All Of Me

Última atualização: 03/08/2018

Capítulo Único

2014

O tempo parecia não existir nos poucos instantes que ele passou admirando a obra de arte à sua frente, era como ter a epifania de que era um passageiro em um trem que passou pelos lugares mais bonitos do mundo e só percebeu quando ele parou na linha de chegada. Ele não observou os detalhes da viagem, não viu as lindas paisagens e quando pensou em apreciar tudo, era tarde demais.
observava do lado de fora , a cafeteria parecia quente e aconchegante em vista do frio que estava do lado de fora. Até chegar ali, ele estava certo do que e como faria, mas vê-la era como uma nevasca que congelava cada centímetro de pele, cada nervo, cada pensamento. Ele sabia, no entanto, que ela também fora quem um dia o salvara do frio…

2013

e caminhavam um do lado do outro pelas ruas geladas de Seul, já era tarde e o inverno cruel castigava as poucas pessoas que também andavam por ali. Porém, aquele clima era perfeito para e , sabia todos os seus motivos e preferências.
– Se eu morrer de frio a culpa é toda sua, oppa – reclamou, tentando aquecer as mãos nos bolsos do casaco pesado que usava.
Ainda assim, ela sentia que poderia congelar a qualquer momento.
– Vai dizer que não valeu a pena sairmos para comer juntos? – Tentou fazer charme com a mais nova, sorrindo quando ela lhe mostrou as covinhas no alto das bochechas.
– A comida valeu a pena, mas o frio está me fazendo esquecer qualquer pensamento positivo. – Ela estremeceu, praticamente sonhava com as cobertas quentes da sua cama.
– Mas e a minha presença? Não conta? – parou de andar e a garota fez o mesmo em seguida, sentindo a brisa cortante ajudar com a coloração do seu rosto, que já estava vermelho.
não estava acostumada com esse tipo de atenção vindo de , mas no fundo sabia que se fosse qualquer outro ela não sairia do conforto de seu quarto e muito menos se esforçaria tanto para acompanhar o ritmo dele. Ela queria estar ali por e para ele, portanto, era coisa de outro mundo para a garota quando ele fazia perguntas como aquela, mesmo que ela soubesse que seu objetivo era uma massagem no ego. Talvez não fosse algo extraordinário, certo?
– A sua presença, Mr. , é o principal motivo pelo qual saí de casa esta noite. Me respeita – respondeu, tentando soar bem humorada depois de passar alguns instantes encarando os olhos escuros dele.
, diferente dela, estava branco como papel, escondido pela touca e cachecol, tão grosso que ela mal pode vislumbrar o sorriso dele, mas perdeu o fôlego quando ele estendeu sua mão em direção a ela. perdeu mais alguns segundos encarando-o sem reação alguma, até que ele tirou o cachecol da frente de sua boca para que ela o ouvisse com clareza.
– A minha mão tá congelando e vai virar gelo se você não me der a sua – disse em um tom irritantemente persuasivo e ela, ainda hesitante, tirou a mão com a luva térmica do bolso e entrelaçou seus dedos aos dele.
– Você é impossível – sussurrou, o puxando para que andassem rápido.
– Que pressa é essa, jagi? – Ele riu, segurando firme a mão dela.
Coitado, mal sabia que ela não tinha intenção nenhuma de soltá-lo, mesmo ele sendo um projeto de criatura cruel e lindo ao mesmo tempo. , na verdade, queria arrumar um jeito de extravasar toda aquela energia que impregnou nela em um piscar de olhos.
Os dois caminharam colados um no outro, conversando e rindo. Era como se o assunto entre eles não tivesse fim e pudessem passar a noite fazendo aquilo, mas algo chamou a atenção de em uma das lojas de conveniência e percebeu.
A bendita máquina de pegar ursinhos.
– Você só pode estar de brincadeira. – Olhou para ela como se a acusasse de um crime gravíssimo e ela deu de ombros, olhando para frente e fingindo que não era com ela, mas ele a segurou.
Se olharam por um instante e ele sabia exatamente o que fazer.
, … – Ela riu, cruzando os braços quando ele andou até a máquina e colocou uma nota. – Não me responsabilizo pela sua futura vergonha.
– Você nunca se responsabilizou – ironizou e ela lhe deu um tapa no braço, fazendo o mais velho olhar para ela com os olhos arregalados.
Drama e eram a mesma coisa, na concepção dela.
– É assim que você trata a pessoa que vai te dar aquele unicórnio de pelúcia? – Apontou para a máquina e os olhos dela foram direto para a tal pelúcia.
– Como você sabia qual pelúcia eu estava olhando? – Ela encostou as mãos no vidro, idêntica a uma criança de 4 anos, o que fez soltar um suspiro e focar na missão que era resgatar o ursinho para .
Ele estava tão concentrado, que a garota nem ousou respirar perto dele, se afastando um pouco para contemplar o cenário todo. As garras foram bem posicionadas e antes que ele apertasse o botão, deu uma última olhada para ela, piscando. A garra desceu, passou seus tentáculos metálicos pelo unicórnio, mas subiu vazio. – Aish. fez uma careta e gargalhou.
– Eu te falei! – disse escandalosa e tampou a boca em seguida, rindo da própria vergonha em plena rua.
Ela realmente parecia estar se divertindo e não conseguiu evitar um sorriso, colocando a mão na boca antes de dar as costas, fingindo ir embora, quando ela puxou o seu braço para trazê-lo de volta.
– Não fique bravo comigo, desculpa. – Fez bico e ele jogou a cabeça para trás.
Ele estava se esforçando para não sorrir, de fato, por isso tentou se recompor antes de encarar a garota novamente. Porém, foi mais forte que ele a vontade de segurar a mão dela e comparar o tamanho. A mão de era tão pequena e em um ato de impulsividade, puxou a luva da mão dela, entrelaçando agora os seus dedos nus.
, então, foi atingido por uma onda de sensações: era quente, confortável e certo. Era inverno, mas era como a primavera quente que derretia aos poucos o gelo em volta de seu coração.
Foi um momento curto, no entanto, já que ele levantou o olhar para ela que encarava suas mãos unidas um pouco aterrorizada. Será que estava fazendo aquilo errado? Será que ela sentia o mesmo que ele? Será que estava interpretando aquilo certo? Para , era indecifrável.
Desistindo de tentar entender aquela situação, limpou a garganta e soltou a mão dela, colocando a luva de novo e tirando mais uma nota do bolso.
– Agora vai ou eu não me chamo – disse com determinação e observou atenta a saga dele de pegar o famigerado unicórnio.
Fofo igual a você, era o elogio que guardava para si mesmo, mesmo quando falhou em pegar o bichinho mais uma vez e ela fez graça com a cara dele. A felicidade dela, portanto, fez tudo valer a pena e ele gostaria muito de retribuir ao menos um pouco do que ela vinha sendo na sua vida, mas não fora daquela vez que ela ganharia um presente.
era especial e isso estava claro para ele.
Depois de seu pequeno vexame, decidiu levá-la para casa, que não ficava muito distante daquela rua. Todavia, os dois andaram devagar, aqueceu as mãos de enquanto escutava as suas histórias com os amigos de banda. Ela sabia muito sobre ele, parte porque ele gostava de falar – e não era pouco –, mas para a sorte dele, ela também gostava de ouvir.
Mal perceberam quando pararam em frente à casa de , na calçada, com as mãos dadas. não queria deixá-la ir e ela também não parecia querer a iminente separação, o melancólico momento em que ambos diriam boa noite e dariam as costas, dando fim a noite incrível que tiveram. Por isso, ele a puxou para os seus braços, mas diferente de um abraço, ele a guiou em uma dança com toda a sua habilidade teatral.
sentiu o seu coração bater na boca e, mesmo com o frio, se sentia aquecida ao sentir o perfume dele tão de perto, mas sentiu que ia morrer quando ele começou a cantarolar All of me no seu ouvido. E o que antes eram murmúrios, viraram palavras.
What would I do without your smart mouth drawing me in, and you kicking me out – sussurrou, aquele mesmo tom que a fazia perder a cabeça.
Ele sabia, não tinha outra explicação. sempre foi esperto e observador o bastante para tirar vantagem de qualquer situação.
Então, ele fez uma pequena pausa e ela segurou a respiração em êxtase pelo que viria em seguida.
– a sua voz baixa um pouquinho rouca sumiu no final da frase e antes que mandasse tudo para o espaço, fez a primeira coisa que ele não planejou aquela noite.
Ele a beijou como se não existisse mais ninguém no mundo que ele quisesse, ele a beijou como se o mundo fosse acabar a qualquer momento, ele a beijou como se nunca mais fosse vê-la.
E foi um beijo desesperado, intenso, como se fossem feitos para ficarem juntos e aquilo demorou uma eternidade para acontecer.

2014

As memórias doíam, mas a ideia de que não a veria mais era mil vezes pior. Ainda que estivesse tentando soar grato e positivo, sua mente insistia em bombardeá-lo com pensamentos egoístas sobre o quanto ele precisava dela, era um absurdo cogitar a sua vida sem ela, ele não conseguia nem imaginar como seu dia se iluminaria sem o sorriso de sua garota. Porém, a parte sensata e racional dele sabia que era melhor fazer aquilo agora do que postergar o fim, trazendo consequências péssimas para os dois. Assim sendo, respirou fundo mais uma vez e entrou na cafeteria, sentando na frente da garota que fazia um origami com o guardanapo azul. Ela empurrou, sem desviar a atenção do seu trabalho, um dos copos com a sua bebida favorita e ele até teve vontade de sorrir com o quanto ela sempre fora atenciosa.
não a merecia, nem em um milhão de anos.
Ele perdera a viagem, a vista, todo o resto, mas ele não abriria mão do que estava na linha de chegada. Por isso, observou atentamente ela terminar de fazer um tsuru enquanto apreciava o calor do copo em suas mãos e tomava em silêncio o conteúdo.
– Você se atrasou – disse, olhando pela primeira vez nos olhos dele e por pouco não se revirou na cadeira.
Ainda sentia tudo por aquela garota, sempre que se encontravam era como estar com o coração pleno de novo e, pensando nisso, deslizou a mão direita pela mesa até encontrar a dela, fazendo um carinho no dorso.
Ele a amava.
– Perdão – deixou que a palavra deslizasse pela sua língua, mas não se arrependia de ter atrasado alguns minutos só para observá-la. – Você ficou bem com essa franjinha.
deu um vislumbre de sorriso, mas não deixou que ele iluminasse o seu rosto.
– Você não vai se safar tão fácil. – Prendeu os lábios e sorriu, tirando o boné para arrumar o próprio cabelo.
– Só estava tentando ser cavalheiro – respondeu e ela revirou os olhos, de uma forma tão conspiratória que o fez apontar para ela, surpreso. – !
– Desculpa – falou da mesma forma que ele alguns segundos atrás: sem intenção alguma. balançou a cabeça, tomando mais um gole de sua bebida enquanto ela fazia o mesmo.
– Você não era assim – brincou e ela deixou que o sorriso cheio de covinhas aparecesse, mas ele sabia que tinha algo a mais ali.
– Você já se veste como o meu avô, , não precisa falar como ele também.
Ele abriu a boca, antes de esconder o rosto e soltar uma risada, porém, logo se recompôs e colocou a mão no peito como se estivesse seriamente ofendido.
, onde você enfiou aquela coisa chamada respeito? Francamente…
A garota sorriu angelicalmente, arrumando a franja que de fato parecia ótima nela e o desarmou.
– Quem é impossível agora, huh?
– Você – ela respondeu quase que de imediato, como se a pergunta dele não fosse retórica.
– Você sempre foi impossível, Junior. – Ergueu uma sobrancelha e de repente os motivos para o encontro deles caiu sobre a sua cabeça como um balde de gelo.
– Eu sinto muito. – E sem querer, ele deixou um pouco da sua apreensão transparecer.
? – disse o seu nome e ele podia sentir a preocupação dela.
Escolhas, a vida era cheia delas e sempre fora muito decidido sobre tudo o que queria. Porém, aquele momento sempre chegava e era quase como o mesmo filme se repetindo, aquele onde você escolhia seguir uma carreira e ficar longe da família, mas ele entendia também que eram situações completamente diferentes quando ele sabia que sempre teria sua família, porque não era o mesmo quando se escolhia entre a carreira a namorada.
Era egoísmo pedir para que ela esperasse por ele, era egoísmo pensar que continuaria para ele como ele nunca esteve para ela, era egoísmo qualquer coisa que ele pensasse além de pedir para que ela seguisse a sua vida, seguisse seus sonhos, fosse feliz e o deixasse ir. não queria ser deixado para trás e se confortava com a ideia de que fora tão importante para ela quanto ela fora para ele, então, talvez, viveria com isso e teria que ser o suficiente.
– Na verdade, eu vim te buscar – deixou que as palavras escapassem como havia ensaiado consigo mesmo, afinal precisariam de privacidade para o que vinha pela frente.
– Me buscar? – Um vinco se formou na ponte do nariz, marcando o lindo rosto dela e ele quis – talvez pela milésima vez naquele dia – ter um controle igual o de Click, onde pudesse pular a tortura no qual se submetera.
– Como da primeira vez, lembra? – Sorriu fraco, deixando que sua mente velejasse novamente para aquela noite e tendo plena certeza de que ela estava na mesma página que ele quando um sorriso também surgiu em seus lábios, formando o desenho que ele mais gostava de ver.
Dessa vez foram as mãos dela que buscaram pelas dele, entrelaçando os seus dedos e trazendo uma nostalgia vivida daquele dia. Eram as mesmas mãos que sempre o aquecera, e por isso gostava de pensar que, por mais que ele fosse o inverno, ela sempre seria sua primavera, a esperança de que um dia a felicidade chegaria para os dois. Não quando eram tão jovens, não quando ele ainda tinha um sonho para focar, não quando tinha outra viagem para trilhar.
– Como esquecer? – tinha um brilho nos olhos que não pode deixar de admirar por alguns instantes, antes de finalizar o seu café e puxar a garota para a noite fria.
Ela não parecia nada surpresa com o ato de impulsividade dele, ele constatou quando deu uma olhada para trás, só para verificar que ela estava bem com a ideia de segui-lo uma última vez. Então correu com ela pela rua e quando percebeu que estava de fato frio, decidiu que mudaria alguns dos seus planos para aquela noite, às vezes ele acertava no improviso.
– Nada a declarar? – questionou, diminuindo o ritmo e olhando para trás novamente, vendo que ela ainda carregava o tsuru enquanto a outra estava unida à dele.
– Só que… – Ela parou, fazendo-o parar também, e tomou fôlego. – Se eu morrer de frio a culpa é toda sua, oppa.
repetiu a frase que costumava falar quando os dois saíam durante épocas geladas e riu, apontando para um estabelecimento que estava do outro lado da rua e ela abriu a boca demonstrando o quanto estava fascinada. Era incrível como ele ainda conseguia deixá-la atônita, mesmo quando era ela a caixinha de surpresa dos dois.
Ainda com a respiração pesada pela correria e o esforço para chegar ali, os dois entraram em um local onde tinha salas de karaokê, onde as pessoas iam para passar um tempo de qualidade cantando com os amigos, rindo, brincando e às vezes até comendo alguma coisa. Por isso, pegaram uma hora em um e ainda comprou um pacote de doces para os dois, visto que era uma formiguinha.
– Eu nunca tinha vindo em um desses – ela comentou assim que entrou em uma das salas e fechou a porta atrás deles.
– Então… – Ele começou, pegando o aparelho para escolher uma música. – Tá pronta para me mostrar o seu dom de cantar em um microfone agora?
– Você tá louco para ficar surdo mesmo, né?! – riu e colocou o tsuru em cima da mesa, deixando a bolsinha que carregava junto a ela de lado. – Ok – disse quando ele selecionou Blue do Bigbang, foi a primeira música que chamou a atenção dele, mas não demorou nem 2 segundos para se arrepender.
Por um instante, pensou que ela desistiria, no entanto, soltou a voz e foi impossível não ficar impressionado com o quanto a voz fina dela trabalhava com um tom suave, adicionando o rouco da voz dele em alguns trechos. Depois disso dividiram uma música e ele cantou as outras, quando ela assumiu que preferia mil vezes ouvir a voz dele do que a dela. E ele cantou, principalmente quando ela disse que ouvi-lo tinha lhe dado inspiração, e não era novidade vê-la tirando o sketch da bolsa e um lápis, começando a esboçar algo que de início ele não fazia ideia.
Depois de alguns minutos, um jardim em escala de cinza começou a ganhar vida, parecia compenetrada em todos os seus sentidos: escutando, desenhando, borrando os dedos e comendo doces. Quase no final do desenho sentou ao lado dela, já tinha largado o microfone e sussurrava a letra de All of me sem nem perceber, o que a fez sorrir.
You’re my downfall, you’re my muse. My worst distraction, my rhythm and blues... – cantarolou, sentindo o coração doer com a visão que tinha.
A visão de alguém que não pertencia ao mundo, mas só porque o mundo pertencia a ela. Assim como ele era música por inteiro, ela era desenho e pintura, que tinha uma visão artística diferente da dele, mas que ele apreciava da mesma forma.
curiosamente finalizou seu desenho junto com a música, o sorriso em seu rosto entregava o quanto estava satisfeita com o resultado, porém algo parecia totalmente fora do encaixe quando ela olhou para o lado e franziu a testa, o sorriso se desfazendo junto com todas as estruturas que ele tinha erguido com tanto cuidado. O dedão borrado de lápis encostou em sua bochecha, limpando uma lágrima que ele ao menos tinha percebido.
– O que aconteceu? – ela perguntou, o carinho expresso em seu tom baixo de voz.
Talvez ela esperasse por alguma tirada ácida como resposta, alguma piadinha, talvez esperasse que ele se escondesse e dissesse que era um cisco no olho, mas diferente disso tudo, ele a abraçou, deixando um beijo na testa da garota enquanto tentava controlar a respiração e as lágrimas. Ainda que tentasse com todas as forças, não conseguiu fazer o que precisava olhando para ela, então fechou os olhos, com em seus braços, e abriu seu coração.
– Você é tão talentosa e inteligente que eu tenho certeza absoluta que será a futura melhor aluna quando entrar na faculdade de artes, as pessoas vão te admirar tanto quanto eu e vão te reconhecer por isso. Acredita em mim, se você continuar dando tudo de si e se entregar tanto a cada trabalho, como você já faz, ele vai vir, tudo bem? Quero que você se lembre disso cada vez que você se sentir pra baixo. – Tomou ar e apertou ela ainda mais contra si, Deus sabia o quanto ele queria estar por perto nesses momentos.
… – chamou, mas logo foi interrompida.
– Por favor – a voz dele quase quebrou com o iminente choro, porém, logo se recompôs. – Por favor, deixa eu falar tudo que preciso. – Sentiu ela balançar a cabeça em seu ombro e continuou: – Uma vez você disse que eu precisava persistir nos meus sonhos e, sabe, eu sou muito grato porque você sempre foi a pessoa que me levantou sempre que eu caía e às vezes eu ficava imaginando se você sabia que esse momento ia chegar… – confessou, sentindo que agora não era só ele com as emoções fluindo ladeira abaixo. – E é loucura pensar que eu vou mesmo me jogar nesse mar sem fim e eu vou continuar respirando, porque foi você que me ajudou a aprender a nadar sem medo. Sem medo, , sem arrependimentos, eu vou seguir em frente e eu quero ter certeza que você tá ciente do quanto sou grato e do quanto eu sinto muito.
Em meio ao silêncio vieram os soluços, ele tinha conseguido dizer tudo o que vinha ensaiando por dias, sabia que ia doer, mas não sabia que seria tanto. E nada se comparava ao som do seu próprio coração em mil pedaços no chão – quando saiu de seu abraço e seu rosto estava coberto de lágrimas –, o som de que aquilo era mesmo real. Por isso segurou o rosto dela, beijando-a antes que ela falasse qualquer coisa que o ensurdecesse de vez, se sentia péssimo por aquilo, mas seria ainda pior se fosse um covarde que decidiu sumir da vida dela sem nenhum desfecho.
– Você sabia? – perguntou quando se afastaram, um ainda se apoiando no outro depois do beijo que tinha gosto de lágrimas e saudades.
– Eu só… Não sei, acreditava que haveria uma opção onde isso não acontecesse... – Ela mal tinha terminado de falar quando ele a abraçou novamente.
– Eu sei que não fui o melhor namorado do mundo, mas eu sinceramente acho que fazer isso agora é melhor do que sairmos ainda mais machucados lá na frente. Porque eu amo você, , amo de verdade, e você merece tudo o que eu não sou capaz de te dar. E por favor, não fale que estava feliz com isso, não aceite o mínimo que alguém te dá só porque não pode ser o melhor pra você. Você merece alguém que se doe por inteiro, que esteja lá pra você assim como sei que você vai estar para ele, não aceite alguém pela metade, ouviu? Não aceite alguém onde você não possa ver um futuro com ele – pediu do fundo do coração, do jeito protetor de sempre, ainda era afinal. Na concepção dele, no entanto, estava pedindo, insistindo, implorando para que o deixasse e aceitasse que aquela era a última coisa que ele podia fazer por ela, que era deixá-la livre.
Depois de alguns minutos e mais lágrimas, ainda não conseguia dizer nada e ao mesmo tempo não parecia aceitar. Os dois saíram dali em silêncio porque era muito para absorver, ainda a levou para casa e entregou um bilhete a ela, que lhe deu o tsuru e o desenho.
Mas as palavras ainda ecoavam pelo ar como uma maldição, uma fita rebobinando sempre naquele instante onde um avião caía, um carro batia, o Titanic afundava. E tudo que se podia fazer era… Sentir.

2018

Faltava um pouco mais de um mês para a primavera, um café quente faria bem e aquele dia em especial parecia um tanto quanto estranho, como uma pincelada com alguma mistura de tinta que parecia certa, mas na prática tinha ficado… estranho. Eram aqueles os pensamentos que flutuavam pela cabeça de enquanto ela caminhava apressada em direção a empresa onde trabalhava, ainda refletindo se o “fora do normal” era positivo ou negativo. Só porque perdeu um pouquinho a hora não significava que o dia seria perdido, certo? Contudo, aquela sensação de que tinha algo diferente no ar a deixava ansiosa.
– Chegou um envelope pra você – falou assim que entrou na sala onde trabalhavam, ele já compenetrado em seus quadrinhos e ela ainda pensando na barriga que roncava pela falta de café da manhã.
– Bom dia pra você também! – Riu, deixando a mochila na sua cadeira e indo atrás do café na cozinha.
Quando voltou com uma caneca para a sua mesa, pegou o envelope que estava preso posicionado entre as teclas do computador e franziu a testa, passando o dedo pelo seu nome que estava escrito em uma grafia que não era lhe era estranha.
– Quem deixou o envelope aqui? Você viu? – perguntou para que já observava os movimentos de com certa curiosidade.
– Algum entregador – respondeu simplesmente, dando de ombros e provavelmente esperando que ela abrisse logo.
– Certo – ela resmungou, tentando abrir o envelope com cuidado ao mesmo tempo que queria rasgá-lo, a curiosidade também se aflorando em seus nervos quando não tinha nenhuma dica sobre o conteúdo do mesmo.
Quando conseguiu abrir sem muitos danos, tirou de lá um papel dobrado que parecia uma carta e dois convites vip para o comeback de um grupo que ela conhecia até demais. Em um instante ela só ficou olhando para o ticket em mãos e tudo tinha parado, o tempo, o espaço e principalmente o seu coração, no outro era como se o mundo tivesse voltado a rodar rápido demais. Uma enxurrada de memórias passavam como um filme em sua cabeça, um daqueles que ela adorava assistir – o famoso drama adolescente –, mas a sua história em particular parecia mais do tipo que te deixava devastado no final. A prova viva de que nem sempre o amor é o suficiente, nem sempre as pessoas ficavam com os amores de suas vidas.
? – chamou su
a atenção e ela rapidamente desviou o olhar para ele. – Tudo bem? – É… – ela tentou organizar seus pensamentos, querendo desesperadamente sair daquela bolha envolta por algo tão bonito e doloroso ao mesmo tempo.
– Era algum tipo de sonho ir no show desses caras ou o que? Foi algo que você esperou a vida toda? – tinha certeza que tinha mais trinta perguntas aleatórias e iria falar todas, por isso revirou os olhos, mas ele continuou: – Você ganhou alguma promoção e eu não tô sabendo?
, você por um acaso já foi a merda hoje? – indagou, erguendo a sobrancelha e acompanhando um sorriso esperto se formando no rosto dele.
– Pelo menos agora você tá reagindo.
– Tá tudo bem sim – respondeu, constatando que o show seria na noite seguinte. – É só que… é complicado.
– O que é complicado? Você é tão prática que é raro ouvir você falando de complicação – disse e ela riu sem humor, tomando um gole do seu café e ponderando a opção de ler ou não o bilhete que tinha vindo junto.
, quem mandou isso foi meu ex-namorado. E antes que você pergunte, ele é , esse aqui oh. – Mostrou com o dedo um dos sete que estavam no ingresso.
Aigoo! – Arregalou os olhos, dessa vez tirando uma risada genuína de . – E por que você ainda não sentou a bunda aqui – puxou a cadeira dela para o seu lado e deu um tapinha no assento – e começou a contar tudo desde o início?

Se não estivesse ali, tinha certeza que provavelmente já teria ido embora, ainda mais quando se encontrava com os nervos à flor da pele e uma sensação estranha de que poderia morrer a qualquer momento. Suas mãos suavam e agora que faltavam apenas alguns minutos para o início da primeira apresentação era difícil acreditar que tudo aquilo estava de fato acontecendo.
Para ela que sempre acompanhou tudo de longe e até mesmo andou um pouco distante para o bem da própria saúde mental, quatro anos tinha um peso absurdo quando a realidade daquele palco estava na sua cara. Era um programa popular, um palco super produzido, luzes e câmeras muito bem posicionadas, staffs que trabalhavam sem parar para que tudo saísse perfeito e fãs enlouquecidas por todos os lugares. E não podia, nem por um segundo, pensar em discutir consigo mesma mais uma vez porque ela estava ciente de tudo isso, cogitou mais de cem vezes recusar aquele convite, mas então o conteúdo da carta gritava em seu ouvido dizendo que era feio ela ignorar alguém que tinha escrito uma música para ela e queria que ela estivesse presente em um momento tão importante como aquele.
Mas já tinha se passado quatro anos e no fim das contas ela tinha certeza que nunca tinha conhecido de verdade a pessoa que ela amou, que – suspeitava – ainda amar. E mesmo que quisesse dar meia volta, não ia deixar aquela oportunidade passar batido, não ia desperdiçar aquela ação do destino primeiro porque ela sentia falta dele e segundo porque ainda segurava o seu braço para que ela permanecesse no mesmo lugar.
– Pelo amor de Deus, você se mantenha inteira durante a apresentação porque eu não tenho condições nenhuma de me segurar e segurar você junto – repetiu pela milésima vez e balançou a cabeça, deixando os pensamentos nostálgicos para trás e tentando imaginar que era um grupo qualquer ali, inspirando, prendendo e expirando. Por alguns instantes controlar a sua respiração funcionou, mas ela perdeu totalmente a concentração no que tentava fazer quando eles subiram no palco e formaram um círculo, no meio tinha ninguém mais, ninguém menos que o protagonista do seu maior drama particular. A prova viva de que tinha mesmo nascido para atuar e aquilo não era nenhum segredo, comprovado por ela meses atrás que o desejo dele tinha se realizado e o trabalho tinha sido muito bem feito, o que ficou claro quando ela se viu chorando junto com o personagem dele.
Era difícil acreditar que ela estava finalmente vendo-o tão de perto depois de tanto tempo, ele não tinha mudado tanto, mas estava crescido. O cabelo caindo em sua testa, a camisa branca social desalinhada propositalmente, a gravata um pouco solta, uma aparência despojada para alguém que exalava classe. podia ver as mudanças mais sutis, mesmo a distância, podia também enumerar os motivos pelo qual ia sair devastada dali, porém não conseguia desviar o olhar. Não conseguia nem respirar quando ele disfarçadamente olhou para a plateia, como se a procurasse e, de fato, não demorou a encontrá-la, como se um fio invisível existisse entre eles e era só se esforçar um pouco para senti-lo. Então, de uma hora para outra, não existia mais nada ao redor, não tinha fãs gritando enlouquecidamente, mal podia ouvir comentando sobre a aparência deles, porque ela podia jurar: era olhando para ela, apenas ela, por segundos preciosos que jamais seriam esquecidos.
Ele não deixou transparecer nada do que se passou por sua cabeça, o que deixou particularmente frustrada, mesmo que não pudesse julgar uma pessoa que estava prestes a se apresentar. Por isso, se lembrou de soltar o ar que nem sabia que estava segurando e ouviu os primeiros acordes de violão que ressoavam pelo espaço, cavando emoções adormecidas e trazendo arrepios a superfície quando ele começou a cantar.

Buried in old memories do you remember our first time? We were walking on a cold winter day and your small hands held mine.

As lembranças que até então ela estava tendo certa resistência vieram com força e mesmo que não fosse cantando a música inteira, ficou compenetrada, ouvindo, reconhecendo e sentindo cada pedacinho da letra. Uma canção que provavelmente foi composta anos atrás e adaptada, mas ainda era crua, corajosa e realista, ainda mais quando ao redor era possível ver a galáxia verde: todas as fãs com suas luzes verdes em mãos.

Now I’ll give everything to you, don’t feel sorry anymore. Please take more than you gave me. I’m so so sorry and thank you so much.

A música tinha acabado, os gritos estavam ainda mais altos, todos eles pareciam felizes pela resposta positiva dos fãs e, por mais que fosse quase atroz para , ela conseguiu sentir o seu coração ser preenchido de novo naqueles poucos minutos.
, você tá chorando? – tirou-a do transe, puxando seu rosto e passando os dedões pela lágrimas que escorriam. – Meu Deus, garota, respira! Olha pra mim!
olhou para o rosto da amiga, mal tinha percebido que estava chorando, porém, quando se deu conta disso, foi aí que ela desabou. Deus, ela queria tanto, mas tanto, socar a cara de por fazer isso com ela, por fazê-la sentir tudo de novo e ao mesmo tempo achar aquilo a coisa mais linda que alguém poderia fazer por ela. a abraçou forte, tentando acalmá-la mesmo ciente que a carga emocional tinha sido grande.
– Eu não acredito que ainda ‘tô passando essa vergonha – disse, quando conquistou um pouco de pacificidade dentro de si e se afastou dos braços de , que o tempo todo se manteve dando tapinhas em suas costas.
– Tudo bem, para a sua sorte foi uma música muito bonita e é compreensível essa reação, qualquer coisa a gente fala que você é dramática e tem o mapa inteiro em câncer – a amiga tentou fazer graça, arrancando um sorriso de .
– Você é ridícula!
– O que seria de você sem mim, né?! – já ia abrir a boca para responder quando continuou: – Você aguenta a próxima música ou quer ir embora? Acho que não deve demorar muito.
– Eu sobrevivi a uma música inspirada em mim, acho que sobrevivo a tudo… – disse , mal sabendo que a próxima música a deixaria largada no chão implorando por mais.

Algumas semanas depois

?
Um sonho ou um pesadelo? O paraíso ou o inferno? Talvez fosse um estado de semiconsciência ou quem sabe o próprio purgatório. Desde o caso do envelope, que tinha recebido de , nunca mais experimentou um momento de sobriedade e lucidez, envolvida demais em pensamentos que ora eram brilhantes e claros e lhe traziam paz, ora eram opacos e escuros e tinha o gosto vivido de lágrimas e algo a mais. Às vezes era como se estivesse em meio ao mar turbulento e, diferente dele, ela agora tinha medo. Medo de provar mais uma vez da dor de perder alguém que na verdade não estava perdida, medo de não ser capaz de nadar sozinha, medo de perder suas forças e desistir antes de atingir a praia, mas, principalmente, medo de se perder.
A sua insegurança era uma piada, sabia que aquilo não era ela, não deveria ser, mas ainda assim sentia cada sentimento negativo se espalhar como uma praga. Dias e noites mal dormidas pensando em como as coisas seriam caso tivesse um rumo diferente, o que aconteceria se ela fosse atrás dele, se ele viesse atrás dela, e então se amaldiçoava por ter a sua cabeça lotada de quando já bastava o seu coração.
E literalmente achou que estava enlouquecendo quando abriu a porta do apartamento e se deparou com ele, ficou tentada a coçar os olhos ou até se beliscar, mas a voz suave dele ao mesmo tempo que parecia boa demais para ser verdade também a trazia para uma realidade dura.
? Uma pergunta que não era sobre ter certeza de que era ela ali, mas o seu nome dito com tantos significados implícitos que a ambiguidade teria inveja.
– Você está bem? – Franziu a testa e ela quase respirou aliviada por finalmente vê-lo reagindo a ela, o que era mais idiota ainda de se pensar quando ele parecia tão preocupado diante dos segundos ou talvez minutos que não teve reação alguma.
– Eu vou ficar. – Limpou a garganta, tentando se recompor e dando uma olhada rápida para trás, para ter certeza que a sua sala não estava tão bagunçada com os vestígios do seu material espalhado. – E você? Está bem? – devolveu a pergunta, voltando a olhar para ele.
Eu vou ficar. – Sorriu.
Por um instante ela quase soltou um “incrível”, incrível como depois de anos ele conseguia agir exatamente como quatro anos atrás, como se nada tivesse acontecido. E ela seria a última a defendê-lo naquele momento, não era como se estivesse agindo dessa maneira porque estava nervoso, não mesmo.
– Hm, acredito que você tenha um tanto de perguntas... – disse e ela semicerrou os olhos, alguém também tinha adquirido um pouquinho de arrogância, mas não era nenhuma mentira, ela tinha mesmo tantas coisas passando pela cabeça que era difícil enumerar.
– Mas seria educado eu perguntar se você quer entrar, não é? – Colocou uma de suas mãos na cintura e abriu mais a porta. – Por favor.
– Obrigado. – fez uma breve reverência com a cabeça e entrou em sua sala, fechou a porta e estendeu a mão para que ele se acomodasse em um dos sofás dispostos. Ele se sentou e logo dobrou as pernas fazendo-a dar as costas e rolar os olhos antes de se sentar no outro sofá, bem longe dele. Era nítida de qualquer forma a diferença entre os dois, ele estava de jeans e um sobretudo preto por cima de uma blusa de gola alta branca, sapatos pretos que brilhava de tão limpos e engraxados; já ela estava de pantufa, um conjunto de moletom rosa e o cabelo preso em um coque porque era final de semana, mas ela ainda estava trabalhando mesmo em casa.
– Você deve estar se perguntando como cheguei aqui – ele foi o primeiro a se pronunciar e ela concordou com a cabeça.
– É um bom começo.
– Eu achei seu Instagram e depois disso foi fácil encontrar onde você trabalha e onde mora. A tecnologia não é uma benção? – seu tom era divertido, mas ela continuou séria. Algo agora a incomodava e antes que pudesse filtrar, as palavras já deslizavam amargas pela sua língua.
– Por que agora?
– Eu assinei um contrato de três anos sem relacionamentos e depois que ele acabou eu quis procurar por você, mas não sabia direito o que fazer… – passou a língua pelos lábios, enquanto olhava para os seus dedos entrelaçados sobre o colo, parecia de fato nervoso e ela apreciava aquilo, mesmo que a própria não fosse um exemplo de calmaria.
– Aí você escreveu uma música e teve a brilhante ideia de me convidar? – perguntou como se continuasse a sua linha de raciocínio e ele soltou uma risada.
Você não sabe do terço a metade, . Era o que os olhos dele diziam, mas logo sua postura mudou e ele parecia… miserável.
– Eu vi você chorar e aquela não era a minha intenção, procurei por você depois da apresentação e… – ele fez uma pausa, como se fosse uma memória ruim. – Não te encontrei.
– Não é como se fosse fácil pra mim. – Ela deu de ombros, se encolhendo no sofá.
– Eu sei – foi rápido em responder. – E eu sinto muito, sinto muito porque não sei se ainda sou bem-vindo na sua vida e talvez eu esteja invadindo completamente seu espaço agora.
Então passou um tempo o encarando, agora que ele estava de fato ali, era difícil absorver qualquer coisa quando existia o fator passado na equação. O passado que tiveram deixava claro o quanto a distância entre dois era real, em todos os sentidos, mas ela também sabia que de alguma forma esse mesmo passado os unia. Só eles sabiam o que viveram, sentiram, sofreram e ela acreditava piamente que as coisas aconteciam como deviam acontecer, sem mais, nem menos. Não que fosse fácil aceitar, no entanto.
? – seu nome foi entoado de novo, como a melhor parte de uma canção, e ela piscou os olhos, saindo de seu devaneio.
– Antes eu perguntei por que agora, mas agora eu preciso entender... Por que você está aqui? – foi direta e abriu a boca, antes de franzir a testa e fechar os olhos, parecia estar arquitetando suas próximas palavras e ela secretamente contemplou aquele momento.
– Passei as últimas semanas me enganando de que precisava te ver mais uma vez e era só isso, mas bem lá no fundo eu sabia de cor e salteado que só te ver não seria o suficiente. – Ele fez uma pausa, falava olhando bem nos olhos dela porque ambos sabiam que aquilo era um jogo perigoso, um passo em falso e os dois cairiam. – Eu quero saber como você realmente está, quero saber como foi a sua faculdade, quero saber do seu trabalho, quero admirar cada obra sua… Eu quero mesmo fazer parte da sua vida… – e ela podia escutar o “mas” que morreu na boca dele, afinal ela não era a única com medo ali.
– Mas? – incentivou ele a continuar, ciente que era uma jogada arriscada e inevitável.
– Se você não quiser, se eu não for mais bem-vindo, eu saio por essa porta agora e vou respeitar a sua decisão – disse e a expressão dela que antes era dura, suavizou. – Por favor, eu espero que pense com carinho.
– Você, por um acaso, está implorando, ? – ela semicerrou os olhos e dessa vez foi a vez dele relaxar no sofá, cruzando os braços com a mudança de postura dela.
– Eu não imploro – respondeu –, mas pra tudo na vida existe uma exceção.
E então o sorriso dela veio, amenizando um pouco a tensão que tinha inundado a sala. Por mais que fosse dolorido encarar as cicatrizes, ela não queria perdê-lo de novo, porém, agora que tinha a chance, era justo fazê-lo implorar.
– Eu senti sua falta desde o momento que eu soube que algo estava errado, cada dia depois daquilo foi uma tortura e até hoje eu acho que nunca cheguei a me acostumar com o fato de que não teria mais você. Eu não quero passar por isso de novo, , deveria ser proibido alguém ter tanta importância na vida de outra pessoa como você teve na minha. Não que eu precise de você pra viver, mas você entendeu, não é? – Ele balançou a cabeça e ela continuou. – Então, por favor, implore.
estava jogando pesado, porém tinha sido sincera em cada palavra e quando sorriu, antes de voltar as orbes escuras à ela, ela sabia que de alguma forma estava acabado.
– Uma vez me perguntaram qual era o meu tipo ideal e quando eu vi tinha te descrito por completo, tive que pedir desculpas por ser tão detalhista, mas te vendo agora… É como um sonho se tornando realidade e eu não vou deixar que essa oportunidade deslize feito água pelos meus dedos – disse e se levantou do sofá, tirando o sobretudo e deixando em cima do estofado em seguida.
– Um strip-tease é a sua maneira de implorar? – dessa vez foi ela que cruzou os braços, levantando o queixo para que ficasse claro que aquilo definitivamente não ia dar certo. deu uma risada alta, dobrando a blusa de frio nos cotovelos e se aproximando dela.
– O que aconteceu com você, ? Sua mente não era tão suja assim.
Ela deu de ombros, segurando um sorriso quando ele se agachou na sua frente e estendeu a sua mão, como um perfeito cavalheiro saído de um livro.
Por favor, por favor, por favor – repetiu a palavra três vezes e ele não precisava dizer mais nada para que ela soubesse tudo o que ele queria que ela compreendesse.
E de novo o tempo deixou de existir, ainda mais quando aceitou segurar a sua mão e sentiu o coração se aquecer, como ele tinha escrito na música para ela. A primavera em meio ao inverno, o calor derretendo todo o gelo que havia ao redor e pela primeira vez depois de tanto tempo não faltava nada.
Por favor pediu novamente depois de um longo momento e tudo que ela pode fazer foi concordar com a cabeça, dando o sinal verde para que ele se sentasse ao seu lado, oferecendo agora a mão direita.
A mesma mão que ela adorava ter colada a sua, gostava de quando aqueles mesmos dedos tocavam com tanta paixão as notas no piano, se lembrava de cada vez que dedilhavam a sua pele, fazendo música com o seu corpo. Então pegou a sua mão, observando atentamente as linhas e montando um desenho mental. Daquela vez, iria pintar flores amarelas, porque como Van Gogh um dia tinha dito: o quão amável é o amarelo. E o amarelo combinava com o homem que tinha se sentado ao seu lado, tão amável quanto. Ela espalhou ainda mais o seu material sobre a mesa da sala e puxou para perto, enquanto ele observava ela fazer uma bagunça com tintas de diversos tons, pincéis e fazia da palma da sua mão o seu canvas. Mas a cada pincelada era uma lembrança dolorida que queimava em seu coração como uma ferida que lutava para ser curada e ambos sabiam que deviam deixar aquilo ir, deviam se perdoar, deviam deixar todo o sofrimento ir porque estavam em uma nova fase da vida. Uma em que já tinham escalado uma montanha por caminhos diferentes, já tinham passado pelo pior e podiam ver o pôr do sol lá de cima, porém, por mais que tivessem se separado no meio da trilha, se encontraram no topo. E juntos chegaram a conclusão de que valera a pena. Ainda que doesse, ainda que ele carregasse tantas marcas quanto ela, estavam juntos. E isso a fez levantar o olhar, não para encontrar os olhos dele, mas para lembrar mais uma vez do bilhete que ele tinha deixado antes de ir atrás uma última vez do seu sonho.
Good things happen. Love is real. We will be okay.
Eles acreditaram em cada palavra, eles foram resilientes e, no fim, quando ela terminou de desenhar o jardim de margaridas na mão dele soube que tinha um significado muito maior. E ele parecia sentir o mesmo porque sorria, sorria de todas as formas possíveis, sorria com o corpo, com o coração e com a alma.
Sorria.
Porque aquelas flores era o jardim enfim cultivado.
Era o florescer de algo forte.
Era amor.




Fim.



Nota da autora: Olá, essa é a primeira história que escrevo dentro desse universo e espero que tenha feito direito AHAHAHA. Se você chegou até aqui: MUITO OBRIGADA, DEIXA EU TE ABRAÇAR! E por favor, não deixe de me dizer o que achou e espero que tenha gostado porque eu amei escrever cada linha, me dediquei de verdade a essa história e ela se tornou uma das minhas favoritas. É isso, muito obrigada novamente por ler e até a próxima <3
Beijos, Rai.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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