A garota bufou alto assim que notou que o trem que chegara seguia lotado, se xingando pela milésima vez no espaço de meia hora por ter inventado de ir para a estação mais próxima do local onde estava anteriormente invés de ir para a estação que sempre frequentava. A diferença na linha era apenas uma estação de distância, mas fazia uma diferença que Lilian quase não podia acreditar. A Estação Pinheiros era sempre cheia nos horários de picos, independente do sentido da linha. Podia descer uma multidão do trem, sempre tinha outra do lado de fora esperando para entrar. Só que na Hebraica-Rebouças era apenas a multidão dentro do trem que não saia e a multidão na plataforma que não conseguia entrar.
A sensação que Lilian tinha era de que morreria ali e que seus pais nunca saberiam de seu paradeiro.
- Estou começando a questionar se realmente é possível chegar em casa ou se vamos morrer aqui mesmo – resmungou ela, afundando mais na cadeira de plástico mais desconfortável possível. O pior que ela nem podia reclamar tanto assim, já que conseguir um lugar vago já era o equivalente de ganhar a loteria. Sua amiga no acento ao lado apenas riu de seu mal humor – Sabia que era melhor ter ido andando até Pinheiros.
- Sabe, uma vez... – começou Catarina, se ajeitando em seu lugar para ficar de frente para a amiga, o tom mais baixo e sinistro que conseguia manter no local barulhento de forma que Lilian ainda conseguisse acompanhar suas palavras – Há muito tempo, uma garota acabou indo para Estação Hebraica invés de Pinheiros por estar mais perto naquele dia também. Só que os vagões estavam sempre cheios e ela nunca conseguia entrar.
- Isso aconteceu há muito tempo ou hoje? – questionou Lilian, cruzando os braços – Você está narrando o que aconteceu hoje.
- Ai, fica quieta e me deixa terminar! – reclamou Catarina rápido, tentando soar brava e falhando. Ela só queria rir. Lilian podia estar se fazendo de descrente, mas sabia que o ponto fraco da amiga eram histórias de terror cafona – Tinha uma história de um trem que saia vazio daquela estação, e ela ficou na espera dele. Só que o trem nunca veio, e ela nunca saiu de lá. Em horários de pico, às vezes alguns usuários veem uma garota na beira da plataforma, reclamando de como está tudo lotado.
- Você espera mesmo que eu acredite nisso?
- Olhe em volta, ache a passageira fantasma – Catarina diminuiu ainda mais o tom, sussurrando perto do ouvido da amiga – Ela sempre está aqui…
Lilian obedeceu sem perceber, seu olhar vagando pelas dezenas de usuários da linha à espera de mais um trem, seus olhares muitas vezes sem foco em lugares aleatórios, quando não travados em telas de celulares. Um vento mais forte fez com que um arrepio ruim dominasse seu corpo, Lilian abraçando o próprio tronco enquanto tremia de leve.
- Eu odeio você – resmungou ela por fim, causando risos na amiga.
- A gente nunca vai sair daqui, temos que nos distrair, não é? – Catarina seguiu rindo, se distraindo por um segundo quando outro trem parou na plataforma, mais uma vez cheio demais para que alguém entrasse. Ela suspirou alto e já se virou para Lilian para reclamar, encontrando o lugar ao seu lado vago – Mas ué?
- Mamãe, aquela moça é doida? – uma pergunta em uma voz infantil atraiu a atenção de Catarina, encontrando ao seu outro lado uma mulher que não devia passar dos quarenta com um menino que não devia ter saído ainda do Fundamental I.
- Menino!
- Mas ela tá falando sozinha!
A mulher repreendeu o filho mais uma vez e logo se afastou de Catarina, que voltou a encarar o assento vago ao seu lado. Alguém estivera sentado ali até instantes atrás, não tinha?

Nota da autora: Quem diria que um mal entendido de info na CPTM podia dar uma fic? Passei três anos praticamente morando na linha 9 pra descobrir num belo dia que o bonito do trem “com partida da estação Hebraica-Rebouças” não sai de lá vazio e seguia sendo impossível de entrar de qualquer jeito embarcando por lá. A ideia surgiu como trem fantasma, mas como o especial é As Brasileiras e não Os Meios de Transportes Brasileiros Que Zoam Com A Sua Cara, teve que rolar algumas adaptações askdçlasd

Nota da beta: Orgulho da minha vida ter te incentivado a escrever essa fic.

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