Última atualização: 16/02/2024

So, let go of my hand.

O calor da xícara de chá estava se dissipando e eu já conseguia tocar a porcelana com as pontas dos meus dedos. Eles estavam ligeiramente atrasados e eu sabia que Hermione deveria estar surtando por conta disso. A sala de estar dos meus avós com móveis no estilo Luis XV parecia que ia me engolir à medida que os minutos passavam e a minha ansiedade aumentava. Havia tanto que eu gostaria de falar e de escutar. Duas semanas haviam se passado após a Batalha de Hogwarts e eu aguardava a visita dos meus amigos mais do que qualquer coisa. Eu os havia visto no velório daqueles que haviam morrido na batalha, mas conversar com eles se mostrou impossível, pois todos queriam saber o que eles fizeram no tempo que passaram afastados. O Profeta Diário importunava Harry e a família Weasley em busca de uma entrevista e, apesar da tristeza, todos os presentes queriam parabenizar o trio. Por isso, eu havia esperado algumas semanas para poder convidá-los até a casa dos meus avós e finalmente poder conversar com eles sem ninguém por perto.

O feitiço de proteção que ainda estava ao redor da nossa casa soltou um pequeno barulho quando alguém aparatou do outro lado da rua. A guerra havia acabado, mas muitos comensais haviam fugido e podiam estar aguardando por uma vingança. Levantei do meu lugar no sofá e me aproximei da janela, notando que, apesar do barulho da aparatação, a rua continuava deserta. Eu sabia que os três deviam estar com a capa da Invisibilidade. Abri a porta da mansão e automaticamente quatro pessoas apareceram na calçada. Harry, Hermione, Rony e Gina estavam parados ali, com sorrisos em seus rostos. Corri até eles e recebi um abraço em grupo.

, como é bom te ver! — Gina disse, sorrindo, e me abraçou novamente.
— Eu estou tão feliz que vocês estão aqui — respondi. — Por que atrasaram? Vamos entrar logo, vem, vem!
— Rony demorou no banho e atrasou a todos nós — Hermione reclamou e eu dei risada, notando a indignação no rosto do garoto enquanto eles entravam pela porta.
— Ah, Mione, nem vem, quem atrasou mesmo foi a Gina — ele retrucou e agora era a ruiva que olhava para ele com irritação.
— Eu estou quieta! — ela disse mais alto e eu e Harry rimos.
— Chega de confusão. Vamos logo, o chá está esfriando. — Eu os conduzi para a sala de estar. — Temos biscoitos, pão de ló, chá, suco…
— Nossa, você se preparou mesmo — Hermione disse. — Eu sinto muito pela demora. Onde estão seus pais e avós?
— Meus pais estão no ministério — respondi. — Kingsley chamou os dois para ajudar a colocar “ordem na casa” agora que ele é Ministro da Magia interino. Meus avós foram levados para a França na época da guerra e agora estão se programando para voltar. Meus tios ainda não acham que a Grã-Bretanha está segura, mas meus avós estão ansiosos.
— E o teu avô Aberforth? — Harry perguntou, enquanto escolhia uns dos biscoitos de nata que havia na mesa.
— Ele está ajudando a reconstruir Hogsmeade e Hogwarts — respondi. — Acho que ele fez as pazes com o legado do tio Alvo e, além disso, quanto mais rápido Hogwarts voltar, mais rápido o comércio de Hogsmeade volta também. Ele me contou que os professores estão correndo para arrumar a escola até setembro. Eles não querem que ninguém perca o ano letivo.
— As meninas vão voltar — Harry disse. — Eu e Rony, não. Você vai?
— Eu não sei… — respondi e dei um suspiro. — Hogwarts significa algo totalmente diferente para mim agora. Mas é claro que Hermione iria voltar, não é? E também não me surpreende nada vocês dois não voltarem.
— Quero finalizar minha formação — Hermione disse. — Vai ser legal, pois estarei na mesma sala que a Gina.
— Eu fiz praticamente o ano todo até a guerra acontecer — respondi. — Mas passei tanto tempo lutando e fugindo que acho que deixei de estudar bem antes de entrar em coma.

Os quatros se olharam e os pares de olhos me encararam com certa ansiedade. Eu sei que nenhum deles sabia direito o que havia acontecido comigo. Os únicos que sabiam eram Neville, Nate e Draco. Eu não sabia se eles haviam conversado com Neville, então perguntei:

— Vocês falaram com o Neville?
— Um pouco — Gina respondeu. — Ele está ajudando bastante em Hogwarts, está bem ocupado.
— E o Nate? — eu perguntei, sentindo o nó em minha garganta. — Ele ainda está no St. Mungus?
— Sim, continua internado — ela respondeu. — Foi você que achou ele, não foi?
— Sim, ele estava soterrado nos escombros — respondi e automaticamente a perna dilacerada de Nathan apareceu em minha mente. — Eu mandei uma carta e a mãe dele me respondeu, mas foi logo depois que saímos de Hogwarts. Desde então, não tenho notícias de ninguém.
— Acho que seria legal marcarmos uma visita — Gina sugeriu e Harry sorriu para ela, fazendo um carinho em seu joelho. Eu sorri e isso me lembrou:
— Mudando de assunto totalmente: temos dois casais aqui, não? — eu disse, sorrindo, e os quatro sorriram ao mesmo tempo.
— Ah, … — Hermione disse um pouco sem jeito e escondeu o rosto no ombro de Rony, que sorriu com o gesto.
— É incrível o que estar à beira da morte nos faz enxergar, não? — Rony disse e deu um sorriso ao segurar a mão de Hermione. — Não há tempo a perder quando queremos estar com alguém especial.
— Por Merlin, que brega! — eu disse e todos nós rimos. — Fico muito feliz por vocês! Sempre quis que vocês se ajeitassem! Todos vocês! Mas como aconteceu? — eu perguntei. — Foi antes da batalha?
— Foi no meio da batalha, na verdade — Mione respondeu. — A gente se olhou, se beijou e estamos oficialmente juntos.
— Rony, tua mãe deve estar tão feliz — eu comentei. — Ela sempre amou Hermione. E você e Harry, Gina?
— Nós nunca tínhamos terminado, de fato — Gina respondeu. — Harry até tentou, mas eu fui teimosa.
— Sempre, não é? — Harry comentou e nós rimos. — Bom, agora que tudo acabou, eu me sinto mais…
— Aberto? Pronto? — Tentei ajudar a completar e ele assentiu. — Realmente, apesar de todas as incertezas do futuro, pela primeira vez, nós temos esperança.
— Dá um alívio — Potter complementou e passou o braço pelos ombros da garota ruiva sentada ao seu lado. — E tudo acabou porque Voldemort era arrogante e esqueceu do óbvio.
— No final, eu sou grata pela arrogância dele — respondi, enquanto me servia de um pedaço de pão-de-ló. — Se isso serviu para que ele esquecesse das coisas básicas, então que bom!
— Todos eles são arrogantes — Rony respondeu. — Voldemort e sua corja. Isso não falha nunca.
— Você precisa ir lá em casa, — Gina pediu, cortando a fala do irmão ao notar meu desconforto com a menção aos comensais. — As coisas estão um pouco aceleradas, papai tem trabalhado muito também e mamãe ainda está de luto pelo Fred, mas tenho certeza de que ver você fará bem a ela.

A menção ao nome de Fred fez o sorriso de todos nós vacilar ao mesmo tempo. O silêncio pairou ao nosso redor e meus olhos ficaram úmidos. De repente, todas as memórias que eu tinha sobre o gêmeo me invadiram e eu notei que aquela casa me remetia a ele. Fred, que apareceu um dia com uma caixa de doces, um sorriso nos lábios e a vontade de se aproximar de mim. Fred, que cativou a mim e a minha família e vinha me fazer companhia mesmo quando eu não conseguia ver ninguém. Fred, que me amou intensamente mesmo quando eu não podia corresponder. Ainda conseguia me lembrar da primeira vez que ele havia falado comigo. Eu tinha chegado à Toca depois de ser atacada por Bellatrix e Fred, junto a George e Lupin, havia me resgatado. Eu me lembro do olhar de expectativa que o ruivo lançava para mim e como ele quase havia me beijado algumas vezes. As memórias daquele natal em que eu passei junto à família Weasley me invadiram e eu notei lágrimas caindo.

— Gina me chamou e eu encarei seus olhos úmidos. — Você sabia que Fred sempre foi apaixonado por você, não é?
— Eu sabia — respondi e busquei um guardanapo para secar meus olhos. — Mas eu nunca pude corresponder porque…
— Por causa de Draco — ela respondeu e eu notei certo ressentimento em sua voz, mas não queria investigar isso.
— Eu sinto muito por tudo — eu disse e suspirei. — Fred sempre me escreveu, esteve comigo por muito tempo. Ele era um ótimo amigo e um ótimo irmão também. Como está o George?
— Ah, — Gina suspirou. — Ele parece um fantasma, perdeu a metade dele. Está dando um tempo antes de voltar para a loja e tentar seguir a vida. Mas nada vai ser como antes.
— É, eu acho que vou ficar com George na loja antes de qualquer coisa — Rony comentou e Mione sorriu para ele. — Acho que é o certo a se fazer.
— George vai precisar de alguém — Gina respondeu. — E que bom que vai ser você.
— Você é um bom irmão, Rony — eu comentei, sorrindo, e Gina me cortou:
— Só quando quer!

Nós rimos juntos e por um tempo falamos sobre Fred e os momentos divertidos que vivemos com o gêmeo. Era importante celebrar a vida de alguém tão querido e que se fora tão cedo e de maneira tão covarde. Depois de uns minutos, as risadas foram cessando e antes que nós entrássemos num espiral de tristeza, eu lembrei de outro assunto.

— E o Teddy? — eu indaguei. — Acabei ficando isolada essas últimas semanas, não sei de ninguém.
— A mãe de Tonks está cuidando dele — Harry respondeu. — Mas Lupin me escolheu para ser padrinho, então vou tentar ajudar no que eu puder até, não sei, ele poder ir morar comigo, se quiser.
— Wow, Harry — eu disse e sorri. — Isso é muito legal. Você está com os Weasley?
— Sim, mas eu preciso voltar para a casa do Sirius — ele disse e também suspirou. — Monstro tem cuidado de tudo desde que partimos da última vez, mas ainda não consegui sair da Toca.
— Por quê?
— Porque a Suprema Corte dos Bruxos está se reestruturando e logo mais os julgamentos começarão — ele disse. — Kingsley pediu para que eu, Rony e Hermione sejamos testemunhas de acusação.
— E como vocês se sentem em relação a isso? — eu perguntei.
— Vai ser bom ver a justiça sendo feita — Rony respondeu confiante. — Finalmente aqueles comensais terão o que merecem.

Eu não consegui responder de imediato, porque minha mente foi diretamente até Draco, mas decidi afugentar sua imagem da minha cabeça. Eu beberiquei meu chá e respondi:

— É uma grande responsabilidade.
— Talvez ele te chame, — Hermione disse. — Você já é maior de idade, talvez ele te chame para falar sobre Hogwarts.
— Você teria coragem de acusar Draco? — Gina perguntou de repente e eu senti que poderia afundar na cadeira.
— Gina! — Hermione a repreendeu.
— Eu não sei, Gina. — Fui sincera. — Draco foi uma das pessoas que me ajudou a ficar viva naquele castelo e foi meu namorado por um período longo de tempo. Eu não sei se há um interesse de conflito nisso.
— Interesse de conflito? Ele era um comensal! — Rony disse, com sua visão maniqueísta das coisas, e eu me senti exausta para responder direito.
— Você não estava lá, Rony. Não venha me julgar por hesitar depor contra o Draco. Você não estava lá.

O silêncio desconfortável pairou entre nós e eu questionei pela primeira vez se havia sido uma boa ideia chamá-los para conversar tão recentemente. Eles, especialmente os meninos, nunca entenderam ou respeitaram meu relacionamento com Draco. Para eles, eu sempre “me relacionei com o inimigo”. Eles nunca entenderam que Malfoy era uma pessoa em constante dilema moral e que havia feito tudo o que podia para me ajudar. Eles não conheciam Draco. Hermione me olhou com seu olhar doce e disse:

— Quer nos contar, então?
— Eu acho que Gina já deve ter falado grande parte do que aconteceu em Hogwarts — eu respondi e olhei para o fundo da minha xícara de porcelana. — Mas aquilo virou um inferno.
— Ela disse que você… — Hermione hesitou e se remexeu no sofá. — Que você ficou grávida?
— Sim — eu disse e meus olhos se inundaram de novo. — Eu fiquei. Fiquei grávida por dez semanas, até ser torturada por Jugson, Aleto e Amico. Eu e Draco caímos em uma emboscada. Eles tiraram Malfoy do castelo, inventaram uma missão falsa para ele e eu fiquei sozinha.
, por favor, nos conte só o que você quiser — Harry disse e me olhou com compreensão.
— É, acho que vocês não vieram aqui somente para comer biscoitos e tomar chá, não é? — eu brinquei e dei um sorriso triste, suspirando e encarando meus quatro amigos me preparando para narrar os acontecimentos que mudaram totalmente minha vida.

Draco’s POV

O horário do chá da tarde sempre foi sagrado em minha família. Era o momento em que nós três nos sentávamos para conversar, beber uma bebida quente e aproveitar nossa coleção de porcelana cara. Naquele momento, nós três estávamos reunidos na sala de estar e cada um, absorto em seus próprios pensamentos, tomava o chá em completo silêncio. Duas semanas desde que Voldemort havia sido morto e que a desgraça da família Malfoy havia chegado em um novo patamar. Nós havíamos perdido e naquele momento — apesar da falsa situação cotidiana — estávamos em prisão domiciliar. Nossas varinhas haviam sido confiscadas, estávamos proibidos de aparatar e um feitiço estava ao redor de nossa mansão, impedindo qualquer magia de se manifestar. Além disso, vagando pelos terrenos, havia aurores prontos para nos imobilizar caso algum de nós tentasse alguma coisa.

Nós fomos alguns dos comensais que haviam se entregado e aguardavam julgamento. Meu pai com seus contatos havia conseguido para nós a prisão domiciliar ao invés de irmos para Azkaban. Nós não tínhamos mais um nome relevante, mas sabíamos segredos das outras pessoas e isso ajudou. Contudo, uma fuga era impensada. Além disso, Malfoys não fugiam. Olhei meus pais e dava para ver a derrota em seus ombros. Mamãe seguia triste pela morte da irmã e meu pai estava resignado pela derrota. Internamente, eu estava aliviado de que aquilo tudo havia acabado, mas jamais poderia me abrir com eles sobre meus sentimentos. A marca negra havia desaparecido dos nossos braços no segundo em que Voldemort havia tombado e eu havia chorado de alegria quando notei. Eu tive o gosto da liberdade por alguns segundos antes de ser transportado com algemas para o Departamento de Mistérios e ter ficado lá esperando meu pai agir e o ministério decidir o que faria conosco.

— Está gostando do chá, querido? — mamãe perguntou para mim, com um sorriso fraco.
— Sim, mamãe — respondi, sorrindo de volta — Está gostoso.
— Os elfos que fizeram — ela disse. — Temos que aproveitar enquanto eles ainda estão aqui. Aposto que vão mexer os pauzinhos para nos tirar até isso.
— Bom, considerando tudo o que podem fazer — eu respondi. — Os elfos são o menor dos nossos problemas.
— Draco, nada vai nos acontecer — meu pai me corrigiu e eu tive que me segurar para não revirar os olhos. — Vai dar tudo certo.
— Se isto te ajuda a dormir à noite — eu respondi e notei a expressão amarga em seu rosto.
— Olha como você fala! — ele me repreendeu.
— Lúcio! — mamãe disse mais alto e deu um sorriso falso. — É a hora do chá, não é hora para brigas.

Nós dois ficamos em silêncio e eu apenas voltei a olhar para o lado de fora da minha casa no momento em que um auror passeava pelo jardim e observava os pavões. Meu pai possuía uma visão até ingênua de que tudo iria dar certo, mas eu tinha certeza de que não. Nós iríamos para Azkaban e eu sairia de lá “sabe Deus” quando. À medida que os dias passavam e nenhuma notícia chegava, a ansiedade só aumentava mais e mais. Eu sabia que meu pai estava tentando se articular de alguma maneira, montando sua defesa, mas não podia pedir o apoio de ninguém. Todos os nossos haviam caído. Pelo contrário, cartas e mais cartas de famílias que também estavam na mesma situação chegavam até nós pedindo ajuda, mas não sabíamos o que fazer. No novo Ministério da Magia que estava sendo construído não havia espaço para que os Malfoys se infiltrassem.

O momento do chá acabou e meu pai se levantou, indo para seu escritório e se trancando lá. Minha mãe assistiu seus movimentos e suspirou. Ela também não estava nada bem. Havia perdido a irmã, a família que ela havia entrado estava em desgraça e provavelmente eu e papai seríamos presos, deixando-a sozinha. Eu me levantei e tomei o lugar do meu pai ao seu lado.

— Mamãe, como você está?
— Ah, filho — ela disse e olhou para o chão. — Eu estou aguentando. Depois que eles vieram e recolheram tudo de suspeito que havia aqui, só me restou tentar organizar a casa, mas eu ainda não consigo entrar no quarto da sua tia.
— Eu entendo — respondi e segurei em sua mão. — Eu acho que você não precisa se forçar a nada, vai devagar.
— Eu sei, mas seu pai está preocupado — ela disse. — Não sabemos nem se ficaremos com a casa.
— Como assim? — eu perguntei.
— Não sei, eles podem pedir uma indenização às vítimas — mamãe disse. — Podemos perder toda nossa fortuna e até a mansão. Tudo é muito incerto, querido.
— Meu Deus, mãe — eu disse assustado. — O que fizemos?
— Infelizmente, nós perdemos — ela respondeu e suspirou, limpando as lágrimas do seu rosto.

Depois daquela frase, eu me calei, tentando assimilar todas as possibilidades. Eu sabia que, da última vez, meu pai havia dito que estava sob influência da Imperius, mas agora essa desculpa não cairia. Todos nós estávamos envolvidos naquilo desde antes e meu pai já havia sido preso uma vez. Não havia possibilidade de jogarmos a carta da maldição. De repente, o medo da prisão dividiu espaço com mais um: o de termos destruído a família Malfoy para sempre.


’s POV

Eu não conseguia olhar para os quatro sentados à minha frente, então encarava minha calça e tentava arrancar um fiapo da linha de algodão que teimava em sair da costura. Eu sabia que as meninas estavam chorando, pois escutava as fungadas, mas não conseguia encarar nenhum deles depois de ter narrado tudo de ruim que havia acontecido comigo. Eu suspirei e tentei me acalmar para continuar a conversa, mas não consegui. Quando notei, eu chorava alto, tentando suprimir o barulho. Senti dois braços ao meu redor e, quando levantei um pouco o rosto, Hermione me abraçava apertado. Eu me permiti chorar em seus braços todo o pranto que havia em mim porque, por mais que eu chorasse, ele nunca passava, nunca ia embora.

— Por Merlim, … — Mione disse, em meu ouvido. — Eu sinto muito, eu…
— Eu sei, amiga — respondi e nós nos olhamos. Ela também tinha lágrimas nos olhos. — Nenhum de nós deveria ter passado por nada do que passamos.
, eu sinto muito por tudo — Harry disse e eu percebi uma expressão de dor em seu rosto. — Eu jamais poderia imaginar o que aconteceu com você.
— Cada um de nós viveu essa guerra de uma maneira — eu respondi, enquanto Hermione voltava para seu lugar e era abraçada por Rony. — Nós sabíamos que vocês estavam passando por maus bocados do lado de fora, então tentamos ajudar de alguma maneira estando dentro do castelo, mas os comensais foram perdendo o medo de represália à medida que o Ministério era cada vez mais tomado e os castigos aumentaram.
— Eles não pouparam nenhum aluno, de nenhuma idade — Gina complementou. — e Neville tiveram aulas em que eles foram obrigados a torturar alunos do primeiro ano.
— O quê? — Rony perguntou perplexo.
— Nós não fizemos isso, é claro — eu respondi. — Mas então Amico me enfeitiçou com a Imperius e quase me fez cortar meu próprio dedo fora. Eu consegui vencer a maldição, mas isso foi algo pequeno se comparado com todo o resto.
, você precisa depor nos julgamentos — Harry disse perplexo. — Você é uma das poucas pessoas que conseguiria fazer algo realmente efetivo. Sem especulações ou invenções. Você estava lá. Precisamos contar com você.
— Harry, eu não sei — disse sincera. — Reviver tudo é muito doloroso, eu quero deixar essa história para trás e viver em paz. Ainda tenho cicatrizes e feridas que continuam a sangrar.
— Eu sei disso, mas se você não depor, tudo terá sido em vão — ele retrucou. — Os comensais que foram capturados podem ter penas pequenas caso você não fale.
— Quem eu queria que estivesse preso não está, Harry — eu argumentei. — Aleto, Amico e Jugson estão foragidos.
— Por que você não vem para o Departamento de Aurores? — Rony perguntou. — Você pode trabalhar para capturá-los. Você deve ser tão boa quanto Hermione, . Com certeza eles vão te aceitar, ainda mais quando você testemunhar no tribunal e ter compartilhado a tua história.
— Hermione me chamou e eu a olhei. — Eu sei que tudo o que você viveu é doloroso, mas transforme essa dor em luta. Caçe os três e mostre para eles que ninguém conseguiu te quebrar, que você ainda está aqui.
— Oh, mas eles conseguiram, sim — eu respondi. — Eu continuo tendo pesadelos com tudo, com as torturas, o quase estupro, a luta em Hogwarts… Eu estou quebrada, Mione. Acho que nunca vou me recuperar.
— Gina me chamou. — Você vai se recuperar, sim, sabe por quê? Porque você é você. É a bruxa mais valente que eu já conheci. Você é da Grifinória. Você vai conseguir.
— Eu agradeço por toda a força, pessoal — eu disse e os encarei. — Prometo que vou pensar caso eles me chamem.

Os quatro foram embora tarde da noite. Depois que eu contei tudo o que havia vivido, Rony, Harry e Hermione relataram todos os apuros que passaram enquanto buscavam as Horcruxes e eu também fiquei tremendamente comovida. Quando Harry revelou que Draco havia hesitado em dizer que era ele que estava na mansão Malfoy, eu pude ligar os pontos e percebi que Draco hesitou por causa de mim. Em cada pedaço da nossa história, eu notava como Malfoy havia se esforçado (à sua maneira) para me ajudar.

Quando os três haviam partido e eu permaneci sozinha naquela mansão, meu pensamento foi até o garoto com olhos de tempestade e meu coração ficou apertado, imaginando tudo o que ele estava passando. Eu sabia que eles estavam em prisão domiciliar — alguma manobra de Lúcio, com certeza —, mas continuavam sendo vigiados bem de perto, provavelmente eram um dos poucos comensais do círculo interno que estavam vivos e capturados. Eu havia acompanhado toda a sua história e presenciei todos os dilemas internos do garoto, vi quando Draco não queria mais ser comensal, mas não podia partir. Eu vi como ele havia se agarrado à ideia de criar nosso filho longe com todas as forças. Draco havia me amado com tudo de bom que havia em si. Eu não podia omitir tudo de bom que ele havia feito e quando a carta de Kingsley chegou na manhã seguinte, me intimando ao Ministério para uma conversa preliminar, eu já sabia que não esconderia nossa história de ninguém.


Draco’s POV

Julho de 98. Os dias haviam se passado e nós continuávamos em prisão domiciliar. Não podíamos utilizar magia para absolutamente nada, mas já havíamos nos acostumado. Eu acordei naquela manhã de quarta-feira sentindo o ar quente de verão correr pelas janelas abertas. Minha mãe finalmente havia conseguido arrumar o quarto da tia Bella e encontramos as coisas mais perturbadoras possíveis. Tudo, é claro, foi confiscado pelo ministério e serviu como mais provas para a nossa condenação. Eu sabia que outros comensais também estavam tão ferrados quanto nós, mas sentia que para a gente iria ser pior. Nós éramos do círculo mais próximo de Voldemort e se antes isso era motivo de orgulho, agora era uma das nossas máculas. Meu pai estava lá quando Voldemort decidiu invadir a escola. Nós participamos de torturas, assassinatos e colaboramos com as ideias de superioridade. Durante o tempo de prisão domiciliar, eu pude pensar muito em tudo o que havia acontecido e podia dizer que estava arrependido. Meu pai, por sua vez, lamentava não pelas coisas que fizera, mas por ter sido pego.

A mesa de café estava posta e eu me sentei, servindo-me de café e ovos enquanto mamãe abria O Profeta Diário. Papai ainda não havia descido, então eu me sentia um pouco aliviado. Era muito difícil ver meu pai definhar do jeito que estava acontecendo, sendo consumido pelos seus planos mirabolantes e pela ansiedade. Ele parecia um lunático, preso por horas em seu escritório, enviando cartas e cartas, buscando desesperadamente um apoio, algo que pudesse nos ajudar. Contudo, naquela manhã, tudo parecia calmo em mais um dia preso naquela casa. Mamãe lia o jornal e soltou:

— Eles estão terminando de reconstruir Hogwarts.
— Isso é muito bom — eu respondi sem muito ânimo. — Eles querem reabrir para setembro, não é?
— Sim, o Profeta diz que está sendo um esforço em conjunto de professores, alunos e a comunidade bruxa — mamãe explicou. — Hogwarts ainda não enviou nada para você.
— E por que enviaria? — eu perguntei meio cético. — Duvido muito que eles me ofereçam uma vaga para terminar meus estudos.
— Ora, Draco, você tem que parar de ser tão pessimista — ela me repreendeu. — Precisamos ter esperança de que tudo vai ficar bem.
— Desculpe — eu respondi e voltei a ficar em silêncio. Nesse momento, meu pai entrou pela porta com os cabelos presos. — Bom dia, pai.
— Bom dia, Draco — ele respondeu e se sentou. — Quais os planos para hoje?
— Voltar a dormir assim que o café acabar — eu respondi e dei um sorriso de escárnio.
— Draco, você podia estar estudando — ele disse, começando a rodada de críticas daquela manhã. — Temos muitos livros em nossa biblioteca, você podia estar aprendendo alguma coisa nesse meio tempo. A história da família, alguma magia antiga, nós temos de tudo aqui.
— Lúcio — minha mãe cortou o assunto, levantando o olhar e nele eu vi desespero. — A Suprema Corte dos Bruxos foi escolhida.
— O quê? — Papai arregalou os olhos e se inclinou para o jornal. — Leia alto, Narcisa, por favor.

“Depois de dois meses desde a Batalha de Hogwarts, a Suprema Corte dos Bruxos finalmente foi escolhida. Os julgamentos daqueles que participaram do regime ditatorial anterior finalmente acontecerão. Sob ordens de Kingsley Shacklebolt, novo Ministro da Magia, o Ministério tem se estruturado para voltar à normalidade, mas já notamos uma direção mais humanitária e um caminho mais progressista. A primeira grande mudança que vemos nesse governo é que os dementadores foram banidos de Azkaban. Após as criaturas terem apoiado abertamente Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, o Ministério optou por não buscar uma conciliação com os antigos guardas. Desde maio, os presos de Azkaban são guardados por aurores.
Os julgamentos estão previstos para iniciar em setembro e o Profeta Diário fará uma cobertura exclusiva. Entre os réus, destacam-se algumas famílias bruxas mais importantes da nossa comunidade. Malfoy, Lestrange, Parkinson, Crabbe, Goyle…”


— Ainda é muito cedo para isso, não temos nossa defesa totalmente estruturada — meu pai soltou, com os olhos arregalados. — Nosso plano não está pronto, não está.
— O que vamos fazer, Lúcio? — minha mãe perguntou e eu notei o puro desespero em seu rosto. — Setembro é em dois meses!
— EU SEI, NARCISA, EU SEI! — ele gritou em resposta. — Eu preciso de mais tempo, preciso…
— Talvez aceitar que estamos na merda? — eu não aguentei e soltei. Meus pais me olharam surpresos. — Nós fizemos merda, escolhemos o lado errado nessa guerra. Talvez seja o momento de aceitarmos as consequências dos nossos atos e…
— E o quê? — meu pai me perguntou e ficou em pé. Pela sua linguagem corporal, eu sei que eu o havia irritado. — Ir para a cadeia? Deixar o nome da nossa família na lama? Perder nossos bens, propriedades? Você perder toda a sua juventude na prisão? Aceitar nossa ruína? É isso que você acha correto fazer?
— Não, pai, mas…
— ENTÃO NÃO FALE SOBRE CONSEQUÊNCIAS, DRACO! — ele gritou. — EU NÃO VOU VOLTAR PARA AZKABAN, OUVIU? EU NÃO VOU!
— Lúcio, por favor! — minha mãe gritou enquanto chorava, mas meu pai não ouviu.
— VOCÊ DEVERIA ESTAR ME AJUDANDO A RESOLVER ESTE PROBLEMA, DRACO! VOCÊ DEVERIA ESTAR TÃO DESESPERADO QUANTO EU PORQUE O FUTURO DESTA FAMÍLIA DEPENDE DE VOCÊ!
— O futuro depende de mim? — eu retruquei e também me levantei. — Que futuro sendo que foi VOCÊ que arruinou tudo? VOCÊ colocou a gente para seguir Voldemort! Eu entrei nessa merda porque VOCÊ falhou!
— Ora, garoto, não seja mentiroso — ele disse. — Você sempre quis ser um comensal!
— EU ERA UM IDIOTA, UM INGÊNUO — respondi. — Um moleque que seguia o pai para todo o lugar sem realmente entender o que estava acontecendo! Eu me espelhava em você e confiei que era o melhor.
— E ERA O MELHOR!
— CLARAMENTE NÃO ERA! — eu gritei. — Me explica, por favor, onde que torturar pessoas, acreditar em supremacia dos bruxos e ser cúmplice de assassinato era o melhor para nossa família? Nessa altura, pai, você precisa reconhecer que nós éramos os errados na história! E, além disso, você realmente acreditou que o Lord me quis comensal porque via potencial em mim? Ele queria que eu falhasse em matar o Dumbledore, queria que eu morresse tentando! ERA PRA PUNIR VOCÊ!
— Vá para o teu quarto agora e só saia de lá quando eu mandar! — ele gritou comigo e eu dei uma risada de escárnio, saindo da sala sem olhar para trás. Eu só consegui escutar minha mãe chorando arrasada.

Meu pai nunca iria admitir que havia errado, que tinha um coração tão ruim quanto todos os outros comensais, ou admitir que o Lord o havia enganado. Era um golpe muito grande em seu orgulho admitir todas essas coisas. Eu fui para o meu quarto e bati a porta com raiva, sentindo lágrimas subirem para os meus olhos e minha garganta queimar. Eu queria sair dali, correr, aparatar para um lugar longe, mas não podia. Estava preso dentro daquelas paredes. O choro veio como um trem descarrilhado e eu me vi sentado no chão esperando minha crise passar. Depois de longos minutos, eu consegui me acalmar, mas ainda sentia raiva e medo dentro de mim. Meu pensamento foi direto para e eu me percebi desejando que ela estivesse comigo, segurando minha mão e me ajudando a ficar calmo. Era egoísmo, eu sabia, mas queria sua presença. A vontade de escrever uma carta para ela apareceu, mas eu travei no mesmo momento. O que eu falaria? Será que faria bem a ela ou seria mais um episódio em que ela estaria bem e eu me manifestaria somente para acabar com tudo? Eu não podia arrastá-la para os meus problemas novamente. Para não pensar mais, acabei decidindo tentar dormir para não ter que lidar mais com isso. Acordei horas depois com minha mãe me chamando para almoçar.

— Draco, teu pai quer conversar com você no escritório — ela disse e eu bufei irritado enquanto levantava e arrumava minha roupa para poder descer.
— Eu não vou falar com ele — respondi.
— Não foi um pedido.

Eu a encarei e notei que — como sempre — ela apoiava meu pai em cada passo de seus planos, então aceitei resignado que não teria apoio nenhum nessa briga contra ele. Desci as escadas e rumei para o escritório, tentando imaginar qual seria o conteúdo da conversa. Contudo, meu pai me pedir desculpas definitivamente não iria acontecer. Dei algumas batidinhas e ele me mandou entrar. Quando abri a porta, notei meu pai sentado em sua mesa, com uma série de pergaminhos abertos. A lata de lixo estava lotada com papéis amassados e havia uma pilha de cartas do outro lado da mesa. Uma xícara de café estava lá também.

— Sente-se — papai mandou e eu obedeci, tentando deduzir o que iria acontecer. Ele terminou de escrever e levantou a cabeça, olhando-me seriamente. — A partir de agora, você vai ser mais participativo com esse assunto do julgamento.
— Pai…
— Calado! — ele mandou e eu, de novo, obedeci. — Você vai me ajudar a pensar na nossa defesa, vai me ajudar a impedir nossa desgraça. Não quero mais você ocioso nessa casa, pensando besteiras enquanto eu me mato para salvar nossa pele. Eu quero que você mande uma carta para aquela sua namoradinha da escola e a mande vir aqui.
— O quê? — eu perguntei perplexo. — Você não está falando da , está?
— Isso, essa mesma — ele respondeu como se não fosse nada. — Ela pode nos ajudar. Escreva uma carta cheia de sentimentalismo e traga ela aqui. Precisamos que ela fale em nosso favor.
— Eu não vou fazer isso — eu retruquei chocado. — Não vou trazer para esse buraco, não vou fazer isso.
— Sim, você vai — ele disse autoritário. — Ela pode ser uma peça fundamental para impedir que principalmente você vá para Azkaban, então você vai mandar uma carta. Seja doce, faça juras de amor, não me interessa. Contudo, ela precisa vir aqui para conversarmos.
— Pai, por favor — eu comecei a pedir. — Não me faça fazer isso, deixe de fora. Ela não merece estar nessa confusão, por favor. Eu ajudo com outras coisas, posso ficar o dia todo com você aqui, mas não me faça fazer isso.
— Draco, não me interessa — ele disse, de uma maneira incisiva. — Eu preciso que essa garota venha aqui. Prometa algo para ela, dinheiro, joia, algo que ela queira muito. Escreva a carta e me dê para que eu leia. Quero uma coruja saindo para a casa dela ainda hoje.
— Ela não vai vir — eu respondi e ele riu.
— Ela vai — ele disse, voltando a escrever. — Saia.

Eu saí daquela sala frustrado e foi muito difícil não bater a porta. Eu queria gritar, queria lutar, mas obedeci. Obedeci porque era isso que eu fazia, era isso que eu fui ensinado a fazer. Eu fechei os olhos por um segundo e caminhei até o jardim em busca de ar. O auror que estava lá me olhou assustado e apontou a varinha para dentro. Eu havia me esquecido completamente de que eles estavam ao redor. Suspirei e voltei para o interior da mansão, indo para a biblioteca e me jogando no sofá que havia lá. O choro veio novamente, mas eu segurei, tentando pensar em algo que me tirasse daquela situação. Ouvi passos e mamãe chamou meu nome.

— O que você quer? — eu perguntei, sem olhá-la.
— Ora, Draco, não seja infantil — ela retrucou. — Só vim te chamar para almoçar.
— Eu não quero comer — disse.
— Não pularemos nenhuma refeição — mamãe disse. — Esteja na sala de jantar em cinco minutos.
— Vocês dois se merecem mesmo — eu soltei, mas me arrependi no mesmo segundo. — Droga, não deveria ter falado isso.
— Você pode ficar bravo comigo o quanto quiser, filho — ela respondeu. — Mas eu não vou me opor a nenhum plano para salvar você, nem mesmo um que envolva usar .
— Pelo amor de Deus, mãe, você está se ouvindo? — eu respondi e me levantei, encarando seus olhos que, para a minha revolta, estavam calmos. — Vocês querem usar a ? Uma pessoa que não tem nada a ver?
— Você é nosso filho, Draco, não ela — mamãe respondeu. — Faremos de tudo para te livrar da prisão. Quer você gostando ou não, família é prioridade.
— Vocês tinham que ter pensado nisso antes! — eu argumentei. — E não, família não é prioridade quando age errado, quando passa por cima dos outros, quando sacrifica os outros!
— Draco, não seja burro — minha mãe disse. — No final do dia, não importam nossas histórias individuais, mas sim o nome Malfoy. Gerações de Malfoy viveram e morreram, mas o sobrenome, esse sim permaneceu. É isso que você tem que pensar.
— Eu estou cansado dessa visão deturpada e problemática que vocês possuem sobre família — eu confessei e nem percebi quando comecei a chorar. — Estamos nessa situação por conta dessa visão e vocês não cogitam nenhum pouco mudar a estratégia de vocês.
— Você continua sendo um garoto, Draco — minha mãe respondeu. — Eu não quero mais ouvir uma reclamação sobre este assunto. Escreva logo a carta para a antes que fique tarde para a coruja sair. E venha almoçar!

Mamãe saiu da biblioteca e eu queria gritar de raiva, mas me contive. Precisei respirar fundo algumas vezes para não explodir de novo. Era aquilo. Enquanto eu vivesse ali e estivesse enterrado com merda até o pescoço, eu seguiria as ordens dos meus pais. Convoquei um elfo doméstico e pedi para que a minha refeição fosse servida na biblioteca e me preparei para escrever a carta para , torcendo internamente para que ela não viesse. Quando entreguei a carta ao meu pai, ele leu e, com um sorriso de escárnio, disse:

— Eu quase posso acreditar que você amou verdadeiramente esta garota, quase me fez chorar.


’s POV

Já era a quarta ou quinta vez que eu visitava o Ministério da Magia, mas eu nunca me acostumava. Meus pais estavam me acompanhando, pois em cada visita eu me sentia totalmente sem forças depois. Kingsley havia me convocado para ser uma testemunha de acusação no julgamento dos comensais já capturados e naquele momento eu estava sendo conduzida por várias entrevistas para que eles pudessem entender tudo o que havia acontecido dentro do castelo e durante a batalha em Hogwarts. O elevador me levou até o nível dois do ministério e eu já segui pelos corredores, pronta para encontrar uma das bruxas do Departamento da Execução das Leis da Magia, Anna Jones. Ela era uma bruxa alta, seus cabelos cacheados estavam sempre cobertos por turbantes coloridos e ela tinha um sorriso acolhedor. Era ela — e seu gravador mágico — que tomava todo o meu depoimento que já ultrapassava horas e horas. Assim que chegamos em frente ao escritório da senhorita Jones, meus pais se sentaram do lado de fora para esperar e eu entrei.

— Bom dia, senhorita Jones — eu disse, dando um sorriso. — Como você está?
— Bom dia, senhorita — ela respondeu e apertou minha mão. — Esperançosa de que hoje seja o último dia e eu possa finalmente liberar você.
— Também espero por isso — eu disse e dei um sorriso. — Você acha que com a gravação, eu posso ficar isenta de aparecer no tribunal?
— Infelizmente, não, — ela disse, com um sorriso triste. — Eles podem questionar a veracidade das fitas, podem nos acusar de ter usado a Imperius em você.
— Tudo bem — eu menti. — Não custava tentar, não é?
— Nós estamos acabando, querida — ela respondeu, me dando um pequeno sorriso acolhedor. — Hoje falaremos sobre a guerra bruxa.
— Certo, por onde eu começo? — eu perguntei.

Depois de quase duas horas e um chá depois, eu me sentia exausta. Eu estava perto de terminar meu relato, mas já me sentia completamente drenada. Falar sobre tudo o que eu havia vivido era como voltar no tempo e reviver cada segundo. Se eu me esforçasse, eu conseguia sentir o chão de Hogwarts tremer debaixo dos meus pés e conseguia escutar os feitiços rasgando o ar. Ana deu um suspiro e perguntou:

— Você se lembra dos comensais que tentaram te assaltar sexualmente?
— Eu sei onde eu os deixei — respondi. — Para me defender, eu ataquei alguns Visgos do Diabo e eles foram capturados pela planta. Eu não sei se eles sobreviveram, eu só corri.
— Nós encontramos dois comensais nas estufas, — ela disse. — Eles estão vivos e vão ser julgados pelos crimes que cometeram.
— Por favor, eu cedo uma memória minha sobre este dia, mas não me obriguem a participar do julgamento deles — eu disse e, quando percebi, o choro de pânico estava em minha garganta. — Eu permito até a Veritaserum, mas eu não quero estar lá! Por favor, senhora Jones, por favor!
— Eu vou fazer o possível para que você não precise ir — ela me tranquilizou e segurou em minha mão. — Eu entendo o teu desespero, mas você sobreviveu. Você está aqui.
— Podemos dar uma pausa? — eu pedi, com a voz embargada.
— Claro, querida.

A gravação parou e eu saí daquela sala minúscula, tentando buscar algum ar, mas sem conseguir respirar naquele subsolo. Minha visão embaçou e eu corri para o banheiro do corredor, escutando pessoas chamarem meu nome. Eu não conseguia respirar, meu estômago doía e eu sentia que iria vomitar a qualquer momento. Uma crise de pânico se instalou em meu peito e assim que eu entrei no banheiro, Aleto estava parada com um sorriso macabro em frente à pia. Eu gritei de desespero e me encolhi, caindo no chão. O ar não vinha, as lágrimas me cegaram e eu senti que iria morrer.

? Filha, por favor, respira fundo!
— Ela tá aqui, Aleto está aqui — eu disse, de olhos fechados, enquanto meu corpo inteiro tremia.
— Filha, ela não está — meu pai disse e apertou minha mão. — Confia em mim, ela não está aqui. Só temos nós dois aqui, confia em mim.

Eu não sei quanto tempo eu fiquei ali, deitada no chão gelado do banheiro em posição fetal, esperando que o pânico fosse embora. Minhas batidas do coração foram se regulando e eu consegui abrir os olhos. Meu pai estava sentado ao meu lado e tinha lágrimas molhando seu rosto. Escutei passos e a senhora Jones entrou no banheiro. Ela parecia assustada.

— Eu sei que é importante, mas não faça mais isso com ela, por favor.

Papai conseguiu me trazer de volta para a casa e, ao conversar com Kingsley, eu pude dar uma pausa no meu depoimento, pois não estava mais aguentando reviver tudo o que havia acontecido. Acabei dormindo todo o resto do dia e não notei o pergaminho em cima da minha mesa. Quando acordei no dia seguinte e fui para a sala tomar café da manhã, Prince me avisou que uma coruja havia chegado para mim no dia anterior. Decidi que daria atenção àquilo em outro momento. Minha mãe apareceu logo depois e deu um suspiro antes de dizer:

— Filha, eu e papai estávamos conversando e achamos melhor você conversar com alguém do St. Mungus.
— Achamos que talvez você precise de algum curandeiro para te ajudar — papai completou e eu assenti.
— Eu concordo com vocês — respondi. — Acho que preciso de ajuda. Eu não estou bem.
— Nós pensamos em interceder para que eles utilizem uma penseira, talvez te ajude — minha mãe disse, com uma ponta de esperança em sua voz. — Você acha que te ajudaria, querida?
— Eu não sei, mamãe — respondi e de repente eu me senti cansada novamente. — Podemos conversar sobre isso em outro momento?
— Claro, com certeza.

O assunto foi finalizado e eu pude me alimentar em silêncio, aproveitando o resto do meu chá. Por mais que a guerra tivesse acabado e eu já estivesse longe de Hogwarts, eu ainda me sentia ansiosa como se estivesse escondida na Sala Precisa. Não parecia que tinha terminado e eu continuava em alerta, esperando pelo pior. Meu peito continuava sem ar e parecia ter diminuído, impedindo meu coração de bater direito. Voltei para o meu quarto e quando estava prestes a me deitar para dormir de novo, eu me lembrei do pergaminho. Assim que eu segurei o papel fino em minha mão, eu notei o brasão dos Malfoy no selo. Meu corpo voltou a tremer e eu me vi travada, sem saber se deveria abrir ou não. A curiosidade venceu e eu rompi o selo, já sentindo um suspiro escapar de meus lábios quando eu comecei a leitura.

,
Preciso ser sincero com você. Ser honesto como raras vezes eu fui em nossa história. Eu demorei muito para escrever esta carta, minha moral e meu coração brigaram feio porque eu sei que o que estou fazendo não é correto, eu deveria te deixar em paz de vez. Contudo, eu já prometi tanto isso e descumpri tantas vezes que não me importei de quebrar mais uma.
Como você está? Desde que a prisão domiciliar começou, eu só penso nisso. Só consegui pensar em como você está lidando com as consequências de tudo, sei que não deve estar sendo fácil para você.
Eu estou bem, se é que dá para dizer isso. Estamos presos em casa e minha mãe tem se esforçado para que esta mansão volte a ser um lar, mas os aurores estão rondando a propriedade e não podemos sair.
O julgamento está chegando e o nervosismo tem aumentado. Como eu não sei o que vai acontecer, eu gostaria de te pedir uma última coisa. Saber que talvez eu fique o resto da vida sem ver teu rosto tem me feito surtar.
Então venha aqui me ver. Uma última vez antes de Azkaban, antes do julgamento, antes de eu sofrer as consequências da minha escolha. Eu sei que eu não deveria te pedir isso, mas provavelmente eu serei preso, então não me custa tentar.
Eu não deixei de te amar por nenhum segundo e sou imensamente grato pelo tempo que tivemos. Confesso que às vezes, quando o desespero bate, eu quase desejo as coisas ruins de volta para que as boas venham junto.
Venha antes do julgamento, estarei te esperando.
Com amor (e esperança),
Draco.


Meus olhos se encheram de lágrimas e a realidade me atingiu em cheio como um trem desgovernado. Draco poderia ser preso. Eu não tinha noção de quanto tempo ele iria ficar em Azkaban caso fosse condenado (como de fato ele seria). E se eu nunca mais o visse? O que iria acontecer? Se eu fosse encontrar Draco, todo o meu depoimento seria considerado mentiroso? Eu não sabia muito o que fazer, então fiz a única coisa que eu estava fazendo naqueles tempos: chorar.

Uma semana depois da carta de Malfoy e eu estava parada pela primeira vez encarando a mansão que havia se manifestado em meus sonhos tantas e tantas vezes. Eu havia feito um feitiço de confusão desde o momento em que havia aparatado em uma das ruelas ao redor do casarão e agora encarava os portões de metal escuro e os grandiosos muros de sebe que circulavam a propriedade. A fachada escura com a tinta já manchada pelas chuvas contrastava com o céu azul daquele verão. Eu sentia o suor descer pelas minhas costas na camiseta cinza que eu usava e meus pés esquentarem dentro dos coturnos, mas eu me sentia pronta para qualquer coisa. Tirei o pergaminho de visita da minha bolsa — havia conversado com Ana e Kingsley para ver se eu podia visitar Draco e eles autorizaram, alegando que minha visita poderia contribuir para mais detalhes sobre o meu depoimento, afinal, eu fiquei quase um mês desacordada. Eu suspirei e retirei o feitiço da confusão, escutando uma sirene alta soar. No mesmo segundo, quatro aurores aparataram em minha frente e eu levantei as mãos, mostrando que não era perigosa.

— O que faz aqui? Quem é você? — um deles perguntou.
— Meu nome é , vim fazer uma visita aos acusados, permitida pelo Ministério — respondi. — Aqui, o pergaminho com a autorização.

O que parecia o líder deles leu o pergaminho e passou para os outros. Todos eles me olhavam com certa curiosidade, talvez tentando entender o que uma adolescente fazia naquele lugar ou o que ela queria com aquela família tão maldita.

— Ficaremos com a tua varinha — o líder respondeu e eu assenti, entregando minha varinha para ele. — Você não vai conseguir aparatar, ouviu?
— Sim, senhor — eu respondi e finalmente eles me deixaram passar. Eu suspirei e voltei a andar, finalmente caminhando em direção à porta da mansão.

Quando eu estava chegando perto, a porta se abriu e Draco apareceu. Fazia muito tempo que eu não o via e foi difícil frear meu coração em acelerar. Ele usava roupas simples que eu nunca tinha visto o garoto usando: uma calça jeans, camiseta e um tênis. Os cabelos louros de Draco estavam maiores, quase chegando no final do pescoço. Malfoy nem esperou eu chegar perto da escadaria, mas gritou meu nome e desceu correndo, me abraçando apertado sem se importar com os aurores que voltavam às suas posições. Seus braços envolveram minha cintura e eu senti seu cheiro depois de muito tempo e ainda continuava o mesmo. Passei meus braços pela sua nuca e suspirei, sentindo todo o seu corpo colado ao meu, seu coração batendo acelerado perto do meu peito e sua respiração que estava ofegante. Era Draco quem estava ali. Ele se separou de mim por um segundo para olhar meu rosto e eu notei felicidade genuína em seu olhar. Draco sorriu e beijou minha bochecha com carinho, voltando a me abraçar por mais alguns segundos. Eu estranhei aquele contato caloroso, afinal, estávamos em sua casa, mas Draco parecia não se importar.

— Vem, vamos entrar, está muito quente aqui — ele disse e pegou em minha mão, arrastando-me para dentro.

No segundo que eu passei pelas portas da mansão, eu me senti minúscula. O pé-direito era imenso, devia ter quase uns cinco metros ali e as paredes eram todas escuras. Diversos quadros de diferentes Malfoys estavam me olhando enquanto eu esquadrinhava aquela mansão com o olhar. Aquele lugar era enorme e parecia ter sido feito para que você se sentisse pequeno. O corredor da entrada possuía várias portas diversas e eu nem conseguia imaginar onde cada uma delas iria dar. Analisando o tamanho daquela casa, eu só conseguia pensar que devia ter sido solitário e frio crescer num lugar daquele tamanho. As janelas estavam abertas e o chão de pedra gelado dava à casa uma atmosfera fresca.

— Você quer tomar alguma coisa? Um suco? Um chá gelado? Água? — Draco perguntou, enquanto tirava minha bolsa do meu ombro e pendurava em um dos ganchos da entrada. Eu ainda me sentia meio anestesiada pela presença do garoto que parecia uma borboleta ao meu redor, indo de um lado para o outro.
— Eu estou bem, Draco — respondi e me deixei guiar em direção às escadas. Draco parecia um garotinho feliz com a primeira visita à sua casa depois das férias. Não havia sinal nenhum de seus pais no trajeto que fizemos. Quando chegamos ao primeiro andar, Malfoy abriu uma porta logo perto da escada e eu suspirei, reconhecendo o papel de parede de dragão e a cama com o dossel de madeira escura. Era o mesmo quarto que aparecia na Sala Precisa, mas daquela vez era o original. Tanto as cortinas quanto a roupa de cama e até mesmo o estofado das poltronas e cadeira eram em verde escuro, a cor da Sonserina. Draco parou no meio do quarto e me olhou com ternura, contudo suas palavras me chocaram:

— Eu estava contando com que você não viesse.
— O quê? Como assim? — eu perguntei confusa e ele se aproximou, sussurrando:
, eu fui obrigado pelo meu pai, ele quer conversar com você depois — ele explicou e eu me surpreendi.
— Não foi você que escreveu a carta? — eu perguntei um pouco atônita e comecei a me sentir enganada.
— Foi, mas meu pai mandou — ele explicou e eu notei decepção em seu rosto. — Eu sinto muito, .
— Você tem dez segundos para explicar direito antes que eu vá embora — eu declarei e o olhei com seriedade.
— Meu pai quer te convencer a depor a favor de mim no julgamento — Draco explicou. — Mas eu não quero isso, não quero você envolvida em nada.

Eu não consegui responder nada e de repente senti até fraqueza em minhas pernas. Caminhei até uma poltrona que estava perto da porta e me sentei, tentando assimilar a situação em que eu havia me metido. Decepção e raiva brotaram em meu peito e eu encarei Draco.

— Eu me arrisquei vindo aqui, tive que praticamente implorar para Kingsley e os outros — comecei a dizer. — Porque pensei que você… Que você não estava bem e era tudo um plano do teu pai para que eu fosse mais uma peça de vocês? Então tudo aquilo na carta era mentira?
— Não, por favor, claro que não! — Draco disse e veio até mim, ajoelhando em minha frente e tentando segurar em minha mão. — Desde a batalha de Hogwarts, eu só consigo pensar em você. Durmo e acordo pensando se você está bem, fico com medo de que nunca mais eu vou te ver… Eu falei a verdade, por favor, acredita em mim.
— Mas o motivo verdadeiro pelo qual você me chamou aqui — eu disse e senti meus olhos arderem. — É que teu pai quer me usar para tirar você da cadeia.
— Eu sinto muito, eu me sinto um merda por não ter conseguido falar não — Draco revelou e se sentou em minha frente.
— Você é um merda, Draco — eu afirmei. — Você nunca esteve tão certo.
— Eu… Eu sinto muito — Draco repetiu e eu notei que o garoto olhava para o chão, sem coragem para me encarar. — Eu não concordo com isso, não quero você me ajudando, então, por favor, recuse. Meu pai não pode te forçar a depor.
— Eu sei disso, Draco! — eu respondi e o conflito dentro de mim já estava instaurado. — Mas você acha que é fácil assim?
— O quê? — ele perguntou confuso e me olhou com o olhar mais dolorido.
— Você acha que eu não já me perguntei isso? Se eu deveria te ajudar? — eu revelei. — Eu só consigo pensar nisso! Você me ajudou, me fez sobreviver a toda aquela merda! Você acha que eu não pensei em ser uma testemunha de defesa para você? Só que, se eu fizer isso, todos os meus testemunhos de acusação para os outros comensais podem ser anulados!
— Então não me defenda — Draco disse e eu fui mais uma vez surpreendida. — Não faça isso. Eu não mereço nada de bom de ninguém, não mereço misericórdia. Eu sei tudo o que eu fiz de errado, o que a minha família fez de errado e estou disposto a pagar por tudo.
— Então o que eu estou fazendo aqui? — eu perguntei.
— Meu pai não concorda comigo — ele explicou. — Ele está desesperado, não quer voltar para Azkaban de jeito nenhum. Pela primeira vez, eu acho que os Malfoy não vão se safar de um crime.
— Você acha isso mesmo? — eu perguntei. — E você tem noção do que pode te acontecer?
— Sim.
— E está em paz com isso?
— Pela primeira vez desde que toda essa merda começou — Draco confessou e suspirou, deitando no chão e fechando os olhos. — , eu sou um navio afundando enquanto pega fogo, não tenho salvação, não quero ver você tentar recuperar meus escombros.

Nós ficamos em silêncio e notei Draco de olhos fechados. Observei seu quarto e me lembrei de todas as vezes que eu desejei estar ali com ele curtindo os feriados e férias, vivendo um namoro adolescente e tranquilo. Nunca conseguimos. Uma vontade de chorar absurda se apossou de mim e eu tentei segurar, mas o nó já estava formado em minha garganta. Novamente, eu me debati com o dilema do que eu deveria fazer e do que eu queria fazer. Eu conhecia Draco e seu coração, eu sabia que há muito tempo ele não queria mais ser comensal e se odiou por tudo o que fizera. Ele havia se arriscado para me salvar, havia ficado comigo até o final da guerra bruxa e quando eu fiquei em coma, ele me protegeu. Havia feito tudo aquilo por mim. Contudo, ainda assim, Draco havia feito coisas ruins e precisava quitar seu débito com a sociedade.
?
— Hum?
— Eu sei que eu disse que queria que você não tivesse vindo — ele começou e se sentou para me olhar. — Mas estou feliz de te ver possivelmente uma última vez.
— Eu também estou, Draco — respondi e dei um sorriso, estendendo a mão para que ele pudesse segurar. — Também me perguntei muito como você estava, se estava bem.
— Bom, tirando toda a situação com a magia, eu estou bem — ele respondeu. — Estou lendo mais livros agora do que durante a minha vida inteira. E você?
— Eu não estou bem. — Fui sincera e ele ficou preocupado. — Meus pais vão me levar para o St. Mungus na próxima semana. Tive uma crise de pânico no Ministério que os assustou.
— Você ainda vê os Carrow? — ele perguntou sério e eu assenti. — Eu sinto muito.
— Eu continuo tendo pesadelos, vendo os Carrow de relance em lugares — respondi. — E tenho crises de ansiedade constantes, ainda mais agora que todo o meu testemunho tem sido coletado pela Suprema Corte dos Bruxos. A bruxa que tem me entrevistado é muito gentil, mas isso tem me sugado todas as forças. Eu não aguento mais reviver esse assunto e não estou nem perto de terminar.
— Podemos não falar disso, se você quiser — ele sugeriu e sorriu. — Quer jogar xadrez de bruxo?

Eu não pude responder, já que a porta se abriu e Lúcio Malfoy entrou sem pedir permissão. Mesmo preso e em decadência, sua arrogância não ia embora e, antes de sequer me cumprimentar, o bruxo me olhou de cima a baixo, torcendo o nariz para as minhas roupas. Narcisa entrou logo depois e também me mediu, mas teve a decência de suprimir a careta de desaprovação. Draco se levantou do chão e automaticamente eu notei nervosismo em sua linguagem corporal.

— Senhorita — Lúcio disse, com uma falsa cortesia na voz, estendendo a mão para me cumprimentar. — Que bom que veio!
— Oi, senhor Malfoy — eu respondi e apertei sua mão. — Sim, Draco me chamou e eu vim.
— Ora, ele não parou de falar de você um segundo — ele disse, dando um breve sorriso. — Eu disse a ele para te chamar para uma visita com a certeza de que faria bem a vocês dois.
— Ah, sim — eu respondi e olhei Draco, que mantinha uma expressão séria. Lúcio não sabia que eu já tinha conhecimento de seu plano e, pelo olhar de Draco, eu não podia falar nada. — É bom rever os amigos nas férias.
— Você irá voltar para Hogwarts em setembro? — Narcisa perguntou e ela parecia, de fato, interessada.
— Ainda não sei — respondi, com franqueza. — Não me sinto pronta ainda e não sei muito o que o futuro me reserva.
— Ah, sim, você é nova — ela disse e deu um micro sorriso. — É bom manter as opções abertas.
— Bom, está um dia quente. Viemos chamar vocês para nos refrescarmos no nosso solarium, o que acha? — o pai de Draco me convidou e foi difícil não esconder minha expressão de surpresa.
precisa ir embora, pai — Draco disse rápido demais e veio para perto de mim. — Ela tem compromisso.
— Ora, garanto que um copo de chá gelado ela consegue tomar antes de ir — Lúcio argumentou e encerrou o assunto. — Esperamos vocês dois lá embaixo.

O casal saiu do quarto e Draco suspirou frustrado. Eu ainda estava surpresa por toda a falsa cordialidade, mas encarei Malfoy e disse:

— Bom, vamos lá.
, você não precisa — Draco tentou.
— Draco, eu não sei se eu tenho a possibilidade de recusar.

Nós descemos as escadas e Draco me guiou pelas portas e corredores até chegarmos a um poderoso solarium na lateral da casa. Havia muitas plantas diferentes — mágicas e não mágicas — e uma poderosa mesa estava montada bem no meio. Draco puxou uma cadeira para mim e eu me sentei, já sentindo a infernal ansiedade chegar e colocar as mãos em meus ombros. Narcisa serviu o chá gelado e uma torre de sobremesas estava na mesa, repleta de biscoitos coloridos. Tudo parecia impecavelmente limpo e eu entendi que eles ainda tinham os elfos domésticos.

— Draco, esse lugar é lindo — eu comentei e beberiquei meu chá, sentindo o frescor e o gosto de limão. — E o chá está muito bom.
— Obrigada, — Narcisa agradeceu, como se tivesse sido ela quem tivesse feito a bebida.
— Como você está, ? — Lúcio perguntou e o desconforto aumentou ainda mais. — Como tem passado estes dias?
— Muito bem — eu menti. — Curtindo bastante meus pais e meus amigos que eu não via há muito tempo.
— Ah, sim, é bom se cercar da família — ele respondeu, com um sorriso falso. — Tenho certeza de que, assim como eu, você valoriza a família.
— Sim, ela valoriza — Draco respondeu por mim. — Por isso ela precisa voltar para a casa dela o mais rápido possível.
— Ora, Draco, nos deixe conversar com ela — Narcisa repreendeu o filho e deu um sorriso. — Nunca tivemos a oportunidade de conhecer direito e vocês namoraram sério por quanto tempo? Seis meses?
— Mais de um ano, senhora Malfoy — eu a corrigi de maneira séria e ela engoliu em seco. De repente, toda aquela cena fajuta me incomodou e eu tomei um grande gole de chá antes de dizer. — Parem com isso. Chega desse teatrinho de sogros preocupados e atenciosos. Vocês nunca foram isso e não vão ser agora.
— Draco tentou me chamar, mas eu o cortei.
— Eu sei o que vocês querem — eu disse. — Querem que eu ajude vocês de alguma maneira, não me tratariam bem se não precisassem de mim. Eu sei quem vocês são. Eu não vou ajudar ninguém em nada. Vocês três precisam sofrer as consequências das escolhas que fizeram quando apoiaram Voldemort.
— Não fale o nome do mestre assim! — Lúcio me repreendeu e eu me levantei daquela mesa
— Eu falo como eu quiser! — eu disse. — Sabe por quê? Porque aquele crápula está morto! Harry acabou com ele e com toda a corja de vocês! Vocês não podem viver se achando OS INJUSTIÇADOS! Vocês mataram e torturaram pessoas! Foram coniventes com toda a situação! Acordem!
— Saia já da minha casa, traidora do sangue — Lúcio disse e eu dei risada antes de pegar o copo de chá, dar mais um gole e levantar como se estivesse fazendo um brinde.
— Eu espero que você apodreça em Azkaban, Lúcio — eu respondi e joguei o copo no chão antes de marchar para o lado de fora.

Eu saí andando de maneira desgovernada e escutei passos atrás de mim. Era Draco quem chamava meu nome e pedia para eu me acalmar. O garoto finalmente me alcançou e segurou meu braço, me obrigando a parar.

— O que você quer? — eu perguntei, de maneira ríspida, encarando o garoto.
— Por favor, se acalme — ele pediu e segurou minha mão. — Eu sinto muito por tudo isso, .
— EU NÃO AGUENTO MAIS VOCÊ FALANDO ISSO, POR MERLIM! — eu gritei e me soltei de sua mão. — Foi um erro eu ter vindo aqui.
— Eu sei, eu sei — ele disse um tanto desesperado. — Vou te levar até a saída, você não conhece a mansão.

n/a: Coloque essa música para tocar.


I was wrong to say I loved her (Eu estava errado em dizer que eu a amava)
I was wrong to think I'm right (Estava errado em pensar que estava certo
When I told her it was over (Quando eu disse para ela que acabou)
Well my darling I had lied (Bem minha querida, eu tinha mentido)


Nós seguimos em silêncio até a saída e finalmente eu avistei o hall de entrada, sentindo alívio por finalmente estar partindo. Eu estava completamente arrependida da minha decisão e só conseguia pensar em voltar para a casa, para os meus pais e para o espaço seguro. Meus olhos arderam e eu comecei a chorar, me dando conta de que talvez meu último contato com Draco tinha virado aquele teatro do horror. Draco me puxou para um abraço e eu pude sentir seu coração batendo acelerado. Eu o abracei de volta e me permiti chorar. Quando levantei meu rosto, meus olhos vermelhos estavam espelhados no rosto do garoto. Malfoy limpou uma lágrima minha e beijou meus olhos com gentileza. Seu carinho se estendeu para a ponta do meu nariz e bochechas até que ele depositou um beijo singelo em meus lábios. Nós nos olhamos e Draco encarou meus lábios por um segundo antes de me beijar.

Durante a batalha de Hogwarts, eu tive a sensação de que nada estava seguro e eu não sabia se nós sairíamos vivos daquela situação. Contudo, lá estávamos nós, nos beijando no hall de entrada da mansão Malfoy. Eu estava tão envolvida com as consequências da guerra que não havia prestado atenção em como meus sentimentos por Draco continuavam os mesmos, porém em seus lábios eu me dei conta e me entreguei àquele momento como nunca antes. Eu segurei em sua nuca e correspondi seu beijo, sentindo as mãos de Draco segurando meu rosto enquanto me beijava com desejo e ao mesmo tempo delicadeza. Sua língua invadiu minha boca e eu permiti, sentindo meu corpo esquentar e um nó iniciar em meu ventre. Malfoy colou seu corpo ainda mais no meu e me guiou até uma parede, encostando minhas costas no mármore frio e atacando meu pescoço com beijos e lambidas. Eu tinha os olhos fechados e minhas mãos em suas costas, absorvendo seus toques. Draco voltou a me beijar e eu pressionei meu quadril no dele, roçando levemente, fazendo o ar sair de nossas gargantas. Antes que as coisas esquentassem ainda mais, eu finalizei nosso beijo e encostei nossas testas, entrelaçando nossos dedos.

— Eu precisava disso — Draco disse. — Precisava te beijar antes de qualquer coisa. Fazia tanto tempo.
— Eu também — respondi baixo.
— Eu sei — Draco disse e me encarou. Em seu olhar eu via tristeza. — Eu só queria te dizer que eu continuo amando você.
— Você está se despedindo de mim — eu disse e ele assentiu. — Mais uma despedida para o nosso número incontável.
— Sim — ele afirmou e segurou meu rosto. — Olha pra mim — eu obedeci. — Eu quero que você viva, entendeu? Eu não quero você presa no passado. Procure ajuda, viaje para longe, viva com os trouxas se precisar, mas eu quero você vivendo. Aproveite que Você-Sabe-Quem foi derrotado e vá viver. Você promete pra mim que vai fazer isso?
— Eu prometo — eu respondi.
— Eu acho que irei ser preso — ele disse. — E eu não quero te prejudicar com a minha desgraça. Você merece ter uma vida sem julgamento das pessoas.
— Eu não me importo com o que as pessoas vão falar de mim, Draco — eu argumentei, mas isso não pareceu surtir efeito na postura decidida dele.
— Não me espere, entendeu? — Draco pediu e eu notei seus olhos cheios de lágrimas. — Não venha atrás de mim.
— Para com isso!
, por favor, me escuta — ele pediu e começou a chorar. — Não me espere. Se apaixone, viva coisas diferentes, vire uma auror, uma curandeira, case, tenha filhos… não pare a vida para me esperar ou para ficar me acompanhando.
— Eu não sei o que falar — eu respondi e também chorava.
— Prometa — ele me pediu, quase como se fosse uma ordem. — Prometa.
— Está bem, está, eu prometo — eu respondi e ele parecia aliviado. — Eu…
— Eu sei, amor — Draco disse e se afastou. — Eu sei.

Quando eu cheguei em casa mais tarde naquele dia, meus pais perguntaram como havia sido e se eu estava bem. Eu não consegui responder, somente afirmei e fui para o meu quarto, tentando entender o que havia acontecido. Draco, o ser humano mais egoísta que eu havia acontecido, se mostrou altruísta e me fez prometer que eu seria livre. Naquela noite, eu chorei como nunca havia chorado. Coloquei todo o luto para fora e finalmente entendi que Draco havia sepultado de vez nossa história juntos e ele não estava errado. Os momentos bons jamais seriam roubados de nós, mas no futuro — para o meu bem — nada se repetiria. No dia seguinte, eu acordei e deixei todo o meu passado para trás. Eu iria viver e esquecer Draco. Meu futuro se abria para mim e depois de muito tempo era algo bom. E nada me tiraria isso, nem mesmo Draco.


But how am I supposed to love you (Mas como eu deveria amar você)
When I don't love who I am? (Quando eu não amo quem eu sou?)
And how can I give you all of me (Como posso te dar tudo de mim)
When I'm only half a man? (Quando eu sou apenas meio homem?)
'Cause I'm a sinking ship that's burning (Porque eu sou um navio naufragado que está queimando)
So, let go of my hand (Então, solte minha mão)
Oh, how can I give you all of me (E como posso lhe dar tudo de mim)
When I'm only half a man (Quando eu sou apenas meio homem?)


Continua...



Nota da autora: Oii, pessoal! Estou escrevendo a minha penúltima nota da autora. Finalmente A Hopeless Place está chegando ao fim e terminaremos esta história no capítulo 40. Eu gostaria muito de ter enviado os dois capítulos finais juntos para completarmos essa saga de mais de dez anos, porém a fanfic saiu do ar, então eu achei melhor enviar o 39 novo para não ficarmos sem a história online. Eu espero que vocês tenham gostado deste que é o último capítulo que se passa em 1998 (olha o spoiler).
Obrigada pela paciência e por ainda estarem aqui depois de 13 anos acompanhando o Draco e a Serena <3
Beijos e até a próxima!






Outras Fanfics:
A Hopeless Place (Harry Potter/Finalizadas)
Heart On Fire (Outros/Finalizadas)
0.3 U.N.I (Ficstape Ed Sheeran - +/Finalizada)
0.7 I Refuse (Ficstape Simple Plan - Taking One for the Team/Finalizada)


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