Canção de Hotel

Última atualização: 25/05/2019

CARTA 01: Canção de Hotel.


Eu estava embolada na minha poltrona dentro do ônibus, olhando atentamente pela janela enquanto ele parava em alguma rodoviária qualquer para pegar novos passageiros. Meu banco era o 23, meu número da sorte. Com sorte eu seguiria a viagem toda sozinha. Em alguns minutos as portas se abriram e houve uma pequena algazarra ali dentro, pessoas procurando seus bancos, colocando as malas no bagageiro, brigando pelos números grafados na passagem, enquanto eu fazia uma pequena prece pelo lugar ao meu lado continuar vago. Depois que todos sentaram, suspirei aliviada, minhas orações foram ouvidas! O ônibus começou seu trajeto de ré e parou subitamente, alguém havia ficado para trás. O retardatário subiu aos tropeços e começou a procurar seu número, por acaso do destino ele era o dono da poltrona 24. Ele sorriu para mim, enquanto eu tirava minha mochila do seu banco e pensava se deveria ou não retirar meus fones de dentro dela. O moço sentou, pegou os próprios fones e percebeu que eu o encarava, mesmo no breu que estava ali dentro.

— Oi — ele disse baixo — Para onde você está indo?

— Foz — respondi no automático, puxando os fones, sem dar muita brecha para conversas.

— Eu também — ele respondeu sorridente — Sou Patch.

— Dul... — antes de eu terminar ele já havia colocado os enormes fones vermelhos e ligado sua música — ce — completei a frase e dei de ombros, recebendo um aceno de cabeça em resposta. Nossa viagem seria longa.

Durante a madrugada o ônibus parou para lancharmos. Arrumei minha cara de derrota e desci, precisava de um chocolate. Voltei rápido para meu lugar e em instantes Patch estava do meu lado novamente. Com a luz parcialmente acesa pude reparar que ele tinha cabelos pretos e olhos verdes.

— Oi outra vez — ele sorriu — sabe se ainda falta muito para chegarmos?

— Hm — pensei antes de responder, com a sensação de que ele me deixaria falando sozinha novamente — algumas boas horas — dei um sorriso tímido — estamos muito longe do meio do caminho.

— Estou ansioso. Nunca fui para Foz antes — seu sotaque era arrastado, mas eu não conseguia distinguir de onde era — dizem que é lindo.

— Foz é maravilhosa — concordei. Ele virou na minha direção e seus olhos pareciam brilhar.

— Você é de lá? — balancei a cabeça afirmando — Meu Deus, foi um anjo que te mandou para mim. Eu estou indo para lá sozinho, resolvi me aventurar na vida e, bem, não conheço nada.

— Eita — respondi sem saber bem o que responder.

— Eu estou te incomodando? Me desculpe, Dulce — o moreno disse rapidamente, me fazendo perceber que tinha escutado meu nome completo, ou ao menos deduzido, e pegou seu fone, pronto para colocá-lo.

— Desculpe — segurei sua mão — Só sou um pouco receosa com estranhos — tentei justificar, percebendo que havia piorado tudo. Fechei os olhos e balancei a cabeça — Bem, eu moro lá há alguns anos, acho que posso te ajudar. Você já tem hotel ou algo do tipo?

— Não. Não tenho absolutamente nada — ele riu — apenas vontade de conhecer o mundo.

— Também tenho essa vontade — concordei — bom, serei sua guia em Foz a partir de agora — seus olhos brilharam no breve segundo antes de as luzes se apagarem. Esse foi o exato dia em que Patch Cipriano entrou em minha vida.


"Caminho pelo mapa de ponta a ponta. Procuro de ponta a ponta você. Eu olho as vitrines, os alarmes. Reviro o cabide e a TV."

Desde esse encontro já havia se passado cinco anos e Pat sempre esteve viajando. Costumava chamá-lo de nômade, cada mês em um novo local, com um novo emprego, para no seguinte já ter se lançado na estrada novamente. Tudo bem, em alguns lugares ele costumava passar mais de um mês e em outros menos de uma semana. Naquele dia eu estava com ele no Skype, com um mapa aberto em cima da mesa, tentando entender exatamente onde ele estava, os nomes eram pequenos demais para minha vista cansada.

— Pat, acho que chego ao meio dia. Me encontra na estação de trem?

— Claro, sweet — ele adorava o trocadilho com meu nome — tem uma vitrine linda assim que você sobe a escada da estação, te espero na frente dela.

Balancei a cabeça e coloquei as poucas coisas que faltavam dentro da mala. Essa era minha parada antes de encontrá-lo, não havia aviões diretos para a cidade de nome estranho, então eu precisava parar na capital e pegar um trem até o lugar. Ficaria boas horas até finalmente estar nos seus braços outra vez. Há cinco anos a história se repetia, Patch se enfiava em algum lugar no mundo e eu o seguia nas minhas férias. Fui até a janela, lá embaixo as luzes brilhavam pequenas, colorindo o caos da noite e meu coração batia apressado, martelando saudades. Já estava há alguns meses sem vê-lo, as viagens internacionais eram sempre as mais demoradas, às vezes ouvia sua voz até no locutor rouco do rádio, me assustando e rindo da minha bobagem em seguida. A ansiedade não me deixou dormir, tudo o que eu pensava era em seu sorriso gigante, nos olhinhos verdes brilhantes e no seu cheiro de sabonete de hotel, peculiar e incrível.


"A luz que banha toda a cidade pequena se faz num riso teu. Nenhuma graça tem outro sotaque. Nenhum monumento, Coliseu".

Desci do trem apressada, pegando a mala de qualquer jeito e correndo para a saída principal, aquela deveria ser a escolhida por Patch. Digitei os números com uma mão no celular, ouvindo tocar duas vezes antes de ele atender, a voz grossa arrepiando todos os pelos da minha nuca.

— Dul? Já chegou?

— Já — respondi ofegante parando nos últimos degraus e procurando com os olhos na multidão de pessoas que iam e vinham, até que o encontrei. Ele estava mais lindo do que eu conseguia me lembrar. O tronco estava coberto pela velha jaqueta de couro, o jeans escuro continuava lhe caindo bem e o all star vermelho continuava fazendo parte do figurino. O cabelo estava despenteado e eu o conhecia o suficiente para saber que ele também não havia dormido. Seus olhos vagavam pelas pessoas tentando me encontrar — Já te vi! — juntei o pouco de ar que consegui e corri em sua direção, me pendurando no seu pescoço e largando a mala de qualquer jeito no chão.

O beijo que o Cipriano me deu foi de tirar o fôlego e eu tenho certeza que se as pessoas parassem para reparar nos repreenderiam, mas, por sorte, elas estavam ocupadas demais indo e vindo na sua correria costumeira.

— Senti sua falta — ele sussurrou, com a testa colada na minha e uma das mãos me mantendo pela cintura, enquanto a outra fazia um carinho de leve em minha nuca — acho que batemos nosso record de distância — só consegui sorrir — vamos para o hotel, Dulce, não vamos sair de lá tão cedo — ele me disse malicioso, enganchando sua mão na minha e recolhendo a bolsa já esquecida aos nossos pés.


Patch estava de costas para mim, mexendo em alguma coisa perto do espelho, enquanto eu o encarava. Ele estava com uma toalha branca enrolada na cintura e tinha pequenas gotas água escorrendo pelo corpo. Me enrolei no lençol e fui em sua direção, passando os dedos pela tatuagem parcialmente colorida que ele tinha nas costas. Ele arrepiou sob meu toque e eu ri com isso, o abraçando pela cintura e apoiando a cabeça na curva do seu pescoço.

— O desenho está quase completo — sorri. Ele coloria cada lugar pelo qual passava em um mapa de pequenas proporções localizado abaixo do pescoço — qual a próxima parada?

— Você escolhe — o moreno disse e se virou para mim, de forma que eu tivesse que encarar aqueles olhos que tanto amava — O destino da nossa lua de mel é todo seu, sweet.

— Lua de mel? — falei sem entender e senti ele segurando minha mão.

— Ah, Dul, eu amo viajar o mundo e nunca parar — ele sorriu — mas sem você comigo não está fazendo mais sentido. Eu acordo todas as manhãs esperando pelo dia que você vai chegar e dividir a cama comigo. Vai comer mais do que aguenta cedo e se justificar dizendo "não é todo dia que temos um café da manhã de hotel na nossa mesa" — eu ri com isso — Eu amo viajar, mas te amo mais que isso — ele parou finalmente mostrando o embrulho que estava mexendo — Casa comigo? Vamos colorir juntos esse mapa.

Eu fiquei sem reação por alguns minutos. Não havia outra resposta possível além do sim, desde o nosso encontro no ônibus meu coração se entregou a Patch, mesmo contra minha vontade e sem a minha permissão. Nada era mais certo que nós juntos, rodando o mundo e vivendo uma aventura por dia.

— Claro — gaguejei e senti o anel passando pelo meu dedo. Ele sorriu e me deu um beijo, marcando o momento.

— Não quero nunca mais sentir a dor da despedida — ele passou a mão pelo meu rosto — Eu amo você, Dulce Saviñon.


"Me encontra. Me pede pra te colorir. Me encontra. Me olha, que eu já te vi. Eu tentei telefonar, me retorna quando der, viu? E me encontra".


Fim.



Nota da autora: Sem nota.

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