Between the two us

Última atualização: 08/11/2024

Capítulo 1

MARINA

Aeroportos conhecidos pelo o frio dos corredores, pela correria, malas indo e voltando, despedidas, reencontros, lágrimas, medos e solidão. Nesses últimos anos, eles se tornaram comuns para mim, foram em diversas conexões que conseguia falar com minha família e matar a saudade que sentia de casa, dos abraços da minha mãe, da alegria do meu cachorro, até das intermináveis brigas com meu irmão, eram naqueles momentos que percebia o quanto era bom estar com as pessoas que amamos. Sentada nesta poltrona, presenciei várias representações sobre os sentimentos que estava pensando, ao ver uma mãe correr até seu filho que voltava de um intercâmbio, lágrimas desciam pelo o rosto daquela mulher e levada a emoção, meus olhos lacrimejaram. Quando criança, achava que ser famosa era a profissão mais incrível que podia existir, ser reconhecida pelo seu trabalho, ser amada por tantas pessoas, ver olhos brilhando ao receber um abraço era incrível, mas não sabia que haveria um preço a se pagar e ele seria tão alto.
Sempre sonhei com o momento que me tornaria uma artista. Gravava vídeos no quintal da minha casa em São Paulo, todos os dias ensaiava o meu discurso para quando fosse a uma premiação e se alguém me contasse que todos os meus sonhos iam se realizar, eu não acreditaria. Quando fui chamada para a seleção de “Um amor adolescente”, nem acreditei que meu sonho estava prestes a se realizar. Embarquei para Buenos Aires tendo certeza que não voltaria, minha mãe nunca aceitou a minha profissão e não permitiria que sua filha de quinze anos deixasse de estar debaixo de suas asas para morar com o seu pai em outro país.
No dia cantei lindamente e conquistei meu espaço no mundo. Sempre fui conhecida pela minha delicadeza e simpatia, sempre tratava meus fãs com muito amor e carinho, mas ao passar dos anos aquela rotina monótona foi deixando todos os integrantes desgastados. Foram anos de trabalho árduo, nunca achei que meu sonho iria se tornar um pesadelo, dias sem dormir, turnês intermináveis, brigas, choros e principalmente a solidão. Para todos, o elenco era conhecido pela amizade, cumplicidade e união, mas com o passar dos anos começamos a nos estranhar, e não aguentávamos as diferenças um do outro e assim começaram as mentiras e as falsidades. Todos os dias nos bastidores brigávamos pelas coisas mais fúteis e sabíamos que não duraríamos muito tempo.
Na última temporada desenvolvi a depressão, que tirou toda a minha alegria. Já não conseguia passar emoção nas minhas falas, não tinha mais vontade de cantar, e, por ser protagonista, os produtores me cobravam muito. Eu não poderia falhar, tinha que ser exemplo para dezenas de crianças e adolescentes. O meu primeiro erro foi aos dezesseis anos ao fazer uma tatuagem no pulso direito com a frase que sempre me acompanhou: “All you need is love” (Tudo o que necessita é amor). Assim que divulguei em meu Instagram, os produtores da série me ligaram e me criticaram. Eu já imaginava o bombeamento que levaria, porque a filosofia deles era exibir jovens “perfeitos” e prontos para listarem “as coisas boas da vida”, e para não ser desligada da série tive que apagar a foto e comunicar a meus fãs que aquilo era somente uma brincadeira. Em todas as gravações eu tinha que parar para retocar a maquiagem que cobria a tattoo, meus colegas de trabalho já estavam cansados das interrupções e isso estava causando um desconforto. Para eles, eu tinha privilégios por ser a principal e começaram a se afastar, os únicos que sempre me entenderam foram Carol e Jorge, que se tornaram meus melhores amigos e estamos juntos até o momento.

Fui despertada dos meus pensamentos com diversas crianças ao meu redor com celulares pedindo fotos, achei que estava com meu melhor disfarce e tinha falhado. Não estava nos meus melhores dias e ter que fingir sobre estar bem era um saco. Tirei fotos, abracei, fui simpática e reparei que tinha uma menina ao meu lado me olhando e conversando com sua amiga, me aproximei achando que ela queria um abraço e acabei ouvindo o que elas estavam falando:

- Deve ser frustrante para ela ver seus colegas de elenco em outros trabalhos e ela que era a principal jogada de escanteio — Esse sempre foi meu medo, ser reconhecida para sempre como a menina que fez a tal personagem. Agora entendo o que diversas atrizes se sentiam. Eu juro que tentei trazer conteúdo aos meus fãs e, talvez, colocar na cabeça deles que meu nome era Marina. Entrei em contato com diversas gravadoras e nenhuma estava interessada no meu trabalho, e isso foi me deixando mal. Todos os integrantes já estavam com contratos assinados, participando de programas de tv e sempre me perguntava o que havia de errado comigo. E automaticamente meus pensamentos foram transferidos para o último show da turnê de despedida do elenco, que também pode ser chamado de: o pior dia da minha vida.

1 de novembro de 2015. Nice, França
“ — Mãe, acabamos de chegar no hotel. Vou fazer o check-in e já te retorno, pode ser? — a minha mãe não parava de tagarelar, dizendo que faltava pouco para nos vermos e eu mal sabia como contar que ainda ficaria mais um ano em Buenos Aires para ver se receberia alguma proposta. Ela estava tão animada com a minha volta e não queria decepcionar — Dona Silvia, a senhora é muito desconfiada. Eu não estou te escondendo nada, eu realmente preciso desligar. Eu juro que te ligo assim que tirar um cochilo, eu não dormi nada no voo. Também te amo. Tchau.

Minha mãe conseguia me decifrar como ninguém, sabia quando as coisas não estavam bem ou quando eu inventava de mentir. Sempre achei que ela tinha uma bola de cristal em casa, mas depois entendi que é intuição de mãe. Sempre foi muito cuidadosa com os filhos e por isso não aceitou o fato de eu ir morar em outro país, conhecer outras pessoas, e principalmente compartilhar momentos com meu pai. Ela nunca aceitou a minha aproximação com ele, sempre dizia que estava a traindo, mas eu não tinha culpa de amar meu pai, mesmo que os dois não estavam juntos. Depois de muita insistência, ela me deixou voar e hoje ela diz que agradece ao meu pai por ter aberto seus olhos.

Com muita felicidade, entro no meu quarto e descanso o meu corpo, mas me assusto ao ouvir batidas desesperadas direcionadas à minha porta. Corri e do outro lado encontro Carol ofegante parecendo que tinha corrido uma maratona.

— Menina, o que aconteceu? Por que está tão ofegante? – E o olhar de pena estava ali. Seus olhos já estavam marejados e logo me abraçou — Carol, você está me assustando!

Ela entrou no meu quarto e pediu para escutar tudo que ela tinha a dizer, para me acalmar e que tudo iria melhorar. Reforçou que eu era forte, mas na altura do momento eu já estava nervosa e com uma sensação ruim no meu coração. Aos poucos ela foi recuperando o fôlego e começou a falar:

— Mari, você chegou a abrir seu Instagram nos últimos quarenta minutos?
— Claro que não, Carol. Estou sem carga. Assim que falei com a minha mãe, ele descarregou e fiquei com preguiça. Mas, o que aconteceu para você vir correndo desse jeito e com essas palavras? Parece que alguém morreu.
— Marina, é difícil falar isso… Mas, o Pablo foi visto aos beijos com a Danielle, no Maison de La Truffe* — minha cabeça começou a doer, minha respiração começou a ficar pesada e já não estava mais segurando o choro. — Fica calma, pelo amor de Deus! Eu achava que você já sabia, por isso vim correndo para te ver.
— Carol, por favor, me deixe ver essa maldita foto!!! Eu não acredito que esse filho da puta fez isso comigo! Três anos juntos, TRÊS ANOS! — Carol abriu o Instagram e a foto estava em todos os perfis de fofoca, e eu só reparei nos olhares apaixonados, da forma que ele a olhava, como se tivesse conquistando o seu amor de anos. — Você está vendo essas trocas de olhares? Ele sempre disse que eu era louca de imaginar coisas entre os dois, as minhas crises de ciúmes não eram em vão. Eu não estava maluca coisa nenhuma.

Neste momento, o celular de Carol tocou e vi no visor o nome de Jorge. Ela atendeu e coloquei o meu para carregar. Eu já imaginava como estariam minhas redes sociais, milhares de mensagens, menções no twitter, comentários em minhas fotos, ligações de todos os meus amigos. Quando decidi me entregar para Pablo, ele prometeu que nunca me magoaria e quando as coisas começassem a ficarem frias, iriamos sentar e tentar resolver a situação, mas, pelo o jeito, ele decidiu continuar a relação e engatar um novo romance escondido. Carol me avisou que teria que ir resolver algumas coisas e pediu para que eu ficasse bem, me abraçou e saiu olhando pra trás. O aparelho que estava em minhas mãos já tinha dado sinal de vida, e não parava de chegar notificações. Tinha ligações da minha família e várias perdidas de Pablo. A última coisa que queria era ouvir a voz dele. Resolvi não responder a ninguém e insisti em abrir o twitter, mesmo sabendo que meu nome deveria estar nos assuntos mais falados do momento. Li alguns tweets que foram como facadas em meu coração, mas o que me chamou atenção foi uma matéria de uma revista local da argentina contando com todos os detalhes o envolvimento deles. Parecia que eu gostava de me machucar, poderia deixar passar, mas já era tarde, minha curiosidade foi maior.

BOMBA: O que levou Pablo trocar Marina Castillo por Danielle Comello?
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Durante alguns meses pudemos ver o distanciamento de Marina e Pablo, eles não estavam tão conectados nos stories como antes, e havia pouco envolvimento em praticamente em todas as redes sociais. O casal queridinho da américa do sul estava se desfazendo aos poucos e com certeza venho com a foto bombástica de Pablo e Danielle, companheira de elenco de Marina, aos beijos hoje em um dos restaurantes mais influentes da França. Os olhares apaixonados desse quase novo casal eram mui calientes e pareciam que estavam se curtindo muito.
Quem não deve estar curtindo muito é Marina que, para quem não sabe, protagonizou várias brigas com Danielle nos bastidores pelo seu ciúme excessivo, e já foi ameaçada de ser desligada das gravações e parece que a princesinha ciumenta de Buenos Aires estava certa.
Nosso público tem várias perguntas: há quanto tempo eles estão juntos? Como Marina se sente sendo trocada pela sua maior inimiga? Já tentaram imaginar como estará o clima hoje nos bastidores do último show? Pegando fogo!!!
*A coluna tentou contato com as assessorias de ambas as partes e não houve respostas.

Minha vontade era de tacar o celular na parede, gritar, arrancar meus cabelos. Não me conformava com isso. Por que ele não acabou com a droga desse relacionamento, já que ele não estava feliz? Eu não imaginei passar por algo parecido e a dor é tão forte. Liguei para minha mãe para avisar que tudo estava bem e resolvi dormir. Dali algumas horas teria que encarar uma arena lotada de fãs.

O anúncio de um voo me tira dos meus pensamentos e ainda estou focada na conversa daquelas meninas. Não sei se algum dia estaria liberta desse pesadelo. Já fazia meses que tentava me recuperar daquele mal e ver que ainda não tinha superado machucava muito.

— Amiga, eu até entendo ela — a menina ruiva começou a falar — Não deve ser nada fácil encarar uma situação dessa. Ela foi traída pelo namorado no dia mais importante da vida dela. Era o encerramento de um ciclo e o babaca faz isso? A gente só vai entender quando passarmos por algo parecido e não cabe a nós julgar.

Lembro como se fosse hoje a pressão que foi para entrar naquele show. Recebi ligações em todo o momento da imprensa, querendo marcar entrevistas; directs de milhares de fãs pedindo para eu não desistir da música e outros com palavras tão baixas desejando o meu sofrimento.

Seja forte, respire, você consegue...
Essas eram as palavras que estavam na minha cabeça durante todo o caminho para o show. Entrei pela porta dos fundos, para não ser reconhecida, e dei de cara com Danielle, com um sorrisinho cínico nos lábios, esperando que eu falasse alguma coisa. Simplesmente virei a cara e passei reto. O que mais odiava era olhares de pena para mim, não precisava disso. Eu estava a todo o momento tentando ser forte e não borrar a maquiagem. Eu recebi a opção de não fazer o show e recusei, isso daria mais repercussão e não queria. Engoli e entrei no palco como se nada tivesse acontecido comigo. Aliás, ali não era eu e sim, a Isabella.

A música de encerramento era a abertura da série, mas a produção fez diferente, deixou que eu cantasse alguma música autoral e eu, por um momento, achei que não seria justo com os outros integrantes, que daria mais motivos para eles me odiarem. Só que eu não estava mais ligando, era meu último show, última vez vestida como a minha personagem, última vez que esconderia seus sentimentos, minhas vontades e não hesitei em passar por cima de todas aquelas pessoas e fazer o que foi me passado.

— Pessoal, chegamos ao fim do show e quero agradecer vocês por nos acompanhar durante todos esses anos, por crescer juntamente conosco, foram momentos incríveis que serão guardados em nossos corações. E como todo fim de show cantamos a abertura da série, hoje iremos mudar um pouco o roteiro, vou apresentar a minha primeira música autoral e ela se chama illicit affairs. Espero que gostem.

Recomendo colocar illicit affairs da Taylor a partir daqui

Ao ouvir os acordes, os meus olhos lacrimejarem. Aquela música havia sido composta em umas das minhas discussões com Pablo e, em todas elas, o motivo era a Danielle. Eu nunca aceitei a aproximação deles, ele dizia que o sentimento entre eles era de irmãos, que se davam muito bem. Neste dia ele saiu chutando a porta do nosso apartamento, dizendo que não dava mais para aguentar os meus surtos, que eu era muito insegura e chegaria o dia que eu iria perdê-lo.

Make sure nobody sees you leave/ Tenha certeza que ninguém veja você sair
Hood over your head, keep your eyes down/ Capuz sobre a cabeça, mantenha os olhos baixos
Tell your friends you’re out for a run/ Diga a seus amigos que você saiu para correr
You’ll be flushed when you return/ Você vai estar corada quando voltar
Take the road less traveled by/ Pegue a estrada menos movimentada
Tell yourself you can always stop/ Diga a si mesma que você pode parar quando quiser
What started in beautiful rooms/ O que começou em quartos bonitos
Ends with meetings in parking lots/ Termina com encontros em estacionamentos

Eu ainda estava segurando as minhas lágrimas. Não queria me sentir tão vulnerável, eu não queria chorar na frente dos meus fãs e muito menos na frente das pessoas responsáveis por isso. Olhava para aquela multidão e parecia que elas estavam me entendendo. Era tão difícil me sentir forte naquele momento, encarar tudo com a maior naturalidade.

And that's the thing about illicit affairs/E é isso que acontece nos casos ilícitos
And clandestine meetings and longing stares/E em reuniões clandestinas e olhares ansiosos
It's born from just one single glance/Eles nascem de apenas um olhar
But it dies and it dies and it dies/Mas morrem e morrem e morrem
A million little times/Um milhão de pequenas vezes

Quando chegou na parte mais forte da música, olhei para o backstage, lá estava o principal motivo dessa canção, o cara que foi meu primeiro namorado, meu primeiro beijo, minha primeira transa, só que nunca imaginei que seria ele o primeiro a me destruir.

Don't call me kid, don't call me baby/Não me chame de criança, não me chame de bebê
You showed me colors you know I can't see with anyone else/Você me mostrou cores que você sabe que não posso ver com mais ninguém
Don't call me kid, don't call me baby/Não me chame de criança, não me chame de bebê
Look at this idiotic fool that you made me/ Olhe para essa patética imbecil em que você me transformou
You taught me a secret language I can't speak with anyone else/Você me ensinou uma linguagem secreta que não consigo conversar com mais ninguém
And you know damn well/E você sabe muito bem
For you, I would ruin myself/Que por você, eu me arruinaria
A million little times/Um milhão de pequenas vezes

Me permiti chorar tudo que não havia chorado durante esses anos, ali naquele palco. Era a última vez, a última vez que eu deixaria de ser quem sou, estava livre para cantar a minha música, usar minhas roupas, pintar meu cabelo, mostrar minhas tatuagens e principalmente livre de um relacionamento que não me agregava em nada.”

Ao abrir meus olhos, as crianças e aquelas meninas já não estavam lá e meu voo já estava sendo anunciado. Precisava deixar aquele país e me reencontrar, entender o que eu queria e principalmente cuidar da minha carreira. À caminho do embarque, meu celular começa a vibrar e um número desconhecido aparece em minha tela e, sem hesitar, atendo:

- Marina?

Capítulo 2

Eu amava sobrevoar entre as nuvens, encostar a cabeça na janela e deixar a mente viajar, imaginando o que acontecia lá embaixo: o que as pessoas pensavam, se estavam felizes. Costumava fazer isso com Carol em nossas viagens; ela sempre foi meu refúgio ao longo desses anos, e eu tinha muito medo de perdê-la. Quando fui escolhida para interpretar Isabella na série, receei não fazer amizades, mas logo no primeiro encontro com o elenco, nos aproximamos – e, de quebra, ainda ganhei a companhia de Jorge.
Sempre fomos unidos, compartilhamos muitos momentos, desde a nossa primeira cena até a compra do apartamento. Eles se tornaram a minha família. Mas, com a chegada de Pablo, tudo mudou e acabamos nos distanciando. Eu estava tão envolvida no relacionamento que ele conseguiu manipular minha mente, me fazendo esquecer todos os momentos incríveis que vivi ao lado dos meus amigos.
Ainda estava pensando na ligação que recebi antes de embarcar. Senti um certo medo ao atender, sem saber quem estava do outro lado. Ao ouvir a voz de um homem que se identificou como Rafael, diretor da grande gravadora Music Fest, meu coração disparou. Parecia obra do destino. Ele me informou que tinha uma proposta para mim. Expliquei que estava prestes a embarcar e prometi retornar assim que chegasse ao destino.
Perdida em meus pensamentos, fui surpreendida pela voz da aeromoça, avisando que havíamos pousado em São Paulo. Meu coração se encheu de alegria e esperança. Finalmente, eu estaria com minha família. Sentia que tudo iria melhorar e que, de algum modo, eu me reencontraria.
Conversei com minha família sobre manter minha chegada em sigilo, sem anúncios ou notícias em sites. Queria chegar em paz, sem perguntas ou fotos que capturassem meu verdadeiro estado. Faz cinco meses que desativei as minhas redes sociais e, nesse turbilhão, acabei perdendo alguns traços que eram tão meus. Estava bastante diferente e não queria que essa imagem se espalhasse.
Mas, como nem tudo é simples, assim que passei pela porta principal do aeroporto de Guarulhos, fui recebida por uma explosão de flashes e perguntas. Os fotógrafos hesitaram por um instante, capturando minha imagem como se não acreditassem no que viam. Ouvi murmúrios entre os fãs – alguns de surpresa, outros de preocupação. Olhares de espanto se cruzavam, me analisando em silêncio, quase me despindo com a curiosidade no olhar. A sensação de vulnerabilidade cresceu dentro de mim, e tudo o que eu queria era atravessar aquela multidão e desaparecer dali.
— Você está bem? — perguntou uma repórter, com o microfone empurrado perto demais do meu rosto, como se quisesse registrar qualquer expressão.
— O que aconteceu com você nesse tempo fora? — gritou outro jornalista, a voz carregada de uma curiosidade quase invasiva.
Um fotógrafo deu um passo à frente, examinando-me com olhos curiosos, enquanto mais uma voz surgia por trás:
— É verdade que você estava em uma clínica de reabilitação?
— Ainda está assim por causa do Pablo? Isso explica seu sumiço? — provocou alguém do meio da multidão, com um olhar malicioso.
Eu tentava desviar e me manter firme, mas as perguntas continuavam, se intensificando com cada resposta que eu deixava sem dar.
— Perdeu peso de propósito? É alguma preparação para um papel?
— Os fãs estão preocupados! Você vai se pronunciar sobre o que está acontecendo?
— Quando volta para as redes sociais? Tem gente achando que você está escondendo alguma coisa!

Cada pergunta parecia mais direta, mais incisiva. Sentia o peso dos olhares curiosos e dos flashes, cada um deles capturando essa minha versão mais vulnerável. Meu coração acelerava, e eu sentia o calor subir ao rosto. Tudo o que eu queria naquele momento era que se abrissem caminho e eu pudesse escapar dali.
Senti alguém puxar meu braço, e o medo tomou conta de mim. Mas, ao reconhecer o rosto da mulher por quem eu morria de saudades, relaxei. Minha mãe me envolveu num abraço, e eu não me sentia tão acolhida há tempos. Saímos em direção ao táxi que nos levaria para casa.
— Mãe, como eles souberam que eu estava aqui? — perguntei, ainda confusa e frustrada. Eu tinha sido tão cuidadosa… Só queria chegar em paz.
Minha mãe olhou pela janela, mas o aperto no queixo mostrava que ela segurava as palavras — até que não aguentou mais.
— Marina, você se expôs demais. Se não tivesse feito questão de ser atriz, se não tivesse insistido em ir para Buenos Aires… — Ela suspirou, passando a mão pelos cabelos. — Sabe, as coisas não precisavam estar assim.
Eu respirei fundo, sentindo a raiva subir. Era sempre a mesma conversa, sempre a mesma implicância com as minhas escolhas.
— Mãe, eu não “insisti.” Era a minha carreira, minha chance. Você acha que tudo isso foi fácil pra mim? — murmurei, tentando conter as lágrimas e a frustração.
Ela balançou a cabeça, sem olhar para mim, como se estivesse buscando paciência.
— Eu sei que não foi fácil, mas olha onde estamos agora. Você voltou… Sozinha, sem empresário, com toda essa exposição e sem ninguém para te apoiar. Eu só queria que tivesse me escutado, Marina. — Sua voz falhava, mas eu sabia que não era tristeza — era desapontamento, e aquilo doía mais que qualquer coisa.
— Escutado o quê? Que eu devia ter desistido? Que devia ter ficado aqui, feito o que você queria? — Minha voz era quase um sussurro, carregada de amargura.
Ela me olhou finalmente, os olhos sérios e cansados.
— Só queria que tivesse pensado nas consequências, que tivesse sido mais realista, só isso.
Ficamos em silêncio novamente, cada uma com o peso das próprias mágoas, enquanto o táxi avançava pela cidade que agora parecia tão estranha.
Minha mãe respirou fundo e virou-se para mim, suavizando a expressão. Havia algo calculado na mudança de tom, como se quisesse ajustar a narrativa para si mesma.
— Marina, eu… eu só quero o seu bem, sempre quis. É que às vezes você age como se eu fosse contra você, como se eu não te amasse. Isso não é justo. — Ela estendeu a mão para segurar a minha, mas eu hesitei.
— Mãe, eu sei que você se preocupa, mas… — comecei, buscando as palavras.
— Não, deixa eu falar. — Ela apertou minha mão com um toque mais firme do que confortável. — Você não entende o que eu senti quando você foi embora. Você me deixou aqui, sozinha, para ir atrás do seu pai, para viver essa “carreira” que você mal conhecia. Eu só queria que pensasse um pouco em mim também, sabe? Afinal, quem sempre esteve aqui fui eu, não ele.
Eu queria me afastar, mas ela parecia me prender com o olhar.
— Eu… eu sinto muito, tá? Talvez eu tenha falado demais agora há pouco. Mas, Marina, é só que… eu não aguentaria ver você se machucando desse jeito, como se fosse um erro. Eu sempre amei você, mais do que tudo. E, talvez, eu tenha o direito de sentir que você deveria ter pensado mais em como eu ficaria, aqui. — Ela suspirou, suavizando a voz num tom quase arrependido. — Me desculpe, eu sei que às vezes posso parecer dura. Mas, tudo isso é por amor, entende?
As palavras ecoavam estranhamente vazias, como uma desculpa que não chegava realmente a lugar algum, e eu não sabia ao certo se era culpa ou arrependimento verdadeiro. Senti um aperto no peito, uma mistura de afeto e exaustão.
— Mãe… — sussurrei, sem saber ao certo o que dizer.
Ela deu um leve sorriso e afagou minha mão, mas seu toque parecia mais um lembrete silencioso do controle que sempre tentava manter.
— Viu? Eu só queria que você entendesse que sempre estive do seu lado, mesmo quando você não vê. Eu sempre vou querer o melhor pra você.
Ficamos ali, presas no que parecia ser o mesmo jogo de sempre: desculpas meio-ditas, um pedido de compreensão que só ela nunca oferecia em troca.
Permaneci calada o caminho inteiro; é difícil debater com minha mãe. Sei que errei ao tirar aquelas fotos. Sempre fui ativa nas redes sociais, adorava compartilhar minhas histórias com meus fãs, mas depois que tudo virou de ponta cabeça, decidi dar um tempo e desativei tudo. Esses meses foram desafiadores demais; estar sem apoio emocional foi o pior para mim. Meus amigos seguiram seus próprios caminhos, e fiquei sozinha. Meu pai tentou ser o mais próximo possível, sempre ao meu lado, me dando conselhos, dizendo que eu era forte. Quando decidi voltar ao Brasil, ele ficou chateado, mas entendeu que estar perto da minha mãe e de Noah era o melhor para mim.
Olhei pela janela e avistei a avenida do condomínio onde morávamos. Nunca fui fã de cidades grandes, e meu caso com São Paulo era complicado. O trânsito intenso, que me fazia chegar atrasada a todos os compromissos, sempre me deixava maluca. Nosso bairro já estava próximo, então pedi que minha mãe informasse ao taxista que não precisaria entrar no condomínio pois queria dar uma pequena volta.
Ao sair do carro, senti o vento frio nas bochechas e vi o céu cinzento que já anunciava a chegada da chuva. Depois de uma breve caminhada, paramos em frente ao portão do condomínio e fomos recebidas pelo nosso querido porteiro, João. Ele perguntou como foi a viagem e me desejou boas-vindas. Agradeci pelo carinho e continuei andando pelo pequeno jardim, ansiosa para ver Noah e meu cachorro, a ponto de quase esquecer o quanto nossa casa era longe.
Quando chegamos à fachada da nossa casa, minha mãe foi à frente para abrir a porta. Assim que passei por ela, tomei um susto.
— SURPRESAAAAAAA! — Eu não consegui assimilar nada. Toda a minha família estava lá, e meus olhos se encheram de lágrimas. Corri para abraçá-los. Consegui ouvir os latidos desesperados de Dexter e fui ao seu encontro. Ele não sabia se lambia meu rosto ou pulava de alegria. Meu irmão estava logo atrás de mim, ansioso para me abraçar, e eu mal podia esperar para agarrá-lo.
Noah e eu brigávamos muito antes da minha partida para a Argentina. Sempre disse que não sentiria sua falta, que estaria livre das chatices dele. Mas, agora, aquele momento me fazia perceber o quanto eu realmente sentia falta dele.
— Noah, como estão as coisas? Nunca pensei que morreria de saudades de você. Quebrei a cara assim que pisei em solo argentino e me arrependi de não ter te levado comigo.
— Marina, eu sei que sou maravilhoso e incrível — ele respondeu, com aquele tom convencido que eu tinha esquecido. — Mas, também senti sua falta todos os dias. Não sei como consegui ficar sem minha companheira de filmes e risadas.
O abracei com força, meu coração se aquecendo. Eu sentia uma conexão única com ele, e suas palavras sempre me faziam sorrir.
— Você parece diferente — ele comentou, a preocupação evidente em seus olhos. — O caminho do aeroporto até aqui foi tranquilo?
— Nada é melhor do que estar com você — respondi, a sinceridade transparecendo em minha voz. — O que aconteceu antes ficou no passado. Estou pronta para recomeçar, e quero fazer isso ao seu lado.
Ele sorriu, aliviado, e eu soube que, com ele ao meu lado, eu poderia enfrentar qualquer desafio. Noah sempre foi meu porto seguro, o que me lembrava de quem eu realmente era, mesmo nas tempestades da vida.
A tarde foi muito agradável; ri bastante com minha família. Minhas tias comentaram sobre minhas turnês e meu talento, e relembramos diversos acontecimentos da infância — meu amor por cantar, minhas travessuras. Era muito bom estar em casa, cercada pelo calor familiar e pelas lembranças nostálgicas que aqueciam meu coração.
No entanto, à medida que as horas passavam e as pessoas foram se dispersando, uma leve inquietação começou a me incomodar. Quando percebi que só estávamos eu e Noah, a ausência da minha mãe se fez mais presente. A falta dela no ambiente, que antes parecia vibrante, me deixou encucada. O que teria acontecido? Eu sabia que nossa relação estava delicada, mas gostaria que ela estivesse ali, compartilhando aqueles momentos.
Decidimos preparar um jantar, apenas nós três: eu, Noah e Dexter. Fiquei encarregada de fazer uma massa incrível que aprendi na Itália, enquanto Noah foi em busca do melhor vinho na nossa adega. A cozinha, com seu aroma de alho e manjericão, começou a criar um clima acolhedor que aos poucos me acalmava.
Assim que finalizei o prato, sentamos à mesa e, enquanto Noah começava a gravar um storie do Dexter, que estava sentado à mesa com seu olhar curioso, eu apareci na cena e fiz uma graça. Imediatamente, seu olhar se voltou para mim, e aquela conexão espontânea me fez sorrir.
Naquele momento, percebi que, apesar das incertezas e da ausência da minha mãe, ali, com Noah e Dexter, eu tinha um pedaço da felicidade que tanto buscava. A risada e a leveza do momento ajudaram a suavizar a preocupação que pesava em meu peito, mesmo que por um breve instante.
— Marina, posso postar? — Noah sorrindo perguntou e logo comecei a suar. Talvez este fosse o momento de me expor, abraçando uma nova fase; eu precisava lidar com as críticas e recuperar minha liberdade.
— Claro! Pensei muito sobre isso e é a hora de florescer novamente. Não sei quais serão as consequências, mas estou pronta para enfrentá-las.
— Já que você vai aparecer, por que não ativa seu Instagram e volta a postar seus vídeos? Pode ser que uma grande gravadora se interesse pelo seu trabalho e queira te contratar.
Com a chegada ao Brasil, acabei me esquecendo da ligação do diretor da gravadora. Estava tão entretida com a surpresa da minha família e o jantar com Noah que deixei isso passar.
— A propósito, onde está a mamãe? — perguntei, olhando ao redor.
Noah hesitou, baixando um pouco a cabeça, como se estivesse relutante em responder.
— Ela… está namorando.
— Namorando? — minha voz saiu mais alta do que eu pretendia. — Por que você está tão nervoso em dizer isso?
— É complicado, Marina. Logo, logo você vai entender — ele respondeu, com um olhar que misturava medo e anseio.
— Sobre a gravadora — comecei a dizer para mudar de assunto —, antes de embarcar, recebi uma ligação do diretor da Music Fest querendo marcar uma reunião comigo para falar sobre uma proposta. E sabe o que eu achei mais incrível? Minutos antes da ligação, eu disse que precisava me reencontrar e focar na minha carreira, e de repente veio esse sinal.
— Sabe, Marina, eu nunca acreditei quando a mamãe disse que você tinha desistido da sua música. Não aceitava que seu sonho estivesse sendo destruído por um cara. Naquele dia, eu ia atrás de você, mas fui impedido. A minha vontade era socar ele para mostrar o quanto ele foi idiota em te magoar. E, porra, você foi tão forte! Aguentou cada minuto naquele palco como se nada tivesse te abalado; você sorria como uma criança e se entregava em todas as performances. Ter você aqui agora é muito importante. Ver esse sorriso no seu rosto… Eu te amo tanto, maninha, e sempre estarei aqui para te proteger.
— Eu te amo muito, Noah, e fico tão feliz de ter um irmão tão especial como você. E eu juro que ficaria aqui elevando o seu ego, mas preciso muito dormir e colocar minhas ideias no lugar. — Antes de sair da sala de jantar, virei-me e disse — Avise ao mundo que Marina Castillo voltou para o Instagram.
Ele apenas piscou, e eu fui para o quarto.
Com o barulho do liquidificador, eu acordei e olho para o relógio: eram onze e meia da manhã. Eu me impressionava com minha capacidade de acordar com o mínimo de barulho. Tentei me virar de lado e me deparei com Dexter dormindo tranquilamente. Ri baixinho e tirei uma foto dele. Levantei, calcei minhas pantufas e fui até a varanda. Um caderno estava empoleirado na minha mesa de composição, e eu percebi que havia esquecido como aquele lugar me inspirou a compor músicas.

Sentei na cadeira e comecei a observar o cenário ao meu redor: o céu azul, o sol brilhando intensamente e o barulho dos carros na rua. A lembrança da ligação da gravadora voltou à minha mente, e um nó se formou em meu estômago. Não conseguia entender por que sentia tanto medo. Tudo o que eu desejava era cantar novamente, compartilhar meu trabalho com o mundo. Por que deixava aquela oportunidade passar diante dos meus olhos? Seria o medo de levar outra rasteira ou a apreensão de que não gostassem da minha música que estava se sobrepondo à minha fé?
Visualizei o número de Rafael diversas vezes, mas não conseguia fazer a chamada. Após muita insistência, finalmente apertei o botão. No primeiro toque, arrepender-me já parecia inevitável. A ligação estava prestes a cair na caixa postal quando ouvi um “alô” do outro lado.
— Bom dia! Falo com Rafael? — perguntei, ansiosa.
— Oi, Marina! Tudo bem? — a voz dele confirmou minha identidade. — Achei que você não iria me retornar. Estava preparando argumentos para convencê-la a não abandonar essa carreira incrível. Mas, hoje entrei nas minhas redes sociais e vi que você está em todos os sites. Finalmente, Marina Castillo voltou ao show business!
Suas palavras me surpreenderam. Meu nome estava em todos os lugares só porque havia ativado meu Instagram? Não imaginava que isso me traria tanta visibilidade. Fiquei animada ao saber que havia pessoas interessadas na minha volta, mas, ao mesmo tempo, um receio me invadiu: e se tudo não passasse de zombarias sobre meu estado?
Continuei a conversa com Rafael, que me disse que os diretores estavam empolgados com a possibilidade de me ter no time. Ele me propôs um almoço ainda hoje para discutirmos alguns detalhes, e eu aceitei, ainda um pouco insegura, mas animada com a ideia.
Assim que finalizamos a conversa, impulsivamente entrei no meu Instagram e me deparei com inúmeras menções e fotos do aeroporto, além de registros do meu estado atual. A decisão veio rápida: eu precisava fazer uma live para esclarecer a situação. Em menos de cinco minutos, milhares de fãs e haters já estavam conectados, prontos para ouvir meu pronunciamento.

— Queridos fãs — eu pausei, respirando fundo, sentindo a pressão no peito enquanto as lágrimas começavam a escorregar pelo meu rosto. — Durante esses meses, me privei de compartilhar tantos momentos com vocês… Não pensem que fui egoísta. Não, eu nunca quis fazer isso. É só que, como todos sabem, levei uma rasteira muito grande. — Engoli em seco, tentando controlar o choro. A traição do meu ex-namorado me feriu de uma maneira que eu nunca poderia imaginar. Eu fiquei tão perdida, tão confusa, e isso me afetou profundamente.
Senti o apoio de alguns fãs nos comentários, e isso me deu coragem para continuar.
— Deixei de cantar. Deixei de ser eu mesma. A mudança não foi apenas uma fase; foi uma necessidade dolorosa. Eu mudei tanto… e amadureci, mas não da forma que eu queria. Aprendi com muitos dos meus erros, e mesmo assim, a dor da traição me consumiu. Perdi o apetite, e emagreci mais do que deveria. Meus dias se tornaram cinzas e, muitas vezes, eu mal conseguia sair da cama. — As lágrimas começaram a escorregar pelo meu rosto, mas continuei.
— Mas, hoje… hoje eu voltei, sem medo das críticas. Estou pronta para mostrar a vocês a minha música. Eu amo vocês infinitamente! Obrigada por não desistirem de mim, mesmo quando eu mesma perdi a fé em mim. Temos tantas novidades pela frente… e, sinceramente, é tão bom estar de volta.
Beijos!

Encerrei a live e bloqueei meu celular. Fui ao banheiro para fazer minha higiene matinal e, ao olhar para o espelho, percebi o quanto eu estava diferente. Estava magra demais, com olheiras profundas… Era estranho me ver assim. Durante semanas, me culpei pela traição de Pablo, acreditando que não fui o suficiente para ele, que poderia ter mudado algumas atitudes, ter sido mais amorosa ou ter estado ao seu lado em momentos em que me sentia desconfortável. Com o tempo, fui entendendo que, na verdade, ele nunca me amou. Tanto que assumiu o namoro com Danielle no dia seguinte àquele trágico dia.
A raiva que senti ao vê-los dando entrevistas como um casal apaixonado era insuportável. Nunca entendi como não percebi isso antes; durante todos aqueles anos, fui usada. Quando ele não achou mais necessário, simplesmente me deixou.
Foi então que ouvi batidas na porta do banheiro. Ao abrir, encontrei minha mãe com um sorriso largo.
— Bom dia, filha! — Ela me abraçou, cobrindo meu rosto de beijos. — Você não imagina o quanto estou feliz por estar no seu quarto e te ver aqui. Durante todos esses anos, eu entrava aqui e sonhava com o dia em que teria minha princesa de volta.
— Dona Silvia, você fez algum complô com o Noah? — perguntei, tentando aliviar a tensão, mas o sorriso dela se desmanchou um pouco.
— É porque desde que pisei em casa, vocês me fazem chorar com essas lindas declarações. Eu senti muito a sua falta, mamãe. Nos primeiros meses que me mudei, tinha uma vontade enorme de voltar para os seus braços, de receber esse abraço apertado e esses beijos cheios de amor. Mas tudo isso foi bom para meu amadurecimento. Cresci muito e consegui lidar com meus problemas.
— Olha, eu realmente acho que você precisa se cuidar mais. — O tom dela mudou, e eu sabia que algo desconfortável estava vindo. — Percebi que você está muito magra e… diferente. Quando você estava aqui no Brasil, não era assim. Você se descuidou muito durante esse tempo em Buenos Aires, não foi?
Senti meu rosto esquentar. Eu estava ali, tentando me reconectar com minha mãe, e ela trazia à tona o que eu mais temia.
— É, talvez eu tenha mudado um pouco… — tentei responder, mas as palavras ficaram presas na garganta.
— Olha, não estou aqui para te criticar, meu amor — disse ela, a voz ainda cheia de preocupação. — Só estou preocupada, porque quando você voltou, não parecia a mesma. Eu quero que você se sinta bem com você mesma.
— Tudo bem, mamãe. Mas, e você? Está namorando mesmo? — perguntei, com o coração acelerado.
Ela hesitou por um momento, a expressão mudou sutilmente.
— Ah, bem… — começou, desviando o olhar. — Sabe, vamos tomar um café reforçado? O Noah disse que se demorássemos muito, ele ia devorar a mesa.
Enquanto ela mudava de assunto, percebi que não queria falar sobre isso. O desconforto pairava entre nós, como se houvesse mais coisas não ditas.
— Ok, vamos lá. — Eu sorri forçadamente, tentando não deixar a frustração transparecer. — Só… eu só preciso de um tempo para me ajustar.
— Vamos, meu amor — ela disse, já se afastando. — Só quero que você esteja bem.
Ouvindo suas palavras, senti que o amor dela vinha carregado de críticas disfarçadas, e isso me deixava ansiosa. Era um amor que muitas vezes parecia exigir mais do que eu conseguia dar.
Sai correndo em direção à cozinha e me deparei com um banquete enorme no quintal dos fundos, repleto de coisas que eu amava, com lindos girassóis na mesa. Me emocionei ao olhar para a cena e vi os braços de Noah me chamando para um abraço. Fazia apenas um dia que eu tinha voltado, mas já me sentia muito acolhida.
— Vai ficar chorando igual uma boba? — disse Noah, e logo me separei dele, dando-lhe uma cotovelada. — Tá vendo, mãe? Olha como ela retribui o meu carinho! Se soubesse que seria tratado dessa maneira, não teria acordado cedo.
— Noah, não comece com seu drama! Você que começou me chamando de boba! Se não aguenta brincar, não desce pro play. — Ri daquela frase; parecia uma criança de cinco anos falando. — Eu agradeço muito ao senhor maravilha por me dar a honra de tomar café ao seu lado e agradeço também à dona Sílvia pelo amor e dedicação. Amo vocês. Agora, bora tomar café e comer esses belos pãezinhos de queijo!
Enquanto Noah contava sobre seu novo amor, comecei a me sentir privilegiada por estar ali. Minha família sempre foi muito importante para mim; não houve um dia durante esses anos em que não me lembrasse dos momentos únicos que passamos juntos. Mesmo com meu pai ali, me apoiando e me dando carinho, sempre senti que faltava algo. E, apesar de todo o desconforto que minha mãe estava me causando, sentia em seus olhos o brilho por ter seus filhos reunidos.

— Gente, o café está muito bom, mas eu tenho que me arrumar para um almoço. — Minha mãe deu um pulo da cadeira.
— Calma, dona Silvia, quase engasgou com o pão! — brinquei. — Tenho uma reunião marcada com uma gravadora.
Nesse momento, minha mãe se revolta.
— Como assim, Marina? Você realmente acha que pode voltar para a música? Depois de tudo que aconteceu? Você se esqueceu de como foi doloroso para você? — A voz dela tremia, e o tom carregava uma indignação profunda. — Você planejou tudo isso, não é? Sair de Buenos Aires só para voltar com essa história de gravadora? Você não está pensando na sua saúde?
— Mãe, eu só… — tentei intervir, mas as lágrimas começaram a escorregar pelo meu rosto.
— Não me venha com lágrimas, garota! — Ela cruzou os braços, sua expressão era uma mistura de preocupação e frustração. — Você ficou magra demais, se descuidou e agora quer voltar como se nada tivesse acontecido?
— Ei, mãe! — Noah interrompeu, levantando-se da mesa. — Para com isso! A Marina está se reerguendo e fazendo o que ama! Você precisa apoiá-la, não criticá-la. Ninguém planejou essa dor, mas agora ela está tentando seguir em frente. Por que você não consegue ver isso?
— Eu só quero que ela esteja bem! — Minha mãe retrucou, mas Noah não recuou.
— E isso significa deixar de viver os sonhos dela? Você a ama, mas essa forma de se importar está machucando mais do que ajudando!
Eu olhei para Noah, com o coração acelerado, enquanto a tensão pairava no ar. Sentia que ele estava me defendendo, mas o peso das palavras da minha mãe ainda estava presente, me deixando angustiada.
— Se a senhora me deixar falar, né? — Enxuguei as lágrimas. — Faz pouco tempo que estamos conversando. Não sei como ele conseguiu meu número, mas me ligou quando estava embarcando. Hoje, mais cedo, liguei para ele e marquei esse almoço para ouvir a proposta.
— Nossa, que orgulho, minha menina! — Noah disse, aproximando-se de mim e me dando um beijo na testa. — Não sabe o quanto torci por isso. Sabia que sua vinda para cá tinha um propósito.
Retirei-me e minha mãe tentou me seguir. Eu só sabia chorar. Como ela poderia estragar um momento tão incrível como aquele? Já estava enlouquecendo. Tinha acabado de chegar e juro que não imaginava que minha relação com minha mãe era tão complicada. Esses tempos afastaram essa memória dela da minha mente. Enquanto as lágrimas escorriam, comecei a revirar meu guarda-roupa de ponta cabeça, em busca de algo adequado para o almoço. Eu tinha apenas quarenta minutos para estar no Arturito, um dos restaurantes mais chiques de São Paulo.
Depois de muita procura, consegui encontrar uma calça destroyed, um top preto e um coturno. Peguei o carro de Noah emprestado, já que ele estava trabalhando em casa, e segui o GPS para meu destino. Pela primeira vez, o trânsito da cidade não me atrapalhou; cheguei dez minutos adiantada. Fui em direção ao maître, que, com muita educação, me levou à mesa que Rafael havia reservado — um lugar discreto, longe da imprensa e do público, para que não fôssemos interrompidos.
Minhas mãos suavam muito. Eu tive a mesma sensação de quando fiz o teste para a série: meu estômago parecia estar repleto de borboletas. O medo começou a surgir, mas mantive a calma, sabendo que minha mente queria me sabotar. Comecei a digitar uma mensagem para Carol, querendo muito contar a novidade, mas desisti ao ver Rafael chegar.

— Oi, Marina! — nunca imaginei que o diretor fosse tão jovem e bonito. — Me chamo Rafael e sou diretor da Music Fest. Esta é Laís, uma das nossas colaboradoras na empresa e sua futura empresária.
Meus olhos se dirigiram automaticamente para a mulher ao seu lado. Ela tinha cerca de vinte e quatro anos, pele tão clara quanto a neve, olhos verdes e um sorriso que me trouxe uma paz imensa.
— Oi, Rafael! Oi, Laís! Podem se sentar! Como vocês estão? — A ansiedade fazia com que eu falasse de maneira atropelada, como uma gralha.
— Estamos bem — disse Laís, e então continuou: — Marina, você deve estar imaginando o que queremos discutir com você. Esperamos que considere tudo o que temos a dizer antes de tomar qualquer decisão.
Fiquei admirada ao ouvir o que eles propunham. Seria uma volta e tanto aos holofotes, e as condições eram muito boas. Disseram que a gravadora me procurava há muito tempo, mas, com minhas redes sociais desativadas, não conseguiram contato.
— Marina, estamos muito ansiosos para tê-la em nosso time. Acompanhamos todo o seu processo com sua personagem, suas turnês, e você é uma artista completa. Sua voz transmite emoção e adrenalina ao ser ouvida, e é isso que precisamos — Rafael falava com entusiasmo. — Você tem algo a nos dizer ou perguntas sobre nosso plano de carreira?
— Fico lisonjeada pelas palavras gentis e por terem pensado em cada detalhe. Este último ano não foi fácil e pensei muito antes de estar aqui com vocês. Não me sentia preparada para uma volta agora; queria colocar tudo no lugar antes de embarcar novamente nessa loucura que é estar em um palco. Mas, depois de voltar ao Brasil, rever minha família e retornar para meus fãs, percebi que estou pronta para cantar minhas músicas.
Laís prestava atenção nas minhas palavras.
— Meu único questionamento é sobre como devo me portar. Posso mostrar minhas tatuagens, pintar meu cabelo e usar minhas roupas?
Ambos riram da minha cara, e eu não entendia o motivo.
— Claro que você pode, Marina — disse Laís, levantando a manga da sua camisa social para mostrar uma tatuagem de uma linda rosa em seu braço. — Fique tranquila, não iremos te impedir de nada. Porém, teremos que ter cuidado com algumas coisas; não podemos deixar que situações que possam manchar sua imagem ocorram. Então, depois de esclarecermos suas dúvidas e apresentarmos nossas ideias para sua volta, queremos saber se você nos dará o prazer de contar com sua presença em nossa gravadora.
— Eu aceito a proposta! — Eles vibraram, e Rafael pediu o champanhe mais caro da casa. Enquanto Laís me abraçava, dizendo que iríamos dominar o mundo, meu coração estava saltitante. Na empolgação, tirei uma foto com minha empresária, e ali tive a certeza de que viveríamos momentos incríveis juntas.
Já fazia algumas horas que eu tinha chegado em casa. Estava deitada no sofá da sala, tentando assimilar tudo o que tinha acontecido neste dia. Ainda custava a acreditar: agora eu tinha uma gravadora, uma empresária, e estava oficialmente de volta. De repente, senti uma vontade irresistível de mandar uma mensagem para a Carol e compartilhar com ela esse momento incrível que estou vivendo.
Marina: Oi, Carol! Tá ocupada?
Carol: Oi, Mari! Acabei de chegar das gravações. Tá tudo bem?
Marina: Fica tranquila, tá tudo ótimo! Só queria contar uma novidade!!
Carol: Mais novidade? Hoje já tive duas surpresas! Primeiro, seu Instagram reativado, e depois essa foto com uma mulher que eu nunca vi. Vai explicar?
Marina: Olha quem tá com ciúmes haha calma que eu explico! 😆
Marina: O nome dela é Brenda Laís... e ela é minha NOVA EMPRESÁRIA!!! 🎉
Mal atendi a chamada de vídeo, e Carol já começou a gritar e correr pelo nosso antigo apartamento. Entre risadas, comecei a contar todos os detalhes – desde a primeira mensagem até o encontro com a gravadora. Quando terminei, vi que os olhos dela estavam cheios de lágrimas.
— Carol, nem começa a chorar! Eu já não tenho mais lágrimas pra gastar! – sabia bem o que ela estava sentindo. Ela ficou ao meu lado nas primeiras semanas de tudo, mesmo se sentindo culpada por ter que seguir seus próprios sonhos.
— Amiga, isso é incrível! Você merece demais esse reconhecimento! Eu tô explodindo de felicidade por ser uma das primeiras a ouvir essa notícia linda! Tava morrendo de saudade da sua voz, e saber que você superou tudo isso... é de arrepiar!
— Ai, eu tô muito ansiosa pra começar esse ciclo novo! Tenho tanta composição guardada na gaveta, só esperando ganhar vida. Hoje é um dos dias mais especiais da minha vida! – Mal terminei de falar, a campainha de casa começou a tocar sem parar. – Amiga, acho que o Noah esqueceu a chave de novo. Vou lá ver e já te ligo de volta! Beijo, te amo demais!
Levantei, já preparada pra xingar o Noah por esquecer a chave e ainda ficar tocando essa campainha sem parar. Por que ele não mandou uma mensagem avisando? Abri a porta pronta para despejar uma lista de xingamentos, mas assim que vi quem estava ali, minhas palavras congelaram. Meu coração disparou, minhas pernas tremeram.
— Sentiu minha falta, bebê? – Minhas mãos começaram a suar. Como ele conseguiu meu endereço? E o que ele estava fazendo na minha porta?





Continua...



Nota da autora: Oi, meninas! Tudo bem? Depois de quase dois anos sem escrever, resolvi dar continuidade à história de Marina, mas com nomes originais, sem a presença do nosso querido H. A essência da história permanece, mas fiz algumas mudanças e aprimorei a escrita. Espero que gostem! Beijos, Estela <3



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