Caminha Comigo

Finalizada em: 05/01/2018

Capítulo Único

O copo bateu com força no balcão pela quinta vez seguida e a garganta da menina ardeu como se aquela tivesse sido apenas a primeira vez. O gosto azedo do limão que, surpreendentemente, não estava tão azedo assim fez com que uma harmonia de sabores invadisse sua boca, amenizando a ardência anterior. Nada disso foi suficiente para conter a careta em sua cara, apesar de tudo. Ouviu a amiga ao lado gritar imitando latidos de cachorro logo após virar seu copo, e null riu achando graça da maneira com a qual a moça externalizava sua adrenalina após um shot de tequila.
null estendeu a mão para receber sua garrafa verde de cerveja diretamente das mãos do barman, que sorriu simpático após o “obrigada” da mulher. Sua consciência berrava, tão distante que quase parecia ser apenas uma vaga lembrança, que misturar bebidas não era a melhor coisa a se fazer. Mas aquele era o aniversário de null e ela queria aproveitá-lo da melhor forma possível. Talvez a parte de “aproveitar o aniversário da melhor forma possível” se aplicasse apenas à presença das amigas ali do lado já que null não considerava que uma bebedeira desenfreada fosse, de fato, a melhor forma de comemorar alguma coisa. Gostava de beber? Gostava de beber. Mas gostava também de ter lembranças das noites agradáveis, coisa que ela tinha certeza que não aconteceria na manhã seguinte. Mas ela, apesar de bêbada e não tão genuinamente feliz assim, não pôde negar que todo o álcool daquela noite se resumia a null e ao pé na bunda que tinha levado uma semana atrás.
Pé na bunda... Queria null que aquilo tivesse sido um pé na bunda, porque na realidade ela nem estava namorando o rapaz. Como ela pôde tomar um pé na bunda de uma relação que mal tinha começado? Pois é, ela também não sabia. Logo ela, tão segura de si, sempre sendo a mulher que melhor lidava com fins e pés na bunda, sempre sendo, na verdade, a que propunha o fim devido ao espírito livre e desapegado que habitava seu ser. Logo ela, null, a mulher que nunca achou que se apaixonaria e que amava imaginar um futuro sozinha, viajando o mundo e trabalhando com o que gosta. Logo ela, se fodeu, coitada.
Conhecia null desde muitos anos atrás, quando ainda eram pequenos e estudavam na mesma escola. Se odiavam, porque, afinal, que menino de 11 anos gosta de meninas de 11 anos e vice versa? Nenhum. Depois cresceram, foram para escolas e vidas diferentes, porém se trombaram anos mais tarde nas baladas da cidade. Agora, adultos de 25 anos se interessavam, e como, por adultas de 25 anos. Uma balada aqui, uma provocação ali, um bar mais pra frente, uns beijos, uns amassos no carro, um motel e repita a equação mais um monte de vezes, mas agora trocando, por vezes, o bar pela sala da casa de null e o motel pelo quarto dela. Os dois estavam nisso há, pelo menos, seis meses. null se sentia confortável com a relação: não falavam de namoro ou de compromisso sério. null, de vez em quando, beijava outros caras, mas de vez em quando também só queria beijar a boca de null. null, aparentemente também se sentia confortável naquela vida que levava com null. Conhecia cada pedaço do corpo dela, sabia do que ela gostava e amava o fato dela também saber, e muito bem, as coisas que ele gostava. Eram bem companheiros, não havia cobranças, assistiam Netflix juntos na casa dela, mas também iam aos bares e baladas com os amigos; juntos, mas também sozinhos, afinal, ainda eram duas pessoas diferentes que não andavam com as pernas um do outro. Aquela era a idealização de null para o termo “relacionamento dos sonhos”. Era leve, gostoso e saudável.
Ou seja, era a receita perfeita pra null se apaixonar. E, querendo ou não, essa receita também funcionava certinho para null, porém este era mais babaca e medroso. Foi após uma noite de sexo memorável que null disse que não queria mais levar aquilo adiante porque relacionamento sério não era o que ele procurava no momento. null não entendeu o que ele quis dizer com aquilo, pois no dia anterior tinha estado no famoso “churrascão da sogra”, segundo as amigas dela disseram quando ela contou que estava indo jantar com a família de null. null ficou olhando para o rapaz a sua frente sem esboçar reação alguma. Ela ainda estava tentando entender o que ele havia dito. Queria compreendê-lo, mas não conseguia. Talvez já estivesse tomada demais pela paixão. Mas não se odiou por isso, porque nunca achou errado ter sentimentos por alguém. Mas foi quando null explicou que, uma semana atrás, ela havia dito que estava gostando dele, que null entendeu que nem todo mundo enxergava bons sentimentos como uma coisa nobre e leve. Não brigou com null, não quis mais explicações. Apenas esperou que ele se vestisse e se despedisse dela com um nada íntimo beijo na bochecha, ato que não fazia jus ao que estavam vivendo até então.
Mas null era dura na queda. Não chorou em nenhum momento, muito menos se culpou pela falta de coragem ou excesso de babaquice do rapaz. Apenas seguiu a vida, sem aquelas mensagens apelativas de Whatsapp, sem stalkeadas sem fim nas redes sociais. null apenas aceitou e seguiu. Porém adicione uns litros de álcool nessa história e voilà!
Queria que as lágrimas que estavam escorrendo por seu rosto fosse apenas a cerveja saindo pelos buracos errados, mas sabia que não era nada daquilo quando podia enxergar null ali, tão de perto, entrando no mesmo bar que ela. null também não ficou com vergonha de chorar. Nunca imaginou que se apaixonaria, mas sempre teve em mente que não seria uma covarde quando esse sentimento chegasse. Afinal, gostar de uma pessoa não era pra ser algo tão espantoso, não é mesmo?
As amigas entraram em estado de alerta tentando impedir, em vão, que null virasse mais três shots de tequila seguidos, sem nem mesmo ter tempo para aquela baboseira toda de limão e sal. Qualquer ser pensante sabia que aquela combinação daria em apenas uma coisa: merda. Mas as amigas sabiam também que null podia estar bêbada, mas ela não era uma bêbada burra. Ficou no seu canto o tempo todo, chorando e bebendo na mesma proporção, mas sentiu que seu emocional não aguentaria quando seus olhos cruzaram com os de null. Sabia que aquele era seu limite e não tentaria de maneira nenhuma ultrapassá-lo. Acontece que null não sabia disso e resolveu se aproximar de null para lhe desejar um “Feliz aniversário, 26 anos é pura responsa”. null queria, com aquele gesto, amenizar um pouco da saudade que estava sentido da mulher, mas porque era burro demais, jamais confessaria isso e sofreria calado pelo erro daquela noite em que propôs o fim de algo que apenas fazia bem para ele. Se sentiu imbecil e fraco por ter cedido às zoações dos amigos sobre “null tá de algema agora, perdemos mais um soldado” quando ele podia simplesmente ter rido da piada e dito “Permissão pra sair, Capitão Nascimento”, daquele jeito meio largado e divertido dele. Mas não, null foi burro.
null não sabia como reagir ao abraço inesperado de null. Quis dar um soco no meio da cara dele e explodir aquele nariz de tucano, mas achou mais sensato não responder nada, virar as costas, deixar uma nota de cinquenta reais com uma das amigas e sair cambaleando pelo bar. Nem é preciso dizer que suas outras três amigas saíram atrás dela, sendo acompanhadas por null e seus amigos também. null desceu as escadarias daquele bar amaldiçoando a si mesma pela inteligente ideia de ir a um bar que ficava no segundo andar daquele casarão antigo. Se agarrou com força ao corrimão e quando saiu do ambiente dando de cara com uma rua vazia porém barulhenta devido ao bar do andar de cima, sentiu uma mão segurando delicadamente seu pulso. Os olhos preocupados da amiga fizeram com que null entendesse a preocupação. Não poderia dirigir naquele estado, mal estava conseguindo se equilibrar.
Pôde ver que as outras duas amigas pararam mais atrás, respeitando a conversa dela com a outra moça, mas seus olhos captaram null e seus amigos chegando e ela não deixou de notar o “cala boca” exaltado que o ex-alguma-coisa soltou para um dos amigos. Quebrando a regra silenciosa recém-criada ali naquele momento, null não respeitou a distância segura e andou devagar e cauteloso até onde null estava parada ouvindo o sermão da montanha, dado pela amiga. null pediu licença antes de se intrometer na conversa e null enxugou uma lágrima solitária que rolou de seu rosto. Com toda educação que tinha dentro de si, ele se ofereceu para levar a ex-alguma-coisa embora, claro que sob os protestos da amiga ali presente. null, por sua vez, ignorando qualquer reação exagerada dos espectadores daquele showzinho, jogou sua bolsa em direção a null e deu as costas pra todos, andando até seu carro e parando do lado do passageiro, já com a mão na porta. null se apressou em buscar pelas chaves do próprio carro no bolso da calça e as jogou pelo ar, observando-as cair aos pés do amigo que não estava bebendo devido aos antibióticos que tomava naquela semana. Tratou de andar apressado até o carro, ao mesmo tempo em que buscava pelas chaves do veículo de null. Quando estava com elas em mãos, a garota nem esperou o barulho do desarmar do alarme terminar de soar e já estava abrindo a porta e se jogando dentro do carro.
null deu partida no veículo logo após colocar o cinto de segurança e parou por um instante para pensar no que fazer. Levaria null para casa da mãe dela? Achou uma boa escolha, mas logo soube que a mãe ficaria preocupada e que aquilo causaria mais transtorno ainda. Levaria null para a própria casa? Achou uma péssima escolha, não queria ver a menina espalhada por sua cama como costumava fazer até a semana passada, não saberia lidar com aquilo. Levaria null para o apartamento dela? Achou a pior escolha de todas, porém a mais sensata. Saindo com o carro daquela vaga, o rádio de null se ligou sozinho, como de costume logo após ser dada a partida, tocando o que null achou ser uma das piores músicas para aquela ocasião. O assobio familiar e aconchegante de “Home” de Edward Sharpe & The Magnetic Zeros preencheu o carro e ele sentiu um peso enorme se abater sobre suas costas. Quis chorar por tudo que aquela música representava, por todas as vezes que null dissera amar a letra, por todas as vezes que ele se pegara ouvindo a música em sua própria casa enquanto cozinhava um miojo de noite antes de dormir, pensando no quão feliz estava por finalmente ter achado alguém que o fazia tão feliz e vivo depois de longos 25 anos.
“Oh home, let me come home. Home is wherever I’m with you” era quase uma frase feita sob medida para a situação que eles se encontravam ali naquele carro. null sabia que estava levando null para a casa dela, mas por mais de seis meses sentia como se ele próprio quisesse ser um hóspede permanente da vida dela. Se arrependia amargamente pelo que havia feito, se arrependia e se culpava por ver os olhos tão tristes da mulher ao seu lado que agora estavam tão ou até mais marejados do que antes, também devido à música. Por um instante, se perdeu no que deveria fazer. Mas soube que estava disposto a concertar seu erro. Sabia que deixar null em seu apartamento e depois ir embora era um ato insensível e idiota, assim como ele. Teria que reconquistar null nos pequenos detalhes e estar presente naquele apartamento, mesmo que apenas sentado no sofá, pronto para qualquer barulho estranho que ouvisse, pronto para segurar os cabelos dela se ela sentisse vontade de vomitar, e ele sabia que ela sentiria, pronto pra ajudá-la a se acomodar na cama, pronto para assisti-la pegar no sono para então voltar para sua vigília silenciosa naquela sala que ele conhecia tão bem. null sabia que era aquilo que ele queria, ele nunca esteve tão certo. Infelizmente foram necessários sete dias de sofrimento e arrependimento para que ele se desse conta de que não queria estar em nenhum outro lugar do mundo a não ser ao lado de null. Bastava que ela aceitasse de volta em sua casa aquela encomenda que fora extraviada por uma semana. null queria estar em casa.
null queria estar em casa. Queria se jogar na sua cama e chorar até pensar se era possível alguém morrer de tanto chorar. Queria gritar abafadamente no seu travesseiro o quão frustrada e confusa ela estava. Sua mente bêbada não deixava que ela achasse lógica nos atos de null. Uma semana atrás ele disse que não queria nada sério, e hoje, no aniversário dela, estava levando ela embora pra casa por medo dela dirigir bêbada. null não conseguia achar um traço sequer de coerência naquele rapaz ao seu lado. Isso só a deixava mais confusa, só a deixava se sentindo o próprio Maluma naquele verso “você tá querendo um sim, mas pode ser um não” cantado sensualmente por Anitta. Mas não tinha nada de sensual naquela situação. Pelo contrário, null se sentia uma boba. Não, null sentia que estava sendo feita de boba. Mas de boba ela não tinha nada. Já tinha passado da fase de entender os porquês de null, mas simplesmente não controlou sua voz quando se virou para ele e verbalizou tudo que estava sentindo desde a última fatídica quarta-feira.
— Eu disse que eu gostava de você, null, não disse que eu queria casar com você.
null repuxou minimamente o lado esquerdo de seu lábio achando graça na frase de null. Ela estava certa no final das contas, e ele sabia disso. null tinha dito um simples “Eu gosto de você”, despojado, desapegado, como quem diz “Gosto de Beatles”. Nenhuma das frases deveria causar efeito negativo em alguém e se causasse, esse alguém era louco. Ou imbecil, como null.

Ninguém disse mais nada até que o carro parasse na vaga reservada de null. Ela desceu do carro e se agarrou a lataria temendo cair numa queda livre infinita, mas se lembrou que abaixo de seus pés havia um chão. Riu com seu pensamento idiota e tateou o carro, sabendo que odiaria a si mesma no dia seguinte porque deixaria manchas na tinta preta reluzente do automóvel. Sentiu o braço quente de null a ajudar até o caminho do elevador onde se jogou contra o espelho gélido, vendo o objeto embaçar e desembaçar de acordo com sua respiração. Queria se recuperar de amores não correspondidos tão rápido quanto aquele espelho voltava ao seu estado normal como se jamais tivesse sido atingido por lufadas de ar quente. A voz monótona e programada do elevador soou indicando que estavam no décimo sexto andar. null puxou sua bolsa da mão de null tão rápido que ele mal teve tempo de ficar confuso. Seguiu a mulher que pisava com passos firmes, e que com certeza estavam acordando alguém do andar de baixo naquele exato momento. A batalha que ela travava com a porta era épica, e ela pensou que dormiria no tapete escrito “Bem-vindo” em três idiomas diferentes ali na frente de sua porta não fosse a mão de null tirando a chave da mão dela e acertando de primeira aquele buraquinho infernalmente pequeno que null não conseguia enxergar naquele momento. Ela nem esperou null abrir a porta e entrou em sua casa, deixando suas sapatilhas pelo caminho e andando até seu quarto, fechando a porta com um baque tão forte que ecoou por todo o corredor do prédio, tendo em vista que null ainda nem tinha fechado a porta do apartamento. Ele suspirou e colocou a chave no porta chaves, deixando a bolsa de null sobre a mesa da cozinha e se jogando no sofá da sala.
null se jogou em sua cama e chorou até se perguntar se alguém podia morrer de tanto chorar, exatamente como ela havia previsto mais cedo. Só que ela, claro, não se lembrava dessa previsão. Estava chorando agora porque detestava se ver naquelas condições por causa de um homem. E pior ainda, por causa de um homem babaca. Sentiu que toda a independência que lutou a vida toda pra conquistar tinha ido pelo ralo, juntamente com sua dignidade. Não se lembrava de já ter gostado de alguém da forma como gostava de null, não que fosse amor, porque ela sabia que não era. null sentia uma imensa vontade de conhecer cada vez mais null, de caminharem juntos na mesma direção, apoiando e animando o outro. null não amava null, mas estava disposta a saber se um dia chegaria a amá-lo. Estava disposta a se jogar naquele mundo novo, cheio de sentimentos novos, porém gostosos. Mas ao saber que queria embarcar nisso sozinha se sentiu traída e um pouco burra sim, claro. Mas no fundo sabia que ela não devia se culpar por querer o bem de alguém. Não era ela quem estava perdendo aquele sentimento, ela na verdade estava transbordando coisas boas.
Um pouco mais calma, com o choro controlado, pensou que nem todo mundo tinha a leveza de encarar o mundo que ela tinha. null se lembrou que demorou muito para que ela visse leveza nas coisas, custou para que ela entendesse que o mundo não era tão frenético, cético e niilista como ela imaginava. E ela quis, com todas as suas forças, que null também iniciasse sua luta contra essa negatividade do século 21 e trilhasse os caminhos da sinceridade e pureza de sentimentos. Mas null nem imaginava que null, só naquela semana e naquela noite, já estava a poucos metros do fim daquela estrada, quase pronto para tocar a sinceridade e pureza de seus próprios sentimentos. null, de alguma forma menos controlada e mais subconsciente, também sabia daquilo. E ele queria que null soubesse também.
Ele queria tanto que null soubesse que ele estava junto com ela naquilo tudo que essa vontade fez com que sua mão pousasse calmamente na maçaneta do quarto dela. Mas ele não podia ouvir barulho algum e temeu acordá-la daquele sono profundo. Passou as mãos pelo rosto, levando seus cabelos para trás e andou até a cozinha. Sabia exatamente onde encontrar tudo naquele lugar, mas ele só queria um copo de água bem gelada mesmo. Bebeu dois por precaução e resolveu se deitar naquela cama velha do quarto que não era o de hóspedes, mas que fazia bem o papel de um. Sentiu o seu corpo se moldar ao colchão antigo e olhou o teto. Não havia mais nada além daquela cama e ele ali naquele cômodo. A porta fechada deixava o ambiente ainda mais escuro e null sentiu medo. Sentiu medo, pois temeu não ser capaz de fazer com que null percebesse o quanto ele queria descobrir mais dela e de si mesmo naquela relação deles.
null chorava com muita facilidade, ele bem sabia, mas naquele momento não se permitiu deixar cair nenhuma lágrima. Pensou que apenas estava naquela condição por consequência de seus atos anteriores. Seria hipocrisia chorar, por isso ele havia feito a escolha de concertar a merda ao invés de lamentar ter cagado. Mas ele só poderia concertar tudo na manhã seguinte, quando null estivesse acordada.

null sentia como se tivesse se voluntariado para ser o saco de pancadas do Centro de Treinamento de Muay Thai da rua de cima da casa dela. Seu corpo doía e sua cabeça doía mais ainda. Demorou bons vinte minutos rolando na cama antes de se levantar e caminhar até a porta ao lado do seu guarda-roupas, já se despindo para um banho que ela torcia para que fosse revigorante. Lavou os cabelos e se lembrou vagamente de ter visto null na noite anterior naquele bar. Teve flashes dele dirigindo seu carro e a olhando no elevador enquanto ela se escorava no espelho para não sucumbir no chão. Passou tempo demais embaixo da água e se reprimiu mais um vez, pensando que não deveria gastar água enquanto pensava em macho escroto. O planeta agradecia. Escovou os dentes e vestiu uma roupa típica de ficar em casa, seguindo para a cozinha. Esperava em cristo que não tivesse pagado nenhum mico naquele bar bem no dia do seu aniversário. Nesse momento, com essa lembrança, null sorriu. Odiava ficar mais velha, porém amava saber que tinha um dia no ano que era só seu, feito para a renovação das energias e dos ciclos, para a renovação dos votos e desejos de melhoramentos pessoais. Aquele era seu dia e ela queria que ele fosse lindo, na medida do possível.
Entretanto, null captou com o canto dos olhos os tênis de null ao lado de suas sapatilhas. Suspirou enquanto tomava seu Danone acompanhado de uma xícara de café (nojento, eu sei) percebendo que os flashes eram então reais. Nada de sonho, nada de desejos do fundo do âmago. Era real, o motivo do seu choro e dos seus olhos inchados e cheios de remela estava ali. Olhou para o quarto que era pra ser o de hóspedes, porque só tinha uma cama e mais nada e notou a porta fechada. Naquele momento, então, havia a cama e null. Quis chorar, mas também quis sorrir. Quis se bater devido a essa oscilação de sentimentos, mas preferiu ficar com a vontade de bater em null mesmo, era mais saudável. Se sentou no sofá conectando o celular à caixinha de Bluetooth verde em cima do rack. Abriu sua tão conhecida playlist da fossa sabendo exatamente em qual música colocar. Foi interrompida, porém, pelo barulho de uma porta abrindo. null saiu de dentro do quarto e entrou direto no banheiro de visitas, mal percebendo null no sofá da casa. A mulher ouviu o chuveiro ser ligado e suspirou, pousando seu dedo em cima de “Naive” do The Kooks.
A máxima “quem vê cara, não vê coração” realmente fazia sentido. Quem olhasse para null, aquele homem bonito, bem afeiçoado, engraçado e até mesmo um pouco tímido, jamais imaginaria que ele era o responsável pela dor de null. Nem ela mesma acreditava que estava se prestando àquele papel. Cantarolou junto com a música pedindo em uma súplica inaudível que null não a decepcionasse mais ainda.

null estava decepcionado consigo mesmo. Ligou o chuveiro na temperatura mais gelada que existia para ver se o choque térmico acabava com aquele medo repentino de encarar null. Passou a noite em claro elaborando um discurso em sua mente, mas dormiu por uma hora e meia e pronto, tinha esquecido tudo que havia planejado antes. Se odiou por muitos minutos enquanto a água escorria por seu rosto e corpo, mas logo se lembrou que null detestava que passassem mais de dez minutos embaixo do chuveiro gastando água. Se enxugou com uma toalha que ele deu graças aos deuses por estar pendurada ali naquele banheiro e se olhou no espelho, respirando fundo e tentando manter a calma. Enquanto se vestia com as mesmas roupas de antes, concluiu que discurso nenhum seria mais eficiente do que se mostrar puro e transparente para null, sem esconder, negar ou negligenciar sentimentos. Abriu a porta e andou até a sala, onde se deparou com null, de olhos fechados, cantando aquela música que ele sabia que era de uma banda inglesa e que se tratava de uma pessoa egoísta que fazia a outra sofrer. Suspirou de novo antes de se sentar ao lado de null.
null sentiu o sofá se afundar ao seu lado e parecia que seu coração tinha afundado junto. Respirou fundo antes de abrir os olhos e encarar null ao seu lado. Não ofereceu comida, não perguntou se ele estava bem, não fez nada. Apenas o encarou e esperou. Não sabia pelo que esperava, não sabia nem se era saudável esperar, mas tinha esperanças de que aquela espera valeria a pena, nem que fosse uma explicaçãozinha apenas.
O rapaz repetiu o gesto que sempre fazia quando nervoso e passou as mãos pelo rosto, puxando o ar uma última vez antes de se virar para null e encarar aqueles olhos que ele podia descrever como “felicidade”. Olhou seu rosto por completo, abatido, com olheiras e bastante inchado. Não conseguiu conter uma lágrima quando a culpa lhe atingiu. Tão rápido ela rolou por sua face, ele a limpou com as costas da mão. Aquele cabelo, a boca, o nariz e até mesmo aquela espinha insistente na linha do maxilar que deu as caras duas semanas atrás e ainda estava ali fizeram com que null se tremesse de saudade e, muito provavelmente, paixão.
null – ele começou calmo e pôde vê-la fechar os olhos, os cílios tremendo, logo dando espaço a uma lágrima que escorria – Eu errei. E sabemos que pedir desculpas pelo meu erro não vai ser suficiente. Eu nunca tinha passado por uma situação dessas na minha vida. Nunca tinha me sentido tão bem com uma mulher como me senti com você. Eu era leve e feliz, mas eu resolvi estragar tudo isso por medo e idiotice. Medo de quê? Não sei... Talvez de me entregar, mas foi só quando eu não tinha mais você que percebi que talvez eu já tivesse me entregado há bastante tempo, eu só não tinha assumido pra mim mesmo ainda. Infelizmente eu tive que passar uma semana sentindo sua falta e sentindo muito remorso pelo que fiz para perceber que esses seis meses foram ótimos, mas ainda não foram suficientes pra eu te conhecer por completo. Eu estou completamente disposto a continuar nessa jornada de conhecer você e conhecer o que eu sou quando estou com você. Eu gosto muito dessa minha versão, assim como gosto muito de você. Assim como gosto de nós juntos. Não espero que você me perdoe hoje, nem amanhã, muito menos essa semana, semana que vem ou esse mês. Eu espero que você me perdoe um dia pra gente seguir caminhando juntos e construindo essa coisa tão boa que a gente tinha. Não prometo ser o melhor cara, porque sei que vou fraquejar algumas vezes, já que eu ainda estou aprendendo a não negligenciar meus sentimentos. Mas eu prometo que eu não vou fugir. E caso eu fuja, vai ser só depois de uma longa e explicativa conversa, com argumentos concretos. Mas, na real, eu não quero fugir e nem vou querer mais pra frente. Porque eu já entendi que o que eu quero, de verdade, é estar com você.
null ouviu o discurso de null como quem ouve pela primeira vez a explicação de uma equação de segundo grau: atenta. Sentiu uma lágrima dispersa cair aqui e ali e, quando se deu conta, era tanta lágrima que preferiu fechar os olhos quando viu null se aproximando e deixando um beijo gostoso em sua bochecha com um “feliz aniversário” sussurrado que encheu o peito de null de esperanças.
— Eu vou pra minha casa e vou esperar pelo seu tempo. Vou entender se você não me procurar nunca mais, mas saiba que minha vontade de te ter comigo é muito maior do que meu medo.
null sorriu e abriu a porta, saindo da casa de null . Assim que deu o primeiro passo no corredor, ouviu que a música que tocava na caixinha de som fora abruptamente interrompida para dar lugar ao reconfortante assovio de “Home”. null sorriu enquanto entrava no elevador, null sorriu enquanto se jogava no sofá olhando para o teto.
Estavam no caminho certo.
“Home, guess I am home
Home is where I’m alone with you”
.



Nota da autora: Oi gente! Tudo bem com vocês? Escrevi essa história curtinha e bem fofinha porque eu ando muito fofinha ultimamente hahaha. Na verdade, eu escrevo essas histórias assim pra eu nunca me esquecer de como um cara deve me tratar de verdade. Sempre que um boy age escroto comigo, eu leio minhas histórias e penso “caralho, não mereço nada menos do que isso”. E também escrevi essa história porque tô na TPM e já viram né rs. Eu tentei fazer uma coisa diferente, que foi narrar em terceira pessoa, justamente porque eu ODEIO escrever em terceira pessoa, sinto que não consigo fazer o enredo soar mais pessoal, mas acho que no fim até que deu certo, sei lá... Espero que vocês tenham gostado! E até a próxima! Qualquer coisa só colar lá no Twitter.
P.S.: Ouçam as duas músicas que eu citei na história, por favor! Se vocês não conhecerem, conheçam. São lindas!


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18. All in it - Oitava fic no site
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04. Be the one – Décima fic no site (Entrará no site nas próximas semanas)



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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