Abri os olhos para encontrar um quarto de tamanho
considerável, totalmente branco e aparelhos apitando por todos os lados. A
claridade me impedia de ver detalhadamente o que estava acontecendo ao meu
redor. Conforme a imagem ia ficando nítida, mais perto de confirmar minhas
suspeitas eu estava. Uma pessoa estava sentada, leia-se dormindo, em um sofá
bege em frente ao local onde eu me encontrava deitada. ...
Eu dei um sorriso fraco e não me movi nem um centímetro. Eu
não queria acordá-lo. Ele estava dormindo tão calmamente que poderia ser
comparado a um anjo.
Aos poucos as imagens da noite anterior voltavam a minha
mente. Um carro colidindo com um outro, alguém no volante, meu grito, o grito de
um garoto, um eu te amo e... Esse quarto.
se mexeu e por um segundo pensei que ele acordaria, mas
não foi o que aconteceu. Ele ainda dormia. Minha cabeça estava doendo. Estava
doendo muito.
Novamente se mexeu, e agora ele realmente estava
acordando. Eu não deixaria minha maldita dor de cabeça estragar todo aquele
momento. Eu não poderia deixar. Dei um sorriso, o melhor que conseguia dar
naquele momento, com certeza não foi um dos mais bonitos, mas eu queria
demonstrar que estava feliz por vê-lo ali. Seus olhos arregalaram e então meu
sorriso se desmanchou. Eu estava confusa.
—
... Você...
— Agora um sorriso se
abria em seus lábios e eu continuava confusa, mas o meu sorriso também voltava
aos meus lábios.
—
Hey —
minha voz saiu rouca e engraçada. Tive que rir de mim mesma, e ele fez o mesmo,
vindo até mim e segurando minha mão.
—
Eu não... Você tá bem? O que você tá sentindo? Eu vou chamar...
—
Ele estava eufórico e eu apertei sua mão.
—
Calma... Eu to bem, com uma dor de cabeça horrível, mas bem
— sorri para ele, que fez o mesmo.
— Eu vou chamar o médico -
ele saiu do quarto às pressas e ainda sorrindo.
Havia sido só uma noite,
por que toda essa euforia de ? Quando ele voltasse com certeza eu iria
querer saber disso. E o que aconteceu com o ? Com certeza eu também
gostaria de saber isso. Talvez ele estivesse no quarto ao lado com um sorriso
idiota igual aos que ele costumava dar sempre, ou fazendo piadas de si mesmo por
estar com uma roupa ridícula de hospital ou então... Foi ai, foi exatamente ai
que meus olhos encheram-se de lágrimas e os soluços começaram a aparecer. Ele
podia estar morto? Não! O meu não poderia estar morto, não mesmo! Ele com
certeza deveria estar até melhor que eu, eu queria deixar isso na minha cabeça e
espantar todos aqueles pensamentos malditos. Mas eu ainda estava chorando, e foi
assim que , minha mãe e o médico me viram quando adentraram o quarto
sorridentes. Os três desmancharam o sorriso e minha mãe correu até mim.
— Meu amor, como eu estava
preocupada — ela começou a beijar todas as partes do meu rosto até se
aproximar da cama.
— O que aconteceu com você,
? — sua voz saiu doce e triste.
— Cadê o ? - minha
mãe me mandou um olhar triste e depois olhou para . Eu só rezava para que
isso viesse acompanhado da pior notícia que eu teria em minha vida.
— O ... meu amor, o
não sobreviveu — você não faz idéia do que eu senti ao escutar aquelas
palavras. Eu simplesmente não podia acreditar naquilo, o meu tinha
morrido? Ele tinha ido embora e tinha me deixado aqui?
— Não é verdade... Não pode
ser verdade — gritei em meio as lágrimas e o médico fez sinal para que e
minha mãe saíssem, eles relutaram, mas acabaram por sair.
— Você precisa se acalmar,
— o médico falou observando todos os aparelhos, e todos os números que
estavam nele.
— Eu... não, eu não posso
continuar sem ele. Eu não posso ficar sem o ! Qual parte disso você não
entendeu? — novamente minha voz saia alta, dessa vez até mais alta do que eu
imaginaria que ela poderia sair.
— Eu sei que você está
triste, mas você precisa continuar sua vida. Ele morreu pra te salvar - aquelas
palavras fizeram eu me sentir mil vezes pior do que eu já estava. Do que
adiantava ele me salvar e depois ir embora? Eu preferia ter morrido no lugar
dele.
O médico colocou uma luz
forte nos meus olhos e depois pediu para que eu acompanhasse a mesma com os meus
olhos. Deixei que as lágrimas cessassem e fiz o que o doutor havia pedido.
Ele saiu, me deixando
sozinha naquele quarto e aquilo havia sido a deixa para que eu voltasse a chorar
e pensar em tudo o que a gente tinha vivido. Eu o conheci há três anos atrás,
quando comecei a cursar o ensino médio. Nós ficamos tão amigos, nós nunca
poderíamos imaginar no que aquilo se transformaria. Em amor, o grande amor da
minha vida. Ele sempre seria o grande amor da minha vida. A pessoa que eu
queria encontrar depois de morrer, a pessoa com quem eu esperava viver o resto
da minha vida junto. Mas a própria vida havia me passado a perna, me feito
sentir a maior dor que eu poderia sentir.
— Como você tá? —
perguntou com um pequeno sorriso e novamente segurou minha mão.
— Eu só quero morrer —
solucei e fechei os olhos.
— Não fala isso nem de
brincadeira, só a gente sabe o quanto a gente ficou preocupado e aflito nesses
últimos dois meses.
— Dois meses? — abri os
olhos assustada. — Como assim dois meses?
— , você esteve em
coma durante dois meses - falou arranjando um espaço ao meu lado na cama e
sentando-se. Agora eu pude reparar no quanto seus olhos estavam vermelhos e
inchados. É claro imbecil! Ele perdeu seu melhor amigo e seu companheiro de
banda. Dois meses... E eu achando que tinha sido... Ontem.
— Dois meses... Eu pensei
que havia sido só... um dia.
— Eu sei que talvez você
não queira escutar isso agora, mas eu vou falar mesmo assim. Eu sinto como se eu
tivesse essa responsabilidade - uma lágrima escorreu pela bochecha do meu melhor
amigo e eu senti meu coração apertar. — morreu três dias depois do
acidente... E ele disse “avisa a que ela foi a melhor coisa que
aconteceu na minha vida, e que eu nunca vou esquecer dela... diz que onde quer
que eu esteja, vai ser ela a garota em que eu vou estar pensando, a garota que
eu vou estar esperando por toda a eternidade em um campo florido e com um
violão, apenas pra tocar pra ela...”. E depois de falar... — eu fiz um gesto
para que parasse. Eu não conseguia digerir. Eu não conseguia aceitar e essas
palavras tinham simplesmente acabado com todo o resto de vontade que eu tinha de
viver, que já eram nulas. Eu queria ver meu , eu queria escutá-lo tocar só
pra mim, sentir seus lábios quentes nos meus, seu toque suave... Eu não poderia
ter mais nada disso, não enquanto eu estivesse viva... O que mais eu poderia
fazer além de... morrer?
— , você deve estar
sentindo um pouco do que eu estou sentindo, não está? — ele balançou a cabeça e
eu dei um sorriso fraco. — Ele era seu melhor amigo... Seu irmão... E por culpa
minha ele está morto. Então, apenas desligue todos esses aparelhos e me deixe ir
pra perto dele, por favor - implorei com lágrimas nos olhos e apertando sua mão
firmemente.
Ele me olhou com uma
expressão de que simplesmente não estava acreditando no que eu dizia, um olhar
incrédulo.
— Pelo amor de Deus, menina
-— ele continuou — nunca mais fale uma bobagem dessa! Eu te amo, eu nunca
faria isso com você, pequena. Nem em um milhão de anos, eu nunca te deixaria ir
embora, eu não quero sentir toda essa dor novamente... toda essa dor de perder
um melhor amigo, toda essa...
— , eu te imploro...
— Não, ! — ele
soltou minha mão bravo, e saiu do quarto batendo a porta com todas as suas
forças. No que eu estava pensando quando pedi para que fizesse uma coisa
dessas? Eu sabia que ele nunca iria fazer...
As horas estavam passando e
ora ou outra algumas enfermeiras entravam com sorrisos largos e falsos e me
examinavam ou traziam comida, que eu recusava.
Eu só conseguia pensar em
, apenas ele. Sempre ele. Lembrei de quando nós completamos um ano de
namoro, na surpresa que ele havia feito. Ele me levou até o seu lugar especial,
o lugar que ele amava e que ele nunca mostrara pra ninguém. E foi naquele
momento que minha certeza era mais do que certeza. Eu o amava e eu o queria pra
sempre.
Lembrei de nossas tardes
andando pelos parques de Londres e apenas ouvindo a respiração um do outro. Nós
não precisávamos de mais do que isso.
— ... — vi
se aproximar lentamente em lindos trajes brancos e com seu sorriso. Com
aquele sorriso que eu tanto amava.
— , o que... — meus
olhos se encheram de lágrimas e eu pude senti-lo tocar minhas mãos.
— Me escute, meu amor,
apenas me deixe ir embora em paz. Apenas siga sua vida, não pense em besteiras,
não faça besteiras. Eu estarei sempre, sempre com você. Basta fechar seus olhos
e você vai me sentir ao seu lado — nós estávamos em um campo, um campo que eu
nunca tinha visto. Agora estávamos abraçados e tudo o que eu queria era ficar
ali pra sempre, sentindo seu cheiro e seu abraço.
— Eu não posso... Eu não
consigo, . Como eu vou ficar...
— Pequena, apenas faça
isso. O vai estar com você e eu também. Apenas continue sua vida sem medo...
E depois, quando chegar a sua hora, nós estaremos juntos novamente. Pela
eternidade... E eu virei te buscar.
desapareceu e eu
senti alguém tocar meu rosto. Abri os olhos e vi chorando enquanto encarava
meu rosto.
— Promete, !
Promete pra mim que você nunca vai me pedir aquilo de novo.
Meu sonho veio em minha
cabeça. Eu tinha visto , ele tinha me pedido... Eu não poderia
desapontá-lo. Não agora. Eu vou sempre poder fechar meus olhos e sentir que ele
está por perto. Ele estava comigo.
— Eu... prometo - falei sem
me concentrar, e então sorri. Sorri sabendo que nunca iria me esquecer.
Sabendo que nada nesse mundo, nem a morte, iria nos separar. E então aquele não
seria o fim... Aquilo seria simplesmente o começo de tudo.
Em duas semanas eu já
estava em minha casa, ainda era triste lembrar que ele nunca mais tocaria aquela
campainha para me pegar pra ir ao cinema, ou simplesmente um passeio pelas ruas
de Londres. Mas era confortante lembrar daquele sonho e saber que eu não podia
vê-lo, mas ele podia me ver, eu estava segura. Nós iríamos fazer dois anos de
namoro hoje, e semana que vem completaria seu décimo oitavo aniversário.
Pela primeira vez eu havia tomado coragem de ir até o cemitério... Até o lugar
onde seu corpo ficaria pelo resto dos anos.
— Eu não sei o que você
teria planejado para hoje, meu amor — sorri entre lágrimas. — Mas eu sei que
provavelmente seria outro dia, outro dia que ficaria marcado pra sempre em meu
coração e em minha memória... Eu quero que você saiba que... Que eu nunca
esqueceria a data de hoje, que eu nunca deixaria de vim te ver...
— Eu sei, minha pequena...
— meu coração disparou ao ouvir aquela voz e eu me virei automaticamente. Ele
estava aqui novamente.
— ... — corri até ele
e o abracei. Era tão bom senti-lo de novo.
— Eu vim te buscar, minha
pequena - eu dei, pela primeira vez em dias, o melhor, maior e mais bonito
sorriso. Eu ia embora com ele. Ele voltou pra me buscar exatamente como havia me
dito.
***
—
Minha filha... Minha criança — a mãe de chorava abraçada a , que
tinha um sorriso pequeno no rosto, sabendo que aquilo era o que a amiga desejava
e que agora ela estava feliz.
— Vai
ficar tudo bem... Ela está com , eles estão juntos novamente e felizes —
a ajudava a caminhar para fora do cemitério.
— Era
a minha garotinha, eu não consigo enxergar coisas boas nisso — ela soluçava
enquanto a colocava no banco carona de seu carro.
“Ninguém sabe ao certo o que aconteceu, mas , 17, foi encontrada morta
ao lado do tumulo de seu namorado, que havia morrido alguns meses antes. Nenhuma
lesão foi encontrada na menina, nenhum indício de overdose, apenas uma menina
morta por algum motivo que ninguém nunca vai saber, não agora.”
lia aquela notícia pela quarta manhã seguida no jornal mais lido de Londres.
Ele tinha certeza que a menina que ele amara toda a sua vida em silêncio agora
estava realmente feliz ao lado da pessoa que ela amava.