Capítulo Único
2018
Malibu, CA
- ESSA MULHER ME ODEIA? – sacudi o jornal quase na cara do , embora quisesse rasgar aquele papel reciclado com violência. Pennelope, nossa filha, prendeu uma risada e recebeu um cutucão do pai.
Eu tinha atravessado a porta da casa dele com tanta fúria, que acho que seria capaz de derrubar qualquer um que cruzasse a minha frente. O grande problema? Genevive Gorjan me achava previsível. P-R-E-V-Í-V-E-L. Previsível. Aquela mulher insuportável e antipática me achava previsível. Por quê? Porque na opinião – que ainda valia bastante – dela, o gênero new adult com cenas para maiores de 18 anos era “perca de tempo”. E adivinhem? Eu sou uma escritora de New Adult, meus livros têm um alcance estrondoso entre o público feminino com mais de 18 anos, se for apurar, acredito que até meninas com menos idade acabam lendo. Pennelope começou ler quando fez 16, então é algo que não está no meu controle.
Genevive Gorjan insiste que eu sou previsível, acomodada e não sei escrever outra coisa, porque peguei carona no sucesso que o sexo faz entre as leitoras mais novas. Ela me resumiu a uma escritora de sexo desenfreado. O que eu discordo completamente, pois todas as minhas histórias têm assuntos importantes e de construção pessoal sendo tratados. Me orgulho do que escrevo e não vou ser baixa ao ponto de meter a vida pessoal dela para tentar justificar essa crítica sem pé nem cabeça, mas por algum motivo desconhecido, ela não gosta da A. Williams.
Prazer, sou Caversani Williams, ou A. Williams para quem me conhece pela minha profissão. Sou escritora de New Adult, com conteúdo sexual sim, três vezes no topo do New York Times no mesmo ano e milhões de cópias vendidas da minha última tetralogia publicada. E tenho uma filha com meu melhor amigo.
- Calma aí, Godess. – tentou me acalmar, tirando aquele jornal ridículo das minhas mãos e me sentou na cadeira da mesa de jantar.
Minha cabeça vai explodir.
- O que essa mulher insuportável disse sobre você, mãe? – Penny me olhou, interessada e curiosa. O pai dela pareceu tentar entender o porquê do meu acesso de fúria lendo a crítica do Good Morning Los Angeles.
- QUE FALTA DE RESPEITO! – estava com o rosto vermelho e provavelmente tão irritado quanto eu. Aquele homem sabia de toda a minha luta para credibilizar o conteúdo adulto no mercado editorial. – Ela praticamente resumiu sua mãe a “escritora de sexo desenfreado”. – ele resumiu a crítica para nossa filha, depois entregou o jornal a ela. Apontei para ele. – Você não é nada disso, Godess, e sabe disso! Suas histórias sempre têm assuntos extremamente pertinentes e de amadurecimento. Essa mulher é maluca!
Eu amava o num nível que nunca conseguiria entender.
-Autch. – minha filha fez careta depois de ler a crítica. – Só tem uma explicação para isso tudo. – Penny deu de ombros calmamente e mirei minha atenção nela.
Pelas roupas, com certeza sairia pro treino de hóquei logo após o café. Ela tinha acabado de ser contratada por um time da segunda divisão de Los Angeles e aquilo me deixava tão orgulhosa, embora me preocupasse que seu potencial não estivesse sendo aproveitado como deveria. Por esse motivo, queria que Penny fosse jogar hóquei na faculdade, mas não dependia só de mim.
- Ela claramente não gosta do gênero... – nossa menina ponderou. – Ou não gosta de sexo.
- Pennelope! – repreendemos e ela bufou como se garantisse que não dizia nada demais.
- Essa mulher critica tudo que você escreve, achei que a opinião dela fosse irrelevante. Já vemos que é uma implicância sem o menor sentido. – Penny bufou ao levantar da mesa. – Volto a perguntar. A crítica dela importa mesmo?
- Claro que não, Pennelope ! – eu estava na defensiva demais, porque no fim das contas, minha filha de 18 anos tinha razão. Ela arqueou as sobrancelhas, pegou a mala no chão e me deu um beijo na testa, dizendo que iria almoçar comigo.
No fim das contas, sobramos eu e o na cozinha, cada um mais indignado e frustrado que o outro. Eu precisava mostrar aquela mulher que ela estava redondamente enganada.
- O que você vai fazer? – ele perguntou enquanto fazia carinho na minha mão.
- Escrever um novo romance. – dei de ombros. – E dessa vez eu pretendo sair da minha zona de conforto.
Life's great these days
No work, all play
I got nothin' to complain about, no
Not a lot that I can sing about
Woke up just fine
Slept in 'til nine
It's not exactly deep and meaningful
When you're writin' new material
Nada. Não tinha nada na minha cabeça, consumi exageradamente todo tipo de material na última semana, mas nenhum parecia me inspirar o suficiente ao ponto de criar um novo universo. Era isso que eu estava em busca, um novo universo, uma nova história, novos personagens que fugissem do meu óbvio, ou que fossem completamente diferentes dos que eu já tinha.
Tentei terror e tive pesadelos depois dos dois volumes de IT.
Desisti de fantasia depois de reler uma série da Sarah. Nenhum personagem chegaria aos pés de um guerreiro mestiço de mais de 500 anos. Então decidi ser apenas uma amante e fã das fantasias, pois nisso eu era muito boa.
Minha vida já estava sendo um drama, então deixei qualquer hipótese do gênero morrer na primeira tentativa. E aí também se encaixava a autobiografia, porque minha história envolvia muito mais gente que não podia ser exposta. Minha filha era uma delas.
Eu tinha me libertado de muitas amarras há tempo demais para tentar um romance de época, embora adorasse a Julia e a Lisa, sabia que aquele universo não era para mim. Se bem que o Cam Rohan me deixou o gatilho de pesquisar um pouco mais sobre a cultura cigana, talvez futuramente fosse interessante.
Liguei para Theresa tentando entender como se fazia um livro acadêmico e adivinhem. Não era para mim. Minha amiga riu e me pediu para ter calma, ainda reforçando a hipótese de que a Gorjan só era implicante.
Cogitei a ideia de publicar minhas poesias, mas elas estavam enquadradas dentro da categoria: pessoal demais.
Tenho certeza que meus personagens deveriam estar me jurando de morte naquele exato momento, principalmente quando os deixei de lado para tentar uma coisa nova. Eu era uma péssima autora.
Sabe o que mais me matava? Minha vida estava perfeita demais para ter algum drama que inspirasse minha cabeça a funcionar do jeito que eu gostava.
Estava difícil sair da minha zona de conforto para escrita. Eu escrevia o que eu gostava e receber uma crítica tão desumana, direta e cruel tinha sido a pior coisa daquelas semanas.
No sábado, decidi largar meu apartamento que estava me enfadando e mudar – pelo fim de semana – para casa do , ao menos lá era aberto e arejado. Muito aberto e muito arejado. Além de que, minha filha estaria jogando naquela tarde e eu tinha certeza que precisava de uma boa dose de adrenalina.
- Sua cara tá péssima. – fez careta assim que entrei na sua cozinha e mostrei o dedo em um gesto obsceno.
- Vá se ferrar, . – pronunciei seu nome, pois sabia que ele odiava e ficaríamos quites. Que lindo, dois adultos com 41 anos, se xingando numa tarde amena de sábado. – Cadê minha filha? – me atolei num copo de água gelada, enquanto ele terminava de guardar a louça.
- Já foi para arena com o time. – ele suspirou e segurou meus ombros, parecia preocupado. – Você dormiu nos últimos três dias?
Pior que não, e a coloração escura embaixo dos meus olhos só denunciavam ainda mais isso. Aquela semana tinha sido horrorosa, não consegui dormir um dia sequer e estava evitando o , porque não queria conversar sobre aquilo com ele. Queria sofrer sozinha, refletir, pensar e quem sabe, estar aberta a conversar. Bom, naquele sábado eu já estava.
- Faz uma semana que eu não durmo, . – rolei os olhos, me desvencilhando de suas mãos e me escorei na ilha, suspirando, exausta. Não queria que ele viesse com mais um punhado de palavras de apoio ou eu iria chorar, precisava que brigasse comigo.
O mais irônico de tudo era que eu tinha recebido tanto apoio, todos os parentes do – que agora também eram meus, mesmo que por tabela – tinham me ligado, mandado mensagem e me confortado de que aquela crítica era mentirosa. Até a Pam, mãe dele, me ligou indignada. Se juntou com as amigas para fazer um protesto online e aquilo me deixou tão emocionada e acolhida.
- PERDEU O JUÍZO? – o homem gritou, me tirando dos pensamentos e arregalei os olhos, assustada. – Ao menos, pelo cabelo molhado, você parece que tomou um banho. Pelo amor de Buda, , você não é assim. – ele coçou a cabeça e parecia bravo. Me impedi de encolher os ombros. – Ótimo, então agora você vai se destruir por causa de uma crítica irrelevante?
- É O MEU TRABALHO!
- Que você faz muito bem, inclusive. – ele jogou o pano de prato na pia e eu quis estourar a cabeça dele de tanto apertar. – Não deveria ligar para tudo que essa mulher fala. E nem adianta me dizer que não passou a semana pensando nisso, porque eu te conheço o bastante para saber que você passou sim.
Soltei um grunhido frustrado, sentindo uma vontade imensa de bater os pés na cozinha tal qual uma criança mimada. Era frustrante saber que o tinha razão e pior ainda, concordar que eu precisava daquela sacudida.
- E... eu meio que fiz uma coisa. – ele me encarou com os grandes olhos castanhos culpados. Droga! – Liguei pro Charlie e pro Pie. – ok, aquilo tinha me deixado muito surpresa. Desde quando tinha voltado a falar qualquer coisa com Pierre, que não fosse trabalho? – Sei que você tá precisando de novas experiencias e novos relatos para se inspirar e eu tenho certeza, os dois podem te ajudar muito em relação a isso. Então tomei a liberdade de entrar em contato com os dois.
Não contestei, reclamei, ou me opus a ajuda do . O abracei com força pela cintura, repousando minha cabeça em seu peito e senti um beijo cheio de carinho nos meus cabelos recém lavados.
So, I could sing about heartache, but it ain't broke
Sing about addiction, but I don't smoke
I could feel the kinda song coming on
Everyone can sing along
Here comes another one
“É preciso conhecer uma vibe diferente para pensar diferente. Ansioso para te ver.
Charles”
Bom, eu concordava, em partes, claro que ouvir uma boa história era inspirador, mas nada seria como viver uma boa aventura.
E era aquilo que mais me admirava no , toda a sua preocupação para com os meus assuntos, principalmente os pessoais, fazendo toda aquela jornada em busca por conhecimento se tornar divertida como uma caça ao tesouro. Eu só saberia qual seria a próxima missão, se ficasse até o fim na que eu estava. O homem era um gênio!
Quer dizer, mais ou menos, porque nem com um grande ponta pé, conseguiu entender o que estava rolando. Aquilo me deixou putamente culpada, porque acabei gerando um desentendimento entre ele e o irmão mais novo.
Sacudi a cabeça e respirei fundo.
Atravessei a rua e, ao longe, vi um cara sentado em uma mesinha do lado de fora de uma lanchonete que parecia ter saído do Woodstock. A cena era engraçada demais, pois por mais que o tenha me contado daquela fase rebelde do Charles, e eu tivesse visto boa parte, era estranho demais vê-lo tão à vontade em um lugar como aquele. O cara era o rockstar mais certinho que eu conhecia, marido apaixonado, pai responsável, pai de cachorro... E por aí ia!
Não entrava na minha cabeça que Charles tivesse fumado um dia.
Mas ao mesmo tempo, fiquei feliz em ser o Charles, irmão do meio dos meninos, afinal ele me ajudaria com o processo de inspiração para que eu pudesse sair dos padrões. E ele mais do que ninguém, sabia a importância da criatividade. Eu esperava tanta coisa daquela conversa. Principalmente a decisão sobre a dúvida: de se era uma boa escolha sair do meu padrão de escrita.
- ! - ele levantou da cadeira e abriu os braços assim que me viu. O abracei com toda força, sentia muita saudade dele e da Terry. Nunca entendi por que a família não havia se mudado para California também.
- Charles, não acredito que te fez vir até aqui! – soltei uma risada surpresa e ele uma piscadinha.
- Faço tudo por meus irmãos. – ele beijou minha cabeça e, em seguida, nos acomodamos nas cadeiras.
- Cadê a Terry?
- Atolada com todas as consultas e os problemas da clínica. Você conhece. – ele sacudiu a cabeça e afirmei com um sorriso animado. Ela era mesmo incrível e fazia muito bem seu trabalho. – Mas e aí, pronta? – Charles empurrou um pacotinho na minha direção e só aí percebi que aquilo estava em cima da mesa pequena.
Tabaco e a famosa maconha. Onde raios o homem tinha conseguido a droga, eu não sei, mas a seda amarelada não enganava ninguém. Olhei para os lados, como uma adolescente que fazia algo escondido dos pais e só aí me dei conta, eu tinha 41 anos e maconha era liberada para uso recreativo no estado da Califórnia. O maior problema era o fato de eu nunca ter fumado na vida, nem cigarro de mel, imagina um com nicotina... E sobre a maconha? Estava meio assustada para entrar naquele assunto.
- , nós somos adultos e isso foi comprado numa loja de conveniência, calma! – meu... cunhado (?) soltou uma gargalhada estrondosa e precisei lhe estapear, mas acabei rindo junto. Ele tinha razão. Sacudi a cabeça e passei a mão pelos cabelos. – Tá tudo bem, de verdade, não vai aparecer um paparazzi aqui para acabar com minha carreira. Eu usava essa merda abertamente há uns 13 anos. – rimos de novo e sacudi a cabeça.
- Você tem certeza de que quer fazer isso? – perguntei ao mirar os dois tipos de cigarro em cima da mesa e meu cunhado/ amigo/ marido de uma das minhas melhores amigas, negou com um aceno, resignado. Pois é, nem eu.
- Terry me mataria. – ele soltou uma risada divertida e fui obrigada a confirmar, porque ela me mataria também.
- Acho que seria um enterro duplo, Charlie. – encostei a testa na mão, começando a rir daquela situação, no mínimo, hilária. Quando estava nervosa, me dava umas crises descontroladas de riso.
Ele rapidamente, também rindo, juntou as coisas em cima da mesa, botou no pacote de papel e amassou. Seria muito cruel da minha parte exigir que Charles me ensinasse a fumar, sabendo que ele estava há mais de treze anos limpo, depois de uma luta árdua contra o vício na nicotina. Terry tinha passado por uma barra e tanto, sofreu, eu sofri vendo aquilo tudo, até Pierre que era o mais novo e tinha tido um começo de carreira inconsequente, tinha se afetado com aquela problemática do Charles. Eu não iria ser covarde!
- Quer me falar sobre? Talvez me ajude com os novos ares, como diz o . – ri fraco.
- Hey. – o homem mais novo que eu segurou minhas mãos com cuidado. – Não fica assim. Eu sei como é difícil lidar com toda essa pressão da mídia, pressão do mercado, das críticas. Sei como é difícil tentar criar algo diferente para o nosso público, , mas fugir do nosso padrão de criação é mais uma forma de adiar o inevitável. – ele beijou minhas mãos e pude sorrir, agradecida por todo o carinho do Charles. Era bom poder dividir aquilo com alguém que sabia o que eu estava passando e entender de vez por que os outros dois falavam que o irmão do meio, era o homem dos conselhos.
- Obrigada, Charles. – abri um sorriso genuinamente grato. – De verdade! Você pode me contar um pouco mais sobre essa sua fase? Acho que pode me ajudar com ideias.
O homem sorriu largo e tomou fôlego, começando a me contar como tinha entrado naquela furada envolvendo nicotina e maconha. Nossa bebida – um refrigerante – chegou rápido e entre os goles, descobri que o Charles tinha começado a fumar com dezoito anos, escondido do Lohan e da Pam, pelo visto era moda entre os garotos que frequentavam a pista de skate. Uns meses depois veio a surpresa da primeira gravidez da Terry e pelas preocupações, ele começou abusar ainda mais da nicotina.
A maconha mesmo, só se fez presente quando o moleque do interior de Quebec se viu deslumbrado com tanta fama e reconhecimento. O Addicted To You tinha deslanchado rápido demais e é assim que as pessoas são expostas ao ilícito, dentro dos backstages. Eu nunca tive uma ligação muito direta a essa vida midiática dos meninos e fui apresentada às drogas ilícitas, imagine ele.
Descobri também que tinha sido ele o responsável a apresentar todo aquele lado do backstage ao Pierre, e que Charles se sentia extremamente culpado por isso. Os dois geralmente faziam shows nas mesmas noites e querendo ou não, o mais novo via um espelho no irmão. Depois daí veio a fase mais difícil e essa eu lembro, ficou arrasado quando descobriu que os irmãos mais novos tinham ido um pouco além da maconha, mas a pior vergonha foi Charles e Pierre terem aparecido em uma premiação completamente chapados.
Eu ainda ria da história, mas tinha sido punk demais lidar com aquela bagunça há 13 anos. Foi quando entramos em cena para tentar ajudar, foi quem tomou as responsabilidades de dar as broncas e mostrar o quanto aquilo era escroto e errado, Charles caiu em si por ser pai de dois, mas Pierre... O caçulinha precisou ser tratado como um tio exemplo para entender que não queria ser a referência errada para as crianças. Bom, no fim das contas acabou dando certo.
- Eu não acredito nisso! – joguei minha cabeça para trás em uma gargalhada quando Charles me contou que tinha confiscado a maconha de um adolescente no aniversário de 16 anos da Leo. – E aí vocês simplesmente fumaram a maconha e foram encarar os policiais como se nada tivesse acontecido?
Mais uma gargalhada.
- O quê? Você queria que eu fizesse o quê? – ele enxugou os olhos que lacrimejavam das risadas. – Eu era o pai ali! E ah, convenhamos, eu não sou tão certinho quanto vocês pintam, nem eu e nem a Tetê.
Nos olhamos e rimos outra vez. Charles era certinho sim.
- A gente estava precisando sentir a selvageria jovem, fomos pais novos demais. – ele constatou o fato e não encontrei qualquer arrependimento em sua voz. Eu adorava aquilo no meu amigo.
- Eu teria feito a mesmíssima coisa. – respirei fundo e confessei, estava tão mais leve com aquela conversa, além de saber que uma nova personalidade havia começado a se formar na minha gavetinha do cérebro com personagens.
Charlie puxou um envelope do bolso e me entregou, fiz uma careta e depois arregalei os olhos, por um minuto tinha esquecido da minha missão aquele dia. Encontrar novas experiências.
Nos despedimos com um abraço apertado e só abri a próxima pista quando fechei a porta do Jeep. No cartão dizia:
“Espero você na praia de Rincon, vá de biquini por que vamos surfar
Ps, seu preferido”
Soltei uma gargalhada porque aquilo era coisa do Pierre, mas dei graças a Deus por não ser em Mavericks, ao menos estava claro que não queria me matar com ondas de 24 metros de altura.
I could sing about the ocean, but I don't swim
Sing about the trouble that I never been in
It's like a song you heard before
Keeps you comin' back for me
This is not unique, and definitely not original
A conversa com o Charlie no dia anterior tinha sido incrível, esclarecedora e inspiradora como eu esperava. Isso tinha me deixado animada com os novos planejamentos, começando a anotar mais algumas ideias para a personalidade – ainda sem nome – que se formava na minha cabeça. O lado ruim de tudo isso? A personalidade era típica de um romance new adult, ou seja, nada novo no meu padrão.
Frustrante.
Pulei do Jeep tão ansiosa como estava no dia anterior, peguei minha bolsa de praia com toalha, protetor solar, uma muda de roupa e até uns sanduichinhos naturais para matar a fome depois de algumas horas. O lugar era lindo e o sol da manhã varria tudo, dando uma sensação gostosa de lar e calor, a brisa batia em minha cara fazendo eu me sentir em casa. A California era mesmo o meu lugar! Assim que saí da faixa de grama, pondo os pés na areia morna, percebi por que aquela tinha sido a escolha do meu cunhado mais novo. O irmão do , digo.
Estar inserida na vida deles como mãe da Pen era tão intenso que eu realmente os considerava como cunhados, por mais que não tivesse qualquer maldade naquilo.
Ao longe vi o Pie de costas para mim, sozinho na faixa de areia, se alongando e com a roupa de surfe vestida só até a cintura. Duas pranchas brancas com alguns designes em azul e laranja estavam enfiadas pertinho dele, bem ao lado, deduzi que uma fosse minha e a outra sua. Era tão estranho vê-lo sem nenhuma garota histérica ao redor, ou um grupo de pessoas tentando conversar, tirar uma foto. Prendi uma risada e consegui entender minha estranheza para cena, não eram as garotas histéricas, ou as contidas. Faltava sim alguém ali, mas era a Esme. Os dois só viviam juntos e não fazia ideia de o porquê de não namorarem.
- HEY, PIE! – gritei para chamar sua atenção.
- ! – o moleque me abriu os braços em um gesto repleto de carinho.
Todos nós, que éramos mais velhos que Pierre, tínhamos a mania horrível de chamar um homem de 34 anos de moleque pelo simples fato de que havíamos o visto crescer, subir na vida, se tornar alguém incrível de conviver e uma referência para nova geração de jovens. Ele havia me mostrado ser um homem e tanto, então eu evitava chamá-lo assim na maioria das vezes, mas os irmãos abusavam mesmo.
Nos abraçamos com força no meio daquela brisa e senti um beijo carinhoso entre os cabelos, me mostrando que estava tudo bem entre a gente. Eu tinha o menino divertido de volta e confesso, aquela foi uma das melhores constatações do último mês.
- Fiquei sabendo que tem uma mulher rabugenta criticando suas cenas super realísticas de sexo. – ele beijou minha testa e separamos do abraço porque lhe dei um tapa no ombro.
-Você é tão idiota! – rolei os olhos. – Ela não é rabugenta, ela é uma das maiores críticas literárias desse país. – esclareci com uma péssima cara de repreensão. Pierre pediu desculpas pelo comentário e aceitei.
- Acho que entendi por que você é tão famosa, talvez eu devesse tentar letras mais descaradas? – ele fez um biquinho prendendo a risada e meu queixo despencou pelo comentário filho da mãe.
Não deu dois segundos e eu estava correndo pela praia atrás do irmão mais novo do , o xingando dos piores palavrões que conseguia lembrar – e não são exatamente muitos, pois temos uma política anti-palavrão dentro de casa desde que a Penny com seis anos chamou um cachorrinho de “caralho” achando que era uma palavra bonita. Sempre perco o tom de tanto rir quando lembro.
Parei no meio da faixa de areia, apoiando o corpo nos joelhos e gritei mais um xingamento que mal saiu da minha garganta. Eu estava sedentária demais e a Pennelope ficaria decepcionada se visse meu péssimo condicionamento físico aquele dia. Pierre virou com os braços abertos, as bochechas herdadas do Lohan, vermelhas e um sorriso incrivelmente irritante nos lábios. Se eu jogasse meu chinelo, conseguiria acertar a cabeça dele a distância?
- MOLEQUE INSOLENTE! – gritei quando ele já andava despreocupado na minha direção com um bico ridículo que me fez rir. Nós dois acabamos aquela briguinha ridícula aos berros.
- Primeiro, que não sou um moleque, , me respeite. – ele começou enumerar nos dedos com o deboche costumeiro. Eu amava aquele cara. – E segundo, só assim você ia relaxar para realmente sentir o oceano. Depois, você tá sedentária, viu?
- Vá se ferrar! – chutei areia nele e o homem riu alto.
- Desculpa o comentário infame sobre suas criações incríveis. Inclusive sou fã demais de todas as suas séries, mas você precisava desse impulso para defender seus livros com unhas e dentes, além de liberar a raiva. – ele piscou, astuto. Ok, eu não tinha pensado naquilo. – Acha que vale a pena procurar um foco novo?
Abri um sorriso imensamente grato pelas palavras, que assim como as de Charlie, tinham me feito refletir muito bem. Mas, não concordava exatamente com a linha de raciocínio dele, porque se a Gorjan tinha feito a crítica, um fundo de verdade deveria ter. Chata, eu estava chata remoendo aquilo.
- Se ela criticou, um fundo de verdade deve ter.
- Discordo. – ele disse enquanto me entregava a roupa especial para surfe. Suspirei e tirei a saída de banho, depois passei a roupa pelas pernas, com ajuda do Pierre porque a apertura dos pés não queria passar pelos meus. – O leu o texto para mim e achei uma falta de respeito daquelas com você, que escreve sobre assuntos bem relevantes em cada história. Achei o máximo a série “Sport for Life” onde você claramente botou a mulher em evidência, a minha personagem preferida é a Agnes. Chorei junto com ela.
Nós dois rimos, porque sabíamos que a inspiração era a minha jogadora de hóquei marrenta.
- Obrigada. – agradeci quando ele terminou de me ajudar com a roupa, começando a vestir as mangas da dele. Mas o agradecimento era sobre mais do que aquilo. Respirei fundo e percebi o que estava estranho naquela conversa.
Espera, o tinha ligado para ele?
- ligou para você? – entortei minha boca em uma careta e meu amigo passou a mão pelo cabelo escuro, suspirando. Aquilo era um sim. – Como assim o ligou para você? – perguntei de novo. Incrédula com aquela informação.
Não era como se os dois não se gostassem, Pierre e eram melhores amigos, irmãos “unha e carne” e aposto que até mais próximos do que a relação com o Charles. Onde estava, o mais novo estava junto e era a coisa linda que já tinha visto, até eu ter transado com o Pie. Não, não foi uma decisão inteligente e muito menos a que eu mais me orgulhava, tínhamos ficado tão transtornados quando a ficha caiu que o sexo nem valeu a pena, na verdade.
Não entendam mal, eu e ele tínhamos nos divertido bastante na fatídica noite. Era uma after party de um dos shows do Charles, em Montreal, eu estava indignada que o não estava querendo entender a tensão sexual entre nós dois, eu e ele. E foi como em um lapso, Pierre me cantou na brincadeira, eu levei a sério e acabamos transando. Uma vez só. sequer notou, mas o moleque estava tão transtornado que decidimos contar.
Aquele foi o momento que a bomba estourou e o pai da minha filha culpou o irmão. Os dois brigaram feio e dentro de tudo que o havia dito tinha um ressentimento muito grande e mal resolvido, mas foi ali que me perguntei qual era a posição do cara na minha vida e se ele não tomava porte. Se me queria, me conquistasse e não ficasse de briguinha ridícula com o irmão – que não teve culpa alguma, no fim das contas –.
- É... – Pie coçou a cabeça e soltou uma risada sem graça. – Ele disse que precisava de ajuda sobre seu processo criativo, aí eu pedi desculpas, tentei implorar, na verdade. Odeio ter o bravo comigo. Mas ele cortou minha súplica, dizendo que me desculpava se eu nunca mais tocasse no assunto. – o mais novo dos três soltou uma risadinha nervosa, como se esperasse minha aprovação naquela situação. – Ele é burro. – suspiramos em concordância.
Pierre nunca teve a intenção de magoar ninguém.
O abracei pela cintura como Penny sempre fazia e tentei passar todo o meu sentimento de gratidão por aquele gesto, sendo abraçada de volta com a mesma intensidade e respeito. Tive a certeza de que tudo tinha se resolvido da melhor forma possível.
Pelo resto da manhã Pierre me ensinou, ainda na areia, como pular e se equilibrar na prancha. Depois de algumas repetições fomos, finalmente, pro mar esperar que uma onda me fizesse treinar o que eu tinha aprendido no chão. Enquanto estávamos parados em cima da prancha, conversando baixinho sobre as metáforas da vida, entendi que era um oceano inexplorado no qual eu não estava sabendo nadar, só sabia me afogar todas as vezes que tentava o entender e talvez, só tivesse um jeito de tentar aprender nadar nele, escrevendo sobre ele.
Ao fim do nosso dia surfando, eu já tinha mais um pouco da personalidade do Tate formada – o nome que eu tinha dado a personalidade sem nome depois da conversa com o Charles –, além de entender um pouco sobre como as fases da história dele se desenrolariam. Entrei no meu Jeep aliviada pelo momento que tinha vivido e abri o cartão que o Pierre havia me dado.
“Te espero em casa”
E não precisava nem estar assinado para eu saber a quem pertencia aquela letra.
Give me some pain
Enough to put words in my brain
To make this more than a love song
There's no denying
Music's for cryin'
It's satisfying
That's why I'm writin'
Another song about
- Devia ter tomado um banho antes de ter se jogado em meus lençóis. – fez uma careta ridícula e lhe mostrei o dedo do meio.
- Só estou realizando seu sonho de deixar meu cheiro por aqui. – pisquei, descarada e ele soltou uma risada gostosa que arrepiou minha coluna.
- Como foi com os caras? – dispensou a atenção da TV e virou de lado no meio dos travesseiros.
- Divertido e revelador. – sorri. – Eu estava com saudade dos meninos. – ele sorriu também, bem mais largo que eu. – Foi importante, acabamos conversando sobre processo criativo e responsabilidades.
- Algum lampejo de ideia para o novo romance? – mordeu a boca, ansioso para a minha resposta.
- Várias ideias, na verdade, mas ainda meio conflitantes com o rumo que eu queria tomar. – suspirei, exausta. – Você deveria terminar comigo. – olhei para ele do meu lado, com uma cara suplicante. soltou uma gargalhada contagiante.
- Vai sonhando. – ele sacudiu a cabeça negativamente, depois virou o rosto para me olhar.
Uma imensidão de lembranças dançava em seus olhos e provavelmente a mesma que inundava os meus. Desde quando nos conhecemos, quando a Penny chegou em nossas vidas – um pacotinho chorão e cheirosinho –; quando conseguimos passar pela fase conturbada sobre a descoberta da diabetes dela; a adolescência – sempre era difícil – ; tudo, absolutamente tudo que havíamos passado era grande demais para que ele realizasse meu desejo de um “término” só pela dor temporária que geraria um processo criativo desenfreado.
- Como vou escrever um livro emocionante se você não terminar comigo? – cutuquei suas costelas, vendo o homem imenso se encolher feito uma minhoca em cima da cama. Rimos alto. – Livros são para chorar, é por isso que eu escrevo.
arqueou a sobrancelha grossa.
- Seus livros já são emocionantes sem precisar de algo catastrófico, Godess. – ele beijou minha bochecha, voltando a falar com a voz mansa: – Você escreve sobre assuntos relevantes com uma leveza que nunca vi ninguém escrever, você aborda temas intensos e isso não sufoca durante a leitura. Talvez eu esteja sendo tendencioso? Com certeza! – outra risada gostosa preencheu o quarto e não consegui conter um sorriso. – Eu sou seu maior fã e independente do que aconteça entre a gente, vou continuar madrugando no site da pré-venda para conseguir comprar o primeiro exemplar, vou montar mais prateleiras no meu estúdio pessoal, vou ler o livro como se fosse o meu primeiro livro no mundo. E pode ser um livro ruim, que nem aquela música terrível que escrevi esses dias. – ele tomou fôlego em uma risada e nem percebi o quanto meus olhos já estavam marejados. – Eu vou dizer que gostei. Você é uma escritora incrível, , e não vou deixar que uma crítica irritante conflitue com seus números comerciais. Acha mesmo que se fosse ruim você estaria onde está hoje?
Neguei com um aceno contido, enxugando meus olhos afogados em lágrimas de alívio. Eu sabia de tudo aquilo, cada palavra que ele me disse, eu vivenciava todo santo dia e tinha plena consciência do quanto meus livros eram importantes na vida de uma ou duas pessoas por aí. Talvez um pouco mais. Mas ouvir aquilo dele, era reconfortante.
Me joguei em cima do o abraçando com força e sendo abraçada de volta na mesma intensidade, enquanto sentia vários serem estalados na minha cabeça.
- Vou acabar escrevendo sobre você. – soltei uma risada no meio do choro e o meu melhor amigo pareceu se animar, me jogando pro lado na cama, só para ficar de pé no chão e fazer a pose da Mulher Maravilha. Gargalhei.
- AH, PARA! Não ri de mim, posso fazer a pose de um deus grego. – ele fingiu ser uma escultura. – Me conta, eu vou ter guelras, dentes de vampiro ou um chifre no meio da cabeça? – perguntou como se meu foco fosse ser do universo fantástico. – NÃO! Quero um par daquelas asas poderosas.
Foi quando não segurei mais a gargalhada e me encolhi na cama bagunçada, rindo das palhaçadas do . Ele era foda demais.
- Eu não vou escrever fantasia, palhaço!
- Ah, para! Já tinha gostado da ideia de ter algo extraordinário, fora meu cérebro, óbvio. – ele abriu um sorriso presunçoso e mostrei a língua. – E nosso amigão claro. – o sorriso dessa vez foi safado.
- QUE NOJO, .toUpperCase())! – gritei em desespero, vendo o homem de 1,80 entrar numa crise de riso lascada pela minha cara de asco repentina. – Você é tarado!
- Mais uma gracinha pro seu personagem mais perfeito. – o porte convencido daquele homem era fora de controle. – Qual vai ser o nome do cara mais incrível que você já escreveu na sua vida? – ele perguntou ao deitar na cama novamente e dessa vez parecia mais inflado que o normal.
- Tate! – nunca estive tão firme em uma decisão sobre personagens como aquela. – E na verdade, ele vai ter bastante do Charles e do Pierre também, você foi a cereja do bolo para construir de vez a personalidade.
O homem fingiu um suspiro indignado por não ser só sobre ele e o empurrei de leve.
- E qual vai ser o super poder do cara?
- Não vou escrever fantasia, cara. – mordi a boca em pura ansiedade quando encarei seus olhos. – Vou fazer o que faço de melhor, vou escrever mais um livro sobre amor.
Another song about love
And it keeps gettin' better
You can sing it forever
Malibu, CA
Eu tinha atravessado a porta da casa dele com tanta fúria, que acho que seria capaz de derrubar qualquer um que cruzasse a minha frente. O grande problema? Genevive Gorjan me achava previsível. P-R-E-V-Í-V-E-L. Previsível. Aquela mulher insuportável e antipática me achava previsível. Por quê? Porque na opinião – que ainda valia bastante – dela, o gênero new adult com cenas para maiores de 18 anos era “perca de tempo”. E adivinhem? Eu sou uma escritora de New Adult, meus livros têm um alcance estrondoso entre o público feminino com mais de 18 anos, se for apurar, acredito que até meninas com menos idade acabam lendo. Pennelope começou ler quando fez 16, então é algo que não está no meu controle.
Genevive Gorjan insiste que eu sou previsível, acomodada e não sei escrever outra coisa, porque peguei carona no sucesso que o sexo faz entre as leitoras mais novas. Ela me resumiu a uma escritora de sexo desenfreado. O que eu discordo completamente, pois todas as minhas histórias têm assuntos importantes e de construção pessoal sendo tratados. Me orgulho do que escrevo e não vou ser baixa ao ponto de meter a vida pessoal dela para tentar justificar essa crítica sem pé nem cabeça, mas por algum motivo desconhecido, ela não gosta da A. Williams.
Prazer, sou Caversani Williams, ou A. Williams para quem me conhece pela minha profissão. Sou escritora de New Adult, com conteúdo sexual sim, três vezes no topo do New York Times no mesmo ano e milhões de cópias vendidas da minha última tetralogia publicada. E tenho uma filha com meu melhor amigo.
- Calma aí, Godess. – tentou me acalmar, tirando aquele jornal ridículo das minhas mãos e me sentou na cadeira da mesa de jantar.
Minha cabeça vai explodir.
- O que essa mulher insuportável disse sobre você, mãe? – Penny me olhou, interessada e curiosa. O pai dela pareceu tentar entender o porquê do meu acesso de fúria lendo a crítica do Good Morning Los Angeles.
- QUE FALTA DE RESPEITO! – estava com o rosto vermelho e provavelmente tão irritado quanto eu. Aquele homem sabia de toda a minha luta para credibilizar o conteúdo adulto no mercado editorial. – Ela praticamente resumiu sua mãe a “escritora de sexo desenfreado”. – ele resumiu a crítica para nossa filha, depois entregou o jornal a ela. Apontei para ele. – Você não é nada disso, Godess, e sabe disso! Suas histórias sempre têm assuntos extremamente pertinentes e de amadurecimento. Essa mulher é maluca!
Eu amava o num nível que nunca conseguiria entender.
-Autch. – minha filha fez careta depois de ler a crítica. – Só tem uma explicação para isso tudo. – Penny deu de ombros calmamente e mirei minha atenção nela.
Pelas roupas, com certeza sairia pro treino de hóquei logo após o café. Ela tinha acabado de ser contratada por um time da segunda divisão de Los Angeles e aquilo me deixava tão orgulhosa, embora me preocupasse que seu potencial não estivesse sendo aproveitado como deveria. Por esse motivo, queria que Penny fosse jogar hóquei na faculdade, mas não dependia só de mim.
- Ela claramente não gosta do gênero... – nossa menina ponderou. – Ou não gosta de sexo.
- Pennelope! – repreendemos e ela bufou como se garantisse que não dizia nada demais.
- Essa mulher critica tudo que você escreve, achei que a opinião dela fosse irrelevante. Já vemos que é uma implicância sem o menor sentido. – Penny bufou ao levantar da mesa. – Volto a perguntar. A crítica dela importa mesmo?
- Claro que não, Pennelope ! – eu estava na defensiva demais, porque no fim das contas, minha filha de 18 anos tinha razão. Ela arqueou as sobrancelhas, pegou a mala no chão e me deu um beijo na testa, dizendo que iria almoçar comigo.
No fim das contas, sobramos eu e o na cozinha, cada um mais indignado e frustrado que o outro. Eu precisava mostrar aquela mulher que ela estava redondamente enganada.
- O que você vai fazer? – ele perguntou enquanto fazia carinho na minha mão.
- Escrever um novo romance. – dei de ombros. – E dessa vez eu pretendo sair da minha zona de conforto.
No work, all play
I got nothin' to complain about, no
Not a lot that I can sing about
Woke up just fine
Slept in 'til nine
It's not exactly deep and meaningful
When you're writin' new material
Nada. Não tinha nada na minha cabeça, consumi exageradamente todo tipo de material na última semana, mas nenhum parecia me inspirar o suficiente ao ponto de criar um novo universo. Era isso que eu estava em busca, um novo universo, uma nova história, novos personagens que fugissem do meu óbvio, ou que fossem completamente diferentes dos que eu já tinha.
Tentei terror e tive pesadelos depois dos dois volumes de IT.
Desisti de fantasia depois de reler uma série da Sarah. Nenhum personagem chegaria aos pés de um guerreiro mestiço de mais de 500 anos. Então decidi ser apenas uma amante e fã das fantasias, pois nisso eu era muito boa.
Minha vida já estava sendo um drama, então deixei qualquer hipótese do gênero morrer na primeira tentativa. E aí também se encaixava a autobiografia, porque minha história envolvia muito mais gente que não podia ser exposta. Minha filha era uma delas.
Eu tinha me libertado de muitas amarras há tempo demais para tentar um romance de época, embora adorasse a Julia e a Lisa, sabia que aquele universo não era para mim. Se bem que o Cam Rohan me deixou o gatilho de pesquisar um pouco mais sobre a cultura cigana, talvez futuramente fosse interessante.
Liguei para Theresa tentando entender como se fazia um livro acadêmico e adivinhem. Não era para mim. Minha amiga riu e me pediu para ter calma, ainda reforçando a hipótese de que a Gorjan só era implicante.
Cogitei a ideia de publicar minhas poesias, mas elas estavam enquadradas dentro da categoria: pessoal demais.
Tenho certeza que meus personagens deveriam estar me jurando de morte naquele exato momento, principalmente quando os deixei de lado para tentar uma coisa nova. Eu era uma péssima autora.
Sabe o que mais me matava? Minha vida estava perfeita demais para ter algum drama que inspirasse minha cabeça a funcionar do jeito que eu gostava.
Estava difícil sair da minha zona de conforto para escrita. Eu escrevia o que eu gostava e receber uma crítica tão desumana, direta e cruel tinha sido a pior coisa daquelas semanas.
No sábado, decidi largar meu apartamento que estava me enfadando e mudar – pelo fim de semana – para casa do , ao menos lá era aberto e arejado. Muito aberto e muito arejado. Além de que, minha filha estaria jogando naquela tarde e eu tinha certeza que precisava de uma boa dose de adrenalina.
- Sua cara tá péssima. – fez careta assim que entrei na sua cozinha e mostrei o dedo em um gesto obsceno.
- Vá se ferrar, . – pronunciei seu nome, pois sabia que ele odiava e ficaríamos quites. Que lindo, dois adultos com 41 anos, se xingando numa tarde amena de sábado. – Cadê minha filha? – me atolei num copo de água gelada, enquanto ele terminava de guardar a louça.
- Já foi para arena com o time. – ele suspirou e segurou meus ombros, parecia preocupado. – Você dormiu nos últimos três dias?
Pior que não, e a coloração escura embaixo dos meus olhos só denunciavam ainda mais isso. Aquela semana tinha sido horrorosa, não consegui dormir um dia sequer e estava evitando o , porque não queria conversar sobre aquilo com ele. Queria sofrer sozinha, refletir, pensar e quem sabe, estar aberta a conversar. Bom, naquele sábado eu já estava.
- Faz uma semana que eu não durmo, . – rolei os olhos, me desvencilhando de suas mãos e me escorei na ilha, suspirando, exausta. Não queria que ele viesse com mais um punhado de palavras de apoio ou eu iria chorar, precisava que brigasse comigo.
O mais irônico de tudo era que eu tinha recebido tanto apoio, todos os parentes do – que agora também eram meus, mesmo que por tabela – tinham me ligado, mandado mensagem e me confortado de que aquela crítica era mentirosa. Até a Pam, mãe dele, me ligou indignada. Se juntou com as amigas para fazer um protesto online e aquilo me deixou tão emocionada e acolhida.
- PERDEU O JUÍZO? – o homem gritou, me tirando dos pensamentos e arregalei os olhos, assustada. – Ao menos, pelo cabelo molhado, você parece que tomou um banho. Pelo amor de Buda, , você não é assim. – ele coçou a cabeça e parecia bravo. Me impedi de encolher os ombros. – Ótimo, então agora você vai se destruir por causa de uma crítica irrelevante?
- É O MEU TRABALHO!
- Que você faz muito bem, inclusive. – ele jogou o pano de prato na pia e eu quis estourar a cabeça dele de tanto apertar. – Não deveria ligar para tudo que essa mulher fala. E nem adianta me dizer que não passou a semana pensando nisso, porque eu te conheço o bastante para saber que você passou sim.
Soltei um grunhido frustrado, sentindo uma vontade imensa de bater os pés na cozinha tal qual uma criança mimada. Era frustrante saber que o tinha razão e pior ainda, concordar que eu precisava daquela sacudida.
- E... eu meio que fiz uma coisa. – ele me encarou com os grandes olhos castanhos culpados. Droga! – Liguei pro Charlie e pro Pie. – ok, aquilo tinha me deixado muito surpresa. Desde quando tinha voltado a falar qualquer coisa com Pierre, que não fosse trabalho? – Sei que você tá precisando de novas experiencias e novos relatos para se inspirar e eu tenho certeza, os dois podem te ajudar muito em relação a isso. Então tomei a liberdade de entrar em contato com os dois.
Não contestei, reclamei, ou me opus a ajuda do . O abracei com força pela cintura, repousando minha cabeça em seu peito e senti um beijo cheio de carinho nos meus cabelos recém lavados.
Sing about addiction, but I don't smoke
I could feel the kinda song coming on
Everyone can sing along
Here comes another one
O EX-VÍCIO DE CHARLES
Pulei do Jeep e passei a mão pelos cabelos, arrumando-os por causa do vento forte do litoral. tinha me entregado um cartão com instruções, segundo ele, aquilo me ajudaria a recuperar a inspiração novamente e sair da zona de conforto para o próximo romance, ou quem sabe uma série.Charles”
E era aquilo que mais me admirava no , toda a sua preocupação para com os meus assuntos, principalmente os pessoais, fazendo toda aquela jornada em busca por conhecimento se tornar divertida como uma caça ao tesouro. Eu só saberia qual seria a próxima missão, se ficasse até o fim na que eu estava. O homem era um gênio!
Quer dizer, mais ou menos, porque nem com um grande ponta pé, conseguiu entender o que estava rolando. Aquilo me deixou putamente culpada, porque acabei gerando um desentendimento entre ele e o irmão mais novo.
Sacudi a cabeça e respirei fundo.
Atravessei a rua e, ao longe, vi um cara sentado em uma mesinha do lado de fora de uma lanchonete que parecia ter saído do Woodstock. A cena era engraçada demais, pois por mais que o tenha me contado daquela fase rebelde do Charles, e eu tivesse visto boa parte, era estranho demais vê-lo tão à vontade em um lugar como aquele. O cara era o rockstar mais certinho que eu conhecia, marido apaixonado, pai responsável, pai de cachorro... E por aí ia!
Não entrava na minha cabeça que Charles tivesse fumado um dia.
Mas ao mesmo tempo, fiquei feliz em ser o Charles, irmão do meio dos meninos, afinal ele me ajudaria com o processo de inspiração para que eu pudesse sair dos padrões. E ele mais do que ninguém, sabia a importância da criatividade. Eu esperava tanta coisa daquela conversa. Principalmente a decisão sobre a dúvida: de se era uma boa escolha sair do meu padrão de escrita.
- ! - ele levantou da cadeira e abriu os braços assim que me viu. O abracei com toda força, sentia muita saudade dele e da Terry. Nunca entendi por que a família não havia se mudado para California também.
- Charles, não acredito que te fez vir até aqui! – soltei uma risada surpresa e ele uma piscadinha.
- Faço tudo por meus irmãos. – ele beijou minha cabeça e, em seguida, nos acomodamos nas cadeiras.
- Cadê a Terry?
- Atolada com todas as consultas e os problemas da clínica. Você conhece. – ele sacudiu a cabeça e afirmei com um sorriso animado. Ela era mesmo incrível e fazia muito bem seu trabalho. – Mas e aí, pronta? – Charles empurrou um pacotinho na minha direção e só aí percebi que aquilo estava em cima da mesa pequena.
Tabaco e a famosa maconha. Onde raios o homem tinha conseguido a droga, eu não sei, mas a seda amarelada não enganava ninguém. Olhei para os lados, como uma adolescente que fazia algo escondido dos pais e só aí me dei conta, eu tinha 41 anos e maconha era liberada para uso recreativo no estado da Califórnia. O maior problema era o fato de eu nunca ter fumado na vida, nem cigarro de mel, imagina um com nicotina... E sobre a maconha? Estava meio assustada para entrar naquele assunto.
- , nós somos adultos e isso foi comprado numa loja de conveniência, calma! – meu... cunhado (?) soltou uma gargalhada estrondosa e precisei lhe estapear, mas acabei rindo junto. Ele tinha razão. Sacudi a cabeça e passei a mão pelos cabelos. – Tá tudo bem, de verdade, não vai aparecer um paparazzi aqui para acabar com minha carreira. Eu usava essa merda abertamente há uns 13 anos. – rimos de novo e sacudi a cabeça.
- Você tem certeza de que quer fazer isso? – perguntei ao mirar os dois tipos de cigarro em cima da mesa e meu cunhado/ amigo/ marido de uma das minhas melhores amigas, negou com um aceno, resignado. Pois é, nem eu.
- Terry me mataria. – ele soltou uma risada divertida e fui obrigada a confirmar, porque ela me mataria também.
- Acho que seria um enterro duplo, Charlie. – encostei a testa na mão, começando a rir daquela situação, no mínimo, hilária. Quando estava nervosa, me dava umas crises descontroladas de riso.
Ele rapidamente, também rindo, juntou as coisas em cima da mesa, botou no pacote de papel e amassou. Seria muito cruel da minha parte exigir que Charles me ensinasse a fumar, sabendo que ele estava há mais de treze anos limpo, depois de uma luta árdua contra o vício na nicotina. Terry tinha passado por uma barra e tanto, sofreu, eu sofri vendo aquilo tudo, até Pierre que era o mais novo e tinha tido um começo de carreira inconsequente, tinha se afetado com aquela problemática do Charles. Eu não iria ser covarde!
- Quer me falar sobre? Talvez me ajude com os novos ares, como diz o . – ri fraco.
- Hey. – o homem mais novo que eu segurou minhas mãos com cuidado. – Não fica assim. Eu sei como é difícil lidar com toda essa pressão da mídia, pressão do mercado, das críticas. Sei como é difícil tentar criar algo diferente para o nosso público, , mas fugir do nosso padrão de criação é mais uma forma de adiar o inevitável. – ele beijou minhas mãos e pude sorrir, agradecida por todo o carinho do Charles. Era bom poder dividir aquilo com alguém que sabia o que eu estava passando e entender de vez por que os outros dois falavam que o irmão do meio, era o homem dos conselhos.
- Obrigada, Charles. – abri um sorriso genuinamente grato. – De verdade! Você pode me contar um pouco mais sobre essa sua fase? Acho que pode me ajudar com ideias.
O homem sorriu largo e tomou fôlego, começando a me contar como tinha entrado naquela furada envolvendo nicotina e maconha. Nossa bebida – um refrigerante – chegou rápido e entre os goles, descobri que o Charles tinha começado a fumar com dezoito anos, escondido do Lohan e da Pam, pelo visto era moda entre os garotos que frequentavam a pista de skate. Uns meses depois veio a surpresa da primeira gravidez da Terry e pelas preocupações, ele começou abusar ainda mais da nicotina.
A maconha mesmo, só se fez presente quando o moleque do interior de Quebec se viu deslumbrado com tanta fama e reconhecimento. O Addicted To You tinha deslanchado rápido demais e é assim que as pessoas são expostas ao ilícito, dentro dos backstages. Eu nunca tive uma ligação muito direta a essa vida midiática dos meninos e fui apresentada às drogas ilícitas, imagine ele.
Descobri também que tinha sido ele o responsável a apresentar todo aquele lado do backstage ao Pierre, e que Charles se sentia extremamente culpado por isso. Os dois geralmente faziam shows nas mesmas noites e querendo ou não, o mais novo via um espelho no irmão. Depois daí veio a fase mais difícil e essa eu lembro, ficou arrasado quando descobriu que os irmãos mais novos tinham ido um pouco além da maconha, mas a pior vergonha foi Charles e Pierre terem aparecido em uma premiação completamente chapados.
Eu ainda ria da história, mas tinha sido punk demais lidar com aquela bagunça há 13 anos. Foi quando entramos em cena para tentar ajudar, foi quem tomou as responsabilidades de dar as broncas e mostrar o quanto aquilo era escroto e errado, Charles caiu em si por ser pai de dois, mas Pierre... O caçulinha precisou ser tratado como um tio exemplo para entender que não queria ser a referência errada para as crianças. Bom, no fim das contas acabou dando certo.
- Eu não acredito nisso! – joguei minha cabeça para trás em uma gargalhada quando Charles me contou que tinha confiscado a maconha de um adolescente no aniversário de 16 anos da Leo. – E aí vocês simplesmente fumaram a maconha e foram encarar os policiais como se nada tivesse acontecido?
Mais uma gargalhada.
- O quê? Você queria que eu fizesse o quê? – ele enxugou os olhos que lacrimejavam das risadas. – Eu era o pai ali! E ah, convenhamos, eu não sou tão certinho quanto vocês pintam, nem eu e nem a Tetê.
Nos olhamos e rimos outra vez. Charles era certinho sim.
- A gente estava precisando sentir a selvageria jovem, fomos pais novos demais. – ele constatou o fato e não encontrei qualquer arrependimento em sua voz. Eu adorava aquilo no meu amigo.
- Eu teria feito a mesmíssima coisa. – respirei fundo e confessei, estava tão mais leve com aquela conversa, além de saber que uma nova personalidade havia começado a se formar na minha gavetinha do cérebro com personagens.
Charlie puxou um envelope do bolso e me entregou, fiz uma careta e depois arregalei os olhos, por um minuto tinha esquecido da minha missão aquele dia. Encontrar novas experiências.
Nos despedimos com um abraço apertado e só abri a próxima pista quando fechei a porta do Jeep. No cartão dizia:
Ps, seu preferido”
Sing about the trouble that I never been in
It's like a song you heard before
Keeps you comin' back for me
This is not unique, and definitely not original
O PROBLEMA QUE EU ARRANJEI PARA O PIERRE
No dia seguinte, eu dirigi por uma hora até a praia de Rincon, mas tenho certeza que teria feito o trajeto em menos tempo se o trânsito não tivesse um inferno. Eu odiava as vias triplas intermunicipais e dava graças a Deus por morar em um distrito da parte costeira.A conversa com o Charlie no dia anterior tinha sido incrível, esclarecedora e inspiradora como eu esperava. Isso tinha me deixado animada com os novos planejamentos, começando a anotar mais algumas ideias para a personalidade – ainda sem nome – que se formava na minha cabeça. O lado ruim de tudo isso? A personalidade era típica de um romance new adult, ou seja, nada novo no meu padrão.
Frustrante.
Pulei do Jeep tão ansiosa como estava no dia anterior, peguei minha bolsa de praia com toalha, protetor solar, uma muda de roupa e até uns sanduichinhos naturais para matar a fome depois de algumas horas. O lugar era lindo e o sol da manhã varria tudo, dando uma sensação gostosa de lar e calor, a brisa batia em minha cara fazendo eu me sentir em casa. A California era mesmo o meu lugar! Assim que saí da faixa de grama, pondo os pés na areia morna, percebi por que aquela tinha sido a escolha do meu cunhado mais novo. O irmão do , digo.
Estar inserida na vida deles como mãe da Pen era tão intenso que eu realmente os considerava como cunhados, por mais que não tivesse qualquer maldade naquilo.
Ao longe vi o Pie de costas para mim, sozinho na faixa de areia, se alongando e com a roupa de surfe vestida só até a cintura. Duas pranchas brancas com alguns designes em azul e laranja estavam enfiadas pertinho dele, bem ao lado, deduzi que uma fosse minha e a outra sua. Era tão estranho vê-lo sem nenhuma garota histérica ao redor, ou um grupo de pessoas tentando conversar, tirar uma foto. Prendi uma risada e consegui entender minha estranheza para cena, não eram as garotas histéricas, ou as contidas. Faltava sim alguém ali, mas era a Esme. Os dois só viviam juntos e não fazia ideia de o porquê de não namorarem.
- HEY, PIE! – gritei para chamar sua atenção.
- ! – o moleque me abriu os braços em um gesto repleto de carinho.
Todos nós, que éramos mais velhos que Pierre, tínhamos a mania horrível de chamar um homem de 34 anos de moleque pelo simples fato de que havíamos o visto crescer, subir na vida, se tornar alguém incrível de conviver e uma referência para nova geração de jovens. Ele havia me mostrado ser um homem e tanto, então eu evitava chamá-lo assim na maioria das vezes, mas os irmãos abusavam mesmo.
Nos abraçamos com força no meio daquela brisa e senti um beijo carinhoso entre os cabelos, me mostrando que estava tudo bem entre a gente. Eu tinha o menino divertido de volta e confesso, aquela foi uma das melhores constatações do último mês.
- Fiquei sabendo que tem uma mulher rabugenta criticando suas cenas super realísticas de sexo. – ele beijou minha testa e separamos do abraço porque lhe dei um tapa no ombro.
-Você é tão idiota! – rolei os olhos. – Ela não é rabugenta, ela é uma das maiores críticas literárias desse país. – esclareci com uma péssima cara de repreensão. Pierre pediu desculpas pelo comentário e aceitei.
- Acho que entendi por que você é tão famosa, talvez eu devesse tentar letras mais descaradas? – ele fez um biquinho prendendo a risada e meu queixo despencou pelo comentário filho da mãe.
Não deu dois segundos e eu estava correndo pela praia atrás do irmão mais novo do , o xingando dos piores palavrões que conseguia lembrar – e não são exatamente muitos, pois temos uma política anti-palavrão dentro de casa desde que a Penny com seis anos chamou um cachorrinho de “caralho” achando que era uma palavra bonita. Sempre perco o tom de tanto rir quando lembro.
Parei no meio da faixa de areia, apoiando o corpo nos joelhos e gritei mais um xingamento que mal saiu da minha garganta. Eu estava sedentária demais e a Pennelope ficaria decepcionada se visse meu péssimo condicionamento físico aquele dia. Pierre virou com os braços abertos, as bochechas herdadas do Lohan, vermelhas e um sorriso incrivelmente irritante nos lábios. Se eu jogasse meu chinelo, conseguiria acertar a cabeça dele a distância?
- MOLEQUE INSOLENTE! – gritei quando ele já andava despreocupado na minha direção com um bico ridículo que me fez rir. Nós dois acabamos aquela briguinha ridícula aos berros.
- Primeiro, que não sou um moleque, , me respeite. – ele começou enumerar nos dedos com o deboche costumeiro. Eu amava aquele cara. – E segundo, só assim você ia relaxar para realmente sentir o oceano. Depois, você tá sedentária, viu?
- Vá se ferrar! – chutei areia nele e o homem riu alto.
- Desculpa o comentário infame sobre suas criações incríveis. Inclusive sou fã demais de todas as suas séries, mas você precisava desse impulso para defender seus livros com unhas e dentes, além de liberar a raiva. – ele piscou, astuto. Ok, eu não tinha pensado naquilo. – Acha que vale a pena procurar um foco novo?
Abri um sorriso imensamente grato pelas palavras, que assim como as de Charlie, tinham me feito refletir muito bem. Mas, não concordava exatamente com a linha de raciocínio dele, porque se a Gorjan tinha feito a crítica, um fundo de verdade deveria ter. Chata, eu estava chata remoendo aquilo.
- Se ela criticou, um fundo de verdade deve ter.
- Discordo. – ele disse enquanto me entregava a roupa especial para surfe. Suspirei e tirei a saída de banho, depois passei a roupa pelas pernas, com ajuda do Pierre porque a apertura dos pés não queria passar pelos meus. – O leu o texto para mim e achei uma falta de respeito daquelas com você, que escreve sobre assuntos bem relevantes em cada história. Achei o máximo a série “Sport for Life” onde você claramente botou a mulher em evidência, a minha personagem preferida é a Agnes. Chorei junto com ela.
Nós dois rimos, porque sabíamos que a inspiração era a minha jogadora de hóquei marrenta.
- Obrigada. – agradeci quando ele terminou de me ajudar com a roupa, começando a vestir as mangas da dele. Mas o agradecimento era sobre mais do que aquilo. Respirei fundo e percebi o que estava estranho naquela conversa.
Espera, o tinha ligado para ele?
- ligou para você? – entortei minha boca em uma careta e meu amigo passou a mão pelo cabelo escuro, suspirando. Aquilo era um sim. – Como assim o ligou para você? – perguntei de novo. Incrédula com aquela informação.
Não era como se os dois não se gostassem, Pierre e eram melhores amigos, irmãos “unha e carne” e aposto que até mais próximos do que a relação com o Charles. Onde estava, o mais novo estava junto e era a coisa linda que já tinha visto, até eu ter transado com o Pie. Não, não foi uma decisão inteligente e muito menos a que eu mais me orgulhava, tínhamos ficado tão transtornados quando a ficha caiu que o sexo nem valeu a pena, na verdade.
Não entendam mal, eu e ele tínhamos nos divertido bastante na fatídica noite. Era uma after party de um dos shows do Charles, em Montreal, eu estava indignada que o não estava querendo entender a tensão sexual entre nós dois, eu e ele. E foi como em um lapso, Pierre me cantou na brincadeira, eu levei a sério e acabamos transando. Uma vez só. sequer notou, mas o moleque estava tão transtornado que decidimos contar.
Aquele foi o momento que a bomba estourou e o pai da minha filha culpou o irmão. Os dois brigaram feio e dentro de tudo que o havia dito tinha um ressentimento muito grande e mal resolvido, mas foi ali que me perguntei qual era a posição do cara na minha vida e se ele não tomava porte. Se me queria, me conquistasse e não ficasse de briguinha ridícula com o irmão – que não teve culpa alguma, no fim das contas –.
- É... – Pie coçou a cabeça e soltou uma risada sem graça. – Ele disse que precisava de ajuda sobre seu processo criativo, aí eu pedi desculpas, tentei implorar, na verdade. Odeio ter o bravo comigo. Mas ele cortou minha súplica, dizendo que me desculpava se eu nunca mais tocasse no assunto. – o mais novo dos três soltou uma risadinha nervosa, como se esperasse minha aprovação naquela situação. – Ele é burro. – suspiramos em concordância.
Pierre nunca teve a intenção de magoar ninguém.
O abracei pela cintura como Penny sempre fazia e tentei passar todo o meu sentimento de gratidão por aquele gesto, sendo abraçada de volta com a mesma intensidade e respeito. Tive a certeza de que tudo tinha se resolvido da melhor forma possível.
Pelo resto da manhã Pierre me ensinou, ainda na areia, como pular e se equilibrar na prancha. Depois de algumas repetições fomos, finalmente, pro mar esperar que uma onda me fizesse treinar o que eu tinha aprendido no chão. Enquanto estávamos parados em cima da prancha, conversando baixinho sobre as metáforas da vida, entendi que era um oceano inexplorado no qual eu não estava sabendo nadar, só sabia me afogar todas as vezes que tentava o entender e talvez, só tivesse um jeito de tentar aprender nadar nele, escrevendo sobre ele.
Ao fim do nosso dia surfando, eu já tinha mais um pouco da personalidade do Tate formada – o nome que eu tinha dado a personalidade sem nome depois da conversa com o Charles –, além de entender um pouco sobre como as fases da história dele se desenrolariam. Entrei no meu Jeep aliviada pelo momento que tinha vivido e abri o cartão que o Pierre havia me dado.
Enough to put words in my brain
To make this more than a love song
There's no denying
Music's for cryin'
It's satisfying
That's why I'm writin'
Another song about
ACHO QUE VOU ESCREVER SOBRE VOCÊ,
Pennelope tinha saído pro treino quando cheguei em casa, gritando pela presença do meu melhor amigo genial e insuportável. Depois de uma quase rouquidão por gritos repetitivos, o encontrei no quarto entretido com um joguinho qualquer no videogame. Eu ainda cheirava a mar e a protetor solar quando me joguei em sua cama, tomando o controle da mão dele, o deixando injuriado por ter dado game over.- Devia ter tomado um banho antes de ter se jogado em meus lençóis. – fez uma careta ridícula e lhe mostrei o dedo do meio.
- Só estou realizando seu sonho de deixar meu cheiro por aqui. – pisquei, descarada e ele soltou uma risada gostosa que arrepiou minha coluna.
- Como foi com os caras? – dispensou a atenção da TV e virou de lado no meio dos travesseiros.
- Divertido e revelador. – sorri. – Eu estava com saudade dos meninos. – ele sorriu também, bem mais largo que eu. – Foi importante, acabamos conversando sobre processo criativo e responsabilidades.
- Algum lampejo de ideia para o novo romance? – mordeu a boca, ansioso para a minha resposta.
- Várias ideias, na verdade, mas ainda meio conflitantes com o rumo que eu queria tomar. – suspirei, exausta. – Você deveria terminar comigo. – olhei para ele do meu lado, com uma cara suplicante. soltou uma gargalhada contagiante.
- Vai sonhando. – ele sacudiu a cabeça negativamente, depois virou o rosto para me olhar.
Uma imensidão de lembranças dançava em seus olhos e provavelmente a mesma que inundava os meus. Desde quando nos conhecemos, quando a Penny chegou em nossas vidas – um pacotinho chorão e cheirosinho –; quando conseguimos passar pela fase conturbada sobre a descoberta da diabetes dela; a adolescência – sempre era difícil – ; tudo, absolutamente tudo que havíamos passado era grande demais para que ele realizasse meu desejo de um “término” só pela dor temporária que geraria um processo criativo desenfreado.
- Como vou escrever um livro emocionante se você não terminar comigo? – cutuquei suas costelas, vendo o homem imenso se encolher feito uma minhoca em cima da cama. Rimos alto. – Livros são para chorar, é por isso que eu escrevo.
arqueou a sobrancelha grossa.
- Seus livros já são emocionantes sem precisar de algo catastrófico, Godess. – ele beijou minha bochecha, voltando a falar com a voz mansa: – Você escreve sobre assuntos relevantes com uma leveza que nunca vi ninguém escrever, você aborda temas intensos e isso não sufoca durante a leitura. Talvez eu esteja sendo tendencioso? Com certeza! – outra risada gostosa preencheu o quarto e não consegui conter um sorriso. – Eu sou seu maior fã e independente do que aconteça entre a gente, vou continuar madrugando no site da pré-venda para conseguir comprar o primeiro exemplar, vou montar mais prateleiras no meu estúdio pessoal, vou ler o livro como se fosse o meu primeiro livro no mundo. E pode ser um livro ruim, que nem aquela música terrível que escrevi esses dias. – ele tomou fôlego em uma risada e nem percebi o quanto meus olhos já estavam marejados. – Eu vou dizer que gostei. Você é uma escritora incrível, , e não vou deixar que uma crítica irritante conflitue com seus números comerciais. Acha mesmo que se fosse ruim você estaria onde está hoje?
Neguei com um aceno contido, enxugando meus olhos afogados em lágrimas de alívio. Eu sabia de tudo aquilo, cada palavra que ele me disse, eu vivenciava todo santo dia e tinha plena consciência do quanto meus livros eram importantes na vida de uma ou duas pessoas por aí. Talvez um pouco mais. Mas ouvir aquilo dele, era reconfortante.
Me joguei em cima do o abraçando com força e sendo abraçada de volta na mesma intensidade, enquanto sentia vários serem estalados na minha cabeça.
- Vou acabar escrevendo sobre você. – soltei uma risada no meio do choro e o meu melhor amigo pareceu se animar, me jogando pro lado na cama, só para ficar de pé no chão e fazer a pose da Mulher Maravilha. Gargalhei.
- AH, PARA! Não ri de mim, posso fazer a pose de um deus grego. – ele fingiu ser uma escultura. – Me conta, eu vou ter guelras, dentes de vampiro ou um chifre no meio da cabeça? – perguntou como se meu foco fosse ser do universo fantástico. – NÃO! Quero um par daquelas asas poderosas.
Foi quando não segurei mais a gargalhada e me encolhi na cama bagunçada, rindo das palhaçadas do . Ele era foda demais.
- Eu não vou escrever fantasia, palhaço!
- Ah, para! Já tinha gostado da ideia de ter algo extraordinário, fora meu cérebro, óbvio. – ele abriu um sorriso presunçoso e mostrei a língua. – E nosso amigão claro. – o sorriso dessa vez foi safado.
- QUE NOJO, .toUpperCase())! – gritei em desespero, vendo o homem de 1,80 entrar numa crise de riso lascada pela minha cara de asco repentina. – Você é tarado!
- Mais uma gracinha pro seu personagem mais perfeito. – o porte convencido daquele homem era fora de controle. – Qual vai ser o nome do cara mais incrível que você já escreveu na sua vida? – ele perguntou ao deitar na cama novamente e dessa vez parecia mais inflado que o normal.
- Tate! – nunca estive tão firme em uma decisão sobre personagens como aquela. – E na verdade, ele vai ter bastante do Charles e do Pierre também, você foi a cereja do bolo para construir de vez a personalidade.
O homem fingiu um suspiro indignado por não ser só sobre ele e o empurrei de leve.
- E qual vai ser o super poder do cara?
- Não vou escrever fantasia, cara. – mordi a boca em pura ansiedade quando encarei seus olhos. – Vou fazer o que faço de melhor, vou escrever mais um livro sobre amor.
Another song about love
And it keeps gettin' better
You can sing it forever
FIM.
Nota da autora: OLHA A TIA VOLTANDO PROS PALCOS ESSE ANO!
E aí gente? Eu amei escrever esse conto de um jeito que nem consigo explicar, amei mostrar um pouco sobre cada irmão e dar um espaço a cada para que pudessem ajudar a Atena. Ela particularmente, é uma personagem que eu estou ansiosa pra desenvolver com vocês.
Espero que tenham gostado!
Caixinha de comentários: A caixinha de comentários pode não estar aparecendo para vocês, pois o Disqus está instável ultimamente. Caso queira deixar um comentário, é só clicar AQUI.
Nota da beta: Lembrando que qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.
E aí gente? Eu amei escrever esse conto de um jeito que nem consigo explicar, amei mostrar um pouco sobre cada irmão e dar um espaço a cada para que pudessem ajudar a Atena. Ela particularmente, é uma personagem que eu estou ansiosa pra desenvolver com vocês.
Espero que tenham gostado!
Caixinha de comentários: A caixinha de comentários pode não estar aparecendo para vocês, pois o Disqus está instável ultimamente. Caso queira deixar um comentário, é só clicar AQUI.