Capítulo 30
“Aquele que se empenha a resolver as dificuldades resolve-as antes que elas surjam. Aquele que se ultrapassa a vencer os inimigos triunfa antes que as suas ameaças se concretizem.”
(A arte da guerra)
(A arte da guerra)
Meu pai. Em carne e osso na minha frente. Era realmente ele. O assassino. O serial killer que havia matado tantas pessoas a sangue frio. Que havia matado . Matado . Matado a família de .
— É... você?
— Não haja como se você não soubesse. É como um deja vu. Nada mudou desde a última vez que nos encontramos.
Ele deu um passo para frente e eu dei um passo para trás. Tentei procurar algo para entrar em contato com , mas não havia nada. E mesmo que eu tivesse, o que falaria? “Meu pai está aqui e ele é o assassino.”
— Esperando ? Ele não vai chegar tão cedo.
— Você...
Eu estava petrificada. Quem era aquele na minha frente? Era qualquer um, menos meu pai. Sua aparência era a mesma, mas os olhos... Ele sempre teve aquela frieza dentro dos olhos? Era tão assustador que gelava minha espinha.
— Sim, fui eu. É a mim que você está procurando, mas você já sabia disso. Você foi inteligente e conseguiu descobrir duas vezes o que ninguém conseguiu.
— É porque eu sou sua filha.
— Sim, é por isso. E você me entende, não é? — ele se aproximou e me abraçou.
Eu não tive reação para fazer nada. Nem para retribuir e nem para me afastar. Estava tudo ali. O cheiro do assassino era o cheiro de meu pai. Seu abraço era o mesmo. Ele era o mesmo de sempre. Meu pai. Seu conforto me fez chorar. Eu sentia tanta falta dele. Sentia falta do seu carinho e do seu cuidado. Ele era a única coisa sólida e firme. Minha única família. Pensar naquilo me fez chorar em seu ombro.
— Você tentou me matar. — falei entre soluços e ele alisou minha cabeça carinhosamente, como se tivesse me confortando.
— Oh, querida. Eu sinto muito. Você não se lembra do que aconteceu, mas foi horrível o nosso confronto. Quando vim atrás de você aqui na Coreia. Eu não queria ter feito aquilo. Não queria ter feito nada disso, mas sua raiva. Você... Você se tornou praticamente outra pessoa.
O sentimento de traição era o mesmo. De dor. Tudo familiar.
— Você matou e . Feriu tantas pessoas inocentes...
— Eu sinto muito, . Foram consequências necessárias para uma questão maior. Mas eu vim aqui te buscar. Vim te levar para casa. — me afastei dele, limpando as lágrimas com o dorso da mão.
— Você o quê?
— Podemos voltar. — ele falou, ainda com as mãos no meu cabelo. — Recomeçar como fizemos da primeira vez em que fomos embora.
— Do que você está falando? Não podemos fazer isso.
— Claro que podemos. Posso te dar uma nova identidade, uma nova vida. Eu sei que tudo que você quer é sair dessa confusão e voltar para casa. — eu me afastei do toque dele.
— Você não faz ideia do que eu quero. — falei rispidamente de uma maneira que eu não sabia que conseguiria falar com meu pai.
— É por causa de ? — o nome de na boca dele parecia como um palavrão. — Eu te observei todos esses meses. Eu vi o que aconteceu com vocês dois.
— Você não me conhece nem um pouco. — falei. — Acha que eu iria fugir assim e deixar essa situação desse jeito?
— Isso tudo não tem nada a ver com você. Você parou aqui por um erro meu e eu vim consertar tudo e te levar de voltar.
— Foi o que você foi fazer naquela noite que esmagou os meus dedos? Ou quando tentou me matar batendo na minha cabeça? Ou quando incendiou a casa de ?
— , querida...
— Não me chame assim. Esse não é meu nome.
— Era o nome da sua mãe, foi uma homenagem. Combinou com você.
— Ah, sim. Minha mãe. A causa de você ter feito tudo isso. De ter se tornado isso. — falei, mostrando meu desgosto e minha raiva.
— , eu ainda sou seu pai.
— Você não é o meu pai! — gritei, com lágrimas nos olhos. — Você não é meu pai, você é um monstro. Você disse que eu me tornei outra pessoa, mas quem mudou foi você.
— Eu fiz tudo isso por você. Pela sua mãe.
— Você matou pessoas inocentes. Matou meus amigos. — ele deu uma risada amarga.
— Nenhum deles era inocente.
— Você matou crianças, pais de família e trabalhadores honestos. Por pior que tenham sido suas ações, ninguém merecia o que você fez.
— Eles precisavam perder suas famílias do mesmo jeito que eu perdi a minha.
— Se você perdeu sua família, o que eu sou? — eu já não tinha forças para brigar ou para fazer qualquer coisa. Eu queria chorar. Queria . — Você tem noção do quanto sofreu quando perdeu sua família? Ele era apenas uma criança.
— Ele não deveria estar vivo.
Como um ser humano falava aquele tipo de coisa? Onde estava o amor pelo próximo naquela pessoa?
— Você é um monstro. — ele tentou me tocar, mas eu o afastei com violência. — Você tirou tudo de mim. Você tirou minha única família.
— Eu sou sua família.
— Vá embora daqui. — pedi.
— Eu vim te salvar, .
— Eu vou entregá-lo à polícia.
— Você nunca faria isso comigo. Eu sou seu pai. Sou a única pessoa que você tem do mesmo jeito que você é a única pessoa que eu tenho.
— O que a família de fez contra você? — quis saber. Ele era o único que poderia responder minhas perguntas.
— O pai dele foi uma das testemunhas que inocentou os monstros que mataram sua mãe. — ele falou como se realmente eles tivessem tido culpa.
— E por isso ele mereceu morrer?
— Todos eles. — eu percebi que estava com medo dele. Aquilo me chocou.
— Eu não vou embora, vou terminar o que vim fazer.
— Você é uma foragida da lei. Acha que levar meu nome para lá vai fazer com que você seja absolvida? Você vai ficar presa pelo resto da sua vida, estou te oferecendo uma saída.
— Eu não vou voltar com você.
— Eu te amo e quero te proteger. Você não entende isso?
— Eu não confio em um assassino. — joguei na cara dele.
— Antes de ser um assassino, eu sou seu pai e quero sua segurança.
— Não, pai. — a palavra saiu carregada de ironia. — Eu recuso a sua oferta.
— Eu posso salvar também. — ele sabia o que falar para me fazer balançar. — Isso chamou a sua atenção, não foi?
— O que você vai fazer?
— Inocentá-lo. Eu tenho provas para isso, mas sem mim, continuará acusado pela morte dos amigos. — ele ofereceu. — Você sabe disso.
— Você vai salvar o homem que você quer matar para completar sua vingança? — perguntei, sem acreditar.
— Por você. Você é minha filha e eu faria qualquer coisa por você.
— Até se entregar? — ele não respondeu.
— Eu posso salvar vocês dois. — ofereceu novamente.
— nunca vai aceitar isso.
— Mas você pode convencê-lo.
Aquilo era tentador. A oportunidade de recompensar pelas coisas que ele sofreu por minha causa. Era o que eu mais queria, por isso não falei nada. Não tinha uma resposta.
— Eu estarei te esperando. Amanhã. Poderei tirar vocês dois daqui. — ele colocou um papel na minha mão. — Me arrisquei muito vindo falar com você aqui. Me encontre nesse local e nesse horário.
Antes dele sair, segurei seu braço.
— Pai, eu não quero fazer isso. — falei, quase implorando.
— Todos nós precisamos fazer coisas que não queremos por quem a gente ama. — só naquele momento eu pude enxergar meu verdadeiro pai. — Estarei esperando por você. — ele beijou minha mão e saiu.
Quando e Jay chegaram, eu estava no mesmo lugar, segurando o papel apertado na mão.
— , o que aconteceu? Você parece assustada.
— Eu estou bem. — voltei para o quarto, para minha fortaleza.
Não conseguia encarar de jeito nenhum. Até a presença dele me afetava. Eu não sabia o que fazer. Meu pai estava certo, que provas eu tinha para incriminá-lo? Se eu fosse até a polícia acabaríamos nós dois presos. Eu estava cercada.
Não demorou para entrar, como eu já esperava que aconteceria.
— Eu conheço você. Cada uma das suas expressões. Como você disse, estivemos pouco tempo juntos, mas foi o suficiente para traduzir o que estou vendo agora. — continuei sem olhar para ele.
— Aonde você quer chegar? — perguntei.
— Eu só vi essa expressão outras duas vezes no seu rosto. Ele esteve aqui, não foi? — mordi o lábio para me controlar. — Não importa o que aconteceu. Você pode confiar em mim. Conte-me, podemos consertar isso juntos.
— Você não pode consertar tudo.
O que mais doía era que eu queria acreditar naquilo. Queria contá-lo e convencê-lo, mas nunca poderia pedir para desistir de descobrir o que aconteceu com sua família e deixar tudo para trás.
— Você lembrou de algo, não foi? — neguei com a cabeça. — Ele me ameaçou? Te machucou? — neguei novamente. — Mas descobriu algo importante. — não foi uma pergunta, mas eu confirmei com a cabeça. — E agora está com medo. — confirmei de novo, sem me virar para encará-lo. Se eu abrisse a boca, acabaria caindo no choro de novo. Minha língua estava coçando para contá-lo tudo e eu me senti muito mal por não contar.
— Eu posso dormir agora? — pedi.
— Não se feche. Eu preciso de você. Nós somos uma equipe. Você é a peça chave, lembra?
— Eu só sirvo para você conseguir o que você quer? — me arrependi assim que as palavras saíram da minha boca.
— Você sabe que não é assim. Desculpe. — suspirou. — Confie em mim. Me conte o que está acontecendo. Eu estou aqui com você.
Sim, naquele momento estava, mas e depois? O problema era o depois. Ele ficaria ao meu lado depois que descobrisse sobre meu pai? Eu confiava nos sentimentos de por mim, mas fazer justiça pelo que havia acontecido por sua família era a razão da vida dele.
— Nós vamos conversar depois, eu prometo. — jurei, sabendo que era verdade. Eu contaria mais cedo ou mais tarde. Só esperava que fosse mais tarde.
Naquela noite, ele me ajudou a deitar, me cobriu, me abraçou e me deixou chorar em seu peito até cair no sono. Sem perguntar e sem falar mais nada.
Eu acordei na madrugada, ainda enrolada nos braços dele. me fazia acreditar que eu sempre o teria, mas, na verdade, podia contar apenas com Deus. Resolvi que a decisão eu não poderia tomar sozinha. Pedi ajuda a Ele de novo e ele me mostrou o que eu precisava fazer.
Capítulo 31
“Se não é vantajoso, nunca envie suas tropas; se não lhe rende ganhos, nunca utilize seus homens; se não é uma situação perigosa, nunca lute uma batalha precipitada.”
(A arte da guerra)
(A arte da guerra)
A manhã seguinte foi a primeira vez que eu assisti os noticiários depois de muito tempo. Havia começado a chover e não tínhamos muitas opções de coisas para fazer. Achei que a situação estaria melhor, mas logo na primeira notícia, os jornalistas falaram sobre . A pessoa que o denunciasse ganharia até uma recompensa financeira, ou seja, as buscas estavam a todo vapor. Ele era uma pessoa considerada muito perigosa para a sociedade.
Entrevistas com pessoas que haviam nos vistos rondavam em todos os canais. A proposta de meu pai ainda parecia convidativa, mas depois de muito pensar decidi não fazer nem uma coisa nem outra. Não contaria para e nem aceitaria a proposta de meu pai. Faria as coisas do meu jeito.
Depois de uma pesquisa rápida na internet, eu esperei Jay sair para finalmente conversar com . Tínhamos trocado poucas palavras, mas seus olhos falavam tudo que eu precisava ouvir. Ele também estava esperando Jay sair para conversar comigo. Se ficássemos agitados ou nervosos, tudo que havíamos construído seria perdido.
— Podemos conversar? — fomos direto para o quarto e trancamos a porta. — Para onde Jay foi?
— Pagar ou comprar alguma coisa, não entendi direito o que ele disse.
— O que vocês conseguiram com o Promotor Kang? — ele levantou uma sobrancelha para mim.
— Você não me chamou aqui para falar sobre isso.
— Tudo bem. Você sabe que ele esteve aqui ontem. — fui direto ao ponto.
— Você se machucou?
— Não, eu estou bem. Foi tudo muito rápido.
— Como da última vez? Ele esteve aqui achando que você não estaria em casa?
— Não, com certeza ele sabia que eu estava aqui. Foi muito mais assustador do que da última vez. — fez menção de me abraçar, mas eu o parei antes. Ainda não tinha terminado de falar. — , eu tomei uma decisão. Eu quero me entregar no seu lugar. — revelei.
— , já conversamos sobre isso. — ele começou.
— Eu descobri uma coisa importante.
— Você mentiu sobre não ter lembrado de nada?
— Eu não menti porque realmente não lembrei. Eu descobri.
— Nada que você fale vai me deixar te colocar em uma situação de risco.
— Você estava certo sobre mim. — confessei.
— Sobre o quê?
— Quando entrevistei Hyun-Ha, descobri que estou envolvida diretamente de uma maneira muito ruim no que aconteceu com aquelas pessoas e com sua família.
Ele me olhou confuso. Eu tinha ideia de como a cabeça dele começou a dar voltas, pensando em como aquilo faria sentido.
— Sobre o que você está falando? Isso não faz sentido algum para mim.
— Eu também achei, mas de alguma forma muito ruim eu estou ligada a isso e eu não posso deixar você se entregar por mim.
— Então foi por isso que você surtou? Por que descobriu que está envolvida diretamente com o que aconteceu? — não respondi. — , foi você quem matou os meus pais?
— Claro que não, mas...
— Não importa. O único culpado é aquele que fez tudo isso. Se não foi você, não há culpa.
— Assim como você, eu cansei de fugir. — falei. — A justiça cuidará de mim, eu sei. E de alguma maneira, você estará cuidando de mim também quando finalmente descobrir tudo.
— Você está usando minhas palavras contra mim.
— Olhe para a sua vida, . Olhe no que você se tornou por causa de mim. Você perdeu tudo que você tinha. Você perdeu sua reputação, seu sucesso, sua empresa e seus amigos. Você virou um foragido que não tem para onde ir. Eu não quero isso para mim e nem mais para você.
— Você acha que eu não sabia o que estava te colocando em risco quando te aceitei na minha casa?
— Talvez você não devesse ter tomado aquela decisão. Seja sensato. Não há mais saída. Chegamos ao ponto final.
— Ainda podemos descobrir quem é ele. A polícia não nos achou, temos tempo.
— Você não percebeu que não importa mais se descobrimos ou não? Não vai mudar nada. Continuaremos criminosos, mas eu posso levar a culpa por você. Posso dizer que te incriminei, vai ser mais fácil acreditarem que eu fiz isso do que você.
— Você perdeu a fé?
— Em Deus? Nunca. Em nós? Talvez. — eu vi pelos seus olhos o quanto minhas palavras o machucaram.
— Eu não posso te entregar sem lutar. Eu não posso me entregar sem lutar.
— Você não entende que em todo esse tempo você estava lutando? Me deixe fazer isso por nós dois. Até você sabe que é a melhor opção. Até eles descobrirem quem eu sou, você vai ter tempo o suficiente e não vai precisar ficar escondido.
— Eu não quero debater sobre isso.
Eu saí do quarto para tentar esfriar minha cabeça e colocar as ideias em ordem. Quando Jay chegou, ele notou o clima tenso no ar.
— Vocês brigaram de novo.
— Não brigamos, só... Não conseguimos chegar a um consenso.
— O que você pretende fazer quando tudo isso acabar? — aquela pergunta pedia várias respostas, mas nem todas eu podia contá-lo. — Quer dizer, você vai ficar ou voltar para casa?
— Sinceramente, já não sei mais onde é a minha casa.
— Você quer continuar com ele? — falou, se referindo a .
— Essa é a única coisa que eu quero depois que tudo isso acabar. Poder ficar com ele independentemente de onde estivermos. — confessei.
— E por que você não diz isso a ele?
— Tenho certeza que ele sabe.
— Nós homens precisamos ouvir para sabermos das coisas. Não lemos as entrelinhas mesmo se for muito inteligente como . Ele pode estar com medo de você deixá-lo porque não quer ficar.
— E se eu não puder ficar?
— Pelo menos ele vai saber que você queria.
Almoçamos sozinhos e depois ele me ensinou a jogar Go-Stop, ouvindo a coleção de música pop que Jay tinha no celular na varanda enquanto a chuva aumentava do lado de fora.
Eu estava esperando por para dar meu próximo passo, mas ele não apareceu durante todo o dia. Quando a noite chegou, decidi que não o esperaria mais.
— ? — bati na porta do seu quarto, mas ninguém respondeu. — , você está aí?
Aporta estava destrancada e o quarto vazio quando eu entrei. Seu cheio estava no ar e uma toalha ainda molhada em cima da cama indicava que ele tinha saído há pouco tempo. Demorei poucos segundos para encontrar seu bilhete e associar a situação.
Troquei os sapatos com rapidez e saí correndo. O carro que ele usava estava há poucos metros, se distanciando. Corri atrás do carro gritando por ele, com a chuva torrencial gelando até os meus ossos. Achei que ele nunca me veria àquela distância, mas aos poucos ele foi desacelerando até parar. Alcancei o carro e entrei, tremendo de frio e até batendo o queixo.
tinha uma expressão furiosa no rosto, como eu nunca tinha visto. Bom, eu também estava furiosa.
— Você ficou maluca? — ele quase gritou.
— Eu não acredito que você ia fazer isso. — falei, descrente.
— Você está encharcada. Vai acabar ficando doente.
— Você ia embora desse jeito? Você ia me deixar assim?
tomou uma respiração profunda e eu o vi tentando controlar a raiva, travando o maxilar.
— Vá embora, . — ele pediu, com um tom rude.
— Você não pode estar falando sério se acha que eu vou deixar você ir assim. — ele abriu minha porta, passando por cima de mim, e os pingos de chuvas começaram a me molhar de novo.
— Saia do carro, por favor.
— Eu não vou a lugar nenhum sem você.
O ar pareceu parar dentro do carro. Os pingos gelados continuaram escorrendo do meu cabelo e pingando nos meus olhos e a chuva do lado de fora continuava me atingindo. Eu estava morrendo de frio, mas não iria me mover.
— , volte para dentro.
— Eu não posso fazer isso. Sinto muito. — insisti.
— Jay vai mantê-la protegida até tudo acabar — falou, mas nós dois sabíamos que aquela não era a questão principal.
— Não é tão simples. ...
— Não importa o que você diga. Você não vai me convencer. Como posso deixar você se sacrificar por mim?
— Eu escondi uma coisa muito importante de você. — confessei.
— Isso não importa mais. — porque ele não sabia o que era.
— Importa muito. Eu não te contei que quando o assassino veio aqui ontem eu o vi. Eu falei com ele. — soltou a porta fechada com um baque alto e encarou o para brisa sem dizer nada. Quase podia ouvir sua mente trabalhando.
— Por isso você disse que não importava descobrir quem era ele. — confirmei com um aceno.
— Continua não importando, mas se você se entregar, ele vai conseguir se livrar dessa e você vai acabar pagando por crimes que não cometeu.
— Assim como você.
— A diferença, , é que se você for preso, eu não vou conseguir pegá-lo. Eu nunca vou conseguir porque essa pessoa ardilosa e desumana que estamos atrás é o meu pai. — finalmente olhou para mim.
— O que você está falando?
— Esse monstro que estamos tentando pegar é o mau pai.
— , isso não faz sentido algum.
— Ele veio aqui ontem. Ele me contou. Há muito tempo atrás, ele foi um dos policiais responsáveis pela investigação da família que foi sequestrada e morta em Anyang, mas os criminosos acabaram matando minha mãe por isso. Todos esses crimes, tudo isso foi uma vingança dele pelo que aconteceu.
deu um murro no volante com força e eu pulei no meu banco, assustada com sua explosão.
— Você só pode estar de brincadeira com a minha cara.
Eu queria estar, queria muito estar brincando.
Capítulo 32
“Triunfam aqueles que sabem quando lutar e quando esperar.”
(A arte da guerra)
(A arte da guerra)
tirou o carro do meio da rua e dirigiu pela cidade, parando ao lado de uma loja de conveniência. Ele colocou o capuz do moletom na cabeça e saiu do carro, voltando todo encharcado com uma sacola na mão e copos de isopor na outra.
O carro estava quente, mas eu ainda tremia. Tirei o excesso de água com a toalha que ele havia comprado, mas minhas roupas ainda estavam grudadas no meu corpo. não falou nada enquanto nos aquecíamos com o chá.
— Como você descobriu? — ele foi o primeiro a quebrar o silêncio.
— Eu descobri um nome que ele usava quando morava aqui.
— Madame Oh. — ele deduziu.
— Ela o encontrou para mim. Achei seus nomes nos registros do caso do homicídio da família em Anyang.
— Por que ele matou aquelas pessoas? — a pergunta que ele realmente estava fazendo era “Por que ele matou minha família?”
— Porque, de alguma maneira, eles foram envolvidos com o caso. — expliquei, com o coração doente em cada palavra.
— Mas meu pai...
— Ele foi uma das testemunhas que mudou o depoimento e inocentou os culpados.
— Ele... O quê? — passou a mão nervosamente pelo cabelo, provavelmente para não bater no volante de novo.
— Eu sinto muito, . Eu sinto muito por tudo isso. Por ter sido ele. Eu... — não tinha outra palavra para falar a não ser desculpa.
— Era por isso que você queria se entregar? Pela culpa do que ele fez? — estava muito envergonhada para olhá-lo.
— Ele queria me levar de volta para casa, por isso apareceu ontem.
— Obviamente que ele iria querer te tirar do meio disso.
— Mas ele é o púnico que pode provar sua inocência. Sem ele, você sempre será culpado pela morte de e de .
— Ele te ofereceu isso, não foi? — não respondi. Soprei o chá para não cair no choro. Minhas mãos tremiam, mas não era por causa do frio. Eu havia contado. Todo meu plano havia ido por água abaixo. O que faríamos em seguida? — Ele ofereceu me salvar para desistirmos da investigação.
— Ele pode nos tirar daqui. — falei.
— Você considerou a oferta? — a incredulidade em sua voz fazia eu me sentir muito pior do que já estava me sentindo.
— Eu não vou aceitar. — não falei a parte que tinha pensado nisso como uma alternativa viável.
— Mas também não vai entregá-lo. — não foi uma pergunta.
— Eu não sei se consigo fazer isso. — admiti.
— Ele é um assassino.
— Mas continua sendo meu pai. Minha única família. É por isso que eu preciso que seja você a fazer isso. — me segurou pelos ombros, me forçando a encará-lo.
— Você é minha principal prova. Eu preciso de você.
— Mas eu não sou corajosa o suficiente. Ele marcou um encontro hoje. Eu ainda preciso encontrá-lo para recusar a proposta.
— Onde ele marcou?
Não precisava do papel, já tinha gravado cada letra do endereço. me soltou e deu partida no carro. Eu me segurei, assustada quando o carro aumentou a velocidade de forma perigosa.
— O que você vai fazer? — perguntei, temerosa.
— Resolver o nosso problema.
— Por favor, . Não o encontre. Será perigoso para todos nós. As coisas não podem acontecer desse jeito.
Eu tentei pará-lo, mas ele era muito mais forte do que eu e se fizesse algo imprudente poderia acabar causando um acidente e machucando outras pessoas.
O local marcado era afastado do centro, em um prédio em obras. Algumas barricadas impediam o carro de parar. Assim que olhei o local, descobri a verdadeira intenção do meu pai. Ele sabia que eu contaria para . Era exatamente isso que ele queria. Que fosse atrás dele em seu próprio esconderijo, onde ele estaria preparado. Mas era tarde demais para impedir de fazer o que ele queria fazer. Sua raiva o cegaria para qualquer pensamento lógico.
— Fique aqui.
tirou uma arma de dentro do porta-luvas e eu me encolhi para longe daquilo. Provavelmente ele tinha aquilo consigo desde que fugimos de casa.
Eu desci do carro e andei com em direção à casa. Ele me lançou um olhar de raiva, mas continuou caminhando para a armadilha.
Eu deixaria matar meu pai? Porque pela maneira que suas feições estavam transtornadas, era isso que ele iria fazer.
— Eu sabia que você contaria para ele. No final, eu te conheço muito bem. — foi a primeira coisa que meu pai disse quando nos viu.
Antes que qualquer um de nós pudesse fazer qualquer outra coisa segurou meu pai pela gola, jogando-o na parede com a arma em punho. Eu quase corri para ele, mas não era idiota desse jeito. Se eu me metesse entre os dois, eu seria aquela que acabaria morta. Meu pai riu e o socou no rosto. Eu gritei, com a mão na boca.
— , por favor. Não faça isso. — pedi, já chorando. As coisas tinham saído do controle muito rápido.
— Você veio aqui me matar? — meu pai provocou e continuou olhando para ele, enfurecido. — Você não me pode matar. Nunca vai conseguir fazer isso.
— E o que me impediria?
Nunca tinha visto daquele jeito. Transtornado pela raiva. Se eu o deixasse fazer aquilo, ele nunca se perdoaria. Iria destruir a própria vida porque ele não era esse tipo de pessoa.
— Minha filha está parada ali atrás.
— Você acha que ela poderia me parar? Esse é o desejo da minha vida. Fazer você pagar.
Meu pai deu uma cabeçada em e chutou sua arma para longe. conseguiu prendê-lo de novo e cada vez que um atacava o outro eu me afastava.
Não conseguiria ficar parada vendo aquilo. Não poderia deixar um matar o outro. Eu corri para fora, até o carro e encontrei o celular no porta-luvas. Eu me encharcava mais a cada segundo, mas, sem hesitar, liguei para o disque-denúncia.
— Boa noite, qual sua emergência?
— Quero fazer uma denúncia. Três criminosos procurados estão juntos na área de construção do novo prédio da Kim Construções. e sua cúmplice e o serial killer conhecido como o Açougueiro de Anyang.
Ouvi a mulher soltar um palavrão do outro lado da minha e outra pessoa assumiu a ligação.
— Desculpa, a senhorita pode repetir a informação com calma? — falei tudo de novo, tentando dar firmeza a minha voz.
— Mas vocês precisam ser rápidos ou não os encontrarão mais aqui. — antes que eu desligasse o celular, um disparo iluminou a casa.
Eu pulei para fora do carro e corri para dentro. e meu pai estavam no chão, mas apenas estava sangrando. Eu me joguei ao seu lado, com as lágrimas manchando minhas bochechas, se misturando com a água da chuva.
O tiro havia sido no peito e jorrava tanto sangue que manchava o chão embaixo dele rapidamente. Eu rasquei sua camisa e examinei o local, mas estava escuro e encharcado demais para ver alguma coisa. Coloquei os pedaços da camisa para parar o sangramento intenso. Meu corpo tremia tanto que parecia estar convulsionando. Se a polícia não chegasse logo, não duraria muito. Sua respiração estava superficial e seu pulso batia cada vez mais fraco.
— Filha, — meu pai ficou em pé com dificuldades, cheio de machucados pelo rosto. — Precisamos... — sua fala foi cortada pelos barulhos das sirenes se aproximando. — , o que você fez?
— Eu sou muito mais corajosa do que você acha.
Meu pai olhou pela janela, preocupado. Com dificuldade, ele começou a, apressadamente, arrumar suas coisas dentro de uma mochila.
— Vamos, . Se levante logo. Vamos embora.
Ele tentou me puxar com violência do chão, mas a cabeça de estava no meu colo com meu peso fazendo pressão em cima do ferimento.
— O que você está fazendo, sua tola?
— Não vamos mais fugir, pai. Por favor. — ele me largou com força, me derrubando com tudo no chão e machucando o braço.
— Eu fiz tudo por você e é assim que você me retribui? — ele acusou.
— Você fez tudo por você mesmo! — eu gritei, com raiva.
— Você é uma ingrata. Deveria ter morrido no lugar da minha .
Nada do que ele falasse doeria mais do que já doía no meu coração. A dor da traição, da perda. Aquele homem não era mais meu pai. Não era desde o dia anterior. Ou, na verdade, nunca havia sido?
— Mãos para o alto! — a polícia arrombou a porta com armas apontadas na nossa direção. Eu continuei segurando a cabeça de no meu colo.
— Eu sinto muito. — sussurrei em seu ouvido.
A polícia agarrou meu pai que havia tentado fugir por uma das janelas do barracão. Antes que eles me pegassem, eu tirei o colar do meu pescoço com as mãos tremendo e manchadas de sangue e coloquei no bolso de . Eu não merecia aquilo. Dei um beijo em sua testa e alguém me puxou para trás, me afastando dele. Eu não conseguia falar nada, só chorar.
Se eu havia tomado a decisão certa? Bom, só o desfecho daquilo iria dizer.
Uma algema fria prendeu meus braços para trás e alguém me conduziu e me empurrou para o banco de trás de um carro. Eu não conseguia ver muita coisa por causa das lágrimas. Havia muitas luzes coloridas, sons de sirene e pessoas gritando em todos os lugares.
Vi uma maca passando e entrando em uma ambulância. ? Tentei olhar, mas o carro se afastou rápido.
A policial ao meu lado me segurava para que eu ficasse quieta.
— Ele vai ficar bem? — ela não respondeu e eu tentei fazer o choro parar. — Por favor, me diga. Ele não tem culpa de nada. é inocente, eu juro. Por favor, não o deixe morrer por causa de mim.
— Espere para dar seu depoimento oficial na delegacia.
— Só me prometa que ele vai ficar bem. — ela não prometeu.
Na delegacia, um saco foi colocado na minha cabeça e só tiraram quando eu já estava dentro da sala de interrogatório. O ar condicionado forte fez minha pele ficar arrepiada. Minhas roupas ainda estavam encharcadas e cobertas de sangue e minhas têmporas pulsavam. Meus olhos piscaram para se acostumar à claridade até que eu pudesse enxergar as duas pessoas que estavam na sala. A mulher que havia me acompanhado no carro e outro oficial.
— Qual é o seu nome? — o homem perguntou primeiro, com uma prancheta na mão, me olhando como se eu fosse um extraterrestre.
— . — respondi com minha voz rouca por causa dos gritos. Pigarreei, tentando passar confiança. — .
— De que país você é?
— Brasil.
— Como entrou na Coreia do Sul?
— Como qualquer pessoa entra.
— Você acha que eu estou de brincadeira? — ele bateu a prancheta na mesa e eu pulei com o susto. Acho que eu poderia chorar a qualquer momento. — Responda direito à pergunta, ou vou usar outras maneiras de te fazer responder.
— Oficial , calma. — a mulher ao lado dele segurou seu braço, fazendo-o recuar.
— Fui eu quem fez a denúncia. A pessoa que vocês prenderam? É meu pai. Ex-oficial da polícia de Anyang. Ele é responsável pelo assassinato de sete famílias na Coreia, conhecido como o Açougueiro de Anyang. Vocês podem pesquisar sobre mim, mas não vai encontrar. Seu nome verdadeiro é Henrique Sanchez e minha mãe, Sanchez. Além disso, ele cometeu mais dois assassinatos esse ano: o assassinato de e de . Eu tenho provas de tudo que estou falando e estou disposta a ajudá-los se me contarem o que aconteceu com .
O oficial levantou uma sobrancelha.
— Você não está em posição de fazer acordos. — eu o olhei desafiadoramente.
Eles não precisavam saber o quanto de medo eu estava sentindo, mas ver morrendo na minha frente havia me dado um pouco de coragem.
— provavelmente está inconsciente agora e talvez nunca mais acorde. Meu pai não vai falar nada que possa incriminá-lo. Eu sou a única pista que você tem. A maneira mais rápida de descobrir tudo. Sem mim, vai ser muito difícil e muito demorado descobrirem o que realmente aconteceu.
Os dois oficiais se entreolharam e depois saíram da sala sem dizer uma nenhuma palavra.
Meus olhos grudaram no relógio da parede. O tempo estava passando. Se não estivesse sendo tratado devidamente, àquela altura ele já estaria morto.
Capítulo 33
“Há vários caminhos até a montanha, todos levando para o mesmo lugar, de modo que não importa o caminho que você vai tomar. O único perdendo tempo é aquele que corre ao redor da montanha, apontando a todos que o caminho deste ou desta pessoa é errado.”
(Provérbio Hindu)
(Provérbio Hindu)
já estava em cirurgia. Soltei um suspiro de alívio. Ele ficaria bem. Quase comecei a chorar de novo.
— O amigo de e funcionário da empresa dele, Jay, quer dizer, Jinhwan. — comecei. — Era na casa dele onde estávamos escondidos. Todas as informações que coletamos estão lá. Na sala de estar há uma câmera de vigilância, como nos cômodos principais. Se acessarem as filmagens de ontem, às 18h e com um bom leitor de lábios, vão conseguir uma confissão completa do meu pai. Não só dos crimes do passado, mas também sobre a falsidade ideológica e o assassinato de e . Jinhwan me disse que não acessa muito as gravações, mas que o sistema faz um backup automático todos os dias, então vai estar lá.
— E por que você está tão disposta assim a entregar seu próprio pai? — a oficial perguntou.
— Porque ele é um assassino. — respondi.
— E você não sabia sobre isso antes?
— Sim, mas sofri um acidente quando cheguei aqui e perdi minhas lembranças. Tenho exames que provam isso.
— E mesmo assim não veio à polícia? — a oficial falou pela primeira vez desde que haviam entrado de novo na sala, trazendo a notícia sobre .
— O que vocês fariam por mim? Acreditariam em mim? Me mandariam de volta para o Brasil?
— Mas agora você é uma fugitiva. — ela contou. — Uma criminosa.
— A gravação vai provar que eu estou certa e que sou inocente.
— Como você acabou metida com ?
Expliquei detalhadamente do dia em que acordei na casa de até aquela noite. Os dois policiais anotaram, fizeram perguntas e me forçaram a reviver todas as últimas semanas de novo.
Várias pessoas diferentes entraram e saíram da sala, trazendo e levando documentos e eu continuava algemada à mesa, com a roupa grudada no corpo, com frio e com o sangue de sobre mim. Fiquei daquele jeito por muito tempo na sala de interrogatório, sofrendo não só fisicamente, mas a preocupação por meu pai e por era muito grande.
O que aconteceria com meu pai? Seria deportado? Qual seria sua condenação? Mesmo depois de tudo, eu ainda temia por ele.
Estava quase pegando no sono ainda sentada na cadeira com a cabeça encostada no meu próprio braço quando a oficial que me acompanhou entrou sozinha na sala.
— Você passou de suspeita e cúmplice de um homicídio duplo para testemunha. Sua identidade foi confirmada. Parabéns, você está livre. — eu ainda estava sonolenta quando ela tirou minhas algemas.
— Vocês conseguiram o vídeo? — perguntei, massageando os pulsos doloridos. Os dois estavam vermelhos por conta das algemas.
— Não podemos revelar informações da investigação. — ela me passou um saco com remédios.
— O que é isso?
— Para você não acabar doente depois de ficar com essas roupas.
Eu tomei cada um deles com a garrafinha de água que ela me deu. Minha garganta estava seca e meu estômago, apertado.
— Para onde eu vou? — perguntei.
— Você está sob proteção da República da Coreia agora.
Me coloquei de pé com dificuldade. Tudo que eu queria era um banho quente e algo para comer. Aquele dia parecia não ter fim.
— Como está ? — ela não pareceu querer revelar muitos detalhes, mas eu implorei. — Por favor, eu só preciso saber como ele está. Se vai sobreviver. — ela suspirou, vencida.
— Ele está bem. — revelou. — A cirurgia foi um sucesso e ele está fora de perigo agora. Sua situação é estável.
— Ele está sozinho? — quis saber. — Tem alguém cuidando dele agora?
— A família dele chegou de Anyang há pouco tempo. Você deveria se preocupar com si mesma, agora. Tirar essa roupa molhada, tomar banho e cuidar desses machucados apropriadamente.
— Obrigada, Oficial...
— Bae. — ela respondeu. — Bae Hee Jung.
— Tem um carro esperando por você lá fora. Os oficiais Lee e te levarão até o hotel onde ficará hospedada. Você está segura, mas demorará um tempo até as investigações acabarem e você voltar para casa.
Quis rir. Casa? Onde era minha casa? No Brasil, com um nome falso e uma família de mentira?
Os oficiais me dirigiram para o carro e enquanto prosseguíamos pelas ruas de Seul, o Sol já estava alto no céu, mostrando quanto tempo eu havia ficado confinada na sala escura do interrogatório.
A chuva estava parando pouco a pouco, dando lugar a uma garoa fina que refletia o Sol em cada gotícula. Um novo dia estava nascendo e com ele novas esperanças e novas lutas.
No hotel, eu tomei um banho quente e demorado, lavando o frio e a sujeira, mas não importava quanto eu esfregasse, a dor continuava ali. Me enrolei em uma bola em cima da cama e deixei que as lágrimas caíssem. Chorei alto no quarto vazio. Meu corpo doía, mas nada se comparava com a dor que sentia por dentro. O medo por , pela minha vida e por meu pai, que estava tão cheio de ódio que se tornava irreconhecível.
Naquele momento, naquele quarto de hotel, com dois policiais na minha porta e o dia amanhecendo, eu pedi a Deus para que não me sentisse mais sozinha com a força de . Lembrei-me de como Ele havia me ajudado até aquele momento e do que ele havia prometido.
“Elevo os meus olhos para os montes; de onde me vem o socorro? O meu socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra.”
Dormi pouco tempo depois. O dia seguinte reservava muitas coisas.
Assim que acordei, me vesti e fui levava de volta à delegacia. Do lado de fora, vários repórteres empurravam microfones e câmeras na minha direção, pedindo uma declaração. Um conjunto de pessoas fazia protestos com cartazes pedindo justiça. A cacofonia fez minha cabeça rodar.
Na nova sala de interrogatório, três pessoas que eu não conhecia entraram.
— Onde está a Oficial Bae? — perguntei.
— O caso foi transferido para outro departamento. Somos nós que vamos assumir a investigação. Sou o Detetive Jung e esse é o Detetive Kim e o Promotor Zhang.
Os três me fizeram dar meu depoimento várias vezes seguidas, fazendo as mesmas perguntas que eu já tinha respondido inúmeras vezes. Respondi tudo pacientemente, confirmando cada prova que eles me mostravam. O material que tinham era o material produzido por mim e por .
Oferecem-me um pequeno café no refeitório, mas logo depois eu fui obrigada a voltar para sala e continuar falando sobre tudo que sabia. Deixei claro o tempo todo que as pessoas que nos ajudaram eram inocentes e só participaram superficialmente, mas sabia que todos seriam chamados para depor.
Durante uma das pausas, enquanto esperava do lado de fora, encontrei com a Oficial Bae.
— Fico feliz que você esteja melhor. — ela falou.
— Por que o caso foi transferido? — perguntei.
— Agora não é mais responsabilidade de Seul cuidar disso. O caso sempre pertenceu ao país. Apenas os assassinatos de e de estavam sob nossa responsabilidade.
— Por quanto tempo eu vou continuar vindo para contar o que aconteceu? — quis saber, mostrando o quanto estava exausta de tudo aquilo.
— Você parece apática. Está com fome? — antes que eu respondesse ela tirou da máquina próxima um refrigerante e um sanduíche e sentou ao meu lado. — Você comeu hoje?
— Só aquela comida estranha do refeitório, eles não me deixaram comer no hotel. Oficial Bae, por que você está sendo tão boa para mim?
Oficial Bae deveria ter, no máximo, trinta e cinco anos, não tinha idade para ser minha mãe — mas ela também não parecia uma mãe.
— , você pode ter me conhecido ontem, mas eu te conheço há muito tempo. Venho mapeando cada pequena pista, cada passo e só ontem eu dei um rosto para a criminosa nacional que eu procurava. Imagina minha surpresa quando descobri que essa criminosa perigosa era uma jovem assustada e muito corajosa da idade da minha sobrinha?
— Você estava naquele dia da emboscada? Não me lembro de nenhum rosto.
— Estava e lembro perfeitamente da sua expressão de pânico. Você não parecia que queria fazer mal a alguém. Só estava assustada.
— Sinto muito pelo trabalho que te dei. — ela sorriu e apertou meu joelho.
— Coma, você precisa estar bem e forte para tudo que ainda precisará fazer.
Eu obedeci. O sanduíche da máquina era muito melhor do que o que eu havia comido mais cedo. Meu estômago agradeceu.
— Eles só vão me liberar quando as investigações acabarem? — perguntei, depois de terminar o sanduíche.
— Ainda há muito que se fazer. Você e conseguiram juntar muitas provas, mas precisamos dos depoimentos oficiais e de provas legais para apresentarmos durante o julgamento. — fiz uma pausa antes de fazer a próxima pergunta.
— Como ele está? Quer dizer, meu pai.
— Ele está detido pelos crimes que já foram provados como falsidade ideológica, sua e dele. Os outros ainda estão sob investigação.
— Ele está... sofrendo? — perguntei, hesitante.
— Tanto quanto uma pessoa na prisão pode sofrer.
— Eu não queria que isso tivesse acontecido com ele. — não tinha vergonha de falar a verdade. No final, ele era meu pai e era normal eu ficar preocupada com ele.
— Não imagino a sua dor.
— Eu poderia vê-lo? — pedi.
— Posso tentar conseguir, mas não agora. Ele ainda não pode receber visitas. A investigação ainda está em andamento e nós precisamos saber sobre seus cúmplices espalhados pelo país.
— E... ?
— Você quer visitá-lo?
A perspectiva de vê-lo fez meu coração disparar. Como ele reagiria ao me ver? Será que me odiava muito por tudo que eu havia feito e escondido? Pelo meu pai?
— Ele já acordou? — perguntei.
— Sim, acordou há poucas horas. Felizmente a bala não fez muito estrago e ele está se recuperando bem.
— Você pode me levar para vê-lo?
— Vou conversar com os meus supervisores e ver o que consigo para você. — sorri, em alívio.
— Obrigada.
Fui chamada novamente para a sala de interrogatório e mais uma rodada de revisão de pistas e de informações.
Já era final da tarde quando os oficiais responsáveis por mim me conduziram para fora da delegacia.
— Oficiais, eu vou assumir daqui. — Oficial Bae nos parou. Os policiais a cumprimentaram e saíram.
— Você conseguiu a minha visita? — ela acenou.
— Não vai ser muita coisa, mas consegui um tempo.
Fiquei feliz por poder vê-lo, mas assim que o Oficial Kang parou o carro na frente do hospital, minhas mãos suaram tanto de nervosismo que eu tive que enxugá-las na calça jeans. Ela me levou diretamente para o quarto privado onde estava e assim que nos aproximamos, pude ouvir as risadas que vinham de dentro.
— Eu não acredito que você trouxe isso.
— Oppa, eu te avisei.
Da pequena janela na porta eu os vi. estava rindo com Yoo Jung e harmeoni sentadas uma de cada lado em sua cama. Ele parecia bem e feliz, mesmo com a camisola do hospital e a pele pálida. Era um homem livre. Seu sorriso era o mesmo de sempre, como se nada tivesse acontecido, e vê-lo fez meu coração quase saltar do peito.
— Não vai entrar?
Eu me afastei rapidamente quando olhou de relance em direção à porta. Meu coração disparou como se eu tivesse sido pega espiando algo que não deveria. Eu coloquei a mão no peito, tentando me acalmar. Não queria que ele me visse.
— Não, eu só queria vê-lo. — falei.
— Por que não entra? — Oficial Bae perguntou. — Ele quer te ver.
— É melhor não. — respondi, mordendo o lábio.
— Ele perguntou por você quando viemos pela primeira vez.
— Mas eu não quero vê-lo. — respirei fundo e comecei a caminhar para a saída. — Podemos ir embora?
— Tem certeza disso? — acenei e ela se juntou a mim.
— ?
Capítulo 34
“A árvore não prova a doçura dos próprios frutos; o rio não bebe suas próprias ondas; as nuvens não despejam água sobre si mesmas. A força dos bons deve ser usada para benefício de todos.”
(Provérbio Hindu)
(Provérbio Hindu)
Era harmeoni. Meus olhos se encheram de lágrimas com a visão dela. Eu a encontrei no meio do caminho e a abracei apertado. Parecia uma eternidade desde que havíamos nos conhecido.
— Por que não entrou? — ela falou, com sua voz meiga de sempre.
— Só vim fazer uma visita para saber como ele estava. — falei, tentando não passar nenhuma das emoções que conflitavam dentro de mim pela minha voz, mas era muito difícil.
— Sentimos sua falta. Me perguntei porque não veio antes.
— Eu estou sendo mantida como testemunha e passo o dia ajudando na investigação. Não tive muito tempo. — “Eu estava com medo” era a resposta mais sincera.
— Que cabeça essa minha. Nem percebi quão difícil está sendo para você. Eu sinto muito. — ela me abraçou de novo.
— Estou bem. — falei, tentando tranquilizá-la.
— Está se alimentando direito? Seu rosto está abatido.
— Só estou cansada.
— Eles estão cuidando bem de você? — acenei. — Ela é a sua guardiã agora? — harmeoni apontou para a Oficial Bae e as duas se cumprimentaram.
— A Coreia está. — confirmei.
— Eles têm uma dívida com você. — concordei com ela. — Querida, você não vai vê-lo? — neguei com a cabeça. — Ele pergunta sobre você o tempo todo.
— Não vou poder ficar, sinto muito. — eu não queria falar sobre aquilo, não com ela e nem ali.
— Não sei como deve estar sendo difícil para você, mas saiba que não está sozinha. — com certeza ela sabia sobre tudo. Quem na Coreia não sabia? — Você pode contar com todos nós. Estamos do seu lado.
— Ele precisa se concentrar na própria recuperação. Eu vou ficar bem. A Oficial Bae está cuidando de mim e me ajudando em tudo que eu preciso. Precisamos ir agora. — eu me despedi de harmeoni rapidamente com um último abraço e segui a Oficial Bae para fora.
Achei que ela me levaria de volta para o hotel, mas acabamos parando em um restaurante. O lugar era muito aconchegante e cheio, com um cheiro de fritura e álcool no ar. Sentamos em uma mesa afastada, mas algumas pessoas olhavam na nossa direção e cochichavam entre si.
Oficial Bae notou minha preocupação.
— Você está segura. — ela disse.
— Mas eles me reconhecem. — respondi, com receio, abaixando um pouco a cabeça. Aquela situação era muito desconfortável.
— Isso não é problema, ninguém vai mexer com você.
— Imagino que meu rosto esteja em todos os lugares, agora que eles sabem quem sou eu. — sem falar na quantidade de repórteres que fica acampada na frente do hotel e da delegacia.
— Ninguém nunca consegue uma foto sua boa o suficiente, pode ficar tranquila.
Como eu não conhecia o cardápio, a Oficial Bae fez os pedidos e preparou os pedaços de carne de porco no grelhador embutido na mesa. Ela mesma me serviu e eu a imitei, colocando os pedaços dentro da alface acompanhada com alho, cebola e outros acompanhamentos. A mesa logo se encheu de vários potes diferentes de molhos e carnes. Ela queria que eu experimentasse de tudo.
— Está gostoso? — ela perguntou.
— Está muito bom. Obrigada pela comida. — falei, ainda com a boca cheia. Ela deve ter notado o tom de animação na minha voz.
— Nunca comeu churrasco de porco antes?
— Não tive muitas oportunidades para comer em restaurantes. — revelei.
— Deve ter sido difícil passar todo esse tempo fugindo.
— cuidou bem de mim. — eu odiava falar sobre ele, porque me fazia lembrar dar dor, mas ele estava por todos os lugares e era inevitável.
— Você vai vê-lo? — ela perguntou, aproveitando a deixa.
— Não, quero uma partida rápida e menos dolorosa.
— Mas fazer isso não vai ser pior?
— Por favor, eu não quero falar sobre isso.
Eu não queria ser aquele tipo de pessoa, mas não conseguia me manter impassível quando falava sobre ele. Tinha medo que se as lágrimas viessem de novo, elas não parariam mais.
— Não quero parecer uma velha chata nem nada, mas guardar tudo pode te fazer mal. — ela falou.
— Eu não gosto de guardar, mas falar dói mais do que tudo. — tomei um gole de água para me estabilizar.
Era óbvio que eu queria vê-lo. Sentia muito sua falta e queria abraçá-lo, dizer que finalmente estávamos livres. Antes de tudo eu queria pedir perdão por tudo e começar tudo de novo, mas como pedir consolo nele se, quando eu o via, só conseguia pensar em tudo que meu pai havia feito para ele e sua família?
— Eu não posso fazer isso. — falei. — Não depois do que meu pai fez.
— Mas você não é culpada de nada disso ter acontecido. Na verdade, acho que você foi uma das maiores vítimas.
— Mas não é justo forçá-lo a conviver com isso. — Oficial Bae fez um som de tsc.
— É ele quem tem que tomar essa decisão, não você.
— Quando essa investigação acabar, eu teria que arrumar minha vida e ele terá que arrumar a dele. Precisamos dessa separação. — eu enchi a boca novamente, mostrando que não queria mais conversar. Pelo menos, não sobre aquilo.
Eu não me sentia culpada pelo que havia acontecido à família de . Sentia dor por ter sido meu pai a fazer aquilo? Sim. Mas minha culpa maior era por não ter sido corajosa o suficiente para entregar o vídeo antes e ter evitado que ele tivesse se machucado e toda aquela confusão acontecesse. Culpa também por cogitar a ideia de fugir.
Oficial Bae não tocou mais no assunto durante o resto do jantar. Ela quis saber mais sobre a minha vida, conversou sobre comida e até tentou me distrair com maquiagem e unhas. Acabamos dando boas risadas e o clima ficou bem mais leve.
— Você não precisa me levar até lá. — eu falei, quando ela estacionou o carro na frente do hotel que eu estava.
— Você está sob a minha proteção. — entramos pelo estacionamento e ela me levou até a porta do quarto. — Esse é o meu número. Pode me ligar ou mandar mensagem sempre que precisar conversar. Não só sobre o caso.
— Obrigada, Oficial Bae.
— Hee Jung-a. — ela corrigiu e eu sorri com sua sinceridade.
— Unnie.
Os dias que se seguiram viraram quase uma rotina. Eu acordava, ia para delegacia, comia com Hee Jung unnie e depois voltava para o hotel, onde lia e encarava o teto até dormir.
Além da investigação, os processos para legalizar minha verdadeira identidade deram início. Como uma cidadã coreana, a polícia do Brasil não poderia se envolver. Assim como no caso do meu pai, já que seus crimes foram cometidos em solo coreano enquanto ele era funcionário legal do país.
A maioria das informações era confidencial para mim. Hee Jung unnie não podia dizer muita coisa e eu não podia forçá-la para colocar em risco o seu trabalho. Tudo que ela havia conseguido era uma visita para falar com meu pai.
No dia anterior à visita, eu estava deitada na cama, lendo, quando alguém bateu na minha porta. Hee Jung unnie havia me deixado há poucos instantes e eu achei que ela tinha esquecido alguma coisa, então abri a porta rapidamente com um comentário sarcástico na ponta da língua, mas não era Hee Jung unnie. Era . Em carne e osso na minha frente.
Bati a porta com tudo na cara dele e corri para cama, como se ele fosse capaz de ultrapassar a madeira e entrar. Ele fez silêncio por um tempo, talvez esperando que eu voltasse a abrir, mas eu não me atreveria.
— ? — ele chamou do outro lado. — Eu sei que você está ouvido. Podemos conversar por alguns instantes?
— O que eu faço? O que eu faço?
Comecei a andar de um lado para o outro no quarto, tentando pensar em uma saída. Cheguei perto da porta e estendi a mão para a maçaneta, mas acabei me afastando de novo. Eu não conseguia fazer aquilo.
— Sinto muito. — falei baixinho, sem saber se ele escutaria ou não.
— Eu sei que você está ouvindo. Mesmo através dessa porta, eu sei que você está aí. — eu sentei no chão, grudando o ouvido na porta, para não perder nenhuma palavra. — Você não foi me ver. Queria saber se você está bem, se está machucada ou precisando de alguma coisa. Eles estão te tratando bem?
— Eu estou bem. — respondi, em um sussurro.
— Às vezes acho que vou esquecer como é o seu rosto e fico desesperado. Por que não tiramos nenhuma foto para que eu pudesse olhar para você sempre que quisesse? — uma pausa. — Eu sinto muito por tudo que aconteceu. No final, eu não pude te proteger como prometi, e você teve que passar por tudo sozinha. No final, foi você quem me protegeu.
Prometi para mim mesma que não iria mais chorar, por isso apertei os olhos com as mãos, tentando prender as lágrimas.
— Por favor, não fale isso. — sussurrei de novo, tocando a madeira e desejando poder tocar em seu rosto quente.
— Tudo que eu queria era te ver de novo. Você está com raiva de mim por tudo que aconteceu? Pelo que eu fiz? Você me odeia, ? Porque eu me odeio um pouco quando penso nas decisões que tomei e que nos trouxeram até aqui. Mas eu sinto muito. Me desculpe, de verdade. Me dê uma oportunidade de mudar isso. Eu sinto sua falta. Saudade. Abra essa porta e me diga o que eu posso fazer para melhorar as coisas. Para voltarmos.
— Você não pode mudar o passado.
— ? Não importa o que aconteceu, eu ainda amo você. Amo tanto que dói. Eu achei que me acostumaria a perder pessoas que amo depois do que aconteceu com minha família, com e com , mas eu não me acostumei. Eu não sou tão forte quanto achei que seria. Pensar em perder você dói demais e eu não sei se suportaria essa dor.
— Eu sinto muito. — respondi, porque era só aquilo que eu podia falar.
— Por favor, conte comigo. Não me afaste.
— Eu amo você. — queria que ele ouvisse tudo que eu tinha a dizer, mas era covarde demais para falar em voz alta.
— Eu vou esperar o tempo que você precisar para se recuperar. Eu quero ouvir sua voz e te abraçar. Eu estou bem agora, nada disso foi sua culpa. — suspirou do outro lado e pelo som, eu percebi que ele estava chorando. — Eu preciso ir porque não posso ficar muito tempo, mas eu vou voltar. Eu não vou desistir.
Quando ouvi seus passos se afastando, eu me afastei da porta, limpando as lágrimas.
Eu o amava, mas não era o suficiente. Precisava aceitar aquela situação e acabar com meu poço de autopiedade. Para estar com , eu precisava superar.
O que mais me apavorava na ideia de ficar com ele, era que, no futuro, ele acabasse me culpando. Além disso, a lembrança que sempre voltaria quando eu olhasse para ele.
Disquei o número de Hee Jung unnie.
— Aconteceu alguma coisa? — sua voz preocupada no telefone me fez perceber o quão tarde era.
— Eu te acordei? — perguntei.
— Não. O que aconteceu?
— Ele veio aqui. — confessei, mordendo a unha do polegar em nervoso.
— Quem foi aí? ?
— Sim, ele pediu para entrar, mas eu não deixei. — não queria que minha voz saísse culpada, mas foi exatamente assim que ela soou.
— , não faça isso com vocês dois. Vocês precisam conversar e se resolverem. É imaturidade evitar isso achando que vai ser melhor e que tudo vai se resolver em um passe de mágica. Eu sei que você se sente culpada, mas você não é seu pai.
Na verdade, eu havia ligado para ouvir o que eu já sabia, mas precisava de alguém que falasse aquelas palavras para que eu pudesse acordar. Fiquei com vergonha da minha covardia.
— Eu estou com medo.
— Ter medo é normal, só não é saudável permitir que isso pare você e tome decisões por você.
— Obrigada, unnie. — eu realmente estava grata. Não só por suas palavras, mas por tê-la comigo.
— Você está bem para amanhã depois de ele ter ido aí?
— Encontrar com meu pai é o primeiro passo para resolver as coisas. Da última vez ele me machucou muito, mas não consigo odiá-lo. É horrível querer vê-lo bem depois de tudo que ele fez para e para aquelas pessoas?
— Esse é seu grande dilema, não é? Na verdade, você se sente mal porque ao mesmo tempo em que deseja justiça a , você não quer que seu pai sofra. E pensar assim faz você achar que o está machucando. — ela falou, como se lesse meus pensamentos. Em pouco tempo, ela já me conhecia muito bem.
— Eu só não quero perdê-lo.
— Qual dos dois?
— Nenhum dos dois. — era muito doloroso dizer aquilo em voz alta. Eu seria uma pessoa horrível por pensar daquele jeito?
— Está tarde, . Amanhã será um novo dia e você precisa dormir para descansar.
— Você acha que ele me odeia? Quero dizer, .
— Ele foi até aí, não foi? Eu não sei o que ele disse, mas parece estar disposto a resolver tudo. Ele, com certeza, não odeia você. Não tem motivos nenhum para isso. — suspirei, em partes, aliviada por ouvir isso de outra pessoa.
— Obrigada, unnie. — agradeci novamente. — E desculpe por ligar tão tarde.
— Tudo bem, não se preocupe. Estou sempre disponível para você.
— Boa noite, unnie.
Eu tomei uma decisão. Pararia de sentir medo e de ser guiada pelas minhas emoções. Precisava conversar com e falar tudo que estava entalado na minha garganta. Não para ficarmos juntos de novo, mas para deixar tudo em pratos limpos. Precisávamos de um encerramento. Ele já havia dito tudo que queria dizer, era a minha vez de contar como eu me sentia.
Capítulo 35
“Homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes.”
(Provérbio Oriental)
(Provérbio Oriental)
— Você está nervosa? Você parece nervosa. — talvez porque eu estivesse muito nervosa, toda hora enxugando as mãos suadas na calça.
— E se ele não quiser falar comigo?
— Já avisamos que você viria. — tomei várias respirações antes de abrir a porta. — Estarei esperando aqui fora. Você tem trinta minutos.
Um policial me acompanhou até a sala e entrou comigo, esperando ao lado da porta. Eu sentei de frente ao vidro, torcendo as mãos enquanto observava meu pai ser conduzido até a cadeira na minha frente, do outro lado.
Ele parecia um pouco mais magro e os olhos mais fundos, mas não havia mudado muito.
Nós dois pegamos o telefone.
— Oi, pai. — minha voz estava cheia de saudade.
— Oi, filha. Desculpe pelo que eu falei naquele dia. — ele foi logo falando. — Isso vem me corroendo desde que vim para cá e pude pensar. Tratei você de uma maneira muito injusta.
Como uma pessoa poderia se arrepender de usar palavras grosseiras, mas não de matar várias pessoas inocentes? Só ali me dei conta de que meu pai havia sido tão consumido pela vingança que aquelas mortes não eram algo incomum para ele. Assim como , ele havia transformado toda dor em motivação, por isso não sentia nada. Senti pena dele.
— Eu perdoo você. — falei, tirando o peso do meu coração. — Não importa o que você tenha feito, eu perdoo você e continuo te amando.
— Como você está? Estão te tratando bem?
— Você que deveria estar respondendo isso. — era quase cômica a maneira que ele parecia estar preocupado. Parecia um pai se preocupando com a filha.
— , você quer que eu fique aqui? — ele perguntou.
— Provavelmente, quando as investigações acabarem, você vai ser deportado e...
— Não, não aqui na Coreia. Aqui na prisão. — eu suspirei e respondi com sinceridade.
— Quero que você pague pelo que fez com aquelas pessoas.
— Depois de tudo você não consegue entender? — ele parecia sinceramente ofendido pelas minhas palavras.
— Nada, nenhuma vingança, nenhuma dor será capaz de ser justificativa para tirar a vida de alguém, pai.
— Vejo que suas crenças ainda estão fortes, não? A sua moral religiosa está acima da sua família. — suas palavras eram como agulhas finas e dolorosas entrando na minha pele.
— Não é moral religiosa, é o certo.
— Você quer me ensinar o que é certo e o que é errado depois de tudo que me fizeram passar?
— Eu te entreguei porque te amo e quero o seu melhor. Você estava cego.
— E na cadeia eu vou encontrar minha redenção? — ele levantou uma sobrancelha, provocativo. — Esse lugar nunca vai mudar quem eu sou.
— Não diga isso. — meu estômago retorceu por suas palavras carregadas de veneno. — Esse não é você.
— O pai que você sempre conheceu é essa pessoa.
— Mas quando fala sobre essa vingança, você se transforma em alguém que eu não conheço.
— Tudo que eu fiz foi pela sua mãe. Você não vê que eu também fui uma vítima?
— Isso não justifica nada do que aconteceu. Você se tornou pior do que eles.
— Por causa daquelas pessoas que permitiram que aqueles monstros fossem soltos e matassem a minha esposa! — ele gritou, se exaltando e eu fiquei paralisada com sua fúria. Seus olhos estavam transformados e eu tive medo do meu pai. — Eu amava! Ela era meu tudo!
— Seu erro foi colocá-la acima de tudo. — falei controladamente para não o exaltar mais. — Acima da sua própria consciência. Todos nós amamos alguém.
— Você está se referindo a seu querido ? É ele a quem você ama desse jeito?
— O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O que você sentia pela minha mãe não era amor. Você não ama ninguém além de si mesmo.
Ele bateu no vidro com força e eu pulei com o susto. Dois policiais correram para ele e tentaram afastá-lo do vidro.
— Você não sabe o que está falando, sua garota idiota. — ele falou, ainda grudado no telefone.
— Para você, sua dor é maior do que a de qualquer um.
— Se você não se comportar, vamos encerrar a visita.
Um dos policiais avisou e ele se afastou violentamente deles, sentando-se de volta na cadeira. Ele pegou o telefone que havia caído.
— Eu não quero brigar. — falei, derrotada, com lágrimas nos olhos. Vê-lo naquela situação cortava meu coração. Onde estava o homem que havia sido meu herói? Eu não conhecia aquela pessoa instável e descontrolada. — Só quero que o seu coração seja livre dessa raiva e desse ódio.
— Eu não conheço nada mais além disso.
— Você precisa perdoá-los para se libertar. — ele deu uma risada seca.
— Pedir perdão para cadáveres? Eles tiveram o que mereceram.
— Pai... — eu já não sabia o que falar.
— Vá embora, . Vá para casa e nunca mais volte. Eu só tenho amargura para passar agora.
— Nunca vou desistir de você. — o policial que havia me conduzido para dentro avisou que a visita estava encerrada. — Por favor, pai. Fique bem. Orarei por você.
— Você não pode salvar todo mundo.
— Mas eu posso salvar você, que é a pessoa que mais amo nesse mundo.
— Adeus, filha.
— Seu tempo de visita foi reduzido porque há outra visita marcada. — eu o olhei para o policial, confusa. Quem além de mim visitaria meu pai?
— Eu voltarei para te ver. Se cuide e coma direito. — eu me despedi.
Quando passamos pela porta, eu sabia quem era antes de olhar. . Sua presença preenchia todo o ambiente. Nossos olhos se encontraram instantaneamente e eu senti o efeito sobre todo meu corpo.
Seu rosto era o mesmo. Mais magro, pálido e cansado, mas o mesmo. O cabelo estava maior, alcançando seus olhos, deixando-os ainda mais enigmáticos. Senti uma vontade louca de me jogar em seus braços e nunca mais sair. Ter aquela segurança e conforto que só ele me dava.
Continuamos nos encarando falado tudo no silêncio.
“Sinto sua falta”
“Preciso de você”
“Me perdoa”
Queria falar algo, mas travei. O que ele estava fazendo ali? O que tinha para falar com meu pai? Será que ali cairia a ficha que ele havia se amarrado com a filha do assassino da sua família?
Passamos um pelo outro em silêncio e quando eu virei para vê-lo uma última vez, ele já tinha virado para olhar para mim. O tempo passou devagar naquele momento. O barulho dos ventiladores, os passos e as vozes no fundo pareceram ficar em câmera lenta. Só existíamos nós dois naquele momento. Antes que eu pudesse sussurrar qualquer coisa, fui arrastada para longe.
— Você está pronta para ir? — Hee Jung unnie falou assim que saí.
Ela não perguntou nada sobre e nem sobre a conversa com meu pai, porque ela já me conhecia. No carro, ela me deu seu celular com a gravação do noticiário daquela manhã.
— A nota oficial da polícia saiu hoje e todos os lugares estão divulgando. Não se preocupe, sua identidade foi protegida.
— Depois de tantos anos, finalmente o crime que abalou toda a Coreia foi resolvido. — o âncora começou. — O culpado foi preso no início da semana passada e a polícia tem em mãos várias provas que condenam o ex-oficial condecorado da polícia de Anyang, o brasileiro Henrique Sanchez. Além disso, o Sr. Sanchez é acusado de vários outros crimes, como falsidade ideológica, sequestro e tentativa de homicídio.
Na tela do celular, várias imagens do meu pai em seu antigo fardamento apareceram, logo depois um vídeo dele sendo levado amarrado com um saco na cabeça para a delegacia.
— De acordo com as provas, o homem conhecido como o assassino em série Açougueiro de Anynag, que deixou o país inteiro em estado de alerta, na verdade cometeu os crimes, que anteriormente pareciam sem contexto, por vingança pela morte de sua esposa, em 1996. Cada pessoa envolvida no caso e suas famílias foram mortas de forma parecida através de esfaqueamento caracterizando os incidentes como crimes de ódio. Além deles, Henrique Sanchez é o responsável pela morte de e no mês passado. Essas mortes foram agregadas a , CEO da Next One e procurado pela polícia federal desde que desapareceu misteriosamente há dois meses. Mas e sua parceria, uma estrangeira de identidade protegida, foram dados como inocentes e eleitos as principais testemunhas dos crimes, também sendo eles a conseguirem todas as provas que a polícia está usando através de uma investigação particular. foi uma das vítimas, há dezesseis anos, quando sua família foi assassinada na casa onde dormia no quarto de cima, fazendo com que ele fosse o único sobrevivente.
O jornal mostrou a declaração do delegado e do promotor responsáveis pelo caso, além de vários depoimentos e entrevistas com a população. Devolvi o celular para Hee Jung unnie assim que o vídeo acabou.
— Isso quer dizer que as investigações acabaram? — perguntei.
— Não, mas eles conseguiram reunir o suficiente para levar seu pai ao tribunal.
— Ele será julgado aqui?
— Provavelmente, mas não consegui descobrir se ele vai ou quando vai ser mandado de volta.
— E sobre mim? Eu vou poder voltar?
— Você quer voltar? — ela perguntou, um pouco surpresa.
— Sim, esse lugar só me dá memórias ruins. E eu quero recuperar o que perdi das minhas lembranças.
— Não sei o que eles pretendem fazer com você. Abra o porta-luvas, por favor. Consegui esses documentos porque sabia que você iria querer saber sobre isso.
— Você pegou arquivos confidenciais para mim?
— Só leia o que está escrito.
Os documentos continham os detalhes de cada caso das minhas investigações. O perfil de todos os envolvidos, não só das vítimas, mas também sobre mim, meu pai e . Até todas as explicações que eu precisava saber. O porquê de cada uma daquelas vítimas terem sido vítimas.
Park Ji-soo e Moon Tae-joo haviam sido as testemunhas que mudaram seus depoimentos, provavelmente sob ameaças. Detetive Goo Dae Young era o chefe da operação na época, por isso havia se transformado em uma vítima também. Ele era um amigo próximo do meu pai e nem assim conseguiu escapar da vingança. O advogado Lee e os assassinos da família de Anyang eram fáceis de entender, já que eram ligados diretamente. Enfermeira Cha, a grande interrogação de tudo, havia sido morta por ser a responsável pela minha mãe no hospital quando os assassinos a mataram.
Aquilo tudo só mostrava o quanto meu pai era perturbado. Com motivo ou sem motivo, ele não deveria ter feito aquilo. Tinha sido apenas uma maneira de lidar com sua dor. Um refúgio que havia custado muitas vítimas.
Guardei os papéis de volta.
— Algumas coisas ainda estão sendo investigadas e a polícia federal está entrando com um processo contra as pessoas responsáveis pelo caso, que abandonaram a investigação no passado, por causa do medo depois do que aconteceu com seu pai. — Hee Jung unnie contou.
— Meu pai vai pagar por tudo isso.
— Você leu tudo? — neguei com a cabeça.
— Li o suficiente.
— Você leu sobre o que aconteceu com a sua mãe? — neguei veementemente.
— Ela foi morta na frente dele, no hospital. Os dois quase conseguiram levar você também. — era triste só de imaginar.
— Ele matou crianças. Matou pessoas de bem. Por que não consigo odiá-lo da maneira que deveria?
— Você nunca vai conseguir. Faz parte de você.
— Como vou ficar com sem odiá-lo?
— Tire essa ideia da sua cabeça. — ela falou.
— Acho que nunca vou conseguir ficar com ele de novo. Nunca vamos poder voltar a como éramos antes.
— Muita coisa mudou, . Com certeza não serão como antes, mas se os sentimentos são reais, vão continuar.
— Nunca vou poder amá-lo da maneira devida. Nunca vou poder compensar tudo que aconteceu. — ela balançou a cabeça como se falasse que besteira.
— Você é muito nova para pensar nisso. Você ainda poderá ter muitas oportunidades de mudar isso.
Naquela noite, foi muito difícil dormir. Toda vez que fechava meus olhos, via as imagens das vítimas mortas. Via também meu pai com seus olhos loucos e ferido, pedindo pela minha ajuda. No meu sonho, ele erguia a mão para mim e eu me escondia atrás de meu pai.
Ao invés de me atormentar por aquilo, eu orei por meu pai e por sua alma que se encontrava em tormento. Orei tanto que me agarrei à ideia de que não importava o que acontecesse com ele, ele iria melhorar.
Acordei com o som do meu novo celular. Tateei pela cama para procurá-lo, mas estava tão cansada pelo pouco sono que a ligação caiu. A pessoa ligou de novo.
— Alô? — confundi o idioma e me corrigi rapidamente. — Yoboseyo?
— ? — era Hee Jung unnie e ela parecia muito preocupada. Despertei imediatamente diante do seu tom de voz. — Eu estou indo te buscar agora. Aconteceu algo com seu pai.
Capítulo 36
“Forte não é a poderosa onda que tudo destrói, mas a pacífica rocha que tudo resiste.”
(Provérbio Japonês)
(Provérbio Japonês)
— Onde ele está, unnie? Por favor, eu preciso vê-lo.
Meu coração parecia que ia saltar do meu peito quando encontrei Hee Jung unnie na delegacia.
— Ele já foi levado. — ela falou, tentando me acalmar, mas piorou ainda mais.
— Levado para onde? O que aconteceu?
— Tenha calma. Por favor, respire fundo. Venha comigo.
Mais uma vez eu fui levada sem saber para onde eu estava indo e como eu encontraria o meu pai. Eu só sabia que seu estado era horrível. Fui conduzida para uma sala que nunca tinha estado antes.
— Essa é a filha dele? — um homem de jaleco perguntou e eu confirmei.
Ele me levou para dentro e quando eu vi meu pai não consegui segurar o grito de horror e assombro. Hee Jung unnie tentou me abraçar, se colocando na minha frente para não vê-lo, mas eu a afastei e me aproximei de seu corpo morto estendido na mesa. Meu pai estava morto.
Eu queria que ele tivesse pagado pelo que fez, mas pagado com justiça. Aquilo não era justiça, era vingança. E quem havia feito aquilo tinha se tornado como ele. Um ciclo. O salário do pecado era a morte.
— O que aconteceu? — perguntei, analisando seu corpo pálido, deitado na mesa fria. Ele estava coberto até o pescoço com um plástico.
— ... — Hee Jung unnie falou em tom de aviso.
— Não, unnie. Eu preciso saber. É o meu pai nessa mesa.
— O irmão da enfermeira Cha estava preso no mesmo lugar que ele. Foi durante essa madrugada. Os policiais chegaram tarde demais. Eu... Eu sinto muito, .
— Tire-a daqui, por favor. Vamos fazer a autópsia agora.
Hee Jung unnie me chamou para sair, mas eu continuei olhando seu corpo até ela me segurar pelo braço e me puxar para fora. Aquilo não era certo. Aquela vingança havia sido premeditada e apoiada por outras pessoas, mas já não tinha nada que eu pudesse fazer.
Recebi algo para comer, mas eu não tinha força e nem ânimo. Todas as ideias que eu tinha construído foram desmanchadas como um castelo de cartas. Minha única família estava morta eu não tinha mais ninguém.
Eu já nem tinha lágrimas para chorar. Fiquei esperando por Hee Jung unnie na cadeira dura de plástico da delegacia durante toda a manhã.
Algumas pessoas vieram falar comigo, mas eu não tinha cabeça para nada. Tudo que eu queria era sair daquele lugar que me fazia mal.
Quando Hee Jung unnie ela não pareceu portar boas notícias.
— Alguém vazou a informação de que ele é seu pai.
— O que isso quer dizer? — perguntei.
— Quer dizer que tem uma massa de repórteres esperando do lado de fora para descobrir sua identidade ou obter uma foto nítida sua.
— Eu não posso ficar aqui o dia todo. Como eu vou sair? — falei, me levantando.
— Eu vou te dar cobertura.
— E se eles nos seguirem? Eles sabem onde eu estou ficando.
— Você vai ficar na minha casa essa noite. — aquilo parecia um pouco exagerado demais.
— O que essas pessoas estão fazendo? Não é como se eu fosse uma celebridade nem nada.
— Uma foto sua está valendo muito hoje em dia. Além disso, as pessoas estão... Tem algumas pessoas protestando contra você lá fora. Elas acham que você foi cúmplice do seu pai.
Hee Jung unnie colocou uma máscara e um boné em mim, mas foi difícil escapar da massa de pessoas que nos seguiram. Alguns policiais nos ajudaram e Hee Jung unnie foi rápida em dirigir para longe.
No carro, ela me emprestou seu celular para que eu assistisse às notícias, já que eu havia saído sem pegar o meu naquela manhã.
Sua casa não ficava muito longe do trabalho e era muito diferente do que eu imaginei para ela. Uma mulher solteira daquela idade moraria em um apartamento etéreo e impessoal. Mas Hee Jung unnie morava em uma casa grande e moderna, com cores neutras e muitas fotos da família.
— Sinta-se em casa. Preciso voltar para o trabalho, mas não demoro. Trarei notícias sobre seu pai quando voltar. Coma alguma coisa, assista televisão, um filme ou fique navegando na internet.
— Eu tenho o quê? Treze anos?
— Você vai ficar bem aqui sozinha?
— Eu sei me cuidar.
— Você sabe sobre o que eu estou perguntando.
— Sobre o fato do meu pai ter sido assassinado do mesmo jeito que assassinou aquelas pessoas? — usei palavras ruins, mas ela concordou. — Acho que minha ficha não caiu ainda. Mesmo depois de ver seu corpo morto, não consigo acreditar que ele se foi. Na verdade, nunca acreditei de verdade que meu pai fez tudo aquilo. Ele parece continuar sendo aquele pai distante que só conversava por telefone e que sempre tinha uma piada ruim para me fazer sorrir. Unnie, eu sou horrível por escolher guardar só as lembranças boas, sem me importar com que ele fez de errado?
— Claro que não, querida. É melhor você pensar nele desse jeito.
Ela me abraçou, me surpreendendo pela demonstração de afeto pouco habitual da parte dela, e eu aceitei o seu carinho.
— Eu me sinto horrível pelas famílias que ele destruiu também.
— Foram emoções muito fortes para poucos dias. Você precisa descansar para se recuperar.
— Essa dor um dia vai passar?
— Não sei, querida. Eu queria ter a resposta para isso, mas nunca passei por algo assim.
Eu e afastei dela e a expulsei para que não tivesse problema no trabalho.
Assim que saiu, uma música estranha sobre ser seu oppa começou a tocar no bolso do meu casaco e quando peguei, vi que era o celular da Hee Jung unnie. Ela havia esquecido na minha mão. O número era desconhecido, mas quando a ligação caiu, a pessoa do outro lado voltou a ligar. Parecia importante por causa da insistência e por isso atendi, temendo ser do seu trabalho.
— Alô? — falei baixo.
— Hee Jung-ssi? — eu conhecia aquela voz. — Hee Jung-ssi? Você está aí?
Era . Eu desliguei o celular e o soltei em cima do sofá como se fosse uma bomba prestes a explodir.
Hee Jung unnie mantinha contato com ? Quando aquilo havia acontecido?
— Que cabeça a minha, esqueci meu celular com você. — olhei para Hee Jung unnie, assustada quando ela entrou repentinamente na sala. — Aconteceu alguma coisa? — ela semicerrou os olhos na minha direção, desconfiada.
— Por quê? O que poderia acontecer? Eu acabei de encontrá-lo. — ela riu de mim.
— Tudo bem, . Ele não morde. — ela pegou o celular. — Estou saindo. — eu acenei, ainda tentando entender a situação.
Como eu fui idiota em acreditar que tinha aceitado se afastar de mim passivamente. Ele precisava de alguém que passasse informações sobre mim. Meu interior se aqueceu com aquele pensamento. Os dois se importavam comigo e pensavam no melhor para mim.
Não importava quanto tempo fosse preciso, eu amaria da maneira que ele merecia, sem reservas e sem o meu pai no meio.
Naquela noite, a primeira neve caiu. Foi minha primeira vez, então Hee Jung unnie, depois de confirmar que eu estava bem agasalhada – olhos rolando pela proteção excessiva nessa parte – me levou para fora.
Quando o primeiro pontinho gelado tocou minha pele, uma lágrima solitária rolou pelo meu rosto ao me lembrar da promessa de . Ele selaria nosso futuro naquela noite. Eu o imaginei em algum lugar daquela cidade enorme olhando para o mesmo céu que eu e vendo a neve caindo. Ele também estaria tocando-a em pensando em mim? Era inevitável.
No quarto que Hee Jung unnie arrumou para mim, depois de voltarmos, eu escrevi uma pequena carta para ele, colocando todo meu coração nas minhas palavras.
,
Gostaria de começar essa carta citando para você dois versículos bíblicos que conseguem traduzir os meus sentimentos, pois é algo que eu não conseguiria transmitir com simples palavras.
“As muitas águas não poderiam apagar o amor, nem os rios afogá-lo, ainda que alguém desse todos os bens de sua casa pelo amor seria de todo desprezado.” (Cantares 8:7)
“O amor é paciente, o amor é prestativo, não é invejoso, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais se passará. Quantos às profecias, desaparecerão. Quanto às línguas, cessarão. Quanto à ciência, também desaparecerá. Pois o nosso conhecimento é limitado, e limitada é a nossa profecia.” (I Coríntios 13:1–3)
Hoje eu observei a primeira neve e pensei em você. Na nossa promessa. Ela ainda está guarda dentro de mim e eu iria guardá-la sempre, independente de quanto tempo leve ou do que aconteça.
Meu amor vai esperá-lo e eu desejo que o seu possa esperar também para me aceitar de volta.
Não importa quantas primeiras neves tenhamos que passar longe um do outro, em alguma nós ainda vamos nos reencontrar e eu vou esperar ansiosamente por esse momento.
Com amor,
Eu.
Me olhei pela última vez no espelho. Me senti estranha nas roupas de inverno pretas da unnie. Nunca tinha usado gola alta antes, mas como eu não tinha nenhuma roupa de velório – na verdade, não tinha roupa quase nenhuma – ela teve que me emprestar suas peças. Era óbvio que não se encaixou muito bem porque nosso corpo era diferente, mas as últimas semanas havia me feito emagrecer mais do que todo o tempo que eu havia passado na Coreia.
Era impossível não lembrar do dia em que fui ao meu primeiro funeral, o de . Não pude deixar de sorrir com nostalgia. Naquela época as coisas eram bem diferentes, nunca poderia imaginar estar na situação que eu me encontrava no momento. Nem nos meus piores pesadelos.
— Você está pronta? — Hee Jung unnie perguntou da porta do quarto. Eu acenei e nós duas saímos juntas.
A autópsia havia sido relativamente rápida e a investigação também não durara muito, mas só depois de duas semanas o corpo foi liberado para o funeral. O governo não permitiu nenhuma cerimônia e como o corpo dele não poderia viajar sem mim por causa do meu problema de identidade, aconteceria apenas o sepultamento da maneira mais discreta possível.
Hee Jung unnie tinha conseguido alugar uma das salas de um salão próximo para que eu pudesse me despedir devidamente, mas a população estava revoltada. Mesmo depois de sua morte, parecia que toda raiva havia passado para mim e não concordavam que ele merecia nada daquilo. Eu havia passado de “testemunha principal e a fonte de provas mais importante” para “a filha do homem mais odiado do mês”, usando as mesmas palavras dos noticiários.
No caminho para o salão onde o corpo do meu pai já estava, Hee Jung unnie recebeu uma ligação e mesmo tentando disfarçar, eu conseguia perceber pela expressão em seu rosto que algo não estava bem.
— O que aconteceu? — perguntei.
— Aish! — ela não precisou responder quando freou o carro abruptamente.
Na entrada, uma massa de gente impedia o carro de passar. Eram pessoas com cartazes e expressões revoltadas. Alguns jogaram ovos e tomates no carro, diretamente no para-brisa, impedindo que enxergássemos alguma coisa. — Não vamos conseguir passar com essas pessoas na frente.
— Como eles descobriram? — perguntei.
— Algum idiota vendeu a informação de que o funeral seria aqui.
— Vamos ter que descer aqui ou nunca vamos passar.
Hee Jung unnie parou o carro e nós descemos. O pessoal estava muito ocupado procurando em outro lugar para me notar.
— Lá está ela! — alguém gritou e várias cabeças viraram para nos olhar.
— Onde?
— Cadê ela?
Eu fui apertando meu caminho pela multidão, com a cabeça baixa, tentando não chamar atenção, mas o burburinho ao meu redor foi aumentando, até as pessoas me descobrirem.
O ovo foi a primeira coisa que me atingiu. Foi no ombro. Não doeu. Logo depois vieram os tomates, mais ovos e farinha. Eu não queria chorar, mas as lágrimas saíam sem eu perceber. A humilhação era muita.
As pessoas gritavam palavras obscenas e furiosas, destilando ódio em mim. Hee Jung unnie desapareceu na multidão, chamando meu nome e eu cheguei à entrada sozinha com muita dificuldade.
Em silêncio, eu me identifiquei e me dirigi até a sala em que o corpo de meu pai estava. O espaço grande, vazio. Só eu e a foto de meu pai em seu uniforme da polícia, sorrindo sem aquele olhar pesado no rosto.
Hee Jung unnie havia pagado pelo aluguel, pela cremação, por sua foto e as flores ao redor, pensando que aquilo poderia me ajudar.
Eu estava coberta de sujeira da cabeça aos pés e fedida, com gema e clara pingando do meu cabelo. Alguns lugares nos meus braços doíam pelo impacto das coisas que haviam sido arremessadas em mim, mas o que eu sentia por dentro era pior do que eu estava por fora.
Meus joelhos fraquejaram e eu caí diante do meu pai. Meu último adeus.
— Por que você fez isso comigo? Por quê? — gritei para sua foto, com o coração partido. — Por que você destruiu a minha vida desse jeito, pai? Eu te amava. Como pôde fazer isso comigo duas vezes? Nenhum pai de verdade poderia fazer isso com sua filha. Mas você sempre soube que no fundo eu nunca podia odiar você. Depois de tudo, eu te perdoo de novo, pai. Te perdoo em nome daquelas pessoas, mesmo que você não tenha deixado o seu coração ser liberto eu te perdoo para que eu seja liberta. Eu sei que não está me ouvindo porque você está morto, mas eu queria estar te olhando para dizer tudo isso. Me arrependo por não ter te perdoado desde o início. E eu me perdoo pela culpa que senti todo esse tempo.
Eu estava tão centrada no meu próprio lamento que dei um pulo, sentada, quando uma pessoa se ajoelhou ao meu lado e fez uma reverência para a foto, abaixando a cabeça até tocar o chão.
Ele parecia melhor, com o cabelo penteado para fora da testa e um terno.
— ...?
“O que você está fazendo aqui?”
“Por que você veio?”
“Por que está fazendo isso conosco?”
Nenhuma dessas perguntas saiu. Quando abri a boca, apenas um som estrangulado, como de um lobo ferido, saiu da minha boca.
— Eu estou aqui agora, . Você nunca vai estar sozinha.
Ele me puxou pelo braço e me abraçou, encaixando minha cabeça em seu peito e naquele momento tudo pareceu certo. Eu o abracei de volta, apertado, tentando fundir seu corpo ao meu.
Em seus braços, eu chorei tudo que estava dentro de mim. O choro por ter descoberto quem meu pai era, o choro por não ter contado nada para ele, o choro da dor e da traição e da solidão. Chorei com soluços e tudo, mas me amparou. Chorei por meu pai estar morto, mas também chorei de alívio por ele estar bem. Chorei por todas aquelas noites sozinha. Chorei com a única pessoa que me entendia verdadeiramente, por que, no final, éramos feitos da mesma essência. Forjados em cicatrizes.
Ele não se importou por eu estar suja e fedorenta. Bom, nem eu. Com ele me abraçando daquele jeito, seu calor me envolvendo e seu coração batendo acelerado em meus ouvidos, palavras não eram necessárias.
Eu chorei até não restar mais nada e eu não precisava olhar para saber que ele estava chorando também. Em um momento não só ele me apoiava, mas também eu o apoiava e o segurava com meu amor.
Ele segurou meu queixo para que eu o encarasse. Meu coração estava quase pulando pela minha boca. Eu o encarei. Cada pinta, seus olhos profundos e sua boca bonita. Cada detalhe em seu rosto que eu lembraria para sempre.
Ele puxou meu rosto e beijou o canto dos meus lábios. Eu segurei sua cabeça, fazendo seu beijo demorar. Quando ele se afastou, eu o puxei de volta, beijando-o de verdade, o sabor salgado de nossas lágrimas se misturando, junto com o sabor da saudade. Eu o beijei com tudo que tenho, um beijo de gratidão. Eu o dei meu coração naquele beijo e ele também me deu o seu.
Quando nos afastamos, meu coração estava leve. Eu nem precisava agradecer, porque eu já tinha dito todas as palavras que precisava. Me levantei e saí, sabendo que ele estava me seguindo de perto. Hee Jung unnie estava me esperando na recepção e, olhando pela janela, vi que a massa de pessoas havia dissipado, provavelmente por causa da presença dos policiais no local.
— , eu sinto muito. Eu...
— Está tudo bem, unnie. Foi o suficiente. Vamos voltar para casa. — sem olhar para trás, eu a segui para o carro e nós fomos embora.
Aquele abraço e aquele beijo eram uma promessa forte o suficiente para eu saber o que fazer em seguida.
Capítulo 37
“A invencibilidade está na defesa; a possibilidade de vitória, no ataque. Quem se defende mostra que sua força é inadequada; quem ataca, mostra que ela é abundante.”
(A arte da guerra)
(A arte da guerra)
— O que é isso? — perguntei quando Hee Jung unnie apareceu na sala balançando no alto um pedaço de papel.
— A sua identidade.
Finalmente eu havia conquistado o meu direito. O documento que me identificava e que me davam uma história. Como cidadã coreana comprovada, eles devolveram minha identidade que havia sido roubada. Preferi manter meu nome como , porque eu já me identificava como . Foi que havia sido corajosa para viajar para o outro lado do mundo e investigar o próprio pai.
— Eles foram até rápidos em ajeitarem as coisas. — falei, analisando o retângulo em minhas mãos. A foto estava horrorosa, como esperado, mas aquilo não era o suficiente para apagar a felicidade de estar segurando aquilo.
— Eles deviam isso a você. Agora sua vida pode ser colocada em ordem. — aquilo era o que eu mais esperava. — Aqui está seu passaporte e tudo que você precisa. — ela me passou os outros documentos, tirando-os do envelope.
— Unnie, eu tenho dois favores para te pedir.
— Tudo que eu puder fazer.
— Você tem três mil dólares para me emprestar? — com certeza não era aquilo que ela esperava que eu dissesse.
— Para que você precisa de três mil dólares?
— Para pagar uma dívida. Eu prometi que pagaria antes de ir embora. — confessei.
— Qual o outro favor?
— Eu preciso do contato da Madame Oh.
— Madame Oh? A agiota mais famosa de Busan?
Eu não havia contato para ninguém meu envolvimento com ela, mesmo sabendo que uma investigação não faria cócegas em seu império. Fiz de tudo para proteger sua identidade e, pelo que parecia, também.
— Foi com esse tipo de pessoa que você se meteu?
— Ela me ajudou muito. — defendi.
— É a ela que você deve três mil dólares? — ela quis saber, curiosa.
— Vai poder fazer isso por mim? — falei, sem rodeios.
— Vou fazer algumas ligações e te trago até o almoço. — sorri para ela e voltei a arrumar minha mala.
Hee Jung unnie havia insistido que eu precisava levar produtos coreanos e algumas roupas para o Brasil e mesmo eu não vendo nenhuma necessidade, decidi não a contrariar.
Meu celular tocou em cima da cama com um número desconhecido – até porque o único número salvo era o de Hee Jung unnie.
— ? — era Jay. — Sou eu, Jay.
— Oppa! — falei de maneira sarcástica e brincalhona. — Quanto tempo. — nós dois rimos. — Como conseguiu esse número?
— Com sua guardiã. — só poderia ter sido com ela.
— Hee Jung unnie?
— Sim, mas não consegui entrar em contato antes. — ele se desculpou.
— Fico feliz que você tenha feito isso agora. Senti sua falta.
— Sinto muito por tudo que aconteceu. — sua voz estava pesarosa.
— E eu sinto muito por ter escondido tudo. E ainda ter te metido na confusão.
— Não tem problema, o sunbae me explicou tudo e... — ele cortou a fala. Todo mundo pisava em ovos quando falava de comigo. — Desculpa.
— Você pode falar sobre ele.
— É que quando ele me encontrou, não falou nada sobre você e você sabe como sunbae é, então... Eu presumi... Que...
— Sim, está certo. Nós não estamos mais juntos.
Não doía mais tanto quanto antes, na verdade, eu já tinha falado aquilo tantas vezes que já estava me acostumando.
— Você vai voltar? — ele perguntou, sem rodeios.
— Sim, eu preciso terminar minha faculdade e arrumar a vida que eu deixei para trás quando vim para a Coreia.
— Eu estarei ansioso pela sua volta. Por favor, salve meu contato e converse comigo sempre. Agora que eu só tenho o sunbae, vou me tornar uma pessoa muito entediada.
Nós dois rimos. Era maravilhoso poder até fazer piadas sobre aquilo.
— Eu vou sentir sua falta.
— Eu vou sentir muita a sua falta também. Salve meu nome como oppa. Juro que não conto ao sunbae. Quando você vai embora?
— Essa noite. — ele soltou uma exclamação de surpresa.
— Mas já? Faz pouco tempo desde que...
— Sim, mas isso não pode mais esperar. Por favor, não conte ao . Não quero que ele descubra e venha.
— Nada de encontros românticos no aeroporto com muitas lágrimas e beijos de despedida? — dei uma risada seca.
— Você vê fazendo isso? — ele negou, com uma risada — Acho que você está assistindo muito drama.
— Agora que eu estou desempregado, tenho muito tempo livre.
— Nem pense em vir também. — fui logo avisando.
— Mas... — ele tentou protestar, mas eu o interrompi.
— Não. Sem despedida, nem lágrimas. Vamos nos ver em breve.
— Você promete, dongsaeng?
— Prometo, oppa.
Na Coreia eu ia deixar os primeiros amigos que eu havia feito de verdade. As primeiras pessoas que me ajudaram mesmo eu não tendo nada a oferecer. Jay, Hee Jung unnie, Madame Oh, harmeoni. Cada uma daquelas pessoas eu levaria juntos comigo.
— Guardou o kimchi com cuidado? — Hee Jung unnie entrou no quarto trazendo mais roupas nos braços.
— Mesmo achando que vão chegar podres e fedorentos, destruindo tudo que eu estou levando, guardei sim.
— Está embalado da maneira certa, não vão ficar ruins.
— Você sabe que eu não vou usar metade dessas roupas, não sabe?
— Nada impede. — ela usou a mesma desculpa de sempre.
— O clima do Brasil é completamente diferente. — eu argumentei. — Você está parecendo uma mãe coruja.
— É errado me preocupar com você? — rolei os olhos, com o drama.
— Unnie, por favor, não conte para ele.
— Sobre o que você está falando?
— . Não conte para ele que eu estou indo embora hoje. Eu sei que você mantém contato com ele, não adianta negar.
— O que...? — ela começou a gaguejar com a mentira na ponta da língua. — Eu... Por que...? Como você...?
— Eu não estou te culpando, mas peço que não conte. — ela suspirou.
— Ele está me pressionando para encontrar com você nesses últimos dias, perguntando se você já estava preparada, mas eu o fiz esperar. Ele não sabe nada sobre sua viagem.
— Eu não quero que ele venha me encontrar hoje.
— Tudo bem, eu vou contar depois que você for.
— Também não o deixe vir atrás de mim.
Seria muito impulsivo da parte dele, mas eu não duvidava, depois que ele descobrisse que eu havia ido embora.
— Você me estima demais. Se ele quiser, não vou poder pará-lo.
Fechei a mala e arrumei minha bolsa com os novos documentos.
— Mas você pode colocar senso na cabeça dele.
— Mais algum pedido?
— Cuide dele. — na verdade, aquela era a única coisa que me importava.
— Como se deixasse alguém cuidar dele.
— Você cuidou de mim, ele é fichinha perto disso.
— Você vai ficar me devendo muito quando voltar.
Eu a abracei e beijei sua bochecha. Ela fez cara feia, já que sempre reclamava dos costumes de afeto ocidentais, mas não falou nada.
Fomos comer fora em um restaurante que servia uma ótima carne de porco e asinhas de frango. Estávamos perto do Natal, então todos os lugares estavam arrumados com luzes e árvores. Mesmo eu não comemorando, achava a arrumação muito linda.
— Com quem você vai passar o Natal? — perguntei.
— Com minha irmã e a família dela em Busan. E você?
— Provavelmente sozinha, estudando para recuperar o tempo que perdi.
— Ah. — ela falou, lembrando de algo. — Consegui o número que você pediu.
Ela tirou as luvas de plásticos que usávamos para comer as asinhas e tirou um pedaço de papel do bolso.
— O dinheiro, eu te dou quando chegarmos em casa. — eu me levantei. — Aonde você vai?
— Preciso ligar para ela agora. — peguei o celular em cima da mesa e o casaco nas costas da cadeira. — Essa ligação deveria ter sido feita há muito tempo.
Do lado de fora do restaurante, eu disquei o número que Hee Jung unnie havia me dado. Uma voz masculina atendeu do outro lado.
— Eu preciso falar com Madame Oh. Diga a ela que é .
— Um momento. — pouco tempo depois outra pessoa assumiu a linha.
— Achei que você não manteria a promessa.
— Sou uma pessoa de palavra.
— Que bom ouvir sua voz. Me deixou muito feliz. Como você está?
— Eu estou bem. Provavelmente com todo alvoroço nos noticiários, você já sabe tudo o que aconteceu.
— Sim. Queria que fosse diferente, querida. Mas a única coisa que tenho para dizer é obrigada. Não aconteceu da maneira que nenhum de nós esperávamos, mas você trouxe paz e descanso para o meu coração. Eu serei eternamente grata por isso.
— Eu também queria que tivesse disso diferente, mas eu peço desculpas em nome dele. Por todo sofrimento que ele causou.
— Não, querida. Não responda pelos erros de outra pessoa. Assim como você, me sinto culpada pelo que meu filho fez, mas não há nada para se desculpar. — ela falou, acalmando meu coração.
— Obrigada. Sobre a minha dívida...
— não te contou? — ela me cortou.
— Contou sobre o quê? — perguntei, confusa.
— Não sei como ele descobriu, mas ele veio aqui há pouco tempo e pagou tudo o que você devia. Com juros e tudo.
— Não, ele não me contou nada. — falei, desconfiada.
— Esse garoto sempre gostou de exibir seu dinheiro por aí. Confirme com ele.
— Vou conversar com ele. — em um futuro bem distante, mas iria.
— Quando precisar de um serviço ou de um favor, estarei sempre à disposição.
— Obrigada. — agradeci novamente e nos despedimos, com a promessa de mantermos contato. Eu voltei para dentro.
— Será que essa mulher está mandando alguém vir te sequestrar por causa da dívida? — Hee Jung unnie perguntou, de maneira séria.
— Não, na verdade, eu não vou mais precisar do dinheiro. Parece que pagou tudo o que eu devia. — Hee Jung unnie levantou uma sobrancelha diante do que eu disse. — Nem diga nada.
— Eu não ia falar nada.
Meu voo estava marcado para 19h, então saímos uma hora antes de casa. Assim que vimos a placa do aeroporto, Hee Jung unnie começou a chorar. Mesmo não aparentando por ser uma policial durona ela, na verdade, era uma mulher muito sensível que chorava toda vez que assistia um drama chamado Goblin e gostava de todos os tipos de cantor de k-pop.
— Eu não acredito nisso. O que você prometeu?
— Desculpa, desculpa. Eu não consigo me segurar. — eu passei um lenço para ela, já que eu sabia o que iria acontecer.
— Está tudo bem, unnie. Eu vou sentir sua falta também.
— Promete que vai mandar mensagens todos os dias? — concordei. — E assim que pousar?
— Vou mandar tantas mensagens para você, que vai acabar bloqueando meu número. — tranquilizei.
— Conferiu todos os documentos?
— Três vezes.
— Seu passaporte, a identidade–
— Eu conferi com o checklist. — interrompi sua falação.
— Desculpa, eu estou nervosa.
Ela estacionou e me levou até o embarque. Assim como ela, queria adiar aquele momento ao máximo, mas não podíamos mais.
— Coma direito e estude bastante. Se precisar de ajuda, não sinta vergonha em pedir.
— Tudo bem, mamãe. — ironizei.
Ela me abraçou apertado e eu desfrutei dos nossos últimos momentos juntas.
Hee Jung unnie havia sido incrível para mim. Além de me dar uma casa para morar e comprar tudo o que eu precisava, ela havia sido um ombro amigo, uma conselheira e uma verdadeira amiga. Tê-la conhecido foi uma das melhores coisas que aconteceram comigo depois da descoberta.
Eu iria embora sem data para voltar e era claro que eu seria falta dos seus cuidados e do seu amor.
Antes de ir, eu tirei de dentro da bolsa a carta que eu havia escrito para no dia da primeira neve. O envelope estava fechado, guardando não só palavras, mas também o meu coração.
— O que é isso? — Hee Jung unnie quando eu a entreguei.
— Preciso que entregue a quando contar que eu fui embora.
— Você não acha que ele vai querer ir atrás de você depois de ler isso?
— Na verdade, ele vai entender. Vai ajudá-lo a superar.
Ela guardou o envelope e me deu mais um abraço. O meu voo foi chamado no alto-falante e eu a separei de mim.
— Tchau, . — ela se despediu.
— Tchau, unnie.
Eu peguei minhas malas e fui até a área do despache. Hee Jung unnie ficou acenando para mim até me perder de vista.
Dentro do avião, eu me acomodei e olhei pela janela, enquanto as outras pessoas iam entrando e tomando seus lugares.
A neve fina ainda caía e eu me peguei pensando no que eu estava deixando para trás e no que estava por vir. Diferente do que a Hee Jung unnie pensava, eu não estava voltando para casa. Aquele país, mesmo tendo crescido nele e criado boas memórias, não era mais a minha casa.
Todas as experiências que eu havia vivido durante todos aqueles meses me fizeram ver onde era realmente a minha casa. Onde o meu coração verdadeiramente pertencia. Para onde eu voltaria quando as coisas ficassem difíceis.
Os documentos novos que eu havia ganhado e a nova identidade que eu carregava significavam muito mais do que pedaços de papel que me permitiriam ir e vir. Eles me davam a chance de escrever uma nova história e de ser quem eu realmente deveria ser. Não a pessoa das minhas memórias perdidas, mas aquela que lutou para se lembrar e que continuou mesmo sem saber quem era.
— Senhores passageiros. — a comissária de bordo na frente começou a falação costumeira sobre os procedimentos de emergência e tudo que ela sempre falava.
Quando o avião levantou voo e eu vi a Coreia ficando cada vez mais distante meu coração apertou e uma lágrima escorreu.
— Tem medo de voar, senhorita? — a moça que estava na poltrona ao meu lado perguntou e eu enxuguei a lágrima, negando com a cabeça.
— Não, não mais.
Eu me virei novamente para a janela, só enxergando agora as nuvens e o céu. Sorri para mim mesma.
— Eu vou voltar. — falei baixinho. — Vou voltar para casa. Prometo.
Capítulo 38
“E como a felicidade pode se transformar na insatisfação, assim o desespero pode sumir no despertar de uma nova primavera. Com cada dia, pode nascer um outro entendimento de nosso estado, nossos laços e objetivos.”
(A arte da guerra)
(A arte da guerra)
— Senhores passageiros, mantenham-se em seus lugares e apertem os cintos, pois estaremos pousando no aeroporto de Aeroporto Internacional de Incheon em poucos instantes.
Acordei com o susto, tirando os fones de ouvido e limpando a baba que havia escorrido. Eu dormia de maneira medonha.
Nem tinha percebido que havia caído no sono, mas despertei assim que a mensagem foi repetida. Tentei me ajeitar da melhor maneira enquanto o avião se sacudia todo para aterrissar.
Segui o fluxo de pessoas para fora com minha bagagem de mão e não perdi tempo na esteira e nem com toda papelada do aeroporto. Já estava acostumada, então havia deixando tudo preparado quando saí de casa.
Assim que liguei o celular, conectei-me à internet do aeroporto e as mensagens começaram a chegar.
Oppa: Onde você está?
Oppa: Por que você não está me ligando?
Oppa: Sua desnaturada, onde você está?
Unnie: , você já pousou? Me ligue.
Unnie: Onde está você? Me ligue.
Rindo, eu segui para área do desembarque para encontrá-los. Provavelmente Hee Jung unnie havia roído todas as unhas das mãos com a ansiedade.
Não precisei procurar muito para achar Jay e Hee Jung unnie me esperando. Ele segurava uma plaquinha que dizia: “Seu oppa está aqui.” Corri para eles.
— Quanto tempo.
Eu os abracei apertado. Hee Jung unnie já estava se desmanchando em lágrimas.
— Ommo, como você está linda. Parece que foi uma eternidade.
Ela me analisou toda, passando a mão pelos meus cabelos e pelo meu rosto.
— Você mudou tanto. Como conseguiu ficar tão bonita?
Eu enchi seu rosto de beijinhos e ela soltou vários muxoxos, com uma careta, como se não tivesse aproveitando cada um. Algumas coisas, realmente, nunca mudariam.
— Por que se atrasou tanto? — Jay quis saber.
— Eles não avisaram? A conexão que fizemos em Dubai atrasou um pouco por causa das condições climáticas. — expliquei.
— Vamos, temos muito que conversar. Você parece muito bem.
Eu realmente estava bem. Eu tinha ganhado de volta todo peso que havia perdido e ao invés de uma pele esbranquiçada e doente, eu estava bronzeada e saudável, com as bochechas rosadas pelo frio. Além de o meu cabelo estar tratado e mais curto, com o comprimento do pescoço e uma franja.
— Nem parece que me viu ontem pelo Skype.
— Por favor, pessoalmente é muito diferente do que te ver por uma câmera.
— Seu cabelo está tão lindo.
— Olha essas bochechas.
De uma maneira incrível Jay e Hee Jung unnie haviam se tornando muito próximos e nos anos que passei fora, os dois haviam sido como a minha família que moravam em outro país.
Durante dois anos eu estudei e trabalhei muito para me reconstruir. Em todos os sentidos. Os primeiros meses haviam sido estranhos. Eu chorava de saudade e me sentia sozinha o tempo todo. Chorava por meu pai, chorava por e por tudo o que eu havia passado. As coisas pareciam muito estranhas e desconhecidas. O clima, a língua, meu relacionamento com as pessoas ao meu redor.
O lapso de memória me colocava em um espaço-tempo que eu não conhecia. Eu não sabia o que havia deixado para trás, se eu havia conhecido alguém importante ou algo desse tipo. Foi muito difícil conseguir continuar minha vida a partir de um ponto que eu não sabia onde era.
Estando pela primeira vez no meu antigo apartamento, eu encontrei fragmentos da que eu era. Embalagens de comida com todos os lugares, papéis de investigação e um quadro parecido com aquele que eu havia encontrado na casa de . Vários detalhes me fizeram começar a entender o que me fez começar tudo e me ajudaram a entender como era minha vida. Tentei encaixar todas as peças do quebra-cabeça da minha vida com as evidências que eu havia deixado para trás.
Depois de um ano, eu descobri que realmente não pertencia mais ao Brasil e não via a hora de voltar. Conversava todos os dias com Hee Jung unnie e com Jay, falando sobre a minha saudade e o quanto me sentia deslocada com as pessoas novas. Mesmo com a grande diferença de horários, tentávamos nos comunicar sempre e toda novidade, eles eram os primeiros a saber.
Fazer as pessoas que me conheciam entender o que havia acontecido foi uma das partes mais difíceis. Nunca tinha sido muito próxima de ninguém, mas os colegas que estudavam comigo e me conheciam só sabiam que eu tinha feito uma viagem internacional para resolver um problema de família, porque foi o que eu havia contado antes de ir. Contei havia perdido a memória para conseguir alguma ajuda para me lembrar do passado, mas nenhum deles pôde me oferecer nada além de palavras de pena.
As lembranças foram chegando sem pedir licença e ao invés de sentir o costumeiro aperto de culpa no coração, eu senti saudades. Saudades do meu pai, saudades do que passei, dos momentos bons e ruins.
Eu tentei recuperar a perdida na minha cabeça de várias formas. Com ajuda da medicina, indo a lugares que eu costumava ir e falando com as pessoas que eu conhecia, mas, no final, depois de não conseguir me lembrar de nada concreto, resolvi tocar minha vida sem essa . Eu não era mais nenhuma delas. Nem a de antes das investigações e nem aquela que tinha ido para a Coreia. Eu era a junção das duas e eu decidi que isso era bom.
Ainda acordava às vezes suando e tremendo por causa de sonhos assustadores e sangrentos, com muita tristeza e pesar. Às vezes eu chorava por causa deles, mas havia aprendido a conviver com aquilo. As lágrimas não eram mais de culpa e sim de gratidão por não passarem de sonhos ruins. Eu sonhava com também e esses eram os melhores sonhos.
Foi inevitável, enquanto estava fora, não ter tido notícias dele. Hee Jung unnie e Jay evitavam falar sobre ele, mas era uma pessoa pública, então era só jogar seu nome na barra de pesquisa do Google que eu conseguia descobrir como ele estava indo. Nos primeiros meses, eu fazia muito isso. Lia e relia as matérias que falavam sobre ele. Tinha até salvo algumas fotos no celular para não esquecer seu rosto, mas depois que eu percebi quão patética estava sendo, apaguei tudo.
Assim como eu, ele reergueu sua vida. Sua empresa voltou à ativa e seu nome foi novamente associado a humildade, justiça e orgulho para o país. A cada conquista nova, a cada prêmio de reconhecimento que ele recebia, eu acompanhava e torcia de longe. Eu assistia seus depoimentos, suas entrevistas e suas declarações, sentindo orgulho pela pessoa que ele era.
— Será que agora precisamos te chamar de Enfermeira ? — Jay perguntou enquanto estávamos no carro.
— Primeiro eu preciso conseguir um emprego.
— Isso não vai ser um problema com a ajuda da Tenente Bae Hee-Jung.
Nós dois gritamos em comemoração da mesma maneira que tínhamos feito há duas semanas quando Hee Jung unnie contou sobre sua promoção. Ela era uma pessoa maravilhosa e merecia cada conquista que havia feito.
— Você está com fome? — ela perguntou, ainda sorrindo. — Podemos sair para jantar juntos.
— Tudo bem, mas acho que, antes de tudo, eu preciso tomar um banho quente e vestir roupas mais quentes. Eu tinha esquecido de como aqui faz frio.
— Vamos levá-la para comer churrasco de pele de porco? — eu suspirei, feliz, deitando a cabeça no encosto do banco.
— Você não sabe o quanto eu senti falta disso.
Na casa de Hee Jung unnie eu apenas fiz o que disse que faria, tomei banho e troquei de roupa. Deixei para desarrumar a mala quando voltássemos, então só peguei minha bolsa com os documentos para saímos.
No carro, Jay não parava de virar para trás para me falar sobre tudo que tinha acontecido enquanto eu estava fora. Mesmo ele já tendo dito tudo nas nossas conversas pelo Skype, ele fez questão de lembrar os momentos que eu perdi, me mostrando as fotos de tudo.
— Hee Jung noona me fez pedir desculpas na frente de todo mundo. Foi um dos piores momentos da minha vida. — Hee jung unnie revirou os olhos.
— Você sabe que teve culpa, Jay. Não vamos falar sobre isso de novo.
Chegamos ao restaurante que eu coloquei as mãos dentro do sobretudo, com frio. Durante o jantar nós rimos e conversamos sobre tudo. O churrasco coreano era exatamente como eu me lembrava. Mesa farta, cheiro bom e clima agradável. Eu havia sentido falta daquela comida.
— Você aprendeu a usar os pauzinhos. — Hee jung unnie comentou assim que recusei o garfo que ela me ofereceu quando começamos a comer.
— Depois de tanto tempo treinando, queria fazer bonito quando voltasse.
Jay prometeu que ficaria apenas com uma garrafa de soju e um pouco de vinho de arroz, mesmo depois de Hee Jung unnie e eu apresentarmos as mil razões dele não dever beber. Sua desculpa era que era sexta e que “estávamos celebrando”.
Deixamos Jay em casa, levemente alterado. Ele ainda morava no mesmo lugar e só de olhar para sua casa, uma nostalgia invadia minha alma. A casa estava exatamente do mesmo jeito que eu me lembrava.
— Eu não estou bêbado. — Jay protestou, quando o ajudei a descer do carro.
— Tudo bem, eu acredito em você.
— Minha tolerância para álcool é muito alta.
— Então você anda tropeçando assim o tempo todo?
— Estou apenas alegre demais.
Esperamos ele entrar em casa e fomos embora.
— Qual o plano agora? — Hee Jung unnie perguntou, enquanto atravessamos a cidade até sua casa.
— O plano agora é não ter plano.
— Eu gosto dessa ideia. Estou muito feliz por você estar de volta. Sentimos muito sua falta. Não tinha ninguém para reclamar comigo por passar muito tempo no banheiro fazendo a maquiagem ou por ficar até tarde trabalhando.
— Eu estou feliz por ter voltado.
Assim que chegamos, eu pedi que ela subisse na frente, porque eu iria dar uma caminhada sozinha pela vizinhança.
Andando sozinha em Seul pela primeira vez, mesmo que fosse apenas pela vizinhança conhecida de Hee Jung unnie, eu senti uma sensação boa de que tudo tinha voltado ao seu lugar. Não estava mais correndo atrás de um assassino, nem fugindo da polícia e nem mesmo preocupada com minhas memórias. Era só eu e minha nova vida.
Seul era uma cidade surpreendente em todos os aspectos, além de linda e brilhante e eu estava ansiosa para conhecê-la de verdade e aproveitar tudo que ela poderia me oferecer.
Eu cheguei em um parquinho e me sentei em um balanço, observando as poucas pessoas que passavam do outro lado. Era inverno, então quase ninguém saía para se divertir em lugares como aquele de noite.
O primeiro floco de neve pousou em cima do meu nariz. Eu olhei para cima e vi a neve caindo lentamente ao meu redor, com pequenos flocos delicados.
A primeira neve de novo. Um momento mágico. Outra coisa da qual senti falta. Eu sorri, feliz com a lembrança. Eu prometi uma primeira neve a alguém e queria muito manter aquela promessa.
— ! — ouvi alguém chamar.
? Aquela era eu.
Eu procurei na escuridão da noite e, do outro lado da rua, eu o encontrei. .
Meu peito se encheu de alegria e eu senti aquele frio na barriga tão característico que eu tinha quando olhava para ele.
Ele acenou com um sorriso enorme na minha direção para que eu o visse, mas eu o teria encontrado mesmo sem isso. Eu sempre o encontraria estando sozinho ou cercado de uma multidão, mas não porque seu rosto era singular e nem nada do tipo. Era algo muito além disso. Meu coração o encontraria. Mesmo se eu perdesse todas as minhas lembranças, ele sempre estaria lá.
Levantei a mão e acenei de volta, sorrindo tão largo que achei que minhas bochechas rasgariam.
Saudade.
— Você está me seguindo? — perguntei, com graça, quase gritando para que ele me ouvisse. deu de ombros. — Você sabia que eu estava aqui?
— Talvez.
Ele deu um passo na minha direção, mas antes que atravessasse a rua, eu corri para encontrá-lo. Eu não estava apenas dando pequenos passos até ele, eu estava me jogando para ele. De todos os jeitos.
Fim.
Nota da autora: Muito obrigada a todos que me acompanharam até aqui! Essa foi a primeira história que eu tive coragem de compartilhar com outras pessoas e fico muito feliz por todos os comentários e feedbacks até aqui. Muito obrigada por se envolverem na história do mesmo jeito que eu fui capaz de fazer. Um beijo de luz para todos e até a próxima!
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