BLACKEST HOUR

Última atualização: 01/09/2020

Capítulo Único

Sirius Black se desviou do primeiro jorro de luz vermelha que ela disparou com sua varinha, rindo alto.
— Vamos, você sabe fazer melhor que isso! — berrou ele, sua voz ecoando pela sala cavernosa.
Sempre implicante. Sempre debochado. Sempre risonho.
O segundo jato de luz o atingiu bem no peito.
O riso ainda não desaparecera do seu rosto, mas seus olhos se arregalaram de choque, e os de Bellatrix fizeram o mesmo.
O instante congelou. Como se mergulhasse de cabeça numa Penseira, flashes de memórias há muito esquecidas afloraram numa torrente de prata e devaneios que quase a derrubou.

Uma garota de cabelos escuros e muito volumosos, enrolada no pescoço por um cachecol verde e prata, acabara de chegar em casa e pegava um garotinho de não mais que três anos no colo, jogando-o para cima e para baixo, com gargalhadas saindo da boca dos dois.
— Bella, como é Hogwarts? — perguntou o pequeno, sorrindo com os pequenos dentes de leite.
— É incrível — ela respondeu, com a voz aguda de pré-adolescente. — Você vai amar a sala comunal da Sonserina.
— Sonserina?
— É, é a casa em que você vai entrar, todo mundo da família foi de lá. — Ela passou a mão pelos cabelos ondulados e grandes do priminho. — Vem, vamos brincar na pracinha do Largo Grimmauld antes de eu ir embora, sim?
O sorriso do garotinho se alargou, e aquela era a melhor resposta do mundo.

Um uniforme da Sonserina agora cobria o corpo de uma adolescente de cerca de 15 anos, linda e tagarela, no centro de um grupinho de amigas, como o sol orbitado por planetas. Um sol sorridente, sarcástico e astucioso.
— Mas ele é nascido trouxa. É um sangue-ruim, Cissy — ela cuspiu o termo, estremecendo teatralmente quando Ted Tonks passou perto do amontoado de garotas. As outras meninas riram, mas a menorzinha, loira e pálida, pareceu confusa.
— Estranho — Narcisa Black enrugou o nariz perfeito e arrebitado. — Eu vi ele e Andy conversando ontem.
Bellatrix sentiu seu corpo esquentar de raiva. Como sua irmã ousava falar com alguém tão abaixo de sua posição? Como que uma garota da Casa Black se dignava àquele papel degradante?
— Tenho certeza que você está se confundindo — Bellatrix encolheu os ombros. — Ela sabe muito bem o lema da família, deve ter só parado para dizer alguma coisa sem importância.
— Toujours pur — balbuciou Narcisa em francês. — Sempre puro.

Agora a garota estava bem mais velha: uma mulher de quase vinte anos, bonita de uma forma misteriosa, com pálpebras pesadas e lábios cheios que faziam qualquer homem olhar duas vezes. Passava as pontas dos dedos pela tapeçaria requintada que pendia da parede da casa de seus tios, cujas linhas de algodão, seda e ouro traçavam ramos da árvore que ela valorizava mais do que qualquer outra coisa no mundo: sua família.
— Bella?
— Hm? — A morena ergueu os olhos para a irmã, tão parecida com ela que poderia passar por sua gêmea. — Ah, oi, Andy. Que houve?
— É o Sirius… — Andromeda Black apertava nervosamente nas mãos uma carta selada com cera vermelha. — Ele foi escolhido para a Grifinória.
O estômago de Bellatrix se afundou dolorosamente. Seu pequeno Sirius, seu priminho, sua estrela favorita dentro da constelação que era a família Black… Na casa dos leões? Na casa rival à sua, que sempre fizera de tudo para estigmatizar as serpentes e vencê-la em tudo que podia?
Era o primeiro sinal de que logo menos ele se tornaria um fruto podre na árvore da tapeçaria.

— Então eu os declaro unidos para toda a vida.
Rodolfo Lestrange segurou o rosto de sua noiva — agora esposa — com suas palmas ásperas e deixou um beijo duro e seco em seus lábios.
A única coisa que Bellatrix queria era tirar de uma vez aquele monte de camadas de roupa que cobriam seu corpo, consumar o casamento com seu marido para selar a ligação mágica do matrimônio e nunca mais precisar encostar nele. Aceitara se tornar a sra. Lestrange porque era fácil, era simples, era puro. TOUJOURS PUR, era o que dizia o lema da Casa Black e a tatuagem em sua costela, ainda vermelha por ter sido feito durante a despedida de solteira, num devaneio bêbado com as irmãs e amigas.
Ela se forçou a sorrir, mas o sorriso ficou genuíno quando seu olhar encontrou o de Sirius, um dos padrinhos, que lhe lançou uma piscadinha e fez uma careta na direção da tia, Druella Black, que insistia para tirar uma foto com os recém-casados.

— Você precisa sacrificar uma lembrança, Bellatrix — a voz aguda e arrepiante de Lorde Voldemort silvou em seus ouvidos. — Uma lembrança pura, para que as trevas possam consumi-la.
Em qualquer outra pessoa, causaria desconforto. Em Bella, apenas acendia uma paixão devoradora pelos ideais que ele defendia tão fervorosamente. Poder alcançado pela pureza.
A jovem mulher ergueu a mão esquerda que segurava a varinha, o anel de casamento prateado faiscando à luz da lembrança madrepérola que se esticava num fio em sua têmpora. Depositou-a em um pequeno frasquinho, arrolhou e o entregou na mão pálida e grande de seu mestre das trevas.
Voldemort tocou o braço dela com a ponta da varinha, queimando a pele até que a caveira engolindo a serpente aparecesse contra o antebraço de Bellatrix. À medida que o traçado preto ia aparecendo no corpo dela, a lembrança alva ia enegrecendo.
Num último segundo, ela pôde enxergar, dentro do vidro, o sorriso de seu primo Sirius se desvanecendo no esquecimento.
— O Lorde das Trevas está morto.
Bellatrix sentiu suas pernas ficarem fracas.
— Não.
— Bella, ele se foi.
— NÃO! — O grito que escapou de sua boca era quase animalesco. — Ele não pode ter morrido. Ele é o maior bruxo que já existiu!
Os olhos cansados de Rodolfo Lestrange exprimiam puro medo.
— A maldição da morte que ele lançou no filho dos Potter, Harry. Ricocheteou, e…
Potter. A única família sangue puro excluída da lista dos Sagrados Vinte e Oito, à qual pertencia James Potter, o melhor amigo de seu primo Sirius; o garoto que desvirtuara o pequeno Black de seu caminho na grandeza da Sonserina.
O ódio consumiu o peito da sra. Lestrange. Fora ele. Fora Sirius, ou tudo que ele representava, que destruíra seu mestre, sua paixão, seu guia.
— Ele vai voltar. Ele vai voltar.
— Bella…
— ELE VAI VOLTAR! — A varinha dela disparou feitiços que quebraram os caros vasos que adornavam a sala de estar da Mansão Lestrange. — Nem que eu tenha que torturar todos os aurores do Ministério para isso.
Seus olhos brilhavam de lágrimas, mas também havia o brilho maníaco que antecedia a maldade quando as imagens de Alice e Frank Longbottom se projetaram em sua mente distorcida.
— Olá, priminha.
Ele precisou juntar todas as forças que os dementadores ainda não tinham sugado para deixar escapar aquele resquício de sarcasmo escorrer para fora com desprezo.
Bellatrix arreganhou os dentes para Sirius como uma fera selvagem ao ser jogada na cela perto de seu primo. O frio estilhaçava seu peito de dentro para fora, mas ela já estava tão vazia e corrompida que nem fazia tanta diferença.
Tão próxima do primo que ela amara. Ambos presos numa ilha de desesperança e sofrimento, por razões tão distintas. Horas se passaram, durante as quais ela refletira sobre os caminhos que os levaram ali, até ela entreabrir os lábios rachados para tripudiar:
— Você poderia ter sido mais como Régulo. Ou mais como eu. — O orgulho podre e desesperado transpareceu na voz dela. — Só que preferiu se achar o garoto de ouro, não é? Seguir os passos de Andromeda… Mas cá estamos no mesmo lugar… priminho.
Ela deixou escapar uma risada de escárnio, que logo foi tolhida pela inspiração forte de um dementador.
— Sim, estamos no mesmo lugar. — O jovem de apenas 21 anos murmurou, com os olhos fundos de quem já tinha sofrido o suficiente por um século. — Mas eu tenho o pequeno triunfo de saber que sou inocente.
— E que diferença isso faz? — ela questionou num engasgo.
— Toda a diferença do mundo.

A teto de pedra sobre sua cabeça explodiu, expondo o céu cheio de nuvens pesadas e tempestuosas, que só não cobriam uma pequena parte do firmamento negro: ali, no único ponto limpo, brilhava a constelação de Órion e a estrela Bellatrix.
Debaixo dos escombros, uma gargalhada enlouquecida ecoou enquanto o vento espiralava ao redor da fortaleza de Azkaban. Passando a língua pela Marca Negra em seu braço, que se tornava mais nítida a cada instante, ela mirou o céu novamente, vendo o cinturão de Órion apontando para a estrela mais brilhante: Sirius.
Ele escapara e a deixara ali. A deixara apodrecer ali dentro. E o ódio cego que se acumulara nela explodira junto com a cela, envenenando os pensamentos e fazendo-a buscar a vingança e repetir seu intento homicida como um mantra.

Ela terminava de colocar suas roupas, suada e realizada depois de cumprir seu dever junto ao Lorde das Trevas, quando Lúcio Malfoy, seu cunhado e anfitrião, a chamou.
— Departamento de Mistérios. Potter está lá, como o Lorde disse que iria.
Claro que iria. Claro que faria de tudo para salvar seu amado Sirius, seu padrinho, sua família.
Uma minúscula parte dentro dela sabia que ela faria o mesmo por seu sangue, mas bastou uma sacudida de cabeça para a ideia ser sufocada. Seu sangue agora era o Lorde das Trevas. Haveria uma criança com o sangue de ambos, se Salazar assim permitisse.
— Vamos.


E o segundo jato de luz o atingiu bem no peito.
Sirius pareceu levar uma eternidade para cair: seu corpo descreveu um arco gracioso e ele mergulhou de costas no véu esfarrapado que pendia do arco de pedra no centro do Departamento de Mistérios.
Sirius Black. Seu primo mais novo, o mais implicante, o mais engraçado, o renegado pela família, sangue de seu sangue. Ela matara o sangue de seu sangue… O empurrara para o outro lado do véu, mesmo que não fosse sua intenção… Era luz vermelha, e não verde. Cruciatus, e não da Morte…
Era mais insano do que torturar inocentes, mais do que escapar de Azkaban, mais do que trair seu marido numa tentativa de conceber o mais novo herdeiro de Slytherin. Foi ali que Bellatrix percebeu, definitivamente, a que ponto tinha chegado sua loucura e obsessão pelo Lorde das Trevas.
E foi ali, no sopro de um véu ao som de um grito, que a sanidade e a alma de Bellatrix Lestrange se foram para sempre.




FIM.



Nota da autora: Essa oneshot tá totalmente fora da minha zona de conforto, porque é em terceira pessoa e pela perspectiva de um vilão que eu não tenho a intenção de redimir, mas eu gostei bastante do resultado e sempre quis entrar um pouco na cabeça da Bella. Ela é uma personagem muito instável, apesar de ter vindo de uma família tradicional e antiga, e eu sempre tive vontade de explorar a origem da loucura dela e como ela foi passo a passo mudando a sua lealdade e deixando para trás aquilo que mais amava: sua irmã Andromeda e seu primo Sirius.
Espero que vocês tenham gostado! Escrevi bem rapidinho (mais ou menos 1 hora, que é bem pouco apesar de serem menos de 2 mil palavras) para entrar no Especial de 20 anos de Harry Potter, depois de ver um TikTok com uma temática parecida (pois é, a inspiração vem de lugares inimagináveis, hahaha!), e amei a experiência.
Beijos com sapos de chocolate,
Bela.



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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