morar em Londres há um ano.
Mesmo com as inscrições para as faculdades alemãs encerradas, com sua influência ele foi capaz de me fazer ser aceita na Humboldt-Universität. Quando eu não estava focada nos meus estudos de Direito, meu pai, sua esposa e eu divertíamo-nos nos diversos bares de Berlim. Outra coisa que eu simplesmente amava em meu pai: seu espírito eternamente jovem que me fazia esquecer rapidamente de todos os pensamentos turbulentos que de vez em quanto insistiam em perseguir minha mente.
A verdade era que ali, em Berlim, depois de um e meio, o tempo que passei em Londres parecia um passado distante demais. Mudei-me depois de uma festa de despedida – para mim – que nem ao menos compareci. Todas as pessoas que nela estariam, eram pessoas das quais não queria nenhuma despedida, afinal, nem ao menos conheceria metade delas. No dia seguinte à festa – que foi de cara um escândalo sem a minha presença, mas que depois com muito álcool todos se esqueceram do motivo que os levaram até ela – encontrei-me com os poucos amigos que me restavam em uma cafeteria e me despedi de cada um. Brevemente de e , e um abraço surpreendente de que sinceramente disse que sentiria minha falta , e mais longamente de Aaron e . Eram esses os resquícios de Londres que eu ainda insistia em ter. Falava quase toda semana com minha irmã e até mesmo com minha mãe – que, agora que não mais morávamos juntas, se tornara incrivelmente dócil. Com e Aaron era a mesma coisa. Os dois inclusive me visitariam nas férias de verão.
Quando meus pensamentos foram me levando em um caminho que eu tentava esquecer – ou ao menos não me lembrar muito – tomei um longo gole da cerveja forte e escura que se encontrava em um copo enorme na minha frente.
No entanto, eu nunca conseguia ficar muito tempo sem pensar nele. Quer dizer, os pensamentos não eram frequentes, mas vez ou outra eu me surpreendia ao relembrar de um cheiro, de algumas palavras e de alguns raros sorrisos. Para falar a verdade, quando o ato de pensar em não era mais doloroso, eu me pegava rindo de tudo o que aconteceu. Isso pode parecer incrivelmente mórbido, e talvez eu até mesmo ria ironicamente, mas o fato de nossa relação ter sido tão distorcida me fazia rir. Principalmente porque ali em Berlim eu não me sentia mais culpada de nada. É claro que nada mudava o fato de eu ser, obviamente, quase culpada de tudo, mas ali eu não precisava sentir a culpa propriamente dita. Tudo estava no passado, como deveria estar. E era por esta razão que pensar nele de vez em quando não doía. Mas eu havia selecionado apenas as coisas boas sobre : nossa infância, nossos sonhos de adolescentes, nossas conversas na época tão profundas, os nossos sorrisos e abraços, enfim, da nossa amizade. Por mais que fosse bom lembrar de seus beijos e daquela sensação maravilhosa que tinha toda vez que suas mãos me tocavam, essas lembranças traziam outras que não eram tão agradáveis de se recordar. Por isso me limitava a pensar no tempo em que nada era complicado, do tempo que jamais imaginaríamos que tudo se complicaria.
Eu não tinha noticias dele. não me dizia, nem eu perguntava. É claro que queria saber como ele estava, se era feliz, mas achava que nada daquilo me dizia respeito. Ele tinha o direito de seguir em frente, mas eu também tinha. Berlim me dava essa chance.
Na faculdade, nada de olhares. De nenhum tipo. Eu era completamente invisível, e a sensação era indescritível. Já fizera algumas amizades, já havia saído para algumas boates, beijado Stephen Würz, o garoto que ficava antes de me mudar para Londres e a vida era boa. Simples. Normal. Eu podia ser apenas , uma garota normal de Londres. Tinha um carro normal, nada de limusine, vestia roupas de uma universitária normal – vez ou outra apelava para um Chanel por pura saudade, e frequentava festas normais de pessoas normais. Eu não podia pedir por mais nada.
E lá estava eu, em um kneipe com vista para o rio Spree junto de meus colegas de faculdade. Eles conversavam animadamente, mas minha cabeça ainda vagava pelo passado. Às vezes era inevitável sentir um certo vazio que me atingia em cheio o peito. O vazio que eu sentia desde que Nova York roubara o que era de mais precioso pra mim. Talvez um ano e meio não fosse o suficiente para me fazer esquecer, afinal.
Foi apenas quando meu celular tocou que minha mente finalmente se despertou. Pedi licença para meus colegas quando vi o nome de Brie no visor e atendi com certa alegria na voz.
- Como está, irmãzinha?
- Oi, ...
A voz de Brie estava um tanto trêmula, e aquilo me fez ficar em estado de alerta.
- Está tudo bem com você?
- Sim, está... – ela agora soava insegura. – Eu estou em uma festa no Hotel... – não era novidade festas no hotel da família , mas algo em seu tom me alarmou. Eu sabia o que estava por vir. – Eu vi , .
Respirei fundo. Havia um motivo para eu nunca ter noticias de por parte da , era porque ele não ia a Londres desde que se mudara. Saber que ele estava naquela cidade – e eu não – fez meu coração se apertar.
- Esta é a cidade de sua família, Brie, ele eventualmente voltaria para fazer uma visita aos amigos... – falei para tentar acalmá-la.
Talvez ela estivesse tensa, pois não sabia se eu queria ou não ter notícias de , e a verdade era que eu estava feliz por ela ter me ligado. Saber que minha irmã estava a alguns metros de me fazia sentir estranhamente próxima, por mais ridículo que parecesse. Aquele seria o máximo de proximidade que teríamos, de qualquer maneira.
Quis estar em Londres pela primeira vez em meses, e aquilo me surpreendeu. Queria estar naquela festa, escondida em algum canto apenas para observá-lo de longe. Queria se estava vestido de seu modo característico – calça jeans e camisa social e terno. Queria saber se seu cabelo estava bagunçado daquele jeito que eu amava, queria saber se agora sorria já que eu não estava mais por perto. Mas quando abri a boca para perguntar, as palavras de Bridget congelaram meus músculos e abriram um buraco abaixo dos meus pés.
- ... voltou para apresentar sua noiva para a família.
Time
To Figure This Thing Out
Eu encarava aquele círculo de ouro com uma atenção de outro mundo. Parecia-me um pedaço de metal radioativo, e eu tinha muito medo de chegar mais um milímetro perto dele. Era tão bem polido que eu podia ver meu reflexo distorcido se eu me atrevesse a chegar mais perto.
Não sabia quanto tempo eu estava encarando aquela aliança posta em cima da mesinha de centro da sala, mas provavelmente se passaram horas desde que Stephen a deixara ali.
Milhares de pensamentos passavam pela minha cabeça naquele momento, nenhum concreto ou nítido o suficiente para me ajudar a tomar uma decisão. Dizer sim me parecia a resposta mais correta, afinal, estávamos juntos a sete anos. As pessoas deviam se casar depois de tantos anos comprometidos, mas o sim ainda estava destorcido na minha mente.
Minha hesitação passou a me irritar depois de um tempo. Stephen era o homem perfeito para mim. Era um dos caras mais lindos que eu conhecia, com seus cabelos pretos penteados de uma forma séria que, somado à covinha em seu queixo, lhe davam um ar incrivelmente sexy. E seu sorriso extremamente branco era meu calmante natural. Era um homem responsável e agora muito bem sucedido, trabalhando como promotor para a prefeitura de Berlim, sendo considerado um dos melhores em seu ramo. Quando engatamos nosso romance, eu não pensava que ele iria a lugar algum devido à minha péssima experiência em relacionamentos. Mas estar com Stephen fez de mim uma expert no assunto e eu me surpreendia toda vez que realizava quanto tempo estávamos juntos. Ele me dava uma segurança que nunca senti antes com um homem, e ele me amava do jeito mais simples e descomplicado do mundo.
Eu também o amava... Provavelmente não da mesma maneira e intensidade, mas o tempo é uma coisinha milagrosa que me fez acomodar completamente ao lado de Stephen. Agora me restava saber se eu queria ser Würz, e não mais .
Ele havia me proposto em casamento da maneira mais romântica possível. Fizera um jantar maravilhoso em nosso apartamento, um discurso de tirar o fôlego e uma aliança que provavelmente custava três vezes o meu salário de advogada. Quando ele viu que minha reação não era a que ele esperava, beijou minha testa e disse que me daria um tempo para pensar. Passara-se um dia, e lá estava eu, ainda pensando. O fato era que eu não sabia por que ainda estava pensando. Se eu o amava, não era para ser uma decisão difícil, muito pelo contrario. Dizer sim parecia o mais certo a se fazer.
Mas aceitar um pedido daqueles não deveria apenas parecer certo. E eu não tinha a certeza absoluta de que aquilo era o que eu queria. No entanto, se eu não aceitasse, provavelmente ficaria sozinha para o resto da vida, pois jamais encontraria outro Stephen Würz no mundo.
Soltei o ar que estava segurando em meus pulmões há muitos segundos quando meu celular tocou e vi que alguém da companhia me ligava. Trabalhar era a maior distração que existia.
- Sim?
- , é o Hissnauer. Preciso de você urgente. Sei que é o seu dia de folga, mas...
- Estarei aí em vinte minutos.
Hissnauer, meu chefe, concordou meio hesitante e assim que desliguei o telefone, tratei de trocar os pijamas por minha roupa social de trabalho. Fazia três anos que eu trabalhava na Hessnauer Gesellschaft, a maior companhia de advocacia de Berlim – e provavelmente de toda Alemanha – e já me tornara uma das advogadas favoritas do meu chefe. Qualquer grande caso que aparecesse, ele me chamava de imediato, e eu me sentia incrivelmente convencida. Eu amava o que eu fazia, e o salário era generoso.
O transito me favoreceu e suspirei aliviada; se tivesse que enfrentar algum tráfego que me desse tempo para pensar no que dizer a Stephen, eu provavelmente surtaria. Em menos de dez minutos eu já adentrava o grande saguão da empresa e me dirigia à sala de reuniões, com Claudia ao meu encalço.
- Temos um grande cliente hoje, srta. – a minha assistente dizia animada tentando acompanhar meu passo. Claudia era uns cinco anos mais nova que eu, uma garota bonita de cabelos castanho claros e olhos pretos como carvão. – É uma grande firma inglesa que está com problemas na filial alemã, e claro que nos requisitaram. Você não tem ideia do quanto estão nos oferecendo para defendê-los...
Eu não estava muito preocupada com quanto eu receberia de comissão daquele caso que, modéstia parte, provavelmente venceria; estava apenas procurando algo que me distraísse por um longo prazo até que eu pudesse responder à grande pergunta de Stephen. Isso me daria alguns dias para pensar e desculpas para dar.
- Nossa melhor advogada já deve estar chegando... – escutei a voz grossa do senhor Hessnauer soar em um inglês arrastado.
- Obrigada pela atenção no nosso caso – respondeu provavelmente o dono da empresa.
Mas aquela voz havia soado incrivelmente familiar à medida que eu me aproximava da sala de reuniões e instintivamente senti todos os meus músculos congelarem e meus pés fincarem no chão de mármore.
- Qual é a firma que estamos defendendo, Claudia? – perguntei alarmada, temendo a resposta que eu já sabia que ela daria.
- A rede de hotéis .
Quando ela sanou as minhas duvidas, senti minha cabeça girar e uma náusea atingir em cheio meu estômago. Passara-se tanto tempo que eu não tinha a mínima ideia de como reagiria se me encontrasse novamente em frente a ele. A verdade era que, depois de oito anos, eu tinha certeza de que jamais o veria de novo. Qualquer coisa relacionada a havia desaparecido da minha vida há sete anos, quando a última notícia que recebi foi que estaria se casando em breve.
Mil imagens apareceram como um flash em minha cabeça. Sua cerimonia de casamento, sua esposa que provavelmente era maravilhosa, e depois de sete anos de casado, provavelmente teriam dois ou três filhos. A imagem de se casando era, na verdade, completamente inimaginável, e a ideia de que ele poderia ter filhos fez com que eu quisesse correr dali.
Mas eu estava sendo boba e completamente infantil. Passaram-se oito longos anos desde que tudo aconteceu, provavelmente tinha uma vaga lembrança de mim, e eu agora tinha vinte e cinco anos nas costas, era uma mulher, não deveria estar abalada daquela maneira. Era apenas uma grande surpresa.
Afinal de contas, quais eram as chances de nos reencontrarmos novamente, naquelas circunstancias?
Claudia me encarava com apreensão, sem entender por que eu estava à beira de um ataque de nervos. Sorri nervosa, respirei profundamente e ajeitei meu paletó. Dei duas batidas na porta ornamentada de madeira entreaberta da sala de reuniões, anunciando minha presença, e finalmente entrei. Eu sabia que me chocaria ao vê-lo depois de tanto tempo, mas vê-lo daquela maneira fez com que fosse impossível espantar a expressão surpresa que provavelmente dominava meu rosto.
Eu jamais havia visto tão... sério. Seus cabelos estavam perfeitamente penteados para trás; sua camisa social agora estava envolta por uma gravada vermelha e preta, por cima da camisa um terno que provavelmente custava minha casa inteira, e a calça jeans usual fora substituída por uma de linho preta. Em seus olhos estava a mesma surpresa que estava estampada nos meus que, somados à boca entreaberta, lhe dava uma expressão extremamente chocada.
- Senhor , esta é a Srta...
- – interrompeu Hessnauer com os olhos arregalados, mas um singelo sorriso que cobria os lábios. O agora homem estendeu sua mão e eu tive que limpar o suor da minha singelamente em minha saia antes de apertar a sua.
- ... – deixei que seu nome escapasse da minha boca sem que eu percebesse, e ignorei completamente as perguntas curiosas que o senhor Hessnauer agora fazia.
Nossos olhos estavam compenetrados um no outro, nossas mãos ainda agarradas e apenas quebrei nosso contato visual para olhar sutilmente na mão abaixada de , a esquerda, que não possuía aliança como eu esperava ver. Ele percebeu para onde eu olhava e apenas sorriu quando voltei a encará-lo. Não sabia dizer exatamente o que aquele sorriso significava.
- Quais são as chances de nos reencontrarmos nessas circunstancias? – ele perguntou em um tom divertido, sua voz soando mais grossa e firme do que eu me lembrava.
- Eu estava pensando a mesma coisa... – foi tudo que consegui responder enquanto me perdia por alguns instantes naqueles olhos que haviam sido apagados da minha mente. Depois de sete anos a imagem de se tornara turva nas minhas, para falar a verdade. Eu raramente pensava nele, para não falar que nunca pensava nele. Com a notícia de que se casaria, resolvi apagá-lo completamente. Não porque estava com raiva, longe disso. Mas porque decidi que era o melhor a se fazer. É claro que a minha mente, na época ainda um pouco perturbada, me fez querer pegar o primeiro avião para Londres e tentar acabar com seu noivado, mas que tipo de pessoa eu seria se fizesse isso? Estava tudo claramente acabado entre nós, e eu não podia – mais uma vez – acabar com a felicidade de . Ele iria se casar e iria ser feliz. Meu lado altruísta decidiu que era melhor para ele ser feliz longe de mim, no final das contas. Por estas razões, eu não havia apagado, mas apenas me esquecido de lembrar de tudo que passamos, de suas feições e de seu jeito, apesar de que agora que ele estava ali, ao vivo e a cores depois de tanto tempo, me realizei de que não havia esquecido absolutamente nada. era exatamente tudo o que eu me lembrava, entretanto os anos havia feito dele um homem, e ele estava trezentas vezes mais bonito do que nas minhas memórias.
O senhor Hessnauer começou a tagarelar sobre o caso da companhia de , mas nem eu, nem ele parecíamos prestar muita atenção. Sentei-me no lugar de costume e se sentou à minha frente, sem desgrudar seus olhos dos meus por um segundo sequer. Talvez ele estivesse pensando o mesmo que eu: estávamos há tanto tempo sem nos encarar que parecia uma missão praticamente impossível desgrudar os olhos um do outro. Eu não queria nem tentar, na verdade. Lembrei-me instantaneamente de como seus olhos costumavam ter um efeito magnético sobre os meus, de como eu nunca conseguia desviar meu olhar quando me encarava. Lembrei também de todas as sensações que me atingiam no momento em que elas voltaram a me atormentar. Eu parecia uma garotinha de treze anos, com o estômago se revirando, a cabeça zonzeando, o ar escapando dos pulmões e o sangue se concentrando em minhas bochechas. Não sabia o que estava sentindo, mas ele mantinha um sorriso quase inexistente no canto dos lábios, o mesmo sorriso que ele sempre lançava em minha direção nos tempos da escola. Aquele sorriso que dizia que ele sabia o que eu estava pensando, e que gostava daquilo. Não sei quanto tempo o senhor Hessnauer ficou falando, podiam ter sido segundos, horas, semanas, mas o tempo passava devagar.
- O que você acha de me apresentar a cidade? – interrompeu meu chefe sem a mínima educação, afinal, ele não se importava. Ele era um bilionário e a honra era de Hessnauer por tê-lo aqui, então não tinha cerimônias. Senti que meu coração estava prestes a quebrar minhas costelas e minha boca abriu e fechou diversas vezes, mas, diferente da outra resposta que eu teria que dar a uma outra pessoa, aquela veio quase de imediato.
- Claro...
se levantou no mesmo instante de sua cadeira e estendeu a sua mão através da mesa para que eu fizesse o mesmo, e eu o fiz sem pestanejar. Senhor Hessnauer fazia perguntas em alemão, mas eu nem ao menos me dei ao trabalho de responder. era o maior cliente que aquela companhia já teve, ele não precisava de desculpas obviamente.
Dirigimo-nos até a saída da empresa sem uma palavra, com os olhos ainda fixos um no outro. abriu a porta de seu carro preto para mim e o rodeou para sentar ao meu lado.
- Ainda não estou acreditando nisso... – ele disse depois que o carro começou a andar lentamente pelas ruas movimentadas de Berlim. Sua cabeça balançava em negação e seu sorriso agora era mais largo. Até me assustei um pouco ao vê-lo, já que antigamente ele aparecia nos lábios de muito raramente.
Ele estava completamente diferente. E não era apenas pelo fato de estar mais velho, mas ele estava mais radiante, mais feliz. De um jeito que pensava que ele jamais ficaria diante da minha presença. Na minha cabeça, eu tinha a ideia de que jamais me perdoaria pelo nosso passado. Mas pelo jeito – e eu realmente torcia para isso – estava enganada.
- Eu também não... Você está tão...
- Velho? – ele me interrompeu com uma risada.
- Como se vinte e cinco anos fosse velho, né ? Você pode até estar, na verdade está mesmo parecendo velho com essa calça e essa gravata, mas eu estou mais jovem do que nunca! – brinquei com um humor recém adquirido, deixando com que a aparente alegria de me envolvesse. Nos nossos tempos juntos de colegial, eu jamais havia visto ele tão alegre, a não ser naquele breve momento na festa de , oito anos atrás, um tempo depois de termos gravado algumas confissões de Ava e que pensávamos que finalmente ficaríamos juntos. A lembrança de tudo o que aconteceu depois tirou rapidamente o sorriso que tinha no rosto. Desviei de seu olhar e passei a reparar nos pedestres que passavam rapidamente por nós.
- Para onde você vai me levar? – ele perguntou animado, talvez ainda sem perceber o clima tenso que se instalou entre nós, ou talvez tal clima tivesse se instalado apenas em mim. Espantei o passado da minha cabeça e me limitei a pensar apenas naquele momento, naquele estranho e surpreendente momento.
estava na minha frente depois de oito anos. Era inacreditável.
- Já que temos pouco tempo, vou te mostrar o melhor da Alemanha logo de cara...
- Espero que você esteja me levando para a sua casa, então... – disse e soltou uma risada estridente em seguida. Abri a boca chocada e dei um tapa forte em seu braço, não resistindo e rindo histericamente também, vendo que, na verdade, não tinha mudado nada.
- É basicamente isso. Seu novo país está querendo roubar milhões de euros de mim... – deu de ombros e deu um longo gole em sua cerveja.
- Se eu te conheço bem, você provavelmente fez alguma coisa errada e isso não é roubo nenhum... – dei de ombros também e acenei para que o garçom trouxesse mais dois chopps. Estávamos no meu kneipe favorito com vista para o rio Spree e nossa comanda já marcava oito chopps.
- Você realmente me conhece muito bem – ele disse com aquele sorriso no canto dos lábios antes de tomar a cerveja recém-chegada. Tal comentário me esquentou por dentro, ou talvez fosse só o álcool. – Vai me ajudar?
- Vou. – rolei os olhos. – Mesmo indo para o inferno por isso...
Rimos e passou a me encarar profundamente enquanto eu bebia mais um pouco. Não pude controlar a vergonha pelo modo intenso que ele me olhava e senti minhas bochechas formigarem.
- Você está diferente... – ele disse, estreitando os olhos como se tentasse descobrir o que estava diferente em mim. – Você está mais linda que a última vez que eu a vi, mas não é só isso... – era como se estivesse tendo os mesmos pensamentos que eu. – O ar em volta de você está diferente... Isso é ridículo? – ele soltou uma risada.
- Não... Eu estou diferente mesmo. Mas eu não mudei. Somente voltei a ser quem eu realmente era.
E era verdade. A mudança de ares e o tempo fizeram com que eu deixasse completamente de lado os pensamentos maldosos que sempre passavam pela minha cabeça quando eu morava em Londres. A Alemanha fez com que eu me esquecesse porque havia me mudado para Londres, e ali eu voltei a ser aquela adolescente simples e divertida que sempre fora antes de Ava Caldwell colocar minha vida de cabeça para baixo. então aumentou seu sorriso, porque percebera que aquilo era verdade. Mas ele também estava diferente.
- Acho que posso dizer que o mesmo aconteceu comigo... Talvez Londres tenha um ar maldoso que nos torna diferente – ele disse num misto de seriedade e divertimento. Talvez aquilo fosse verdade.
Um silêncio se instalou entre nós, mas não o do tipo constrangedor, muito pelo contrário. Era um silêncio que nos deixava ler os pensamentos um do outro, que nos devolvia uma intimidade que antes existia entre nós. Um silêncio que foi interrompido pelo toque do meu celular.
Simplesmente gelei quando vi o nome de Stephen, mas decidi que era melhor eu atender, e uma hora ou outra eu teria que falar sobre ele para .
- Oi... – falei simplesmente, tentando não demonstrar muita coisa.
- Onde você está, meu bem? – Stephen perguntou do outro lado da linha, com um tom preocupado, provavelmente por que eu não estava em casa no meu dia de folga, e uma certa aliança estava posta sobre a mesa até agora.
- Estou no Spree. Encontrei um antigo amigo de Londres. Estarei logo em casa... – tentei não enrolar aquela conversa, então tratei de logo desligar após escutar Stephen concordar. Nem ao menos tive tempo de sentir remorso quando veio me perguntar.
- Estará em casa... com sua colega de quarto?
Eu sabia o que ele queria dizer. E sabia que ele sabia a resposta.
- Era Stephen... Meu... Namorado.
ficou em silêncio por alguns instantes, desviando seu olhar do meu pela primeira vez naquela noite. Passou a encarar seu copo de cerveja.
- Mas e você, ? A última vez que tive notícias suas, você estava para se casar... – tentei tirar o assunto de mim, tentando colocar um pouco da culpa em . Afinal de contas, ele fora o primeiro a seguir em frente. O garoto – homem, ainda tinha certa dificuldade em assimilar o período de tempo que se passou – hesitou um pouco antes de responder.
- Não deu certo... – ele deu de ombros. – Natalie era ótima, mas... Acho que não era pra ser. – finalmente pôs seu olhar sobre o meu novamente, fazendo-me formigar. Tudo o que eu queria naquele instante, depois da cerveja tomar conta de mim, era poder segurar sua mão. Colocar minhas pernas entre as suas. Meus braços ao redor de seu pescoço. Como não podia fazer nada, cerrei meus punhos. – Pra te falar a verdade , fiquei noivo duas vezes nesses oito anos que não te vejo...
Não sei se fiquei mais chocada pelo fato de ele ter me chamado de – o que me fez estremecer por completo – ou por ele dizer que ficou noivo duas vezes. Provavelmente os dois ao mesmo tempo. Era muita informação.
- Du-duas vezes? Mas o que aconteceu? – quis saber com mais detalhes.
hesitou mais uma vez antes de responder, tomando um grande gole de sua cerveja. Seus olhos ainda fixos em mim, fazendo com que minha vontade de agarrá-lo fosse ainda mais urgente.
- Não sei, – ele repetiu novamente meu apelido daquele jeito que me fazia arrepiar. Minhas mãos formigavam para tocar as dele que estavam sobre a mesa. – Mas nunca consegui levar meus relacionamentos adiante, principalmente essas duas que noivei. No final, sempre parecia que tinha algo faltando... – soltei um ar pesado que estava guardando no meu peito por tempo demais. – Mas e esse Stephen? É algo sério?
Eu sabia que tentava parecer o mais casual possível, mas sua expressão e os anos que eu o conhecia tornava fácil lê-lo. Eu tinha certeza absoluta de que ele tinha os mesmos pensamentos que eu, a mesma urgência que eu tinha. Mas a cautela que tínhamos era extremamente necessária.
- Ele... Ele me pediu em casamento. – desembuchei, vendo os olhos de saltarem das órbitas e sua posição ficar meio em defensiva. Me apressei em voltar a falar. – Mas eu ainda não aceitei... – hesitei em dizer o que estava prestes a dizer. Não resisti. – Não entendia por que eu estava demorando tanto tempo para ter uma resposta... Até hoje...
O que vi em foi um misto de alivio, confusão, alegria e transtorno. Sua feição mudou mil vezes em menos de um minuto. Talvez eu fosse muito idiota de dizer o que vinha em minha mente antes de pensar muito bem no que eu falava.
- Acho que devíamos ir embora... Amanhã terei que trabalhar que nem uma condenada para conseguir ganhar seu caso, – falei, tentando quebrar o clima tenso que se instalou sobre nós depois que me declarei indiretamente. concordou com um sorriso e, quando me ofereceu uma carona. Recusei, pegando o primeiro taxi que apareceu na minha frente.
AFace To Call Home
- Com estes documentos, está provado que as Empresas têm pagado seus impostos de maneira corrente e correta, e que seus donos podem, inclusive, processá-los de calúnia! – falei com ferocidade aos quatro empresários que se sentavam opostos a mim, diante àquela enorme mesa de madeira ornamentada. estava sentado ao meu lado, com um sorriso vitorioso no rosto. Aquela causa estava ganha, como eu sabia que estaria; depois de cinco minutos de discussão, o caso estava acabado. Além de não ter que pagar os 150 milhões que vinha sendo acusado de extorsão, como também recebeu 55 milhões por danos morais.
Quando saímos da sala de reuniões, estava – além de completamente extasiado – perplexo comigo.
- Eu não deveria estar surpreso! – ele dizia em meio a risos, enquanto abria a porta de seu carro para mim.
- O que quer dizer com isso? – perguntei curiosa, observando-o sentar-se ao meu lado. Havíamos combinado de ir a uma das boates mais famosas de Berlim caso ganhássemos o caso, e mesmo se não ganhássemos, sei que no final era lá que nossa noite acabaria.
- Quero dizer que você sempre conseguia o que queria. Esta usando muito bem seus poderes no seu novo trabalho, .
Por alguma razão, aquilo fez com que eu me irritasse ligeiramente. Eu não sabia se estava me elogiando ou de fato me agredindo pelos meus feitos passados. Resolvi respirar fundo antes que eu estragasse o que fosse que estava acontecendo entre nós. Afinal, já era uma grande coincidência que nos reencontrássemos depois de tantos anos naquelas circunstancias, eu não queria trazer o passado de volta à tona. Mas uma hora ou outra, o que estava entalado em minha garganta se soltaria sem minha permissão.
- ... Você ainda tem raiva de mim?
O garoto/homem – não importava o tanto de tempo que havia passado, eu ainda via como um garoto – ficou sem fala no instante em que perguntei, sem saber se olhava para mim ou para a paisagem que passava rápida através do vidro do carro.
- Não vou mentir pra você, ... Eu senti. Senti muita raiva, por mais tempo do que eu desejei. Não gosto de admitir, mais não posso mentir para mim mesmo, muito menos pra você. Natalie, minha primeira noiva... Eu a conhecia há só um mês. Não sei até hoje se ela aceitou meu pedido por puro interesse ou se gostava mesmo de mim, a verdade é que nunca me importei. A pedi em casamento e a levei até Londres porque sabia que isso chegaria aos seus ouvidos. Queria que você sofresse de algum modo, que soubesse que eu já tinha seguido em frente... Mas depois de um tempo, eu não sentia mais raiva. Não sentia mais saudade. Não sentia mais nada...
Meus olhos arderam com as palavras de , mesmo sabendo que aquilo era apenas um desabafo, sem a mínima intenção de me machucar. Mas a vontade de chorar me atingiu em cheio, e se o barulho estridente da boate não tivesse chamado minha atenção, eu teria me feito de boba na frente de .
Seu motorista abriu minha porta, e segundos depois estava ao meu lado. Entrelaçou seu braço no meu e fomos em direção à movimentada casa noturna localizada em uma antiga fábrica agora abandonada.
Não sabia se aquele local estava à altura do padrão de , afinal, ele agora era um bilionário sem precedentes. Para falar a verdade, nem ao meu padrão aquele lugar pertencia, uma vez que nunca havia frequentado as grandes e famosas boates de Berlim antes. Eu era mais uma choperia calma onde eu podia beber uma cerveja tranquila, mas eu queria mostrar tudo o que Berlim tinha a oferecer de verdade, queria que ele tivesse uma verdadeira experiência alemã, então alguns colegas de trabalho sugeriram aquela boate.
As musicas modernas soavam mais altas ainda dentro do local, de onde surgiam luzes dos mais inimagináveis lugares, e havia garotas que faziam acrobacias penduradas por alguns grossos pedaços de tecido. Tratamos de achar o bar, e logo pediu um Appletine para mim, provavelmente relembrando nossos tempos de adolescentes quando aquela era minha bebida favorita.
Depois de virar quase que imediatamente a bebida, pedi ao bartender duas doses de tequila e ofereci uma ao , que ainda tomava o primeiro gole de sua cerveja.
- Ah, então você quer brincar? – ele perguntou com um sorriso, pegando o pequeno copo de dose e bebendo todo seu liquido rapidamente, sem nem ao menos usar o sal ou o limão. Repeti seu ato em seguida, enquanto já pedia nossa segunda rodada. Depois de quatro doses – com fazendo questão de balançar minha cabeça, como se eu já não estivesse tonta o suficiente – criei coragem de pegar em sua mão e levá-lo para a enorme pista de dança. Formiguei inteira no momento em que entrei em contato direto com pela primeira vez naqueles anos. E era como se fosse pela primeira vez. Senti aquele já conhecido formigamento na boca do estômago e a confusão de pensamentos – agora mais confusos ainda pela bebida. Talvez fosse pelo fluxo de pessoas ou talvez por outra coisa, apertou minha mão firmemente, e então paramos em um lugar um pouco vazio para que pudéssemos dançar a vontade. Sorri sorrateiramente, ainda sem saber se devia ou não envolver sua nuca com meus braços.
então tomou a decisão por mim e ele mesmo pegou minhas mãos e as colocou em volta de seu pescoço, e senti que minhas pernas cederiam no instante em que as suas se colocaram no entorno de minha cintura.
O ritmo da música era acelerado, mas dançávamos no nosso próprio ritmo, se é que aquilo que fazíamos podia ser considerado como uma dança. sorria da mesma forma singela que eu, e seus olhos me deixavam mais zonza a cada segundo que passava. Me atrevi a então aproximar nossos corpos um pouco mais, faltando milímetros para que eles finalmente se chocassem. Não impedi que meus dedos fossem de encontro com seus cabelos, fazendo uma caricia quase imperceptível ali, vendo seus pelos se arrepiarem e fechar seus olhos com veemência. Suas mãos então se apertaram com mais firmeza em minha cintura, trazendo-me para mais perto de si e acabando com o possível espaço que ainda poderia existir entre nós.
Ter o corpo de colado no meu daquela maneira foi inacreditável. Eles se moviam de maneira sincronizada, enquanto nosso olhar continuava fixo um no outro e nossas bocas estavam a pouca distancia. Eu podia sentir seu hálito bater em meus lábios e não hesitei em puxar seus cabelos quando suas mãos invadiram minha camiseta com sutileza.
Com um movimento rápido e esperto, me virou de costas, envolvendo minha cintura com um braço e levando um dos meus no entorno de seu pescoço. Passei a mover meus quadris de forma incrivelmente provocativa, sabendo o exato efeito que aquilo causaria nele. Em resposta, os lábios de foram de encontro ao meu pescoço descoberto. A princípio apenas os roçou em minha pele desnuda, fazendo com que cada pelo do meu corpo se eriçasse. Percorreu com a língua o caminho do meu ombro até o lóbulo da minha orelha, enquanto eu me encolhia em seus braços e remexia meu corpo com mais vontade contra o seu. Envolvi suas mãos com meus dedos enquanto seus lábios agora exploravam meu pescoço sem pudor algum.
Eu nem mais sabia o que eu sentia. Não conseguia mais me lembrar de nada, nem de quem eu era, nem de onde eu estava. Tudo o que sabia era que estava com , e aquilo parecia um sonho de quase tão inacreditável que era. Peguei-me pensando se aquilo não era destino. Isso existia de verdade, afinal?
Vire-me novamente de modo que nossos lábios ficassem a milímetros de distancia novamente.
- Sei que acabamos de chegar, mas... Já podemos ir embora? – sussurrou em meu ouvido, e se não fosse por suas mãos firmes ao redor de minha cintura, eu já teria desabado.
O agarrei pela mão e enfrentei aquele mar de gente até a saída da boate. Chamei o primeiro taxi que passou pela rua e entramos nele com urgência. Dei graças a Deus que o hotel em que estava hospedado – o seu próprio hotel – era próximo dali. Em menos de cinco minutos, que passei com a incrível vontade de agarrá-lo por ali mesmo, já estávamos adentrando o hotel com pressa e entrando no elevador que subiria para a cobertura.
De repente, ainda dentro daquele cubículo, senti o corpo de se pressionar contra o meu e com a maior surpresa do mundo, sua língua invadiu minha boca. Eu poderia ter despencado ali mesmo. Ter a boca de junto à minha era algo que jamais pensaria em ter novamente, e eu havia quase me esquecido do quão bom aquilo realmente era. O melhor beijo da minha vida.
Seu corpo se pressionava com mais força contra o meu, e eu nem ao menos me importava por estar em um elevador – já tratava de desabotoar sua camisa social. Quando me deparei com aquele peito mais definido como nunca, com aquelas tatuagens que foram esquecidas no fundo da minha mente, minha primeira reação foi levar minha boca de encontro com seu tórax. Eu o beijava com uma vontade sufocante, enquanto escutava alguns gemidos roucos saírem de sua garganta como uma súplica. Levei as mãos até o cinto de sua calça social e tratei de desafivelá-lo com rapidez, vendo a porta do elevador se abrir e levantar meu corpo, de modo que eu entrelaçasse minhas pernas em sua cintura. Ele procurou pela minha boca com urgência, e eu já não tinha a mínima piedade em puxar seus cabelos, assim como não tinha dó de apertar minhas coxas com força. Eu então já estava deitada em um sofá, vendo arrancar minha camisa sem pudor, encarando meu corpo com um desejo fulminante.
Eu desejava como nunca havia desejado antes, talvez isso devesse ao fato de que eu o desejei por tempo demais. Quantas vezes eu havia imaginado aquele momento? Quantas vezes havia mordido os lábios com força para não gritar seu nome enquanto outro me dava prazer?
Seus olhos finalmente fuzilaram os meus. Eles ardiam, quase ateavam fogo em mim. Sua respiração saía falha de seus lábios, e eu não estava diferente; meu colo agora nu subia e descia freneticamente.
então colou nossos lábios com força e tratou de tirar o resto de roupa que nos separava. Eu só queria novamente, de todas as maneiras possíveis; queria senti-lo como da ultima vez, queria ter todas aquelas sensações enlouquecedoras que somente ele podia me proporcionar. Não tardou e nossos corpos eram só um. Em movimentos sincronizados, eu sabia o que tinha perdido em todos aqueles anos. Sabia o que tinha jogado no lixo com as minhas bobagens adolescentes. Sabia que ali era o meu lugar, com em meus braços. Com sua respiração ofegante em meu pescoço. Com suas mãos percorrendo cada centímetro de pele minha. Com meus lábios a beijá-lo, e com meu nome escapando de sua boca perfeita como a mais bela das canções. Em poucos minutos eu já estava entregue ao mais puro e indescritível prazer, gritando seu nome para que todo o mundo ouvisse, enquanto o corpo de se revirava contra o meu.
Ele então me envolveu em seus braços com força, como se me impedisse de ir a algum lugar, sem saber que eu jamais iria a lugar algum.
- Foi só agora que percebi a falta que você me faz, ... – ele sussurrou contra meu ouvido, com aquela voz rouca, cansada e incrivelmente sexy. Senti minhas pálpebras pesarem e músculos que eu nem sabia que existiam doíam. Entrelacei nossas mãos e me encaixei em seu corpo o máximo que aquele sofá permitia.
O cansaço me atingiu em cheio, mas tentei lutar contra ele com todas as forças ainda restantes em mim. Eu não queria cair no sono. Não queria dormir e perceber que todos aqueles dias não se passavam de um sonho maldoso. Mas principalmente, não queria acordar e ver que não estaria do meu lado, como a ultima vez que dormimos juntos. Daquela vez, eu não aguentaria.
Apertei ainda mais os braços de contra mim, e suas palavras seguintes me fez perceber que ele sabia exatamente o que se passava em minha cabeça.
- Eu não vou a lugar algum.
You’re
Never Gonna Be Alone
Quando a luz do dia era suficientemente forte para me acordar, insisti em manter meus olhos fechados. Eu tinha medo de abri-los e ver que meu maior medo se tornara realidade e não estaria mais ali comigo, como na última vez. Mas quando senti seus braços me envolverem a cintura, não consegui conter um sorriso enorme que se abriu em meu rosto. Envolvi suas mãos com a minha e senti a respiração tranquila de em meu pescoço.
- Nunca pensei que acordar ao seu lado fosse tão bom... – ele disse com um tom sonolento, apertando-me contra seu corpo. Então realizei que nunca havíamos dormido juntos – quero dizer, acordado juntos. Era absurdo o tanto de tempo que perdemos – ou que eu nos fiz perder – com joguinhos ridículos e sem sentido.
- Eu poderia ficar aqui pra sempre... – eu resmunguei.
Mas eu não podia. Eu tinha assuntos a resolver, e pessoas com quem lidar. Eu me sentia um pouco mal, não pelo fato de ter traído Stephen, mas por não sentir um pingo de remorso por tê-lo feito. No entanto, eu não sabia ainda se o certo seria largá-lo, afinal, eu não sabia o que estava acontecendo entre e eu. Eu morava na Alemanha, tinha uma vida ali, e morava em Nova York. E nem ao menos tínhamos falado sobre o que aconteceria a partir daquele momento.
Virei-me a fim de ficar de frente para . Ele entrelaçou suas pernas nas minhas e continuou a me abraçar. Tinha um singelo sorriso no rosto, um dos mais bonitos que já vi na vida. Seus olhos cintilavam com a luz que escapava pela cortina da grande janela e seu cabelo estava charmosamente emaranhado. Não resisti e passei a acariciar seu rosto maravilhoso, vendo-o fechar os olhos.
- Eu tinha me esquecido do poder que você tem sobre mim... – sussurrei, fazendo com que voltasse a me encarar. Ele estava um pouco confuso, talvez até um tanto transtornado, e sua boca abriu e fechou algumas vezes antes que conseguisse falar.
- Eu passei muito tempo da minha vida tentando te entender, ... – ele começou hesitante, com os olhos apertados e a voz vacilante. – Tentando entender sua sede de vingança, tentando entender por que nós simplesmente não podíamos ficar juntos. Porque... Apesar de tudo, eu sabia que você gostava de mim, apesar do , apesar dos nossos joguinhos... Eu sabia que você gostava de mim, mesmo quando você insistia em dizer que não. Seus olhos sempre me diziam diferente. – Não sei o que via nos meus olhos naquele momento, mas eu esperava profundamente que ele visse o quanto eu ainda gostava dele. – Eu nunca entendi por que nunca ficamos juntos. Mas sei que o melhor que fiz foi me afastar...
Eu não sabia o que queria dizer com aquelas palavras, ou qual era sua intenção em dizê-las. Qual fosse ela, senti um aperto no peito ao escutá-lo confirmar todas as minhas suspeitas: de que aquilo que estava acontecendo entre nós era algo apenas passageiro. Um flashback. acabara de dizer que a melhor coisa que fizera fora ficar longe de mim, nada mudara nesse tempo e provavelmente o melhor a se fazer ainda era ficar longe. Senti meus olhos arderem e fiz o possível para não derramar nenhuma lágrima. Não importa o tempo que se passe, certas cicatrizes nunca se curavam. Tudo o que eu podia fazer naquele momento era aproveitar a presença de o máximo que eu podia. E então aqueles incríveis dias que passamos juntos seriam as memórias mais perfeitas que eu teria dele.
- Eu sei que você deveria ir para Nova York hoje, mas... Fica mais um pouco... – pedi com minha voz mais melindrosa possível, vendo um sorriso se alargar no rosto de . – Eu ainda nem te mostrei metade da metade de Berlim. Seria um desperdício você partir assim...
fingiu que pensava, fazendo uma cara incrivelmente fofa e então me beijou com uma sutileza incrível, acordando todo aquele alvoroço dentro de mim.
Mas antes que pudéssemos fazer qualquer coisa, eu tinha que resolver meus assuntos com urgência. Eu sabia que não ficaria por ali por muito tempo, mas de qualquer maneira eu não poderia ficar mais com Stephen; não seria justo com ele, nem comigo. Ele merecia mais que qualquer pessoa alguém que o amasse do jeito que ele me amava. E eu precisava que certo alguém me amasse como Stephen me amava.
- Pode dispensar seu motorista. Hoje quem dirige sou eu! – Beijei novamente antes de me levantar daquela cama enorme e começar a procurar minhas roupas pela cobertura, ouvindo reclamações de . – Esteja pronto até meio-dia!
O tempo que levei para chegar até meu apartamento pareceu uma eternidade. Agradeci o transito por isso, porque assim pude ensaiar mil discursos diferentes sobre como recusar educadamente o pedido de casamento de Stephen. Poderia parecer loucura, recusar algo tão certo ali, bem na minha frente, por outra coisa completamente duvidosa – para não falar inexistente. Mas era o que eu tinha que fazer. Mesmo que eu fosse ficar sozinha a partir dali, eu tinha que fazer a escolha certa pelo menos uma vez na vida. Ainda não tinha decidido se eu estava mais uma vez sendo egoísta, ou se estava, na verdade, sendo altruísta. Eu realmente acreditava que Stephen merecia coisa melhor.
Entrei em casa sabendo que Stephen estaria ali naquele horário e o encontrei sentado no sofá encarando a aliança onde eu a havia deixado três dias atrás. Ele colocou seus olhos cansados sobre mim e nem ao menos perguntou por onde eu andei. Pareciam que quilômetros nos separavam, então andei rapidamente até me sentar ao seu lado. Ele sabia o que estava por vir.
Pequei sua mão e senti meu coração apertar, sabendo que minha decisão o faria sofrer, e essa era a ultima coisa que eu queria fazer, mas não tinha outra escolha.
- Stephen, se lembra de quando me mudei da Alemanha de volta para Londres? – perguntei com a voz um pouco vacilante. Ele fez um sim com a cabeça e eu respirei fundo. – Se lembra por que eu fui embora? – ele acenou novamente, voltando a encarar a aliança. – Lá em Londres, tinha esse garoto, o ...
- Seu melhor amigo de infância... – Stephen completou. Talvez eu não precisasse dizer mais nada, talvez ele já tivesse ligado os pontos, mas eu precisava lhe dar uma explicação.
- Sim... Quero dizer, quando voltei para Londres já não éramos amigos há muito tempo. Eu deveria ter voltado para lá com outro objetivo, agora eu percebo... Eu o magoei muito Stephen, muito mais que qualquer pessoa nesse mundo. Eu deveria ter voltado para Londres a fim de acertar as coisas com ele, para fazer com que ele me perdoasse por todo o mal que eu havia lhe causado. Mas não... Voltei e o magoei muito mais do que antes.
Stephen passou a me encarar com uma expressão confusa.
- Aonde você quer chegar?
- Eu queria poder aceitar seu pedido, Stephen. Você é uma das pessoas mais incríveis que eu já conheci, mas... Eu não posso. Eu não posso mentir pra você como eu menti pra ele. Não posso te enganar como enganei a ele, não posso cometer os mesmos erros do meu passado. – seus olhos me encaravam com profundidade, e no fundo, mesmo magoado, eu sabia que ele me perdoaria, e até mesmo me entenderia. – E eu tenho uma chance de fazer as coisas certas, não só com você, mas com ele também...
Stephen fechou os olhos com força e inspirou profundamente, talvez lutando com uma possível disputa de interesses dentro de si.
- Eu sempre soube que eu te dividia com alguém... Nunca sabia quem era, muitas vezes pensava que era só coisa da minha cabeça. Mas você nunca foi minha, , eu sempre soube disso. Mas sou egoísta, mesmo sabendo que você não me amava, – pelo menos não do mesmo jeito que eu – eu insisti em ter você...
Me senti estranha ao ouvir Stephen dizendo que ele era egoísta, sendo que esse papel sempre foi meu a desempenhar. Peguei sua mão com delicadeza e sorri sinceramente.
- Eu sinto muito. De verdade. Quero muito que você seja feliz...
- Eu também quero que você seja, . Você merece mais do que ninguém.
Deixei que uma lágrima solitária caísse, ao acreditar pela primeira vez em anos que sim, eu merecia ser feliz.
Dei um beijo sutil em seus lábios antes de me levantar e ir atrás da minha felicidade.
Quando estacionei em frente ao Poynter Hotel, já me esperava no saguão, conversando distraidamente com o recepcionista. Vestia jeans, uma camisa branca por baixo de um terno e um tênis largo nos pés. Era uma dejá-vù. Eu adorava seu estilo, aquela combinação já era sua marca registrada, mas seus cabelos ao invés de estarem desarrumados como ficavam antigamente, agora estavam penteados para trás – o que o deixava ainda mais charmoso, se é que era possível.
Não contive o sorriso quando seus olhos encontraram os meus e um sorriso largo também abrir em seu rosto. veio em minha direção e me beijou no canto dos lábios.
- Estou pronto para você me mostrar o que Berlim tem de melhor. – entrelaçou sua mão na minha até chegarmos ao meu carro.
- Olha, eu sei que você é todo bilionário agora, quero dizer, você sempre foi, mas agora está todo chique, provavelmente cheio de frescuras... Pensando bem, você sempre foi cheio de frescuras, então não reclame do lugar que eu vou te levar para almoçar! – Disparei a falar de tanto nervosismo, já que queria desesperadamente agradá-lo na intenção de fazê-lo ver que eu agora era uma nova/velha . riu e depositou sua mão sobre minha coxa, enquanto já dirigíamos sobre as ruas movimentadas de Berlim.
- , tenho certeza que vou gostar de qualquer lugar que você vá me levar. – ele disse sorrindo, todo carinhoso. Meu coração só faltava saltar pela boca, e minha perna formigava onde a mão de ainda depositava.
- Você ainda não me contou como é ser o novo Imperador ... – falei com certo sarcasmo na voz. – Se eu me lembro bem, você queria montar uma banda.
- Se eu me lembro bem, você seria a vocalista dessa banda... – ele respondeu divertido. – Acho que nenhum de nós tornou o que sonhávamos... – falou pensativo, olhando a paisagem histórica que passava por nos. – Mas respondendo a sua pergunta, ser o novo Imperador até que não é tão ruim... Afinal, olha só onde eu estou. – voltou a me encarar, agora com uma expressão completamente safada, o que me fez soltar uma risada estridente.
Quando avistei o Portão de Brandemburgo, estacionei e desci do carro, sendo seguida por . Entrelacei nossas mãos e o levei até a minha barraquinha de currywurst favorita de toda Berlim. Eu adorava vir ali depois de um longo expediente e me deliciar com aquela comida típica alemã.
- O que é isso? – perguntou curioso enquanto olhava Klaus (sim, eu até sabia o nome do carinha que fazia o currywurst) montava uma de suas delicias para outros clientes.
- Não vou te dar uma aula de história agora, , mas isso é basicamente a comida favorita de todos os alemães. É salsicha de porco com um molhinho especial de ketchup e curry. Por apenas cinquenta cêntimos! E Klaus faz o melhor currywurst de toda a Alemanha! – sorri orgulhosa, quando Klaus finalmente voltou sua atenção para nós.
- Hallo, mein lieber! – Klaus cumprimentou animado. – Hoje serão dois?
- Quatro, por favor, Klaus. Estamos morrendo de fome!
me olhava com curiosidade enquanto eu conversava com o cozinheiro, sempre com um sorriso no rosto. E eu não me cansava de vê-lo sorrir, coisa que antigamente era muito rara – tirando pelos sorrisos irônicos que sempre mantinha nos lábios.
- Você falando alemão é uma das coisas mais sexys que eu já vi... – ele disse com uma sobrancelha arqueada e aquele sorriso.
- Sie haben nichts gesehen... – sussurrei em seu ouvido, vendo-o arrepiar.
- O que você disse?
- Você ainda não viu nada... – sorri marota e peguei dois currywurst, deixando que pegasse os outros e me seguisse, ainda com aquela expressão atônita.
observava com atenção o que havia restado do Muro de Berlim, um trecho de 1,3 km, decorado com trabalhos de centenas de artistas. Eu havia ido ali apenas duas vezes – uma assim que mudara para a Alemanha pela primeira vez, e outra assim que voltara – o que era uma verdadeira vergonha. O lugar era tão magnífico que eu deveria visitá-lo quase todos os dias. Ali exalava uma ar de paz, mas ao mesmo tempo de conflito. Aquele muro significava a separação de pessoas que se amavam, mas ao mesmo tempo marcava seus reencontros. e eu não podíamos estar em um lugar mais perfeito para nós.
- É incrível... – ele murmurou, ainda impressionado com a obra de arte que o Muro havia se tornado.
Aquela semana não poderia ter passado mais rápido. Tão rápido que eu já queria revivê-la antes dela ter terminado. Meus dias com se resumiram a passeios turísticos, mas tudo havia sido perfeito. Dormi e acordei todos aqueles cinco dias ao seu lado, tendo seus braços me abraçando como se nunca mais fosse me largar; tendo seu corpo tão próximo do meu como se pudéssemos nos tornar um só a qualquer momento. Com seus lábios a explorar cada pedaço do meu corpo a fim de reviver e criar outras memórias. Era como se o passado não existisse, e e eu fossemos estranhos se conhecendo, e eu estava amando aquela nova chance de mostrar a quem eu realmente era. Uma pessoa completamente diferente daquela que o machucara tantas vezes no passado. Uma pessoa que jamais seria capaz de enganá-lo ou de usá-lo novamente.
Entrelacei nossos dedos, adorando aquela sensação de ter sua mão colada à minha. Eu havia andado tantas vezes de mãos dadas com naquela semana, compensando o fato de jamais termos feito isso quando morávamos em Londres. Para falar a verdade, agora, nossas mãos raramente estavam longe uma da outra. E aquela era a melhor sensação do mundo.
- Eu juro que não queria ir embora... – disse com pesar, ainda sem me encarar. Ele tinha que voltar para Nova York, onde sua vida de verdade o aguardava. Eu sabia que seu lugar não era ali comigo, que agora não era mais um garoto sem responsabilidades. Mas eu não podia deixar de insistir.
- Então não vai! – falei manhosa, abraçando-o pela cintura. – Uma semana é pouco tempo demais para compensar os oito anos...
Recostei minha cabeça em seu peito, sentindo seus braços me envolverem de uma maneira que me fazia ter vontade de afundar em seu corpo. beijou o topo da minha cabeça e respirou profundamente. Eu não tinha a mínima ideia do que se passava na cabeça de , e aquilo me assustava profundamente. Agora que estávamos perto de nos despedir, eu começava a ficar desesperada de verdade. Eu não sabia como superaria ter que me separar dele novamente, ainda mais agora que havíamos passado os momentos mais perfeitos juntos. Eu não queria voltar a levar a mesma vida de antes pelo simples fato de não conseguir voltar a viver sem ter ele do meu lado.
Apertei ainda mais seu corpo contra o meu ao sentir uma brisa fria passar por nós. O adeus estava cada vez mais próximo e eu não sabia como lidaria com aquela situação.
- Eu tenho que ir... – sussurrou próximo ao meu ouvido, envolvendo meu rosto com suas mãos. Seu olhar era indecifrável, diferente de todas as vezes que sempre consegui lê-lo. Tentei segurar o choro, mas ele era simplesmente inevitável, e quando os lábios macios de tocaram os meus, o beijo tomou um gosto salgado pelas minhas lágrimas.
Fomos em direção ao meu carro e seguimos caminho até o aeroporto. segurava uma das minhas mãos com firmeza enquanto eu dirigia e observava a paisagem que passava pensativo. Eu estava curiosíssima para saber o que ele pensava, mas não me atrevi a perguntar.
- Você tem visto ? – perguntei a fim de quebrar aquele clima melancólico que se instalara entre nós. suspirou.
- Infelizmente não... É muito raro eu conseguir ir pra Londres. Deve fazer uns três anos que não vou lá, então... – voltou a me encarar. – Você foi ao casamento deles?
- Claro. é minha melhor amiga. Vou confessar que fui na esperança de encontrar você lá... – falei timidamente, não me atrevendo a olhá-lo. Mas eu sabia que um sorriso singelo abrira em seus lábios.
- Eu sabia que se fosse a veria lá. Não sei se estava preparado pra isso... – disse com um tom sério, ainda me olhando.
- E dessa vez você estava?
Ele suspirou pesadamente e apertou minha mão contra a sua.
- Aparentemente sim.
Nossa despedida foi cruel. Talvez tivesse sido três vezes mais difícil que todas as outras vezes que nos despedimos. segurou meu rosto entre suas mãos e me olhou profundamente. Eu sabia que ele podia ver tudo o que eu sentia através dos meus olhos, daquela maneira que ele sempre fazia. Não precisava dizer nada para que ele soubesse o tanto que aquilo doía em mim. Ainda não havia decidido se reencontrá-lo havia sido bom ou ruim. Se nós ao menos tivéssemos um futuro juntos, se eu soubesse que aquilo iria a algum lugar, teria sido a melhor coisa que já me aconteceu. Mas sabendo que estaria indo embora para provavelmente nunca mais voltar, talvez fosse melhor se não tivéssemos passado todo aquele tempo juntos, pois agora deixá-lo ir havia se tornado a tarefa mais difícil de todas. Que tipo de brincadeira sádica era essa que o destino me colocou para jogar? Me proporcionou um dos melhores momentos da minha vida para logo depois arrancá-lo de mim?
- Vamos manter contato, okay? – ele murmurou contra meus lábios, e eu acenei com a cabeça vacilante. Não seria mais difícil ainda manter contato há milhas e milhas de distância? – Esse tempo que passamos juntos, ... Foi perfeito. Estou falando sério. Foi incrível te ver de novo depois de tanto tempo.
Sorri ao vê-lo sorrir e me segurei para não chorar novamente. Não havia nada que eu pudesse fazer. Eu poderia comprar uma passagem para Nova York, mas para que iria se não queria minha companhia? Afinal, se quisesse, já teria feito uma proposta há muito tempo, e aquele pensamento apertou meu coração de uma maneira quase insuportável.
me beijou com carinho, com gosto de despedida, e todas aquelas sensações que somente ele me proporcionava me atingiram em cheio. Eu só queria ter aquela boca colada na minha pro resto da minha vida... Era pedir demais?
Aparentemente era, já que ele nos separou com um olhar pesaroso, depositou um leve beijo na minha testa e deu as costas, entrando no portão de embarque.
O ar faltou nos meus pulmões de uma maneira não muito agradável, e eu senti que o chão poderia desabar sob os meus pés a qualquer momento. Corri para fora daquele aeroporto, mas o ar limpo de Berlim não me fez sentir nem um pouco melhor. Eu queria chorar, gritar, entrar naquele portão de embarque e implorar para que ele não fosse embora, mas eu me sentiria ridícula se fizesse qualquer uma dessas coisas. não me queria, e pronto. Tudo o que acontecera entre nós nesse reencontro não passara de um passatempo para ele.
Não fui direto para o meu apartamento. Eu sabia que Stephen não estaria lá mais, mas eu ainda não queria voltar. O perfume de ainda estava na minha pele, e seu gosto ainda estava na minha boca.
Então vaguei sem destino pelas ruas de Berlim, parando na rua paralela ao rio Spree e me sentei no gramado de sua margem junto com centenas de outros turistas.
Eu sabia que gostara do tempo que passamos juntos, sabia que se sentia bem na minha presença, mas por algum motivo que era desconhecido por mim, ele não queria ficar comigo. Eu teria então que me limitar com as memórias de uma semana perfeita e tentar de algum modo seguir em frente com a minha vida – mais uma vez. Isso me fez pensar que eu jamais conseguiria verdadeiramente ser feliz, pois sempre que eu achava que havia chegado lá, algo acontecia e eu voltava à estaca zero.
Isso me mostrava, de certo modo, como eu havia mudado ao longo do tempo. Eu poderia dizer que havia me tornado um tanto quanto altruísta. Não podia cobrar nada de , não podia implorar para que ele ficasse, não podia cair de joelhos e fazer com que ele me amasse. Eu o entendia. Talvez o passado não estivesse realmente no passado, e ainda me via como aquela garota mimada que fazia tudo para conseguir o que queria.
Já havia perdido as contas de quantas vezes passara por cima de seus sentimentos pensando apenas em mim, no meu tolo sentido de vingança. Onde aquilo havia me levado, afinal? O que eu havia ganhado com aquela sede insaciável?
No fim descobri que Ava não valia nem metade do que ela – ou até mesmo eu – pensava que valia. Eu me martirizava por ter perdido tanto tempo da minha vida pensando em meios de como acabar com sua vida, sem saber que eu estava acabando com a minha. Coloquei amigos e família em risco, quase acabei por completo com a minha chance de ser feliz.
Mas a verdade é que eu havia sim sabotado com a minha chance de ser feliz. Porque eu queria ser feliz ao lado de . E isso eu jamais teria.
Eu entendia o lado dele. Como ele iria querer ficar do lado de alguém como eu? Ou da pessoa que fui? Eu provavelmente fiz mal a ele de uma maneira que nenhuma pessoa jamais faria. Como ele poderia amar alguém que pisou tanto em seu ego? Alguém que o maltratara de todas as maneiras possíveis, alguém que o esnobou e fez tão pouco caso de seus sentimentos?
Eu estava suficientemente feliz por ter tido aquele pequeno reencontro com , aquilo talvez fosse tudo o que eu merecia ter. Quem imaginaria, que depois de tanto tempo, tantos momentos vividos separadamente, uma vida inteira formada, eu o veria novamente? Eu ainda não acreditava completamente em minhas memórias e achava que tudo aquilo não passava de uma ilusão, uma peça que o passado havia pregado em mim.
Quando deixei Londres, cheguei à Alemanha com a cabeça feita: o passado era passado e estava definitivamente enterrado. Havia visitado Londres pouquíssimas vezes, até mais do que gostaria, e sempre que lá aparecia, as memórias de alguém que hoje em dia nem reconhecia – eu mesma – me assombravam. Eu tinha certa vergonha, certo receio. Não sei se poderia dizer que era uma daquelas pessoas que não se arrependem de nada, pois seus erros é o que fazem você ser quem é. Teria eu aprendido com meus erros? Teria meus erros me transformado em uma pessoa melhor?
Uma pessoa superior, eu com certeza era. Mas se eu pudesse, de verdade, mudar meu passado, talvez eu não pensaria duas vezes. Jamais teria ficado com ao invés de por puro orgulho. Jamais teria abandonado naquela estação de trem. Eu teria enfrentado meus problemas com ele, assim como havia sugerido. Não teria colocado a raiva por Ava por cima do amor que sentia por ele. Não teria ignorado esse amor.
Mas o passado não pode ser desfeito, e mesmo depois de oito anos, eu ainda não sabia como conviver com ele. Ainda não conseguia conviver com o fato de não poder fazer nada para ter de volta a pessoa que mais me fez feliz a vida inteira.
E no fim, as coisas acabam fugindo do seu controle, suas atitudes passam a não fazer mais sentido, o que parecia não ter volta nunca teve fim e você se dá conta do estrago que fez.
Isso me trazia de volta à minha indagação: eu havia me tornado uma pessoa altruísta?
Por mais que a maior parte de mim gritasse para que eu fosse atrás de , que implorasse e caísse de joelhos, essa não era uma decisão que cabia a mim. Eu já havia manipulado sua vida de mil jeitos diferentes, eu não tinha o direito de deixa-lo com dúvidas. Não tinha o direito de força-lo a sentir algo que não existia.
Talvez pra ele fosse como para mim, só que de pontos de vistas diferentes: era passado. Ele havia superado sua raiva, como ele mesmo havia dito, talvez também tivesse superado seu amor por mim. E sobre isso, eu não tinha nada o que fazer.
Não podia dizer quanto tempo fiquei por ali, observando casais alegres e barcos passando pelo Spree, mas quando dei por mim o sol já sumia no horizonte do rio e sua margem já esvaziava de pessoas. Resolvi que finalmente era hora de ir para casa e organizar minha vida. Amanhã minha semana de folga – que Hessnauer havia me dado por ganhar o grande caso de – acabaria e talvez minha rotina espantasse meus pensamentos de Nova York.
Cumprimentei o porteiro quando adentrei o saguão do meu prédio e a subida de elevador até meu apartamento pareceu uma eternidade. Quando a porta do mesmo se abriu diretamente em meu apartamento, meus olhos saltaram das órbitas e eu não consegui respirar por alguns segundos. estava sentado em meu sofá.
- O... O que você está fazendo aqui? – foi o que consegui perguntar, enquanto cada parte do meu corpo queria correr de encontro a ele. Mas eu estava muito surpresa. O que havia acontecido? Teria ele perdido o voo? Mas eu havia o visto entrar no portão de embarque!
- , eu só percebi que estava prestes a cometer o pior erro da minha vida quando eu me sentei naquele avião. – ele levantou afobado do sofá, vindo em minha direção e colocando as mãos em meus ombros. – Eu jamais seria capaz de viver normalmente sabendo que eu havia deixado você aqui! – ele pegou meu rosto com as duas mãos enquanto eu ainda tentava assimilar o que acontecia. Era realmente ali parado na minha frente? Aquilo estava mesmo acontecendo? – Olha, eu admito que tive medo de voltar aqui e te dizer todas essas coisas, mas... Eu sei que você mudou. Eu sei que você não é mais aquela ... Nunca vou entender seus motivos para fazer tudo o que fez, mas eu não quero mais entender, porque tudo aquilo está no passado. Eu finalmente entendi isso, , e esse tempo que passamos afastados foi a melhor coisa que nos aconteceu, porque finalmente podemos ficar juntos de novo... Eu não quero mais viver no passado e saber que eu poderia ser o cara mais feliz do mundo ao seu lado. Eu só quero o futuro, e um futuro ao seu lado. – falava tão rapidamente que, com a minha mente ainda surpresa e incrivelmente lerda, quase não acreditei em todas as palavras que saía de sua boca. tirou um envelope de dentro do seu bolso e entregou a mim. Quando o abri com as mãos trêmulas e suadas, vi uma passagem só de ida para Nova York. – Diz que vem comigo, por favor, diz que vem. Eu não quero passar nem mais um minuto longe de você.
Tudo o que consegui fazer foi soltar uma risada estridente – que poderia ter soado até mesmo histérica – e pulei em seu colo, beijando-o com toda a urgência que meu corpo necessitava naquele momento. Quando nossas línguas se encontraram e se exploraram como velhas conhecidas, tive a absoluta certeza – não que houvesse quaisquer dúvidas – de que aquilo era tudo o que eu queria na vida.
- Eu te amo tanto, ... – murmurei contra seus lábios com um sorriso gigante no rosto. Seus olhos brilhavam, me encarando com uma felicidade que eu jamais havia visto antes.
- Eu também te amo, . – disse com o mesmo sorriso que o meu. – Vamos para Nova York.
FIM.
Nota da Autora: Okay. Como dizer adeus depois de tanto tempo? Tenho que ser sincera com vocês e dizer que sinto um tanto quando aliviada por finalmente ter terminado essa fic. No meio do processo criativo (tanto dela quanto de Dear Diary) eu me perdi completamente, e então quase dois anos se passaram até que eu conseguisse escrever de novo. E ainda acho que as coisas não ficaram tão boas quanto eu gostaria que elas ficassem ou como ficariam se eu tivesse terminado de escrevê-la naquela época. Mas enfim! É isso que eu tenho a oferecer para vocês! Do contrário que possa parecer, eu tinha planejado esse fim desde o começo. Eu tenho essa estranha mania com todas as minhas estórias: Eu faço sempre o primeiro e o último capítulo.
Sei que muitas se perguntam por que teve que se passar tantos anos, por que eles foram se reencontrar apenas tanto tempo depois, e pode até ter parecido um final sem graça. Mas eu sou uma ‘truly believer’ que o tempo cura tudo. E apenas o tempo pode cicatrizar feridas que naquele momento parecem fundas demais. Eu não acredito que eles teriam se acertado na época da adolescência, ela ainda tinha uma visão muito limitada sobre tudo, sobre a vida, sobre o que é amar alguém. Ela achava que amava o Guy até perder ele e sentir na pele o que é um amor não correspondido, ou melhor, não compreendido. Foi isso que ela fez a vida inteira com ele. Tudo o que ela precisava era de um tempo para deixar que a raiva do que aconteceu no passado não mais a controlasse e ela acordasse pra vida. E foi isso que aconteceu, e ela teve sorte de ele aparecer por coincidência onde ela morava, o destino dando mais uma chance para que eles fossem felizes. O Guy agora também tem outra perspectiva da vida, tem responsabilidades, é um verdadeiro adulto. Foi o timing perfeito. Os dois precisavam amadurecer para merecerem um ao outro. Esta é a minha visão, mas sintam-se livres para terem outros pontos de vista, e não esqueçam de me contar!
Foi um prazer enorme ‘conviver’ com vocês durante todo esse tempo, agradeço muito por todos os comentários, pelos tweets, pelas perguntas no formspring, enfim, por todo incentivo. Foi um prazer enorme escrever essa fic e ter leitoras como vocês. Obrigada também a minha beta linda, Gabee, por ser tão paciente e atenciosa.
Quem quiser baixar a 'trilha sonora' que me inspirou em Three Cheers, é só clicar aqui. E quem quiser ler uma entrevista que dei pro Blog Drunk Culture, é só clicar aqui.
Essa com certeza não será a última vez que vocês me verão (espero que isso as deixe animadas!), Dear Diary também será finalizada logo logo, e vem por ai minha mais nova fic: Know Your Enemy. Então fique atentas! Estou muito animada com essa nova história!
Obrigada por tudo, e vejo vocês na próxima!
Nota da Beta: Como eu te disse, Rafa, fico triste em saber que TCFSR acabou, mas muito feliz que você vai continuar a postar no site. Não é para querer me gabar nem nada, mas eu recebi um pedaço da Know Your Enemy e a única coisa que descreve a fic é: genial. É ótima, linda, bem escrita e e aaah. Simplesmente leiam. Prometo que não vão se decepcionarem!
Caso encontre algum erro, não use a caixa de comentários, entre em contato comigo pelo twitter ou por e-mail.