Capítulo Único
Início
Aquele sorriso era meu.
Não que realmente fosse meu, mas era sempre dirigido à mim. Era o sorriso que eu via sempre que ele abria a floricultura e eu estava limpando as mesas da cafeteria que ficavam na calçada. Hoje, ele está lançando isso para outra pessoa. Ali, em meio às frésias, aquela garota recebia de Jimin o sorriso que deveria ser dirigido a mim.
— Jungkook! Precisa de ajuda? — MinHyuk, meu colega na cafeteria, perguntou, despertando-me.
— Não, tudo bem. Eu já terminei. Acho que vamos precisar abrir os toldos depois, o tempo está fechando — avisei, enquanto voltava para dentro da cafeteria, deixando meu ex-namorado e sua nova garota do outro lado do boulevard.
Era difícil conviver ou seguir em frente daquela maneira, vendo-o todos os dias nos mesmos horários, sabendo que ele estaria a poucos passos de mim, como sempre. Minha história com o garoto começou antes que eu sequer me desse conta disso; antes que eu pudesse controlar. Eu não sei ao certo quando mergulhei em seus olhos castanhos, ou quando passei a desejá-lo mais do que como um amigo, mas quando eu percebi, já estava perdido. Completamente. A floricultura que ele trabalha nos fornece arranjos pequenos e delicados todos os dias, para as mesas da cafeteria. Às vezes, nosso chefe pede alguns arranjos maiores para dar uma vivacidade maior ao lugar, principalmente em datas comemorativas. Por ser o primeiro a chegar (e, por muitas vezes, o último a sair), era sempre eu que lidava com o pessoal da floricultura. Antes dele, uma outra menina costumava fazer as entregas matinais, mas ele passou a vir todos os dias, há cerca de dois anos e meio.
De início, como qualquer relacionamento, não conversávamos muito, só o essencial; depois, sobre coisas banais; logo, sobre coisas gerais, sem muita importância. Não posso dizer que sei exatamente quando comecei a ansiar por ele ou quando comecei a ficar triste quando algo diferente acontecia, e ele não aparecia pela manhã ou ao longo do dia. Foi de repente, sem muitos precedentes, que percebi que precisava da minha dose diária de Park Jimin para que o meu dia fosse bom.
Eu mantinha meus sentimentos em silêncio. Passei um mês em puro desespero desde que notei estar apaixonado pelo menino da floricultura, que sempre cheirava a flores e parecia tão lindo quanto qualquer uma delas. Sua pele era clara como os lírios brancos que ele trazia todos os domingos, os lábios rosados como os gerânios que vinham todas as segundas-feiras; seus olhos eram tão brilhantes quanto os girassóis durante as manhãs de terça-feira e o cabelo, atualmente em um tom de castanho claro, parecia tão macio quanto a textura das rosas que vinham todas as quartas. Meu coração desmanchava por ele cada vez que seu perfume invadia meus sentidos ao abrir a porta para que ele passasse, exatamente como as margaridas desmanchavam ao fim de cada quinta-feira. Ver seu sorriso tão suave, que fazia seus olhos diminuírem ainda mais, fazia com que me lembrasse das delicadas tulipas que vinham todas as sextas-feiras, delicadas e cativantes.
Eu não tive escapatória, não tinha forma de não me apaixonar por Jimin. Era como pedir às violetas, que vinham todos os sábados, que não transmitissem tanta doçura e tranquilidade, coisas que eu não tinha quando ele estava por perto; na verdade, a última coisa que eu tinha quando o via era tranquilidade. Tê-lo por perto passou a ser como se tivesse um furacão dentro de mim, revirando tudo por dentro, inclusive meus sentimentos. Fui fisgado, sem explicação, sem que pudesse sequer resistir.
Mesmo assim, foi ele que deu o primeiro passo em direção à mim. Um simples filme passando no cinema, em uma sessão de sábado à noite, depois do nosso expediente. Honestamente, aceitei sem nem saber que filme seria, não me importava muito. Não me importava nada, só que eu iria com ele. Nunca fiquei tão ansioso para sair. Chequei minha roupa no espelho da cafeteria mais vezes do que o aceitável, todo o staff ficou me provocando, é claro. Eles nunca tinham me visto ir a um encontro, nunca me viram tão inseguro; não sabiam com quem eu sairia, mas sabiam que era importante só pelo meu comportamento. Eu não fazia ideia de como agir, não fazia ideia do que esperar daquela noite. Para ele podia só ser uma ida ao cinema com um colega (sequer sabia se ele se interessava por garotos), como qualquer outra que fizera anteriormente. De repente ele não queria ir sozinho, entretanto, queria muito assistir ao tal filme que eu não me lembrava o nome. Fico feliz de lembrar de que foi naquele dia que Jimin disse que eu ficava lindo de vermelho e que ele adorava o cheirinho de café que eu emanava, mesmo já tendo tomado banho e me perfumado depois de sair da cafeteria — aquele cheiro provavelmente já estava impregnado em mim depois de tanto tempo trabalhando lá —, exatamente como o acastanhado, que sempre tinha um cheiro floral delicioso que parecia reunir todos os melhores aromas das melhores flores.
Uma semana depois, nos beijamos.
Dois meses depois, tivemos nossa primeira noite (das muitas que passamos juntos).
Um ano e três meses depois, nós terminamos.
Já faz um mês, duas semanas e cinco dias que nós estamos separados. Não que eu esteja contando, claro. Principalmente quando daqui do caixa dá para ver exatamente o sorriso frouxo que ele insiste em sustentar para aquela garota que apareceu pela primeira vez no início desta semana e, desde então, não sai de perto dele. Ela aparece todos os dias, entre as três e cinco da tarde, ficando lá até ele fechar a floricultura. Saía ao lado dele, uma das mãos enlaçada no braço alheio e a outra com um buquê feito com flores que eu sabia que não serviriam para o dia seguinte. Jimin-hyung odiava ter que livrar-se delas com tanta frieza, eu sabia disso; sempre as arrumava em lindo buquês — os meus favoritos de toda a loja, para ser bem sincero — e nós costumávamos chamá-las de “flores de esperança”, porque, mesmo sendo desprezadas, nos traziam a alegria depois de um dia cansativo de trabalho. Ele costumava levá-las para casa, às vezes as levava para a minha — coisa que minha mãe adorava —, mas agora ele as dava para a tal garota. Eu não gostava de manter sentimentos ruins, mas estava tornando-se inevitável quando se tratava dela, que tinha as flores de esperança, os lindos sorrisos brilhantes e o que mais me doía, o próprio Jimin.
É difícil explicar o porquê de nosso relacionamento ter terminado. Até hoje é confuso e desesperador, na verdade. Acho que foram tantos fatores que nos fizeram chegar a esse ponto, que nem dá para ter uma explicação simples sobre isso. De início, achei que estávamos terminando porque o garoto estava cansado de mim. Depois, achei que estávamos desgastados por ter que esconder isso em nossos locais de trabalho, na rua, só conseguindo ficar juntos em nossas casas ou lugares reservados. Quando parei para pensar um pouco mais sobre isso, achei que era pelo fato do pai dele não aceitar nosso relacionamento — ou o fato do filho ter assumido um relacionamento homossexual. Cheguei a pensar que ele estava apaixonado por outra pessoa, que eu não era suficiente para ele. No final, cheguei à conclusão de que todas essas coisas foram a causa do nosso término. A minha insegurança, o preconceito em geral, a pressão na casa dele, o fato de eu nunca conseguir dizer a ele que o amava com todas as palavras; todas essas coisas foram nos distanciando até que ficasse insuportável.
Não, Jimin nunca ouviu um “Eu te amo” proferido por mim, apesar de ter dito algumas vezes.
Não me entenda mal, eu realmente o amo com tudo o que há de mais forte em mim. Sou apaixonado por ele como nunca fui por outra pessoa em meus 20 anos, e acho que nunca serei. Não posso dizer que nunca tive vontade de dizer as três palavrinhas a ele, que nunca quis declarar o quanto meu coração estremece quando penso em uma vida a longo prazo ao lado dele... estaria mentindo. O problema é que, em todas as vezes que eu pensei em dizer, ele me impediu. Como se soubesse que eu estava prestes a dizer, ele me beijava, trocava repentinamente de assunto, afastava-se, arrumava qualquer desculpa que me impedia de declarar meus sentimentos da maneira correta. Nunca entendi o porquê. Hoje, olhando para trás, talvez o Park não me amasse tanto quanto eu o amava, talvez estivesse inseguro com seus sentimentos e sempre me impediu para não se sentir pressionado a dizer também. Eu não sei. Não sei se chegarei a saber algum dia.
— Você está me ouvindo? — Hanna, uma das atendentes, me perguntou, encarando-me com uma expressão confusa. — Por que você está tão disperso? Para onde está olhando? — Ela fitou a direção que eu olhava anteriormente.
— Desculpa, não ouvi. Estava só pensando se eu fiz a contagem do estoque essa semana, não estou olhando para lugar nenhum — respondi rápido, contando algumas notas no caixa, tentando parecer natural.
— Oppa, acabei de dizer que eu estava fazendo a contagem de estoque. — A encarei, vendo-a levantar uma das sobrancelhas. — Se você não está disperso, eu nem sei o que dizer. Por que olha tanto para a floricultura?
— Não estou olhando para a floricultura.
— Tudo bem, vou refazer minha pergunta: por que você não para de ficar encarando o Jimin-oppa? Achei que vocês tinham terminado — questionou em um tom meio triste, dobrando alguns guardanapos ali, enquanto eu a encarava abismado. Ela sabia?
— Do que você está falando, Hanna? — indaguei, tentando parecer seguro, mas sabia que estava falhando nisso. Ela se aproximou um pouco, parecendo tomar cuidado para que mais ninguém a ouvisse.
— Só um tolo não perceberia os risinhos e olhares que vocês davam um para o outro no último ano. Na verdade, o pessoal daqui é idiota o bastante para não enxergar, porém eu só tive que usar meus olhos e intelecto ao mesmo tempo. Não foi tão difícil assim, principalmente com você ficando vermelho toda vez que ele aparecia por aqui. — Encarou-me por alguns segundos antes de voltar aos guardanapos. — Vocês não eram os melhores do mundo em esconder. — Deu de ombros, deixando-me desesperado.
— Mais alguém sabe disso, Hanna? Você contou isso para alguém? Qualquer pessoa daqui ou do boulevard sequer desconfia disso? — Não posso dizer que estava calmo. Não que as pessoas tenham algo a ver com meu relacionamento com Jimin, entretanto, não queria prejudicá-lo; nós dois sabíamos como era difícil ser julgado, tachado, excluído só por amar quem queríamos, seja homem ou mulher. Por mais que o amasse, não queria que ele perdesse o emprego, que as coisas ficassem mais difíceis na casa dele ou qualquer coisa parecida, devido ao nosso namoro. Mesmo que esse não exista mais.
— Hey, hey, calma. Fica tranquilo, respira. Como eu disse, as pessoas daqui não são inteligentes o suficiente, incluindo as do boulevard. Quero dizer, não sei sobre a cartomante... aquela mulher parece saber das coisas, oppa. — Revirei os olhos para a observação de Hanna, ficando um pouco mais aliviado.
Eu gostaria de dizer que, durante todo o tempo em que estivemos juntos, sempre quis gritar aos quatro ventos que amava Jimin, que estávamos juntos mesmo e ao inferno quem não gostasse, mas isso não seria verdade. Eu sempre fui aquele que defendia a decisão de manter o namoro entre nós sem influências externas, sem preconceitos e julgamentos desnecessários. Eu via que isso o feria, porém ele sempre cedia. Talvez todas essas feridas que o causei, preocupado com a opinião dos outros, também tenha afastado o acastanhado de mim.
— Pare de ficar de papo furado com a cartomante, Hanna. Ela é só uma impostora, você sabe. — Tentei mudar de assunto.
— Youngwon-oppa disse que ela é a nova namorada do Jimin-oppa. — Voltei minha atenção para a mais nova ao meu lado.
— A cartomante?! — Minha voz subiu uma oitava, deixando claro meu espanto. A garota caiu na gargalhada.
— Claro que não! — Ela tentava controlar o riso. — Estou falando dela. — Apontou para a garota que eu vira entrando na loja do Park mais cedo. Eles pareciam ter uma discussão alegre em frente à loja; ela tentava recolher o letreiro escrito em giz que ficava na entrada, enquanto o garoto tentava impedi-la. — A garota do allstar vermelho. Ela tem aparecido bastante nos últimos dias, não é mesmo? Sempre vem no mesmo horário, ajuda o oppa na loja, vive tendo qualquer tipo de skinship com ele e o faz rir com bastante frequência depois que... você sabe — diminuiu o tom de voz novamente —, depois de vocês terminaram. — A chegada de um cliente me impediu de dar uma resposta mal-educada à Hanna, além de me fazer abrir um sorriso forçado que tenho certeza de que estava parecendo tudo, menos um sorriso simpático. Um sorriso homicida, talvez?
— Boa tarde! Bem-vindos a Boulevard Coffee Shop. Posso ajudá-los com o pedido?
Meio
Ela estava lá de novo, em cima dele como um urubu em cima da carniça. Eu, honestamente, estava tentando entender o que Jimin-hyung viu naquela garota. Não posso dizer que ela não era bonita, mas não fazia o tipo dele, por mais que acreditasse que o Park conseguisse conquistar qualquer tipo de pessoa. Ninguém consegue resistir aqueles olhos risonhos e expressão doce; sei do que estou falando, sou um deles.
— Você ficou sabendo que tiveram vários apagões na cidade noite passada? Disseram que foi por causa da chuva. Agora, onde já se viu? Um tigre asiático, uma superpotência, que ainda tem problemas por causa da chuva — Youngwon resmungou ao meu lado, enquanto mexia em algo no telefone. Eu também não estava prestando tanta atenção nele, apesar de saber que deveria: era melhor do que ficar assistindo as mãos daquela garota bagunçando o cabelo do meu ex-namorado, fazendo-o rir e tentar arrumá-lo com seu jeito característico, só pra que ela bagunçasse outra vez.
Parecia a pior das torturas.
Odiava as unhas pintadas de rosa claro entre os cabelos dele, mas amava ver aquele sorriso enquanto ele mesmo passava os dedos por entre os fios macios. Sentia tanta falta de acariciá-lo…
— Se eu fosse você, desistia. Ela é muita areia para o seu caminhão, Jungkook. Por mais que você seja todo galanteador, todo seguro de si, não ache que você ganha do hyung da floricultura, ele tem uma aura fofa que fazem as garotas ficarem pensando no quanto ele se parece com o príncipe dos sonhos.
— O quê? — perguntei confuso.
— A garota que você não tira os olhos. Ela é muita coisa para você e parece que está muito gamada no florista.
— Eu não estava olhando para ela — respondi simples, desviando meu olhar e tentando conter a raiva na minha voz. Então eu não estava inventando coisas, e ela realmente está “gamada” nele. Por um momento, desejei que fosse só coisa da minha cabeça, que estivesse deixando os sentimentos me dominarem, e que Jimin ainda havia seguido em frente... Mas seria muita tolice da minha parte acreditar que ele estava se sentindo tão miserável quanto eu.
— Tudo bem, cara. Eu também a achei linda. Cheguei a perguntar se eles eram namorados quando ele veio trazer as flores pela manhã, mas ele só riu e disse que estava em cima da hora, nem quis o muffin que nós sempre damos a ele. Dizem que as pessoas perdem a fome quando estão apaixonadas. — Ele fechava o caixa, encerrando seu expediente. Depois do término, achei que não conseguiria continuar vendo e tendo que conversar com Jimin todas as manhãs. Ter que vê-lo todos os dias já doía o bastante, portanto, pedi a Youngwon para trocar de horário comigo. A gerente não se importou e passei para o horário intermediário. Agora, sequer consigo vê-lo, já cogitando pedir transferência para outra unidade da cafeteria ou até mudar de emprego.
Não quero saber se ele está bem, não quero saber se ele tem alguém, não tenho o mínimo interesse de saber se ela o abraça e bagunça seus cabelos do mesmo jeito que eu fazia antes. Minhas memórias traiçoeiras me levavam aos dias em que estávamos juntos, aos momentos em que nossas mãos se entrelaçavam, que nossos lábios se uniam em beijos doces e quentes; aos momentos em que um simples sussurro em minha nuca fazia-me derreter de uma só vez por ele. Meu maldito subconsciente continuava relembrando a sensação do toque dele, o calor do seu corpo contra o meu, a forma como meu coração disparava ao acordar pela manhã e seu rosto ser a primeira visão que eu tinha. Odeio a mim mesmo por lembrar de tantos detalhes, odeio minhas memórias por serem tão claras, odeio Jimin por me deixar nesse estado miserável, enquanto brinca e solta muitas gargalhadas com a tal garota.
Eu me odeio ainda mais pelo simples fato de não conseguir deixar de amá-lo.
— Jungkook-hyung! Pode pegar leite para mim, por favor? — Shinjae, que estava preparando as bebidas, pediu, e concordei imediatamente. Precisava parar de olhar para o outro lado da rua, precisava parar de me torturar. Quando entrei na despensa, Hanna também estava lá, mandando mensagens no telefone.
— Está fazendo corpo mole, senhorita? — brinquei e ela me encarou, os olhos denunciando sua tristeza. — O que aconteceu?
— Você já teve um amor não correspondido, oppa? Tipo, alguém que você gostasse muito, mas que não visse você como mais que um amigo? — perguntou com seu tom de voz muito mais baixo que o normal. Hanna devia gostar mesmo do cara.
“Podemos continuar como amigos, Jungkookie… Nós somos bons amigos, não somos?”
— Não — respondi, ignorando os flashbacks idiotas que me rondavam. — Mas imagino como deve doer, Hanna.
— Dói. Bastante. — Ela deu um suspiro pesado. — Eu gostaria muito de não gostar dele, de não esperar por qualquer migalha de atenção que estivesse disposto a me dar. Não estou dizendo que eu fico me arrastando pelo cara, que não me valorizo e tal. Só estou dizendo que, por mais que eu tente, e eu tento bastante, oppa, não consigo ignorar quando ele me manda mensagens ou quando pede para me encontrar. Eu me sinto tão estúpida por isso, tão ridícula, mas não consigo evitar. Eu gosto demais dele — desabafou, passando as mãos pelos cabelos em um ato de desespero.
“Não, não podemos. Nem se você implorasse. Você é um desgraçado, sabia? Eu nem sei como vou conseguir te ver todos os dias por causa do trabalho e você quer ser meu amigo? Vá para o inferno, Jimin.”
— Hanna, eu não tenho muito o que dizer a você. A única coisa que posso afirmar é que se esse relacionamento, mesmo que seja só uma amizade, está te fazendo mal, você precisa cortar seus vínculos com isso. Por mais que doa, é o melhor para você, afinal, melhor doer para se livrar disso do que piorar por ficar se prendendo a algo assim. — Suspirei e acariciei os cabelos dela. — Nenhum relacionamento é moleza. As pessoas são danificadas, todos, sem exceção. São poucas as pessoas pelas quais vale a pena lutar.
— Desculpa perguntar, mas Jimin-oppa não se encaixava nessas pessoas? Por isso vocês terminaram? — A encarei, sentindo a dor crescer ainda mais. — Desculpa por tocar nisso… É que vocês pareciam se gostar tanto e, do nada, tudo mudou…
— Olha, eu preciso levar o leite pro Shinjae — cortei o assunto, eu não precisava afundar ainda mais nos meus sentimentos. — Troca de roupa e vá para casa, seu horário já acabou. — Tentei sorrir enquanto caminhava até a prateleira do leite.
— Acho que você devia repensar esse término, não me parece que vocês realmente querem isso. Vocês se amam, é nítido para mim. Não duvido que essa garota seja só para esquecer você, oppa. — Fechei os olhos, segurando minhas emoções ao máximo.
— Não acho que tenha muito o que fazer, Hanna. — Fingi que não estava abalado. Era só o que eu fazia nos últimos dias: fingir e mentir; fingir que não me importo com ele, mentir que estou bem, fingir que ele ter seguido em frente não me abalou e mentir que não o amo mais.
— Ele me perguntou como você está. — Eu congelei. — Foi na sua folga, sábado. O movimento estava grande, Youngwon-oppa estava no caixa e pediu que eu fosse pagar o semanal a ele antes do final do expediente da floricultura. Não sei realmente como você está, fora que ele não sabe que sei de vocês, então só disse que você estava bem — contou. — Acho que acabei mentindo sem querer. — Olhei para ela e dei de ombros uma última vez, antes de voltar para o salão.
Ela tinha razão, eu não tinha como negar o fato de que não estava nada bem, por mais que tentasse sustentar essa mentira ao máximo.
Peguei-me pensando no que Hanna disse. Ele perguntou por mim, se eu estava bem. Isso queria dizer que ele se importava, certo? Eu nunca cogitei a possibilidade dele ter arrumado uma namorada somente para me esquecer. Seria muita ilusão começar a acreditar nisso? Que Park Jimin sentia minha falta tanto quanto eu sentia a falta dele? Enquanto e guardava as caixas de leite na geladeira, esses pensamentos tomavam minha cabeça. Se eu o questionasse sobre isso, ele seria honesto? Poderíamos conversar, entrar em um consenso, organizar nossa vida e voltarmos. Nossa... só pensar nisso faz meu coração disparar. Acabei rindo de mim mesmo, que idiota.
— Jungkook, pode ajudar o Shinjae nas bebidas? — Minah, nossa gerente, pediu enquanto assumia o caixa até Minhyuk chegar. Concordei e, assim que me levantei, senti minhas pernas falharem.
Jimin estava ali. E estava com a tal garota.
Seria um eufemismo dizer que eu estava nervoso.
— Anda logo, Jiminie. É só um caramel macchiato, prometo que não vou demorar. — A garota revirava a bolsa enquanto caminhava em direção ao caixa.
— Eu prometo que pago o que você quiser em outra cafeteria, noona. Por favor — pediu, como se estivesse em agonia, olhando somente para sua acompanhante. Então o Park estava namorando uma garota mais velha?
— A próxima cafeteria é só dois quarteirões a frente e está chovendo loucamente lá fora. Pare de bobagem, coisa fofa. Boa tarde! — Ela cumprimentou minha gerente e eu voltei à pia, dando as costas para eles. “Coisa fofa”? Desde quando ela o chamava daquele jeito ridículo?
— Noona… Por favor. — O ouvi quase implorar e derramei parte do café que estava fazendo, tendo que começar novamente. — Nós não devíamos estar aqui — ele resmungou e senti meu sangue ferver. Não deveria estar ali? Quer dizer que ele não queria me ver?
— Sim, um caramel macchiato e um donut de chocolate. Você quer alguma coisa, Jiminie? — A voz dela estava me deixando nauseado, o jeito doce que ela falava com ele estava despertando a fúria em mim. Eu não posso perder a calma, não posso me estressar. Estou no trabalho, preciso ser profissional. Não posso matar ninguém, sou muito novo para ir para a penitenciária. — Park Jinjoo. Obrigada! Viu? Nem doeu. Você é muito dramático. — Uma coisa mudou desde que esses dois entraram na cafeteria: agora eu tinha um nome para o rosto em que direcionava o meu ódio. Peguei exatamente o copo dela, adicionando os itens da bebida que ela pedira, enquanto Shinjae lhe entregava o donut que pediu. — Por que a gente não podia vir aqui? Eu gostei dessa cafeteria. Parece ser legal. — Xarope, expresso, leite, gelo, raiva e rancor. A mistura perfeita.
— Não tem nenhum problema com a cafeteria, noona. Você não me deixou falar antes da gente entrar. — Sabia que ele estava nervoso, mas não entendia. Por que ele estava tão nervoso em me encontrar? Que merda, foi ele quem começou com essa história de término, não foi?! Se quis terminar, por que estava nervoso em me ver de novo? Sou tão insuportável assim, a ponto de nem aguentar estar no mesmo ambiente que eu por alguns minutos? — Vem aqui, vamos esperar ali no canto…
— Park Jinjoo-ssi — cuspi raivoso, tampando o copo e erguendo meus olhos até encontrar o olhar dele em mim. Agonia. Jimin era pura agonia ao me olhar.
— Ah, já ficou pronto! — a garota disse animada, vindo até o balcão pegar sua bebida e olhando para minha name tag. — Obrigada… — Seus olhos arregalaram de leve ao ler meu nome. — Jungkook… — Lhe dei um sorrisinho debochado, segurando minha vontade de jogar o café nela ou no rapaz... melhor ainda se acertasse os dois. Jinjoo parece realmente surpresa em me ver aqui. Então quer dizer que ela sabe quem eu sou? Sim, sou o ex, prazer em conhecê-la. — Jeon Jeongguk — repetiu com uma expressão diferente, agora parecendo cheia de raiva de mim. Parece que nós temos algo em comum. — Era isso que estava tentando me falar? — perguntou ao garoto por cima do ombro, fazendo-o dar mais alguns passos e ficar atrás dela.
— Vamos embora, Jinjoo-noona — pediu e ela riu nasalado.
— É bom mesmo eu estar aqui pra dizer algumas verdades para esse garoto e… — começou, levantando o queixo e olhando-me com desafio. Isso não ia dar certo.
— Você não vai falar nada. Vamos embora. — Ele pegou o copo dela e a puxou pelo braço, os olhos encarando-me por alguns segundos (o suficiente para me desestabilizar), antes de arrastar a namorada para fora da cafeteria.
Eu estava tremendo, completamente descontrolado emocionalmente. Nem sabia descrever o que tinha acontecido ali; o cara que eu amo veio no meu local de trabalho com a nova namorada. Ele não queria vir, ela que o arrastou, sem saber que eu trabalhava aqui. Evitou olhar para mim o tempo todo, estava desconfortável e levemente irritado. Quando a namorada descobre que estou aqui, quer “tirar satisfações” comigo, quando claramente deveria ser o contrário. Uma simples troca de olhares com Park Jimin faz minhas pernas bambearem de novo, deixando claro que, mesmo que meu cérebro saiba que estou à beira de matá-lo de ódio, meu coração ainda não entendeu que deve parar de amá-lo.
— Hyung? Você está bem? Você está pálido! O que aconteceu com aquele casal? Eles te maltrataram? — Shinjae veio até mim, sequer conseguia me mover.
— Jungkook? — Minah veio checar se eu estava bem. — Vai tirar seu intervalo. Minhyuk já chegou, eu seguro aqui com o Shinjae. Vai, vai. — Ela praticamente me empurrou para o back da loja, enquanto me vi caminhando quase que automaticamente até o estoque.
Eu só consigo sentir raiva; raiva de Jimin por ter entrado na minha vida, por ter saído dela, por ter me deixado em frangalhos; raiva da tal Jinjoo por ter o que deveria ser meu, por fazê-lo rir e brincar com ele enquanto eu não podia. Mas, acima de todos, eu só consigo sentir raiva de mim mesmo, por ter deixado meu coração nas mãos do Park, por amá-lo tanto, por não conseguir esquecê-lo e, mais do que tudo, raiva de mim mesmo por tê-lo deixado ir. E então, em meio a tantas caixas, sacos de café e paredes cinzentas, fiz a única coisa que conseguiria fazer: eu chorei. Deixei as lágrimas escorrerem livres pelo meu rosto, sem me preocupar em secá-las, segurando um gemido enquanto sentia a dor em meu peito aumentar ainda mais. Precisava extravasar. Precisava me livrar daquele aperto no peito que não me deixava respirar direito; liberava lágrimas torcendo para que os sentimentos fossem embora junto a elas, deixando-me livre. Aqui, quase dois meses depois de nosso término, desejei ardentemente me libertar da prisão que era amar Park Jimin.
Fim
Desde minha crise nervosa, eu não era mais o mesmo. Tudo bem que só faziam dois dias, mas estava destroçado, não tinha ânimo para nada, estava praticamente agindo em modo automático. Principalmente hoje, que Youngwon ficou doente e Minah pediu que eu viesse pela manhã cobri-lo. Ou seja, era eu quem receberia as flores; sequer me lembrei disso até abrir entrar no café e ver as mesas sem flores... era como se o buraco em meu peito aumentasse ainda mais. Quando cheguei a pensar na opção de Hanna assumir essa tarefa, ela me enviou uma mensagem dizendo que está uns minutos atrasada, mas que chegava antes que o café abrisse. Eu nem sabia o que sentir mais.
Comecei a ajustar todas as coisas de sempre, repondo materiais, organizando os demonstradores, tirando poeira dos móveis e ocupando minha mente o máximo possível. Eu não queria ter qualquer tipo de pensamentos. Coloquei os fones de ouvido e fui fazendo todas as minhas tarefas, completamente imerso nelas e na música. Passava o pano no chão quando o vi na porta, parado, com o caixote das flores nas mãos. Estava chovendo bastante lá fora, o que fazia a roupa dele ter alguns respingos e o cabelo estar meio molhado só por atravessar a rua. Respirei fundo e caminhei até a porta para abri-la; não iria deixar que meus sentimentos prevalecessem ali, não ia me perder naqueles olhos castanhos de novo.
Abri a porta, olhando para as chaves, evitando fitar Jimin, mas meu corpo parecia reagir ao olhar dele. Eu estava arrepiado antes mesmo de abrir a porta e sentir o vento frio ou ouvir o barulho da chuva lá fora. Ao abri-la, nem deixei que ele desse “bom dia”.
— Pode deixar as flores aí e ir. A Hanna leva o pagamento semanal para você depois. — Ia colocar os fones de ouvido novamente, mas ele falou antes que eu pudesse evitar.
— Ahn… Eu não vou estar mais tarde. — Eu amava o tom de voz de Jimin. — Na verdade, vim só para organizar algumas coisas na floricultura e entregar as flores de vocês. Hoje não vai ter expediente, porque é um feriado no país da dona Lulu e…— Ele passou a mão pelos cabelos, como sempre, mas pareceu nervoso. — E… Eu não vou mais trabalhar na floricultura. — Aquilo fez meu estômago revirar, minha expressão deve ter denunciado isso, porque ele só continuou. — Pedi demissão anteontem. Devo trabalhar algum tempo com meu pai no restaurante e…
— Você não tem que me dar satisfações, Park Jimin-ssi — o interrompi, cortando o assunto e chamando-o formalmente, o que pareceu deixá-lo incomodado. Ele amava trabalhar na floricultura, sempre fazia enormes discursos sobre como cada flor correspondia a uma coisa e como as flores mudavam os ambientes. Abria enormes sorrisos quando fazia um arranjo com suas flores favoritas. Não consigo acreditar que ele está abrindo mão disso por não conseguir conviver comigo. Era mais do que infantil, doía. — Eu posso entregar o semanal para a Lulu depois de amanhã. Se era só isso… — Dei as costas para ele.
— Estávamos nos machucando muito, Jeonggukie… — Jimin me chamou com a intimidade de sempre, me deixando mais irritado. — Ficamos cada vez mais machucados todas as vezes que nos vemos. Nunca vamos conseguir seguir em frente desse jeito, sempre vai doer. — Dei um sorriso debochado.
— Você só pode estar brincando — disse, cheio de raiva. — Então, faça-nos um favor e vai embora. Só… sai. Eu fecho a porta depois que você sair.
— Jeonggukie… — Foi a única coisa que ouvi antes de colocar o fone em definitivo e voltar a limpar o chão. Ele ainda ficou algum tempo parado ali, porém saiu sem falar mais nada. Bom, se disse, eu não ouvi, porque Charlie Puth praticamente gritava “We Don’t Talk Anymore” em meus ouvidos. Bem oportuno, querido player aleatório.
Parei de maltratar o piso e fiquei observando Jimin voltar correndo para a floricultura, fugindo da chuva. Esse imbecil ainda poderia ficar resfriado... Que droga! Eu ainda fico me importando com ele. Por que esse idiota não conseguia notar o quanto sou apaixonado por ele? Que faria tudo para podermos ficar juntos de novo? Não queria ficar sem ele. Merda, eu nem queria que ele saia da floricultura! Por mais que nós não estejamos juntos, por mais que doa como o inferno e que aumente cada vez mais essa dor… Eu prefiria assim do que não vê-lo de forma alguma. Conseguia ser masoquista o bastante para isso. Mas esse retardado não conseguia ver isso. Ou pior, ele conseguia e ainda assim preferia me maltratar dessa maneira. Eu só gostaria de conseguir tirar você de mim. Será que é pedir demais?! Porque eu, honestamente, não sei se suporto mais isso. Essas palavras não ditas, todo esse mal-entendido, toda essa sobrecarga de emoções que eu só guardava cada vez mais e mais. Nem sabia mais como me sentir; não sabia se me obrigava a odiá-lo, se o perdoava, se implorava para tê-lo de volta. Minha cabeça estava uma bagunça desde o dia em que ele apareceu aqui com a tal namorada.
Maldito. Ainda tinha a cara de pau de dizer que “não conseguiriam seguir em frente” quando ele, claramente, já seguiu. Claramente já deixou de lado todo o tempo que passamos juntos, tudo o que vivemos como um casal. Hoje, tantas memórias pareciam até um sonho. Voltei para o salão, sentando-me em a das cadeiras, enquanto apoiava minha cabeça na vassoura. Eu tinha tantas lembranças e isso me atormentava tanto… Ainda consiguia me lembrar do dia em que terminou comigo, das lágrimas que rolavam no rosto dele, mesmo que estivesse dando aquele passo.
“— Eu não acho que sou forte o suficiente para lutar por você, Jeonggukie… A cada dia que passa mais coisas surgem, mais desafios se colocam no nosso caminho… Não sei se vou aguentar toda essa pressão, não sei se nosso relacionamento é forte o bastante para isso.
— Hyung… Juntos somos fortes o suficiente. Vamos levantar um ao outro, vamos sempre estar juntos… Jimin, eu te…
— Não, Jungkook. Por mais que eu queira acreditar nisso, não vou nos enganar. Eu e você… Não podemos mais ficar juntos.
— Por quê?!
— Porque… é assim que tem que ser.”
Parecia que havia sido ontem, ainda conseguia sentir toda a dor daquele dia. Tentei falar com ele toda a primeira semana, tentando abordá-lo na floricultura, quando ele vinha entregar as flores, ou em qualquer oportunidade que o encontrava. Nada. Ele me ignorava, fugia, tudo para me evitar. No início, tinha esperanças; depois, tudo virou uma grande confusão na minha cabeça. Não conseguia entender. Passei pelo inconformismo, pelo desespero, até chegar na raiva e na tristeza — não sei se essas são parecidas com fases do luto, mas sei que ainda estou na raiva e tristeza —, e creio que ficarei nelas por algum tempo. Não sei se sequer quero sair delas, acho que prefiro sentir isso por Park Jimin do que não sentir nada.
Fui até as caixas com os pequenos arranjos e as abri, encarando gloxínias. Nunca colocamos essas flores na cafeteria, mas me lembrava delas; o garoto as levou para meu apartamento uma vez e se recusou em me dizer o significado, o que era bem estranho. Peguei um dos arranjos e coloquei sobre a mesa, vendo que combinavam perfeitamente com o ambiente. Ao pegar o arranjo, encontrei um post it perdido ali. O dente-de-leão desenhado nele me chamou atenção, era como se ele estivesse sendo soprado e as pétalas que saíam dele formavam uma frase:
“Eu sempre vou amar você”
Meus olhos começaram a arder. Ele não pode ter feito isso de propósito, esse bilhete está aqui por engano. Certamente está. Não pode ser para mim. ELE TERMINOU COMIGO. ESSE IMBECÍL ME ABANDONOU E NÃO PODE ME MANDAR ESSE TIPO DE BILHETES.
Saquei meu telefone e imediatamente procurei o significado do dente-de-leão: “fidelidade”. Isso definitivamente não é para mim, não pode ser. Olhei para as gloxínias e pesquisei o significado delas logo em seguida: “amor à primeira vista”. O que raios isso quer dizer?! Por que ele trouxe isso? Por que esse bilhete estava perdido na caixa? Por que levar as gloxínias para o meu apartamento há tanto tempo? Isso quer dizer que… Jimin se apaixonou por mim assim que me viu? O que ele quer trazendo isso tudo à tona? Eu não acredito que ele acha que pode mexer com a minha cabeça desse jeito. Não acredito que ele acha que pode fazer o que quiser com os meus sentimentos.
Chega. Chega dessa merda toda. Eu vou acabar com essa porcaria.
— Cheguei, oppa! — Ouvi a voz de Hanna antes de vê-la. Ótimo timing. Peguei as caixas de flores nos braços, eu não ia deixar passar dessa vez. Estava furioso, e a única pessoa que merecia ser alvo da minha fúria estava do outro lado da rua.
— Ótimo. Eu já volto, segura as pontas aí — pedi a ela antes de sair correndo, tentando evitar a chuva, mas sentindo os pingos gelados e grossos encontrarem minha pele quente. Se eu fosse um daqueles desenhos animados, provavelmente estaria vermelho e a água da chuva evaporaria devido ao ódio que estava sentindo. Corri até o toldo da floricultura e chutei a porta, visto que meus braços estavam ocupados. Ele me olhou confuso, abrindo a porta e eu nem esperei que ele me deixasse entrar, só caminhei para dentro e larguei as flores no balcão. — Essas flores estão erradas.
— Erradas? Como assim? — perguntou. — O que tem de errado com as flores?
— Estão erradas. Hoje é quarta, dia dos girassóis. Desde a última vez que chequei, isso não são girassóis. — Eu estou caprichando no deboche e na ironia, porém também estou me segurando muito.
— Não, são gloxínias. Não achei que vocês implicariam tanto com isso. — Ri anasalado. — Os girassóis não estão indo bem pela quantidade de chuva dos últimos dias. Não estão tão bonitos quanto deveriam.
— Não me interessa. Eu recuso esse pedido se não vão ser girassóis — impliquei, pronto para descarregar minha raiva. Só preciso de uma passada fora da linha.
— Não temos os girassóis, Jungkook. — Ele parece ter ficado irritado pela forma que eu falei. Ótimo, não sou o único irritado aqui.
— Eu já disse que não me interessa. Dá seu jeito, é seu trabalho, não meu. Você sabe se virar bem sem as coisas, sem as pessoas também — cuspi, já dando alguns passos em direção à saída; ia acabar gerando problemas se continuasse ali.
— O que você tá querendo dizer com isso, Jeon Jungkook? — Ele levantou o tom de voz. Ah, Jimin… Não faça isso. Não me provoque.
— Exatamente o que eu disse. Você simplesmente acha que pode sair se livrando das coisas, substituindo tudo, mas não é bem assim! Não sei o que passou pela sua cabeça idiota ao pensar que gloxínias são melhores do que girassóis, mas não são, não! — Eu estava começando a gritar. — VOCÊ FAZ A MESMA COISA COM AS PESSOAS! VOCÊ AS DESCARTA COMO SE ELAS NÃO FOSSEM IMPORTANTES E DEPOIS AS SUBSTITUI, ESSA É SUA ESPECIALIDADE.
— VOCÊ ESTÁ LOUCO?! O QUE VOCÊ ACHA QUE ESTÁ FALANDO, JUNGKOOK? QUE TIPO DE MERDA ESTÁ PASSANDO NESSA SUA CABEÇA OCA? — gritou de volta e eu bufei. Aquilo não ia dar em nada.
— Quer saber? Vai para o inferno, Jimin — mandei e saí, sentindo as gotas de chuva pingando em mim imediatamente. Não cheguei a dar mais dois passos quando senti sua mão segurando meu braço esquerdo, me impedindo de atravessar o boulevard.
— Ah, você não vai, não! Que merda toda é essa, Jungkook?! VOCÊ FICOU LOUCO? — Ele me segurava, a chuva caindo sobre nós sem nenhuma pena. Estaríamos encharcados em segundos.
— ME SOLTA, JIMIN! SOLTA MEU BRAÇO! ‘TÁ CHOVENDO, MERDA!
— VOCÊ NÃO VAI A LUGAR NENHUM ATÉ ME EXPLICAR QUE MERDA FOI AQUELA COM OS GIRASSÓIS!
— VOCÊ SABE MUITO BEM O QUE QUIS DIZER! NÃO SE FAÇA DE IMBECÍL!
— POR FAVOR, FINJA QUE REALMENTE SOU IMBECÍL E ME ESCLAREÇA! JURO QUE ESTOU TENTANDO ENTENDER O DRAMA TODO SÓ PORQUE TROQUEI OS GIRASSÓIS PELAS GLOXÍNIAS!!
— EU SOU O GIRASSOL, SEU RETARDADO! ESTOU SENDO ABANDONADO, SUBSTITUÍDO, REPOSTO POR OUTRA FLOR MAIS BONITA, QUE RESISTE MAIS NA CHUVA. ESTOU SENDO JOGADO DE ESCANTEIO E NEM SEI QUE MERDA EU FIZ DE ERRADO PARA MERECER ISSO!
— QUÊ?! JUNGKOOK, VOCÊ…
— NÃO! CALA ESSA BOCA. FICA CALADO ANTES QUE EU TE DÊ UM SOCO! VOCÊ É UM IMBECÍL! EU TE AMO, PARK JIMIN! AMEI DURANTE TODOS OS DIAS DESDE QUE TE CONHECI, CADA DIA MAIS E MAIS. — Ele abriu a boca. — NEM TENTE ME ATRAPALHAR! VOCÊ ME IMPEDIU DE DIZER ISSO DURANTE TODO ESSE TEMPO! EU TE AMO! TENHO TE AMADO POR TANTO TEMPO QUE AGORA QUE QUERO PARAR, E NÃO CONSIGO MAIS TE ESQUECER! SÓ PENSO EM VOCÊ, QUERO TE ODIAR, MAS SÓ CONSIGO TE AMAR MAIS! EU ESTOU CANSADO DISSO! ESTOU CANSADO DE FICAR SOFRENDO SOZINHO, DE SER UM GIRASSOL ABANDONADO NA CHUVA! ESCUTE BEM, PARK JIMIN: EU TE AMO, MAIS DO QUE GOSTARIA DE AMAR! CONTUDO, ESTOU ABRINDO MÃO DESSA PORCARIA DE AMOR HOJE, PORQUE NÃO AGUENTO MAIS SER UM GIRASSOL! ENTÃO PEGUE SUAS GLOXÍNIAS, ENFIE EM UM LUGAR QUE NÃO PEGUE CHUVA E VÁ PARA O INFERNO! — Dei as costas para ele, completamente encharcado, decidido a voltar para a cafeteria.
Mas não foi o que aconteceu, porque o Park me puxou de volta, deixando seu rosto bem próximo ao meu.
— Você acha que eu já não estou vivendo em um inferno? Todos os dias, Jeon Jungkook, cada hora, minuto, segundo sem você tem sido um inferno — sussurrava para mim. — Eu tenho morrido aos poucos todos os dias. Me salva, Jungkookie… Seja minha salvação. — E então, nossos lábios se encontraram. Não sei quem começou o beijo, mas a sede que ele continha era absurda, parecia que meus lábios não se movimentam rápido o suficiente para suprir a minha necessidade. Meus toques, desesperados, pareciam só atrapalhados, tocando tudo o que eu conseguia alcançar durante o ósculo.
Esses lábios… Os lábios macios de Jimin são os melhores que existem no mundo todo; o gosto do seu beijo, com o leve cheiro da sua colônia de barbear, me fazia enlouquecer. Eu só queria mais e mais e mais. Eu só conseguia desejá-lo, cada minuto mais. As gotas geladas da chuva continuavam caindo sobre nós, mas é como se eu estivesse em outra dimensão. Minhas mãos passeiam por seu cabelo, puxando os fios da nuca de vez em quando, fazendo Jimin morder meu lábio inferior devagar. NOSSA! Como eu sentia falta disso!
— Nós… meio… rua. — Ele está tentando dizer algo, mas acho que é completamente irrelevante agora, estou ocupado demais acariciando sua língua com a minha, contudo, pelo visto é importante, já que ele continuou com beijos até minha orelha, que mordiscou antes voltar a falar. — Estamos no meio da rua. Vem. — Voltou a me pegar pelo braço, puxando-me de volta para a floricultura.
Eu não sei qual foi a primeira sensação que tive ao voltar. Não sei se foi o calor típico dali, se foi o cheiro das flores ou se foi a sensação do corpo do Park me prensando contra a primeira parede que encontrou, dominando-me e me deixando saber o quanto me deseja, o quanto está excitado por mim.
— Tira a roupa... — ordenou, dando dois passos para trás, pronto para me observar tirando a vestimenta. — Isso é sério. Vai ficar resfriado se ficar com essas roupas. Tira logo. — Comecei a desatar o nó do avental da cafeteria e desabotoar a camisa branca social encharcada.
— Por que sou só eu quem tira a roupa? — A boca do hyung uniu-se a minha de novo, me calando enquanto suas mãos me "ajudavam" a tirar cada peça. Não que ficar me acariciando ajudasse muita coisa, muito pelo contrário. — Estou tentando tirar a roupa aqui!
— Você demora demais. — Ele puxou meu cinto da calça e logo depois se desfez dela também, deixando-me só de boxers na floricultura.
— Ah, Jeonggukie... Você fica tão lindo assim, em meio às flores. Não tenho nem palavras para descrever o quanto estou excitado agora. Eu imaginei essa cena tantas vezes....
— Você me imaginou pelado no meio das flores?! — Avancei, beijando seu pescoço e descendo os beijos conforme tirava sua camisa.
— Claro que não. Me imaginei comendo você e é o que pretendo fazer assim que você parar de enrolar para tirar a minha roupa — provocou, e não conseguir deixar de rir. Alguém estava com pressa.
— Não se desespere…
— Cala essa boca, Jeonggukie. De preferência com a minha língua; se não for assim, espero que seja com outras partes do meu corpo — brincou, e foi exatamente o que fiz.
Já faz alguns minutos que estávamos deitados no chão da floricultura; Jimin nos meus braços e eu ao ponto de explodir de felicidade. Sei que ainda tínhamos muito a conversar e que provavelmente iria levar uma advertência por não ter voltado para o trabalho ainda, porém não estava me importando. O calor do corpo dele contra o meu, o cheiro das flores nos rodeando e a sensação de prazer que ainda me deixava letárgico, valia a pena. O Park sempre valia a pena.
— Preciso de contar uma coisa — disse, ainda afundado em mim, com seus lábios fazendo cócegas em meu pescoço.
— Se você adquiriu alguma doença nesse tempo separados, vai ter que pagar meu tratamento — avisei, em tom de brincadeira.
— Que horror, Jeonggukie! — Ele me deu uma mordidinha e eu arfei. Desse jeito, nunca vou sair desse lugar. — Enfim… As gloxínias. Elas me lembram de você. Eu me apaixonei por você no minuto que te vi, por isso as flores. Você não tem nada de girassol... não no sentido que você disse hoje. Eu nunca conseguiria substituí-lo, trocá-lo ou qualquer coisa parecida.
— Sua namorada não parece comprovar isso — reclamei e ele levantou o rosto.
— Namorada? De quem estamos falando?
— Jinjoo. — Pronunciei o nome dela com deboche, mas Jimin gargalhou. — Do que está rindo?!
— Jeonggukie, a noona é minha prima. Ela está noiva de um cara aqui na cidade, passou um tempo comigo, mas não foi nada além disso! Não acredito que você realmente achou que eu e ela tínhamos algo. — Ele riu de novo, voltando a beijar meu pescoço. — Eu amo você, Jeonggukie… Só consigo amar você. Só você. — Meu corpo todo reagiu aquela declaração.
— Eu te amo ainda mais… — respondi sincero, deixando todos os nossos problemas do lado de fora daquela floricultura, pelo menos por aquele dia, e tomara que eles sejam lavados pela chuva.