Androphobia

Última atualização: 03/08/2019

Capítulo Único

Onde finge ser gay para se aproximar de

Do grego: Andras = homem e Phobos = medo).
Como com todos os medos, o medo dos homens também
é arraigado ou pré-programado como uma “resposta instintiva
ao perigo potencial”. Tal fobia pode afligir homens
e mulheres, mas é geralmente vista em mulheres mais jovens.


“Que merda, . Atenta no jogo!”

A voz de soou estridente nos headphones de e ele teve que arrancá-los por alguns segundos e apertar os tímpanos.

“Droga. Precisa gritar assim?”

“Precisa. Tão matando nossa equipe.”

“Que equipe?!”

“TÁ JOGANDO FORTNITE OU STARDOLL, MERDA?”

suspirou, fechou o jogo e chamou pelo Skype.

“Não tô com cabeça pra Fortnite.”, suspirou, assim que o amigo apareceu no vídeo.

bufou.

“O que é agora?”

suspirou e se acomodou melhor na cadeira.

.”

“De novo essa menina?”

“O que vai me dizer que nunca ficou afim de uma menina ao ponto de só pensar nela.”

“Não. Porque eu sou virgem e fracassado igual a você. As únicas garotas que eu gosto são personagens de hentai.”

“Você é desprezível, .”

“Obrigado. Mas não tanto como você que perde tempo pensando em uma garota que tem medo de caras.”

“O nome é androfobia, gênio.”

“Que seja, ela deve ser lésbica. Igual ao irmão gayzinho dela.”

“O que você tem contra gays?”

“Nada, tenho até amigos que são.”

suspirou, aquilo não estava o levando a lugar algum.

“Você sabe que todas estas coisas que falam sobre a >“ podem ser só boatos bem exagerados. Tipo ela convive todo dia com homens.”

“>“ só tem amigas mulheres.”

“Mas na escola ela precisa falar com homens de vez em quando. Professores, colegas…”

“Ela chutou as bolas do Daemin quando ele a segurou na Educação física quando o cara simplesmente estava tentando desviar ela de uma bola.”

“Ela é amiga de Taesung.”

“Porque ele é o cara mais gay da escola, ainda mais que o irmão dela.”

“E é por isso que eu não acredito que ela tenha androfobia. Androfobia é medo de homem em geral, não só de homem hetero.”

“Geralmente são os heteros que representam alguma ameaça às garotas.”

“Não é androfobia.”

“Então tá, porque você não se finge de gay e vira amigo dela?”

***


Era difícil conviver em uma escola onde ovos se tornavam caviar com apenas um estalar de dedos. Os irmãos eram a prova viva disto.

>“ era a garota estranha que tinha pavor de homens, quando na verdade ela só não sabia lidar muito bem com eles. Já vira amigas sofrendo por agressão, abuso, machismo e outras coisas que os homens faziam melhor do que ninguém e por causa disto decidiu que o melhor a se fazer era ficar bem longe dos garotos. Infelizmente, tal escolha só fez com que os mesmos dessem um jeito de atrapalhar sua vida bem de longe, dando a ela um status de garota intocável e perturbada.

recebeu a mesma sina de garoto intocável há quase um ano, quando Euntak espalhou para a escola inteira que ele era gay. Tudo porque a garota passou dias o assediando no Kakao com fotos e declarações lascivas que o deixavam muito desconfortável já que ele sempre fora um garoto religioso e para cortar a conversa de uma vez, sem magoá-la, cuspiu sem pensar que não gostava de meninas.

Ela não o questionou sobre nada. Nem ao menos cogitou a hipótese dele ser assexuado. A palavra “gay” veio a sua mente. A palavra “gay” foi espalhada. Isso não deveria ser um problema. Céus, eles estavam em 2018. Mas não importa o ano. Não importa o avanço. Nada muda o inferno que se chama escola.

Depois de um tempo, tanto >“ como passaram a ignorar os boatos e viver conforme a maré os guiava.

>“ jogou uma pilha de folhas na cara de Haewook, com o ódio deixando suas mãos trêmulas.

“VOCÊ COPIOU E COLOU TUDO? DO WIKIPÉDIA?”

Era um verdadeiro show. A menina que tem medo de rapazes estava mesmo atacando um rapaz.

“Colei. E eu com isso?”

“E eu com isso? Você tá no nosso grupo! Não pode fazer isso.”

Haewook riu com desdém e se levantou com tanta força que tombou a cadeira, dando um empurrão forte no ombro do >“. Ela gritou e os colegas envolta deles se exasperaram, em um uníssono.

“Tem medo de homem, não tem, ? Vou te dar um motivo de verdade pra ter medo.”

Haewook levantou a mão e bem na hora que ia acertar o rosto de >“, se colocou na frente da irmã gêmea e o empurrou com força.

“Brigue com alguém do seu tamanho.”

Haewook riu e ajeitou a gravata vermelha do uniforme.

“Ora se não é a bicha da 4B.”

“Posso ser bicha, mas vou acabar com a sua raça se encostar um dedo na minha irmã, seu infeliz.”

“O que está acontecendo aqui?!”, a voz da monitora Cha fez todos se sentarem, exceto >“, Jungook e Haewook.

“Nada monitora Cha, exceto os malucos dos gêmeos dando show de novo.”

>“ ainda estava encolhida nas costas do irmão.

“Ele tentou bater na minha irmã.”, argumentou.

“Ela jogou os papéis na minha cara primeiro”, Haewook replicou.

“É verdade, >“?”

A garota assentiu, de cabeça baixa, com o rosto recostado na camisa de . A monitora suspirou e arrancou um papel amarelo de sua prancheta.

“Detenção. E agradeça por eu não te levar até o diretor.”

>“ assentiu e pegou o papel. Uma detenção não devia ser pior do que a humilhação que ela e seu irmão acabaram de passar.

***


soube que >“ estava na detenção e deu um jeito de aprontar para conseguir uma folha amarela também. Então chamou a Sra. Kim, que tinha pelo menos uns 98 anos, de gostosa. Um desrespeito rápido, intolerável e engraçado que o levou a detenção imediatamente.

>“ rabiscava em seu caderno riscos desconexos. Algumas lágrimas borravam a tinta, formando algumas bolhas expressionistas que com certeza seriam uma boa obra de arte se algum hispter nova iorquino tivesse chorado ao invés dela.

Toda vez >“ lembrava da mão aberta de Haewook erguendo-se sobre o seu rosto. Lembrava do seu irmão gêmeo a defendendo e dele sendo humilhado também.

A escola era um inferno. Não era nem de longe o que todos os dramas escolares e filmes clichês ocidentais representavam. Passava a maior parte do seu tempo ali e cem por cento dele era um verdadeiro pesadelo. Queria que o pesadelo fosse só dela. Mas o seu irmão, que era doce e bondoso também passava por tudo aquilo.

Não entendia como o mundo podia ser tão injusto com os dois, em apenas 18 anos de vida.


Ela sentiu um cutucão em seu ombro e se sobressaltou mais do que o comum. Viu um garoto de cabelos escuros como os dela e lábios cheios. O nome lhe fugia da mente mas só o fato de ser um garoto já lhe deu náuseas.

“O-oi >“. Lembra de mim né? Sou o da 7A.”

>“ engoliu em seco e levantou, puxando somente o caderno consigo e correndo para o corredor. Por sorte, o monitor da detenção estava ocupado demais lendo uma revista com as garotas do Blackpink na capa. >“ olhou para trás e viu o tal ao seu encalço com um olhar preocupado.

“O que você quer?”, ela encostou no armário.

gaguejou antes de falar.

“S-só queria dizer oi.”

“Bom… oi. Agora pode me deixar em paz.”

…”

“Não te conheço e nem quero conhecer. Só quero terminar minha detenção.”

“Vocês dois! Pra dentro.”, o monitor finalmente notou os dois ali. >“ suspirou e entrou, tomando o cuidado de passar bem longe de antes de cruzar a porta.

Ele se sentou mais perto dela e seu coração quase virou pedra dentro do peito.

“>“ eu não quero te fazer mal. Não precisa ter medo de mim.”

“Não tô com medo de você. Só não quero falar com você nem menino nenhum.”

“>“, mas eu não sou como os outros meninos. E-eu só queria uma ajuda.”

Ela olhou de soslaio para ele, enquanto ainda rabiscava alguma coisa no caderno.

“Fale o que quer de uma vez.”, disse finalmente olhando de uma vez nos seus olhos

Ele suspirou e tentou falar as palavras que planejara falar desde a última conversa com .

Céus. Não era fácil. Se alguém escutasse isso que ele estava prestes a falar… estaria acabado. Acabado mesmo. Seria o seu fim naquele lugar.

Mas os olhos de >“… o contorno do seu nariz, a forma que os cabelos médios caiam sobre os seus ombros e os seus lábios… Ele precisava conhecer melhor aquela menina.

Ela o fascinava há muito tempo.

“>“, eu estou apaixonado pelo seu irmão.”

***


O caminho da casa deles era o mesmo, o que deixou >“ meio embasbacada. Não fazia a menor ideia de quem era há poucas horas. Ainda não sabia muito, mas sabia duas coisas: era gay e estava apaixonado por .

>“ se sentiu presa em uma ratoeira. Porque sabia bem que seu irmão não era gay, mas não queria magoar aquele rapaz. Estava de mãos atadas, presa em sua própria complacência.

“E-eu tô sem palavras.”, ela disse depois de um discurso longo de sobre como era difícil ser gay naquele lugar e como foi ainda mais difícil suprimir aqueles sentimentos pelo seu gêmeo.

Mas, algo naquele discurso o tornava pesado. Arrastado. Ela não sabia dizer o que.

“Não precisa falar nada.”, ele suspirou. “Só precisava dizer isso a alguém.”

Eles pararam em frente a casa dela. havia pegado uma carona com uma colega até a casa dela, já que tinham seminário em dupla na segunda e precisavam preparar tudo.

“Eu não sei o que fazer, . Meu irmão é muito reservado. Eu entendo os seus sentimentos, m-mas acho que você devia falar com ele pessoalmente.”

“Não posso >“.”

“Por que não?”

“Porque tenho medo de ser rejeitado.”, ele colocou as mãos no bolso. “Eu… Queria me aproximar dele de alguma forma, mas não sei como.”

“Meu irmão não tem muitos amigos graças a Kwang Euntak.”, >“ tentou não deixar o ódio transpassar nas palavras mas foi quase impossível. “Então pode ser difícil arrumar amizade com ele.”

“Eu podia andar mais com você.”

“Comigo?”, ela apontou para si mesma. “ também não sou popular.”

“Mas é irmã de .”

“Ah…”

“Por favor, .”, ele deu um passo em direção a ela, que se afastou um passo também. “É a única forma. Eu cansei de não fazer nada em relação ao meu coração. Eu preciso estar perto de você… pra estar perto dele, claro.”

Por incrível que pareça, a maior parte daquelas palavras não carregava o peso das anteriores.

…”

“Por favor. Me deixa ser seu amigo.”

Ela suspirou e agarrou as alças da mochila.

“Tá bem. Mas não garanto que meu irmão corresponda a esses sentimentos.”

sorriu tanto que parecia doer as maçãs do rosto.

“Sua amizade já é o suficiente.”

“Ótimo.”, ela olhou para o portão. “Bem. Nos vemos amanhã então.”

“Nos vemos. Tchau >“.”

“Tchau .”

>“ foi dormir com os pensamentos pesando em sua mente, que davam a sensação dela estar deitada em uma cama de pedras. Não importava o quanto se mexia, o desconforto permanecia. E ela só pensava em como aquela situação era demasiadamente estranha.

Se perguntava o que faria no dia seguinte. Se permitiria mesmo que aquele garoto estranho fosse seu amigo. Se isto não seria um erro, já que só aumentaria suas esperanças com seu irmão. Cogitou a possibilidade de ser direta e dizer que seu irmão não era gay e ele não teria a menor chance. Mas então ela lembrou-se dos olhos tristes de e o quão desesperado ele parecia ao ponto de considerar apenas a sua amizade o suficiente para estar mais próximo do garoto que gostava.

>“ gemeu e se virou pela décima vez para o lado oposto ao que estava deitada. Aquela seria uma longa noite.

***


sentiu o peso daqueles olhos selvagens e ameaçadores em cima dele e de . Ele já suspeitava disto, mas não fazia ideia do quão mal se sentiria ao chamar tanta atenção. Escutava os fuxicos trocados, as risadas intrínsecas, as miradas acusatórias. Quando se aproximaram de , que estava organizando uma pasta no colo, sentado nas escadas, o estômago de virou geleia e ele se deu conta do erro que cometeu.

Ele colocou outra pessoa na sua mentira e pior: o irmão dela. Se questionou o que aconteceria se o garoto soubesse dos seus supostos sentimentos. Ele os corresponderia? O quão mal se sentiria ao saber que ele nunca foi o que amou em segredo por todo este tempo?

Ele engoliu em seco quando levantou o olhar para os dois e arqueou as sobrancelhas.

“>“? Quem é ele?”

“A-ah, este é . A gente vai fazer o projeto de música juntos.”

“O projeto de música? Mas a professora não deixou que o pessoal escolhesse as duplas?”

“Sim e eu escolhi .”

“Mas ele é um menino.”

O sangue de todo o corpo de >“ se concentrou em suas bochechas em uma mistura de raiva e vergonha. Ela cerrou os punhos e trincou os dentes. riu, nervoso e se curvou rapidamente. o encarou, depois encarou a irmã e o encarou de novo.

Então ele… sorriu. >“ ser perguntou o que será que ele estava pensando.

“Bom… desejo sorte no projeto de vocês. Qualquer ajuda que precisarem.”

“Obrigado.”, sorriu de novo e gesticulou para >“, para que continuassem caminhando.

Quanto mais longe daquele menino ele ficasse, mais seguro para ele seria manter a farsa.

“Então você vai lá em casa depois da aula?”, >“ perguntou quando chegaram ao refeitório.

“Preciso passar na minha casa antes. Meus pais estão viajando e preciso dar comida a nossa gata.”

“Qual é o nome dela?”, ela perguntou, pegando uma porção de arroz.

“De quem?”

“Da gata, oras.”

“Ah… Cookie.”

“Oh.”, ela notou uma familiaridade. “Quem escolheu o nome?”

“Eu. Compramos faz uns dois meses.”

Meu Deus, ele é mesmo obcecado pelo meu irmão, >“ pensou.

“Já pensou o que faremos no projeto de música?”, ele perguntou, colocando a bandeja na mesa e separando os hashis.

“Tenho umas ideias, mas acho legal discutirmos em casa. Vou mostrar meus esboços.”

“Por mim, tudo bem.”

***


>“ havia tomado um banho e preparado um pacote de lamen. Os pais estavam cientes que um colega deles viria fazer trabalho em casa, então a mãe resolveu preparar costelas de porco. O cheiro só aumentou a fome de >“, por isso o lamen.

“Primeira vez que você traz um garoto pra casa, precisamos fazer bonito.”, a mãe sorria, perdida nos temperos que escolhia no armário.

“Mãe ele é um colega, não um namorado. E a gente só vai fazer trabalho. Ele vai vir aqui direto, então se for fazer costelas toda vez que ele vier, os porcos vão ser extintos.”

A mãe a ignorou, como sempre.

“Não sei se gosto da ideia de ter um garoto estranho aqui o tempo todo.”

“Pai, vai por mim, agradeça a Deus por isso.”

Pela segunda vez no dia, >“ sentiu vontade de jogar o irmão na frente de um caminhão.

, posso conversar com você lá em cima?”

“Ih, segredinhos?”, a mãe especulou, ainda com um sorriso no rosto.

“É sobre a escola.”, ela lançou ao irmão um olhar sugestivo que ele entendeu na hora que era sobre uma das muitas coisas sobre eles que os pais não sabia.

largou o celular em cima da mesa de centro da sala e subiu as escadas. >“ foi logo atrás e o encontrou dentro do quarto que eles dividiam. Fechou a porta atrás de si e suspirou.

“Desembucha.”

“Preciso te fazer uma pergunta, mas você precisa me prometer que não vai ficar irritado.”

“Já estou irritado, >“.”, ele se sentou na cama.

Ela suspirou outra vez e colocou as mãos nos bolsos do moletom identico ao do irmão que a mãe comprara numa promoção há anos. Os resquícios de um passado quando os gêmeos ainda usavam roupas em par. Mas agora eram tão diferentes que se usassem aquilo na rua, pensariam que era um casal. A ideia sempre enojava >“.

… você é gay?”

Ele riu e replicou sarcástico.

“Você tem androfobia?”

>“ ruborizou.

“Eu tô falando sério.”

“Eu também estou, . Caramba!”, ele se levantou. “Até você se deixou levar por estes boatos?”

“Por causa da igreja, eu pensei que talvez você só estivesse escondendo.”

“Inacreditável.”, ele cerrou os dentes.

“Você nunca desmentiu.”

“PORQUE NUNCA ME DERAM A CHANCE, >“!”, ele gritou. Depois bufou e tratou de se acalmar. “Eu simplesmente cansei de lutar contra essa gente. Eu sofro com isso todo o dia. Me imagino o quão pior seria se eu realmente fosse gay e desprezo essas pessoas por isso, então eu só quero relaxar e empurrar tudo isso com a barriga até a droga do colégio acabar. É mais fácil. E caso eu não tenha respondido a sua pergunta, não >“… Não sou gay. Gosto de garotas, mas não de todas as garotas. Agora saia do meu quarto.”

“Jungk....”

“Sai do meu quarto, . Agora!”

>“ assentiu, sentindo uma vergonha ainda maior do que a de mais cedo, maior do que a do dia anterior, maior do que qualquer outra. Porque não conhecia o seu irmão. Ou melhor, conhecia o seu irmão. Mas deixou que os boatos falassem mais alto então, qual era a diferença entre ela e os outros?

O problema não estava em ser gay, ou não ser. O problema era ter a sua identidade roubada e ser excluído por isso.

E agora as coisas estavam piores. Porque ela não fazia ideia do que falar para . De qualquer forma ele sairia machucado.

Ele apareceu meia-hora depois. Os pais, como esperado, fizeram um alvoroço desnecessário de perguntas que ele respondeu sem ao menos gaguejar. era mesmo um mistério. Porque ora parecia perdido em suas próprias palavras, ora parecia convicto de tudo o que dizia.

>“ mal o conhecia. E ela partiria o seu coração, sem sequer estar nele. Partiria pelo seu irmão.

***


Em maio, >“ e começaram o projeto que seria mais simples do que ela imaginou. Ela tocaria piano, ele cantaria. Mas a composição seria própria dos dois, então ganhariam os créditos de criatividade de apresentação nisto. Muito mais inteligente do que quebrar a cabeça tentando organizar um palco com apresentações pirotécnicas, cantando uma música que todo mundo já sabia.

Ele ia em sua casa quase todos os dias. No início, só para o trabalho. Depois, ficava horas a fio sem percebê-las passando, só jogando com >“ e conversando sobre futilidades que ela jamais tivera a oportunidade de conversar com ninguém, nem com as poucas amigas.

Em junho, >“ descobriu que morava a apenas um quarteirão de distância e que era filho único. Descobriu também que o único amigo dele era Min , o garoto mais bonito entre o bando dos esquisitos da escola. Aquele que nem mesmo a beleza era capaz de fazer as garotas passarem por cima de suas peculiaridades e se atraírem por ele. Era um caso perdido.

Ela descobriu que antes de se conhecerem, ela já reparara em . Também o achou muito bonito. No entanto, pensava que a sua beleza, assim como a de , era suplantada por suas próprias peculiaridades, mesmo que bem menores que as do amigo e por isso não tinha namoradas. Mas agora ela sabia que ele não tinha namoradas porque sequer gostava de garotas.

Em julho, ela estranhou o fato dele pouco falar sobre . Estranhou ainda mais ele parecer totalmente indiferente a presença dele quando estava em sua casa, ou nos corredores da escola. Mas >“ não tinha coragem de perguntar se ainda amava o seu irmão. Porque tinha medo dele responder sim e dela ter que dizer a verdade. Ela torcia para que, depois de conhecê-lo melhor, esta paixão platônica tenha se dissipado.

As férias de verão chegaram e viajou com os seus pais para o Japão. E eles se conversavam todo dia pelo Kakao.


Em agosto, >“ reparou que eles nunca falavam de coisas de menina. Geralmente amigos gays sempre falam sobre outros garotos, sobre paixões por idols. Mas eles nunca falavam sobre isso. Sempre sobre jogos, comida, sobre o que fariam no final de semana…

Em setembro, ela reparou que o sorriso dele era lindo e reparou que toda vez que ele a abraçava, em uma brincadeira, ou a consolava em seus dramas menstruais, seu coração batia mais rápido que o normal. Ela sonhou algumas noites que ele a beijava e acordava irritada consigo mesma. Aquilo era… inconcebível.

Em outubro, ela notou que já não tinha mais tanto medo dos garotos, mesmo que eles ainda zombassem dela. provava a ela a cada dia que alguns garotos não são tão… nocivos quanto ela imaginava. Notou também que as pessoas começaram a espalhar que ela e estavam tendo um caso e esperou que ele desmentisse, mas ele não fez nada. Se perguntou se ele apenas estava assumindo a mesma postura de de deixar para lá, já que o ano estava quase acabando.

Em novembro, percebeu que tinha se apaixonado por .

***


Para comemorar o fim das aulas, os alunos iriam acampar nas montanhas. Era tradição dos formandos. >“ sabia desde o início do ano que não iria, mas mudou de ideia no mesmo instante em que disse que queria ir. Que seria divertido.

Ela mal dormira naquela semana. Preparou as malas cedo demais, se planejou cedo demais. Perguntou na terça-feira se iria e ele disse “de jeito nenhum” e questionou porque >“ seria hipócrita o suficiente para comemorar a formatura com as pessoas que os atormentaram por anos. Tudo o que >“ disse foi “ vai estar lá.”. Foi o suficiente para assentir, se recostar na cama e continuar o livro que lia com um sorrisinho sabichão.

Ele sabia que ela gostava de . Mas nunca quis saber dos detalhes. Ela não sabia o porquê. Ele simplesmente era assim. Indiferente o suficiente para não questionar, esperto o suficiente para saber das coisas por si só.

Os pais a encheram de advertências preocupadas, conselhos e outras baboseiras que os pais sempre falavam quando filhos iam a estes lugares. “Cuidado com meninos, não ande com estranhos, fique com os monitores, não beba nada que te oferecerem.”

>“ encontrou no ônibus. Ele acenou animado para ela e abriu espaço para ela sentar-se na janela.

“Está tão frio.”, ela se encolheu na jaqueta.

Ele abriu os braços e a abraçou. Aquele ritmo em seu coração… esperava que ele não o sentisse batendo, já que nem a grande quantidade de tecidos da jaqueta parecia suprimir aquelas batidas.

Jinah se ajoelhou sobre o seu banco e olhou para trás.

“Eu tive uma ideia.”

Involuntariamente, >“ revirou os olhos.

“Os monitores fazem vista grossa nos corredores. Só vigiam na hora que nos instalamos nas cabanas. está no mesmo quarto que Joon Ho e eu estou com você, >“. Vamos trocar de quarto a meia-noite.”

“E por que a gente trocaria de quarto com vocês?”, >“ cuspiu.

“Por que algo me diz que você também quer o que eu quero.”, Jinah piscou.

“Não tô te entendendo.”

“Para de se fazer de sonsa, .”

“Não tô me fazendo de sonsa, só estou perguntando o que você está sugerindo.”

“Por quanto tempo você quer a troca?”, se manifestou.

“Só por uma noite.”, Jinah respondeu.

“Ok.”

“OK?”, >“ se exasperou, mas Jinah já tinha colocado os fones e se acomodado no assento.

“Deixa ela, >“. Não vale a pena ficar brigando.”

“Mas ela é folgada, . Como pode querer me expulsar do quarto?”

“Você vai dormir com ela durante uma semana. Não acho uma boa ideia arrumar briga por causa disso. Ela pode fazer travessuras.”

“Tipo?”

“Tipo… colocar pasta de dente aqui.”, ele beliscou o nariz dela e ela riu, perdendo a carranca. “Relaxa >“. Vai ser só essa noite. Eu levo UNO. E Imagem e Ação.”

“Leve doces também.”

***

O dia passou como se fossem 24 minutos, ao invés de 24 horas. Eles se instalaram, almoçaram, caminharam pelo sopé da montanha, fizeram uma fogueira e depois todos foram para seus quartos. Meia-noite, Jinah saiu sem dar satisfação alguma a >“ e minutos depois apareceu com uma caixa de jogos.

Eles começaram com UNO. Ela arrancou um pacote de batatas da mala e dividiu com ele. Ambos engordurando o baralho com os dedos.

“Você pegou muito leve com a Jinah.”

“Estava preocupado com você.”

“Pois não deveria. Sei lidar com essas cobras.”

“Eu sei que você sabe. Mas eu queria que esses dias fossem bons pra você, >“. Você já sofreu muito tempo. Merece dias bons de colégio, mesmo que não sejam… no colégio.”

Ela assentiu e engoliu em seco. A pergunta estava coçando em sua mente e ela precisava fazê-la de uma vez.

, você… ainda gosta do meu irmão?”

Ele arqueou as sobrancelhas e gaguejou. Ao invés de ruborizar, ficou pálido como papel.

“E-eu… Não. Talvez seja a convivência, sei lá. Ele não é bem o que eu imaginava.”

“E o que você imaginava?”

Ele pareceu pensar. Mordeu os lábios e sorriu. >“ queria entender o porquê daquele sorriso. Lembrava o sorriso que ele dava quanto eles compartilhavam alguma piada interna na frente de estranhos.

“Não sei exatamente. Só sei que algo desviou a minha atenção.”

Ela estava prestes a perguntar o que. Mas ele se levantou, pegou a caixa de Twister e estendeu o tapete do jogo no chão.

“Este eu vou ganhar.”

Ela riu e se levantou.

“É o que vamos ver.”

Ele girou a roleta.

“Pé direito no amarelo.”

E começaram o jogo. Separados no tabuleiro até acabar dando um nó em si mesmos depois de algumas rodadas.

“Eu cansei de ficar com a cara na sua bunda. Por favor gira essa droga.”, ela não se aguentava de rir. “Pelo amor de Deus, não solta um pum.”

Ele riu e girou mais uma vez.

“Minha mão esquerda no vermelho.”

Ele tentou alcançar o ponto que estava próximo ao joelho de >“, mas se enrolou nas pernas dela e ambos desequilibraram. >“ caiu em cima dele, rindo.

“EU VENCI.”

“Não venceu não.”

“Venci sim, você caiu.”

“Por sua causa!”

Eles riram mais um pouco. Até que perceberam como estavam próximos. >“ até pouco tempo imaginava que todas aquelas cenas de filmes, quando o casal caia e se encarava era um dos muitos clichês mentirosos. Mas aquilo era real. Seu coração rasgando o seu peito era real. O arrepio que sentiu quando acariciou a sua cintura, por baixo do suéter foi mais do que real.

Ela era uma pedra de gelo que, aos poucos, se derretia.

“O que você est-”

Então o inesperado aconteceu. Ele a beijou. Com uma força que ela não esperava, de uma forma que ela não esperava. E o susto inicial não foi o suficiente para que ela não correspondesse aquele beijo. Ela agarrou os seus cabelos e subiu em seu colo, deixando os lábios dele a consumirem, como brasas.

Ela não entendia nada. Talvez fosse só um sonho. Mas era tão real.

Foi ai que ela sentiu o peso. O peso da verdade. Enquanto o incêndio aumentava. Enquanto ele beijava a sua clavícula.
“Você mentiu pra mim.”, ela sussurrou.

E ele parou. E a olhou nos olhos.

“>“.”

“Ok. Você pode ser bi. É o que explicaria t-tudo isso.”, ela ainda estava ofegante. “Mas ainda assim mentiu.”

‘>“, por favor não fica brava.”, ele choramingou.

“N-não estou brava, Quer dizer. MEU DEUS, CLARO QUE EU ESTOU BRAVA.”, ela pulou de cima dele. “Você…”, suas mãos tremiam. “V-você…”

“Eu gostava de você, >“. Eu sempre gostei, mas você tinha medo de homens.”

Ela queria vomitar. Queria vomitar, gritar, sair correndo.

“Eu só queria me aproximar.”, deu um passo em sua direção.

“NÃO ENCOSTA EM MIM!”

“>“.”, os olhos dele estavam marejados. “Me perdoa.”

“Eu sou uma piada? É isso? Eu e o meu irmão somos uma piada?”

“Não! Nunca. Eu só não sabia como chegar perto de você. Você tinha androfobia.”

Ela riu, com o peito transbordando amargura. Agora ela sabia… como se sentiu quando ela o perguntou se ele era gay. Ela saiu do quarto correndo. Ele foi atrás. Como da primeira vez em que se viram.

.”

O que veio depois foi como um borrão. Os alunos saindo do quarto. Rindo do ataque histérico dela e de vê-la dando socos no peito de . Piadas infames e gritaria cruzando os corredores. Coisas do tipo “ela não gostou do que viu. O medo de machos deve ter voltado.”

>“ queimava explodia de vergonha. Queria sumir dali. Queria que todos morressem.

Queria ser uma estrela naquele céu de dezembro. Queria ser qualquer coisa, menos .

***


amava . E, por isso, mentiu.

Mas, se não tivesse mentido, poderia ter mantido este amor sob controle enquanto ainda era platônico. Enquanto ainda era idealizado em sua mente. Enquanto ele só admirava >“ por sua beleza comum e seu jeito misterioso e tímido. O seu erro foi mentir e a consequência foi permitir que este amor evoluisse. Se permitir conhecê-la e perceber que ela só se mantinha na defensiva porque ninguém lhe dava a chance de mostrar quem ela era de verdade. Uma menina que não tinha medo de ser feliz, mas que era barrada por motivos que ele nunca, nunca entendeu.

Ele mentiu e a afastou por isso.

E não aconteceu como nos filmes clichês, onde o casal depois de alguns dias ou até meses de distância, durante um momento emocionante e especial, se entendem e se permitem uma segunda chance. foi embora cheia de feridas que ele deixou em seu coração.

Ele tentou viver com o remorso de ter ferido a garota mais doce que ele já conheceu. Ela tentou viver com as horríveis lembranças que o Ensino Médio deixou em sua memória. E tentou não ter mais medo de homens.

E conseguiu. Porque todas as vezes que pensava em todas as coisas ruins que um homem poderia lhe fazer, ela lembrava de todas as coisas boas que viveu com , mesmo com o final trágico que as sucedeu.

Ela pensou que ele continuaria ali, apenas na sua memória. Apenas lembrando-a de quem foi que a fez perder o seu medo de homens.

Mas, em uma noite de verão, depois do primeiro dia de estágio, ela viu passeando com um cachorro no parque em frente ao prédio da empresa. Ela cogitou… por um leve instante que aquele poderia ser o momento clichê, emocionante e especial que acenderia os sentimentos que por tantos anos foram congelados.

Antes dela se virar e esquecer que o viu, ele olhou para a sua direção. Seus olhares se encontraram e ela não pode evitar de sorrir.

Então ele sorriu também… E ela se permitiu concluir, ao menos naquele momento, que talvez a vida fosse mesmo um pouco clichê.


Fim.



Nota da autora: Sem nota.





Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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