Capítulo único
2012
Venha reencontrar seus amigos e relembrar os momentos que o tempo nunca apagará! Te esperamos no próximo dia 7, às 9 a.m., no endereço que você conhece bem!
Atenciosamente,
Diretor Cooper e Padre Robert.”
Ele olhava para o papel que tinha acabado de chegar pelo correio e não sabia o que sentir. Saudade, talvez? Seria um bom sentimento, se realmente sentisse.
Os tempos de escola não foram fáceis para . Na época, ele era o estranho. O terror das suas manhãs era acordar e saber que teria que ir à escola, onde só havia pessoas preocupadas com seus status na pirâmide social. Mas o melhor de tudo era olhar ao seu redor — sua casa localizada em um dos melhores condomínios de Londres, seus carros na garagem, sua banda fazendo sucesso pelo mundo, milhares de cartas com garotas se declarando e o agradecendo apenas pela sua existência. Enquanto aqueles que brigavam pelo topo da pirâmide ainda estavam na cidade do interior, de onde viera, e, provavelmente, estariam trabalhando como mecânicos, garçonetes, vendedores em alguma loja de departamentos, ou, até mesmo, solteiros com filhos para criar.
Em dez anos, muita coisa mudou na cabeça de — seus objetivos e metas, suas prioridades e, principalmente, sua mente. Não se deixava mais abalar por qualquer comentário, pois percebeu que, enquanto fosse o que os outros quisessem, nunca seria ele mesmo.
Mas, se alguma coisa prevaleceu do colegial, foi o calor que deixou fixado em seu coração.
, a garota que, por muito tempo, foi chamada de “garota do anuário”, já que ele nunca teve coragem de conversar com ela. Dela, sim, ele sentia saudade!
Ainda com a carta em mãos, foi até seu armário e puxou da terceira gaveta o anuário verde do primeiro colegial; buscou entre as folhas a garota dos grandes olhos escuros e parou para ler o que dizia ao lado de sua foto:
“ quer ser escritora, sonha em fazer a diferença na vida de alguém e espera realizar algo para ser lembrada para sempre.”
“Diferença na vida de alguém". Isso, ela fez na vida de .
e se conheceram no final do segundo ano do colegial quando ela chorava embaixo da arquibancada. Na época, ele era do time de futebol e quando ouviu a garota fungando, percebeu que aquele era o momento em que deveria se aproximar e descobrir o nome daquela que vinha tirando seu sono há algumas semanas. Depois das apresentações e de ter oferecido seu ombro, a garota aceitou de bom grado e despejou tudo de uma vez.
Ao contrário do que ele pensou, o assunto não era tão sério. Apenas o típico sentimento de um amor não correspondido durante o colegial. Mas, afinal, quem não passa por isso não cresce na vida.
Apesar de ter sido a única vez que se falaram, ela acabou virando um tipo de amor platônico para ele. Pelos últimos dias do segundo ano e do terceiro inteiro, se pegou várias vezes observando a garota. Por culpa dela, ele decidiu que precisava sair do casulo em que se escondia e passou a ter uma vida social, amigos, conhecer pessoas... E, então, no último ano, tudo mudou para ele, que começou a frequentar as festas da sala e, consequentemente, acabou atraindo a atenção de várias pessoas; inclusive, das garotas.
Em uma das grandes festas na casa de praia dos irmãos McFaden, conheceu Tiffany, com quem veio a namorar, semanas depois.
O namoro aguentou até o final do ano, porém, quando a garota passou em uma faculdade nos EUA, e ele viu que não tinha a mínima vontade de sair da Inglaterra, decidiram que seria melhor colocarem um ponto final no relacionamento. Nenhuma das partes sofreu, afinal, não existia amor. Eles gostavam da companhia um do outro e viu em Tifanny uma oportunidade para tirar de sua cabeça, já que ela estava namorando o garoto alto do grupo de xadrez, o Kiannn.
sorriu ao se lembrar de todas as festas que ia e, muitas vezes, tentou falar com , mas na hora em que chegava perto, sentia seu coração quase sair pela boca e sentia medo de falar algo idiota a ela, então se afastava. Foram inúmeras as vezes que isso aconteceu e inúmeras as vezes que , hoje, seu companheiro de banda, riu de sua cara.
Lembrando-se disso, puxou o celular do bolso e decidiu ligar para o amigo.
A amizade dos dois começou em uma das festas em que passou mal e o ajudou. Depois daquele dia em que bateu nas costas de , enquanto ele vomitava, não se desgrudaram mais.
Três toques, e atendeu o celular:
— Fala, viado! — Atendeu, ofegante.
— Tá falando assim por quê? Tá me traindo, ? — deu uma bufada, do outro lado da linha, e riu.
— Te traindo com a esteira, só se for! — Pausou para respirar. — Preciso recuperar meu corpinho! Até contratei uma pessoa para cozinhar nesta casa! Agora, tem chuchu e abobrinha, todos os dias! Não sei até que ponto isso é bom, porém... Mas você não ligou para saber da minha dieta. Diga o que te aflige!
— Bom, ainda nada me aflige, eu acho. Você recebeu a carta também?
— Do reencontro dos alunos? É, recebi! Aquele padre me ama! Você vai, né?
— Claro que ama! Você vivia mais tempo ajoelhado, pedindo perdão na capela, que na sala de aula! — Riram. — E eu não sei se...
— É claro que você vai! Não fomos a nenhum, até hoje, porque sempre estávamos em outro continente, mas, neste, nós vamos e você ainda vai ligar para confirmar, certo? E outra! — Deu uma pausa para conseguir respirar. — É pecado recusar convite do padre!
— Como se não tivéssemos recusado os outros... E ligar para quem?
— Para a sua queridinha, que sempre foi responsável por toda a organização, oras!
— , eu acho que...
— Ótimo! Sexta, pela manhã, passo na sua casa e vamos juntos! Tchau! — E a chamada foi encerrada.
encarou o celular por alguns segundos e, depois, gargalhou. era mesmo um babaca! Claro que aquela pressão era por culpa da história mal resolvida do colegial! Óbvio que ele não perderia a oportunidade de tocar nesse assunto! Na verdade, ele não perdia oportunidade nenhuma de rir da cara do amigo e, com o passar do tempo, os outros integrantes da banda também adquiriram esse hábito. E tudo piorou no dia em que Boca Grande , como costumava chamá-lo, contou a eles sobre o amor platônico de no colegial! Aí, sim, que perderam o respeito!
Não que ele ligasse! Até ria dos comentários e de toda a brincadeira, mas em seu peito algo ainda pulsava por , e era frustrante lembrar que a única vez que falou com ela foi sobre o cara que ela gostava, mas que não queria nada com ela.
No final da carta havia um telefone para ligar e confirmar presença, e, assim como havia dito, ao lado estava o nome “ ”.
A última vez que viu a garota foi há dois anos quando visitou seus pais e descobriu que os pais dela, agora, eram vizinhos dos seus. No entanto, ela estava morando no Canadá, o que fez questionar o motivo do telefone de confirmação ser o dela.
Será que ela já tinha voltado definitivamente à Inglaterra? Será que, agora, ela morava com os pais ao lado dos seus?
Vários questionamentos começaram a surgir, mas nenhuma resposta.
Tomou coragem e digitou os números, colocou o celular no ouvido e esperou, até que fosse atendido:
— Alô?! — A pessoa do outro lado da linha atendeu, e sentiu seu corpo congelar por alguns instantes, não conseguindo proferir palavra alguma.
— Hum... — Hesitou por um instante. — ?
— Ela mesma! Quem fala?
— Olá! É o .
— ...?
— Ah, .
— Claro! Ah! Wow! — Ela pareceu surpresa. — Não vá me dizer que está ligando para confirmar presença no reencontro?!
— Minha e do , na verdade.
— O ?
— Isso.
— Não acredito que, finalmente, vamos ter a presença dos dois astros que saíram daquela escola! O Padre Robert não vai acreditar!
— Pois é... — Riu, sem graça. — Bom, é isso.
— Ah! Sim. Ok! Érm... Tchau!
— Tchau! — Tirou o aparelho do ouvido e desligou.
Não acreditava no que tinha acabado de acontecer. Realmente, tinha falado com ela? A garota do anuário? Riu, sozinho, percebendo que, desde o dia da arquibancada, foi o maior diálogo que conseguiu manter com .
Dois dias se passaram, e a sexta-feira chegou.
enrolou o máximo que pôde para sair da cama e cogitou a possibilidade de fingir uma tosse, alguma dor de garganta ou de ouvido, até uma pneumonia repentina, mas sabia que não conseguiria enrolar , que arrombaria sua porta e o arrastaria pelo cabelo até o carro.
Quando se deu por vencido, levantou-se e terminou de arrumar uma pequena mala, já que aproveitaria e passaria o final de semana na casa dos pais, e foi tomar café da manhã. No momento em que buzinou na frente de sua casa, soube que não tinha mais volta no que estava se metendo.
Depois de respirar fundo, pelo menos, cinco vezes e de quinze buzinadas de , levantou-se da cadeira, pegou a mala na sala e trancou a porta da casa. Quando entrou no carro, ouvia ’Crazy In Love’, e fez uma careta para o amigo.
— Sério isso?
— Se vamos voltar à nossa cidade, rever os amigos de dez anos atrás, o que custa ouvir músicas daquela época? — Foi com a mão até o botão que aumentava o volume. — Essa parte... Sente só! — Girou o botão e jogou a cabeça para o lado. — Got me looking, got me looking so crazy in loooooooooooooooooooove! Uh oh, uh oh, uh oh, oh no no...
movimentava-se como se tivesse um microfone em mãos e jogava o cabelo de um lado ao outro, enquanto não conseguia expressar nada ao ver o amigo fazendo aquilo.
— Ugh! , você tá um saco! Mas não tem problema! Tem outras músicas daquela época, como essa aqui! Ouça! — Apertou para a próxima música e, antes que começasse a tocar, limpou a garganta e olhou para o amigo. — Baby, can’t you see? I'm callin! — Mordeu o lábio e apontou para o amigo. — A guy like you should wear a war... Hey!
desligou o rádio e desatou a rir.
— ... Isso... Foi... — Não conseguia terminar a frase. Além de não conseguir puxar o ar, também não conseguia raciocinar, ainda com as imagens na mente.
— Foi o máximo, ok? Sem contar que tem uma playlist inteira com músicas antigas, então, caro , o senhor passará as próximas cinco horas no carro, com euzinho aqui e essas músicas maravilhosas!
Mal sabia o amigo que preferia ir e voltar, ouvindo Britney Spears, a ter que ver , e toda sua insegurança e tremedeira voltarem.
No momento em que colocaram os pés para fora do carro, sentiu-se o mesmo de quando saiu dali.
Aquele que andava de bicicleta para todos os lados, com em seu skate, o que cortava a grama dos vizinhos para juntar dinheiro e comprar uma guitarra, o que passava correndo por aqueles portões enormes do colégio por, geralmente, estar atrasado...
Alguns carros estavam estacionados na rua do colégio, e a grande faixa, indicando que ali estava acontecendo a reunião e o ano em que a turma havia se formado, deixaram apreensivo.
Ele queria mesmo estar ali?
Um lado seu queria mais que tudo! Porém, o outro estava gritando para que entrasse naquele carro e voltasse correndo a Londres.
Observou quando um carro parou embaixo de uma árvore, do outro lado da rua, e logo uma mulher saiu dele. Ela usava um vestido claro, salto nos pés e seu cabelo longo caía pelas suas costas.
Quando a mulher se virou, quase caiu para trás.
Era ela.
— Ôpa! Quer um babador? Ou uma toalha, talvez? — parou, com a mão aberta embaixo da boca do amigo.
— Sai, mané! — Deu um tapa nele. — É a...?
— . Ela mesma! — respondeu, simplesmente.
Parados na entrada do colégio, e viram aproximando-se com um sorriso no rosto, mas passou por eles, cumprimentou-os educadamente, provavelmente, não os reconhecendo.
— ! — gritou, fazendo olhá-lo, espantado, com os olhos arregalados.
Aos poucos, a mulher diminuiu o ritmo dos passos e, lentamente, virou-se para trás. Sua expressão confusa entregava sua dúvida.
— É... Olá?!
— Você realmente não nos reconhece? — Tombou a cabeça para o lado e fez um bico, como se estivesse realmente triste por isso.
Não que não estivesse, mas aquilo estava sendo divertido para ele, depois de tanto tempo sem ver a garota — que, hoje, já era uma mulher — que o tirou várias noites de sono e foi inspiração para vários sucessos de sua banda.
— Vocês... Deixe-me ver... — Aproximou-se, e sua expressão mudou totalmente. — Deus! , é você, mesmo? — Não se conteve e, em passos corridos, foi até ele e o abraçou.
— E eu também! — se fez ser notado.
— Claro, ! — Soltou-se de e abraçou , ainda mais animada. — Vocês vieram, mesmo! Eu mal consigo acreditar nisso!
— Claro que viemos!
— Quando você me ligou para confirmar presença, confesso que não botei fé que viriam. Mas olha só isso! Vocês realmente vieram! — Ainda se mostrava surpresa. — Venham! Vamos entrar e reencontrar todo o pessoal!
Segurou os dois pelas mãos e os conduziu até a quadra, onde todos os ex-alunos se encontravam. Assim que adentraram, várias pessoas vieram até eles; inclusive, Tiffany, ex-namorada de , e Kiann, ex de .
— Hey, ! — Tiffany abraçou o rapaz.
— Olha só! Você por aqui... — Ele devolveu o abraço com carinho.
— Pensei que nunca mais te veria! — revelou assim que se soltaram do abraço. — Afinal, eu deixei um astro do rock para ir cursar a faculdade. Ninguém acredita quando conto que já namoramos! — Torceu o nariz, fazendo rir.
— Eu te falei que, um dia, seria famoso, hum? — Foram caminhando calmamente até a mesa com bebidas e se serviram com dois refrigerantes.
— Eu deveria ter botado fé, droga! — Fez uma falsa cara de arrependimento, e ele gargalhou. — Olhe só para nós dois! Parecemos adolescentes que ainda não têm idade para álcool! — Bebeu um pouco de seu refrigerante de limão.
— Bem isso! — comentou, distraído.
começou a varrer a quadra com os olhos, à procura de . Depois de Kiann ter aparecido, e ela ter abraçado o rapaz, ele não a viu mais, assim como , que havia sumido com as garotas que eram líderes de torcida.
Algumas coisas, definitivamente, nunca mudariam.
Deu uma risada abafada e saiu de seus devaneios com a voz de Tiffany lhe perguntando algo:
— E vocês ficaram juntos?
— Como é? — perguntou, meio perdido e sem saber do que ela falava.
— Você e a ficaram juntos, depois que eu fui embora?
— e eu? De onde você...?
— Por Deus, ! — Ela riu. — Você era totalmente apaixonado por ela! Todos sabiam disso!
— Todos...?
— Todos, ! Desde sua namorada, eu, até Kiann, o namorado dela.
— Eu não se de onde vocês tiraram isso, mas é um absurdo! — Riu, nervoso. — Digo, nós éramos amigos, mas eu apaixonado por ela? Claro que não!
— Não, imagina! — debochou. — E o que era aquela sua cara de babaca todas as vezes que ela aparecia? E sua falta de jeito sempre que ela estava por perto? Eu me lembro bem da vez que você derrubou aquela sopa nojenta que serviam no intervalo bem na minha roupa, porque estava andando e olhando para a mesa dela!
não se conteve e riu. A cena realmente havia sido engraçada, e Tiffany brigou feio com ele naquele dia, mas, em momento algum, havia mencionado .
— Mas nós já namorávamos naquela época, não?
— Já, mas de que adiantaria eu falar dela? Nunca me apresentou perigo. Você, apesar de estabanado e todo desajeitado, era bem fiel.
— ...E, hoje em dia, é o maior galinha do mundo da música! Como o mundo gira, hein! — chegou por trás e passou o braço pelo pescoço de . — E aí, Fany?!
— Ugh! , só você me chamava por esse apelido ridículo! — Deu um soco no ombro do garoto.
— Mal agradecida! — Brincou e abraçou a garota. — Estavam dando um remember, é? — Bateu no ombro de , e o mesmo revirou os olhos, perguntando-se como o amigo tinha tamanha capacidade de ser inconveniente.
— Apenas relembrando como ele agia pateticamente quando o assunto era — a garota entregou, e soltou uma gargalhada.
— Agia ou age? Quase teve um ataque do coração para ligar e confirmar a presença! — Pegou uma bebida de laranja. — A culpa dele ser assim, hoje em dia, é toda dela!
Revirando os olhos, ignorou totalmente o assunto que os dois começaram:
— Concordo! foi a maior frustração da vida amorosa dele, que mal havia começado!
— Às vezes, parecia que ele desaprendia a andar quando ela estava por perto... — lembrou-se das várias vezes em que viu o amigo tropeçar, trombar em algo, ou, até mesmo, cair na frente da garota.
— Olá! Eu ainda estou aqui! Lembram?
— Claro que lembramos! Que graça teria relembrar tudo isso se você não estivesse aqui para rirmos da sua cara? — Tiffany não se aguentava de tanto rir.
Quando ia se defender, sentiu uma mão quente pousar em seu ombro. Já estava disposto a cumprimentar quem quer que fosse, mas perdeu até a voz ao se deparar com sorrindo ao seu lado.
— A piada deve estar ótima aqui, mas posso interromper este momento e chamar vocês para a nossa foto? — Sorria, animada.
— Claro, ! Vamos lá! — Tiffany foi a primeira a enganchar seu braço no de e ir ao fundo da quadra, onde todos estavam se reunindo.
foi logo atrás, e terminou de beber seu refrigerante, antes de tomar o mesmo caminho que os outros.
Ela tinha olhos lindos.
Seus olhos, boca, nariz e as pequenas sardas faziam uma combinação perfeita com o cabelo loiro, que caía como cascata pelos ombros.
Seu sorriso continuava o mesmo e ainda o deixava com as pernas moles como gelatina.
Apesar dos saltos e do vestido, ainda via naquela mulher a garota de anos atrás, que usava tênis e calça jeans em todas as manhãs.
Após falar algo ao fotógrafo, correu para o grupo, e todos gritaram para que ela se posicionasse ao lado de .
Sem olhar muito para outros lugares, ela foi e parou ao lado dele, colocando uma mão em seu ombro e apoiando a cabeça ali. Sem pensar no que estava fazendo, o rapaz passou um braço pela cintura dela e a puxou para mais perto.
No momento em que o flash bateu, e todos os ex-alunos começaram a falar juntos, olhou, surpresa, para ele, sem entender ao certo o que havia acabado de acontecer.
Logo todos se dispersaram novamente — algumas rodinhas continuavam as mesmas, como os que costumavam ser do clube de xadrez, de teatro, os músicos do gramado, o clube de Matemática, que nunca saía do laboratório, e até os que nunca faziam nada nas aulas.
Dirigia-se para a mesa com petiscos, pensando no quão bem o tempo havia feito a alguns ali, como a . Apesar de continuar com os mesmos olhos e o sorriso inocente que sempre teve, sua forma de agir e falar estava diferente; mostrava-se mais seguro de si. Ainda distraída, pensando nisso, assustou-se quando viu uma figura parar à sua frente.
— !
Não conseguia acreditar que aquele era Travor McCoen.
O mesmo que a fez chorar embaixo das arquibancadas várias vezes.
— McCoen! — Devolveu com um sorriso nos lábios.
Ao contrário de , o tempo não havia feito nada bem a ele.
Seu cabelo estava grisalho, sua voz mais rouca que antes e sua aparência era de um homem bem mais velho.
O cheiro de nicotina que exalava não negava o que havia feito isso com seu corpo.
— Você continua linda! — disse assim que se soltaram.
Se tivesse ouvido isso anos atrás, provavelmente, parte da adolescência não teria sido embaixo da arquibancada.
— Muito obrigada, Travor — agradeceu, tímida —, mas, se me dá licença, eu preciso resolver uma coisinha com o pessoal do buffet! — Despediu-se rapidamente e começou a andar por entre as pessoas, despistando o rapaz.
Céus! O que havia sido aquilo?
Quando percebeu, já estava entrando embaixo da arquibancada e sentando-se em um dos ferros. Lembrou-se nitidamente da quantidade de vezes que assistiu ao treino de futebol dos garotos para ver Travor correndo e da vez em que o ouviu chamá-la de “santa puritana”, e que, por esse motivo, beijá-la era algo fora de cogitação.
Naquele momento, a única coisa que conseguiu fazer foi chorar. Chorar muito, sentindo-se uma garota ridícula, do colegial, que nunca ficaria com alguém.
E foi naquele dia em que conheceu . Na verdade, foi a primeira vez que trocou palavras com o garoto. Já o conhecia de vista, mas nunca haviam se falado.
Ele se mostrou preocupado com a garota, ficou ao seu lado por um bom tempo, até o momento em que ela decidiu desabafar e contar a ele o que estava acontecendo.
Depois daquela vez, nunca mais haviam conversado direito. Olhares trocados nos corredores, sorrisos tímidos durante as aulas e alguns esbarrões nas festas dos McFaden.
Em uma dessas festas, ela o viu com Tiffany, a garota que viria a ser sua namorada. Depois daquele dia, decidiu que nunca mais criaria esperanças com algum garoto daquela escola.
Sorria, sozinha, lembrando-se de sua versão estranha do colegial, quando sentiu a presença de alguém ao seu lado.
E ali estava , usando uma camisa xadrez, calça jeans e um par de tênis brancos.
— Te vi falando com o Travor — falou assim que sentou-se ao seu lado.
— E isso te parece familiar?
— Totalmente! — Ele apoiou os cotovelos nos joelhos e segurou uma mão na outra. — Foi graças a ele que começamos a nos falar.
— Corrigindo! — Ela coçou a garganta. — Foi graças a ele que nos falamos pela primeira e única vez.
havia sentido uma ponta de rancor naquela frase, ou foi apenas impressão?
— É... Mas como foi?
— Como foi o que?
— Que vocês se resolveram... Digo, vocês ficaram juntos, não ficaram?
— Nope. Na verdade, nunca cheguei a beijar nenhum dos garotos da escola — confessou.
— Não? — Ela negou. — E o Kiann?
— Ah, aquilo foi fingimento para a Becca sair do pé dele.
— Becca, a representante de sala? — perguntou, divertido.
— A mesma! — confirmou.
— Nunca poderia imaginar isso. — Riu. — E algum motivo para isso?
— Para o quê?
— Para nunca ter ficado com nenhum dos garotos da escola.
— Bom... — Ajeitou-se e direcionou seu olhar para os olhos dele. Por alguns segundos, não soube o que dizer. Aqueles olhos ainda eram tão... Tão... Tão totalmente ! — Sem motivos.
Ao perceber que o assunto havia acabado e que o silêncio aterrorizante iria se instalar, tentou novamente puxar um assunto:
— E o que anda fazendo, hoje em dia?
— Acabei de lançar meu terceiro livro.
sentiu o orgulho em suas palavras.
— Então você conseguiu, hum? — disse, sugestivo. o olhou com uma expressão confusa. — No anuário do primeiro ano, você colocou que queria ser escritora e...
— ...Que eu queria fazer a diferença na vida de alguém e fazer algo que me fizesse ser lembrada para sempre. — Riu. — Nossa! Como você se lembra disso?
— Eu... — Suas bochechas ruborizaram violentamente. Aquela versão de , guitarrista e vocalista do Mcfly, normalmente, não ficava com vergonha com tanta facilidade. Na realidade, aquela versão dele nunca sentia vergonha de nada e de ninguém, mas ainda o deixava fora dos eixos e mexia com ele de uma forma que nem ele mesmo se dava conta. Não diria a garota que em quase todos os anos, olhava o anuário e se deliciava com sua foto e seus objetivos de vida, pois soaria patético! — Não sei, apenas lembro — finalizou, firme.
Sentiu o celular vibrar em seu bolso e viu que tinha uma mensagem para ler:
“Fletch ligou, pedindo para voltarmos, ainda hoje, a Londres... Vamos agora?”
— Não! — disse, sem perceber.
o olhou, sem entender.
— Tudo bem?
— Tá... Quer dizer, não, não tá. — A garota ainda tinha a expressão confusa. — Nosso empresário quer que e eu voltemos, hoje, a Londres.
— Hoje? — perguntou com uma entonação de tristeza na voz. — Pensei que ficariam, pelo menos, até o final da festa...
— Bem que eu queria ficar com você até o final da festa, . — Puxou para si uma das mãos que estavam pousadas no colo da garota. — Mas...
o olhou ligeiramente, com um sorriso tímido.
Ele havia mesmo dito que queria ficar com ela? E a chamado pelo apelido? Pior ainda! Segurou sua mão? Ele deveria mesmo fazer isso? Deixar sua versão atual fazer o que sua versão do colegial deveria ter feito?
Observou bem as mãos da mulher e em nenhum dos dedos encontrou uma aliança. Ela também não havia mencionado, em momento algum, a palavra namorado, marido, casamento e, muito menos, filhos, o que deu a uma pontinha de esperança.
— Mas...?
— Mas eu não posso ir embora ainda.
levantou-se de onde estava e parou de frente para , puxando-a para frente.
— Como assim, ? — Sem entender ao certo o que estava acontecendo, ainda parecia perdida ao olhar para o rosto dele.
— , eu passei os três anos do colegial pensando em fazer isso e... — Pausou. — Dez anos me arrependendo por não ter feito.
tinha os lábios entreabertos e os olhos paralisados, focando os seus. Aos poucos, os olhos dos dois foram se fechando e, ao se aproximar dos lábios que exalavam um cheiro agradável de morango, por culpa do batom rosado, pôde sentir a respiração acelerada de .
Sem adiar aquilo por mais minuto algum, atacou os lábios dela com os seus e os selaram em um beijo.
Um beijo que não acreditava que estava acontecendo. Um beijo que foi adiado por, praticamente, treze anos e que, finalmente, estava acontecendo.
Tudo como deveria ter sido na época do colegial!
sentia seu coração batendo tão rápido que, a qualquer momento, poderia arrebentar sua caixa torácica e cair ali no chão, enquanto não sabia se aproveitava os lábios quentes dele aos seus ou se sorria.
2015
— Você tem certeza disso? — Provavelmente, era a décima quinta vez que fazia essa pergunta. — Digo, e se der positivo?
— Então nós vamos sair e ir a uma loja de crianças, e compraremos a primeira roupinha do nosso bebê.
— Mas e se der negativo?
— Por Deus, ! Se der negativo, você não está grávida!
— Você tem que ser tão bruto? — ralhou e cruzou as pernas em cima da cama.
O envelope com o resultado do exame estava ao seu lado, enquanto passava as mãos pelo cabelo, nervoso.
Depois de andar de um lado ao outro sem parar, o rapaz percebeu que agirem daquela forma não os levaria a lugar algum, e uma ideia acendeu em sua cabeça.
— ... — Foi calmamente até ela e segurou suas mãos. — Estamos juntos há três anos e... — Ele a encarava tão profundamente e, então, ela se deu conta de que poderia andar pelo mundo todo, conhecer todas as pessoas de todas as etnias, jeitos, com todos os modos, pensamentos e formas de agir diferente, mas nenhuma se igualaria a . Nenhuma seria capaz de fazer seu coração acelerar com tanta rapidez e, ao mesmo tempo, fazer parecer tudo tão lento. Nenhuma pessoa seria capaz de fazê-la se apaixonar e se entregar completamente como ele fez. — Nós temos condição de ter um filho, agora, não temos?
Ele dizia tudo com tanta segurança que quase chegava a se deixar acreditar e abrir o maldito exame.
— E-eu não sei, ...
— Sim, você sabe. — Puxou-a para mais perto e deu um beijo em sua testa. — Você seria uma mãe maravilhosa, e eu o melhor pai que pudesse ser!
Sem saber o que responder, puxou o rosto de para si e colou seus lábios nos dele. A paz que preencheu seu corpo foi o suficiente para tomar coragem e pegar o envelope.
No momento em que segurou o papel e estava prestes a rasgar a lateral para abri-lo, toda sua coragem se foi, e estendeu o envelope a .
— Abre.
— Tudo bem. — Tentando esconder o nervosismo e o tremor, ele pegou o envelope e abriu de uma só vez; desdobrou o papel e ficou olhando por alguns segundos.
perguntava-se se ele não estava entendendo o que estava escrito ou se foi o resultado que o havia deixado assim.
— Fala alguma coisa, ! — ralhou.
Mas, sem falar nada, ele colocou o papel no bolso e saiu do quarto.
— Mas que diabos? — levantou-se da cama e estava indo atrás dele, mas toparam-se na porta e ele a levou novamente para dentro do quarto.
— Só quero que saiba que... — Respirou fundo. — O que eu vou fazer agora não teve nenhuma influência daquele exame, sim? Era algo que já estava planejado. Eu só não tinha encontrado o momento certo para dizer.
E, então, ele dobrou os joelhos e apoiou um no chão.
Desacreditada com a cena, uma das mãos de foi até sua boca e a outra ao centro do peito. Sentia seu coração bater rápido na garganta, e tudo piorou quando ele puxou do bolso de sua jaqueta uma pequena caixinha de veludo azul e sorriu.
— , você não...
— , por muito tempo, você foi meu amor platônico, e o máximo de contato que eu conseguia ter com você eram olhares nos corredores da escola. Durante os três anos do colegial, eu me perguntava por que raios não te tirava da minha cabeça, e meus amigos riam de mim, principalmente quando eu te via e só conseguia agir como um idiota. — Riu, lembrando-se de cada momento de vergonha que passou por não saber como agir perto da garota. — E, então, o colegial acabou, e jurei que nunca mais nos veríamos, que nunca mais veria seu sorriso e nem seus olhos, mas tudo mudou no dia em que aquela carta da reunião de alunos chegou, e praticamente me obrigou a te ligar. Mas você não reconheceu a minha voz! — Entre lágrimas e risos, ele abriu a caixinha, e um anel prateado com um coração azul pôde ser visto por , que, apesar da visão embaçada por culpa das lágrimas, não conseguia desviar o olhar do rapaz abaixado à sua frente. — Você conseguiu escrever seu livro, ... — Levantou-se, aproximando-se mais de , e pegou sua mão direita. — Mas, agora, é o momento de você continuar fazendo diferença na minha vida, dia após dia.
Assim como as mãos de , as de também tremiam, e ele pensou que não conseguiria tirar o anel da pequena caixa, sem deixá-lo cair, mas conseguiu. Guardou a caixinha no bolso novamente, e seu olhar foi certeiro no de .
— Você quer se casar comigo, ? Deixar de ser só a minha garota do anuário e ser minha esposa?
— , e-e-eu...
Seu olhar desviava de sua mão para a face dele.
— E, bom, você será eternamente lembrada por ter me dado nosso primeiro filho.
— Ai, meu Deus! O resultado, então...
— Sim, , você está grávida.
Sem saber mais para onde olhar ou o que dizer, saltou da cama e foi diretamente ao colo de . Ele passou seus braços pela cintura dela e a girou no ar, finalmente, colando seus lábios com uma mistura de amor, felicidade e um gostinho de novidade.
Ao se descolarem, não sabia como tirar o sorriso dos lábios e abraçou , sentindo-se totalmente completa ao lado de seu futuro marido e com seu bebê se formando dentro de si. mal acreditava que tudo aquilo realmente estava acontecendo! , finalmente, estava ao seu lado e sendo sua! Tudo estava em seu lugar!
Naquele momento, constatou que tudo acontecia em seu devido tempo.
Talvez, se ele e tivessem ficado juntos no colegial, não teriam maturidade o suficiente para lidar com seus sentimentos e, provavelmente, poderiam ter estragado o futuro, que, no momento, era seu presente.
E naquele momento, passou de “garota do anuário” para a eterna mulher da vida de .