Capítulo 1
Aeroportos conhecidos pelo o frio dos corredores, pela correria, malas indo e voltando, despedidas, reencontros, lágrimas, medos e solidão. Nesses últimos anos, eles se tornaram comuns para mim, foram em diversas conexões que conseguia falar com minha família e matar a saudade que sentia de casa, dos abraços da minha mãe, da alegria do meu cachorro, até das intermináveis brigas com meu irmão, eram naqueles momentos que percebia o quanto era bom estar com as pessoas que amamos. Sentada nesta poltrona, presenciei várias representações sobre os sentimentos que estava pensando, ao ver uma mãe correr até seu filho que voltava de um intercâmbio, lágrimas desciam pelo o rosto daquela mulher e levada a emoção, meus olhos lacrimejaram. Quando criança, achava que ser famosa era a profissão mais incrível que podia existir, ser reconhecida pelo seu trabalho, ser amada por tantas pessoas, ver olhos brilhando ao receber um abraço era incrível, mas não sabia que haveria um preço a se pagar e ele seria tão alto.
Sempre sonhei com o momento que me tornaria uma artista. Gravava vídeos no quintal da minha casa em São Paulo, todos os dias ensaiava o meu discurso para quando fosse a uma premiação e se alguém me contasse que todos os meus sonhos iam se realizar, eu não acreditaria. Quando fui chamada para a seleção de “Um amor adolescente”, nem acreditei que meu sonho estava prestes a se realizar. Embarquei para Buenos Aires tendo certeza que não voltaria, minha mãe nunca aceitou a minha profissão e não permitiria que sua filha de quinze anos deixasse de estar debaixo de suas asas para morar com o seu pai em outro país.
No dia cantei lindamente e conquistei meu espaço no mundo. Sempre fui conhecida pela minha delicadeza e simpatia, sempre tratava meus fãs com muito amor e carinho, mas ao passar dos anos aquela rotina monótona foi deixando todos os integrantes desgastados. Foram anos de trabalho árduo, nunca achei que meu sonho iria se tornar um pesadelo, dias sem dormir, turnês intermináveis, brigas, choros e principalmente a solidão. Para todos, o elenco era conhecido pela amizade, cumplicidade e união, mas com o passar dos anos começamos a nos estranhar, e não aguentávamos as diferenças um do outro e assim começaram as mentiras e as falsidades. Todos os dias nos bastidores brigávamos pelas coisas mais fúteis e sabíamos que não duraríamos muito tempo.
Na última temporada desenvolvi a depressão, que tirou toda a minha alegria. Já não conseguia passar emoção nas minhas falas, não tinha mais vontade de cantar, e, por ser protagonista, os produtores me cobravam muito. Eu não poderia falhar, tinha que ser exemplo para dezenas de crianças e adolescentes. O meu primeiro erro foi aos dezesseis anos ao fazer uma tatuagem no pulso direito com a frase que sempre me acompanhou: “All you need is love” (Tudo o que necessita é amor). Assim que divulguei em meu Instagram, os produtores da série me ligaram e me criticaram. Eu já imaginava o bombeamento que levaria, porque a filosofia deles era exibir jovens “perfeitos” e prontos para listarem “as coisas boas da vida”, e para não ser desligada da série tive que apagar a foto e comunicar a meus fãs que aquilo era somente uma brincadeira. Em todas as gravações eu tinha que parar para retocar a maquiagem que cobria a tattoo, meus colegas de trabalho já estavam cansados das interrupções e isso estava causando um desconforto. Para eles, eu tinha privilégios por ser a principal e começaram a se afastar, os únicos que sempre me entenderam foram Carol e Jorge, que se tornaram meus melhores amigos e estamos juntos até o momento.
Fui despertada dos meus pensamentos com diversas crianças ao meu redor com celulares pedindo fotos, achei que estava com meu melhor disfarce e tinha falhado. Não estava nos meus melhores dias e ter que fingir sobre estar bem era um saco. Tirei fotos, abracei, fui simpática e reparei que tinha uma menina ao meu lado me olhando e conversando com sua amiga, me aproximei achando que ela queria um abraço e acabei ouvindo o que elas estavam falando:
- Deve ser frustrante para ela ver seus colegas de elenco em outros trabalhos e ela que era a principal jogada de escanteio — Esse sempre foi meu medo, ser reconhecida para sempre como a menina que fez a tal personagem. Agora entendo o que diversas atrizes se sentiam. Eu juro que tentei trazer conteúdo aos meus fãs e, talvez, colocar na cabeça deles que meu nome era Marina. Entrei em contato com diversas gravadoras e nenhuma estava interessada no meu trabalho, e isso foi me deixando mal. Todos os integrantes já estavam com contratos assinados, participando de programas de tv e sempre me perguntava o que havia de errado comigo. E automaticamente meus pensamentos foram transferidos para o último show da turnê de despedida do elenco, que também pode ser chamado de: o pior dia da minha vida.
1 de novembro de 2015. Nice, França
“ — Mãe, acabamos de chegar no hotel. Vou fazer o check-in e já te retorno, pode ser? — a minha mãe não parava de tagarelar, dizendo que faltava pouco para nos vermos e eu mal sabia como contar que ainda ficaria mais um ano em Buenos Aires para ver se receberia alguma proposta. Ela estava tão animada com a minha volta e não queria decepcionar — Dona Silvia, a senhora é muito desconfiada. Eu não estou te escondendo nada, eu realmente preciso desligar. Eu juro que te ligo assim que tirar um cochilo, eu não dormi nada no voo. Também te amo. Tchau.
Minha mãe conseguia me decifrar como ninguém, sabia quando as coisas não estavam bem ou quando eu inventava de mentir. Sempre achei que ela tinha uma bola de cristal em casa, mas depois entendi que é intuição de mãe. Sempre foi muito cuidadosa com os filhos e por isso não aceitou o fato de eu ir morar em outro país, conhecer outras pessoas, e principalmente compartilhar momentos com meu pai. Ela nunca aceitou a minha aproximação com ele, sempre dizia que estava a traindo, mas eu não tinha culpa de amar meu pai, mesmo que os dois não estavam juntos. Depois de muita insistência, ela me deixou voar e hoje ela diz que agradece ao meu pai por ter aberto seus olhos.
Com muita felicidade, entro no meu quarto e descanso o meu corpo, mas me assusto ao ouvir batidas desesperadas direcionadas à minha porta. Corri e do outro lado encontro Carol ofegante parecendo que tinha corrido uma maratona.
— Menina, o que aconteceu? Por que está tão ofegante? – E o olhar de pena estava ali. Seus olhos já estavam marejados e logo me abraçou — Carol, você está me assustando!
Ela entrou no meu quarto e pediu para escutar tudo que ela tinha a dizer, para me acalmar e que tudo iria melhorar. Reforçou que eu era forte, mas na altura do momento eu já estava nervosa e com uma sensação ruim no meu coração. Aos poucos ela foi recuperando o fôlego e começou a falar:
— Mari, você chegou a abrir seu Instagram nos últimos quarenta minutos?
— Claro que não, Carol. Estou sem carga. Assim que falei com a minha mãe, ele descarregou e fiquei com preguiça. Mas, o que aconteceu para você vir correndo desse jeito e com essas palavras? Parece que alguém morreu.
— Marina, é difícil falar isso… Mas, o Pablo foi visto aos beijos com a Danielle, no Maison de La Truffe* — minha cabeça começou a doer, minha respiração começou a ficar pesada e já não estava mais segurando o choro. — Fica calma, pelo amor de Deus! Eu achava que você já sabia, por isso vim correndo para te ver.
— Carol, por favor, me deixe ver essa maldita foto!!! Eu não acredito que esse filho da puta fez isso comigo! Três anos juntos, TRÊS ANOS! — Carol abriu o Instagram e a foto estava em todos os perfis de fofoca, e eu só reparei nos olhares apaixonados, da forma que ele a olhava, como se tivesse conquistando o seu amor de anos. — Você está vendo essas trocas de olhares? Ele sempre disse que eu era louca de imaginar coisas entre os dois, as minhas crises de ciúmes não eram em vão. Eu não estava maluca coisa nenhuma.
Neste momento, o celular de Carol tocou e vi no visor o nome de Jorge. Ela atendeu e coloquei o meu para carregar. Eu já imaginava como estariam minhas redes sociais, milhares de mensagens, menções no twitter, comentários em minhas fotos, ligações de todos os meus amigos. Quando decidi me entregar para Pablo, ele prometeu que nunca me magoaria e quando as coisas começassem a ficarem frias, iriamos sentar e tentar resolver a situação, mas, pelo o jeito, ele decidiu continuar a relação e engatar um novo romance escondido. Carol me avisou que teria que ir resolver algumas coisas e pediu para que eu ficasse bem, me abraçou e saiu olhando pra trás. O aparelho que estava em minhas mãos já tinha dado sinal de vida, e não parava de chegar notificações. Tinha ligações da minha família e várias perdidas de Pablo. A última coisa que queria era ouvir a voz dele. Resolvi não responder a ninguém e insisti em abrir o twitter, mesmo sabendo que meu nome deveria estar nos assuntos mais falados do momento. Li alguns tweets que foram como facadas em meu coração, mas o que me chamou atenção foi uma matéria de uma revista local da argentina contando com todos os detalhes o envolvimento deles. Parecia que eu gostava de me machucar, poderia deixar passar, mas já era tarde, minha curiosidade foi maior.
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Durante alguns meses pudemos ver o distanciamento de Marina e Pablo, eles não estavam tão conectados nos stories como antes, e havia pouco envolvimento em praticamente em todas as redes sociais. O casal queridinho da américa do sul estava se desfazendo aos poucos e com certeza venho com a foto bombástica de Pablo e Danielle, companheira de elenco de Marina, aos beijos hoje em um dos restaurantes mais influentes da França. Os olhares apaixonados desse quase novo casal eram mui calientes e pareciam que estavam se curtindo muito.
Quem não deve estar curtindo muito é Marina que, para quem não sabe, protagonizou várias brigas com Danielle nos bastidores pelo seu ciúme excessivo, e já foi ameaçada de ser desligada das gravações e parece que a princesinha ciumenta de Buenos Aires estava certa.
Nosso público tem várias perguntas: há quanto tempo eles estão juntos? Como Marina se sente sendo trocada pela sua maior inimiga? Já tentaram imaginar como estará o clima hoje nos bastidores do último show? Pegando fogo!!!
*A coluna tentou contato com as assessorias de ambas as partes e não houve respostas.
Minha vontade era de tacar o celular na parede, gritar, arrancar meus cabelos. Não me conformava com isso. Por que ele não acabou com a droga desse relacionamento, já que ele não estava feliz? Eu não imaginei passar por algo parecido e a dor é tão forte. Liguei para minha mãe para avisar que tudo estava bem e resolvi dormir. Dali algumas horas teria que encarar uma arena lotada de fãs.
O anúncio de um voo me tira dos meus pensamentos e ainda estou focada na conversa daquelas meninas. Não sei se algum dia estaria liberta desse pesadelo. Já fazia meses que tentava me recuperar daquele mal e ver que ainda não tinha superado machucava muito.
— Amiga, eu até entendo ela — a menina ruiva começou a falar — Não deve ser nada fácil encarar uma situação dessa. Ela foi traída pelo namorado no dia mais importante da vida dela. Era o encerramento de um ciclo e o babaca faz isso? A gente só vai entender quando passarmos por algo parecido e não cabe a nós julgar.
Lembro como se fosse hoje a pressão que foi para entrar naquele show. Recebi ligações em todo o momento da imprensa, querendo marcar entrevistas; directs de milhares de fãs pedindo para eu não desistir da música e outros com palavras tão baixas desejando o meu sofrimento.
Seja forte, respire, você consegue...
Essas eram as palavras que estavam na minha cabeça durante todo o caminho para o show. Entrei pela porta dos fundos, para não ser reconhecida, e dei de cara com Danielle, com um sorrisinho cínico nos lábios, esperando que eu falasse alguma coisa. Simplesmente virei a cara e passei reto. O que mais odiava era olhares de pena para mim, não precisava disso. Eu estava a todo o momento tentando ser forte e não borrar a maquiagem. Eu recebi a opção de não fazer o show e recusei, isso daria mais repercussão e não queria. Engoli e entrei no palco como se nada tivesse acontecido comigo. Aliás, ali não era eu e sim, a Isabella.
A música de encerramento era a abertura da série, mas a produção fez diferente, deixou que eu cantasse alguma música autoral e eu, por um momento, achei que não seria justo com os outros integrantes, que daria mais motivos para eles me odiarem. Só que eu não estava mais ligando, era meu último show, última vez vestida como a minha personagem, última vez que esconderia seus sentimentos, minhas vontades e não hesitei em passar por cima de todas aquelas pessoas e fazer o que foi me passado.
— Pessoal, chegamos ao fim do show e quero agradecer vocês por nos acompanhar durante todos esses anos, por crescer juntamente conosco, foram momentos incríveis que serão guardados em nossos corações. E como todo fim de show cantamos a abertura da série, hoje iremos mudar um pouco o roteiro, vou apresentar a minha primeira música autoral e ela se chama illicit affairs. Espero que gostem.
Ao ouvir os acordes, os meus olhos lacrimejarem. Aquela música havia sido composta em umas das minhas discussões com Pablo e, em todas elas, o motivo era a Danielle. Eu nunca aceitei a aproximação deles, ele dizia que o sentimento entre eles era de irmãos, que se davam muito bem. Neste dia ele saiu chutando a porta do nosso apartamento, dizendo que não dava mais para aguentar os meus surtos, que eu era muito insegura e chegaria o dia que eu iria perdê-lo.
Hood over your head, keep your eyes down/ Capuz sobre a cabeça, mantenha os olhos baixos
Tell your friends you’re out for a run/ Diga a seus amigos que você saiu para correr
You’ll be flushed when you return/ Você vai estar corada quando voltar
Take the road less traveled by/ Pegue a estrada menos movimentada
Tell yourself you can always stop/ Diga a si mesma que você pode parar quando quiser
What started in beautiful rooms/ O que começou em quartos bonitos
Ends with meetings in parking lots/ Termina com encontros em estacionamentos
Eu ainda estava segurando as minhas lágrimas. Não queria me sentir tão vulnerável, eu não queria chorar na frente dos meus fãs e muito menos na frente das pessoas responsáveis por isso. Olhava para aquela multidão e parecia que elas estavam me entendendo. Era tão difícil me sentir forte naquele momento, encarar tudo com a maior naturalidade.
And clandestine meetings and longing stares/E em reuniões clandestinas e olhares ansiosos
It's born from just one single glance/Eles nascem de apenas um olhar
But it dies and it dies and it dies/Mas morrem e morrem e morrem
A million little times/Um milhão de pequenas vezes
Quando chegou na parte mais forte da música, olhei para o backstage, lá estava o principal motivo dessa canção, o cara que foi meu primeiro namorado, meu primeiro beijo, minha primeira transa, só que nunca imaginei que seria ele o primeiro a me destruir.
You showed me colors you know I can't see with anyone else/Você me mostrou cores que você sabe que não posso ver com mais ninguém
Don't call me kid, don't call me baby/Não me chame de criança, não me chame de bebê
Look at this idiotic fool that you made me/ Olhe para essa patética imbecil em que você me transformou
You taught me a secret language I can't speak with anyone else/Você me ensinou uma linguagem secreta que não consigo conversar com mais ninguém
And you know damn well/E você sabe muito bem
For you, I would ruin myself/Que por você, eu me arruinaria
A million little times/Um milhão de pequenas vezes
Me permiti chorar tudo que não havia chorado durante esses anos, ali naquele palco. Era a última vez, a última vez que eu deixaria de ser quem sou, estava livre para cantar a minha música, usar minhas roupas, pintar meu cabelo, mostrar minhas tatuagens e principalmente livre de um relacionamento que não me agregava em nada.”
Ao abrir meus olhos, as crianças e aquelas meninas já não estavam lá e meu voo já estava sendo anunciado. Precisava deixar aquele país e me reencontrar, entender o que eu queria e principalmente cuidar da minha carreira. À caminho do embarque, meu celular começa a vibrar e um número desconhecido aparece em minha tela e, sem hesitar, atendo:
- Marina?