All the Colors

Última atualização: 12/11/2023

Capítulo 01

Ponto de vista da :

Eu podia sentir que aquele não era o meu dia.
Desde a hora em que acordei, simplesmente não era o meu dia.
Começando com o fato de que minha colega de quarto havia usado toda a água quente antes de sair de casa. Logo, meu banho revigorante matinal se reduziu a cinco minutos, quando a água gelada começou a bater nas minhas costas. Depois, a cafeteira estava quebrada: isso me fez ter que sair de casa apressada e mais cedo, se quisesse colocar um pouco de cafeína no meu sistema antes de começar a trabalhar.
Até aí tudo bem. Começar a semana com o pé esquerdo era bem normal para muitas pessoas.
Eu não costumava ser uma pessoa que reclamava muito da vida e sempre procurava ver o lado positivo de tudo, mas precisava admitir, a manhã já estava batendo bem forte para ser somente alguns momentos ruins.
E aquela sensação esquisita na boca do estômago... algo definitivamente não estava bem.
E eu acabei constatando que estava certa, assim que coloquei os pés no trabalho. Podia sentir os olhares de todo mundo em minha direção. Pensei logo: eu fiz alguma besteira. O chefe não está nada feliz e vou levar uma bronca.
Mas repassei tudo o que havia feito no dia anterior e nada me pareceu fora do normal. Eu havia feito absolutamente tudo o que haviam me pedido, sem deixar escapar nada. Então, eu não estava entendendo o motivo de tantos olhares penosos — e cochichos nada discretos.
Antes mesmo de conseguir me sentar em minha mesa, o chefe me chamou em sua sala. Seu tom de voz não era bravo e muito menos aquela voz robótica que ele sempre usava quando estava tentando disfarçar o quanto irado estava com algum erro. Não, Kenton estava tranquilo. E aquilo só me dava mais ainda nos nervos. Eu preferia que ele estivesse bravo. Pelo menos assim saberia exatamente o que estava pensando.
, você sabe como prezamos o seu trabalho nessa empresa. Você é uma parte importante nessa equipe e valorizamos bastante o seu trabalho... — ele começou, soando totalmente sem emoção.
Conhecia Kenton há tempos demais para saber que ele estava tentando ser apenas diplomático. E sabia o quanto ele odiava.
— Sei. Fico agradecida, mas… não está soando como uma promoção. — Brinquei, tentando aliviar o clima que havia se instalado na sala desde o momento que pus os pés em seu escritório.
Ele apenas esboçou um sorriso amarelo. E eu soube. Ele não precisava mais dizer nenhuma palavra.
— Eu estou demitida, não estou?
Kenton me olhou com compaixão, finalmente deixando as emoções tomarem conta de seu rosto.
, você sabe que se tivesse ao meu alcance, jamais estaríamos tendo essa conversa…
— Então… não é você quem me quer longe daqui? — Sorri, tentando com todas as minhas forças engolir as lágrimas que queriam abrir caminho.
— Claro que não. Você é uma das minhas melhores redatoras, eu jamais te deixaria ir se tivesse plenos poderes. Mas, infelizmente, eu não comando isso aqui sozinho. — Kenton sempre foi um bom patrão, justo e compreensivo, por isso, eu não conseguia ficar com raiva dele.
— Foi algo que eu fiz?
Ele negou imediatamente com a cabeça.
— Não, jamais. Você sempre foi uma das mais dedicadas. É que o conselho da empresa entrou com novas pessoas e estão fazendo algumas retiradas. Eu juro que fiz de tudo, mas eles não me deixaram te manter. — Kenton me olhou com pesar.
Apesar de abalada, eu não deixei transparecer. Não queria deixar meu ex-chefe se sentindo ainda mais culpado. Éramos bons amigos, apesar da relação profissional. Além do mais, eu sabia que em algum momento isso iria acontecer. Sempre teve um pessoal no RH que não gostava muito de mim. Demorou sete anos para que algo fosse feito, então, eu não iria discutir.
— Está tudo bem, Kenton. Eu sei que você tentou! — Sorri, levantando-me. — Só preciso passar no RH, não é?
Meu ex-chefe me olhou com pesar, apenas concordando com a cabeça.
— Eu sinto muito mesmo, .
— Não sinta, estamos em paz! — Sorri para ele — Foi um prazer trabalhar esses anos com você, Kenton.
— Não faz assim, . Eu te conheço desde menina, me destrói te ver indo assim e não poder fazer nada.
— Relaxa, eu sou uma garota grandinha agora. Sei me cuidar. Vai dar tudo certo. — Disse, antes de acenar e seguir para o RH fazer meu desligamento.
Mas eu falei cedo demais.
Minha mãe sempre havia me ensinado a nunca falar nada sem ter certeza. E eu havia cometido aquele erro.
O problema? Chegar em casa e ver minhas malas no canto da sala com um bilhete em cima, de forma rápida e curta:

,

Sei que eu disse que poderia ficar o tempo que quisesse. E sei que você sempre foi fiel e sempre pagou sua parte no acordo como combinado. Mas esse convívio não está dando mais para mim. Consiga outro lugar para morar ainda hoje.

Sinto muito,
Agatha.

Sentei no chão e ri.
Ri, porque parecia uma grande piada de mau gosto.
Tudo bem, eu havia perdido o emprego. Não era grande coisa, isso acontecia todos os dias na vida de várias pessoas. Era comum até. Mas eu não poderia esperar um despejo de forma tão injusta. E muito menos de um modo tão covarde. Agatha e eu sempre nos demos muito bem. Não éramos grandes e melhores amigas, mas eu achei que ela tivesse mais consideração que isso por mim. Me mandar embora por um bilhete e daquela forma tão abrupta? Era o ápice da filha da putice!
Em meio a uma crise de raiva, apenas me levantei do chão, pegando minhas malas e enfiando no porta-malas do carro. Eu ainda o tinha e, por algum tempo, teria que servir de casa. Pelo menos até arrumar um apartamento legal e que coubesse no meu bolso, que logo estaria vazio.
Bati a porta do carro, olhando para o céu.
— Já acabou ou tem mais alguma surpresa na lista de hoje? — Esbravejei, como se alguém tivesse me ouvindo.
Aquilo era ridículo e, provavelmente, pecado.
Minha mãe me daria um sermão se me ouvisse levantar a voz para o céu daquela forma. Ela diria que Deus iria me castigar por ser tão mal-educada.
Quase sorri com o pensamento.
Naquele momento, eu daria tudo para ter um sermão da minha mãe. E um abraço, que eu sei que ela me daria depois de um dia tão terrível. Mas aquilo não era mais uma possibilidade.
Era só um dia ruim...
Eu tinha perdido meu emprego, minha casa e provavelmente minha dignidade em questão de algumas horas. Não era o fim do mundo, certo? Eu poderia lidar com isso. Um dia de cada vez. Era só passar a noite e no dia seguinte seria melhor. No entanto, eu precisava espairecer a cabeça. Havia sido um dia estressante e já que iria morar no meu carro por alguns dias, por que não dirigir por algumas horas até anoitecer? O pôr-do-sol sempre foi o meu preferido.
Com isso, dirigi até uma das pontes mais famosas da cidade: a ponte do Brooklyn. Gostava muito daquela ponte, tanto pela sua arquitetura, quanto pela história. E, também, pela vista incrível que ela mostrava, independentemente do horário que se andasse por ela.
Cantando uma música que tocava no rádio, observando os carros passando ao meu redor, notei uma moto preta ao meu lado. O cara estava de capacete, mas parecia estar se divertindo. Era como… era liberdade em seu mais puro estado. Ele não estava correndo e nem tentando se exibir como os idiotas em cima de duas rodas geralmente fazem, não, aquele cara estava apenas sentindo o vento contra seu corpo e aproveitando o momento. Aquilo era liberdade e eu amei ver.
Estava tão distraída com o cara na moto, que mal tive tempo de pensar em alguma coisa, quando senti uma batida forte na traseira do meu carro. O que quer que tenha causado o impacto, foi forte o suficiente para me fazer andar pelo menos cinco metros à frente, em direção à barreira de proteção da ponte.
Olhei para trás tempo suficiente de ver um caminhão enorme, sem direção, ainda arrastando-se contra os carros, fazendo com que o meu continuasse andando. Estava assustada demais para pisar no freio e atordoada demais com a velocidade que tudo aconteceu. Quando vi, a roda dianteira do carro estava completamente para fora da ponte e ele se equilibrava entre a parte de trás e a frente.
É isso, eu pensei, eu havia perdido tudo em um dia e para completar, iria morrer afogada em meu próprio carro e sem nem saber direito o que me atingiu.
A água lá embaixo parecia gelada demais para suportar e a altura era o suficiente para o impacto ser fatal. Eu não iria mentir, estava apavorada. Então, fiquei o mais quieta que consegui. Mal respirava, com medo de que qualquer movimento que eu fizesse, me levasse em direção à morte.
Lágrimas embaçaram minha visão, enquanto eu tentava controlar os tremores no meu corpo.
Eu não queria morrer.
Sem saber que estava internamente rezando por aquilo, que não queria morrer ali, não daquela forma, de algum jeito, minhas preces foram atendidas. Senti a parte de trás do carro descer e equilibrar o veículo de volta na ponte. Olhei para trás, sem conseguir ver ninguém, mas sabendo que alguém estava dando apoio para que o carro não caísse.
Quem quer que fosse, eu estava grata.
Isso até a parte da frente do carro onde meu carro estava apoiado começar a ceder e cair junto com os pedaços de concreto que se partiam na água, lá embaixo.
O vidro de trás do carro quebrou completamente e eu não sabia dizer se por algum tipo de lei da física ou se alguém o quebrou, mas ouvi a voz de alguém gritar:
Você precisa sair! A ponte vai ceder a qualquer momento!
Todos os segundos de cautela e medo que eu estava sentindo naquele espaço de tempo — que parecia ter durado uma eternidade — se dissiparam no momento em que ouvi aquelas palavras.
Com as mãos tremendo e com toda a velocidade que eu conseguia, desprendi o cinto e escalei para os bancos traseiros em direção à janela dos fundos. Colocando a cabeça para fora, uma mão forte se estendeu em minha direção e aceitei imediatamente, sendo puxada para fora, sentindo alguns cacos de vidro cortarem minha coxa, mas a dor era mínima devido ao tanto de adrenalina que corria em minhas veias.
Juntando o resto de força e coragem que me restavam, trouxe os pés para cima, amparada por braços firmes e fortes. Chocando-me contra o chão, consegui olhar para meu carro — que sem o meu peso, apenas avançou para frente, indo em direção ao mar gelado no fundo da ponte.
Levei uma das mãos à boca, realizando que aquele poderia ter facilmente sido o meu fim. Não era a morte que eu esperava depois de não ter conquistado muitas coisas na vida. Eu ainda tinha muito o que fazer. Não estava pronta para deixar aquele mundo. E estar tão próximo de um final tão trágico, arrancou um pedacinho de mim.
Não conseguia tirar meus olhos do local onde meu carro — e casa temporária — estava. Não conseguia me sentar e reagir como um ser humano. Não conseguia falar e sequer piscar. Estava em estado de choque completo.
Eu ainda conseguia ouvir as buzinas, os gritos e choros das pessoas atrás de mim. Só não conseguia me importar o suficiente quando estive tão perto da morte. Meu carro havia sido o único arrastado para a lateral da ponte. Se eu não tivesse sido salva, teria sido a única a morrer nesse engavetamento ridículo.
— Ei, você está bem? — Saí do transe, sentindo o cara que me tirou do carro se abaixar em minha frente.
Olhando diretamente para órbitas azuis, eu reconheci o rosto. Em minha frente estava ninguém menos que Bucky Barnes, ou Soldado Invernal, como muitos ainda lembravam.
A respiração ficou presa em minha garganta e eu fiquei apenas olhando sua feição preocupada.
— Você vai desmaiar ou algo assim? — Sua mão de metal tocou meu rosto, fazendo-me fechar os olhos ao sentir o gelado em minha pele.
Eu… Eu-Ah… E-eu to bem, eu acho... — consegui resmungar o que eu imaginava que fosse uma resposta.
Suas mãos me colocaram em uma posição sentada e eu apenas deixei ele me manipular como queria. Meu cérebro não fazia parte do restante do meu corpo naquele momento. Nada obedecia aos comandos que ele enviava.
— Acho que está em choque. — Ele avisou. — Deve ser por isso que você não está sentindo nada agora. Mas fica calma, a ambulância está a caminho. Eles vão avaliar você e ver se está tudo bem! — Seus olhos azuis me examinavam calmamente, enquanto ele falava bem devagar, como se estivesse explicando para uma criança.
O-okay! — Respondi, vendo pequenos flashs de luz aparecerem em minha visão. — Será que eu posso deitar um pouco? Estou um pouco zonza e-
Antes de terminar de falar, meu corpo tombou para o lado, mas o homem foi mais rápido ao me segurar.
— Opa, calma! — Respirando fundo pelo nariz, ele se colocou atrás de mim para me dar suporte. — Você bateu a cabeça, está sangrando e pode ter tido uma concussão. Preciso que você tente ficar acordada, okay?
Pelo seu tom de voz, eu sabia que não tinha muita escolha. Ele estava apenas tentando me distrair. E pelo pouco conhecimento médico que eu tinha, sabia que dormir ou desmaiar assim poderia ser perigoso.
— Vai demorar muito? — Resmunguei, começando a sentir pontos de dor por todo o corpo.
— Alguns minutos... — então, ele me virou lentamente para olhar em meus olhos. — Que tal um jogo de perguntas?
Olhei-o confusa, questionando internamente o que ele estava fazendo, mas sem ter muita escolha e realmente não querendo gastar uma fortuna em médicos, optei por seguir com o plano para me manter acordada.
— Okay.
Ele sorriu e eu quis sorrir de volta. Mas não fiz.
— Okay. Qual seu nome?
. Mas você acabou de me salvar, então ganhou o direito de me chamar de . — Tentei brincar. — é muito sério... — senti a necessidade de explicar, mas ele apenas riu levemente.
— Muito prazer, . Me chamo James, mas você pode me chamar de Bucky.
Pisquei lentamente, expirando pelo nariz. Eu estava ficando bastante cansada e com sono.
— Eu sei quem você é! — Constatei, vendo seus olhos me estudarem por alguns segundos. — Você é um dos Avengers.
Bucky riu e negou com a cabeça.
— Não, nunca fui. Mas lutei com eles. Meu amigo Steve-
— Rogers, Capitão América... — interrompi, vendo-o afirmar levemente com a cabeça. — Sei disso também. E você lutou contra os apátridas... — tentei sorrir. — É um herói.
— Eu apenas tento fazer o que é certo. Ajudar as pessoas e tudo mais.
— Acho que essa é a definição de herói, não? Ajudar ao próximo sem visar o benefício próprio. — Respondi.
Meus olhos estavam pesados e minhas piscadas estavam ficando mais demoradas.
Hey! — Bucky chamou, balançando-me levemente. — Sem dormir, lembra? É o nosso combinado. A ambulância está perto.
— Você me chama quando eles chegarem... — tentei barganhar.
Eu daria tudo por um cochilo.
— Sinto muito, . Sem negociações. Eu te levo até os paramédicos, se quiser, mas você precisa manter o combinado. Não durma! — Ele sorriu e eu fiquei tímida.
Não dava para negar que ele era um baita gato. E eu estava em meu estado mais vulnerável, era perdoável pensar daquela forma.
— Acho que é meu dia de sorte, então... — sorri de volta, tentando com todas as minhas forças, lutar contra o sono que queria me levar.



Capítulo 02

Ponto de vista da :

— Mantenha seus olhos abertos, Angel. Não se esqueça do nosso acordo... — a voz de Bucky enchia meus ouvidos, enquanto ele andava apressadamente até uma das ambulâncias que estavam na estrada.
Eu queria obedecer, queria fazer o que ele dizia, mas o sol ainda estava forte e minha cabeça estava doendo. Eu só precisava descansar.
— Estamos chegando, Angel! Mais um pouco. — Ele acelerou o passo ao olhar para meu rosto. Acho que a visão não era das mais bonitas, já que seu olhar de preocupação só aumentou. — Ajuda! Eu preciso de ajuda aqui! — Bucky falou mais alto, chamando a atenção dos paramédicos.
— Sargento Barnes? O que houve? — Um dos homens fardados se aproximou.
— O carro dela estava na estrada, quase caiu da ponte. Ela tem um corte na cabeça e tem bastante sangue. Eu a fiz ficar acordada até que vocês chegassem. — Ele explicou, colocando-me em um local macio, que eu supus ser uma maca.
— Bom trabalho. Você a conhece?
— Não, mas sei que seu nome é Angelica.
— Certo! — Senti mãos em minha têmpora — Angelica, você consegue me ouvir?
Virei meu rosto em direção à voz.
— Abra os olhos, Angel. Você prometeu! — Senti a mão de metal de Bucky em minha perna.
Eu estava com os olhos fechados? Não achei que estivesse.
Com esforço, deixei as minhas pálpebras abrirem lentamente, encontrando o rosto do paramédico.
— Aí está você! — Ele sorriu — Certo, Angelica. Eu vou precisar fazer uns testes somente para saber se você não tem nenhuma lesão mais grave do que estamos vendo, mas vai ser rápido, okay?
Afirmei com a cabeça. O homem mexeu em um dos bolsos e logo apareceu com uma lanterna.
— Isso pode ser um pouco desconfortável... — avisou, antes de manter um olho aberto e jogar um feixe de luz diretamente em minha retina. Ele repetiu o mesmo com o outro olho, ganhando um grunhido irritado de mim. — Eu sei, já acabei. Me desculpe. Mas pelo menos temos boas notícias, sem sinais de concussão.
— Então, por que ela estava querendo dormir? — Bucky perguntou, ele soava preocupado.
— Estresse. O nível de adrenalina em seu corpo baixou consideravelmente e todo o esforço e euforia dão lugar ao cansaço. Uma boa noite de sono pode ajudar! — O paramédico me olhou. — Mas vamos precisar dar um jeito nesse ferimento.
Concordei, olhando para Bucky, que mantinha os olhos em cada movimento que o rapaz ao meu lado fazia. Atrás dele, eu conseguia ver a ponte e o local onde meu carro havia caído.
Eu havia literalmente perdido tudo.
O pensamento me deu vontade de rir. E sem conseguir me conter, foi o que eu fiz. Os dois homens me olharam como se eu fosse uma grande maluca. E àquela altura, eu mesmo já estava me convencendo que estava enlouquecendo de verdade.
— Angelica? Tudo bem? — O paramédico perguntou, direcionando meu rosto para ele.
Sem conseguir me conter, apenas apontei para o local atrás de Bucky.
— Está. É só que… eu acabei de perder tudo e quase morri. E… — tomei fôlego, sentindo a barriga doer de rir — Eu não sei por que estou rindo. Não tem a menor graça. Eu nem tenho para onde ir.
Bucky olhou de mim para o homem que me atendia, que apenas deu de ombros.
— Pode ser o choque. Ela vai ficar bem. — Assegurou, enquanto eu lacrimejava, pensando no quão ferrada minha vida estava e a capacidade das coisas mudarem drasticamente do dia para a noite.

— Bem, Angelica. Está tudo certo. Lembra de trocar o curativo duas vezes ao dia e procure não fazer grandes esforços durante a semana, okay? — O paramédico que me atendeu orientou. — Também é importante ficar alerta a qualquer sinal de tontura, enjoos sem motivo ou desmaios. Qualquer coisa, procure um hospital. Fora isso, está dispensada.
Apenas agradeci e saí da ambulância, ainda um pouco atordoada.
Meu corpo inteiro continuava tremendo e eu não sabia como fazer parar, mesmo que eu soubesse que era só adrenalina correndo sem ter onde descarregar. Eu também estava um pouco aérea e sentia minha cabeça dissociando um pouco da realidade.
Havia sido muita coisa para um dia só e eu só queria ir para casa. O único problema é que eu não tinha mais uma. Me recusava a voltar para a casa da Agatha depois de ela me expulsar de uma forma tão cruel. E minha casa temporária estava agora mergulhada no mar.
Eu podia ver a traseira dele ainda para fora da água, da beirada da ponte. Abracei meu próprio corpo ao lembrar que eu poderia estar ali agora. Um calafrio me atravessou por inteira só de pensar na possibilidade.
A ponte ainda estava um caos e o tráfego ainda estava super lento, enquanto os trabalhadores tentavam resolver toda aquela confusão. Pelo que eu havia ouvido, o motorista do caminhão havia perdido o freio e não conseguiu evitar as colisões. No fim, tudo não passou de uma grande fatalidade.
— Quer uma carona para casa? — Reconheci a voz de Bucky, que me olhava com um sorrisinho nos lábios.
Olhei para sua mão, que me estendia o capacete que ele estava usando. O cuidado que ele estava tendo comigo, uma completa desconhecida, era um contraste tão grande em comparação com a forma que havia sido tratada hoje que eu senti vontade de chorar.
Mas eu não sabia o que dizer. Eu sequer tinha para onde ir. E foi isso que fez meus olhos encherem de lágrimas — que eu me recusava a deixar caírem. Porém, o homem em minha frente era mais esperto que isso.
Ele desceu da moto, posicionando-se bem em minha frente e abaixando em minha altura.
— Ei, o que houve? — Ele colocou uma das mãos em meu ombro. — Você finalmente está saindo do choque? Está com dor? Quer que eu ligue para alguém vir te buscar? Seu celular estava no carro e-
Foi então que eu quebrei. Não podia mais mentir nem para mim mesma. Estava triste, magoada e tinha quase morrido. Minha mente estava gritando por descanso.
Lentamente, sentei no chão, cobrindo o rosto com as mãos, morrendo de vergonha por estar dando um escândalo, mas sem conseguir me conter.
— Me desculpa… Desculpa! — Consegui falar depois de respirar algumas vezes — Eu nem sei por que estou chorando... — limpei as lágrimas que insistiam em cair uma atrás da outra. — É só que-
— Hey. Angel, está tudo bem. — Bucky assegurou e eu neguei com a cabeça. — Está tudo bem chorar. Você passou por uma situação horrível. É normal estar assustada.
Dessa vez concordei com ele. Porque eu estava assustada, muito mais com o meu futuro do que com o fato de ter quase morrido.
— Você sabe o número de alguém que eu possa ligar? — Ele tentou novamente.
— Não. Não precisa ligar para ninguém... — respondi, limpando mais uma vez as lágrimas.
— Mas, você está sem carro e-
— Eu não tenho para quem ligar, droga! — Explodi e me senti mal imediatamente.
Esse homem não fez nada por mim além de me ajudar de todas as formas que ele podia. Ele literalmente salvou minha vida. Eu tinha zero direitos de tratar ele assim.
— Desculpa, me desculpa. Eu tive um dia muito ruim e descontei em você. Me perdoa! — Fui sincera, olhando em seus olhos, encontrando apenas compaixão.
— Você não tem que se desculpar por nada. — Ele olhou para os lados. — Logo vão limpar a área, você não pode ficar aqui. Eu te levo para casa! — Tentou me levantar pelos braços, mas eu forcei para continuar no mesmo lugar.
— Não posso.
— Não pode o quê?
— Ir para casa. — Sussurrei.
Bucky franziu o cenho, voltando a ficar abaixado em minha frente.
— Por que não?
Dei de ombros.
— Não tenho uma. — Admiti.
— Não estou te entendendo, Angel.
Suspirei. Eu já estava na merda mesmo, então, por que não falar tudo?
— Eu tinha uma colega de quarto... — funguei, enxugando o resto das lágrimas que ainda caíam ocasionalmente. — Mas, daí eu saí de casa hoje e fui trabalhar. Só que eu fui demitida. E quando voltei para casa, minhas malas estavam na sala com um bilhetinho dela dizendo que não podia mais ser minha colega de quarto e que eu deveria desocupar a casa até o final do dia, quando ela chegasse.
Olhei para o homem, que franzia o cenho tão profundamente que tenho certeza que estava doendo.
— Eu vim parar na droga dessa ponte, porque precisava espairecer do dia de merda que eu tive... — e daí as lágrimas voltaram com tudo. — E agora, além de eu estar sem casa, estou sem carro e sem nada, porque tudo o que eu tinha estava naquela lata velha, que deveria ter afundado junto comigo — Falei tudo meio embolado, enquanto pequenos soluços saíam da minha garganta e apontava para a ponte atrás de mim.
Bucky ficou quieto por um tempo, passando a mão em minhas costas, enquanto eu chorava copiosamente.
— Angel, pare de chorar e olhe para mim! — Ele disse depois de um tempo, mas eu relutei. Estava com vergonha. Em um dia inteiro, já havia perdido totalmente a minha dignidade. — Vamos, olhe para mim.
Com certa resistência, fiz o que ele pediu.
— Eu vou te fazer uma proposta e você pode aceitar ou não, okay? Mas pense com cuidado. E daí a gente vê o que faz.
O fato de ele ficar usando “a gente” nas frases me fazia querer sorrir. Eu não sabia que um soldado, ex-assassino, poderia ser tão cuidadoso.
— Normalmente, eu não faria isso, mas não vou ficar em paz comigo mesmo se não fizer. — Ele tomou uma inspiração profunda. — Você quer ficar na minha casa? — Ele perguntou, fazendo-me olhar para ele assustada.
— O quê?
— É, sei lá… — ele começou, apertando o pescoço com a mão de metal. — É que, como você disse, teve um dia muito ruim e não tem para onde ir. Ninguém deveria ficar sozinho depois de quase morrer, então… É…
Fiquei olhando para a cara dele por um tempo, tentando decidir se ele estava de brincadeira ou não.
— Por quê? — Finalmente perguntei.
— Por que o quê?
— Por que está me convidando para sua casa?
Bucky limpou a garganta, dessa vez sendo ele o primeiro a quebrar o contato visual.
— Bom, honestamente, não sei. As pessoas não foram gentis com você e não sei… entramos nessa confusão juntos, eu te ajudei… — ele explicou, dando de ombros. — Não ia me sentir bem te deixando sozinha na rua. Além disso, acho que todas as suas coisas estavam no carro, certo?
Ele esperou a confirmação, que veio em forma de aceno de cabeça.
— Isso significa que você está sem documentos ou dinheiro. Não vai conseguir alugar nem um quarto de hotel desse jeito. — Ele falava como se tudo fosse muito simples. — Eu tenho uma casa, um quarto disponível e vontade de ajudar. O que me diz?
Pensei um pouco.
Em outras circunstâncias, eu jamais aceitaria. Mas depois do dia de hoje e os meus dias imprevisíveis daqui para frente, o que mais de pior poderia acontecer?
— Acho que eu não tenho escolha, afinal. — Tentei sorrir — Mas com uma condição.
Os vincos na testa de Bucky relaxaram visivelmente.
— Qual?
— Eu vou te pagar tudo de volta. Comida e moradia. Sem discussões! — Eu queria ter soado mais direta e mandona, mas minha voz ainda carregada de choro fez o completo oposto.
Porém Bucky apenas sorriu e finalmente conseguiu me fazer levantar com ele.
— Acordo mais que fechado, Angel. Agora vamos para casa.

A casa que Bucky morava não era muito grande e luxuosa. E eu nem esperava nada daquilo, afinal, o milionário dos Avengers sempre foi o Tony, mas era bonita e aconchegante. Eu não precisava de muita coisa, apenas um banho quente e uma cama.
Bucky apareceu na sala com uma toalha e algumas roupas que eu achava que eram dele em mãos, entregando-me rapidamente.
— O banheiro fica na segunda porta à esquerda. Eu vou preparar o seu quarto enquanto isso. — Ele olhou ao redor, um pouco inquieto — Você está com fome?
Foi então que eu lembrei que só havia tomado um café rápido antes de chegar ao meu antigo emprego. Meu estômago fez questão de responder por mim, roncando tão alto que foi impossível disfarçar.
— Acho que isso é um sim... — o homem riu, virando as costas e pegando o celular em cima da mesa. — Eu vou pedir alguma coisa para nós. Você tem alguma alergia?
Eu estava sem palavras. Não sabia se merecia todo aquele cuidado. Mas neguei levemente, vendo-o concordar.
— Eu vou… — apontei para o banheiro.
— Certo, leve o tempo que precisar! — Bucky sorriu e eu apenas concordei, direcionando-me ao cômodo.
Tudo o que eu precisava era daquele banho quente. Meus músculos tensos e doloridos pareceram se desfazer assim que a água bateu em minha pele. Respirei fundo, relaxando quase imediatamente. Era o paraíso!
Decidindo que talvez Bucky não se importasse se eu usasse um pouco do seu shampoo, lavei o cabelo com cuidado para não mexer no curativo em minha testa. Eu precisava tirar o sangue seco que estava grudado ali. E indo um pouco mais além, também tomei a liberdade de usar o seu sabonete líquido. E, Deus do céu, que aroma delicioso! O homem sabia escolher uma fragrância marcante. Ele com certeza iria perceber assim que eu saísse do banho, mas estava tão feliz com aquele pequeno momento de dignidade, que eu sequer conseguia me importar com aquilo.
Após uns quinze minutos, decidi que estava na hora de sair. Vesti as roupas que ele me deu e andei timidamente até a cozinha, enxugando o cabelo com a toalha. Bucky estava na cozinha, tomando alguma coisa que parecia conter álcool.
— Isso é o quê? — Perguntei, imediatamente atraindo sua atenção.
Ele me olhou por alguns segundos, antes de quebrar contato visual.
Uh- É whiskey.
— Posso tomar um pouco?
— Claro! — Ele pegou um copo e serviu a bebida, oferecendo-me.
Tomei de suas mãos, virando de uma vez, sentindo minha garganta arder como nunca.
— Wow, vai com calma! — O homem riu. — Isso é bem forte.
— Eu percebi... — tossindo, consegui achar minha voz.
Era um whiskey muito, muito forte mesmo.
— Eu pedi asinhas de frango, espero que você goste.
Apenas sorri, confirmando. Podia sentir meu estômago querendo me envergonhar mais uma vez, mas, pelo menos, não fez tanto barulho.
Olhei ao redor, estranhamente tímida. Agora que toda a adrenalina tinha passado e o silêncio se instalado, nós dois parecíamos não saber o que fazer.
— Ah, eu arrumei seu quarto. Vem, deixa eu te mostrar. — Bucky pareceu ter um estalo, rodeando a mesa e seguindo para o corredor.
Ele abriu a porta em frente ao banheiro, mostrando um quarto com uma cama de solteiro, uma pequena cômoda e um espelho na parede. Era simples, mas perfeito para quem não tinha literalmente mais nada.
— Não é muita coisa, mas…
Virei para ele, sem conseguir impedir o sorriso em meu rosto.
— É perfeito, Bucky. De verdade. Quanto eu vou ficar te devendo por isso?
O homem franziu completamente a testa.
— A pancada na sua cabeça foi tão forte assim? Não vou te cobrar nada.
— Mas a gente-
— Ah, é. Isso. Eu menti. — Ele deu de ombros. — Fique à vontade! — Apontou para o quarto, empurrando levemente para dentro.
— Bucky-
— Não. Eu não estou precisando de nada. E você não vai pagar nada enquanto estiver aqui. — Ele sorriu sem mostrar os dentes e me deixou sozinha.
Bufei, cruzando os braços, indignada com a sua cara de pau. Mas se ele achava que aquela guerra estava perdida, ele realmente não tinha visto nada ainda.
Mas estava cansada demais para travar uma luta naquele momento. E eu ia precisar de um tempo para organizar a minha vida. Precisava encontrar uma casa, um emprego e recuperar meus bens. Tenho certeza que pelo menos minha mala poderia ser recuperada daquele carro.
Começaria por ali.


Capítulo 03

Ponto de vista do Bucky:

Se o Steve me visse agora, não sei se iria rir ou chorar. Era ele quem tinha esse espírito de ajudar os outros, não importa a situação. Eu não era o tipo de pessoa que fazia aquilo. Normalmente, eu destruía tudo.
Mas, naquela tarde, eu não podia ficar só olhando. Eu simplesmente não conseguiria viver comigo mesmo sabendo que eu teria deixado alguém morrer só porque eu estava assustado o tempo inteiro.
O olhar de , apavorado pelo retrovisor do carro foi o que me deu impulso para praticamente saltar da moto e correr em direção ao seu carro. Agora ela estava ali, sentada na bancada da minha cozinha, devorando uma asa de frango atrás da outra.
Passei meu olhar por seu rosto, notando o quanto ela parecia muito mais relaxada agora. Eu ainda queria entender o que havia acontecido com ela, mas eu não queria que ela começasse a chorar de novo. Então, eu apenas iria esperar que ela me contasse por espontânea vontade.
Sam sempre dizia que, às vezes, as pessoas precisavam de um empurrão. Mas ele não me pressionou quando eu não estava pronto. E eventualmente, consegui me abrir. Não deveria ser muito diferente com .
No fim do dia, não era eu que tinha passado por uma experiência de quase morte. E eu sabia o quão assustador isso era.
— Então, os Avengers ainda são uma coisa? Tipo… Vocês se reúnem? — Fui pego de surpresa pela pergunta de .
Cocei a garganta, pensando na última vez em que havia visto todos reunidos. No funeral do Tony. Não era uma boa lembrança.
— Uh- Não. Nós… Quer dizer, eles… Bem, você sabe, Tony e Nat morreram. — Franzi o cenho ao lembrar da ruiva. Não tivemos muito tempo de convivência, mas eu sei que conhecia ela desde os tempos da HYDRA. — E o Steve também. Então, nós… É. Não existe mais “Os Avengers” — falei, esperando que ela entendesse.
— Ai, meu Deus — ela bateu com a mão na testa —, eu sou uma idiota. É claro, o Capitão América era seu melhor amigo. Eu sinto muito te fazer falar sobre isso — me pediu desculpas pelo que parecia a décima vez no dia, e eu neguei.
— Está tudo bem. A maioria das pessoas fica curiosa para saber o que aconteceu realmente, não é surpresa.
Eu sabia que tinha muito mais que ela queria comentar e perguntar, mas estava se contendo. Seu olhar viajou por todo o cômodo antes de voltar para mim.
— Pelo menos, vocês eram uma família, sabe?
Olhei para ela, sem entender muito bem.
— O time. Eu não acompanhava muito, mas pelo que víamos pelos jornais, parecia que vocês faziam tudo pelo outro. Estavam sempre ali, sabe? De uma forma ou de outra. — Concordei, me lembrando de como Steve nunca desistiu de mim, mesmo quando eu já o havia feito. — Eu não sei o que é isso há muito tempo.
— O que aconteceu com você, ? — perguntei, sem conseguir controlar minha língua. Queria bater em mim mesmo por não saber quando parar.
Ela me olhou e sorriu, negando com a cabeça.
— Longa história. A versão curta você já sabe.
— Sim, sua colega de quarto é uma filha da puta. E você foi demitida, o que os torna grandes cuzões também — falei e ela riu.
— Bom, todos menos Kenton. Ele tentou fazer o que pôde por mim. Mas ainda depende dos colaboradores da empresa, então... — Deu de ombros, como se não fosse muita coisa.
— É, mas se eles tivessem pelo menos te avisado, você não teria passado por tudo o que passou hoje — comentei, pegando mais uma asinha de frango.
— Sim, verdade. Mas sei lá, vai ver o universo tem planos para mim. Eu tento não pensar demais no que aconteceu — terminou, não conseguindo esconder um bocejo.
Fiquei apenas olhando, para ver se ela iria ceder ou apenas ignorar o cansaço que dava todos os sinais em seu corpo.
— Acho que é melhor eu ir deitar. — olhou ao redor, parando em mim. — Eu não tenho como agradecer o que você está fazendo por mim. — Balancei a cabeça para dizer que não precisava, mas ela apenas levantou a mão. — É sério. Se não fosse por você, eu nem estaria aqui.
Abri a boca para mandá-la parar de falar bobagem, mas desisti e somente acenei com a cabeça. Era o que bastava por enquanto.
— De nada.
Ela se despediu com um sorriso e seguiu para o quarto de hóspedes. Mas eu ainda não estava satisfeito. Por isso, mandei uma mensagem para o Sam, com instruções claras do favor que ele precisava fazer por mim. De alguma forma, somente dar abrigo para a mulher no quarto ao lado do meu não parecia suficiente.


Normalmente, minhas noites de sono não eram das melhores. Apesar da terapia e todos os momentos que me ajudaram a chegar até ali, eu ainda tinha que lidar com meus próprios demônios durante o sono. Porém, naquela noite, não foram meus gritos que me acordaram, mas sim o grito agudo e extremamente alto de , vindo do quarto ao lado. Era como se alguém estivesse tentando machucá-la.
Mas era impossível que alguém tivesse entrado no apartamento. Eu havia tomado todas as precauções para torná-lo seguro.
Levantei-me da cama apressado, quase tropeçando no lençol e correndo em direção ao cômodo ao lado. Entrei no quarto, sem nem pensar em bater, encontrando sentada, coberta de suor e com a feição mais assustada que eu já havia visto na vida.
Eu conhecia muito bem aquela imagem. Odiei ver um vislumbre de mim nela, naquele momento vulnerável.
— Hey, tudo bem, está tudo bem, . — Ajoelhei ao seu lado com calma. Levei meus dedos até seus cabelos, mas me retraí alguns milímetros antes de tocá-la.
Não sabia como ela iria reagir e assustá-la era a última coisa que eu queria.
, ei. Olha pra mim — incentivei, agoniado por ela ainda parecer estar presa em qualquer que fosse a memória em sua mente. — Eu tô bem aqui, está tudo bem. Você está segura — tentei chamá-la de volta para a realidade.
Mas eu sabia. Eu sabia como era ficar preso entre o sonho e a realidade. Sabia como algumas cenas eram difíceis de sair da cabeça.
Lentamente, olhou para mim. Seus lábios ressecados e os olhos cheios de lágrimas.
— Bucky…
— Isso, sou eu — sorri levemente para ela. — Estou aqui. Você está bem.
— Eu... — suspirou fundo. — O carro, eu- Eu sonhei que estava... — Seus olhos se perderam em algum ponto no quarto, mas eu a chamei de volta, tocando de leve seu braço.
— Eu sei. Está tudo bem. Foi só um pesadelo, você está segura — eu não era muito bom com palavras. Não mais. Mas tentei falar para ela o que eu mesmo costumava me falar quando os pesadelos eram mais constantes que a atualidade.
— Vou buscar um copo de água para você. Fica aqui — pedi, antes de me deslocar até o cômodo e voltando rapidamente.
Entreguei-lhe a água, observando-a beber tudo rapidamente.
— Obrigada — disse, me devolvendo o copo.
— Sem problemas.
— Desculpa ter te acordado — ela parecia envergonhada.
Se ela ao menos soubesse como eu a compreendia.
— Não tem por que se desculpar. Eu imaginei que isso fosse acontecer.
Ficamos em silêncio por um tempo, apenas aproveitando a companhia um do outro. O silêncio poderia ser bastante confortável.
— Acho que estou bem agora — anunciou e eu rapidamente me levantei. — Me-
— Não. Estou estabelecendo uma regra de proibido pedir desculpas — falei seriamente, mas com a voz suave, para ela saber que eu não estava bravo. — Descansa, . Você está precisando. Qualquer coisa, estou no quarto ao lado — avisei, saindo do cômodo e encostando a porta.
Eu não queria impor minha presença e que ela ficasse desconfortável. Por isso, deixei o quarto, porém com os ouvidos ligados em qualquer barulho que viesse de lá. Estaria pronto para socorrê-la a qualquer momento que ela precisasse novamente.



O barulho de batidas na porta tirou minha atenção do que quer que eu estivesse pensando. Não havia conseguido dormir de novo depois que havia tido o pesadelo. Fiquei no sofá, encarando a parede, esperando que ela tivesse qualquer outro problema. Assim, eu poderia ir ao seu encontro muito mais rápido.
Mas ela havia dormido de novo e assim permanecia.
Eu estava exausto, mas uma noite sem dormir não era nenhuma novidade para mim. Já havia tido piores. Pelo menos, dessa vez fiquei de pé por uma causa maior que meus próprios pesadelos.
— Você demorou — falei, abrindo a porta, dando de cara com Sam segurando uma mala.
— Ah, me desculpe. Quando você me ligou, não achei que fosse para solicitar o serviço de emergência. Erro meu.
Ignorei sua ironia, dando espaço para ele entrar.
— Então, em que tipo de confusão você se meteu dessa vez? — meu amigo perguntou.
Dei de ombros.
— Não me meti em confusão nenhuma.
— Sim, claro. Por isso você me ligou as 4 da manhã para buscar uma mala em um carro afundado. Que história é essa, Bucky?
Encarei o copo de café na mão. Por algum motivo, eu não queria dividir . Eu sabia como Samuel era enxerido e curioso. E a garota dormindo no meu quarto de hóspedes merecia um pouco de descanso antes de precisar lidar com ele.
— Salvei uma garota essa tarde. Na ponte — confessei.
Sam não falou nada, ficou apenas me olhando.
— Não sabia que estava envolvido no acidente da ponte.
— Não estava. Mas perto o suficiente para ver o engavetamento. — Olhei para ele dessa vez — Eu não podia ficar lá parado, esperando ela morrer.
— Então é claro que você bancou o herói.
Revirei os olhos.
— Não banquei o herói, Sam. Impedi uma pessoa de se machucar ou até morrer. Por que está pegando no meu pé com isso?
Sam ficou quieto.
— Você não costuma se envolver.
— O antigo Bucky não se envolveria mesmo. Eu não faço mais isso.
— Hm, sei. — Ele ainda me olhava com desconfiança. — Seja lá qual forem seus motivos, vou ajudar.
— Obrigado — respondi com ironia. — É mesmo um grande alívio.
— Ta, tá — me dispensou com uma das mãos. — Aqui está a encomenda. Não foi fácil achar no meio dos escombros, mas pelo menos só está molhada. Eu acho. — Colocou a mala no meio da sala. Ainda estava escorrendo um pouco de água, mas eu não poderia me importar menos.
— Onde está a garota?
— Dormindo.
— O quê? Achei que tivesse pedindo a mala dela para levar para ela no hospital.
— Não, ela não precisou ir, no final das contas. Está no quarto de hóspedes.
Sam ficou parado por um minuto inteiro, apenas me encarando. E então, andou até mim, colocando a mão em minha testa. Empurrei-o bruscamente.
— O que pensa que está fazendo?
— Conferindo sua temperatura. Você de repente começou a fazer um monte de coisas que jamais faria. E agora, está me dizendo que tem uma mulher dormindo no seu quarto?
— No quarto de hóspedes — corrigi.
— Dá na mesma.
— O que você queria que eu fizesse, hein? Só deixasse ela lá, sem amparo nenhum? — levantei o tom de voz, mas ainda com cuidado para não gritar e acordar . — Você não estava lá. Não ouviu o que eu ouvi. Ela precisava de um lugar e de alguém.
— E esse alguém é você?
Eu não gostava de pensar que alguém estava dependendo de mim. Não era exatamente o tipo de pessoa mais confiável do mundo. Mas eu poderia tentar, não?
— Ela não tem mais ninguém — fui sincero, olhando para Sam.
Mesmo depois de tudo o que passamos, Sam parecia ter dificuldade de entender o que eu havia feito.
— É que é muito esquisito para mim que você-
— Caramba, Sam! O que quer que eu diga? — explodi.
— Bucky?
Nós dois viramos ao mesmo tempo em direção ao corredor, encontrando uma sonolenta e confusa.
— Oi. Acordamos você?
Ela apenas negou com cabeça.
— O que está acontecendo? — ela encarava Sam, com o cenho franzido.
Antes que eu pudesse fazer ou falar alguma coisa, Sam andou até ela com a mão estendida:
— Muito prazer. Eu sou o Samuel. Você é a… — Virou para mim, se tocando que eu nunca disse seu nome.
— ela respondeu por mim.
— Muito prazer, .
— Você é o Capitão América — ela constatou e eu apertei os lábios um contra o outro. Ela sabia bem sobre as pessoas famosas da cidade.
— Isso. Exatamente — Sam abriu um largo sorriso. — Eu gostei dela.
Fiquei calado.
— O que estavam discutindo? — perguntou, parecendo lembrar da situação em que estávamos dois minutos atrás.
— Ah, não era nada. Esquece. — Dei a volta pelo sofá, agarrando sua mala e colocando em sua frente. — Mas Sam me fez um favor e achou isso para você.
olhou para o objeto aos seus pés e seus olhos brilharam.
— Minha mala. Como você…
— As asas nunca vão se aposentar — Sam deu de ombros, orgulhoso de seu trabalho.
— Eu sei que não é nem metade do que você precisa, mas é um começo. Vai andar com suas próprias roupas, pelo menos.
— É perfeito — ela sorriu. — Eu ia pedir para irmos até a polícia, tentar recuperá-la. Não acredito que pensou nisso. Obrigada — me abraçou.
Eu não estava esperando por aquilo. Demorei dois segundos para reagir e passar meus braços em volta dela.
— Por nada — esfreguei uma das mãos em sua costa, estranhando um contato tão próximo, mas ao mesmo tempo, gostando da sensação. — Você dormiu bem?
— Sim, melhor que pensei — se separou de mim, me olhando com um sorriso. — Desculpa ter acordado você.
— O que eu falei sobre as desculpas?
— Isso. Eu esqueci — sorriu. — Tem uma padaria aqui por perto? Estou morrendo de fome. Eu acho que tenho um dinheiro sobrando e-
— Ficou doida? Eu faço questão de comprar um café para uma moça bonita que nem você — Sam se meteu e eu o olhei seriamente. O cara não tinha um filtro. — Eu vou lá comprar tudo o que precisa.
E assim saiu, como se não houvesse acabado de ser o maior idiota do planeta.
o acompanhou com os olhos e então para mim, como se pedisse uma explicação.
— Eu gostaria de saber explicar. — Dei de ombros. — Desisti já faz um tempo.
Ela riu e então se abaixou para pegar a sua mala.
— Eu vou levar isso para o quarto, se não se importa.
— Já disse que é para você ficar à vontade.
Ela pareceu avaliar o estado da mala e então me olhou, timidamente.
— Eu sei que tenho minhas roupas de volta, mas acho que estão todas molhadas. Acho que vou precisar das suas de novo. — Apertou os lábios um contra o outro, parecendo envergonhada.
— Sem problemas, . — Ela assentiu e entrou no quarto. — Sem problemas — murmurei para mim mesmo, tentando entender por que ela me causava tantos sentimentos conflituosos.
E pelo visto, teria que descobrir sozinho.


Continua...



Nota da autora: Sem nota.

O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer.
Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus