Eu via a menina sendo levada às pressas sobre a maca, mas não entendia. Vários médicos corriam agitados, seus pés na mesma velocidade que as pequenas rodinhas. Mas a garota continuava imóvel. Algo me dizia que eu a conhecia, então, tentava de todas as formas me aproximar, só que as pessoas de uniforme branco tapavam minha visão, mesmo assim não desisti. Continuei seguindo a equipe médica, até que eles chegaram a um quarto. Logo em seguida, eles se punham a trabalhar, por um momento, paralisei na porta com medo do que iria encontrar. Respirei fundo, me enchendo de falsa coragem e, aos poucos, fui me aproximando, tudo com o maior cuidado possível para não interferir em nada. Procurei um espaço neutro por entre os médicos e lá estava ela, a princípio só pude olhar para os ferimentos que cobriam todo seu corpo. Um arrepio agonizante passou por minha pele, e, então, movi os olhos até seu rosto. Parte do cabelo escondia suas feições, porém eu consegui identificá-la. Ela era eu.


Acordei assustada, levei a mão até a testa completamente suada. Sentei-me na cama e não consegui mais dormir. Esse sonho fora tão real que eu estava com medo dele se repetir.

Acendi o abajur, procurando o relógio. Ainda tinha três horas de sono até que o despertador tocasse, mas resolvi trocar o travesseiro por meus fones de ouvido. Peguei-os em cima da cômoda, liguei meu mp3 e deixei tocando, enquanto voltava a me deitar.

Meu quarto estava frio, devia isso ao ar-condicionado, já que era praticamente impossível dormir sem um nesse verão brasileiro. Enfim, briguei um pouco com o cobertor, até que finalmente consegui fazer com que ele cobrisse minha cabeça e meus pés ao mesmo tempo. Então, comecei a cantarolar junto com minha banda favorita: McFly. A cada música, imaginava estar escutando-a ao vivo, com os quatro bem ali, na minha frente. Fechei os olhos, deixando minha ilusão parecer mais realista. E, aos poucos, fui relaxando, esquecendo do pesadelo de pouco antes.


Quando dei por mim, ouvi um barulho mais alto que a música soava em meus ouvidos (n/a: TRRRIM). Abri os olhos meio zonza e percebi que havia dormido, olhei para o despertador e pulei da cama, literalmente, quando vi que horas eram: 6:40h. Pelo visto não havia escutado as outras vezes que ele tocara, ou seja, estava atrasada para a escola. Logo hoje que tinha prova, mas sempre é assim, justo nos dias mais importantes no calendário escolar você se atrasa.

Fui para o banheiro às pressas, tomei um banho rápido, vesti o uniforme, prendendo meu cabelo ligeiramente e, em menos de dez minutos, passava pela cozinha. Como suspeitava, meus pais já tinham ido trabalhar. Peguei uma maçã na fruteira e saí com a mochila nas costas.

A primeira coisa que eu vi ao abrir a porta foi a luz forte na linha do horizonte, comecei minha caminhada sob o sol.

Through a walk in the sun.

Engraçado como as músicas deles volta e meia viravam trilha sonora do meu dia-a-dia.

Atravessei a rua apressada e, ao dar minha primeira mordida na maçã, algo se chocou contra mim. A fruta vermelha foi lançada para longe, assim como meu corpo. A dor, a princípio, fora tão forte, logo senti o asfalto contra minha pele, algumas partes ardendo e latejando, outras cobertas por um líquido quente que parecia aumentar o fluxo a cada segundo. Meus olhos foram se fechando, não como se estivesse com sono, eu simplesmente não tinha mais poder sobre a gravidade. Cada cílio pesava mais que cem quilos, então, finalmente me rendi.

Já não enxergava, pensava ou sentia nada.

Where I'm going I don't know.


- ? - Alguém chacoalhava meus ombros de leve.

Tentei me levantar, porém meu corpo não respondia aos comandos do meu cérebro.

- ? - A voz tornou a me chamar.

- Oi... - Murmurei, minha visão estava turva, entretanto pude identificar uma pessoa inteiramente vestida de branco, apesar de tudo ao meu redor parecer ser branco também.

Mais uma vez, quis sair daquela posição incômoda, conseguindo uma resposta dos meu membros. Senti meus movimentos mais leves, enquanto me sentava, como se a minha massa corporal tivesse diminuído.

- Como se sente?

- Bem. - Falei sincera. Em poucos segundos, já estava totalmente acordada, sem precisar de banho gelado ou nada parecido.

Encarei o ambiente a minha volta. Era realmente branco, tão branco que causava aflição. Pra todo lugar que eu olhava tinha branco. Tampei os olhos, agoniada, mas, mesmo assim, a curiosidade foi mais forte, me fazendo espiar pelas frestas dos dedos e adivinha: mais branco.

- Onde estou? – Perguntei, reparando uma segunda vez na moça. Ela tinha os cabelos levemente cacheados e ruivos, olhos verdes que transmitiam uma calmaria fora do comum, sem esquecer da sua roupa também branca, óbvio.

- Você sofreu um acidente, se lembra disso? - Indagou, mudando de assunto. Automaticamente movi minhas mãos do rosto para as partes onde o carro havia me atingido. Os ferimentos haviam simplesmente desaparecido, minha blusa e o jeans, que antes certamente estavam banhados de sangue, agora estavam plenamente limpos. Era como se nada tivesse acontecido. Mas aconteceu!

- Onde estou? - Perguntei novamente, com a voz alterada.

- Você está morta. - Ela disse tranquilamente.

A princípio, pensei que era uma brincadeira, mas suas feições não pareciam sarcásticas.

Eu me pus de pé, olhando para o branco infernal que nos cercava. Será que no fundo o inferno era branco em vez do típico vermelho? Ou eu ainda estava viva tendo um daqueles pesadelos horríveis que assombravam minhas noites de sono? Uma ideia se passou pela minha cabeça, me virei rápida em direção à mulher.

- Prove. – Eu a provoquei. Na piscada seguinte, já não estávamos mais envoltas a brancura e sim num campo aberto com direito a gramas verdes e plantas floridas. Minhas peças de roupas haviam sido trocadas por um simples vestido branco. Algo me dizia que essa cor não iria sair do meu pé tão cedo...

- Então, escolhe outra cor.

- Hein? - Franzi o cenho.

- Já percebi sua afinidade com o branco.

- Lê pensamentos? Afinal, quem é você? - Apoiei minhas mãos no quadril, encarando-a, enquanto esperava sua resposta.

- Bethany, seu anjo custódio, ou anjo da guarda. Como preferir.

Uma leve rajada de vento passou, levantando brevemente meu vestido e esvoaçando meus cabelos, que agora pareciam mais sedosos e bonitos do que nunca.

- Mas, se eu estou realmente morta, o que ainda tô fazendo aqui? Quero dizer: o que é aqui? Pra onde eu vou? E por que eu morri? - Mal notei enquanto as dúvidas saiam por meus lábios. Estava com medo, a morte me dava medo, principalmente a minha morte. Na verdade, eu não podia morrer. Não devia morrer! Era jovem, saudável, com uma vida inteira pela frente. Meus sonhos, tudo que eu ambicionei. Nem mesmo metade dos meus desejos haviam se concretizado...

De repente, movida pela frustração, eu saí correndo. Corri, corri, corri até que o campo foi passando e passando. Eu só queria achar o caminho da escola, eu tinha uma prova na primeira aula! Continuei correndo, querendo acreditar fielmente que ainda estava dormindo, que daqui a pouco o despertador ia tocar, que eu finalmente iria terminar de comer minha maçã.

Já estava nessa corrida por uns dez minutos, mas o meu fôlego continuava intacto. Na verdade, nem parecia que eu estava correndo, eu só flutuava. Meus pés tocando delicadamente o chão a cada passo.

Deixei meu joelhos caírem, aflita, e olhei ao redor. Dessa vez, a paisagem que me cercava era uma praia. Cruzei minhas pernas e permaneci sentada, só olhando as ondas. Minha mente fervilhava.

Is it true when we die we go up to the sky?

Alguns segundos depois, Bethany se sentou ao meu lado.

- A morte não deve ser temida ou protestada. - Murmurou. - Ela só acontece. Aceite-a e será feliz.

- Não enxergo isso como felicidade. - Bufei.

Passamos várias horas em silêncio, mas eu mal percebi. Só tive noção disso assim que reparei no sol. Ele estava quase se pondo. Soltei um suspiro e descruzei as pernas, dobrando meus joelhos de encontro ao peito. Afundei meus pés na areia, enquanto outro trecho de música passava pela minha cabeça.

So many things that I don't understand.

- Tenho uma surpresa pra você, vamos. - Ela me estendeu a mão, pensei em recusar, mas o que eu tinha a perder se recusasse? Já estava morta, mesmo. Entrelaçou seus dedos nos meus e me puxou, porém ao invés de ficar em pé, eu estava no ar. Voando!

A cada segundo, ficava cada vez mais longe do chão, estava encantada. Olhei para Bethany, extasiada, e esta se limitou a sorrir. Eu sorri de volta, me deliciando com aquela sensação. O vento me carregava para algum lugar, mas isso era o de menos. Nem me importei com meu cabelo ou com o vestido, só tinha olhos para o mundo abaixo de mim. Uma imensidão de verde, depois azul e agora... branco?! E, então, notei pequenas bolinhas geladas que passavam por mim.

- Tá nevando! - Praticamente gritei. Iniciei uma corrida com alguns flocos de neve pra ver quem chegava ao chão primeiro e, quando o fiz, mergulhei meus dedos na fofura branca. Porém era como tocar água, você sentia, mas não conseguia pegar, apesar de que, se fosse fazer conchinha com as mãos, ao menos um tiquinho d'água daria pra segurar e nem assim obtive sucesso. Tentei de novo e nada.

Bufei alto, desiludida por não fazer meu tão sonhado boneco de neve, mas Bethany resolveu interferir.

- , entenda que seu corpo físico morreu, agora só resta sua alma e ela não tem estrutura para fazer coisas que outrora você considerava simples. Contente-se por apenas senti-las.

Ignorei seu comentário e cruzei os braços, notando pela primeira vez o ambiente que nos cercava: cabines telefônicas vermelhas, pessoas agasalhadas, um relógio imenso ao fundo...

- Sim, estamos em Londres. - Ela respondeu minha pergunta silenciosa. Sinceramente, essa habilidade dela para ler pensamentos me assombrava, porém logo esqueci disso. E outra pergunta se formou na minha cabeça.

- O que estamos fazendo aqui?

- Vai ter um show em Wembley esta noite, pensei que você estivesse interessada.

PLOF! Meu coração parou, metaforicamente. Soltei um suspiro, tentando me tranquilizar e indaguei pausadamente:

- Show de quem? - Escondi minha mão direita atrás das costas, fazendo figas com os dedos.

- Acho que você conhece, um tal de McFly. Começa às sete, se não me engano.

Nesse exato momento, o Big-Ben tocou, marcando sete horas em ponto. Escancarei a boca, gaguejando, ainda bem que Bethany leu meus pensamentos – literalmente - e nos guiou até a casa de show.

Em menos de dez minutos, já tínhamos chegado, centenas de fãs disputavam os lugares mais privilegiados, enquanto eu sobrevoava tudo e todos chegando até o palco. Vi a bateria do Harry e até ousei sentar sobre sua cadeira. Fiquei observando desde os pratos aos tambores, passando meus dedos de leve. Depois, foi a vez dos microfones, postos nos lugares em que os três integrantes restantes se colocariam a cantar. De repente, as luzes se apagaram, um frisson de ansiedade se apoderou de mim. O público começou a gritar loucamente: McFly, McFly, McFly. Tive vontade gritar junto, mas não consegui. A visão à minha frente era tão linda, milhares de pessoas rindo e tão esperançosas como eu. Simplificando: nunca virá tamanha felicidade em um só lugar antes. Agora entendia, ou ao menos tinha uma ideia de como os McGuys se sentiam. Por falar neles...

Os quatro entraram, se posicionaram cada um no seu devido lugar. Eu paralisei onde estava, somente observando-os. Quero dizer, eles estavam a poucos metros de mim. Abri um sorriso tão contente, meus olhos lacrimejavam, enquanto eu continuava ali, parada. Eles começaram a cantar, a multidão acompanhando-os. E eu parada, sorrindo.

- É assim que você aproveita o show, imitando uma estátua? - Bethany apareceu do meu lado. Sorri agradecida pra ela e, então, me soltei. Caminhava pelo palco, dançava, pulava, cantava, ria. Certeza que se estivesse com a minha massa corporal, estaria fedida e mais feia que bater na mãe. Mas, mesmo assim, quem ligava? Eu era literalmente invisível, ninguém me notava. Isso me dava total liberdade pra fazer o que quisesse (n/a: sem malícia). E, como toda fã aluada, dei vazão a todas as vezes que me reprimia, me limitando a balançar a cabeça de leve quando ouvia as músicas em público, porém agora é como se eu estivesse trancada no meu quarto com o som no último volume sem ninguém para me criticar. Não! Isso aqui é muito melhor do que meu quarto.

Durante as músicas mais calmas, eu me sentei de pernas cruzadas no meio do palco, balançando os braços na altura da cabeça, completamente emocionada. Outras vezes dividia o microfone com o Tom, Dougie ou o Danny cantando o melhor que podia.

Mas tudo que é bom tem um final, o show estava acabando. Faltava mais uma música e quase não acreditei quando ouvi a abertura: Walk in the sun. Ela fora minha fiel acompanhante durante o dia inteiro. Murchei um pouco o sorriso, lembrando que esse poderia ser minha primeira e última chance de estar com meus ídolos. Só que não ia deixar isso atrapalhar os poucos minutos que me restavam. Eu me aproximei do , aquele cujo meu amor platônico era mais intenso, e fiquei do seu lado até o termino da canção. E, quando esta acabou, depositei um beijo breve em sua bochecha. Ele abriu um sorriso torto do jeito que eu tanto gostava como se estivesse consciente da minha presença. Eu ri baixinho, levando parte do seu sorriso comigo, afinal, Bethany e a luz me esperavam.

But I'll be ok if you come along with me.

FIM.

Nota da autora:
PARABÉNS PRA VOCÊ, NESTA DATA QUERIDA, MUITAS FELICIDADES, MUITOS ANOS DE VIDA. PRA MALU NADA, TUDO! E COMO É QUE É?!
Cansei Q
Enfim, parabéns @luizadr, mtas coisas positivas pra ti afinal você merece. Essa short foi escrita especialmente pra você com a ajuda e incentivo de duas pessoas que eu também amo muito: @saadias e @linenunes. As três vão muito além de simples amigas, pra finalizar o pieguismo, gostaria que duas em questão refletissem sobre essa amizade e se ela realmente vale a pena ser ignorada por certas discordancias.
Em suma, escrevi a Through Walk In The Sun rapidamente depois de um sonho. Editei somente alguns detlhes de resto agradeçam a minha criatividade dorminhoca er
E por favor: comentem, comentem, comentem! Criticas e elogios são bem vindos (:
Obrigada todas que leram, isso é muito importante pra mim.
Qualquer coisa: www.twitter.com/andresSassy
Creditos pela capa: @saadias :3
xx

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Querido Diário
Dancing On The Kitchen


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