I
Alguém só podia estar fazendo uma brincadeirinha comigo.
Para me assustar.
Não é possível.
100% impossível que NINGUÉM estivesse me vendo.
Não dá para acreditar!
Passei a mão na frente do espelho pela milésima vez e adivinhem só: eu estava me vendo!
Por que ninguém mais parecia me ver então?
Já tentei com meus pais tomando café na cozinha, meu cachorro... Ninguém.
Sei que essa história deve estar parecendo surrealmente surreal para você, mas imagine para mim então?
Coloquei a mão na cabeça e a abaixei, sentindo uma dor horrível com a qual não conseguia abrir os olhos.
Alguns segundos depois tudo voltou ao normal e eu já não sentia mais dor.
Mas quando abri os olhos eu não estava na minha casa, muito menos no meu quarto.
Eu... tinha voltado no tempo? Aquilo era a minha memória?
Se não, por que eu estava me vendo, então?
Porra, isso tava cada vez mais estranho!
- Seus pensamentos estão muito confusos - alguém falou do meu lado, fazendo eu me assustar e dar um grito.
- Cacete! Quem é você?
Era uma garota da minha idade, talvez um pouco mais velha. Seu cabelo loiro ia até a cintura em ondas suaves e seu rostinho angelical era como uma ilusão, pois seu sorriso mostrava algo bem diferente. Algo como uma malícia de quem já viu muita coisa e aquilo não era nadinha perto do drama que eu estava fazendo.
- Quanto mais você tentar adivinhar as coisas, mais confusa vai ficar e eu não vou conseguir te mostrar o que aconteceu - ela me ignorou firmemente. - Para de pensar e só observa.
- Espera - eu a interrompi dessa vez, chocada. - Você pode ler meus pensamentos?! - Exclamei pensando que se ela sabia o que se passava na minha cabeça, saberia que eu a achei uma esquisitona excêntrica.
- A maioria das pessoas acha isso - riu, vendo minha cara de chocada. - Dá para prestar atenção?
De uma vez por todas resolvi seguir seu conselho - para não dizer ordem -, que no caso era prestar atenção.
Olhei de volta para a minha figura emburrada e afundada na cadeira do auditório da escola.
Bom, deixa eu me apresentar rapidamente.
Meu nome é , mas é muito formal, então eu não gosto.
Me chamam de .
Tenho 17 anos, último ano do ensino médio, e naquele momento estava ouvindo meus próprios pensamentos revoltados e ficando chocada com o tipo de coisa que andava pensando.
Não me julgue, na minha cabeça, na hora, não parece tão absurdo assim.
"Que saco, por que chamam a gente nesses lugares? Eu só queria estar na aula de história dormindo. Ou sumir. Ou fazer a Lara sumir. Hm, essa seria uma boa." Respirei fundo. "Será que ainda vai demorar muito? Quero fazer xixi. Preciso comprar outro batom porque a Lara quebrou o meu, que saco. Minha mãe não para de me ligar, não me deixa em paz, não sei o que ela tanto quer comigo se sabe que estou na escola." Pensei a última frase olhando para o celular e então o atendi, sendo breve e seca, desliguei e revirei os olhos.
- Sua mãe não merece esse tipo de tratamento, espero que você aprenda isso.
- Oi? Quem é você para...?
- Shhhh - ela fez um daqueles barulhos de "fica em silêncio" e apontou para mim há um dia.
Téo passou por mim e fez carinho na minha cabeça, eu o olhei e dei um daqueles sorrisinhos amarelos sem graça, de quem não está com vontade de nada, e Téo me presenteou com um sorriso deslumbrante. Eu nunca havia parado realmente para reparar naquele sorriso ou em todo o Téo.
Deixa eu descrever ele rapidamente também.
Téo era um colega meu do ensino médio, o qual eu nunca fiz muita questão de conhecer profundamente, somente o encontrava às vezes e era ele quem puxava a maioria dos assuntos.
Seus cabelos eram de um tom loiro fascinante e seus olhos eram límpidos como o céu. Ele logo foi se sentar fileiras à frente ao lado de uma menina e eu continuei com a minha infinita carranca. De braços cruzados e tudo! Parecia uma criancinha birrenta!
Lizzie chegou ao meu lado e me cumprimentou animadamente, se sentou na cadeira à minha esquerda e começou a tagarelar sobre Augustus, seu peguete.
De onde eu estava, podia ver claramente seus olhos brilhando, mas o "meu eu" do momento não estava sequer olhando para o rosto da menina que eu considerei minha melhor amiga por muito tempo, mas de quem há algum tempo eu vinha afastada.
Por que? Bom, porque quando eu briguei feio com a Fernanda - minha arqui-inimiga - ela disse na minha cara que não ia escolher lado (meu ou dela) porque as duas estavam certas e erradas.
Desde então eu peguei birra. Das duas.
Isso era muito triste porque eu não tinha mais uma melhor amiga para confiar e na minha cabeça a culpa era toda da Lizzie.
"Sumir seria uma boa", foi o que eu pensei naquele exato momento.
E naquele momento, quando a mulher do meu lado resolveu que era hora de eu entender alguma coisa, ela pegou algo de sua bolsa - um frasquinho com um líquido transparente, porém brilhante. Pingou no dedo, estalou e disse:
"Se sumir ela deseja, sumir ela irá. Mas se em 5 dias, ela nada aprender, e por meio do amor não conseguir retornar, jamais retornará." Estalou de novo os dedos e... Nada aconteceu.
Eu olhei para a minha eu emburrada ainda ali na cadeira, ainda sendo metralhada pelas palavras emboladas de Lizzie e eu e... Aquela mulher maluca ainda estávamos ali.
- Por que nada aconteceu? – Perguntei, confusa.
Não que eu realmente acreditasse nesse tipo de coisa, mas como no momento minha sanidade já estava completamente afetada, dá para perdoar, né?
- Por que você acha que nada aconteceu? - Ela me perguntou de volta, seguindo meu olhar.
- Bom, nós... continuamos aqui. E eu ali. E está tudo normal. Quer dizer, dentro do aceitável.
- E quando você acordou hoje de manhã, estava tudo normal?
- Não – foi o que eu respondi.
- Nada aconteceu ainda. Não nesse momento. Você precisa dormir para que se concretize. E se eu bem me lembro, você ainda teve um dia bem estressante pela frente até hoje de manhã.
- Então nós realmente voltamos no tempo! – Exclamei – Você pode desfazer, né?
- Não voltamos no tempo, ! – Ela contestou, finalmente impaciente com a minha lerdeza. - Estamos na minha lembrança, e não, não posso e nem vou desfazer nada. Mundanos nunca são agradecidos, nunca aprendem. Eu estou te fazendo aprender uma lição! Presta atenção na sua vida, garota! – Ok, eu estava ficando assustada com sua expressão revoltada e provavelmente estava chegando para trás na cadeira enquanto arregalava meus olhos. - Presta atenção no amor e carinho que você tem, nas pessoas interessadas em você, e quando entender vai me agradecer! Até mais.
Em apenas dois segundos eu estava de volta ao meu quarto.
Bom, o que deveria ser o meu quarto, no momento parecia mais um quarto de hóspedes comum. Estranhei, eu havia estado aqui não devia fazer nem meia hora.
O espelho no qual eu havia me olhando ainda mostrava a mesma expressão, a mesma pessoa, mas ele estava bem sujo. Como se não fosse limpo há anos. A cama na qual eu havia me sentado era uma cama antiga, daquelas com dossel e tudo. Olhei em volta e desejei mais do que tudo que aquilo fosse apenas um pesadelo.
Resolvi sair dali e ver onde eu estava, afinal, eu ainda tinha que descobrir como resolver meu problema.
Abri a porta e dei de cara com minha mãe passando no corredor, e ela levou um susto.
Espera...
- Charlie! - Chamou alto olhando na minha direção, como se estivesse vendo um fantasma. Meu coração acelerou em níveis absurdos. - Você não tinha trancado a porta do quarto de hóspedes? - Perguntou.
- Acho que esqueci - meu pai chegou por trás dela e lhe deu um beijo na bochecha enquanto a abraçava pela cintura. - Relaxa, não tem fantasmas aqui não.
Eu tive vontade de gritar que tinha sim, que eu estava presa, mas nada saiu. Como se eu não tivesse forças para tal coisa. Meu pai pegou a mão de minha mãe e a levou dali enquanto falava alguma coisa, mas ela olhou para trás. Diretamente para mim.
Franziu o cenho, olhou em volta e balançou a cabeça, então se deu por vencida e se foi.
Uma ou duas lágrimas escorreram e foi nesse exato momento que eu me dei conta de que era tudo verdade.
Eu finalmente acreditei.
Aquele era um momento bem propício para acreditar em magia e coisas do tipo, certo?
Eu devia estar ali há apenas 3 horas, mas quando você não tem o que fazer, todo o tempo se parecem dias ou semanas.
Eu via meus pais transitando pela casa e até cheguei a ouvir coisas que não me agradaram em nada, mas no momento não tinha mesmo o que discutir.
Pouco tempo depois que o “vuco-vuco” terminou, a porta da sala se abriu e uma criança que lembrava muito uma mistura minha e de Lara adentrou a casa correndo.
Ela parecia mais velha do que minha irmãzinha de 7 anos, parecia ter uns 10, talvez 12 anos; e era linda demais.
Seu cabelo estava um pouco desarrumado na parte de cima, mas seu sorriso estava radiante e seus olhos brilhavam, então ela foi correndo até nossos pais e os abraçou, rindo quando eles a abraçaram de volta.
Minha mãe parecia extremamente mais jovial visto que ela não engravidou de mim aos 19 anos de idade e até mais cuidada.
- Lara, minha filha, por que você está tão bagunçada? – Mamãe perguntou, fazendo carinho em seu cabelo, e a garotinha riu.
- Brinquei muito, mamãe. O que tem para comer?
- Seu prato favorito, salpicão, mas se não tomar banho não tem comida!
- Que maldade – Lara brincou de volta e eu estava chocada olhando para aquela cena.
Salpicão era a minha comida favorita!
Enquanto eu permanecia chocada, minha família que sequer sabia da minha existência simplesmente seguia sua nova rotina, agora que eu não existia.
Eu sempre almoçava no quarto de qualquer modo, então nunca quis sequer uma oportunidade de conversar à mesa.
Eu nunca sabia como havia sido o dia de cada um deles. Mal interagia com Fred – meu cachorro –, meus pais, minha irmã... até minha melhor amiga estava se tornando uma estranha!
Que merda...
Como eu não sentia necessidade de ir ao banheiro, beber água ou comer nada; somente me sobrava mais tempo livre com meus pensamentos de “okay, é isso. Você nunca mais vai poder interagir com sua família. Deal with it”.
Eu não sabia quanto tempo havia se passado, mas eu continuava enfurnada dentro de casa e não aguentava mais aquilo.
Aquela situação estava me matando, ainda mais sem poder nem conseguir falar com ninguém.
Eu só queria gritar e já até havia o feito, mas não tinha resolvido muita coisa.
Inclusive, não resolveu nada.
Só serviu para me fazer começar a chorar compulsivamente e por causa disso, eu acabei dormindo.
Quando acordei novamente, já era outro dia.
Ótimo, menos 24 horas e eu não estava nem perto de achar uma solução para o meu problemão.
Me levantei e estava com uma roupa diferente do dia anterior, como se alguém houvesse me trocado enquanto eu dormia.
Saí do quarto e, novamente, mamãe tomou um susto com a porta aberta depois que passei por ela, e ficou ali olhando vários segundos para a porta onde parecia estar tendo uma alucinação.
- Cruz credo, parece coisa de maluco – ela tentou rir de sua própria piada, mas ainda parecia bastante assustada.
Resolvi ignorar aquilo já que não tinha o que pudesse fazer e fui ver como estava a vida na escola onde eu estudava, de onde eu incrivelmente estava sentindo falta.
Cheguei à escola ainda cedo, faltando cerca de 10 minutos antes do primeiro sinal bater, e procurei por Lizzie pelo pátio.
A encontrei em poucos segundos, discutindo com Augustus. O assunto podia até ser besta, mas do jeito que aqueles dois faziam tempestade em copo d’água, para virar uma discussão séria não precisava de muito mais coisas do que duas pessoas dispostas a brigar.
Suspirei revirando os olhos e fui na direção deles, mas só quando cheguei perto foi que me lembrei que nem vista eu estava sendo, quem dirá conseguir apaziguar uma briga.
Fiquei triste, obviamente, mas uma coisa ferveu meu sangue: Fernanda estava ao lado, rindo discretamente enquanto fazia “joinha” para uma amiga.
Provavelmente havia sido ela que havia começado o desentendimento por querer, e isso me deixou puta.
Me deixou com tanta raiva que eu fui para cima dela sem sequer pensar, apenas fui com todo meu rancor que eu guardava há meses e a empurrei com força pelos ombros.
Seu gritinho ao despencar no chão feito uma banana podre foi irritante, mas eu me assustei tanto por ter conseguido tocar nela que me esqueci de rir.
Não que eu já houvesse tentado tocar em alguém, mas não achei que fosse possível.
- NÃO INTERFIRA! – A feiticeira, ou seja lá o que quer que aquela mulher fosse, apareceu do meu lado do nada e eu tomei um susto tão grande que gritei. – Mundanos só fazem merda, meu Deus! – Começou a resmungar e eu ainda estava a olhando assustada. – Não pode interferir no mundo dos que ainda existem só porque você supostamente não existe!
- Supostamente? – Eu prestei atenção na palavra, e ela podia significar muitas coisas.
Mas a mulher somente revirou os olhos para mim, apesar de receosa, e sumiu.
Espera...
Então realmente haveria um jeito?
Enquanto pensava sobre aquilo, assisti uma Lizzie confusa levantar Fernanda assustada do chão, a perguntar o que havia acontecido e eu a ouvi responder que não fazia ideia.
Deu vontade de gritar “fui eu, sua otária! ”, mas como sabia que não faria diferença alguma, preferi não gastar meu fôlego com aquilo.
Vi Téo passar por ali naquele exato momento e eu juro por Deus, que não era possível que eu estivesse ficando mais louca do que já estava, mas jurava ter a impressão de que ele pudesse realmente me ver.
Resfoleguei enquanto o encarava e senti uma sensação esquisita no peito enquanto encarava seus olhos.
II
TÉO
Essas sensações esquisitas desde hoje de manhã estavam me deixando maluco.
Como se faltasse algo.
Como se houvesse alguém me observando.
Há quem diga que ter comunicação com o mundo dos espíritos é uma benção, mas eu enfaticamente discordo.
Ter um pé no mundo de lá é ouvir, ver e sentir coisas indesejadas.
Coisas como aquele sentimento arrebatador de dor, desolação e um pedido de ajuda.
Enquanto olhava na direção de Lizzie e Fernanda, duas das garotas mais populares do colégio, eu sentia alguém me olhar de volta.
Um alguém desesperado, uma mulher talvez, mas não conseguia vê-la!
Não sabia o que me apavoraria mais naquela situação, se era vê-la ou não.
Balancei a cabeça negativamente e segui meu caminho para minha casa, onde eu precisava ajudar minha mãe com algumas coisas.
Minha rotina seguiu normalmente com a mesma sensação, um grito mudo no silêncio e a sensação de estar sem opções.
Era como se eu estivesse sentindo as emoções de outra pessoa, e o pior era que eu não conseguia fazer aquilo parar.
Já estava ficando agoniado com aquilo, até que chegou a noite, e eu decidi que meu corpo precisava de um descanso daquelas energias que se mantinham perto de mim.
Meu sonho era algo estranho e sem muito sentido, eu estava sentado em um campo enorme e florido e lia um livro chamado “Se até as árvores morrem” e, apesar de não saber por que raios estava lendo aquilo, me sentia ligeiramente em paz.
- Meu livro favorito – alguém murmurou ao meu lado e, por conta do susto gigantesco que tomei, acabei dando um grito enquanto olhava para a garota ao meu lado – Oxe! Eu nem fiz nada!
Seus traços um pouco exóticos e familiares me assombravam, e eu me mantive a olhando tentando entender a familiaridade.
- Que foi? Agora você está me vendo?
Assenti devagar com a cabeça, sem saber ao certo que resposta ela esperava.
Ficamos nos encarando por vários segundos até que ela me olhou quase esperançosamente.
- Você lembra de mim?! – Perguntou com um ligeiro fiapo de esperança nos olhos.
- Eu deveria? – questionei, desconfiado.
Ela então suspirou e se sentou ao meu lado, levantou as pernas de um modo que quase se encostaram a seu peito e deitou a cabeça nos joelhos.
Depois suspirou.
- Por que eu ainda mantenho essa esperança idiota de que alguém vai se lembrar de mim? Você não deve se lembrar nem desse sonho amanhã, e eu continuarei aqui... Presa.
- Presa? – perguntei, alarmado, sem entender. – Onde?
- Nesse limbo infinito – ela respondeu – Onde ninguém me vê, ouve ou se importa. Onde eu estarei sozinha para sempre. Não sei como vou resolver isso, mas é muito bom ter alguém para conversar de novo, nem que por apenas alguns segundos.
Ela me olhou tão calorosamente, tão profundamente que eu não consegui lhe responder nada.
Só percebi minha respiração alterada quando seu rosto já estava bem perto do meu e, apesar de parecer ser feita de algo mais suave do que vento, era como se ela fosse real.
Ou houvesse sido real algum dia.
- Você está morta? – não sei de onde saiu coragem para a pergunta, mas ela se afastou novamente e arregalou os olhos.
- Eu... Acho que não. Eu não sei. Eu espero que não. – suspirou, coçando os olhos e sorrindo tristemente. – De qualquer modo, fui eu quem causou isso. Obrigada por esses segundos – me olhou novamente e dessa vez concluiu sua missão de beijar minha bochecha.
O beijo queimou na minha pele por alguns segundos, até eu sentir um sentimento tão bom que me fez fechar os olhos para deleitá-lo. Fiquei daquele modo por alguns segundos, até decidir abrir os olhos novamente para perguntar se nos conhecíamos, mas...
Eu estava no meu quarto?
Olhando para o meu teto?
Como é que é?
Levei a mão à bochecha e só então notei que minha respiração realmente estava alterada, e minha pele realmente queimava como se tivesse sido tocada há apenas alguns segundos.
Levei a mão à testa e pedi a Deus a inspiração necessária para não enlouquecer, que era o que estava prestes a acontecer.
Me sentei na cama e cocei os olhos, sentindo a sensação se esvaindo.
Que merda...
Apesar de saber que Téo não se lembraria de nada no momento em que acordasse, foi bom saber que alguém havia me ouvido antes de eu sumir permanentemente.
Não me entenda mal, eu não estava exatamente desistindo, mas não sabia o que fazer!
Eu já estava ficando sem esperanças de verdade.
Do momento em que saí do sonho de Téo, eu voltei para o meu quarto.
O que achei mais incrível foi que, apesar de eu sentir o seu medo, eu sentia que ele queria conseguir me ajudar. E que não saber como doía em seu mais profundo.
Enxuguei uma lágrima que escorreu pela minha bochecha quando dei de cara com o espelho.
Fui na direção da porta e, a poucos centímetros de tocá-la, decidi testar uma coisa.
O máximo que aconteceria seria sentir dor, o que na situação em que eu me encontrava, seria um acalento.
Mas não foi isso que eu senti quando joguei meu corpo contra a madeira.
Bom, corpo é algo relativo, mas você me entendeu!
Eu passei pela porta sem abri-la, o que com certeza daria um susto em mamãe, que estava passando por ali naquele exato segundo.
Por que ela sempre passava quando eu estava saindo? Ou era o inverso?
Não fazia diferença, né?
Mas sei que, mesmo com a porta fechada, ainda assim ela olhou na minha direção.
Senti meu coração acelerar e fiquei ali, paralisada, enquanto ela ficava do mesmo modo.
Mamãe parecia realmente mais jovem.
Mais cuidada.
Mais feliz, apesar de assustada.
Essa constatação fez meu coração doer.
A constatação do fato do meu não-nascimento ter feito mais bem para minha própria mãe era algo que eu nunca receberia bem.
Papai chegou por trás dela e deu um beijo em sua bochecha, a assustando e consequentemente a mim também.
Pegou em sua mão e a virou para ele, fazendo carinho em seu rosto.
- Teve aquele pesadelo de novo? – ele perguntou baixinho e ela fez que sim com a cabeça.
- Dessa vez foi um pouco diferente. É como se ela realmente existisse. Estava chorando em um quarto e eu não conseguia entrar para ajudar, apesar de saber que ela precisava de mim. Foi horrível.
Ela inspirou fundo, e eu parei de conseguir inspirar fundo demais.
Como é que é?
Será que... Mamãe tinha sonhado comigo...?
Senti vontade de chorar imediatamente.
- Não se preocupa, querida. Eles vão parar logo. É sempre nessa época do ano que você tem, e sempre passa depois do dia 14, já estamos no dia 12. – lhe deu um beijo na testa e os dois saíram, enquanto mamãe concordava.
Fiquei alguns segundos pensando sobre aquilo e não acreditei quando entendi.
Se estávamos na mesma época de quando eu “sumi”, então era estávamos no mês de fevereiro, e dia 14 era meu aniversário!
Então quer dizer que ela tinha pesadelos até o dia do meu aniversário?
Em um segundo, eu estava na escola.
A descoberta recente ainda martelava na minha mente quando eu me vi em uma carteira na sala de aula, ao lado de Téo.
Ele escrevia distraído, mas parou por alguns segundos e olhou de rabo de olho para a carteira ao seu lado, onde eu estava.
Inspirou fundo e expirou, voltando a se concentrar no seu papel.
TÉO
Eu estava desenhando já devia fazer uns 10 minutos, quando a sensação de estar sendo observado apareceu subitamente.
Aquela mesma sensação de solidão do dia anterior, a qual eu poderia jurar ter sido uma ilusão, voltou com força total.
Apesar de ter tentado checar de rabo de olho rapidamente o meu lado, e ter constatado que não havia ninguém, tentei não deixar me afetar ainda mais do que já estava afetando.
Respirei profundamente e continuei o desenho, tentando lembrar de mais algum detalhe.
Exatamente no segundo que me dei por vencido, pois não me vinha mais nada à cabeça, Augustus se jogou na carteira à minha direita.
O olhei e vi sua expressão frustrada, já sabendo exatamente o que havia acontecido.
- Briga com a Lizzie de novo? – questionei, apesar de saber de cor a resposta.
- E, como sempre, por culpa da Fernanda! Tô pensando em terminar, cara. Não aguento mais – ele expirou fortemente, passando as mãos com força pelo rosto.
Eu entendia sua frustração.
Em suas palavras, 80% das brigas que ele tinha com a namorada tinham como culpada principal sua melhor amiga.
- Isso já tá ultrapassando o ridículo, cara. Você já tentou conversar diretamente com a Fernanda?
Ele confirmou com a cabeça.
- Várias vezes. Em todas ela tentou me beijar, e eu deixei claro que assim como não havíamos tido nada, nem viríamos a ter. Desde então ela tenta me separar de Lizzie, provavelmente com a ilusão de que eu não a queira porque sou comprometido. Mas nem se não fosse, dá para ver que ela não presta.
Eu concordei, porque realmente... Eu já havia ficado com Fernanda, e foram quase 2 meses até ela finalmente largar do meu pé e entender que sexo não era motivo para precisarmos nos falar sempre e sequer namorar.
Não me rotule de hipócrita, por favor.
Apesar de termos ficado em uma festa apenas, não era motivo para eu desrespeitá-la, mas em momento algum eu havia prometido um relacionamento ou qualquer coisa remotamente parecida.
Então não havia motivo para ela me atazanar!
Enfim, voltando ao problema de Augustus, o problema é que ele era pacificador demais.
Não queria problema para si e nem para a namorada, mas enquanto isso deixava aquela cobra interferir sem parar em seu relacionamento.
E de tantas brigas o relacionamento estava se gastando, apesar de dar para ver de longe que eles se gostavam muito.
- E já tentou falar algo sobre isso com a Lizzie? – questionei, apesar de já saber sua resposta.
- Sim – ele me surpreendeu afirmando. – Era o que eu tava tentando fazer ontem de manhã quando a Fernanda chegou e tudo desandou.
Bufei, frustrado por ele.
- Bom, vocês têm que conversar a sós então. Porque continuar nisso sem ao menos tentar mudar é burrice. E deixar ela interferir sempre também.
- Eu vou ver o que faço – ele deixou o corpo escorregar na cadeira e suspirou, olhando na direção da minha mesa. – Tava desenhando sua próxima musa?
Finalmente eu olhei para o meu desenho e aquele rosto ainda me assombrava: a menina do meu sonho.
Tentei desenhar o máximo de detalhes que me lembrava de ter notado até Augustus chegar, e desisti de perguntar o que pensei a ele.
- Cara, ela é familiar para você? Eu tô com uma impressão de ter visto ela em algum lugar, mas não sei onde – menti, pegando o desenho e entregando em sua mão.
Ele analisou por alguns segundos e balançou a cabeça em negativa.
- Que eu me lembre não – ele ratificou e o meu coração se comprimiu.
Eu não sabia que fixação naquele assunto era aquela, e esperei que não fosse nada demais.
Eu estava curiosa com o desenho, o qual não tinha prestado atenção até então, ouvindo Augustus falar de Fernanda.
Quando Téo finalmente colocou o desenho em cima da mesa de volta, eu resfoleguei, vendo meu rosto ali.
Meu rosto!
O ar me faltou e o “sonho” dele onde eu estive me voltou à memória, me deixando sem acreditar.
Ele se lembrava de mim, então?
Olhei seu perfil de lado, conversando com Augustus, e decidi que não custava tentar.
Levei a mão lentamente ao seu braço, pensando que eu ficaria traumatizada para sempre se minha mão passasse direto por seus músculos, tendões e veias.
Mas quando minha palma se aproximou de sua pele, era quase como se eu realmente estivesse o tocando.
Senti a familiaridade do toque e também seu arrepio, e Téo olhou na minha direção com os olhos tão esbugalhados, assustados, que eu tirei a mão.
O que eu estava fazendo?
Ele passou a mão com força e rapidamente onde eu havia tocado, sua respiração estava levemente alterada, e ele negou com a cabeça.
- Eu tô maluco, só pode... – falou tão baixo que eu mal ouvi, e eu sorri tristemente.
Por que eu só percebia as burradas que havia feito prestes a perder tudo?
Como eu não podia ver que gostava de Téo?
Um gostar leve, já que nunca me preocupei em perguntar de sua vida e era sempre ele quem encontrava do que falar, e eu sentia muito por isso; mas ainda assim um afeto.
E pensando agora, recapitulando vários acontecimentos no decorrer da nossa “amizade”, acho que ele já havia tentado sair comigo várias vezes.
Irônico que eu só perceba e sinta falta disso quando estou prestes a perder, não?
Continuei seguindo a rotina de mamãe e até cheguei a tentar bater nas paredes, mexi panelas mas aquilo só estava servindo para assustar mamãe, então subi e fui ver minha irmã.
Lara estava tão bonita... Seus cabelos bem cacheados – genética puxada de papai – caíam em ondas um pouco emboladas em cima de seus ombros, mas sua cor era parecida com a minha – um castanho entre claro e escuro.
Suspirei, enquanto a observava silenciosamente sentada em sua cama e ela escrevia em um caderno enquanto estava deitada no chão.
Essas sensações esquisitas desde hoje de manhã estavam me deixando maluco.
Como se faltasse algo.
Como se houvesse alguém me observando.
Há quem diga que ter comunicação com o mundo dos espíritos é uma benção, mas eu enfaticamente discordo.
Ter um pé no mundo de lá é ouvir, ver e sentir coisas indesejadas.
Coisas como aquele sentimento arrebatador de dor, desolação e um pedido de ajuda.
Enquanto olhava na direção de Lizzie e Fernanda, duas das garotas mais populares do colégio, eu sentia alguém me olhar de volta.
Um alguém desesperado, uma mulher talvez, mas não conseguia vê-la!
Não sabia o que me apavoraria mais naquela situação, se era vê-la ou não.
Balancei a cabeça negativamente e segui meu caminho para minha casa, onde eu precisava ajudar minha mãe com algumas coisas.
Minha rotina seguiu normalmente com a mesma sensação, um grito mudo no silêncio e a sensação de estar sem opções.
Era como se eu estivesse sentindo as emoções de outra pessoa, e o pior era que eu não conseguia fazer aquilo parar.
Já estava ficando agoniado com aquilo, até que chegou a noite, e eu decidi que meu corpo precisava de um descanso daquelas energias que se mantinham perto de mim.
Meu sonho era algo estranho e sem muito sentido, eu estava sentado em um campo enorme e florido e lia um livro chamado “Se até as árvores morrem” e, apesar de não saber por que raios estava lendo aquilo, me sentia ligeiramente em paz.
- Meu livro favorito – alguém murmurou ao meu lado e, por conta do susto gigantesco que tomei, acabei dando um grito enquanto olhava para a garota ao meu lado – Oxe! Eu nem fiz nada!
Seus traços um pouco exóticos e familiares me assombravam, e eu me mantive a olhando tentando entender a familiaridade.
- Que foi? Agora você está me vendo?
Assenti devagar com a cabeça, sem saber ao certo que resposta ela esperava.
Ficamos nos encarando por vários segundos até que ela me olhou quase esperançosamente.
- Você lembra de mim?! – Perguntou com um ligeiro fiapo de esperança nos olhos.
- Eu deveria? – questionei, desconfiado.
Ela então suspirou e se sentou ao meu lado, levantou as pernas de um modo que quase se encostaram a seu peito e deitou a cabeça nos joelhos.
Depois suspirou.
- Por que eu ainda mantenho essa esperança idiota de que alguém vai se lembrar de mim? Você não deve se lembrar nem desse sonho amanhã, e eu continuarei aqui... Presa.
- Presa? – perguntei, alarmado, sem entender. – Onde?
- Nesse limbo infinito – ela respondeu – Onde ninguém me vê, ouve ou se importa. Onde eu estarei sozinha para sempre. Não sei como vou resolver isso, mas é muito bom ter alguém para conversar de novo, nem que por apenas alguns segundos.
Ela me olhou tão calorosamente, tão profundamente que eu não consegui lhe responder nada.
Só percebi minha respiração alterada quando seu rosto já estava bem perto do meu e, apesar de parecer ser feita de algo mais suave do que vento, era como se ela fosse real.
Ou houvesse sido real algum dia.
- Você está morta? – não sei de onde saiu coragem para a pergunta, mas ela se afastou novamente e arregalou os olhos.
- Eu... Acho que não. Eu não sei. Eu espero que não. – suspirou, coçando os olhos e sorrindo tristemente. – De qualquer modo, fui eu quem causou isso. Obrigada por esses segundos – me olhou novamente e dessa vez concluiu sua missão de beijar minha bochecha.
O beijo queimou na minha pele por alguns segundos, até eu sentir um sentimento tão bom que me fez fechar os olhos para deleitá-lo. Fiquei daquele modo por alguns segundos, até decidir abrir os olhos novamente para perguntar se nos conhecíamos, mas...
Eu estava no meu quarto?
Olhando para o meu teto?
Como é que é?
Levei a mão à bochecha e só então notei que minha respiração realmente estava alterada, e minha pele realmente queimava como se tivesse sido tocada há apenas alguns segundos.
Levei a mão à testa e pedi a Deus a inspiração necessária para não enlouquecer, que era o que estava prestes a acontecer.
Me sentei na cama e cocei os olhos, sentindo a sensação se esvaindo.
Que merda...
Apesar de saber que Téo não se lembraria de nada no momento em que acordasse, foi bom saber que alguém havia me ouvido antes de eu sumir permanentemente.
Não me entenda mal, eu não estava exatamente desistindo, mas não sabia o que fazer!
Eu já estava ficando sem esperanças de verdade.
Do momento em que saí do sonho de Téo, eu voltei para o meu quarto.
O que achei mais incrível foi que, apesar de eu sentir o seu medo, eu sentia que ele queria conseguir me ajudar. E que não saber como doía em seu mais profundo.
Enxuguei uma lágrima que escorreu pela minha bochecha quando dei de cara com o espelho.
Fui na direção da porta e, a poucos centímetros de tocá-la, decidi testar uma coisa.
O máximo que aconteceria seria sentir dor, o que na situação em que eu me encontrava, seria um acalento.
Mas não foi isso que eu senti quando joguei meu corpo contra a madeira.
Bom, corpo é algo relativo, mas você me entendeu!
Eu passei pela porta sem abri-la, o que com certeza daria um susto em mamãe, que estava passando por ali naquele exato segundo.
Por que ela sempre passava quando eu estava saindo? Ou era o inverso?
Não fazia diferença, né?
Mas sei que, mesmo com a porta fechada, ainda assim ela olhou na minha direção.
Senti meu coração acelerar e fiquei ali, paralisada, enquanto ela ficava do mesmo modo.
Mamãe parecia realmente mais jovem.
Mais cuidada.
Mais feliz, apesar de assustada.
Essa constatação fez meu coração doer.
A constatação do fato do meu não-nascimento ter feito mais bem para minha própria mãe era algo que eu nunca receberia bem.
Papai chegou por trás dela e deu um beijo em sua bochecha, a assustando e consequentemente a mim também.
Pegou em sua mão e a virou para ele, fazendo carinho em seu rosto.
- Teve aquele pesadelo de novo? – ele perguntou baixinho e ela fez que sim com a cabeça.
- Dessa vez foi um pouco diferente. É como se ela realmente existisse. Estava chorando em um quarto e eu não conseguia entrar para ajudar, apesar de saber que ela precisava de mim. Foi horrível.
Ela inspirou fundo, e eu parei de conseguir inspirar fundo demais.
Como é que é?
Será que... Mamãe tinha sonhado comigo...?
Senti vontade de chorar imediatamente.
- Não se preocupa, querida. Eles vão parar logo. É sempre nessa época do ano que você tem, e sempre passa depois do dia 14, já estamos no dia 12. – lhe deu um beijo na testa e os dois saíram, enquanto mamãe concordava.
Fiquei alguns segundos pensando sobre aquilo e não acreditei quando entendi.
Se estávamos na mesma época de quando eu “sumi”, então era estávamos no mês de fevereiro, e dia 14 era meu aniversário!
Então quer dizer que ela tinha pesadelos até o dia do meu aniversário?
Em um segundo, eu estava na escola.
A descoberta recente ainda martelava na minha mente quando eu me vi em uma carteira na sala de aula, ao lado de Téo.
Ele escrevia distraído, mas parou por alguns segundos e olhou de rabo de olho para a carteira ao seu lado, onde eu estava.
Inspirou fundo e expirou, voltando a se concentrar no seu papel.
TÉO
Eu estava desenhando já devia fazer uns 10 minutos, quando a sensação de estar sendo observado apareceu subitamente.
Aquela mesma sensação de solidão do dia anterior, a qual eu poderia jurar ter sido uma ilusão, voltou com força total.
Apesar de ter tentado checar de rabo de olho rapidamente o meu lado, e ter constatado que não havia ninguém, tentei não deixar me afetar ainda mais do que já estava afetando.
Respirei profundamente e continuei o desenho, tentando lembrar de mais algum detalhe.
Exatamente no segundo que me dei por vencido, pois não me vinha mais nada à cabeça, Augustus se jogou na carteira à minha direita.
O olhei e vi sua expressão frustrada, já sabendo exatamente o que havia acontecido.
- Briga com a Lizzie de novo? – questionei, apesar de saber de cor a resposta.
- E, como sempre, por culpa da Fernanda! Tô pensando em terminar, cara. Não aguento mais – ele expirou fortemente, passando as mãos com força pelo rosto.
Eu entendia sua frustração.
Em suas palavras, 80% das brigas que ele tinha com a namorada tinham como culpada principal sua melhor amiga.
- Isso já tá ultrapassando o ridículo, cara. Você já tentou conversar diretamente com a Fernanda?
Ele confirmou com a cabeça.
- Várias vezes. Em todas ela tentou me beijar, e eu deixei claro que assim como não havíamos tido nada, nem viríamos a ter. Desde então ela tenta me separar de Lizzie, provavelmente com a ilusão de que eu não a queira porque sou comprometido. Mas nem se não fosse, dá para ver que ela não presta.
Eu concordei, porque realmente... Eu já havia ficado com Fernanda, e foram quase 2 meses até ela finalmente largar do meu pé e entender que sexo não era motivo para precisarmos nos falar sempre e sequer namorar.
Não me rotule de hipócrita, por favor.
Apesar de termos ficado em uma festa apenas, não era motivo para eu desrespeitá-la, mas em momento algum eu havia prometido um relacionamento ou qualquer coisa remotamente parecida.
Então não havia motivo para ela me atazanar!
Enfim, voltando ao problema de Augustus, o problema é que ele era pacificador demais.
Não queria problema para si e nem para a namorada, mas enquanto isso deixava aquela cobra interferir sem parar em seu relacionamento.
E de tantas brigas o relacionamento estava se gastando, apesar de dar para ver de longe que eles se gostavam muito.
- E já tentou falar algo sobre isso com a Lizzie? – questionei, apesar de já saber sua resposta.
- Sim – ele me surpreendeu afirmando. – Era o que eu tava tentando fazer ontem de manhã quando a Fernanda chegou e tudo desandou.
Bufei, frustrado por ele.
- Bom, vocês têm que conversar a sós então. Porque continuar nisso sem ao menos tentar mudar é burrice. E deixar ela interferir sempre também.
- Eu vou ver o que faço – ele deixou o corpo escorregar na cadeira e suspirou, olhando na direção da minha mesa. – Tava desenhando sua próxima musa?
Finalmente eu olhei para o meu desenho e aquele rosto ainda me assombrava: a menina do meu sonho.
Tentei desenhar o máximo de detalhes que me lembrava de ter notado até Augustus chegar, e desisti de perguntar o que pensei a ele.
- Cara, ela é familiar para você? Eu tô com uma impressão de ter visto ela em algum lugar, mas não sei onde – menti, pegando o desenho e entregando em sua mão.
Ele analisou por alguns segundos e balançou a cabeça em negativa.
- Que eu me lembre não – ele ratificou e o meu coração se comprimiu.
Eu não sabia que fixação naquele assunto era aquela, e esperei que não fosse nada demais.
Eu estava curiosa com o desenho, o qual não tinha prestado atenção até então, ouvindo Augustus falar de Fernanda.
Quando Téo finalmente colocou o desenho em cima da mesa de volta, eu resfoleguei, vendo meu rosto ali.
Meu rosto!
O ar me faltou e o “sonho” dele onde eu estive me voltou à memória, me deixando sem acreditar.
Ele se lembrava de mim, então?
Olhei seu perfil de lado, conversando com Augustus, e decidi que não custava tentar.
Levei a mão lentamente ao seu braço, pensando que eu ficaria traumatizada para sempre se minha mão passasse direto por seus músculos, tendões e veias.
Mas quando minha palma se aproximou de sua pele, era quase como se eu realmente estivesse o tocando.
Senti a familiaridade do toque e também seu arrepio, e Téo olhou na minha direção com os olhos tão esbugalhados, assustados, que eu tirei a mão.
O que eu estava fazendo?
Ele passou a mão com força e rapidamente onde eu havia tocado, sua respiração estava levemente alterada, e ele negou com a cabeça.
- Eu tô maluco, só pode... – falou tão baixo que eu mal ouvi, e eu sorri tristemente.
Por que eu só percebia as burradas que havia feito prestes a perder tudo?
Como eu não podia ver que gostava de Téo?
Um gostar leve, já que nunca me preocupei em perguntar de sua vida e era sempre ele quem encontrava do que falar, e eu sentia muito por isso; mas ainda assim um afeto.
E pensando agora, recapitulando vários acontecimentos no decorrer da nossa “amizade”, acho que ele já havia tentado sair comigo várias vezes.
Irônico que eu só perceba e sinta falta disso quando estou prestes a perder, não?
Continuei seguindo a rotina de mamãe e até cheguei a tentar bater nas paredes, mexi panelas mas aquilo só estava servindo para assustar mamãe, então subi e fui ver minha irmã.
Lara estava tão bonita... Seus cabelos bem cacheados – genética puxada de papai – caíam em ondas um pouco emboladas em cima de seus ombros, mas sua cor era parecida com a minha – um castanho entre claro e escuro.
Suspirei, enquanto a observava silenciosamente sentada em sua cama e ela escrevia em um caderno enquanto estava deitada no chão.
III
LARA
Senti uma presença estranha comigo no quarto... Aquela mesma presença que eu sempre sentia uma vez por ano.
Olhei para a minha cama, onde parecia ter alguém sentado, e eu sabia que era só questão de tempo até eu finalmente vê-la.
Deixa eu me apresentar rapidamente: meu nome é Lara, tenho 11 anos e sim, eu vejo e ouço algumas coisas.
Mas não tenho medo.
Não entendo por que ter medo de algo só porque eu não consigo vê-lo de imediato.
Quando olhei de novo, havia uma moça sentada na minha cama.
Eu a observei por algum tempo, tentando entender de onde eu a conhecia.
Será que era alguém que havia morrido recentemente na minha escola?
Mas eu saberia se isso tivesse acontecido, certo?
Ainda estava tentando me lembrar de algum possível acidente trágico com alguém com quem eu estudava, a moça também me observava.
Seu olhar não me era estranho...
- Oi, quem é você? – ela pareceu se assustar quando eu perguntei, verdadeiramente sem entender por que eu a via.
- Você... Não me conhece? – sua voz falhou e eu deixei minha cabeça pender para o lado, sabendo que só podia ter algum parentesco, porque seus olhos me lembravam os de papai.
- Não sei... – fui sincera, apesar de achar que ela estava procurando algum conforto – Acho que sim, mas não tenho certeza. Era para você ser alguma parente minha?
Ela arregalou os olhos, pareceu engolir em seco enquanto eu a dava o tempo que necessitava para me responder.
Deixa eu te contar uma coisa: “espíritos”, ou como cada um quiser chamar, não conseguem mentir.
É mais forte do que eles.
Eles podem hesitar, não querer, mas a base de suas energias é a verdade.
É por isso que almas realmente boas nunca ficam muito tempo naquele lugar escuro, e almas ruins de verdade não saem de lá até que se tornem o melhor que puderem ser.
Não fiquem chocados, tenho 11 anos, e como mamãe se assusta com facilidade, tive que procurar mais sobre meu dom.
Afinal... Já que eu havia escolhido conviver com aqueles espíritos, tinha que ser da melhor forma possível, considerando que várias almas desesperadas já acabaram quase me machucando em sua tentativa de se comunicar com o meu mundo.
Enfim...
Quando ela finalmente respondeu, eu fiquei chocada, confesso; mas não fazia muito sentido que fosse nada além disso.
- Era para sermos irmãs, Lara – ela suspirou, e eu sorri; sempre quis ter uma irmã! – Mas eu estraguei tudo, como sempre.
- Nada é irreversível, só a morte – tentei tranquiliza-la, mas logo uma dúvida me veio – Você não está morta, está?
- Eu... Espero que não – sorriu, um curvar de lábios que não chegou aos olhos – Eu vou tentar consertar, com todas as minhas forças. Mas se não conseguir... Posso morar aqui com você? – seu tom provavelmente era para soar como uma brincadeira, mas saiu mais como uma súplica.
Eu sorri, pois apesar de tudo havia adorado ela.
- Com certeza! Vou adorar ter companhia.
- Lara! Vem almoçar! – mamãe me chamou e eu sorri na sua direção, me levantando.
- Ei – me chamou quando eu já estava com a mão na maçaneta da porta, me fazendo virar para ela no exato momento em que ela começava a sumir. – Não fala nada para a mamãe, tá? Sabemos como ela é assustada – eu concordei com a cabeça e ela se foi.
Eu estava me sentindo um lixo.
Por que eu sempre destratei aquela criança simpática e sorridente?
Ah, é, porque apesar de eu saber que o meu ciúme era algo ridículo e horrível, eu o alimentava ao invés de simplesmente esquecê-lo e crescer.
Eu havia escolhido me afastar de todos aqueles que, apesar dos anos passando, ainda gostavam de mim.
Como é que eles conseguiam me suportar?
Eu devia ser um saco!
Eu estava sentada na cama que deveria ser a minha, me olhando no que devia ser meu espelho.
Tentava encontrar uma boa palavra que me descrevesse no último ano.
Só umazinha.
E nada me vinha à mente.
Bufei, esfregando o rosto; passei a mão pelos meus cabelos e os prendi. Depois, me deitei na cama em forma de concha.
Já havia virado hábito ir dormir chorando.
Eu sentia falta dos beijos de mamãe. De suas broncas. Do falar alto de papai. Das risadas de Lizzie. Do sorriso de Téo direcionado diretamente a mim...
Meu coração retumbava em meu peito dolorido e a cada momento eu ficava mais sem ar, até que apaguei.
Quando acordei novamente, tudo era branco.
E nada parecia ter fim.
Era só uma infinidade branca, como aqueles cenários de filme.
Ouvi, ao longe, o que parecia ser a voz de uma mulher dizendo que eu ficaria bem. Que me recuperaria.
Tentei perguntar do quê, como, se eu ainda estava viva, mas nada saía.
Ouvi outras vozes em volta e tentei me situar, mas então tudo começou a girar e eu fechei meus olhos novamente para tentar focar em apenas uma coisa.
Tudo ficou em silêncio.
Quando os abri, eu estava de volta no quarto; ofegante e desesperada, me sentei na cama e tentei me acalmar.
Não que tenha sido muito eficaz, de qualquer modo.
Olhei no relógio de parede e constatei que já eram 7h30.
Espera. De que dia?!
Se eu já havia perdido mais 24 horas, eu nunca iria me perdoar.
Saí do quarto rapidamente e, descendo as escadas, encontrei papai lendo um jornal.
Que saudades eu sentia de sua voz trovejando recomendações que mais pareciam broncas...
Suspirei e, olhando seu jornal, constatei que ainda estávamos no dia 13.
Well, menos mal.
No que pareceram ser segundos, eu estava na escola onde estudava.
Era um acalento ver aquele ambiente, a saudade que eu sentia de poder interagir com as pessoas era surreal...
Procurei por alguns segundos Lizzie e Augustus pelo pátio e não demorei a achá-los, mas... Estavam separados?
Lizzie estava sentada embaixo de uma árvore sob a qual costumávamos ficar, e Augustus estava com outros caras, inclusive Téo, sentados em uma mesa de pedra.
Os dois se olharam por alguns segundos, suspiraram ao mesmo tempo e então olharam para longe.
Que porra estava acontecendo?
Algo barulhento chamou minha atenção.
Uma discussão.
Acontecendo no lado oposto para onde eu estava olhando.
Me virei para olhar, somente por curiosidade, de onde vinha o barulho e vi um casal brigando.
Ruidosamente.
E ninguém olhava na direção deles.
Só então notei que eles passavam no meio das mesas, passando literalmente pelo meio delas.
Exatamente como eu fazia com portas, e provavelmente conseguiria se tentasse com aquelas mesas.
Curiosa e intrigada, fui atrás deles, os observando de longe.
Vi que discutiam sobre não se suportarem, que não aguentavam mais um ao outro e que não sabiam o que fazer.
Conforme eles paravam, eu ia chegando mais perto e ouvindo ainda mais alto.
- Garoto, você é insuportável! Eu te odeio! – ela gritou e o empurrou, e ele só fez rir.
- Tá, tá bom, você já disse isso, docinho. Agora nós podemos tentar arrumar um jeito de voltarmos ao normal? Não aguento mais ter peitos também.
Espera...
- Vocês estão trocados?
Os dois se assustaram com a minha voz, provavelmente não a esperavam ouvir, e me olharam.
Sorri, para ver se dava uma apaziguada no susto, mas não tenho certeza se deu certo.
- Você... Está nos vendo?
- Claro! Vocês dois também são espíritos, independente do motivo. É bom não ser a única perdida por aqui, finalmente.
Eles me olharam como se tivesse nascido uma segunda cabeça no meu pescoço e ela se parecesse com uma cobra venenosa.
- O que vocês fizeram para receber esse “castigo”? – fiz aspas com os dedos.
Os dois ainda se mantiveram por alguns segundos em silêncio até a garota pigarrear e decidir que eu merecia uma resposta.
- Não sei exatamente... Mas só brigávamos. E uma mulher... Muito bonita, mas esquisita, disse que precisávamos fazer pazes com nossos “eu’s” – ela também fez aspas com os dedos enquanto falava – para nos reencontrarmos. Seja lá o que isso signifique... – bufou, frustrada – Ainda não fazemos ideia de como sair dessa.
- Ela usou alguma expressão parecida com “por meio do amor”? – eu perguntei, porém já sabendo que havia sido a mesma pessoa que havia amaldiçoado a nós três.
- Sim! Como você sabe? – ela me perguntou assustada, enquanto o garoto somente me observava.
Ele estava tentando decidir se podiam confiar em mim.
Eu conhecia aquele olhar.
Eu o usava muito.
- Bom, eu também fui. Um pouco diferente, mas o mesmo objetivo. Eu não existo, até que eu mesma prove o contrário. Basicamente é isso. Mas vocês já tentaram sentar e conversar calmamente? Tentar ser amigos? Ou fazer as pazes? Seja lá o que faz vocês brigarem sem parar.
Eles se entreolharam e, subitamente, começaram a rir.
Continuei os olhando calmamente, esperando pararem de rir, e só então falaram juntos:
- De jeito nenhum! – ela decretou.
- Nem fodendo! – foi o que ele disse.
Revirei os olhos, entendendo por que foram postos naquele maldito castigo.
- E vocês acham que brigar o tempo todo, berrando, vai resolver algo? – os dois me olharam desconfiados, e eu revirei os olhos novamente. – Vocês têm que reatar o laço afetivo. Só assim vão conseguir sua vida de volta!
Os dois se olharam por alguns segundos, tempo o suficiente para eu ver que existia alguma história por trás de toda aquela aversão.
Qual, exatamente, era um mistério...
Mas existia algo. E eles precisavam resolver aquilo urgentemente.
Depois de me despedir dos dois, resolvi ir para casa, e fiquei algum tempo observando mamãe.
Ela tinha uma expressão cansada, parecia não ter dormido bem, mas continuava arrumando a casa.
Eu tinha vontade de pedir para que ela parasse e fosse se deitar, e fazer as coisas por ela, mas por um motivo óbvio não podia.
Senti uma presença estranha comigo no quarto... Aquela mesma presença que eu sempre sentia uma vez por ano.
Olhei para a minha cama, onde parecia ter alguém sentado, e eu sabia que era só questão de tempo até eu finalmente vê-la.
Deixa eu me apresentar rapidamente: meu nome é Lara, tenho 11 anos e sim, eu vejo e ouço algumas coisas.
Mas não tenho medo.
Não entendo por que ter medo de algo só porque eu não consigo vê-lo de imediato.
Quando olhei de novo, havia uma moça sentada na minha cama.
Eu a observei por algum tempo, tentando entender de onde eu a conhecia.
Será que era alguém que havia morrido recentemente na minha escola?
Mas eu saberia se isso tivesse acontecido, certo?
Ainda estava tentando me lembrar de algum possível acidente trágico com alguém com quem eu estudava, a moça também me observava.
Seu olhar não me era estranho...
- Oi, quem é você? – ela pareceu se assustar quando eu perguntei, verdadeiramente sem entender por que eu a via.
- Você... Não me conhece? – sua voz falhou e eu deixei minha cabeça pender para o lado, sabendo que só podia ter algum parentesco, porque seus olhos me lembravam os de papai.
- Não sei... – fui sincera, apesar de achar que ela estava procurando algum conforto – Acho que sim, mas não tenho certeza. Era para você ser alguma parente minha?
Ela arregalou os olhos, pareceu engolir em seco enquanto eu a dava o tempo que necessitava para me responder.
Deixa eu te contar uma coisa: “espíritos”, ou como cada um quiser chamar, não conseguem mentir.
É mais forte do que eles.
Eles podem hesitar, não querer, mas a base de suas energias é a verdade.
É por isso que almas realmente boas nunca ficam muito tempo naquele lugar escuro, e almas ruins de verdade não saem de lá até que se tornem o melhor que puderem ser.
Não fiquem chocados, tenho 11 anos, e como mamãe se assusta com facilidade, tive que procurar mais sobre meu dom.
Afinal... Já que eu havia escolhido conviver com aqueles espíritos, tinha que ser da melhor forma possível, considerando que várias almas desesperadas já acabaram quase me machucando em sua tentativa de se comunicar com o meu mundo.
Enfim...
Quando ela finalmente respondeu, eu fiquei chocada, confesso; mas não fazia muito sentido que fosse nada além disso.
- Era para sermos irmãs, Lara – ela suspirou, e eu sorri; sempre quis ter uma irmã! – Mas eu estraguei tudo, como sempre.
- Nada é irreversível, só a morte – tentei tranquiliza-la, mas logo uma dúvida me veio – Você não está morta, está?
- Eu... Espero que não – sorriu, um curvar de lábios que não chegou aos olhos – Eu vou tentar consertar, com todas as minhas forças. Mas se não conseguir... Posso morar aqui com você? – seu tom provavelmente era para soar como uma brincadeira, mas saiu mais como uma súplica.
Eu sorri, pois apesar de tudo havia adorado ela.
- Com certeza! Vou adorar ter companhia.
- Lara! Vem almoçar! – mamãe me chamou e eu sorri na sua direção, me levantando.
- Ei – me chamou quando eu já estava com a mão na maçaneta da porta, me fazendo virar para ela no exato momento em que ela começava a sumir. – Não fala nada para a mamãe, tá? Sabemos como ela é assustada – eu concordei com a cabeça e ela se foi.
Eu estava me sentindo um lixo.
Por que eu sempre destratei aquela criança simpática e sorridente?
Ah, é, porque apesar de eu saber que o meu ciúme era algo ridículo e horrível, eu o alimentava ao invés de simplesmente esquecê-lo e crescer.
Eu havia escolhido me afastar de todos aqueles que, apesar dos anos passando, ainda gostavam de mim.
Como é que eles conseguiam me suportar?
Eu devia ser um saco!
Eu estava sentada na cama que deveria ser a minha, me olhando no que devia ser meu espelho.
Tentava encontrar uma boa palavra que me descrevesse no último ano.
Só umazinha.
E nada me vinha à mente.
Bufei, esfregando o rosto; passei a mão pelos meus cabelos e os prendi. Depois, me deitei na cama em forma de concha.
Já havia virado hábito ir dormir chorando.
Eu sentia falta dos beijos de mamãe. De suas broncas. Do falar alto de papai. Das risadas de Lizzie. Do sorriso de Téo direcionado diretamente a mim...
Meu coração retumbava em meu peito dolorido e a cada momento eu ficava mais sem ar, até que apaguei.
Quando acordei novamente, tudo era branco.
E nada parecia ter fim.
Era só uma infinidade branca, como aqueles cenários de filme.
Ouvi, ao longe, o que parecia ser a voz de uma mulher dizendo que eu ficaria bem. Que me recuperaria.
Tentei perguntar do quê, como, se eu ainda estava viva, mas nada saía.
Ouvi outras vozes em volta e tentei me situar, mas então tudo começou a girar e eu fechei meus olhos novamente para tentar focar em apenas uma coisa.
Tudo ficou em silêncio.
Quando os abri, eu estava de volta no quarto; ofegante e desesperada, me sentei na cama e tentei me acalmar.
Não que tenha sido muito eficaz, de qualquer modo.
Olhei no relógio de parede e constatei que já eram 7h30.
Espera. De que dia?!
Se eu já havia perdido mais 24 horas, eu nunca iria me perdoar.
Saí do quarto rapidamente e, descendo as escadas, encontrei papai lendo um jornal.
Que saudades eu sentia de sua voz trovejando recomendações que mais pareciam broncas...
Suspirei e, olhando seu jornal, constatei que ainda estávamos no dia 13.
Well, menos mal.
No que pareceram ser segundos, eu estava na escola onde estudava.
Era um acalento ver aquele ambiente, a saudade que eu sentia de poder interagir com as pessoas era surreal...
Procurei por alguns segundos Lizzie e Augustus pelo pátio e não demorei a achá-los, mas... Estavam separados?
Lizzie estava sentada embaixo de uma árvore sob a qual costumávamos ficar, e Augustus estava com outros caras, inclusive Téo, sentados em uma mesa de pedra.
Os dois se olharam por alguns segundos, suspiraram ao mesmo tempo e então olharam para longe.
Que porra estava acontecendo?
Algo barulhento chamou minha atenção.
Uma discussão.
Acontecendo no lado oposto para onde eu estava olhando.
Me virei para olhar, somente por curiosidade, de onde vinha o barulho e vi um casal brigando.
Ruidosamente.
E ninguém olhava na direção deles.
Só então notei que eles passavam no meio das mesas, passando literalmente pelo meio delas.
Exatamente como eu fazia com portas, e provavelmente conseguiria se tentasse com aquelas mesas.
Curiosa e intrigada, fui atrás deles, os observando de longe.
Vi que discutiam sobre não se suportarem, que não aguentavam mais um ao outro e que não sabiam o que fazer.
Conforme eles paravam, eu ia chegando mais perto e ouvindo ainda mais alto.
- Garoto, você é insuportável! Eu te odeio! – ela gritou e o empurrou, e ele só fez rir.
- Tá, tá bom, você já disse isso, docinho. Agora nós podemos tentar arrumar um jeito de voltarmos ao normal? Não aguento mais ter peitos também.
Espera...
- Vocês estão trocados?
Os dois se assustaram com a minha voz, provavelmente não a esperavam ouvir, e me olharam.
Sorri, para ver se dava uma apaziguada no susto, mas não tenho certeza se deu certo.
- Você... Está nos vendo?
- Claro! Vocês dois também são espíritos, independente do motivo. É bom não ser a única perdida por aqui, finalmente.
Eles me olharam como se tivesse nascido uma segunda cabeça no meu pescoço e ela se parecesse com uma cobra venenosa.
- O que vocês fizeram para receber esse “castigo”? – fiz aspas com os dedos.
Os dois ainda se mantiveram por alguns segundos em silêncio até a garota pigarrear e decidir que eu merecia uma resposta.
- Não sei exatamente... Mas só brigávamos. E uma mulher... Muito bonita, mas esquisita, disse que precisávamos fazer pazes com nossos “eu’s” – ela também fez aspas com os dedos enquanto falava – para nos reencontrarmos. Seja lá o que isso signifique... – bufou, frustrada – Ainda não fazemos ideia de como sair dessa.
- Ela usou alguma expressão parecida com “por meio do amor”? – eu perguntei, porém já sabendo que havia sido a mesma pessoa que havia amaldiçoado a nós três.
- Sim! Como você sabe? – ela me perguntou assustada, enquanto o garoto somente me observava.
Ele estava tentando decidir se podiam confiar em mim.
Eu conhecia aquele olhar.
Eu o usava muito.
- Bom, eu também fui. Um pouco diferente, mas o mesmo objetivo. Eu não existo, até que eu mesma prove o contrário. Basicamente é isso. Mas vocês já tentaram sentar e conversar calmamente? Tentar ser amigos? Ou fazer as pazes? Seja lá o que faz vocês brigarem sem parar.
Eles se entreolharam e, subitamente, começaram a rir.
Continuei os olhando calmamente, esperando pararem de rir, e só então falaram juntos:
- De jeito nenhum! – ela decretou.
- Nem fodendo! – foi o que ele disse.
Revirei os olhos, entendendo por que foram postos naquele maldito castigo.
- E vocês acham que brigar o tempo todo, berrando, vai resolver algo? – os dois me olharam desconfiados, e eu revirei os olhos novamente. – Vocês têm que reatar o laço afetivo. Só assim vão conseguir sua vida de volta!
Os dois se olharam por alguns segundos, tempo o suficiente para eu ver que existia alguma história por trás de toda aquela aversão.
Qual, exatamente, era um mistério...
Mas existia algo. E eles precisavam resolver aquilo urgentemente.
Depois de me despedir dos dois, resolvi ir para casa, e fiquei algum tempo observando mamãe.
Ela tinha uma expressão cansada, parecia não ter dormido bem, mas continuava arrumando a casa.
Eu tinha vontade de pedir para que ela parasse e fosse se deitar, e fazer as coisas por ela, mas por um motivo óbvio não podia.
IV
Algumas horas mais tarde Lara chegou e quando foi à cozinha, onde mamãe fazia a comida, pareceu olhar diretamente para mim.
Eu estava sentada em uma das cadeiras do balcão, e fiz um sinal de “shh” com o dedo na boca para ela, indicando que não era para ela sinalizar minha presença ali. Ela concordou com a cabeça e deu um beijo em mamãe, indo para seu quarto após alguns minutos.
Fui atrás dela pois precisava conversar com alguém que tivesse alguma ideia que fosse.
Chegando lá, passei pela porta e dei de cara com ela, dando um berro de susto.
Ela gargalhou, se jogando na cama, me fazendo revirar os olhos.
- Onde já se viu o fantasma da situação tomar susto? – berrei, dando graças a Deus que ninguém além dela me ouviria.
- Me pergunto a mesma coisa! – ela ainda ria, limpou algumas lágrimas dos olhos e então se sentou, cruzando as pernas e me olhando. – Anda, desembucha.
- Ahn? Desembuchar o que? – fiz a sonsa, não queria falar sobre aquilo, ainda que precisasse.
- Você parecia aflita lá na cozinha... Anda! Tô louca pra você voltar ao normal.
- Ok – suspirei, vencida, e me sentei na cama ao seu lado.
Ainda era extremamente estranho eu saber que era algo perto de um espírito, mas ainda assim minha irmã, uma criança que eu nunca fiz questão de conhecer, me consolar e tentar me ajudar.
Eu estava me sentindo, mais do que nunca, uma pessoa horrível.
- Eu encontrei um casal hoje lá na escola que, pelo que eu percebi, a mesma pessoa que fez isso comigo – me fez “deixar” de existir –, trocou eles de corpo.
Lara arregalou os olhos e riu.
- Pois é! Enfim, eu disse algo para eles que ficou na minha cabeça e que eu acho que pode ser o meu modo de escape, sabe?
- E o que você falou? – ela estava mais ansiosa do que eu, me fazendo rir.
- Algo como “vocês têm que reatar o laço afetivo, só assim vão conseguir sua vida de volta” – recitei, suspirando. – Mas a pergunta que não quer calar é: como?!
- Ué, aí já é com você, sis – Lara usou aquele pequeno apelido sem nem me conhecer direito e meu coração se aqueceu. – Você vai ter que ser criativa.
- Ferrou, criatividade nunca foi meu forte – eu comecei a entrar em pânico, juro que estava tentando, mas estava ficando cada vez mais difícil não surtar.
- Claro que não, sempre foi o meu – ela riu da minha cara, me fazendo revirar os olhos para disfarçar que eu só queria chorar e gritar. – É sério agora – suspirou. – Por que você não tenta falar com mamãe dormindo? Nas minhas pesquisas eu já ouvi falar que isso dá certo, mas se dá mesmo não sei. Tentar não custa, né? Qual o seu “prazo final”, afinal?
Eu congelei com a pergunta da minha irmãzinha.
Eu queria, mais do que tudo, conseguir mentir.
Mas era mais forte do que eu.
Quando via, já estava falando a verdade.
- Amanhã – suspirei, não conseguindo esconder minha tristeza.
Àquela altura do campeonato, eu nem fazia mais questão.
Ela arregalou os olhos e engoliu em seco, eu via em seus olhos que ela queria dizer algo como “fodeu” mas simplesmente não disse nada.
Colocou a mão em meu joelho e sentir seu toque me fez querer chorar, mais do que nunca.
- Tudo vai dar certo. Eu tenho fé em você – sorriu, fazendo um carinho calmo e eu sorri junto, deixando a vontade de chorar me fazer desabar.
Eu sentia as lágrimas descendo silenciosas enquanto eu suspirava, tentando acreditar em suas palavras.
Eu estava sentada na poltrona ao lado da cama de mamãe há vários minutos, e o tempo parecia correr justamente porque o meu iria terminar.
Algumas lágrimas corriam pelo meu rosto no momento que decidi falar.
- Eu te amo – sussurrei na direção de minha mãe, vendo seu rosto se suavizar e um princípio de sorriso surgir em seus lábios.
- Sinto sua falta – ouvi ela murmurar de volta e arregalei meus olhos, não acreditando.
Me levantei e fui na sua direção, parando em sua frente e me abaixando em frente à cama. Toquei em seu rosto devagar, e senti meu corpo ser trocado de lugar.
Sabe quando te pegam pelos braços e te mudam de lugar? Foi uma sensação parecida, e bastante esquisita.
De repente, onde eu estava era nossa casa do modo que era quando eu “existia”, e eu não estava sozinha: minha mãe também estava ali.
Ela sorriu me olhando e abriu os braços, me chamando para um abraço, algo que eu não me atrevi a negar.
Meu choro se intensificou e eu senti meu corpo ceder, e mamãe se abaixou junto comigo.
- Eu sou muito burra! MUITO! Me desculpa por isso! – solucei, tentando fazer algo que fizesse sentido sair de meus lábios.
- Minha filha, você é maravilhosa. Eu sei que você consegue – suas palavras de consolo e incentivo me fizeram chorar mais, e ela desfez nosso abraço para pegar em meu rosto. Enxugou minhas lágrimas com dedos carinhosos e depois me deu um beijo na testa, enquanto sorria. – Eu acredito em você. Sempre acreditei. Mas você precisa ser rápida, senão pode não conseguir – me olhou nos olhos, e nesse exato instante eu me senti ser puxada de novo.
Soltei um grito, não querendo aceitar aquilo.
Subitamente reapareci em “nossa” casa atual, vendo mamãe dormindo pacificamente novamente.
Sequer havia se mexido.
Vi pelo canto do olho a Feiticeira – a quem apelidei carinhosamente, já que não sabia seu nome – e me virei para ela.
- Eu aprendi! – jurei – Aprendi que eu sou horrível! Por favor, desfaz esse pesadelo! – eu sabia que chorava e sabia que deveria estar parecendo patética, mas não me importava nada naquele momento.
- Eu não posso mais fazer nada – ela levantou as mãos, e eu vi um relampejo de pena em seus olhos. – Agora é com você, você precisa desfazer isso sozinha. Desculpa não poder ajudar.
- Eu queria muito te culpar por ter feito isso comigo, mas não posso porque agora eu sei que tratar todo mundo tão mal como sempre tratei é mais errado do que eu imaginava – tentei enxugar minhas lágrimas, mas outras desciam logo em seguida. Eu não conseguia parar. – Mas também não consigo te agradecer por me fazer sumir. Talvez eu aprendesse de outra forma... Agora também não tenho como saber – sorri tristemente.
Eu não me sentia triste, me sentia arrasada. Devastada. Desolada.
Uma mistura de tudo.
Meu coração não parava de doer, e eu tentei vê-la sem a neblina das minhas lágrimas, mas era impossível.
- Enfim... Eu vou... – apontei para a porta e quando vi, já estava na sala.
Em silêncio, me abaixei ao lado da caminha de Fred e fiz carinho em sua cabecinha. Ele se aconchegou melhor e relaxou, como se só precisasse daquilo para dormir melhor. Sorri e suspirei, olhando para o nosso sofá-cama, vendo papai dormir serenamente enquanto um livro de romance repousava em seu peito.
Era um dos meus preferidos, de tempos medievais, em que os mocinhos têm que lutar contra toda uma regra imposta pela sociedade para ficarem juntos.
É irônico que por mais que eu me vá, toda a família vá ficar com referências de uma presença minha que nem aconteceu.
Sorri olhando para o vinco na testa de papai, passando um dedo por ali tentando fazendo suavizar qualquer preocupação que ele tivesse, lhe dando um beijo ali em seguida.
Do nada, reapareci em meu quarto.
Não conseguia cessar meu choro, e preferi não ir atrás de Lara porque sabia que ela ia me ouvir; se já não ouvia.
Eu esperava que não.
Me deitei na cama, tentando parar de soluçar, e fechei meus olhos.
Tentei relaxar, mas só conseguia repassar minha vida diante dos meus olhos e todas as cagadas que fiz.
Todas as pessoas que magoei.
Todas as vezes que destratava minha irmã, que a ignorei... O quanto já fiz cara feia e desfiz de meus pais...
Eu me arrependia por cada segundo.
E então o desespero deu lugar a uma paz que me desarmou.
Meu corpo relaxou, meu choro cessou e tudo ficou escuro.
Epílogo
TÉO
Eu tinha a impressão de que aquele dia ia ser... Surpreendente.
Acordei, fiz minha higiene normal, enquanto aquela sensação queimava em meu peito.
Obviamente não dei atenção, mas a sensação ainda assim não deixava de me incomodar.
Levei minha irmãzinha para a escola dela e fui para a minha, ficando mais nervoso a cada momento que chegava perto do prédio grande.
Quando cheguei, saí do carro procurando algo diferente em volta, mas nada parecia ter mudado.
Suspirei, frustrado, mas tomei um susto quando um corpo se chocou contra o meu e uma boca pousou na minha bochecha.
Segurei a menina pela cintura e seu cheiro me era familiar, e eu não acreditei naquela ação porque... Bom, ela nunca havia me recepcionado daquele modo.
Era sempre eu a ir puxar assunto, e ainda assim ela parecia sempre ter algo mais interessante para prestar atenção, como suas unhas.
- Bom dia! – Exclamou, sorrindo tão abertamente que não consegui impedir meu sorriso de se igualar em tamanho.
- Bom dia! Que passarinho te picou? – Dei risada, achando graça, porém nervoso com nosso breve toque.
Lembra que por reflexo abracei sua cintura? Meu braço foi esquecido ali, mas sua blusa um pouco mais curta do que o normal deixando nossas peles em contato começou a ficar muito evidente e minha pele começou a queimar.
Coração, sossega!
- O da gratidão! – Ela exclamou, me fazendo entender menos ainda. – Sabe, eu vi que só tava fazendo merda na vida, inclusive com você. Então queria começar de novo, o que acha? Oi, meu nome é , você é o simpático Téo que estavam me falando na rodinha dos nossos amigos? – Ela apontou para trás, risonha, porém sem desviar os olhos dos meus.
Finalmente eu entendi por que eu gostava tanto de . Ela me parecia tão espontânea, apesar de sempre ter parecido chateada...
Naquele momento, uma luz parecia ter descido sobre ela.
Seu rosto estava iluminado e seus cabelos escuros estavam mais leves e soltos, me fazendo ter a impressão de que ela inteira estava esvoaçante.
Sorri, olhando para trás, vendo nossos amigos todos reunidos.
Até então, nunca havia parado para notar que Lizzie, a namorada de Augustus, era a melhor amiga de .
Puta que merda... que coincidência, hein, universo?
- Bom... Eu acho legal – decretei, apesar de continuar não entendendo nada. Resolvi cair na pilha: – Prazer, sou eu mesmo. Não sei quão bem eles falaram de mim, mas deve ser tudo verdade – sorri um pouco maliciosamente, sem conseguir me conter. – Téo, ao seu dispor – estendi minha mão na sua direção, a vendo soltar uma risada gostosa, antes de pegar minha mão e balançar as duas juntas no ar.
Depois se esticou, me dando um beijo na bochecha, e pegou na minha mão para que fôssemos andando na rodinha de nossos amigos, que estavam todos nos olhando de uma forma um tanto maliciosa.
Os ignorei, pensando no que havia dado em considerando que no dia anterior ela ainda me ignorava, mas resolvendo esquecer, apenas para perguntar em um momento futuro.
Eu estava mais do que feliz com a minha decisão de ignorar toda a merda que minha vida havia sido nos últimos meses e tentar ser uma pessoa melhor.
Por isso, assim que cheguei na escola, conversei com Lizzie.
Coloquei as cartas na mesa, disse por que não gostava de Fernanda, e que sabia que ela tentava ficar com Augustus. Eu gostava muito dele para acreditar que ele tivesse traído minha amiga, então resolvi acreditar no que ele havia dito a Téo, contando aquilo à minha amiga, dizendo que ouvi eles conversarem através de uma porta e que acreditava nele.
Ela acabou chorando, dizendo que não acreditava que aquela cobra fazia aquilo com ela por tanto tempo e que ela era ingênua de não ver. Bem naquele momento Augustus chegou e eu os deixei conversando, enquanto procurava pelo meu objeto de desejo do pátio inteiro.
Eu precisava mais do que tudo falar com Téo, e quando o vi chegar não hesitei em ir em sua direção.
Ele estava lindo com aqueles cabelos rebeldes demais para a minha sanidade, tanto que por pouco não o beijei na boca mesmo.
Precisava dar um passo de cada vez, pelo menos até mostrar que eu estava melhor de personalidade.
Eu senti que ele não entendeu muita coisa, mas acabou entrando no que deve ter achado que era uma brincadeira, e eu o agradecia por aquilo.
Não estava pronta para revelar minha pequena aventura no mundo espiritual para alguém tão cedo, e como eu estava enxergando a vida com mais positividade, preferia por enquanto esquecer aquilo.
Suspirei, vendo Téo conversar com Augustus enquanto continuávamos de mãos dadas e passei o olhar pelo pátio, notando como minha mudança era tanta que eu até gostava do sol agora.
Levantei os olhos para o céu e agradeci a Deus pela minha vida e pela oportunidade de melhorá-la.
Quando voltei a olhar em volta, vi o casal ainda discutindo, mas dessa vez prestes a se beijar.
Como sabia que eles deviam ter um tempo maior, rezei para que eles ficassem bem e conseguissem pelo menos desfazer os nós de seu passado.
Logo que vi uma pessoa embaixo de uma árvore, notei que era a Feiticeira.
Mas ela vestia um jaleco e sorria me olhando através de seus óculos escuros.
Fez uma mesura com a cabeça na minha cabeça e eu deixei a minha pender para o lado, lendo no crachá de seu jaleco escrito “Dra. Freya Darrie”.
Ela devia ser psicóloga da escola ou algo do tipo, pois entrou no prédio apenas alguns instantes antes de o primeiro sinal tocar.
Suspirei, grata pela minha vida ter entrado nos eixos novamente, e por eu ter visto que minha irmãzinha seria minha maior aliada nos crimes se eu apenas me desse o trabalho de aceitar sua existência como nada mais que uma bênção.
Pedi perdão aos meus pais como se não houvesse amanhã e, apesar de claramente não entenderem muita coisa, me disseram que me amavam e que sempre me amariam, e que os ciúmes que eu sentia de Lara eram sem fundamento.
Discordei parcialmente, dizendo que até ela nascer eles só ligavam para mim, mas que agora eu entendia, que uma criança tomava tempo e que eu finalmente havia entendido que ela era um anjinho em nossas vidas.
Fred me recepcionou como se não me visse há dias, e parecia que apenas ele se lembrava de algo ou sentia que algo havia sido diferente ou mudado.
Tudo finalmente havia voltado a ser como era antes e sinceramente... eu nunca fiquei tão feliz em ter problemas de adolescente.
Eu tinha a impressão de que aquele dia ia ser... Surpreendente.
Acordei, fiz minha higiene normal, enquanto aquela sensação queimava em meu peito.
Obviamente não dei atenção, mas a sensação ainda assim não deixava de me incomodar.
Levei minha irmãzinha para a escola dela e fui para a minha, ficando mais nervoso a cada momento que chegava perto do prédio grande.
Quando cheguei, saí do carro procurando algo diferente em volta, mas nada parecia ter mudado.
Suspirei, frustrado, mas tomei um susto quando um corpo se chocou contra o meu e uma boca pousou na minha bochecha.
Segurei a menina pela cintura e seu cheiro me era familiar, e eu não acreditei naquela ação porque... Bom, ela nunca havia me recepcionado daquele modo.
Era sempre eu a ir puxar assunto, e ainda assim ela parecia sempre ter algo mais interessante para prestar atenção, como suas unhas.
- Bom dia! – Exclamou, sorrindo tão abertamente que não consegui impedir meu sorriso de se igualar em tamanho.
- Bom dia! Que passarinho te picou? – Dei risada, achando graça, porém nervoso com nosso breve toque.
Lembra que por reflexo abracei sua cintura? Meu braço foi esquecido ali, mas sua blusa um pouco mais curta do que o normal deixando nossas peles em contato começou a ficar muito evidente e minha pele começou a queimar.
Coração, sossega!
- O da gratidão! – Ela exclamou, me fazendo entender menos ainda. – Sabe, eu vi que só tava fazendo merda na vida, inclusive com você. Então queria começar de novo, o que acha? Oi, meu nome é , você é o simpático Téo que estavam me falando na rodinha dos nossos amigos? – Ela apontou para trás, risonha, porém sem desviar os olhos dos meus.
Finalmente eu entendi por que eu gostava tanto de . Ela me parecia tão espontânea, apesar de sempre ter parecido chateada...
Naquele momento, uma luz parecia ter descido sobre ela.
Seu rosto estava iluminado e seus cabelos escuros estavam mais leves e soltos, me fazendo ter a impressão de que ela inteira estava esvoaçante.
Sorri, olhando para trás, vendo nossos amigos todos reunidos.
Até então, nunca havia parado para notar que Lizzie, a namorada de Augustus, era a melhor amiga de .
Puta que merda... que coincidência, hein, universo?
- Bom... Eu acho legal – decretei, apesar de continuar não entendendo nada. Resolvi cair na pilha: – Prazer, sou eu mesmo. Não sei quão bem eles falaram de mim, mas deve ser tudo verdade – sorri um pouco maliciosamente, sem conseguir me conter. – Téo, ao seu dispor – estendi minha mão na sua direção, a vendo soltar uma risada gostosa, antes de pegar minha mão e balançar as duas juntas no ar.
Depois se esticou, me dando um beijo na bochecha, e pegou na minha mão para que fôssemos andando na rodinha de nossos amigos, que estavam todos nos olhando de uma forma um tanto maliciosa.
Os ignorei, pensando no que havia dado em considerando que no dia anterior ela ainda me ignorava, mas resolvendo esquecer, apenas para perguntar em um momento futuro.
Eu estava mais do que feliz com a minha decisão de ignorar toda a merda que minha vida havia sido nos últimos meses e tentar ser uma pessoa melhor.
Por isso, assim que cheguei na escola, conversei com Lizzie.
Coloquei as cartas na mesa, disse por que não gostava de Fernanda, e que sabia que ela tentava ficar com Augustus. Eu gostava muito dele para acreditar que ele tivesse traído minha amiga, então resolvi acreditar no que ele havia dito a Téo, contando aquilo à minha amiga, dizendo que ouvi eles conversarem através de uma porta e que acreditava nele.
Ela acabou chorando, dizendo que não acreditava que aquela cobra fazia aquilo com ela por tanto tempo e que ela era ingênua de não ver. Bem naquele momento Augustus chegou e eu os deixei conversando, enquanto procurava pelo meu objeto de desejo do pátio inteiro.
Eu precisava mais do que tudo falar com Téo, e quando o vi chegar não hesitei em ir em sua direção.
Ele estava lindo com aqueles cabelos rebeldes demais para a minha sanidade, tanto que por pouco não o beijei na boca mesmo.
Precisava dar um passo de cada vez, pelo menos até mostrar que eu estava melhor de personalidade.
Eu senti que ele não entendeu muita coisa, mas acabou entrando no que deve ter achado que era uma brincadeira, e eu o agradecia por aquilo.
Não estava pronta para revelar minha pequena aventura no mundo espiritual para alguém tão cedo, e como eu estava enxergando a vida com mais positividade, preferia por enquanto esquecer aquilo.
Suspirei, vendo Téo conversar com Augustus enquanto continuávamos de mãos dadas e passei o olhar pelo pátio, notando como minha mudança era tanta que eu até gostava do sol agora.
Levantei os olhos para o céu e agradeci a Deus pela minha vida e pela oportunidade de melhorá-la.
Quando voltei a olhar em volta, vi o casal ainda discutindo, mas dessa vez prestes a se beijar.
Como sabia que eles deviam ter um tempo maior, rezei para que eles ficassem bem e conseguissem pelo menos desfazer os nós de seu passado.
Logo que vi uma pessoa embaixo de uma árvore, notei que era a Feiticeira.
Mas ela vestia um jaleco e sorria me olhando através de seus óculos escuros.
Fez uma mesura com a cabeça na minha cabeça e eu deixei a minha pender para o lado, lendo no crachá de seu jaleco escrito “Dra. Freya Darrie”.
Ela devia ser psicóloga da escola ou algo do tipo, pois entrou no prédio apenas alguns instantes antes de o primeiro sinal tocar.
Suspirei, grata pela minha vida ter entrado nos eixos novamente, e por eu ter visto que minha irmãzinha seria minha maior aliada nos crimes se eu apenas me desse o trabalho de aceitar sua existência como nada mais que uma bênção.
Pedi perdão aos meus pais como se não houvesse amanhã e, apesar de claramente não entenderem muita coisa, me disseram que me amavam e que sempre me amariam, e que os ciúmes que eu sentia de Lara eram sem fundamento.
Discordei parcialmente, dizendo que até ela nascer eles só ligavam para mim, mas que agora eu entendia, que uma criança tomava tempo e que eu finalmente havia entendido que ela era um anjinho em nossas vidas.
Fred me recepcionou como se não me visse há dias, e parecia que apenas ele se lembrava de algo ou sentia que algo havia sido diferente ou mudado.
Tudo finalmente havia voltado a ser como era antes e sinceramente... eu nunca fiquei tão feliz em ter problemas de adolescente.