Última atualização: 09/12/2017
Parte I – Assombrado
Capítulo 1 - Vineayard Academy
O clima não estava quente como eu achei que estaria. Estava um clima ameno e, por estar escurecendo, ficava cada vez mais frio.
Eu tinha tentado imaginar como era a Califórnia, de fato. Com palmeiras, sol e praia. Porém, a cidade de Sonoma estava muito distante de ser o que sonhava com a Califórnia. Eu não era idiota. Tinha assistido a “The O.C.” tantas vezes e não acreditava que não teria aquele lugar para observar todos os dias – parte também porque eu queria que o Adam Brody fosse meu vizinho.
Minha mãe estava com o seu colar de pérolas que costumava usar em dias festivos. Já o meu pai mudava a rádio a cada cinco minutos e não parava de fazer comentários sobre a cidade e os pontos históricos e turísticos, na maior felicidade. Entretanto, aquele não era um dia festivo nem alegre para mim, que batia o pé impaciente no banco de trás, impressionada com o trânsito inexistente da cidade de Sonoma – muito diferente do engarrafamento infernal que se estendia por várias ruas na minha cidade natal, Nova York.
A Califórnia era um lugar enorme, mas com casas afastadas, grandes e caras demais até para o bolso de minha mãe. Ao longo do caminho, as casas se afastaram, dando lugar a lindas colinas com muito roxo, que eu supus que fossem os famosos vinhedos.
Todos diziam que eu iria gostar. Vovó disse que o vinho de Sonoma era maravilhoso, assim como o queijo e óleo. Disse também que aqui faria frio, então tricotou um casaco azul que estava bem guardado na minha mala – adicionados aos comentários sobre as uvas e as colinas. Do que eu já conseguia ver de longe, era realmente bonito e parecia que estava no interior do país, porque a praia já havia sumido há muito tempo e o verde estava cada vez mais nítido e próximo. Agora, subíamos uma das colinas, dessa vez mais alta e que levava para um lugar escondido, enquanto a temperatura – e a minha animação – abaixava.
– Chegamos! – minha mãe anunciou com um sorriso no rosto. Papai tinha estacionado o carro alugado em frente à construção. – Olhe, Rob, é mais bonito do que no site!
– Realmente! Muito bonito! – todos saltaram do carro, então eu pude ter a visão de minha nova escola.
Uma mulher alta e sorridente nos acompanhava pelo caminho, enquanto fazia uma breve explicação sobre tudo. Perdi-me na metade do assunto, devo dizer. Eram muitas recomendações e histórias antigas sobre estudantes brilhantes que já passaram por lá.
Vineyard Academy. Era uma construção enorme – que mais parecia um castelo do que qualquer outra coisa – que se estendia por toda a colina, parecendo impossível conhecer todo o lugar. Era uma construção antiga, com cinco prédios enormes – que, olhando de longe, pareciam ser todos grudados – de cor escura que cobriam mais da metade do terreno onde a escola se encontrava. Enfeitando as paredes de toda a escola, estavam fotos, cartazes e todo esse tipo de coisa dos jogadores do time de futebol. O lugar ainda possuía duas quadras – uma dentro do prédio e uma do lado de fora, que serviam para os jogadores treinarem, para os jogos dos campeonatos e as aulas de Educação Física – e a piscina olímpica, que também ficava dentro do prédio. Fora todas as salas de aula que eram incontáveis, a cantina, os dormitórios feminino e masculino. Para o lazer dos alunos, dentro do próprio terreno existia um café e sala de jogos, que tiravam um pouco o aspecto de velhice do lugar. Eu não sabia dizer há quanto tempo aquela construção estava ali. Era bem cuidada, mas as janelas imensas e pontiagudas e os tijolos contavam uma história antiga, tudo rodeado por muros altos que impediam qualquer um de sair ou entrar.
– ... – minha mãe chamou com a voz manhosa. A mesma que usava quando precisava de um favor. Eu odiava aquilo. Parecia que estava do lado de uma criança. – Quero que se comporte. Vamos conversar com a diretora da escola agora e quero que você não nos desaponte – não respondi nada. Apenas segurei uma de suas malas, enquanto as outras eram levadas por funcionários da escola e para um lugar que eu não sabia dizer onde. Não gostei daquilo, na verdade, principalmente dos comentários sobre “empregados eficientes” que minha mãe adicionara. Qual é?! Não são nossos empregados. São funcionários! Quando foi que eu entrei no mundo das pessoas ricas e mesquinhas?
– Sua mãe tem razão, querida. Essa vaga foi muito difícil de arranjar.
– Já entendi – murmurei.
Andamos durante mais um tempo até chegar a uma parte da escola que todos, com exceção de mim, acharam de ótimo bom gosto. Havia portas com “silêncio!” e “não entre sem autorização ou sem um responsável” com letras grandes e cursivas espalhadas pelas paredes. Meus pais adoraram e acharam que apenas provava a segurança e as boas normas que os panfletos e o site tanto prometiam.
– Ah, querida, por que tinha que vir com essas roupas? – eu estava com meu casaco de couro e uma calça rasgada. Sabia que minha mãe odiava, mas eram as roupas que mais me faziam sentir em casa. Pensei que, talvez se eu as colocasse, sentiria menos saudades de Nova York. – Sua tia Meredith lhe deu um vestido lindo de aniversário! Devia ter vindo com ele! Não quero que pensem que sou uma mãe desleixada – mas você é!
– Qual diferença que faz? Eu vou usar uniforme o tempo inteiro – minha barriga revirou só de pensar em usar algum tipo de saia pregada.
– Comporte-se! – ela disse em sussurro. – Ela está vindo.
– “Boa tarde, farmília ”! – uma mulher muito velha, de aparência e sotaque estrangeiro, uma roupa formal e um sorriso estampado no rosto, nos acompanhou até uma sala onde estava escrito “Diretora Olga Ivanov’’ em uma placa de aço parafusada na porta da sala. – “Porr favorr, sentém-se. Sejám benevindos a Vineyard”!
– Nós adoramos!
– É muito mais bonito do que nas fotos do site. Tudo impecável – comentou sorrindo minha mãe. Sem se importar muito, na verdade, fazendo seu bom papel de atriz. Para falar a verdade, eu a achava a pior atriz do mundo. Conseguia convencer a todos com seu sorriso e conversa fiada, mas não a mim, fazendo eu já ter ideia de que o show ia começar.
– “Eu aprrecio que vocês esterram gostando. Nós fazemos de tudo parra o benestar dos nossos alunos” – disse a diretora com os olhos fissurados em mim, que, odiando o gesto, desvencilhei o olhar para qualquer ponto da sala, fingindo interesse em um quadro de um homem pendurado na parede. – “Esperramos que goste desses anos aqui”.
– Ela vai amar. Não é, ? Ah, querida, vou sentir tanto a sua falta! – disse minha mãe, abraçando de lado e secando o choro falso que quase me fez vomitar.
– Claro... – respondi com a voz fina, desvencilhando-me dos braços dela.
– “Vai amarr, com certeza! Mas vai poderr ligar parra os seus pais apenas nos finais de semana. Aqui temos uma rregrra bastante rigorrosa a celularres, apenas podendo ser utilizados nos quarrtos e nos fins de semana”.
– Oh, sim, soubemos disso. Estávamos conversando sobre as regras da instituição e achamos mesmo que tudo é de muito bom grado! – papai disse, parecendo um aluno que tinha a matéria decorada na ponta da língua e sabia responder a qualquer pergunta que o professor fizesse.
– “Aqui estão seu horrário, chaves e uniforrme. Precisa se aprressar. O jantar não vai demorar muito parra sair. A senhorrita Hackett é a monitorra do dormitórrio feminino. Expliquei sua situação. Ela vai saberr o que fazerr" – então nos levantamos e andamos até o que parecia ser um salão principal. Havia alguns alunos espalhados, o que foi muito constrangedor. Ver tanta gente olhando a aluna nova chegar em pleno mês de novembro, depois de todo mundo, e ainda carregando uma grande mala cor-de-rosa...
– Minha , me ligue qualquer coisa. Ok? – disse, abraçando-me novamente, mas dessa vez fingindo o choro mais alto. Eu realmente não podia estar mais envergonhada. Provavelmente nem no Natal aquela mulher me abraçara tanto.
– Os alunos daqui são da pesada. Não deixe de estudar! – papai, dizendo isso, me deu um beijo demorado na testa.
– Tudo bem. Eu já entendi.
– “Aquela é a porrta do dorrmitório feminino. Siga em frente e logo verá a senhorrita Hackett”.
– Obrigada – e, com um aceno simples, tentando não revirar os olhos para minha mãe que ainda fingia chorar, entrei no dormitório.
Não é fácil andar carregando seus livros escolares, sua mala e uniforme. Por isso andei com um pouco de dificuldade com todas aquelas coisas em minhas mãos e minha cabeça a mil processando todas aquelas coisas. Quando entrei no dormitório, levei um susto. O lugar era grande demais. Eu não sabia dizer quantas pessoas moravam ali. Havia centenas de portas – muitas delas decoradas com frases, desenhos, fotos ou pintadas de alguma cor – em um espaçoso corredor com uma escada grande em formato de caracol no final que levava para, no mínimo, mais quatro andares.
– Olá! – disse uma garota de cabelos louros num rabo de cavalo e uma prancheta nos braços. Em sua camiseta havia o emblema da escola e ela sorria como se estivesse sendo muito bem paga para aquilo. – Você é a , certo? Pode me chamar de Katy. Sou a monitora. Seja bem-vinda!
– Obrigada!
– Está sendo um dia difícil, hein? – disse, apontando para a mala. Percebi que ela era divertida e nada forçada. Parecia gostar do que fazia. – Eu a ajudo com isso! Bem, qual é o número do seu quarto?
– 333.
– Quê? – disse Katy, um pouco perplexa demais. – Por que esse quarto? Você que escolheu?
– Não... Ahn... Eu não escolhi nada!
– Oh, ok, então tudo bem! – disse sorrindo outra vez, como se ela não estivesse com cara de assombro dois segundos atrás. – Vamos. Temos que subir três andares. Ainda bem que já levaram o restante de suas malas para o seu quarto.
Ela falava demais e muito rápido. Tentei acompanhar, mas fiquei perdida e apenas concordava de instante em instante. A única informação que consegui guardar foi que seu cachorro se chamava Fred e que ela iria casar no próximo verão com Max, o monitor do quarto dos meninos. Achei a história engraçada e achava Max um cara de sorte. Katy era realmente uma pessoa muito divertida.
– Chegamos! – disse, olhando para a porta 333 como se fosse a do quarto do próprio Lúcifer. Bateu na porta, que havia um “Carpe Diem” em verde pintado, e logo ela se abriu, revelando uma menina de cabelos ruivos e cacheados com umas roupas largas e usando uns óculos grandes de grau. – Essa é Amy. Amy, essa é . Já lhe falei mais cedo sobre ela. Enfim, tenho que ir. O jantar já vai sair e eu preciso resolver algumas coisas. Qualquer problema, me procure. Tchau, meninas! – disse, entregando minha mala e correndo de volta para a imensa escada.
– Oi, ! – disse a garota e abriu espaço para que eu entrasse. – A Katy é meio louca, mas a ajuda em qualquer problema que você tiver. Pode ter certeza.
O quarto era bem grande. Maior do que qualquer um que eu já tive. Havia dois de cada coisa: cama, escrivaninha, guarda-roupa, estante e janela. Uma parte do quarto já estava toda utilizada, adicionada aos pôsteres e fotos colados à parede. Todas as paredes com um tom de roxo escuro, muito parecido com o tom de cor das uvas.
– Então, Nova York, hein? Como é lá? – Amy se sentou na cama enquanto eu desfazia as malas.
– É legal – apesar de ser proibida de andar pelas ruas de Nova York sozinha, eu adorava a cidade e não me via morando em outro lugar. – É bem diferente daqui. Sem cidade grande, sabe? É estranho.
– Ah, sim, entendo. Eu sou do Tennessee – o sotaque era engraçado. Parecia de algum filme. – E eu não toco ou canto country nem nada, caso esteja se perguntando.
– Desculpe, mas é a primeira coisa que passa na cabeça quando falam de lá.
– Tudo bem. Então, como é conviver com os pombos na sua casa? – perguntou a menina com as sobrancelhas levantadas, rindo logo em seguida.
– Touché! – eu respondi, rindo e me sentando na cama. Já estava cansada de arrumar as roupas. – Mas por que temos que trazer roupas se temos que usar o uniforme?
– Apenas em dias de semana – ela olhou para o relógio e disse: – O jantar já deve estar sendo servido. Você vem? Estou morta de fome – assenti, sentindo minha barriga roncar. Havia lembrado de que a última refeição que fiz naquele dia foi no avião (que nem estava muito bom, devo dizer).
Eu me perdi no caminho até o refeitório. Era tudo grande demais com corredores que davam para outros corredores que também eram gigantes. Não havia decorado o lugar de nada, apesar de já ter sido apresentada a tudo. No caminho, Amy foi muito hospitaleira e descreveu como se chegava a todas as salas importantes, mas eu não achava que iria conseguir chegar a metade delas. Tive a sorte de que todas as salas importantes tinham caminho pelo salão principal, o que era um alívio, porque era o único lugar a que eu sabia chegar.
Ao chegar ao refeitório, percebi que eu era constantemente observada por todos, o que me deixava muito desconsertada. Não gostava de ser o centro das atenções. Aquele era o trabalho de minha mãe, não meu.
– Não se preocupe, . Eles estão a olhando porque você é nova aqui.
– Não estou acostumada com isso – disse assim que pegamos a bandeja com comida.
– Na sua escola não havia isso? Olhe, aqui na Vineyard as pessoas conseguem ser bem enxeridas quando tem alguma fofoca em cima – ela estava na ponta do pé, procurando alguém que eu obviamente não sabia quem era.
– Eu estudava em casa – disse, dando de ombros. Estava acostumada à expressão de espanto quando contava isso para alguém. Meus pais sempre diziam que estudar em casa era melhor para o entendimento, mas aquilo era apenas uma desculpa para me deixar o mais afastada possível das pessoas.
– Ah, mas isso é uma coisa boa, certo? Não falam muito bem das escolas em Nova York.
– Não sei, na verdade.
– Mas você vai gostar. Juro – ela começou a andar e fez sinal para que eu a seguisse. – Vou apresentá-la para as melhores pessoas aqui: minhas amigas.
Estava achando muito legal Amy ser tão receptiva comigo – tanto que eu estava começando a achar que os anos não iriam ser tão ruins.
Chegamos a uma mesa onde estavam três meninas. Elas olhavam para mim com um olhar curioso, mas não maldoso, como a maioria das pessoas me olhava. Parecia mais um olhar de boas-vindas do que qualquer outra coisa.
– Encontrei vocês! – Amy disse, sentando-se, e eu fiz o mesmo. – , essas são Alison, Daniella e Christina.
- Não me chame assim – disse Daniella, balançando a cabeça. Era, visivelmente, latina, com as pontas dos cabelos pintadas de azul, do mesmo tom de seu casaco azul marinho. – Apenas Dani.
- Tudo bem.
- Você deve ser a garota nova! – a que se chamava Alison se pronunciou. Ela sorriu, com seus dentes branquíssimos, quando eu assenti. Dava para perceber que era a mais alta do grupo, mesmo estando sentada. Com sua pele negra e cabelos cacheados, ela me olhava, encorajando-me a falar.
- Não fale assim, Ali – Amy cortou. Era engraçado vê-la perto da outra. A ruiva era muito baixinha. Nem parecia frequentar o Ensino Médio.
- Estou falando alguma mentira?
- E, aí, o que está achando? – Christina cortou, colocando os cabelos platinados atrás da orelha. Seus olhos azuis me olhavam de forma curiosa para saber o que eu tinha a dizer. – Devo dizer que as pessoas daqui são bem intrometidas quando tem algo novo – olhei para Amy, que fez a expressão de “não lhe disse?”.
– É, acho que eu percebi. Mas acabei de chegar.
– Ótimo, então não sabe de nada daqui, certo? – Christina perguntou e eu neguei com a cabeça.
Christina falava bastante e muito alto. Percebi que todos ao nosso redor não tiravam o olhar delas e, consequentemente, de mim também. Descobri que Christina e Dani eram irmãs desde os nove anos – que foi quando o pai de Dani se casou com a mãe de Christina. As quatro se conheceram em um acampamento quando tinham doze anos e desde então são melhores amigas – até pediram para seus pais colocá-las na mesma escola para que não perdessem contato. Christina e Dani moravam em Los Angeles – não que eu não tenha percebido. Christina parecia que havia saído do filme “Patricinhas de Beverly Hills”. Já Dani com certeza havia saído de algum filme cult, desses com filtro azul e fotografia bonita. Ela era mais na dela e falava pouco, e a última coisa com que parecia se importar era com compras e manicure – elas eram totalmente o contrário uma da outra. Não sei como se davam tão bem.
Alison também gostava de falar, mas era mais sorridente e constantemente me perguntava como era minha vida em Nova York – parecia realmente interessada, como se tudo que eu dissesse fosse de extrema importância para ela. Ela morava na Flórida, mas não parecia gostar muito do lugar. Já sobre Amy, descobri que era mais inteligente do que eu pensava. Era a aluna destaque de todas as matérias. Já tinha ganhado alguns prêmios por isso e gostava de ensinar as outras meninas quando alguma prova estava chegando – disse que havia pegado essa mania de seus pais, visto que eram professores de universidade. As meninas a chamavam de Hermione para irritá-la e diziam que a garota passava mais tempo na biblioteca do que em qualquer outro lugar.
– Tudo bem, . Agora fale sobre você! – disse Alison entre risos. Tinham acabado de contar algumas histórias sobre o acampamento que elas frequentaram alguns anos. Envolvia água em balões e tinta. Eu não aguentei e até chorei de rir junto às meninas.
O que falar sobre mim? Bem, minha vida não era tão interessante. Eu estudava em casa e passava as férias na casa dos meus avós. Minha relação com minha mãe não era das melhores e ela e meu pai insistiam em não me socializar, então as únicas pessoas com quem eu conversava eram meus avós e primos em Nova Jersey – não haveria problema em conversar com eles, se não fossem tão adultos e apenas conversassem sobre futebol. Eu nunca havia frequentado uma escola de fato. Aquilo era estranho. Além de ter que socializar basicamente o ano inteiro, eu iria ter que conviver com pessoas novas. Aquilo me deixava nervosa, tirava-me completamente da minha área de conforto.
Então dei um sorrisinho e contei algumas coisas. Acontecimentos da infância e um pouco sobre os meus pais. Nada de mais, o suficiente para elas não me perguntarem mais e ficarem entretidas com a vez que eu pulei o muro do vizinho para brincar com seu cachorro. É claro que os fatos da minha vida eram um porre perto da vida superlegal que todas elas tinham.
Não vi o tempo passar, então, quando me dei conta, o sinal tocou e todos os alunos começaram a se levantar. Era o “sinal do recolhimento” como as meninas me disseram. Era assim que todos o chamavam.
– Ah, Amy, por favor! – Christina pediu. Queria que a garota olhasse seu dever de matemática antes de entregá-lo no dia seguinte – É só uma olhada!
– Uma corrigida, você quer dizer! – a garota revirou os olhos. – Tudo bem, eu olho – era engraçado porque Amy parecia se coçar para corrigir a tarefa da amiga. – Você vem com a gente, ?
– Quê?
– Eu vou ao quarto das meninas ajudar Christina com a lição. Você quer ir? Vai ser rapidinho. Já está na hora de dormir.
– Ah, não. Estou cansada – disse. Já estávamos nas escadas quando as quatro entraram no primeiro andar e eu me dirigi até o terceiro. – Tchau, meninas! Foi um prazer.
Elas disseram o mesmo e sorriram para mim. Eu estava aliviada por serem tão legais comigo. Enquanto conversávamos, tudo fluía e eu tinha a impressão de que seríamos boas amigas – parte porque elas eram megassimpáticas e outra porque me sentia à vontade perto delas. Porém eu precisava descansar, por mais que quisesse conversar mais com elas. Estava exausta. Não sabia se era pelo fato das quase dez horas de viagem de avião ou pelo esforço mental que eu estava fazendo para ficar tudo bem. De fato, tudo estava bem, menos o meu corpo. Precisava me atirar na cama e só me levantar no dia seguinte.
Cheguei depressa até o quarto e abri a porta.
Mas não me joguei na cama logo que entrei.
Porque já havia alguém nela.
Eu tinha tentado imaginar como era a Califórnia, de fato. Com palmeiras, sol e praia. Porém, a cidade de Sonoma estava muito distante de ser o que sonhava com a Califórnia. Eu não era idiota. Tinha assistido a “The O.C.” tantas vezes e não acreditava que não teria aquele lugar para observar todos os dias – parte também porque eu queria que o Adam Brody fosse meu vizinho.
Minha mãe estava com o seu colar de pérolas que costumava usar em dias festivos. Já o meu pai mudava a rádio a cada cinco minutos e não parava de fazer comentários sobre a cidade e os pontos históricos e turísticos, na maior felicidade. Entretanto, aquele não era um dia festivo nem alegre para mim, que batia o pé impaciente no banco de trás, impressionada com o trânsito inexistente da cidade de Sonoma – muito diferente do engarrafamento infernal que se estendia por várias ruas na minha cidade natal, Nova York.
A Califórnia era um lugar enorme, mas com casas afastadas, grandes e caras demais até para o bolso de minha mãe. Ao longo do caminho, as casas se afastaram, dando lugar a lindas colinas com muito roxo, que eu supus que fossem os famosos vinhedos.
Todos diziam que eu iria gostar. Vovó disse que o vinho de Sonoma era maravilhoso, assim como o queijo e óleo. Disse também que aqui faria frio, então tricotou um casaco azul que estava bem guardado na minha mala – adicionados aos comentários sobre as uvas e as colinas. Do que eu já conseguia ver de longe, era realmente bonito e parecia que estava no interior do país, porque a praia já havia sumido há muito tempo e o verde estava cada vez mais nítido e próximo. Agora, subíamos uma das colinas, dessa vez mais alta e que levava para um lugar escondido, enquanto a temperatura – e a minha animação – abaixava.
– Chegamos! – minha mãe anunciou com um sorriso no rosto. Papai tinha estacionado o carro alugado em frente à construção. – Olhe, Rob, é mais bonito do que no site!
– Realmente! Muito bonito! – todos saltaram do carro, então eu pude ter a visão de minha nova escola.
Uma mulher alta e sorridente nos acompanhava pelo caminho, enquanto fazia uma breve explicação sobre tudo. Perdi-me na metade do assunto, devo dizer. Eram muitas recomendações e histórias antigas sobre estudantes brilhantes que já passaram por lá.
Vineyard Academy. Era uma construção enorme – que mais parecia um castelo do que qualquer outra coisa – que se estendia por toda a colina, parecendo impossível conhecer todo o lugar. Era uma construção antiga, com cinco prédios enormes – que, olhando de longe, pareciam ser todos grudados – de cor escura que cobriam mais da metade do terreno onde a escola se encontrava. Enfeitando as paredes de toda a escola, estavam fotos, cartazes e todo esse tipo de coisa dos jogadores do time de futebol. O lugar ainda possuía duas quadras – uma dentro do prédio e uma do lado de fora, que serviam para os jogadores treinarem, para os jogos dos campeonatos e as aulas de Educação Física – e a piscina olímpica, que também ficava dentro do prédio. Fora todas as salas de aula que eram incontáveis, a cantina, os dormitórios feminino e masculino. Para o lazer dos alunos, dentro do próprio terreno existia um café e sala de jogos, que tiravam um pouco o aspecto de velhice do lugar. Eu não sabia dizer há quanto tempo aquela construção estava ali. Era bem cuidada, mas as janelas imensas e pontiagudas e os tijolos contavam uma história antiga, tudo rodeado por muros altos que impediam qualquer um de sair ou entrar.
– ... – minha mãe chamou com a voz manhosa. A mesma que usava quando precisava de um favor. Eu odiava aquilo. Parecia que estava do lado de uma criança. – Quero que se comporte. Vamos conversar com a diretora da escola agora e quero que você não nos desaponte – não respondi nada. Apenas segurei uma de suas malas, enquanto as outras eram levadas por funcionários da escola e para um lugar que eu não sabia dizer onde. Não gostei daquilo, na verdade, principalmente dos comentários sobre “empregados eficientes” que minha mãe adicionara. Qual é?! Não são nossos empregados. São funcionários! Quando foi que eu entrei no mundo das pessoas ricas e mesquinhas?
– Sua mãe tem razão, querida. Essa vaga foi muito difícil de arranjar.
– Já entendi – murmurei.
Andamos durante mais um tempo até chegar a uma parte da escola que todos, com exceção de mim, acharam de ótimo bom gosto. Havia portas com “silêncio!” e “não entre sem autorização ou sem um responsável” com letras grandes e cursivas espalhadas pelas paredes. Meus pais adoraram e acharam que apenas provava a segurança e as boas normas que os panfletos e o site tanto prometiam.
– Ah, querida, por que tinha que vir com essas roupas? – eu estava com meu casaco de couro e uma calça rasgada. Sabia que minha mãe odiava, mas eram as roupas que mais me faziam sentir em casa. Pensei que, talvez se eu as colocasse, sentiria menos saudades de Nova York. – Sua tia Meredith lhe deu um vestido lindo de aniversário! Devia ter vindo com ele! Não quero que pensem que sou uma mãe desleixada – mas você é!
– Qual diferença que faz? Eu vou usar uniforme o tempo inteiro – minha barriga revirou só de pensar em usar algum tipo de saia pregada.
– Comporte-se! – ela disse em sussurro. – Ela está vindo.
– “Boa tarde, farmília ”! – uma mulher muito velha, de aparência e sotaque estrangeiro, uma roupa formal e um sorriso estampado no rosto, nos acompanhou até uma sala onde estava escrito “Diretora Olga Ivanov’’ em uma placa de aço parafusada na porta da sala. – “Porr favorr, sentém-se. Sejám benevindos a Vineyard”!
– Nós adoramos!
– É muito mais bonito do que nas fotos do site. Tudo impecável – comentou sorrindo minha mãe. Sem se importar muito, na verdade, fazendo seu bom papel de atriz. Para falar a verdade, eu a achava a pior atriz do mundo. Conseguia convencer a todos com seu sorriso e conversa fiada, mas não a mim, fazendo eu já ter ideia de que o show ia começar.
– “Eu aprrecio que vocês esterram gostando. Nós fazemos de tudo parra o benestar dos nossos alunos” – disse a diretora com os olhos fissurados em mim, que, odiando o gesto, desvencilhei o olhar para qualquer ponto da sala, fingindo interesse em um quadro de um homem pendurado na parede. – “Esperramos que goste desses anos aqui”.
– Ela vai amar. Não é, ? Ah, querida, vou sentir tanto a sua falta! – disse minha mãe, abraçando de lado e secando o choro falso que quase me fez vomitar.
– Claro... – respondi com a voz fina, desvencilhando-me dos braços dela.
– “Vai amarr, com certeza! Mas vai poderr ligar parra os seus pais apenas nos finais de semana. Aqui temos uma rregrra bastante rigorrosa a celularres, apenas podendo ser utilizados nos quarrtos e nos fins de semana”.
– Oh, sim, soubemos disso. Estávamos conversando sobre as regras da instituição e achamos mesmo que tudo é de muito bom grado! – papai disse, parecendo um aluno que tinha a matéria decorada na ponta da língua e sabia responder a qualquer pergunta que o professor fizesse.
– “Aqui estão seu horrário, chaves e uniforrme. Precisa se aprressar. O jantar não vai demorar muito parra sair. A senhorrita Hackett é a monitorra do dormitórrio feminino. Expliquei sua situação. Ela vai saberr o que fazerr" – então nos levantamos e andamos até o que parecia ser um salão principal. Havia alguns alunos espalhados, o que foi muito constrangedor. Ver tanta gente olhando a aluna nova chegar em pleno mês de novembro, depois de todo mundo, e ainda carregando uma grande mala cor-de-rosa...
– Minha , me ligue qualquer coisa. Ok? – disse, abraçando-me novamente, mas dessa vez fingindo o choro mais alto. Eu realmente não podia estar mais envergonhada. Provavelmente nem no Natal aquela mulher me abraçara tanto.
– Os alunos daqui são da pesada. Não deixe de estudar! – papai, dizendo isso, me deu um beijo demorado na testa.
– Tudo bem. Eu já entendi.
– “Aquela é a porrta do dorrmitório feminino. Siga em frente e logo verá a senhorrita Hackett”.
– Obrigada – e, com um aceno simples, tentando não revirar os olhos para minha mãe que ainda fingia chorar, entrei no dormitório.
Não é fácil andar carregando seus livros escolares, sua mala e uniforme. Por isso andei com um pouco de dificuldade com todas aquelas coisas em minhas mãos e minha cabeça a mil processando todas aquelas coisas. Quando entrei no dormitório, levei um susto. O lugar era grande demais. Eu não sabia dizer quantas pessoas moravam ali. Havia centenas de portas – muitas delas decoradas com frases, desenhos, fotos ou pintadas de alguma cor – em um espaçoso corredor com uma escada grande em formato de caracol no final que levava para, no mínimo, mais quatro andares.
– Olá! – disse uma garota de cabelos louros num rabo de cavalo e uma prancheta nos braços. Em sua camiseta havia o emblema da escola e ela sorria como se estivesse sendo muito bem paga para aquilo. – Você é a , certo? Pode me chamar de Katy. Sou a monitora. Seja bem-vinda!
– Obrigada!
– Está sendo um dia difícil, hein? – disse, apontando para a mala. Percebi que ela era divertida e nada forçada. Parecia gostar do que fazia. – Eu a ajudo com isso! Bem, qual é o número do seu quarto?
– 333.
– Quê? – disse Katy, um pouco perplexa demais. – Por que esse quarto? Você que escolheu?
– Não... Ahn... Eu não escolhi nada!
– Oh, ok, então tudo bem! – disse sorrindo outra vez, como se ela não estivesse com cara de assombro dois segundos atrás. – Vamos. Temos que subir três andares. Ainda bem que já levaram o restante de suas malas para o seu quarto.
Ela falava demais e muito rápido. Tentei acompanhar, mas fiquei perdida e apenas concordava de instante em instante. A única informação que consegui guardar foi que seu cachorro se chamava Fred e que ela iria casar no próximo verão com Max, o monitor do quarto dos meninos. Achei a história engraçada e achava Max um cara de sorte. Katy era realmente uma pessoa muito divertida.
– Chegamos! – disse, olhando para a porta 333 como se fosse a do quarto do próprio Lúcifer. Bateu na porta, que havia um “Carpe Diem” em verde pintado, e logo ela se abriu, revelando uma menina de cabelos ruivos e cacheados com umas roupas largas e usando uns óculos grandes de grau. – Essa é Amy. Amy, essa é . Já lhe falei mais cedo sobre ela. Enfim, tenho que ir. O jantar já vai sair e eu preciso resolver algumas coisas. Qualquer problema, me procure. Tchau, meninas! – disse, entregando minha mala e correndo de volta para a imensa escada.
– Oi, ! – disse a garota e abriu espaço para que eu entrasse. – A Katy é meio louca, mas a ajuda em qualquer problema que você tiver. Pode ter certeza.
O quarto era bem grande. Maior do que qualquer um que eu já tive. Havia dois de cada coisa: cama, escrivaninha, guarda-roupa, estante e janela. Uma parte do quarto já estava toda utilizada, adicionada aos pôsteres e fotos colados à parede. Todas as paredes com um tom de roxo escuro, muito parecido com o tom de cor das uvas.
– Então, Nova York, hein? Como é lá? – Amy se sentou na cama enquanto eu desfazia as malas.
– É legal – apesar de ser proibida de andar pelas ruas de Nova York sozinha, eu adorava a cidade e não me via morando em outro lugar. – É bem diferente daqui. Sem cidade grande, sabe? É estranho.
– Ah, sim, entendo. Eu sou do Tennessee – o sotaque era engraçado. Parecia de algum filme. – E eu não toco ou canto country nem nada, caso esteja se perguntando.
– Desculpe, mas é a primeira coisa que passa na cabeça quando falam de lá.
– Tudo bem. Então, como é conviver com os pombos na sua casa? – perguntou a menina com as sobrancelhas levantadas, rindo logo em seguida.
– Touché! – eu respondi, rindo e me sentando na cama. Já estava cansada de arrumar as roupas. – Mas por que temos que trazer roupas se temos que usar o uniforme?
– Apenas em dias de semana – ela olhou para o relógio e disse: – O jantar já deve estar sendo servido. Você vem? Estou morta de fome – assenti, sentindo minha barriga roncar. Havia lembrado de que a última refeição que fiz naquele dia foi no avião (que nem estava muito bom, devo dizer).
Eu me perdi no caminho até o refeitório. Era tudo grande demais com corredores que davam para outros corredores que também eram gigantes. Não havia decorado o lugar de nada, apesar de já ter sido apresentada a tudo. No caminho, Amy foi muito hospitaleira e descreveu como se chegava a todas as salas importantes, mas eu não achava que iria conseguir chegar a metade delas. Tive a sorte de que todas as salas importantes tinham caminho pelo salão principal, o que era um alívio, porque era o único lugar a que eu sabia chegar.
Ao chegar ao refeitório, percebi que eu era constantemente observada por todos, o que me deixava muito desconsertada. Não gostava de ser o centro das atenções. Aquele era o trabalho de minha mãe, não meu.
– Não se preocupe, . Eles estão a olhando porque você é nova aqui.
– Não estou acostumada com isso – disse assim que pegamos a bandeja com comida.
– Na sua escola não havia isso? Olhe, aqui na Vineyard as pessoas conseguem ser bem enxeridas quando tem alguma fofoca em cima – ela estava na ponta do pé, procurando alguém que eu obviamente não sabia quem era.
– Eu estudava em casa – disse, dando de ombros. Estava acostumada à expressão de espanto quando contava isso para alguém. Meus pais sempre diziam que estudar em casa era melhor para o entendimento, mas aquilo era apenas uma desculpa para me deixar o mais afastada possível das pessoas.
– Ah, mas isso é uma coisa boa, certo? Não falam muito bem das escolas em Nova York.
– Não sei, na verdade.
– Mas você vai gostar. Juro – ela começou a andar e fez sinal para que eu a seguisse. – Vou apresentá-la para as melhores pessoas aqui: minhas amigas.
Estava achando muito legal Amy ser tão receptiva comigo – tanto que eu estava começando a achar que os anos não iriam ser tão ruins.
Chegamos a uma mesa onde estavam três meninas. Elas olhavam para mim com um olhar curioso, mas não maldoso, como a maioria das pessoas me olhava. Parecia mais um olhar de boas-vindas do que qualquer outra coisa.
– Encontrei vocês! – Amy disse, sentando-se, e eu fiz o mesmo. – , essas são Alison, Daniella e Christina.
- Não me chame assim – disse Daniella, balançando a cabeça. Era, visivelmente, latina, com as pontas dos cabelos pintadas de azul, do mesmo tom de seu casaco azul marinho. – Apenas Dani.
- Tudo bem.
- Você deve ser a garota nova! – a que se chamava Alison se pronunciou. Ela sorriu, com seus dentes branquíssimos, quando eu assenti. Dava para perceber que era a mais alta do grupo, mesmo estando sentada. Com sua pele negra e cabelos cacheados, ela me olhava, encorajando-me a falar.
- Não fale assim, Ali – Amy cortou. Era engraçado vê-la perto da outra. A ruiva era muito baixinha. Nem parecia frequentar o Ensino Médio.
- Estou falando alguma mentira?
- E, aí, o que está achando? – Christina cortou, colocando os cabelos platinados atrás da orelha. Seus olhos azuis me olhavam de forma curiosa para saber o que eu tinha a dizer. – Devo dizer que as pessoas daqui são bem intrometidas quando tem algo novo – olhei para Amy, que fez a expressão de “não lhe disse?”.
– É, acho que eu percebi. Mas acabei de chegar.
– Ótimo, então não sabe de nada daqui, certo? – Christina perguntou e eu neguei com a cabeça.
Christina falava bastante e muito alto. Percebi que todos ao nosso redor não tiravam o olhar delas e, consequentemente, de mim também. Descobri que Christina e Dani eram irmãs desde os nove anos – que foi quando o pai de Dani se casou com a mãe de Christina. As quatro se conheceram em um acampamento quando tinham doze anos e desde então são melhores amigas – até pediram para seus pais colocá-las na mesma escola para que não perdessem contato. Christina e Dani moravam em Los Angeles – não que eu não tenha percebido. Christina parecia que havia saído do filme “Patricinhas de Beverly Hills”. Já Dani com certeza havia saído de algum filme cult, desses com filtro azul e fotografia bonita. Ela era mais na dela e falava pouco, e a última coisa com que parecia se importar era com compras e manicure – elas eram totalmente o contrário uma da outra. Não sei como se davam tão bem.
Alison também gostava de falar, mas era mais sorridente e constantemente me perguntava como era minha vida em Nova York – parecia realmente interessada, como se tudo que eu dissesse fosse de extrema importância para ela. Ela morava na Flórida, mas não parecia gostar muito do lugar. Já sobre Amy, descobri que era mais inteligente do que eu pensava. Era a aluna destaque de todas as matérias. Já tinha ganhado alguns prêmios por isso e gostava de ensinar as outras meninas quando alguma prova estava chegando – disse que havia pegado essa mania de seus pais, visto que eram professores de universidade. As meninas a chamavam de Hermione para irritá-la e diziam que a garota passava mais tempo na biblioteca do que em qualquer outro lugar.
– Tudo bem, . Agora fale sobre você! – disse Alison entre risos. Tinham acabado de contar algumas histórias sobre o acampamento que elas frequentaram alguns anos. Envolvia água em balões e tinta. Eu não aguentei e até chorei de rir junto às meninas.
O que falar sobre mim? Bem, minha vida não era tão interessante. Eu estudava em casa e passava as férias na casa dos meus avós. Minha relação com minha mãe não era das melhores e ela e meu pai insistiam em não me socializar, então as únicas pessoas com quem eu conversava eram meus avós e primos em Nova Jersey – não haveria problema em conversar com eles, se não fossem tão adultos e apenas conversassem sobre futebol. Eu nunca havia frequentado uma escola de fato. Aquilo era estranho. Além de ter que socializar basicamente o ano inteiro, eu iria ter que conviver com pessoas novas. Aquilo me deixava nervosa, tirava-me completamente da minha área de conforto.
Então dei um sorrisinho e contei algumas coisas. Acontecimentos da infância e um pouco sobre os meus pais. Nada de mais, o suficiente para elas não me perguntarem mais e ficarem entretidas com a vez que eu pulei o muro do vizinho para brincar com seu cachorro. É claro que os fatos da minha vida eram um porre perto da vida superlegal que todas elas tinham.
Não vi o tempo passar, então, quando me dei conta, o sinal tocou e todos os alunos começaram a se levantar. Era o “sinal do recolhimento” como as meninas me disseram. Era assim que todos o chamavam.
– Ah, Amy, por favor! – Christina pediu. Queria que a garota olhasse seu dever de matemática antes de entregá-lo no dia seguinte – É só uma olhada!
– Uma corrigida, você quer dizer! – a garota revirou os olhos. – Tudo bem, eu olho – era engraçado porque Amy parecia se coçar para corrigir a tarefa da amiga. – Você vem com a gente, ?
– Quê?
– Eu vou ao quarto das meninas ajudar Christina com a lição. Você quer ir? Vai ser rapidinho. Já está na hora de dormir.
– Ah, não. Estou cansada – disse. Já estávamos nas escadas quando as quatro entraram no primeiro andar e eu me dirigi até o terceiro. – Tchau, meninas! Foi um prazer.
Elas disseram o mesmo e sorriram para mim. Eu estava aliviada por serem tão legais comigo. Enquanto conversávamos, tudo fluía e eu tinha a impressão de que seríamos boas amigas – parte porque elas eram megassimpáticas e outra porque me sentia à vontade perto delas. Porém eu precisava descansar, por mais que quisesse conversar mais com elas. Estava exausta. Não sabia se era pelo fato das quase dez horas de viagem de avião ou pelo esforço mental que eu estava fazendo para ficar tudo bem. De fato, tudo estava bem, menos o meu corpo. Precisava me atirar na cama e só me levantar no dia seguinte.
Cheguei depressa até o quarto e abri a porta.
Mas não me joguei na cama logo que entrei.
Porque já havia alguém nela.
Capítulo 2 - A Mediadora
Apesar de fazer onze anos desde a primeira vez, eu nunca iria me acostumar com aquilo.
Quando vi meu primeiro fantasma, eu tinha quatro anos. Estava no enterro de meu tio-avô e, enquanto a comoção entre todos no lugar acontecia, corri até minha mãe, avisando que meu tio estava vivo e não tinha motivo para todos estarem tão tristes. Minha mãe apenas me deu um olhar severo e me mandou calar a boca.
Aquilo tudo foi o começo para meus pais acharem que havia algo errado. Ver pessoas que ninguém mais via, falar sozinha, principalmente em lugares antigos demais, assustava qualquer um. Qualquer um menos a mim. Vendo tudo aquilo acontecer, meus pais ficaram loucos e me levaram a todos os terapeutas possíveis, porém pode ter certeza que a coisa mais normal na minha vida era bater um papo com meus amigos mortos.
Então, quando eu tinha nove anos, uma amiga da minha mãe fez uma visita. Ela vestia roupas coloridas e segurava um maço de cartas com desenhos estranhos. Conversavam sobre coisas que eu, apesar de ser uma garota muito inteligente para minha idade na época, não entendia muito bem. Quando apareci no pé da porta olhando esquisito para a mulher, minha mãe gritou para que eu voltasse para o quarto, mas a mulher, muito gentil, disse que não havia problema em me juntar à conversa. Logo seu olhar mudou em minha direção e a mulher deu um sorriso sincero. Era algo novo para mim. Parecia que ela me compreendia. Quando eu fiquei sozinha com ela por apenas dois minutos, enquanto minha mãe ia à cozinha, a mulher começou um breve diálogo sobre “missão na terra” e “mediadores”, alertou-me para não me amedrontar e encarar tudo com muita coragem. Confesso que não entendi de primeira. Precisei de algum tempo para digerir as informações, mas, depois de algumas horas em pesquisa no Google sobre mediadores, eu entendi tudo.
Eu era uma mediadora. E tinha uma missão na terra. Missão essa que não descobrira até então. Durante esses anos, conheci inúmeros fantasmas e os ajudei como pude, porque, segundo minhas pesquisas, era isso que um mediador fazia. Eu não tinha muita opção, na verdade. Era como se todos os mortos me encontrassem de alguma forma. Vinham até mim e pediam os mais diversos favores e ajudas.
Esse era o maior segredo que eu guardava, porque, afinal, como poderia contar aquilo para alguém? Os inúmeros terapeutas com os quais tive a infelicidade de estar diziam que eu era “incompreendida pelos pais” ou que “tinha o gênio muito forte”. Então, depois de anos de terapia e com meus pais me afastando de todas as pessoas, eles viram que eu não mudaria em nada. Minha mãe me achava rebelde e seu pai dizia que a adolescência havia chegado recente demais. Com isso, decidiram me matricular em um internato – claro, porque isso resolveria todos os problemas, certo? Diziam que era para uma melhor educação, mas eu sabia que aquilo era para se manterem afastados de mim até a faculdade – e depois me mandarem para a faculdade mais distante possível, nem que tivessem que pagar fortunas por isso.
Mas eu admitia para mim mesma que estava aliviada. Apesar de não saber lidar com socialização, tudo aquilo era melhor do que estar em casa com os meus pais.
A Vineyard Academy parecia inofensiva até então. É claro que eu sabia que haveria inúmeros fantasmas naquele lugar. Fiz uma pesquisa detalhada da escola antes de me mudar para ela. Descobri, então, que fora fundada em 1840 e que, como todo lugar antigo, histórias de fantasmas eram o que não faltava.
Entretanto, não sabia que havia um morto no meu quarto, o que me fez suspirar de frustração e raiva. Então não teria paz nem no meu próprio quarto? Pensei melhor e talvez fosse por esse motivo que Katy tivesse aversão àquele cômodo. Talvez fosse por isso que, em pleno novembro, ainda houvesse vaga na escola. Uma única vaga: a minha, que agora dividia o quarto com Amy – que aparentemente era uma pessoa bem cética. O que era bom, já que nós duas iríamos andar juntas e eu via mortos por todos os lugares. Apostava o dinheiro que fosse que Amy não acreditaria em nada que eu contasse, mas não precisava, porque eu não pretendia contar meu segredo a ninguém.
– Ok, quem é você? – perguntei cansada. Tinha que fazer aquilo tantas vezes que sabia de cor o que teria que perguntar.
– Quê? – disse o garoto, olhando para os lados. Parecia não ter notado que eu o olhava. Aparentemente, estava chocado por alguém conseguir vê-lo.
– Eu consigo ver você – disse impaciente.
– Como?
– Apenas consigo. Mas então, como veio parar aqui?
– Quê? – o garoto estava perdido, de fato. Pensei, então, que ele poderia ter morrido há pouco tempo.
– Você está morto.
– Eu sei – parecia profundamente ofendido pela última frase que eu disse. Não posso fazer muito a respeito. Não iria medir palavras para fazer o meu trabalho, principalmente porque ele estava no meu quarto.
– Como aconteceu?
– Por que você quer saber? – ainda parecia ofendido. Não entendi o que estava acontecendo. Já havia encontrado fantasmas rabugentos, mas aquele nem parecia querer ajuda! Por que ele estaria ali então? Ninguém o avisou que alguém como eu iria ajudá-lo? Nem parecia saber o que estava acontecendo!
– Porque é o meu trabalho. Pare de ser grosseiro. Eu estou aqui para ajudá-lo!
– Eu não pedi sua ajuda! – disse, levantando-se da cama. Pensei se ele estudava lá, mas, se estudava, por que estaria no dormitório das garotas?
– E eu não pedi para ajudá-lo! Agora, se não quer ser ajudado, ao menos saia daqui. Não pode ficar xeretando o quarto dos outros.
– Aonde quer que eu vá? Se quer saber, eu estava aqui antes de você e sua amiga – percebi então que aquele seria um daqueles fantasmas com quem eu teria um trabalho gigante. Tinha encontrado poucos iguais a ele até hoje, mas nunca tive que mandar nenhum à força. Torci para aquele não ser o primeiro. Não queria ter dor de cabeça logo no primeiro dia.
– Não quer ir embora? – perguntei simplesmente, deixando-o sem fala.
Aparentemente, o garoto não sabia que tinha a opção de ir embora. Ah-há!
– Para onde?
– Bom, aí é com você. O céu, o infinito, a próxima vida... Não sou muito de crenças. O que eu sei é que todos querem ir para lá – ele me olhou perplexo, como se eu estivesse dizendo as coisas mais absurdas do mundo. Estranhei. De fato, nenhum morto que tinha encontrado parecia tão perdido no mundo dos vivos como aquele. – Olhe, dou-lhe a minha palavra que vou ajudá-lo. Ok? Contanto que você não fique aqui.
– E para onde eu vou? – ainda não parecia querer ajuda, mas pareceu mais compreensível. Não acreditei muito em sua palavra, para ser sincera, mas não tinha muito o que fazer. Caso ele me incomodasse, nada que um soco no olho não resolvesse.
– Bom, a escola é enorme. E tem o seu plano espiritual ou qualquer coisa do tipo. Ah, e, por favor, não entre no quarto nem no banheiro das meninas.
– Ok – ele revirou os olhos e sumiu. Bem na minha frente. Para mim, aquilo era uma das coisas mais bizarras que os fantasmas conseguiam fazer.
O dia estava ensolarado como a maior parte do ano na Califórnia, mas não estava muito quente. Irritei-me profundamente com a saia pregada e a gravata, ambos de cor roxa, além da camisa formal branca e uma bota preta, adicionados a um terninho que Amy explicou ser necessário apenas para se estivesse muito frio. Não entendia a necessidade de um uniforme como aquele. A roupa de Educação Física não era muito melhor. Apenas não tinha gravata e a saia era substituída por um short horrível que ainda me deixava desconfortável.
– Eu tenho mesmo que usar? – perguntei, amarrando a gravata e observando o espelho.
– Bem, sim, a não ser que queira ser expulsa. Pode ter certeza de que o menor de seus problemas aqui será o uniforme.
– Tudo bem, mas vai ter que me ajudar a encontrar as minhas salas – disse, pegando meu horário e a mochila. Estávamos prontas para sair.
– Não é muito difícil. Quando você pegar o jeito, verá que as paredes e os corredores são mais diferentes do que aparentam – ao sairmos do dormitório, dei de cara com centenas de alunos andando para todos os lados. Não tinha percebido que havia tantas pessoas ontem à noite.
As salas eram umas do lado das outras para os alunos do mesmo ano. Um corredor imenso para os alunos do primeiro ano, o segundo andar para os do segundo ano e o terceiro andar para os alunos do terceiro ano. Aquilo facilitava as coisas para mim, mas ainda era difícil encontrar as salas, visto que a minha primeira era a 113 – Geografia com o senhor Ridgeway, um cara barbudo que me recebeu muito bem e me apresentou para a sala. Então todos os alunos me olharam e começaram os cochichos. Apenas desejei que as primeiras aulas passassem rápido para que eu pudesse me encontrar com Amy outra vez.
Entrar em uma nova escola quando o ano letivo já começara há dois meses era complicado. Eu estava realmente tentando acompanhar tudo fazendo anotações, mas sentia que estava mais perdida com minhas anotações do que sem elas. Torci para que Amy concordasse em me ajudar nas matérias. Eu definitivamente não conseguiria passar pelas provas sozinha. Amy estava em todas as aulas “avançadas” e disse se preparar para Harvard – isso tudo com apenas quinze anos. Ela era o orgulho de qualquer pai e fiquei me perguntando como conseguia ter tanto pique para acompanhar todas as aulas.
– Então, como foi? – perguntou Amy assim que o sinal tocou e todos foram para suas próximas aulas.
– Complicado – respondi sincera. Mal conseguia olhar para o meu horário que dizia que o dia iria terminar com duas aulas de Matemática. Fantástico!
– Você vai pegar o jeito. Pode contar com a minha ajuda – ela sorriu para mim, – Agora é a nossa aula eletiva. O que vai fazer?
– Não sei. Há muitas opções?
– Bem, algumas. Dani faz aula de teatro e Ali e Chris, fotografia. Você poderia ir para o Jornal comigo hoje. Se não gostar, você muda. Tem aula de muitas coisas, centenas de clubes...
– Tudo bem – eu não era a maior fã de jornais. Achava todos sensacionalistas e parciais demais, mas não poderia negar aquele convite e talvez com a companhia de Amy ficasse mais interessante.
“Grape News” dizia a placa na frende da sala onde nós entramos. Era grande em seu interior e todas as pessoas que ali estavam andavam para todos os lados fazendo algo que eu julguei parecer bem importante. O lugar era composto por inúmeras mesas e cadeiras, juntamente com computadores e várias gráficas. Todas as pessoas ali pareciam atarefadas, mas muito educadas. Sempre diziam “bom dia!” e “oi” para nós duas, que retribuíamos no mesmo tom.
– Seja bem-vinda!
– O que vocês fazem aqui exatamente?
– Tudo! Nós mesmos escrevemos, imprimimos e mandamos para a secretaria, onde os alunos podem ter acesso – eu acompanhava Amy se sentar em uma das cadeiras em frente ao computador. Fiz o mesmo, sentando-me ao seu lado.
– Mas sobre o que vocês falam?
– De tudo! Desde o futebol aos clubes, notícias sobre alguma reforma na escola... Temos até uma parte para as fofocas, contanto que não ofenda ninguém, você sabe...
– E vocês são autorizados para isso?
– Oh, sim. Claro que sim! Somos muito competentes, na verdade. Tamanha nossa competência que nem temos professor para monitorar. Somos completamente independentes.
– Legal! – fiquei incrédula em pensar na possibilidade de estar em uma sala de aula sem o professor.
– Mas, bem, o que você quer fazer aqui?
– Eu não sei. Nunca fiz nada disso – disse, apontando para as inúmeras coisas que tinha naquela sala.
– O que não falta são coisas para fazer aqui, . Você pode imprimir, escrever, fotografar...
– Hola, chica! – disse um menino chegando próximo de nós, mas logo percebeu a minha presença e me olhou de forma engraçada. – Amy, não sabia que conhecia a menina nova!
– Não a chame assim, seu idiota! Já não basta todos a olharem como se fosse um pedaço de frango? Desculpe, . Esse é . Não se surpreenda se ele for um idiota em todo diálogo que vocês tiverem juntos.
– Desculpe – ele disse sincero e olhou para ela, revirando os olhos. Vi-o sussurrar para mim “não acredite nela”, enquanto Amy olhava concentrada para o tema do computador. Não pude deixar de rir da cena.
– Tudo bem.
– Seja bem-vinda, ! – ele sorriu e arrumou os cabelos para o lado. – Ou eu deveria dizer Joan Jett? – ele se referia aos acessórios e à maquiagem escura que eu estava usando. O que eu achei demais, devo dizer. Joan Jett! Eu não era dark nem nada do tipo. Acho que um pouco de delineador nos olhos e umas botas pretas nos pés confundem as pessoas.
– Obrigada por me chamar de Joan Jett. Essa foi a coisa mais legal da qual alguém já me chamou.
– Agora você faz parte do nosso time do jornal? – perguntou, sentando-se à mesa em que nós estávamos.
– É, acho que sim.
– Vá por mim, você vai amar isso aqui – espero que ele esteja certo. – O que vai fazer?
– Ela acabou de chegar, . Dê um tempo! – Amy estava concentrada no computador. Aparentava estar escrevendo algo, mas parecia estar prestando atenção em tudo ao mesmo tempo. – Você pode ajudar na fotografia, .
– Não sou boa em fotografar.
– Não precisa ser. As fotos apenas têm que sair nítidas e formais. Regras da escola – disse, revirando os olhos. – Eu vou sair para fotografar daqui a pouco. Pode ir comigo se quiser – concordei um pouco relutante. – Qual vai ser a manchete do jornal dessa semana, Amy?
– Não sei. Quais são as novas na Vineyard? – Amy ainda estava com os olhos no computador, mas parecia ter escrito boa parte de um texto. Cheguei à conclusão que Amy fazia parte da redação do jornal e queria saber sobre o que ela tanto escrevia.
– Ah, tenho sim! – disse o garoto que agora pegara uma cadeira e se juntara às duas meninas. Ele falava baixo em tom de sussurro, como se poucos pudessem saber da informação. – e Megan terminaram!
– Quê? – a ruiva olhava para perplexa. – Como? Disseram-me que eles namoram desde crianças!
– E namoravam! Mas, bem, parece que ele descobriu que ela não era muito fiel. Eu vi tudo! Estávamos na sala de jogos e eles terminaram quase que na minha frente. Ele ficou arrasado depois.
– é do time de futebol e Megan é líder de torcida – ela me explicou, pois eu obviamente não estava entendendo nada. – O casal perfeito de filmes, sabe? Rei e rainha do baile e essas coisas.
– Está na hora de ir, – disse, levantando-se. – Temos uma matéria muito legal para fazer no clube de xadrez – ele disse nem um pouco animado, olhando o relógio de pulso. Eu tinha minhas dúvidas de se trabalhar como fotógrafa no jornal da escola seria uma coisa interessante, mas não tinha outra opção, apesar de estremecer só de pensar em ficar muito perto de gente que eu mal conhecia.
Saímos da sala comigo no encalço de , perguntando-me se em algum momento ele iria explicar como exatamente iríamos fazer aquilo. O máximo de experiência que eu tinha com fotos eram as fotografias que eu postava em meu Instagram. Nada de mais, visto que minha vida não era muito agitada.
– Então, , de onde veio? – o garoto perguntou subitamente, fazendo-me ficar um pouco atordoada com a pergunta. Não pensei que ele fosse ser amigável comigo. E também pelo fato de que era um cara muito bonito. Usava o casaco do time de futebol e estava sempre sorrindo de lado. Um completo cara popular e bonito da escola, igual em todos os filmes adolescentes.
– Nova York.
– Ah, wow, sério? Como é a Times Square? – ele perguntou muito animado. Enquanto andávamos, alguns garotos davam toques ou gritavam o nome de . Ocorreu a mim ele que era um cara realmente popular e isso me fez questionar o porquê do rapaz participar do jornal da escola.
– É legal, eu acho. Na verdade não fui muitas vezes.
– Que pena. Eu dava tudo para ir àquele lugar. Chegamos! – então abriu uma porta escrito “xadrez” e cochichou apenas para eu ouvir. – É mais fácil do que você pensa. É só me seguir.
Não fiz muita coisa, para ser sincera. Era mais fácil do que eu imaginava, de fato, mas ainda era um pouco complicado acertar no que chamava de “enquadramento”. Não sabia se iria conseguir fazer aquilo com perfeição em um dia. me disse que, além de tirar as fotos, ainda teríamos que editar e ler os textos sobre o assunto. O que acontecera era que o clube de xadrez iria participar de uma disputa nacional representando a Califórnia. Por isso precisavam de uma foto coletiva e de algumas outras com os alunos representando uma partida do jogo. Aparentemente, a notícia sobre o assunto iria dar mais de uma capa. Muito merecido. Eles pareciam muito inteligentes.
– Obrigada por me ajudar. Eu não fazia ideia do que estava fazendo.
– Ah, você pega o jeito! Mas agora precisamos limpar as lentes. Ficaria grato se me ajudasse. É só passar um pouco de água morna nela – ele disse, apontando para um dos banheiros femininos. Fiquei me perguntando quantos banheiros havia naquele lugar. Tinha a impressão de que via um em cada corredor.
– Tudo bem – entrei no banheiro com a lente na mão e a bolsa da câmera pendurada no meu ombro.
Quando entrei nele, dei de cara com Christina. Ela passava algo nos olhos que parecia ter saído dos Jogos Mortais – eu não sabia o que era. O meu conhecimento de maquiagem se resumia a delineador e batom. Ela sorriu para mim e disse que estava retocando a maquiagem porque estavam fotografando ao ar livre naquele dia.
– Eu estava ajudando a fotografar para o jornal – mostrei a bolsa da câmera e a lente para ela.
– Já conheceu ? – ela agora passava alguma coisa no rosto. Céus, o quão cedo ela acordava para fazer aquilo toda manhã? – Espere até conhecer os outros meninos! Você vai adorar todos eles.
Dirigi-me à pia e tentei fazer o que pediu, mas não sabia ao certo qual era a torneira quente e como fazia para deixá-la morna. Porém logo aprendi a manusear as torneiras – não antes de conseguir molhar minha gravata inteira.
Ia dar a meia volta, despedindo-me de Christina, quando percebi algo. Não algo, mas alguém. E não era Christina, porque ela estava entretida demais se olhando no espelho. Era alguém além dela. Estávamos sozinhas no banheiro há dois segundos. Como poderia ter entrado alguém tão rápido?
Era alguém mais atrás, que apenas eu conseguia ver. Em um dos boxes do banheiro, olhando fixamente para a garota loira... Estava uma criança. Com tranças e vestido plissado, tão inocente quanto qualquer criança de sua idade. Mas logo vi que seu olhar não era de inocência. Seu olhar era de raiva e, como eu já tivera a má experiência, aquele não era um fantasma bondoso.
Fantasmas tinham mais poderes do que qualquer pessoa que não era um mediador poderia dizer. Moviam objetos, apagavam as luzes e, se muito irritados, destruíam coisas. É claro que muitos deles nem sabiam que tinham poderes. Mas eu já tive o desprazer de apreciar aquilo tantas vezes e acabei me metendo em muitos problemas por causa disso.
“Oh, não”, foi o que consegui dizer quando um estrondo aconteceu. Não deu tempo de fazer muita coisa. Não pensei duas vezes e corri até Christina, empurrando-a contra o peito, e nós duas caímos no chão. Ela não entendeu nada até o barulho chegar aos seus ouvidos, fazendo-a gritar.
O espelho havia se partido em milhões de pedaços.
Quando vi meu primeiro fantasma, eu tinha quatro anos. Estava no enterro de meu tio-avô e, enquanto a comoção entre todos no lugar acontecia, corri até minha mãe, avisando que meu tio estava vivo e não tinha motivo para todos estarem tão tristes. Minha mãe apenas me deu um olhar severo e me mandou calar a boca.
Aquilo tudo foi o começo para meus pais acharem que havia algo errado. Ver pessoas que ninguém mais via, falar sozinha, principalmente em lugares antigos demais, assustava qualquer um. Qualquer um menos a mim. Vendo tudo aquilo acontecer, meus pais ficaram loucos e me levaram a todos os terapeutas possíveis, porém pode ter certeza que a coisa mais normal na minha vida era bater um papo com meus amigos mortos.
Então, quando eu tinha nove anos, uma amiga da minha mãe fez uma visita. Ela vestia roupas coloridas e segurava um maço de cartas com desenhos estranhos. Conversavam sobre coisas que eu, apesar de ser uma garota muito inteligente para minha idade na época, não entendia muito bem. Quando apareci no pé da porta olhando esquisito para a mulher, minha mãe gritou para que eu voltasse para o quarto, mas a mulher, muito gentil, disse que não havia problema em me juntar à conversa. Logo seu olhar mudou em minha direção e a mulher deu um sorriso sincero. Era algo novo para mim. Parecia que ela me compreendia. Quando eu fiquei sozinha com ela por apenas dois minutos, enquanto minha mãe ia à cozinha, a mulher começou um breve diálogo sobre “missão na terra” e “mediadores”, alertou-me para não me amedrontar e encarar tudo com muita coragem. Confesso que não entendi de primeira. Precisei de algum tempo para digerir as informações, mas, depois de algumas horas em pesquisa no Google sobre mediadores, eu entendi tudo.
Eu era uma mediadora. E tinha uma missão na terra. Missão essa que não descobrira até então. Durante esses anos, conheci inúmeros fantasmas e os ajudei como pude, porque, segundo minhas pesquisas, era isso que um mediador fazia. Eu não tinha muita opção, na verdade. Era como se todos os mortos me encontrassem de alguma forma. Vinham até mim e pediam os mais diversos favores e ajudas.
Esse era o maior segredo que eu guardava, porque, afinal, como poderia contar aquilo para alguém? Os inúmeros terapeutas com os quais tive a infelicidade de estar diziam que eu era “incompreendida pelos pais” ou que “tinha o gênio muito forte”. Então, depois de anos de terapia e com meus pais me afastando de todas as pessoas, eles viram que eu não mudaria em nada. Minha mãe me achava rebelde e seu pai dizia que a adolescência havia chegado recente demais. Com isso, decidiram me matricular em um internato – claro, porque isso resolveria todos os problemas, certo? Diziam que era para uma melhor educação, mas eu sabia que aquilo era para se manterem afastados de mim até a faculdade – e depois me mandarem para a faculdade mais distante possível, nem que tivessem que pagar fortunas por isso.
Mas eu admitia para mim mesma que estava aliviada. Apesar de não saber lidar com socialização, tudo aquilo era melhor do que estar em casa com os meus pais.
A Vineyard Academy parecia inofensiva até então. É claro que eu sabia que haveria inúmeros fantasmas naquele lugar. Fiz uma pesquisa detalhada da escola antes de me mudar para ela. Descobri, então, que fora fundada em 1840 e que, como todo lugar antigo, histórias de fantasmas eram o que não faltava.
Entretanto, não sabia que havia um morto no meu quarto, o que me fez suspirar de frustração e raiva. Então não teria paz nem no meu próprio quarto? Pensei melhor e talvez fosse por esse motivo que Katy tivesse aversão àquele cômodo. Talvez fosse por isso que, em pleno novembro, ainda houvesse vaga na escola. Uma única vaga: a minha, que agora dividia o quarto com Amy – que aparentemente era uma pessoa bem cética. O que era bom, já que nós duas iríamos andar juntas e eu via mortos por todos os lugares. Apostava o dinheiro que fosse que Amy não acreditaria em nada que eu contasse, mas não precisava, porque eu não pretendia contar meu segredo a ninguém.
– Ok, quem é você? – perguntei cansada. Tinha que fazer aquilo tantas vezes que sabia de cor o que teria que perguntar.
– Quê? – disse o garoto, olhando para os lados. Parecia não ter notado que eu o olhava. Aparentemente, estava chocado por alguém conseguir vê-lo.
– Eu consigo ver você – disse impaciente.
– Como?
– Apenas consigo. Mas então, como veio parar aqui?
– Quê? – o garoto estava perdido, de fato. Pensei, então, que ele poderia ter morrido há pouco tempo.
– Você está morto.
– Eu sei – parecia profundamente ofendido pela última frase que eu disse. Não posso fazer muito a respeito. Não iria medir palavras para fazer o meu trabalho, principalmente porque ele estava no meu quarto.
– Como aconteceu?
– Por que você quer saber? – ainda parecia ofendido. Não entendi o que estava acontecendo. Já havia encontrado fantasmas rabugentos, mas aquele nem parecia querer ajuda! Por que ele estaria ali então? Ninguém o avisou que alguém como eu iria ajudá-lo? Nem parecia saber o que estava acontecendo!
– Porque é o meu trabalho. Pare de ser grosseiro. Eu estou aqui para ajudá-lo!
– Eu não pedi sua ajuda! – disse, levantando-se da cama. Pensei se ele estudava lá, mas, se estudava, por que estaria no dormitório das garotas?
– E eu não pedi para ajudá-lo! Agora, se não quer ser ajudado, ao menos saia daqui. Não pode ficar xeretando o quarto dos outros.
– Aonde quer que eu vá? Se quer saber, eu estava aqui antes de você e sua amiga – percebi então que aquele seria um daqueles fantasmas com quem eu teria um trabalho gigante. Tinha encontrado poucos iguais a ele até hoje, mas nunca tive que mandar nenhum à força. Torci para aquele não ser o primeiro. Não queria ter dor de cabeça logo no primeiro dia.
– Não quer ir embora? – perguntei simplesmente, deixando-o sem fala.
Aparentemente, o garoto não sabia que tinha a opção de ir embora. Ah-há!
– Para onde?
– Bom, aí é com você. O céu, o infinito, a próxima vida... Não sou muito de crenças. O que eu sei é que todos querem ir para lá – ele me olhou perplexo, como se eu estivesse dizendo as coisas mais absurdas do mundo. Estranhei. De fato, nenhum morto que tinha encontrado parecia tão perdido no mundo dos vivos como aquele. – Olhe, dou-lhe a minha palavra que vou ajudá-lo. Ok? Contanto que você não fique aqui.
– E para onde eu vou? – ainda não parecia querer ajuda, mas pareceu mais compreensível. Não acreditei muito em sua palavra, para ser sincera, mas não tinha muito o que fazer. Caso ele me incomodasse, nada que um soco no olho não resolvesse.
– Bom, a escola é enorme. E tem o seu plano espiritual ou qualquer coisa do tipo. Ah, e, por favor, não entre no quarto nem no banheiro das meninas.
– Ok – ele revirou os olhos e sumiu. Bem na minha frente. Para mim, aquilo era uma das coisas mais bizarras que os fantasmas conseguiam fazer.
O dia estava ensolarado como a maior parte do ano na Califórnia, mas não estava muito quente. Irritei-me profundamente com a saia pregada e a gravata, ambos de cor roxa, além da camisa formal branca e uma bota preta, adicionados a um terninho que Amy explicou ser necessário apenas para se estivesse muito frio. Não entendia a necessidade de um uniforme como aquele. A roupa de Educação Física não era muito melhor. Apenas não tinha gravata e a saia era substituída por um short horrível que ainda me deixava desconfortável.
– Eu tenho mesmo que usar? – perguntei, amarrando a gravata e observando o espelho.
– Bem, sim, a não ser que queira ser expulsa. Pode ter certeza de que o menor de seus problemas aqui será o uniforme.
– Tudo bem, mas vai ter que me ajudar a encontrar as minhas salas – disse, pegando meu horário e a mochila. Estávamos prontas para sair.
– Não é muito difícil. Quando você pegar o jeito, verá que as paredes e os corredores são mais diferentes do que aparentam – ao sairmos do dormitório, dei de cara com centenas de alunos andando para todos os lados. Não tinha percebido que havia tantas pessoas ontem à noite.
As salas eram umas do lado das outras para os alunos do mesmo ano. Um corredor imenso para os alunos do primeiro ano, o segundo andar para os do segundo ano e o terceiro andar para os alunos do terceiro ano. Aquilo facilitava as coisas para mim, mas ainda era difícil encontrar as salas, visto que a minha primeira era a 113 – Geografia com o senhor Ridgeway, um cara barbudo que me recebeu muito bem e me apresentou para a sala. Então todos os alunos me olharam e começaram os cochichos. Apenas desejei que as primeiras aulas passassem rápido para que eu pudesse me encontrar com Amy outra vez.
Entrar em uma nova escola quando o ano letivo já começara há dois meses era complicado. Eu estava realmente tentando acompanhar tudo fazendo anotações, mas sentia que estava mais perdida com minhas anotações do que sem elas. Torci para que Amy concordasse em me ajudar nas matérias. Eu definitivamente não conseguiria passar pelas provas sozinha. Amy estava em todas as aulas “avançadas” e disse se preparar para Harvard – isso tudo com apenas quinze anos. Ela era o orgulho de qualquer pai e fiquei me perguntando como conseguia ter tanto pique para acompanhar todas as aulas.
– Então, como foi? – perguntou Amy assim que o sinal tocou e todos foram para suas próximas aulas.
– Complicado – respondi sincera. Mal conseguia olhar para o meu horário que dizia que o dia iria terminar com duas aulas de Matemática. Fantástico!
– Você vai pegar o jeito. Pode contar com a minha ajuda – ela sorriu para mim, – Agora é a nossa aula eletiva. O que vai fazer?
– Não sei. Há muitas opções?
– Bem, algumas. Dani faz aula de teatro e Ali e Chris, fotografia. Você poderia ir para o Jornal comigo hoje. Se não gostar, você muda. Tem aula de muitas coisas, centenas de clubes...
– Tudo bem – eu não era a maior fã de jornais. Achava todos sensacionalistas e parciais demais, mas não poderia negar aquele convite e talvez com a companhia de Amy ficasse mais interessante.
“Grape News” dizia a placa na frende da sala onde nós entramos. Era grande em seu interior e todas as pessoas que ali estavam andavam para todos os lados fazendo algo que eu julguei parecer bem importante. O lugar era composto por inúmeras mesas e cadeiras, juntamente com computadores e várias gráficas. Todas as pessoas ali pareciam atarefadas, mas muito educadas. Sempre diziam “bom dia!” e “oi” para nós duas, que retribuíamos no mesmo tom.
– Seja bem-vinda!
– O que vocês fazem aqui exatamente?
– Tudo! Nós mesmos escrevemos, imprimimos e mandamos para a secretaria, onde os alunos podem ter acesso – eu acompanhava Amy se sentar em uma das cadeiras em frente ao computador. Fiz o mesmo, sentando-me ao seu lado.
– Mas sobre o que vocês falam?
– De tudo! Desde o futebol aos clubes, notícias sobre alguma reforma na escola... Temos até uma parte para as fofocas, contanto que não ofenda ninguém, você sabe...
– E vocês são autorizados para isso?
– Oh, sim. Claro que sim! Somos muito competentes, na verdade. Tamanha nossa competência que nem temos professor para monitorar. Somos completamente independentes.
– Legal! – fiquei incrédula em pensar na possibilidade de estar em uma sala de aula sem o professor.
– Mas, bem, o que você quer fazer aqui?
– Eu não sei. Nunca fiz nada disso – disse, apontando para as inúmeras coisas que tinha naquela sala.
– O que não falta são coisas para fazer aqui, . Você pode imprimir, escrever, fotografar...
– Hola, chica! – disse um menino chegando próximo de nós, mas logo percebeu a minha presença e me olhou de forma engraçada. – Amy, não sabia que conhecia a menina nova!
– Não a chame assim, seu idiota! Já não basta todos a olharem como se fosse um pedaço de frango? Desculpe, . Esse é . Não se surpreenda se ele for um idiota em todo diálogo que vocês tiverem juntos.
– Desculpe – ele disse sincero e olhou para ela, revirando os olhos. Vi-o sussurrar para mim “não acredite nela”, enquanto Amy olhava concentrada para o tema do computador. Não pude deixar de rir da cena.
– Tudo bem.
– Seja bem-vinda, ! – ele sorriu e arrumou os cabelos para o lado. – Ou eu deveria dizer Joan Jett? – ele se referia aos acessórios e à maquiagem escura que eu estava usando. O que eu achei demais, devo dizer. Joan Jett! Eu não era dark nem nada do tipo. Acho que um pouco de delineador nos olhos e umas botas pretas nos pés confundem as pessoas.
– Obrigada por me chamar de Joan Jett. Essa foi a coisa mais legal da qual alguém já me chamou.
– Agora você faz parte do nosso time do jornal? – perguntou, sentando-se à mesa em que nós estávamos.
– É, acho que sim.
– Vá por mim, você vai amar isso aqui – espero que ele esteja certo. – O que vai fazer?
– Ela acabou de chegar, . Dê um tempo! – Amy estava concentrada no computador. Aparentava estar escrevendo algo, mas parecia estar prestando atenção em tudo ao mesmo tempo. – Você pode ajudar na fotografia, .
– Não sou boa em fotografar.
– Não precisa ser. As fotos apenas têm que sair nítidas e formais. Regras da escola – disse, revirando os olhos. – Eu vou sair para fotografar daqui a pouco. Pode ir comigo se quiser – concordei um pouco relutante. – Qual vai ser a manchete do jornal dessa semana, Amy?
– Não sei. Quais são as novas na Vineyard? – Amy ainda estava com os olhos no computador, mas parecia ter escrito boa parte de um texto. Cheguei à conclusão que Amy fazia parte da redação do jornal e queria saber sobre o que ela tanto escrevia.
– Ah, tenho sim! – disse o garoto que agora pegara uma cadeira e se juntara às duas meninas. Ele falava baixo em tom de sussurro, como se poucos pudessem saber da informação. – e Megan terminaram!
– Quê? – a ruiva olhava para perplexa. – Como? Disseram-me que eles namoram desde crianças!
– E namoravam! Mas, bem, parece que ele descobriu que ela não era muito fiel. Eu vi tudo! Estávamos na sala de jogos e eles terminaram quase que na minha frente. Ele ficou arrasado depois.
– é do time de futebol e Megan é líder de torcida – ela me explicou, pois eu obviamente não estava entendendo nada. – O casal perfeito de filmes, sabe? Rei e rainha do baile e essas coisas.
– Está na hora de ir, – disse, levantando-se. – Temos uma matéria muito legal para fazer no clube de xadrez – ele disse nem um pouco animado, olhando o relógio de pulso. Eu tinha minhas dúvidas de se trabalhar como fotógrafa no jornal da escola seria uma coisa interessante, mas não tinha outra opção, apesar de estremecer só de pensar em ficar muito perto de gente que eu mal conhecia.
Saímos da sala comigo no encalço de , perguntando-me se em algum momento ele iria explicar como exatamente iríamos fazer aquilo. O máximo de experiência que eu tinha com fotos eram as fotografias que eu postava em meu Instagram. Nada de mais, visto que minha vida não era muito agitada.
– Então, , de onde veio? – o garoto perguntou subitamente, fazendo-me ficar um pouco atordoada com a pergunta. Não pensei que ele fosse ser amigável comigo. E também pelo fato de que era um cara muito bonito. Usava o casaco do time de futebol e estava sempre sorrindo de lado. Um completo cara popular e bonito da escola, igual em todos os filmes adolescentes.
– Nova York.
– Ah, wow, sério? Como é a Times Square? – ele perguntou muito animado. Enquanto andávamos, alguns garotos davam toques ou gritavam o nome de . Ocorreu a mim ele que era um cara realmente popular e isso me fez questionar o porquê do rapaz participar do jornal da escola.
– É legal, eu acho. Na verdade não fui muitas vezes.
– Que pena. Eu dava tudo para ir àquele lugar. Chegamos! – então abriu uma porta escrito “xadrez” e cochichou apenas para eu ouvir. – É mais fácil do que você pensa. É só me seguir.
Não fiz muita coisa, para ser sincera. Era mais fácil do que eu imaginava, de fato, mas ainda era um pouco complicado acertar no que chamava de “enquadramento”. Não sabia se iria conseguir fazer aquilo com perfeição em um dia. me disse que, além de tirar as fotos, ainda teríamos que editar e ler os textos sobre o assunto. O que acontecera era que o clube de xadrez iria participar de uma disputa nacional representando a Califórnia. Por isso precisavam de uma foto coletiva e de algumas outras com os alunos representando uma partida do jogo. Aparentemente, a notícia sobre o assunto iria dar mais de uma capa. Muito merecido. Eles pareciam muito inteligentes.
– Obrigada por me ajudar. Eu não fazia ideia do que estava fazendo.
– Ah, você pega o jeito! Mas agora precisamos limpar as lentes. Ficaria grato se me ajudasse. É só passar um pouco de água morna nela – ele disse, apontando para um dos banheiros femininos. Fiquei me perguntando quantos banheiros havia naquele lugar. Tinha a impressão de que via um em cada corredor.
– Tudo bem – entrei no banheiro com a lente na mão e a bolsa da câmera pendurada no meu ombro.
Quando entrei nele, dei de cara com Christina. Ela passava algo nos olhos que parecia ter saído dos Jogos Mortais – eu não sabia o que era. O meu conhecimento de maquiagem se resumia a delineador e batom. Ela sorriu para mim e disse que estava retocando a maquiagem porque estavam fotografando ao ar livre naquele dia.
– Eu estava ajudando a fotografar para o jornal – mostrei a bolsa da câmera e a lente para ela.
– Já conheceu ? – ela agora passava alguma coisa no rosto. Céus, o quão cedo ela acordava para fazer aquilo toda manhã? – Espere até conhecer os outros meninos! Você vai adorar todos eles.
Dirigi-me à pia e tentei fazer o que pediu, mas não sabia ao certo qual era a torneira quente e como fazia para deixá-la morna. Porém logo aprendi a manusear as torneiras – não antes de conseguir molhar minha gravata inteira.
Ia dar a meia volta, despedindo-me de Christina, quando percebi algo. Não algo, mas alguém. E não era Christina, porque ela estava entretida demais se olhando no espelho. Era alguém além dela. Estávamos sozinhas no banheiro há dois segundos. Como poderia ter entrado alguém tão rápido?
Era alguém mais atrás, que apenas eu conseguia ver. Em um dos boxes do banheiro, olhando fixamente para a garota loira... Estava uma criança. Com tranças e vestido plissado, tão inocente quanto qualquer criança de sua idade. Mas logo vi que seu olhar não era de inocência. Seu olhar era de raiva e, como eu já tivera a má experiência, aquele não era um fantasma bondoso.
Fantasmas tinham mais poderes do que qualquer pessoa que não era um mediador poderia dizer. Moviam objetos, apagavam as luzes e, se muito irritados, destruíam coisas. É claro que muitos deles nem sabiam que tinham poderes. Mas eu já tive o desprazer de apreciar aquilo tantas vezes e acabei me metendo em muitos problemas por causa disso.
“Oh, não”, foi o que consegui dizer quando um estrondo aconteceu. Não deu tempo de fazer muita coisa. Não pensei duas vezes e corri até Christina, empurrando-a contra o peito, e nós duas caímos no chão. Ela não entendeu nada até o barulho chegar aos seus ouvidos, fazendo-a gritar.
O espelho havia se partido em milhões de pedaços.
Capítulo 3 - Lucy
– Vocês estão bem? – Amy, Alison e Dani entraram na enfermaria. A enfermeira não gostou muito da atitude das três, resmungando algo antes de terminar a atadura de Christina e sair da sala, antes avisando que já estávamos de alta.
– Sim.
– Não – ela disse, cruzando os braços no mesmo tempo que eu, e ameaçou chorar. Não podia estar tão machucada, podia? As ataduras nos seus braços e pernas não eram maiores do que as minhas. A única coisa que era diferente dela era o curativo médio em seu pescoço. Dani foi ao seu encontro e passou a mão no seu ombro como um sinal de apoio. Disse algo sobre ligar para os pais ou algo do tipo.
Logo me veio uma tontura. Não pelo acidente, mas pelos meus pais. Tinha me esquecido completamente deles. Será que estariam furiosos? Ou melhor, será que essa história havia chegado a eles? Esperava muito que não, apesar de saber que a direção já devia ter feito ligações a respeito do acidente.
– Quem já sabe disso? – perguntei curiosa.
– Quem sabe? Está brincando, ? Está todo mundo falando disso! Quando soubemos que a novata sofrera um acidente no banheiro feminino, nós logo soubemos que era você. Foi uma questão de tempo para acharmos vocês aqui – Amy disse como se fosse algo óbvio. Ah, não! Coloquei as mãos no rosto e suspirei. Teria que aguentar uma ligação de uma hora de minha mãe falando sobre o assunto. Já estava ciente disso. – A escola inteira já está comentando. Acho que você não vai sair da boca da galera nem tão cedo, .
– Ah...
– Os meninos mandaram lembranças. ficou bem preocupado, na verdade – Alison disse, olhando para Christina que ainda estava chateada. A garota corou e se levantou da cama o mais rápido que pôde, assim como eu. Hum, quem era , afinal? – mandou dizer que ele mesmo quer tirar a foto de vocês duas para sair no jornal dessa semana – disse, balançando a cabeça e rindo junto com as outras meninas.
– Ah, meu Deus, ! A câmera dele. Amy, desculpe, mas acho que a perdi no banheiro.
– Como poderia se preocupar com uma câmera se os dutos de ar explodiram?
Os dutos de ar explodiram. Claro. Como poderia ter outra explicação? Outra explicação que não fosse paranormal. Eu não entendi muito a ligação, para ser sincera, mas percebi que provavelmente fora a única conclusão a que puderam chegar. Pensei na criança do banheiro e logo percebi o trabalho que teria com ela. Mas, afinal, por que estava tão irritada com Christina e o que mais ela poderia destruir? Senti um arrepio e prometi para mim mesma que só iria pensar nela mais tarde.
– é um idiota, . Não ligue para ele – Amy revirou os olhos. – A câmera está inteira, mas a lente ficou em pedaços. Não precisa se preocupar. A câmera é da escola.
– Nós podemos ir agora? – Christina parecia transtornada. Já estava em pé e queria chegar ao quarto o mais rápido que pudesse. Não a julguei por isso. O meu estado também não estava dos melhores. Tinha até medo de me olhar no espelho.
As outras três acompanharam eu e Christina até o quarto. A enfermeira tinha dado o dia livre para nós duas repousarmos.
Tive que lidar com todas as pessoas comentando e me olhando mais do que o normal. Era estranho e desconfortável porque eu não gostava de tanta atenção, mas aparentemente seria assim por mais longas semanas. Christina não estava muito abalada em relação a isso. Parecia apenas querer chegar ao quarto o mais rápido possível. Minha mãe estaria orgulhosa, de fato. Sendo artista e gostando de tanta atenção, estaria radiante se visse sua filha ser o centro das atenções da escola inteira.
Despedi-me das meninas assim que subi para o quarto – as outras três teriam mais aulas, já que ainda estava de manhã. Deitei-me na cama assim que fechei a porta do quarto. Não sabia o que estava acontecendo e o que estava pensando. Aquela seria minha vida agora, certo? Achar fantasmas na escola e cuidar para que eles não matassem ou incomodassem ninguém. Não parecia tão ruim, visto que eu já fazia isso há anos, porém aquela era uma situação diferente. Não conhecia ninguém ali, a escola era enorme e eu tinha a impressão de que encontraria um morto em toda sala que entrasse. Não estava errada, de certa forma, mas proteger toda aquela gente me deixava com dor de cabeça, sem contar o medo incessante de algo ruim acontecer e eu não poder fazer nada a respeito. Um bom exemplo disso foi o episódio no banheiro. O que teria acontecido se eu não estivesse ali naquele momento? Christina estaria terrivelmente machucada ou até morta. Era muita responsabilidade para uma pessoa cuidar.
– O que faz aqui? – eu simplesmente odiava sentir aquilo. Pior do que ver era sentir, e era horrível porque não podia simplesmente ignorar um fantasma.
– Não achei aquilo que você falou – eu tinha me esquecido de que talvez o pior com que teria que lidar ali seria o cara morto do meu quarto. – O que aconteceu com você? – parecia confuso ou perdido. Eu não sabia distinguir.
– Um acidente – não gostei do jeito que ele falou. Não gostava de intimidade com fantasmas. Conversava com todos eles, mas perguntas íntimas? Nunca! – Olhe, não quero mesmo que fique aqui.
– Por quê? – ele perguntou ofendido.
– Porque é o meu quarto – respondi, voltando a me deitar. – E o de Amy.
– É bonito aqui – o garoto disse como se ignorasse tudo que eu dizia. – Mas esses caras na parede... – ele negou com a cabeça, como se desaprovasse qualquer banda que não fosse a preferida dele. Não deixei de revirar os olhos. – Quem são?
– Não sei. Já estavam aí quando eu cheguei – eram uns três pôsteres grandes com alguns caras de aparência asiática.
Essa era a primeira vez que eu o observava realmente. Era particularmente bonito, com o cabelo sempre bagunçado e sem nenhum resquício de barba obviamente. Não parecia ter mais do que um ano de diferença da minha idade e sua voz parecia ter entrado agora na puberdade. Suas roupas não eram tão antigas e pareciam bem caras, então percebi que não fazia tanto tempo que ele havia morrido. Estava sempre com um olhar confuso, o que me deixava um tanto quanto irritada.
– Não tem nada para fazer aqui – disse, dando de ombros. Eu achei engraçado. Não conhecia fantasmas que ficassem realmente entediados. Por sempre estarem na Terra para cumprir algo, sempre tinham alguma coisa para fazer, nem que essa coisa fosse matar alguém. Ele era o único fantasma que eu conhecia que parecia não gostar de ainda andar por aí.
– Bem, isso não é problema meu.
– Pensei que era o seu trabalho – ele ainda andava pelo quarto. A essa altura, já havia tocado em todos os livros da estante, ignorando os meus pedidos para que parasse.
– O meu trabalho é mediar você até onde tem que ir.
– Não seja boba. Não existe isso de próxima vida – disse, cruzando os braços. Parecia um adolescente confrontando a mãe por não poder jogar vídeo game. – Não pode fazer isso agora?
– Bem, diga isso para quem acredita nessas coisas. E não, não posso porque não quero.
O menino não disse mais nada. Apenas continuava observando o local. Apenas me deitei novamente na cama, fechei meus olhos e esperei que ele fosse embora. Fantasmas iam embora quando viam que os vivos não podiam ajudar, mas o menino era insistente. Continuava fazendo perguntas, deixando-me fora do sério.
– Cara, sério. Eu queria muito ficar sozinha.
– Wow! Maze Runner! – pegou um dos livros da estante. – Eu sempre quis ler esses.
– Nem se atreva! São de Amy – ele revirou os olhos e os colocou na estante, mas eu sabia que aquela não seria sua última tentativa de roubar alguns dos livros. Porém, antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, meu celular tocou.
Estava em cima da mesa e tocava alto uma música de uma abertura de um seriado qualquer. Olhei no visor e vi o nome “mãe” apitando. Merda! Eu estava realmente ferrada! Olhei para o garoto e fiz sinal para que ele se calasse. Esse apenas virou de costas e continuou olhando a estante.
– Alô?
– ! Você pode me dizer que diabos estava pensando? – ela gritava. Tive que afastar o telefone do ouvido. Tinha a certeza de que o garoto estava ouvindo tudo. – O que foi que você fez?
– Nada! – gritei de volta. Conversar aos gritos com ela era quase um hábito.
– E você quer que eu acredite? O que quer que eu pense quando a própria diretora me liga essa manhã e fala o que você aprontou? – “o que eu aprontei”. Ela sempre falava isso quando me metia em encrenca. É claro que as explicações reais eram sobre fantasmas, mas ela não sabia dessa parte, o que fazia com que a mulher me acusasse e a culpa sempre era minha. – Eu a deixei aí ontem, . No primeiro dia de aula você já me apronta?
– Eu não fiz nada! O espelho quebrou. Se você quer saber, ele caiu em cima de mim e da minha amiga. Estamos bem, caso você queira fingir que se preocupa!
– Amiga? – ah, que bela mãe eu fui ter, hein? Ela parecia mais chocada com o fato de eu ter feito amigos do que com qualquer outra coisa. Limitei-me a revirar os olhos. Eu poderia desligar o telefone a qualquer momento. – Não desvirtue a conversa, mocinha! Eu estou lhe avisando: se houver outra ligação sobre você, eu mesma vou aí resolver...
Não a esperei terminar e desliguei o telefone antes que ela pudesse retornar. Conversar com ela sempre me deixava exausta. É claro que era oportuna para minha mãe aquela situação... Ela não queria nem ter ligações a meu respeito. Quem dirá falar comigo? A nossa relação era complicada e eu tinha a impressão que nunca iria melhorar. Eu poderia ter morrido. Eu e Christina poderíamos ter sido dilaceradas pelo vidro e ela apenas quer saber do meu “bom comportamento”. Ora, eu estava a quilômetros de distância, sob a responsabilidade de outras pessoas e ela ainda se incomodava? Por quê?
– Gritar assim vai deixá-la... – o garoto disse, fazendo com que eu me assustasse. Tinha me esquecido completamente de sua presença e existência.
– Fique na sua, idiota! – mas minha voz baixou e, para a surpresa de nós dois, a maçaneta da porta se mexeu, revelando uma garota de cabelos ruivos com o cenho franzido.
– Estava falando com alguém? – perguntou ao adentrar no quarto. Neguei, olhando rispidamente para o garoto que parecia se divertir. Aparentemente, o rapaz tinha entendido que as coisas seriam daquele jeito a partir de então. Ele aparecendo no meu quarto, apenas eu o vendo e tendo que disfarçar quando houvesse outra pessoa no cômodo. – Ok. Estou morrendo de fome! Vamos?
– Vamos! – disse, correndo até a porta atrás de Amy. Precisava de normalidade. Precisava ficar longe de fantasmas pelo menos algumas horas do dia. Minha manhã inteira já havia sido massacrada pela garotinha e pelo idiota do meu quarto.
– Prefiro que me chame de – disse o garoto antes de sumir, fazendo a minha espinha se arrepiar completamente.
O sol estava forte na hora do almoço, fazendo com que todos os alunos fossem almoçar na área ao ar livre da escola. Amy disse que, quando o sol aparecia demais, todos iam ao seu encontro porque não sabíamos quando ele iria aparecer assim de novo. Logo avistamos as meninas – Christina ainda estava enfaixada e fazia cara de pena. Eu e todos sabíamos que nada estava doendo, mas ela precisava enaltecer o que sentia a cada segundo. Dani, que não aguentava mais aquele mimimi, revirava os olhos sempre que a loira narrava o acidente novamente.
Dessa vez, elas não estavam sozinhas. Estavam com meninos em volta e pude perceber a presença de com um ar de preocupação, mas nunca deixando seu sorriso divertido sair dos lábios.
– Eu a deixo um minuto sozinha e você já se esparrama no chão? – ele perguntou assim que chegamos à mesa. Balançava a cabeça divertido, mas logo parou quando Amy lhe deu uma cotovelada.
– Cale a boca! Ela poderia ter morrido!
– Obrigada pela preocupação, – eu disse rindo. Ele logo olhou para Amy e sussurrou: “eu não disse?”.
– , quero lhe apresentar... – era a voz de Christina. – Esses são e – apontou para os dois meninos da mesa. Eram lindos como e pareciam ser do time de futebol também. E parecia ser mais especial para ela, porque ele a abraçava e os dois cochichavam algo em sorrisos que eu não conseguia escutar.
– Então você é a menina do acidente? – o tal perguntou sorrindo.
– Você também, ? – Amy o fuzilou com o olhar.
– Eu mesma – respondi. – Ouviu muito falar de mim?
– O que eu tenho a dizer é que você é a nova sensação por aqui.
– O time de futebol estava comentando: é verdade que você sabe lutar muay thai? – perguntou curioso. Segurei-me para não rir porque aquilo seria bem útil, na verdade. Eu sabia dar alguns socos quando necessário em alguns fantasmas inconvenientes, mas isso era tudo. Neguei com a cabeça. – Era o que estavam falando, pelo menos.
– Na aula de Espanhol, alguns estavam comentando que você se machucou rolando no chão – disse divertido e todos riram.
– Certo, . Pode desembuchar! – Alison começou e eu fiz a expressão de “quê?”. – Conte o que realmente aconteceu. Diga o que você viu!
Como assim o que eu vi? Como eles poderiam saber de algo? Não poderiam, certamente. Torci para que todos fossem céticos como Amy e nunca descobrissem ou acreditassem nas coisas que eu realmente via. Olhei para todos que estavam com expressões curiosas e não sabia o que dizer.
– Não seja boba, Ali! O que ela viu foi o espelho rachar! – Christina disse, salvando-me. Não pude deixar de ficar aliviada. Eu não teria pensado naquilo tão rápido.
– Adoraria ter visto sua luta de muay thai com os dutos de ar.
– Daria um filme bem bom, na verdade – pareceu pensar. – Com o Jack Chan, sem sombra de dúvidas – com isso, os meninos se empolgaram, falando do possível filme que poderia ter sido gravado com aquela história, e eu só percebi que estava junto na conversa quando comentei que a Amanda Seyfried faria um ótimo papel de Christina na história.
Com a conversa até o toque para a próxima aula, todos fizeram com que eu me sentisse muito bem e até me fizeram esquecer da popularidade que aparentemente tinha ganhado naquela escola. Conversavam comigo como se eu já fizesse parte do grupo e e – que eram dois palhaços, devo dizer – me faziam rir o tempo inteiro. Sem falar nas vezes que eles zoavam e Christina por “não assumirem” o que tinham, sendo que os abraços e troca de olhares já explicitavam tudo. Percebi que Amy e brigavam mais do que o normal. Não brigavam, mas se irritavam o tempo inteiro. Ela não suportava as brincadeiras que o garoto fazia e ele não suportava o jeito certinho dela. Fiz um lembrete mental de perguntar a Amy o que acontecia entre os dois, afinal. Já não pôde deixar de soltar que Alison já havia saído com todo o time de futebol. A garota apenas revirou os olhos e disse que aquilo era exagero. Ela parecia a mais feliz de todos sentados ali e revidou, falando que tinha uma namorada na Meinhardt Academy – escola vizinha e rival da Vineyard. Dani também não parecia preocupada com isso. Parecia ser confiante demais para estar com alguém. Ela, nem nenhum dos outros, tocou no assunto, então eu não podia saber. Porém aquela e todas as conclusões que eu estava tirando eram apenas das minhas observações.
Felizmente, a enfermeira deu o dia de repouso para mim e Christina. Não que estivéssemos impossibilitadas de fazer algo. Aquilo era mais para a consciência ficar tranquila de que estaríamos bem o dia inteiro.
Entretanto, antes de levantarmos... Eu a vi de novo. Parada bem ali, um pouco distante de nós, mas com o mesmo olhar de morte... Estava a criança, a menina bonitinha, porém que na verdade não tinha nada de inocente. Parecia encarar Christina com a raiva de alguém que fora assassinada por ela. Não conseguia imaginar a cena. Tinha certeza de que Christina jamais teria feito algum mal àquela menina. Por mais que a garota estivesse ali, enraivecida e com o olhar de vingança nos olhos, eu não pude deixar de estremecer. Eu teria que ficar de olho em Christina para que aquela garotinha não tentasse matá-la? Provavelmente sim.
Então percebi que a criança também olhava para . Por quê? Ela olhava para os dois não apenas com raiva, mas com... Ciúmes? Bem, aquilo foi o suficiente para eu ficar mais confusa com a situação. O que aquela garotinha tinha a ver com , afinal?
– ? – uma voz me chamou. Parecia cansada de me chamar, então percebi que era Amy e que sua mão estava no meu ombro. Merda! O quão idiota eu parecia olhando para alguma coisa que apenas eu via? Aquilo acontecia tantas vezes que já tinha me acostumado com o rosto confuso com que as pessoas me olhavam. – Tudo bem?
– Sim! – então olhei em direção à menina e ela havia sumido.
– Estava dizendo que nós vamos para a aula agora.
– Tudo bem. Eu vou para o quarto – disse, olhando para Christina que assentiu para me fazer companhia.
A noite caiu mais rápido do que eu pensava, trazendo um frio congelante e uma Amy com vários papéis em mãos. Entregou-me algum deles e disse que era o meu dever de casa. Dá para acreditar? Eu não sabia dizer se Amy era a melhor ou pior colega de quarto.
Ela estava particularmente enraivecida naquela noite. Contou-me que estava com uma dupla horrível em um trabalho de História. O garoto não fazia nada e ela não aguentava mais olhar para ele. Sugeri que falasse com o professor, mas a garota disse que já havia feito isso e que ele não iria mudar de dupla, que aquilo também era com o intuito de os alunos se conhecerem melhor. Então sugeri que ela apenas colocasse seu nome e apresentasse sozinha, e a menina pediu que eu a ajudasse a dar um murro no menino. Não pude deixar de rir de sua irritação.
Durante a ausência de Amy, pensei sobre a garota e sua relação com Christina e . Não cheguei a nenhuma conclusão nem o Google me ajudou a achar. Nenhuma morte de criança na escola inteira. Eu não podia sair do quarto e perambular pela escola atrás dela, então resolvi apelar para a última coisa que eu tinha: minha colega de quarto.
– Quê? – ela juntou as sobrancelhas. Não parecia desentendida. Apenas surpresa por eu ter perguntado. – Como sabe disso?
– Ahm, bem, vi no jornal, eu acho.
– Bem, não importa – ela disse como se minha desculpa tivesse sido convincente. Claro que eu não disse nada sobre fantasmas. Apenas perguntei da garotinha e sua relação com e Christina. – Eu acho que você está falando da irmã de : Lucy. Ela morreu no verão passado – disse triste. E eu não pude deixar de ficar também. Era difícil de imaginar , tão sorridente fazendo piadas com os meninos, triste e desolado por causa do falecimento da irmã. – Ela se afogou na piscina de uma amiga. ficou arrasado. Faltou um período imenso de aula. Tivemos que dar muito suporte a ele.
– Não sei o que dizer. Sinto muito.
– É triste, de fato. está melhor agora, mas não comente nada com ele. Ok? Tenho a impressão de que ainda não está 100% – provavelmente nunca vai estar. – Christina o fez melhorar muito. Digo, por causa dela, ele está melhorando... Seja lá o que é que eles tenham.
Bingo! Então era por isso que a garotinha estava olhando para os dois daquela forma? Talvez não gostasse do irmão ter um novo amor, uma namorada ou qualquer coisa do gênero. Talvez pensasse que ele iria esquecê-la por causa de Christina. Fazia sentido, de fato, mas não era desculpa para ela tentar matá-la. Percebi que teria que fazer com a menina uma das coisas que eu mais odiava com os fantasmas: conversar.
– A gente não toca mais no assunto, de qualquer forma – ela disse, tirando-me do transe que eu estava. – Bem, eu vou tomar banho. Preciso tirar aquele idiota da minha cabeça e resolver o que farei no trabalho – pegou suas coisas e saiu do quarto.
– Vocês não estão falando da Mariazinha, estão? – apareceu assim que Amy saiu do quarto, dando-me um susto e me deixando irritada.
– Mariazinha? – meu cenho estava franzido e meus braços, cruzados. Quem diabos era Mariazinha?
– É! A garota que está sempre no corredor de baixo. Ela fica na frente de um quarto toda noite, mas nunca entra. É meio sinistro.
– Quê?
– Ela parece irritada. Eu tento falar com ela, mas a garota não me responde. Parece que vai matar alguém a qualquer minuto.
Gelei. Será que ela realmente mataria Christina? Digo, é claro que teria força para tal, mas teria coragem? Céus, era apenas uma criança! Porém não deixava de ser um fantasma e, de fato, muito poderoso. Pensei no que ela poderia fazer de madrugada com todos dormindo. Era bizarro pensar que alguém poderia morrer em questão de horas, bem de baixo do meu nariz, enquanto todos estavam dormindo.
– E você não pretendia me contar?
– Pensei que esse era o seu trabalho, afinal – ele rebateu. – Você não tem nenhum radar ou algo do tipo?
– Radar? Que filmes anda assistindo? Isso aqui não é nenhum Ghostbusters ou algo do tipo. Isso aqui é vida real! – falei, mas minha cabeça ainda pensava na menina e no que ela poderia fazer.
– Já pensou em se inspirar nesse filme? Você precisa ser mais como Bill Murray.
– E você precisa calar a boca. Por que não vai andar com algum fantasma? – perguntei e ele fechou a cara.
– Isso é uma coisa que eu queria falar com você, na verdade. Os que encontrei aqui não são muito amigáveis. Digo, todos que eu já encontrei não querem...
– Todos? – perguntei atônita. – Quantos fantasmas tem aqui?
– Bem, muitos, é claro. Já viu quantos anos tem esse lugar? – ele disse como se fosse óbvio e eu quis morrer.
Sabia que aquele lugar era antigo e que havia história de fantasmas, mas não sabia realmente se eram reais, até porque não encontrei nada além da garotinha. Coloquei as mãos no rosto e suspirei um “ah, não!”. É claro que eu estava ali há apenas dois dias, então não poderia dizer, mas, se tinha algo que eu tinha experiência, era em histórias de fantasmas contadas por humanos. Ou eram mentiras deslavadas, ou histórias contadas de maneira bem diferente do que realmente acontecia. Isso não era muito bom para mim. Deixava-me sem pistas e eu tinha que correr atrás de tudo sozinha.
– Pensei que sabia – disse, dando de ombros. – Mas voltando, eu...
– , eu realmente não me importo com o seu círculo de amizade espiritual.
– Engraçado chamar assim. Eu prefiro círculo da morte.
– Engraçado – disse com um tom cheio de ironia. – Realmente hilário.
– Obrigado! – ele disse sorrindo. – Ela sempre está lá à meia-noite, se você quiser saber. No primeiro andar.
– Certo. Obrigada pela informação – disse, pegando as minhas coisas. Precisava de um banho e, como disse Amy: precisava tirar aquele idiota da cabeça.
A madrugada de Sonoma era dez vezes mais fria do que a noite, o que era uma desculpa perfeita para eu usar novamente meu casaco de couro, apesar de não acreditar que estava usando minha meia-calça e minha touca tão cedo – não achei, realmente, que precisaria. Mas na minha segunda noite tive que revirar o fundo da gaveta e tirar de lá o meu traje mais escuro: minha touca, meia-calça e tênis – se minha mãe me visse agora, provavelmente me deserdaria de todo e qualquer dinheiro que ela tem.
Era quase meia-noite e eu estava pronta para ir atrás de Lucy. dissera que ela ficava em frente ao quarto de Christina e eu não podia esperar mais. Caso contrário e se algo acontecesse, seria minha culpa, porque é o meu trabalho fazer aquilo. Amy me disse que tinha o sono muito pesado – e isso foi comprovado pelos inúmeros barulhos que eu insisti em fazer ao colocar minha roupa. Eu não sabia ao certo se havia alguém nos corredores e se podia ser pega. Não iria perguntar isso para a minha colega de quarto. E se ela me achasse louca e descobrisse que eu queria sair na calada da noite? Principalmente de madrugada, quase meia-noite, para ir atrás de um fantasma – que nem ao menos pediu minha ajuda, devo dizer.
– O que está fazendo? – era . Apareceu atrás de mim assim que coloquei minha touca. Parecia curioso e um tanto chocado.
– Cale a boca! – sussurrei. – Há quanto tempo está aqui? – eu não teria privacidade nem para trocar de roupa no meu próprio quarto?
– Eu não vi nada – ele levantou as mãos acima do peito. Nunca mais iria trocar de roupa no quarto e iria fazer de tudo para que Amy também não fizesse. – Para que essas roupas?
– Vou atrás de Lucy...
– Por quê? – pendeu a cabeça para o lado, analisando a minha roupa. Sua expressão era de: “precisa mesmo usar isso?”.
– Porque não tem outro modo de me encontrar com ela sem que seja na presença de Christina e – falei como se fosse óbvio e ele revirou os olhos.
– Ela não vai falar com você.
– É o que veremos. E pare de me fazer perguntas – falei a última frase um pouco alto. Olhei para Amy que se revirou e balbuciou algumas palavras. Tinha a impressão que ela falava algo sobre Biologia.
– Não estou duvidando. Estou dizendo que ela está com raiva. Vai atacar você.
Fechei a cara e saí em direção à porta. Esse garoto não sabe de metade dos fantasmas de que já tive que correr atrás e quase morrer por isso. Ele por acaso estava me ensinando a mediar? Não. Obrigada! O meu trabalho eu sei fazer muito bem.
Abri a porta devagar e pulei para o corredor assim que percebi que não havia nenhuma presença. Aquele lugar era assustador de noite, principalmente porque as escadas que tinham uma cor acinzentada de dia pareciam escuras e condiziam com o próprio caminho do inferno. Andei devagar nas pontas dos pés até perceber que não havia ninguém nas escadas. Quando percebi que realmente não havia ninguém, desci até o primeiro andar. Estava andando e olhando para cada porta quando senti um barulho atrás de mim. Olhei atônita, pensando em quantas detenções e até expulsão que eu poderia levar se alguém me encontrasse ali. Pensei em minha mãe e no quanto ela iria gritar e no mesmo instante me mandar para um internato, mas dessa vez na Suíça.
Mas então, quando virei meus calcanhares, vi que era . Ele estava com uma expressão de “desculpe” e olhava para uma luminária de chão decorativa que havia caído no chão. Malditos fantasmas com essa mania idiota de conseguir tocar nas coisas materiais! Quando os mortos se concentravam, eles conseguiam passar direto pelas coisas sem precisar mover nada, igualzinho nos filmes, mas , aparentemente, havia faltado essa aula no filme “Ghost”.
– O que faz aqui? – perguntei entre os dentes. Estava raivosa com a sua presença.
– Estava entediante lá em cima... – ele começou a se explicar, como se qualquer justificativa fosse colar comigo. – Olhe lá! Ela está ali! – ele apontou para cima do meu ombro e então eu me virei, dando de cara com a garotinha. Ela estava em frente ao quarto, com a expressão chateada. Parecia que iria começar a chorar a qualquer momento. – Olá! – disse mais alto. A menina olhou para ele e depois para mim. Parecia me conhecer, mas isso não mudou sua expressão triste. Continuou a olhar para a porta. – Viu? – disse ele como se tivesse comprovado a teoria física de Einstein.
– Oi! – disse aos sussurros, olhando para ela. – Meu nome é – a menina não respondeu, muito menos desprendeu o olhar. Continuei falando, com a esperança de que ela ao menos olhasse para mim. – Estou aqui para ajudar! Do que você precisa? – que Christina morra. – Eu conheço . Ele é seu irmão? Somos amigos – ele não era realmente meu amigo, mas aquilo foi o suficiente para ela me olhar com um olhar de raiva, aquele mesmo que dirigia a Christina no banheiro.
– Você é mais uma amiga dele? Igual essa daí? – apontou para a porta, comprovando minha teoria do ciúme e tudo o mais.
– Somos amigos – disse simplesmente. – Assim como , , Dani, Alison, Amy e Christina...
– Essa aí! – ela disse gritando. Eu estava torcendo tanto para que nada se quebrasse. Fantasmas nunca sabiam a força que tinham...
– Ah, sim. Eles são um casal bonito.
– Um casal! – a menina disse, voltando ao seu estado triste. – Ele disse que nunca faria isso...
– Faria o quê?
– Ter uma namorada! Disse que nunca teria uma namorada porque eu era a garota preferida dele! – ela parecia que iria chorar, como uma criança chora no shopping quando quer a boneca das estantes.
– Você continua sendo – disse, limpando a garganta. Não queria mentir, mas eu não tive nenhuma conversa profunda com sobre o assunto. – Christina o ajudou a superar o luto. Foi difícil para a sua família inteira, mas agora ele está melhorando. A saudade que sente de você permanecerá para sempre, mas você não quer que fique pior se algo acontecer à garota de quem ele gosta, certo? Seria demais para ele superar... – ela me olhou com um olhar sincero. Parecia ter acreditado no que eu disse. De fato, acho que não era uma total mentira. Pelo o que Amy me contou sobre o assunto, aquelas conclusões não eram tão distantes do que realmente poderia estar acontecendo.
– Você promete? – a menina disse com as mãos nos olhos.
Ela tinha começado a chorar, porém era um choro silencioso. Um choro de saudades e de adeus.
– O quê?
– Que não vai deixá-la nem nenhuma outra roubar o meu lugar na vida dele? – ela me olhava esperançosa, como se eu pudesse defender o seu irmão de todo o mal do mundo.
– Lucy, eu sou a mediadora – disse simplesmente.
Então, como um lampejo, ela pareceu entender. Afastou-se da porta – ainda com lágrimas nos olhos – e ficou de frente para mim. Ela parecia... Agradecida. Aquilo provavelmente teria sido o suficiente para uma criancinha confiar todas as fichas em alguém mais velho. Em alguns segundos, a garota foi sumindo até desaparecer de vez. Tinha ido embora.
– Uau, ! – disse atrás de mim. Ele tinha ficado tanto tempo calado que eu nem me lembrava de sua presença ali. – Agora eu entendi o que você faz.
– Sim.
– Não – ela disse, cruzando os braços no mesmo tempo que eu, e ameaçou chorar. Não podia estar tão machucada, podia? As ataduras nos seus braços e pernas não eram maiores do que as minhas. A única coisa que era diferente dela era o curativo médio em seu pescoço. Dani foi ao seu encontro e passou a mão no seu ombro como um sinal de apoio. Disse algo sobre ligar para os pais ou algo do tipo.
Logo me veio uma tontura. Não pelo acidente, mas pelos meus pais. Tinha me esquecido completamente deles. Será que estariam furiosos? Ou melhor, será que essa história havia chegado a eles? Esperava muito que não, apesar de saber que a direção já devia ter feito ligações a respeito do acidente.
– Quem já sabe disso? – perguntei curiosa.
– Quem sabe? Está brincando, ? Está todo mundo falando disso! Quando soubemos que a novata sofrera um acidente no banheiro feminino, nós logo soubemos que era você. Foi uma questão de tempo para acharmos vocês aqui – Amy disse como se fosse algo óbvio. Ah, não! Coloquei as mãos no rosto e suspirei. Teria que aguentar uma ligação de uma hora de minha mãe falando sobre o assunto. Já estava ciente disso. – A escola inteira já está comentando. Acho que você não vai sair da boca da galera nem tão cedo, .
– Ah...
– Os meninos mandaram lembranças. ficou bem preocupado, na verdade – Alison disse, olhando para Christina que ainda estava chateada. A garota corou e se levantou da cama o mais rápido que pôde, assim como eu. Hum, quem era , afinal? – mandou dizer que ele mesmo quer tirar a foto de vocês duas para sair no jornal dessa semana – disse, balançando a cabeça e rindo junto com as outras meninas.
– Ah, meu Deus, ! A câmera dele. Amy, desculpe, mas acho que a perdi no banheiro.
– Como poderia se preocupar com uma câmera se os dutos de ar explodiram?
Os dutos de ar explodiram. Claro. Como poderia ter outra explicação? Outra explicação que não fosse paranormal. Eu não entendi muito a ligação, para ser sincera, mas percebi que provavelmente fora a única conclusão a que puderam chegar. Pensei na criança do banheiro e logo percebi o trabalho que teria com ela. Mas, afinal, por que estava tão irritada com Christina e o que mais ela poderia destruir? Senti um arrepio e prometi para mim mesma que só iria pensar nela mais tarde.
– é um idiota, . Não ligue para ele – Amy revirou os olhos. – A câmera está inteira, mas a lente ficou em pedaços. Não precisa se preocupar. A câmera é da escola.
– Nós podemos ir agora? – Christina parecia transtornada. Já estava em pé e queria chegar ao quarto o mais rápido que pudesse. Não a julguei por isso. O meu estado também não estava dos melhores. Tinha até medo de me olhar no espelho.
As outras três acompanharam eu e Christina até o quarto. A enfermeira tinha dado o dia livre para nós duas repousarmos.
Tive que lidar com todas as pessoas comentando e me olhando mais do que o normal. Era estranho e desconfortável porque eu não gostava de tanta atenção, mas aparentemente seria assim por mais longas semanas. Christina não estava muito abalada em relação a isso. Parecia apenas querer chegar ao quarto o mais rápido possível. Minha mãe estaria orgulhosa, de fato. Sendo artista e gostando de tanta atenção, estaria radiante se visse sua filha ser o centro das atenções da escola inteira.
Despedi-me das meninas assim que subi para o quarto – as outras três teriam mais aulas, já que ainda estava de manhã. Deitei-me na cama assim que fechei a porta do quarto. Não sabia o que estava acontecendo e o que estava pensando. Aquela seria minha vida agora, certo? Achar fantasmas na escola e cuidar para que eles não matassem ou incomodassem ninguém. Não parecia tão ruim, visto que eu já fazia isso há anos, porém aquela era uma situação diferente. Não conhecia ninguém ali, a escola era enorme e eu tinha a impressão de que encontraria um morto em toda sala que entrasse. Não estava errada, de certa forma, mas proteger toda aquela gente me deixava com dor de cabeça, sem contar o medo incessante de algo ruim acontecer e eu não poder fazer nada a respeito. Um bom exemplo disso foi o episódio no banheiro. O que teria acontecido se eu não estivesse ali naquele momento? Christina estaria terrivelmente machucada ou até morta. Era muita responsabilidade para uma pessoa cuidar.
– O que faz aqui? – eu simplesmente odiava sentir aquilo. Pior do que ver era sentir, e era horrível porque não podia simplesmente ignorar um fantasma.
– Não achei aquilo que você falou – eu tinha me esquecido de que talvez o pior com que teria que lidar ali seria o cara morto do meu quarto. – O que aconteceu com você? – parecia confuso ou perdido. Eu não sabia distinguir.
– Um acidente – não gostei do jeito que ele falou. Não gostava de intimidade com fantasmas. Conversava com todos eles, mas perguntas íntimas? Nunca! – Olhe, não quero mesmo que fique aqui.
– Por quê? – ele perguntou ofendido.
– Porque é o meu quarto – respondi, voltando a me deitar. – E o de Amy.
– É bonito aqui – o garoto disse como se ignorasse tudo que eu dizia. – Mas esses caras na parede... – ele negou com a cabeça, como se desaprovasse qualquer banda que não fosse a preferida dele. Não deixei de revirar os olhos. – Quem são?
– Não sei. Já estavam aí quando eu cheguei – eram uns três pôsteres grandes com alguns caras de aparência asiática.
Essa era a primeira vez que eu o observava realmente. Era particularmente bonito, com o cabelo sempre bagunçado e sem nenhum resquício de barba obviamente. Não parecia ter mais do que um ano de diferença da minha idade e sua voz parecia ter entrado agora na puberdade. Suas roupas não eram tão antigas e pareciam bem caras, então percebi que não fazia tanto tempo que ele havia morrido. Estava sempre com um olhar confuso, o que me deixava um tanto quanto irritada.
– Não tem nada para fazer aqui – disse, dando de ombros. Eu achei engraçado. Não conhecia fantasmas que ficassem realmente entediados. Por sempre estarem na Terra para cumprir algo, sempre tinham alguma coisa para fazer, nem que essa coisa fosse matar alguém. Ele era o único fantasma que eu conhecia que parecia não gostar de ainda andar por aí.
– Bem, isso não é problema meu.
– Pensei que era o seu trabalho – ele ainda andava pelo quarto. A essa altura, já havia tocado em todos os livros da estante, ignorando os meus pedidos para que parasse.
– O meu trabalho é mediar você até onde tem que ir.
– Não seja boba. Não existe isso de próxima vida – disse, cruzando os braços. Parecia um adolescente confrontando a mãe por não poder jogar vídeo game. – Não pode fazer isso agora?
– Bem, diga isso para quem acredita nessas coisas. E não, não posso porque não quero.
O menino não disse mais nada. Apenas continuava observando o local. Apenas me deitei novamente na cama, fechei meus olhos e esperei que ele fosse embora. Fantasmas iam embora quando viam que os vivos não podiam ajudar, mas o menino era insistente. Continuava fazendo perguntas, deixando-me fora do sério.
– Cara, sério. Eu queria muito ficar sozinha.
– Wow! Maze Runner! – pegou um dos livros da estante. – Eu sempre quis ler esses.
– Nem se atreva! São de Amy – ele revirou os olhos e os colocou na estante, mas eu sabia que aquela não seria sua última tentativa de roubar alguns dos livros. Porém, antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, meu celular tocou.
Estava em cima da mesa e tocava alto uma música de uma abertura de um seriado qualquer. Olhei no visor e vi o nome “mãe” apitando. Merda! Eu estava realmente ferrada! Olhei para o garoto e fiz sinal para que ele se calasse. Esse apenas virou de costas e continuou olhando a estante.
– Alô?
– ! Você pode me dizer que diabos estava pensando? – ela gritava. Tive que afastar o telefone do ouvido. Tinha a certeza de que o garoto estava ouvindo tudo. – O que foi que você fez?
– Nada! – gritei de volta. Conversar aos gritos com ela era quase um hábito.
– E você quer que eu acredite? O que quer que eu pense quando a própria diretora me liga essa manhã e fala o que você aprontou? – “o que eu aprontei”. Ela sempre falava isso quando me metia em encrenca. É claro que as explicações reais eram sobre fantasmas, mas ela não sabia dessa parte, o que fazia com que a mulher me acusasse e a culpa sempre era minha. – Eu a deixei aí ontem, . No primeiro dia de aula você já me apronta?
– Eu não fiz nada! O espelho quebrou. Se você quer saber, ele caiu em cima de mim e da minha amiga. Estamos bem, caso você queira fingir que se preocupa!
– Amiga? – ah, que bela mãe eu fui ter, hein? Ela parecia mais chocada com o fato de eu ter feito amigos do que com qualquer outra coisa. Limitei-me a revirar os olhos. Eu poderia desligar o telefone a qualquer momento. – Não desvirtue a conversa, mocinha! Eu estou lhe avisando: se houver outra ligação sobre você, eu mesma vou aí resolver...
Não a esperei terminar e desliguei o telefone antes que ela pudesse retornar. Conversar com ela sempre me deixava exausta. É claro que era oportuna para minha mãe aquela situação... Ela não queria nem ter ligações a meu respeito. Quem dirá falar comigo? A nossa relação era complicada e eu tinha a impressão que nunca iria melhorar. Eu poderia ter morrido. Eu e Christina poderíamos ter sido dilaceradas pelo vidro e ela apenas quer saber do meu “bom comportamento”. Ora, eu estava a quilômetros de distância, sob a responsabilidade de outras pessoas e ela ainda se incomodava? Por quê?
– Gritar assim vai deixá-la... – o garoto disse, fazendo com que eu me assustasse. Tinha me esquecido completamente de sua presença e existência.
– Fique na sua, idiota! – mas minha voz baixou e, para a surpresa de nós dois, a maçaneta da porta se mexeu, revelando uma garota de cabelos ruivos com o cenho franzido.
– Estava falando com alguém? – perguntou ao adentrar no quarto. Neguei, olhando rispidamente para o garoto que parecia se divertir. Aparentemente, o rapaz tinha entendido que as coisas seriam daquele jeito a partir de então. Ele aparecendo no meu quarto, apenas eu o vendo e tendo que disfarçar quando houvesse outra pessoa no cômodo. – Ok. Estou morrendo de fome! Vamos?
– Vamos! – disse, correndo até a porta atrás de Amy. Precisava de normalidade. Precisava ficar longe de fantasmas pelo menos algumas horas do dia. Minha manhã inteira já havia sido massacrada pela garotinha e pelo idiota do meu quarto.
– Prefiro que me chame de – disse o garoto antes de sumir, fazendo a minha espinha se arrepiar completamente.
O sol estava forte na hora do almoço, fazendo com que todos os alunos fossem almoçar na área ao ar livre da escola. Amy disse que, quando o sol aparecia demais, todos iam ao seu encontro porque não sabíamos quando ele iria aparecer assim de novo. Logo avistamos as meninas – Christina ainda estava enfaixada e fazia cara de pena. Eu e todos sabíamos que nada estava doendo, mas ela precisava enaltecer o que sentia a cada segundo. Dani, que não aguentava mais aquele mimimi, revirava os olhos sempre que a loira narrava o acidente novamente.
Dessa vez, elas não estavam sozinhas. Estavam com meninos em volta e pude perceber a presença de com um ar de preocupação, mas nunca deixando seu sorriso divertido sair dos lábios.
– Eu a deixo um minuto sozinha e você já se esparrama no chão? – ele perguntou assim que chegamos à mesa. Balançava a cabeça divertido, mas logo parou quando Amy lhe deu uma cotovelada.
– Cale a boca! Ela poderia ter morrido!
– Obrigada pela preocupação, – eu disse rindo. Ele logo olhou para Amy e sussurrou: “eu não disse?”.
– , quero lhe apresentar... – era a voz de Christina. – Esses são e – apontou para os dois meninos da mesa. Eram lindos como e pareciam ser do time de futebol também. E parecia ser mais especial para ela, porque ele a abraçava e os dois cochichavam algo em sorrisos que eu não conseguia escutar.
– Então você é a menina do acidente? – o tal perguntou sorrindo.
– Você também, ? – Amy o fuzilou com o olhar.
– Eu mesma – respondi. – Ouviu muito falar de mim?
– O que eu tenho a dizer é que você é a nova sensação por aqui.
– O time de futebol estava comentando: é verdade que você sabe lutar muay thai? – perguntou curioso. Segurei-me para não rir porque aquilo seria bem útil, na verdade. Eu sabia dar alguns socos quando necessário em alguns fantasmas inconvenientes, mas isso era tudo. Neguei com a cabeça. – Era o que estavam falando, pelo menos.
– Na aula de Espanhol, alguns estavam comentando que você se machucou rolando no chão – disse divertido e todos riram.
– Certo, . Pode desembuchar! – Alison começou e eu fiz a expressão de “quê?”. – Conte o que realmente aconteceu. Diga o que você viu!
Como assim o que eu vi? Como eles poderiam saber de algo? Não poderiam, certamente. Torci para que todos fossem céticos como Amy e nunca descobrissem ou acreditassem nas coisas que eu realmente via. Olhei para todos que estavam com expressões curiosas e não sabia o que dizer.
– Não seja boba, Ali! O que ela viu foi o espelho rachar! – Christina disse, salvando-me. Não pude deixar de ficar aliviada. Eu não teria pensado naquilo tão rápido.
– Adoraria ter visto sua luta de muay thai com os dutos de ar.
– Daria um filme bem bom, na verdade – pareceu pensar. – Com o Jack Chan, sem sombra de dúvidas – com isso, os meninos se empolgaram, falando do possível filme que poderia ter sido gravado com aquela história, e eu só percebi que estava junto na conversa quando comentei que a Amanda Seyfried faria um ótimo papel de Christina na história.
Com a conversa até o toque para a próxima aula, todos fizeram com que eu me sentisse muito bem e até me fizeram esquecer da popularidade que aparentemente tinha ganhado naquela escola. Conversavam comigo como se eu já fizesse parte do grupo e e – que eram dois palhaços, devo dizer – me faziam rir o tempo inteiro. Sem falar nas vezes que eles zoavam e Christina por “não assumirem” o que tinham, sendo que os abraços e troca de olhares já explicitavam tudo. Percebi que Amy e brigavam mais do que o normal. Não brigavam, mas se irritavam o tempo inteiro. Ela não suportava as brincadeiras que o garoto fazia e ele não suportava o jeito certinho dela. Fiz um lembrete mental de perguntar a Amy o que acontecia entre os dois, afinal. Já não pôde deixar de soltar que Alison já havia saído com todo o time de futebol. A garota apenas revirou os olhos e disse que aquilo era exagero. Ela parecia a mais feliz de todos sentados ali e revidou, falando que tinha uma namorada na Meinhardt Academy – escola vizinha e rival da Vineyard. Dani também não parecia preocupada com isso. Parecia ser confiante demais para estar com alguém. Ela, nem nenhum dos outros, tocou no assunto, então eu não podia saber. Porém aquela e todas as conclusões que eu estava tirando eram apenas das minhas observações.
Felizmente, a enfermeira deu o dia de repouso para mim e Christina. Não que estivéssemos impossibilitadas de fazer algo. Aquilo era mais para a consciência ficar tranquila de que estaríamos bem o dia inteiro.
Entretanto, antes de levantarmos... Eu a vi de novo. Parada bem ali, um pouco distante de nós, mas com o mesmo olhar de morte... Estava a criança, a menina bonitinha, porém que na verdade não tinha nada de inocente. Parecia encarar Christina com a raiva de alguém que fora assassinada por ela. Não conseguia imaginar a cena. Tinha certeza de que Christina jamais teria feito algum mal àquela menina. Por mais que a garota estivesse ali, enraivecida e com o olhar de vingança nos olhos, eu não pude deixar de estremecer. Eu teria que ficar de olho em Christina para que aquela garotinha não tentasse matá-la? Provavelmente sim.
Então percebi que a criança também olhava para . Por quê? Ela olhava para os dois não apenas com raiva, mas com... Ciúmes? Bem, aquilo foi o suficiente para eu ficar mais confusa com a situação. O que aquela garotinha tinha a ver com , afinal?
– ? – uma voz me chamou. Parecia cansada de me chamar, então percebi que era Amy e que sua mão estava no meu ombro. Merda! O quão idiota eu parecia olhando para alguma coisa que apenas eu via? Aquilo acontecia tantas vezes que já tinha me acostumado com o rosto confuso com que as pessoas me olhavam. – Tudo bem?
– Sim! – então olhei em direção à menina e ela havia sumido.
– Estava dizendo que nós vamos para a aula agora.
– Tudo bem. Eu vou para o quarto – disse, olhando para Christina que assentiu para me fazer companhia.
A noite caiu mais rápido do que eu pensava, trazendo um frio congelante e uma Amy com vários papéis em mãos. Entregou-me algum deles e disse que era o meu dever de casa. Dá para acreditar? Eu não sabia dizer se Amy era a melhor ou pior colega de quarto.
Ela estava particularmente enraivecida naquela noite. Contou-me que estava com uma dupla horrível em um trabalho de História. O garoto não fazia nada e ela não aguentava mais olhar para ele. Sugeri que falasse com o professor, mas a garota disse que já havia feito isso e que ele não iria mudar de dupla, que aquilo também era com o intuito de os alunos se conhecerem melhor. Então sugeri que ela apenas colocasse seu nome e apresentasse sozinha, e a menina pediu que eu a ajudasse a dar um murro no menino. Não pude deixar de rir de sua irritação.
Durante a ausência de Amy, pensei sobre a garota e sua relação com Christina e . Não cheguei a nenhuma conclusão nem o Google me ajudou a achar. Nenhuma morte de criança na escola inteira. Eu não podia sair do quarto e perambular pela escola atrás dela, então resolvi apelar para a última coisa que eu tinha: minha colega de quarto.
– Quê? – ela juntou as sobrancelhas. Não parecia desentendida. Apenas surpresa por eu ter perguntado. – Como sabe disso?
– Ahm, bem, vi no jornal, eu acho.
– Bem, não importa – ela disse como se minha desculpa tivesse sido convincente. Claro que eu não disse nada sobre fantasmas. Apenas perguntei da garotinha e sua relação com e Christina. – Eu acho que você está falando da irmã de : Lucy. Ela morreu no verão passado – disse triste. E eu não pude deixar de ficar também. Era difícil de imaginar , tão sorridente fazendo piadas com os meninos, triste e desolado por causa do falecimento da irmã. – Ela se afogou na piscina de uma amiga. ficou arrasado. Faltou um período imenso de aula. Tivemos que dar muito suporte a ele.
– Não sei o que dizer. Sinto muito.
– É triste, de fato. está melhor agora, mas não comente nada com ele. Ok? Tenho a impressão de que ainda não está 100% – provavelmente nunca vai estar. – Christina o fez melhorar muito. Digo, por causa dela, ele está melhorando... Seja lá o que é que eles tenham.
Bingo! Então era por isso que a garotinha estava olhando para os dois daquela forma? Talvez não gostasse do irmão ter um novo amor, uma namorada ou qualquer coisa do gênero. Talvez pensasse que ele iria esquecê-la por causa de Christina. Fazia sentido, de fato, mas não era desculpa para ela tentar matá-la. Percebi que teria que fazer com a menina uma das coisas que eu mais odiava com os fantasmas: conversar.
– A gente não toca mais no assunto, de qualquer forma – ela disse, tirando-me do transe que eu estava. – Bem, eu vou tomar banho. Preciso tirar aquele idiota da minha cabeça e resolver o que farei no trabalho – pegou suas coisas e saiu do quarto.
– Vocês não estão falando da Mariazinha, estão? – apareceu assim que Amy saiu do quarto, dando-me um susto e me deixando irritada.
– Mariazinha? – meu cenho estava franzido e meus braços, cruzados. Quem diabos era Mariazinha?
– É! A garota que está sempre no corredor de baixo. Ela fica na frente de um quarto toda noite, mas nunca entra. É meio sinistro.
– Quê?
– Ela parece irritada. Eu tento falar com ela, mas a garota não me responde. Parece que vai matar alguém a qualquer minuto.
Gelei. Será que ela realmente mataria Christina? Digo, é claro que teria força para tal, mas teria coragem? Céus, era apenas uma criança! Porém não deixava de ser um fantasma e, de fato, muito poderoso. Pensei no que ela poderia fazer de madrugada com todos dormindo. Era bizarro pensar que alguém poderia morrer em questão de horas, bem de baixo do meu nariz, enquanto todos estavam dormindo.
– E você não pretendia me contar?
– Pensei que esse era o seu trabalho, afinal – ele rebateu. – Você não tem nenhum radar ou algo do tipo?
– Radar? Que filmes anda assistindo? Isso aqui não é nenhum Ghostbusters ou algo do tipo. Isso aqui é vida real! – falei, mas minha cabeça ainda pensava na menina e no que ela poderia fazer.
– Já pensou em se inspirar nesse filme? Você precisa ser mais como Bill Murray.
– E você precisa calar a boca. Por que não vai andar com algum fantasma? – perguntei e ele fechou a cara.
– Isso é uma coisa que eu queria falar com você, na verdade. Os que encontrei aqui não são muito amigáveis. Digo, todos que eu já encontrei não querem...
– Todos? – perguntei atônita. – Quantos fantasmas tem aqui?
– Bem, muitos, é claro. Já viu quantos anos tem esse lugar? – ele disse como se fosse óbvio e eu quis morrer.
Sabia que aquele lugar era antigo e que havia história de fantasmas, mas não sabia realmente se eram reais, até porque não encontrei nada além da garotinha. Coloquei as mãos no rosto e suspirei um “ah, não!”. É claro que eu estava ali há apenas dois dias, então não poderia dizer, mas, se tinha algo que eu tinha experiência, era em histórias de fantasmas contadas por humanos. Ou eram mentiras deslavadas, ou histórias contadas de maneira bem diferente do que realmente acontecia. Isso não era muito bom para mim. Deixava-me sem pistas e eu tinha que correr atrás de tudo sozinha.
– Pensei que sabia – disse, dando de ombros. – Mas voltando, eu...
– , eu realmente não me importo com o seu círculo de amizade espiritual.
– Engraçado chamar assim. Eu prefiro círculo da morte.
– Engraçado – disse com um tom cheio de ironia. – Realmente hilário.
– Obrigado! – ele disse sorrindo. – Ela sempre está lá à meia-noite, se você quiser saber. No primeiro andar.
– Certo. Obrigada pela informação – disse, pegando as minhas coisas. Precisava de um banho e, como disse Amy: precisava tirar aquele idiota da cabeça.
A madrugada de Sonoma era dez vezes mais fria do que a noite, o que era uma desculpa perfeita para eu usar novamente meu casaco de couro, apesar de não acreditar que estava usando minha meia-calça e minha touca tão cedo – não achei, realmente, que precisaria. Mas na minha segunda noite tive que revirar o fundo da gaveta e tirar de lá o meu traje mais escuro: minha touca, meia-calça e tênis – se minha mãe me visse agora, provavelmente me deserdaria de todo e qualquer dinheiro que ela tem.
Era quase meia-noite e eu estava pronta para ir atrás de Lucy. dissera que ela ficava em frente ao quarto de Christina e eu não podia esperar mais. Caso contrário e se algo acontecesse, seria minha culpa, porque é o meu trabalho fazer aquilo. Amy me disse que tinha o sono muito pesado – e isso foi comprovado pelos inúmeros barulhos que eu insisti em fazer ao colocar minha roupa. Eu não sabia ao certo se havia alguém nos corredores e se podia ser pega. Não iria perguntar isso para a minha colega de quarto. E se ela me achasse louca e descobrisse que eu queria sair na calada da noite? Principalmente de madrugada, quase meia-noite, para ir atrás de um fantasma – que nem ao menos pediu minha ajuda, devo dizer.
– O que está fazendo? – era . Apareceu atrás de mim assim que coloquei minha touca. Parecia curioso e um tanto chocado.
– Cale a boca! – sussurrei. – Há quanto tempo está aqui? – eu não teria privacidade nem para trocar de roupa no meu próprio quarto?
– Eu não vi nada – ele levantou as mãos acima do peito. Nunca mais iria trocar de roupa no quarto e iria fazer de tudo para que Amy também não fizesse. – Para que essas roupas?
– Vou atrás de Lucy...
– Por quê? – pendeu a cabeça para o lado, analisando a minha roupa. Sua expressão era de: “precisa mesmo usar isso?”.
– Porque não tem outro modo de me encontrar com ela sem que seja na presença de Christina e – falei como se fosse óbvio e ele revirou os olhos.
– Ela não vai falar com você.
– É o que veremos. E pare de me fazer perguntas – falei a última frase um pouco alto. Olhei para Amy que se revirou e balbuciou algumas palavras. Tinha a impressão que ela falava algo sobre Biologia.
– Não estou duvidando. Estou dizendo que ela está com raiva. Vai atacar você.
Fechei a cara e saí em direção à porta. Esse garoto não sabe de metade dos fantasmas de que já tive que correr atrás e quase morrer por isso. Ele por acaso estava me ensinando a mediar? Não. Obrigada! O meu trabalho eu sei fazer muito bem.
Abri a porta devagar e pulei para o corredor assim que percebi que não havia nenhuma presença. Aquele lugar era assustador de noite, principalmente porque as escadas que tinham uma cor acinzentada de dia pareciam escuras e condiziam com o próprio caminho do inferno. Andei devagar nas pontas dos pés até perceber que não havia ninguém nas escadas. Quando percebi que realmente não havia ninguém, desci até o primeiro andar. Estava andando e olhando para cada porta quando senti um barulho atrás de mim. Olhei atônita, pensando em quantas detenções e até expulsão que eu poderia levar se alguém me encontrasse ali. Pensei em minha mãe e no quanto ela iria gritar e no mesmo instante me mandar para um internato, mas dessa vez na Suíça.
Mas então, quando virei meus calcanhares, vi que era . Ele estava com uma expressão de “desculpe” e olhava para uma luminária de chão decorativa que havia caído no chão. Malditos fantasmas com essa mania idiota de conseguir tocar nas coisas materiais! Quando os mortos se concentravam, eles conseguiam passar direto pelas coisas sem precisar mover nada, igualzinho nos filmes, mas , aparentemente, havia faltado essa aula no filme “Ghost”.
– O que faz aqui? – perguntei entre os dentes. Estava raivosa com a sua presença.
– Estava entediante lá em cima... – ele começou a se explicar, como se qualquer justificativa fosse colar comigo. – Olhe lá! Ela está ali! – ele apontou para cima do meu ombro e então eu me virei, dando de cara com a garotinha. Ela estava em frente ao quarto, com a expressão chateada. Parecia que iria começar a chorar a qualquer momento. – Olá! – disse mais alto. A menina olhou para ele e depois para mim. Parecia me conhecer, mas isso não mudou sua expressão triste. Continuou a olhar para a porta. – Viu? – disse ele como se tivesse comprovado a teoria física de Einstein.
– Oi! – disse aos sussurros, olhando para ela. – Meu nome é – a menina não respondeu, muito menos desprendeu o olhar. Continuei falando, com a esperança de que ela ao menos olhasse para mim. – Estou aqui para ajudar! Do que você precisa? – que Christina morra. – Eu conheço . Ele é seu irmão? Somos amigos – ele não era realmente meu amigo, mas aquilo foi o suficiente para ela me olhar com um olhar de raiva, aquele mesmo que dirigia a Christina no banheiro.
– Você é mais uma amiga dele? Igual essa daí? – apontou para a porta, comprovando minha teoria do ciúme e tudo o mais.
– Somos amigos – disse simplesmente. – Assim como , , Dani, Alison, Amy e Christina...
– Essa aí! – ela disse gritando. Eu estava torcendo tanto para que nada se quebrasse. Fantasmas nunca sabiam a força que tinham...
– Ah, sim. Eles são um casal bonito.
– Um casal! – a menina disse, voltando ao seu estado triste. – Ele disse que nunca faria isso...
– Faria o quê?
– Ter uma namorada! Disse que nunca teria uma namorada porque eu era a garota preferida dele! – ela parecia que iria chorar, como uma criança chora no shopping quando quer a boneca das estantes.
– Você continua sendo – disse, limpando a garganta. Não queria mentir, mas eu não tive nenhuma conversa profunda com sobre o assunto. – Christina o ajudou a superar o luto. Foi difícil para a sua família inteira, mas agora ele está melhorando. A saudade que sente de você permanecerá para sempre, mas você não quer que fique pior se algo acontecer à garota de quem ele gosta, certo? Seria demais para ele superar... – ela me olhou com um olhar sincero. Parecia ter acreditado no que eu disse. De fato, acho que não era uma total mentira. Pelo o que Amy me contou sobre o assunto, aquelas conclusões não eram tão distantes do que realmente poderia estar acontecendo.
– Você promete? – a menina disse com as mãos nos olhos.
Ela tinha começado a chorar, porém era um choro silencioso. Um choro de saudades e de adeus.
– O quê?
– Que não vai deixá-la nem nenhuma outra roubar o meu lugar na vida dele? – ela me olhava esperançosa, como se eu pudesse defender o seu irmão de todo o mal do mundo.
– Lucy, eu sou a mediadora – disse simplesmente.
Então, como um lampejo, ela pareceu entender. Afastou-se da porta – ainda com lágrimas nos olhos – e ficou de frente para mim. Ela parecia... Agradecida. Aquilo provavelmente teria sido o suficiente para uma criancinha confiar todas as fichas em alguém mais velho. Em alguns segundos, a garota foi sumindo até desaparecer de vez. Tinha ido embora.
– Uau, ! – disse atrás de mim. Ele tinha ficado tanto tempo calado que eu nem me lembrava de sua presença ali. – Agora eu entendi o que você faz.
Capítulo 4 - Aristóteles x Platão
Eu acordei cedo naquela manhã, mas não por escolha minha. Acordei com alguém batendo na porta e só percebi o quão cedo era quando vi que Amy não estava acordada ainda. Xinguei mentalmente quem estava batendo na porta àquela hora – eu não tinha dormido o suficiente. Nessa madrugada, tive que ir atrás de um fantasma e aquilo me rendeu pelo menos três horas sem dormir – até abrir a porta e dar de cara com Christina que tinha acordado muito cedo, o que não era de seu feitio pelo que me contou. Havia batido na porta do meu quarto e começou a falar como se sentisse profundamente arrependida por não ter me agradecido por salvar sua vida.
Não tive muita reação. Não estava esperando nada daquilo e não fiquei chateada por nada. A minha recompensa foi ninguém ter se machucado de verdade.
– , mil vezes, desculpe! Estava tudo tão confuso e eu estava tão chateada por causa do acidente que me esqueci completamente de lhe agradecer. Você salvou a minha vida.
– Tudo bem, Christina – eu disse sem graça. É claro que aquele era o meu trabalho, mas eu não estava acostumada com as pessoas me agradecendo. Até porque elas nunca sabiam que, na verdade, quem estava por trás de tudo era eu.
– Chame-me de Chris, sério. Estava tudo uma loucura. Desculpe – fiquei me perguntando por quanto tempo a irmã de estava a importunando. Aquilo era sério. Fantasmas são muito inconvenientes. Eu sorri e ela se despediu de mim, avisando que precisava acordar as outras meninas. Disse para eu fazer o mesmo com Amy porque ela tinha um sono de pedra. Quase respondi com um: “Eu sei. Descobri essa noite”.
O caso de Lucy havia sido fácil. Numa escala de zero a dez, ela levaria cinco, apenas porque deu indício de que poderia machucar de verdade alguém. Depois de sua partida, tudo pareceu mais tranquilo. Parecia que um peso enorme havia saído das costas de . Christina estava mais alegre e tinha parado de estar tão chateada por causa do acidente – parte também porque parecia que ela e finalmente oficializaram as coisas. Fiquei muito feliz pelos dois. Achava que eles eram realmente um casal muito bonito.
Descobri, depois do café da manhã, que teria aula de Filosofia junto com as meninas. Fiquei feliz por tê-las em minha sala. Mais feliz ainda quando descobri que aquele era um dia de entrega de trabalho e eu estava livre porque chegara há dois dias.
Aparentemente, havia acontecido uma “briga intelectual” entre dois grandes filósofos e o senhor Rock queria uma pesquisa sobre o assunto. Ou, se você fosse um pouco mais corajoso, podia apresentar na frente da turma inteira.
E isso fora o que Amy fez. Ela e mais uns dez alunos.
– Senhorita Parker, pode começar com a apresentação. Talvez assim todos aprendam como ela deve ser feita – o professor se sentou, abriu uma caderneta e fez algumas anotações. Logo, olhou para a garota, assim como a sala inteira.
– Bem... – ela se endireitou na frente da turma. Eu pensei que a menina estaria nervosa, mas parecia mais confiante do que o próprio professor.
– Ela é muito boa nisso, né? – perguntei para Alison que estava ao meu lado. Ela assentiu.
– Aristóteles nasceu na Macedônia e, com dezoito anos, viajou à Atenas. Lá, virou discípulo de Platão e estudou na academia platônica. Após a morte de Platão, Aristóteles formou seu estabelecimento de ensino, o Liceu, e construiu sua própria filosofia – ela não estava com nada nas mãos. Fiquei me perguntando como conseguia se lembrar daquilo tudo. – Desde muito cedo, ainda quando era discípulo de Platão, ele criara importantes críticas ao pensamento de seu mestre. Elas iam de encontro à Teoria das Ideias. A Teoria das Ideias, de Platão, defendia que existia o Mundo Inteligível, do qual, antes de nascer, nós passamos para ter as ideias assimiladas em nossas mentes, criando assim a teoria de que já nascemos com ideias inatas. Já o Mundo Sensível é o mundo no qual nós nascemos e vivemos – ela tomou fôlego antes de continuar. – Nesse Mundo Sensível, as ideias criadas em nossas mentes são “guardadas” e, para serem utilizadas, é necessário “relembrar” as ideias que já estão no nosso inconsciente através do Mundo Inteligível. E é importante lembrar que Platão afirmou que apenas um dos mundos era para “ser levado mais a sério”: o Inteligível, onde a essência das coisas se encontra – enquanto ela falava, alguns slides passavam atrás dela. Uns tinham fotos de pinturas de alguns caras e outros tinham fotos ilustrativas explicando as teorias que mencionara. – Voltando a Aristóteles, ele dizia que era insensato o pensamento da existência de dois mundos. Ora, se Platão dizia que há dois mundos e que as essências se encontram em apenas um deles, Aristóteles, em contrapartida, acreditava que a realidade era uma só e que as essências se encontravam aqui, no único mundo existente, e que, na minha humilde opinião, era quase o que Platão queria dizer.
A turma inteira aplaudiu e eu fiz o mesmo. Estava realmente de boca aberta. O professor falou algo como “nunca decepciona” e ela, um pouco sem graça, voltou à sua cadeira, repetindo milhares de “obrigada!”.
E nenhuma das outras apresentações chegou aos pés daquela.
As aulas seguintes, eu passei sozinha, entediada e triste por ser tão inacreditavelmente péssima em fazer qualquer tipo de conta. Era horrível ver como todos ali eram mais avançados em absolutamente em tudo.
Na hora do almoço, Amy foi a última a chegar à nossa mesa e se sentou ao meu lado. Estava com algumas pastas na mão e parecia ter corrido muito para chegar.
– Isso não está legal, cara – disse , olhando para o seu prato. O feijão não estava com uma aparência muito boa. – E se não for de hoje?
– Com certeza não é de hoje – Chris empurrou o prato para longe, fazendo cara de nojo.
– Vocês falam como se essa escola já tivesse servido pratos chiques de restaurantes franceses! Sempre comeram e nunca morreram! – deu uma garfada em sua comida e todos nós o olhamos boquiabertos e enojados.
– Cara, se você passar mal, não vai ser eu quem vai levá-lo para a enfermaria! – falou irritado.
– Você é nojento – Amy o alertou. Ele falou algo de boca cheia e a garota apenas revirou os olhos e se virou para mim. – , olhe o que saiu! – ela me entregou uma pasta preta. Quando a abri, dei de cara com uma matéria inteira sobre o ocorrido de ontem. , que estava do meu lado, esticou a cabeça até o papel em minhas mãos para dar uma espiada no que se tratava.
DUTOS DE AR, ESPELHO ESTILHAÇADO E DESASTRE.
”Na manhã do dia 14 de novembro, mais um dia comum na Vineyard Academy começava. Entretanto, para as alunas Christina Wright e , não foi um dia comum. As garotas presenciaram um grande desastre no banheiro principal da Instituição que...”
– Desastre? – perguntei. – Não é meio exagerado?
– , isso é um jornal. Tem que ser um pouco exagerado...
– E esses relatos? Quando foi que eu lhe disse que “pensei que iria morrer e já tinha dado adeus à minha família em pensamento”? – levantei as sobrancelhas, lendo uma parte da matéria. Aquilo era até engraçado, porque seria a última coisa que eu faria.
– Ah, pois é. Isso... – ela riu envergonhada. – Eu ia lhe dizer, , mas tive que acrescentar algumas coisas... – todos riram do modo como ela falou e eu devolvi a pasta. – Não achei que fosse se importar.
– Eu não me importo, contanto que minha “popularidade” não aumente por causa disso.
– Você é nova aqui e ainda sofreu um acidente no dia seguinte à sua chegada. Esperava que ninguém comentasse? – perguntou Alison com cara de entediada. Aparentemente, ser o centro das atenções para ela não era problema, mas, bem, para mim era. Eu não gostava e não queria aquilo.
– Tenho certeza de que depois de alguns dias a maioria das pessoas nem vai lembrar o seu nome. É um efeito passageiro – Dani emendou no que Alison disse para que eu não ficasse chateada ou algo do tipo. De qualquer jeito, não sentia muita garantia no que ela falava.
– Mas, hein, gostou da matéria? – Amy perguntou, cheia de expectativas.
– Achei que fez jus ao trabalho de todos os jornalistas dos Estados Unidos – brinquei e ela riu, porque percebeu que eu não havia ficado chateada.
– Não é bem uma mentira, se a gente for analisar bem – a garota deu de ombros. Mas era, sim. Não que eu nunca tivesse contado mentiras na minha vida. Na verdade, fazia isso até com frequência com a minha mãe, mas aquilo teria um efeito inverso. Ao invés de não ser incomodada, eu estava cada dia mais sendo comentada por todos os corredores daquela escola.
– Esses jornalistas... – disse, balançando a cabeça, como se o próprio não fizesse parte do jornal. – Não ligue para o pessoal da redação, . Eles fazem isso bastante, na verdade. No campeonato de futebol do ano passado, teve uma matéria exclusiva comigo e os caras, sendo que nós nunca abrimos a boca para falar nada sobre o assunto.
– Mas vocês perderam feio! Eu não tenho culpa se me pediram para fazer entrevistas e vocês não quiseram dizer nada! Eu tive que improvisar! – Amy falou irritada. Tive a impressão de que, se ela estivesse próxima do rapaz, ele teria saído com um olho roxo.
Antes que qualquer briga começasse, o sinal tocou, alto e em bom tom, e isso fez com que Amy gritasse e arregalasse os olhos, como se tivesse se lembrado de algo. Logo disse “Matemática” e saiu correndo como se sua vida dependesse disso.
– Céus, ela simplesmente não relaxa! – disse antes de todos se levantarem.
– Qual é a sua aula agora? – me perguntou. Olhei no meu horário e apertei os olhos para ter certeza do que estava vendo. Oh, ótimo. Química! – A nossa também! – disse ele, depois de espremer os olhos ao olhar o papel em minhas mãos.
– Boa sorte, . Você nunca vai aprender nada com esses três na sua sala – Dani disse, despedindo-se e indo para sua sala ao lado das outras duas, que sorriram para nós e seguiram seu caminho.
– Não é bem assim... – disse enquanto andávamos até a sala do senhor Cornelius. Ele já estava na sala quando chegamos. Vestia uma roupa engraçada que combinava com seu chapéu.
O resto da aula correu bem devagar. Química não era o meu forte e o professor não ajudava muito também. Ele tinha o sotaque estranho e falava arrastado, dando-me vontade de dormir. A maioria das pessoas naquela sala não prestava atenção e era como se ele estivesse dando aula para as paredes – e, verdade seja dita, elas estavam mais participativas na aula do que todos os alunos juntos.
Logo eu entendi o porquê Dani me desejou boa sorte. Aqueles três não paravam de conversar nem por um segundo. O professor não se importava e eu muito menos. Qualquer coisa era mais interessante do que Rutherford e seus amigos. Sem contar que era realmente impossível não ouvir o que eles diziam. Estavam do meu lado, então eu consequentemente estava sabendo de tudo o que eles falavam. parecia saber mais do que deveria sobre a vida de todos que estavam presentes naquela escola, assim como sempre tinha algum assunto sobre o futebol e sempre tinha os comentários mais sensatos e engraçados sobre o assunto e vez ou outra falava de algumas garotas. Mas, quando isso acontecia, os outros dois perdiam a animação de falar e até revirava os olhos.
– Você poderia ver algum treino nosso, . As meninas sempre vão – disse, fazendo com que eu caísse na real de que o assunto era comigo. Eles estavam falando de tantas coisas que eu não sabia quando o assunto era comigo.
– Eu não entendo muito de futebol – na verdade, eu não entendia nada.
– Não tem problema. Apenas Dani entende – deu de ombros. – Acontece depois da aula.
– Você pode até se candidatar para as líderes de torcida no próximo semestre, se quiser – me deu uma cotovelada de leve.
– Eu iria, mas a minha elasticidade é a mesma que de um pedaço de madeira – eles riram.
– Chris vai tentar puxá-la para lá. Ela tentou fazer isso com as outras. Esteja alerta – brincou e eu disse um “obrigada pela dica” antes de virar para o quadro e começar a copiar o que o professor escrevia.
O dia passou rápido. Mais do que eu achei que passaria. Estar ao lado dos meninos durante duas aulas fora engraçado, mas tive a impressão de que, se eu continuasse tão dispersa naquela aula, receberia um lindo e grandioso F na minha primeira prova.
Naquele dia, eu tinha pedido as anotações de todas as aulas que Amy pudesse me dar e, sorrindo, ela me entregou inúmeras folhas e disse que qualquer dúvida poderia perguntar. É obvio que eu tinha dúvidas. Ela tinha centenas de folhas apenas com contas de Física. Então, rindo do meu rosto de espanto, a menina disse que não se importaria em me dar aulas, quando fizesse o mesmo com as meninas, e em me explicar suas anotações, que por uma breve explicação que me dera a minha cabeça quis explodir. Logo o desespero de não me adaptar àquela gente tão inteligente bateu...
– Eles são bons? – perguntei assim que chegamos ao treinamento dos meninos. Estavam todos lá. era muito energético, então corria pelo campo antes mesmo do treinador apitar. estava se alongando e, vez ou outra, mandava olhares furtivos para Christina que não tirava os olhos dele por nada. estava sentado, dando atenção ao treinador que falava sem parar e não parecia muito feliz.
– Sim. Na verdade, e são muito bons – Amy falou, sem tirar os olhos do livro intitulado “História – Tudo o que você precisa saber”. E aparentava ser tudo mesmo, porque tive a impressão de que aquele livro era maior do que minha cabeça multiplicada por três.
– E ? – perguntei, olhando para ele, que era um dos únicos que continuavam sentados, enquanto o resto corria pelo campo.
– Bem, ele tenta – ela disse rindo. – Não é exatamente péssimo, mas provavelmente nunca sairá do time reserva – percebi que aquilo não era implicância dela. Tive uma certa pena dele e eu queria vê-lo jogar. Ele falava tão animado dos treinos.
– é maravilhoso, não? – Christina disse com os olhos brilhando. – Tenho certeza de que, ano que vem, será o melhor do time!
– Eu duvido. O é muito bom... – Dani olhou para o campo. Efetivamente, era a única que parecia entender tudo que acontecia ali.
– Não me fale desse idiota! – Amy fechou o livro com um estrondo, fazendo todas nós a olharmos.
– O que há com você? – Alison perguntou com o cenho franzido. Parecia falando e eu quase soltei uma risadinha, se não fosse pela face vermelha da garota com os cabelos da mesma cor.
– O que há comigo? O que há com ele! Ele é a minha dupla no trabalho de História! Um inútil completo! – ela mencionara esse cara no dia anterior. Hoje, estava dez vezes mais irritada do que quando me contou aquela história pela primeira vez.
– Mude de dupla, então! Ele não é tão mal – Alison retrucou.
– Por quê? Já ficou com ele? – a menina levantou as sobrancelhas, mas isso não deixou Alison acanhada. Muito pelo contrário. Fez a menina rir alto
– Como poderia? Ele terminou com a namoradinha dele ontem. Eu apenas já fui a algumas festas que ele fez.
– Eu lhe falei dele ontem, . Você se lembra? – Amy me olhou e depois voltou a abrir o livro, ignorando completamente os comentários de Alison.
– Lembro. Ele é o capitão? – todas assentiram.
– Na próxima festa, você será minha convidada especial, ! E você, Amy, quem sabe um dia eu a leve também? Mas antes disso você precisa... Bem, como é que o diz? – ela pareceu pensativa. – Ah, sim. Relaxar...
Aquela palavra fora como acender um pavio de uma bomba. Amy fechou a cara e abriu a boca para falar, mas fechou logo em seguida. Então percebi que ela ainda queria preservar a amizade com a amiga. Aquela palavra, aparentemente, a deixava mais irritada que o normal. A garota apenas bufou e disse:
– Eles dois têm uma certa semelhança, na verdade, mas é o maior imbecil que eu já tive o desprazer de conhecer – disse por fim, voltando ao seu livro.
– Fico feliz por ter perdido esse título no seu pódio pessoal, Parker – estava ali, bem na nossa frente, aparentemente se divertindo horrores com a conversa.
– Isso até eu parar de conviver com ele, . Faltam apenas alguns meses...
– Depois disso o seu favorito volta a ser eu? – ele levantou as sobrancelhas. Todas nós rimos. Até mesmo Christina, que parecia nem prestar atenção. – Eu estou lisonjeado.
– Nos piores sentidos, sim – o sorriso do rapaz aumentou ainda mais e Amy fechou os olhos, percebendo a besteira que havia falado na frente dele. – De imbecil, idiota e nojento – ele desfez o sorriso. Agora era a vez da garota sorrir.
– Por acaso vocês falavam do ? Bem, dizem que ele é meio idiota mesmo. Na verdade, nem eu, nem os caras o conhecemos muito.
– Não o acho idiota.
– Você o acha bonito, Alison – Dani disse entediada. – Ele é, mas...
– Duvido que vão querer alguma coisa com ele. Aquele cara é uma máquina! Passa por cima dos jogadores como se quisesse matar todos eles. Duvido que não faça o mesmo com meninas...
– Obrigada por avisar, agora que tenho meses pela frente de trabalho com ele!
– Eu não disse que machucaria qualquer um, mas, bem, ele é meio... Como posso dizer...?
– Louco?
– Doido?
– Dissimulado? – arrisquei.
– Gente, não! Eu ia dizer temperamental... – “ah”, todas nós dissemos em uníssono. – Bem, na verdade, é bem igual a você, Amy. A diferença é que você apenas agride com palavras.
– Quer que eu comece a agredi-la fisicamente? Seria legal, para variar. Talvez assim você fique menos idiota.
– Irritadinha! – ela murmurou um “ugh” antes de juntar suas coisas e sair da quadra, antes que seu rosto explodisse de tão vermelho.
– Você não facilita, hein? – disse Dani irritada para , que agora se sentara onde Amy estava do meu lado. – Ela já não está em um dia bom!
– E eu com isso? Ela que começou com os insultos, como sempre faz – o rapaz revirou os olhos e mudou de assunto.
Christina parecia que iria pirar. corria rápido, mas parecia que iria se machucar a qualquer momento. Na verdade, aquele jogo, de modo geral, era muito violento. Vi a maioria dos jogadores quase caírem por cima dos outros.
– O que está achando? – ele me perguntou.
– Não entendo muito, mas é legal...
– Você vai gostar. É um grande evento o futebol aqui, sabe?! Todo mundo sai para ver as partidas quando são aqui na Casa. O próximo é mês que vem – ele disse animado.
– Eu adoraria ver – eu disse, apesar de já saber que não iria entender nada do jogo.
– Ai, finalmente! – Chris suspirou aliviada quando o treino acabou. Queria saber qual era o estado que ela ficava quando o jogo realmente acontecia.
– ! O que faz aí? – o treinador gritou irritado, fazendo se levantar na mesma hora. – Largue suas namoradas e venha aqui agora!
– Tchau! – ele disse, divertindo-se do que o treinador dissera. Ele era louco. Eu tinha a impressão de que o treinador poderia bater nele a qualquer momento e o garoto continuou rindo.
– ! Como pude me esquecer? – Christina pegou as minhas mãos e me fez levantar. – Você gostaria de ser líder de torcida, certo? Bem, estamos em novembro, mas posso conseguir teste para você... Você vai adorar. É...
– Christina, eu... – interrompi-a. Sabia que aquele momento iria chegar. Eu não queria ser grosseira, mas também não queria participar.
- , por favor!
– Certo, Chris. Eu, bem, não levo jeito para isso. Definitivamente, não...
– , por favor! Eu prometo que você irá gostar!
– Não quero que se desaponte comigo. Eu provavelmente nem iria passar no teste, sério...
– Não vou deixar de insistir – disse ela, pegando a bolsa e indo direto ao campo. – Vou jantar com o hoje. Tchau, meninas!
– Ela não vai parar mesmo de insistir – falou Alison, levantando-se.
– Pois é. Eu só lhe desejo boa sorte. Suas desculpas vão ter que ficar melhores – Dani balançou a cabeça, rindo.
– Mas vamos embora porque eu estou morrendo de fome – e só aí percebi que eu estava faminta também.
Não tive muita reação. Não estava esperando nada daquilo e não fiquei chateada por nada. A minha recompensa foi ninguém ter se machucado de verdade.
– , mil vezes, desculpe! Estava tudo tão confuso e eu estava tão chateada por causa do acidente que me esqueci completamente de lhe agradecer. Você salvou a minha vida.
– Tudo bem, Christina – eu disse sem graça. É claro que aquele era o meu trabalho, mas eu não estava acostumada com as pessoas me agradecendo. Até porque elas nunca sabiam que, na verdade, quem estava por trás de tudo era eu.
– Chame-me de Chris, sério. Estava tudo uma loucura. Desculpe – fiquei me perguntando por quanto tempo a irmã de estava a importunando. Aquilo era sério. Fantasmas são muito inconvenientes. Eu sorri e ela se despediu de mim, avisando que precisava acordar as outras meninas. Disse para eu fazer o mesmo com Amy porque ela tinha um sono de pedra. Quase respondi com um: “Eu sei. Descobri essa noite”.
O caso de Lucy havia sido fácil. Numa escala de zero a dez, ela levaria cinco, apenas porque deu indício de que poderia machucar de verdade alguém. Depois de sua partida, tudo pareceu mais tranquilo. Parecia que um peso enorme havia saído das costas de . Christina estava mais alegre e tinha parado de estar tão chateada por causa do acidente – parte também porque parecia que ela e finalmente oficializaram as coisas. Fiquei muito feliz pelos dois. Achava que eles eram realmente um casal muito bonito.
Descobri, depois do café da manhã, que teria aula de Filosofia junto com as meninas. Fiquei feliz por tê-las em minha sala. Mais feliz ainda quando descobri que aquele era um dia de entrega de trabalho e eu estava livre porque chegara há dois dias.
Aparentemente, havia acontecido uma “briga intelectual” entre dois grandes filósofos e o senhor Rock queria uma pesquisa sobre o assunto. Ou, se você fosse um pouco mais corajoso, podia apresentar na frente da turma inteira.
E isso fora o que Amy fez. Ela e mais uns dez alunos.
– Senhorita Parker, pode começar com a apresentação. Talvez assim todos aprendam como ela deve ser feita – o professor se sentou, abriu uma caderneta e fez algumas anotações. Logo, olhou para a garota, assim como a sala inteira.
– Bem... – ela se endireitou na frente da turma. Eu pensei que a menina estaria nervosa, mas parecia mais confiante do que o próprio professor.
– Ela é muito boa nisso, né? – perguntei para Alison que estava ao meu lado. Ela assentiu.
– Aristóteles nasceu na Macedônia e, com dezoito anos, viajou à Atenas. Lá, virou discípulo de Platão e estudou na academia platônica. Após a morte de Platão, Aristóteles formou seu estabelecimento de ensino, o Liceu, e construiu sua própria filosofia – ela não estava com nada nas mãos. Fiquei me perguntando como conseguia se lembrar daquilo tudo. – Desde muito cedo, ainda quando era discípulo de Platão, ele criara importantes críticas ao pensamento de seu mestre. Elas iam de encontro à Teoria das Ideias. A Teoria das Ideias, de Platão, defendia que existia o Mundo Inteligível, do qual, antes de nascer, nós passamos para ter as ideias assimiladas em nossas mentes, criando assim a teoria de que já nascemos com ideias inatas. Já o Mundo Sensível é o mundo no qual nós nascemos e vivemos – ela tomou fôlego antes de continuar. – Nesse Mundo Sensível, as ideias criadas em nossas mentes são “guardadas” e, para serem utilizadas, é necessário “relembrar” as ideias que já estão no nosso inconsciente através do Mundo Inteligível. E é importante lembrar que Platão afirmou que apenas um dos mundos era para “ser levado mais a sério”: o Inteligível, onde a essência das coisas se encontra – enquanto ela falava, alguns slides passavam atrás dela. Uns tinham fotos de pinturas de alguns caras e outros tinham fotos ilustrativas explicando as teorias que mencionara. – Voltando a Aristóteles, ele dizia que era insensato o pensamento da existência de dois mundos. Ora, se Platão dizia que há dois mundos e que as essências se encontram em apenas um deles, Aristóteles, em contrapartida, acreditava que a realidade era uma só e que as essências se encontravam aqui, no único mundo existente, e que, na minha humilde opinião, era quase o que Platão queria dizer.
A turma inteira aplaudiu e eu fiz o mesmo. Estava realmente de boca aberta. O professor falou algo como “nunca decepciona” e ela, um pouco sem graça, voltou à sua cadeira, repetindo milhares de “obrigada!”.
E nenhuma das outras apresentações chegou aos pés daquela.
As aulas seguintes, eu passei sozinha, entediada e triste por ser tão inacreditavelmente péssima em fazer qualquer tipo de conta. Era horrível ver como todos ali eram mais avançados em absolutamente em tudo.
Na hora do almoço, Amy foi a última a chegar à nossa mesa e se sentou ao meu lado. Estava com algumas pastas na mão e parecia ter corrido muito para chegar.
– Isso não está legal, cara – disse , olhando para o seu prato. O feijão não estava com uma aparência muito boa. – E se não for de hoje?
– Com certeza não é de hoje – Chris empurrou o prato para longe, fazendo cara de nojo.
– Vocês falam como se essa escola já tivesse servido pratos chiques de restaurantes franceses! Sempre comeram e nunca morreram! – deu uma garfada em sua comida e todos nós o olhamos boquiabertos e enojados.
– Cara, se você passar mal, não vai ser eu quem vai levá-lo para a enfermaria! – falou irritado.
– Você é nojento – Amy o alertou. Ele falou algo de boca cheia e a garota apenas revirou os olhos e se virou para mim. – , olhe o que saiu! – ela me entregou uma pasta preta. Quando a abri, dei de cara com uma matéria inteira sobre o ocorrido de ontem. , que estava do meu lado, esticou a cabeça até o papel em minhas mãos para dar uma espiada no que se tratava.
”Na manhã do dia 14 de novembro, mais um dia comum na Vineyard Academy começava. Entretanto, para as alunas Christina Wright e , não foi um dia comum. As garotas presenciaram um grande desastre no banheiro principal da Instituição que...”
– Desastre? – perguntei. – Não é meio exagerado?
– , isso é um jornal. Tem que ser um pouco exagerado...
– E esses relatos? Quando foi que eu lhe disse que “pensei que iria morrer e já tinha dado adeus à minha família em pensamento”? – levantei as sobrancelhas, lendo uma parte da matéria. Aquilo era até engraçado, porque seria a última coisa que eu faria.
– Ah, pois é. Isso... – ela riu envergonhada. – Eu ia lhe dizer, , mas tive que acrescentar algumas coisas... – todos riram do modo como ela falou e eu devolvi a pasta. – Não achei que fosse se importar.
– Eu não me importo, contanto que minha “popularidade” não aumente por causa disso.
– Você é nova aqui e ainda sofreu um acidente no dia seguinte à sua chegada. Esperava que ninguém comentasse? – perguntou Alison com cara de entediada. Aparentemente, ser o centro das atenções para ela não era problema, mas, bem, para mim era. Eu não gostava e não queria aquilo.
– Tenho certeza de que depois de alguns dias a maioria das pessoas nem vai lembrar o seu nome. É um efeito passageiro – Dani emendou no que Alison disse para que eu não ficasse chateada ou algo do tipo. De qualquer jeito, não sentia muita garantia no que ela falava.
– Mas, hein, gostou da matéria? – Amy perguntou, cheia de expectativas.
– Achei que fez jus ao trabalho de todos os jornalistas dos Estados Unidos – brinquei e ela riu, porque percebeu que eu não havia ficado chateada.
– Não é bem uma mentira, se a gente for analisar bem – a garota deu de ombros. Mas era, sim. Não que eu nunca tivesse contado mentiras na minha vida. Na verdade, fazia isso até com frequência com a minha mãe, mas aquilo teria um efeito inverso. Ao invés de não ser incomodada, eu estava cada dia mais sendo comentada por todos os corredores daquela escola.
– Esses jornalistas... – disse, balançando a cabeça, como se o próprio não fizesse parte do jornal. – Não ligue para o pessoal da redação, . Eles fazem isso bastante, na verdade. No campeonato de futebol do ano passado, teve uma matéria exclusiva comigo e os caras, sendo que nós nunca abrimos a boca para falar nada sobre o assunto.
– Mas vocês perderam feio! Eu não tenho culpa se me pediram para fazer entrevistas e vocês não quiseram dizer nada! Eu tive que improvisar! – Amy falou irritada. Tive a impressão de que, se ela estivesse próxima do rapaz, ele teria saído com um olho roxo.
Antes que qualquer briga começasse, o sinal tocou, alto e em bom tom, e isso fez com que Amy gritasse e arregalasse os olhos, como se tivesse se lembrado de algo. Logo disse “Matemática” e saiu correndo como se sua vida dependesse disso.
– Céus, ela simplesmente não relaxa! – disse antes de todos se levantarem.
– Qual é a sua aula agora? – me perguntou. Olhei no meu horário e apertei os olhos para ter certeza do que estava vendo. Oh, ótimo. Química! – A nossa também! – disse ele, depois de espremer os olhos ao olhar o papel em minhas mãos.
– Boa sorte, . Você nunca vai aprender nada com esses três na sua sala – Dani disse, despedindo-se e indo para sua sala ao lado das outras duas, que sorriram para nós e seguiram seu caminho.
– Não é bem assim... – disse enquanto andávamos até a sala do senhor Cornelius. Ele já estava na sala quando chegamos. Vestia uma roupa engraçada que combinava com seu chapéu.
O resto da aula correu bem devagar. Química não era o meu forte e o professor não ajudava muito também. Ele tinha o sotaque estranho e falava arrastado, dando-me vontade de dormir. A maioria das pessoas naquela sala não prestava atenção e era como se ele estivesse dando aula para as paredes – e, verdade seja dita, elas estavam mais participativas na aula do que todos os alunos juntos.
Logo eu entendi o porquê Dani me desejou boa sorte. Aqueles três não paravam de conversar nem por um segundo. O professor não se importava e eu muito menos. Qualquer coisa era mais interessante do que Rutherford e seus amigos. Sem contar que era realmente impossível não ouvir o que eles diziam. Estavam do meu lado, então eu consequentemente estava sabendo de tudo o que eles falavam. parecia saber mais do que deveria sobre a vida de todos que estavam presentes naquela escola, assim como sempre tinha algum assunto sobre o futebol e sempre tinha os comentários mais sensatos e engraçados sobre o assunto e vez ou outra falava de algumas garotas. Mas, quando isso acontecia, os outros dois perdiam a animação de falar e até revirava os olhos.
– Você poderia ver algum treino nosso, . As meninas sempre vão – disse, fazendo com que eu caísse na real de que o assunto era comigo. Eles estavam falando de tantas coisas que eu não sabia quando o assunto era comigo.
– Eu não entendo muito de futebol – na verdade, eu não entendia nada.
– Não tem problema. Apenas Dani entende – deu de ombros. – Acontece depois da aula.
– Você pode até se candidatar para as líderes de torcida no próximo semestre, se quiser – me deu uma cotovelada de leve.
– Eu iria, mas a minha elasticidade é a mesma que de um pedaço de madeira – eles riram.
– Chris vai tentar puxá-la para lá. Ela tentou fazer isso com as outras. Esteja alerta – brincou e eu disse um “obrigada pela dica” antes de virar para o quadro e começar a copiar o que o professor escrevia.
O dia passou rápido. Mais do que eu achei que passaria. Estar ao lado dos meninos durante duas aulas fora engraçado, mas tive a impressão de que, se eu continuasse tão dispersa naquela aula, receberia um lindo e grandioso F na minha primeira prova.
Naquele dia, eu tinha pedido as anotações de todas as aulas que Amy pudesse me dar e, sorrindo, ela me entregou inúmeras folhas e disse que qualquer dúvida poderia perguntar. É obvio que eu tinha dúvidas. Ela tinha centenas de folhas apenas com contas de Física. Então, rindo do meu rosto de espanto, a menina disse que não se importaria em me dar aulas, quando fizesse o mesmo com as meninas, e em me explicar suas anotações, que por uma breve explicação que me dera a minha cabeça quis explodir. Logo o desespero de não me adaptar àquela gente tão inteligente bateu...
– Eles são bons? – perguntei assim que chegamos ao treinamento dos meninos. Estavam todos lá. era muito energético, então corria pelo campo antes mesmo do treinador apitar. estava se alongando e, vez ou outra, mandava olhares furtivos para Christina que não tirava os olhos dele por nada. estava sentado, dando atenção ao treinador que falava sem parar e não parecia muito feliz.
– Sim. Na verdade, e são muito bons – Amy falou, sem tirar os olhos do livro intitulado “História – Tudo o que você precisa saber”. E aparentava ser tudo mesmo, porque tive a impressão de que aquele livro era maior do que minha cabeça multiplicada por três.
– E ? – perguntei, olhando para ele, que era um dos únicos que continuavam sentados, enquanto o resto corria pelo campo.
– Bem, ele tenta – ela disse rindo. – Não é exatamente péssimo, mas provavelmente nunca sairá do time reserva – percebi que aquilo não era implicância dela. Tive uma certa pena dele e eu queria vê-lo jogar. Ele falava tão animado dos treinos.
– é maravilhoso, não? – Christina disse com os olhos brilhando. – Tenho certeza de que, ano que vem, será o melhor do time!
– Eu duvido. O é muito bom... – Dani olhou para o campo. Efetivamente, era a única que parecia entender tudo que acontecia ali.
– Não me fale desse idiota! – Amy fechou o livro com um estrondo, fazendo todas nós a olharmos.
– O que há com você? – Alison perguntou com o cenho franzido. Parecia falando e eu quase soltei uma risadinha, se não fosse pela face vermelha da garota com os cabelos da mesma cor.
– O que há comigo? O que há com ele! Ele é a minha dupla no trabalho de História! Um inútil completo! – ela mencionara esse cara no dia anterior. Hoje, estava dez vezes mais irritada do que quando me contou aquela história pela primeira vez.
– Mude de dupla, então! Ele não é tão mal – Alison retrucou.
– Por quê? Já ficou com ele? – a menina levantou as sobrancelhas, mas isso não deixou Alison acanhada. Muito pelo contrário. Fez a menina rir alto
– Como poderia? Ele terminou com a namoradinha dele ontem. Eu apenas já fui a algumas festas que ele fez.
– Eu lhe falei dele ontem, . Você se lembra? – Amy me olhou e depois voltou a abrir o livro, ignorando completamente os comentários de Alison.
– Lembro. Ele é o capitão? – todas assentiram.
– Na próxima festa, você será minha convidada especial, ! E você, Amy, quem sabe um dia eu a leve também? Mas antes disso você precisa... Bem, como é que o diz? – ela pareceu pensativa. – Ah, sim. Relaxar...
Aquela palavra fora como acender um pavio de uma bomba. Amy fechou a cara e abriu a boca para falar, mas fechou logo em seguida. Então percebi que ela ainda queria preservar a amizade com a amiga. Aquela palavra, aparentemente, a deixava mais irritada que o normal. A garota apenas bufou e disse:
– Eles dois têm uma certa semelhança, na verdade, mas é o maior imbecil que eu já tive o desprazer de conhecer – disse por fim, voltando ao seu livro.
– Fico feliz por ter perdido esse título no seu pódio pessoal, Parker – estava ali, bem na nossa frente, aparentemente se divertindo horrores com a conversa.
– Isso até eu parar de conviver com ele, . Faltam apenas alguns meses...
– Depois disso o seu favorito volta a ser eu? – ele levantou as sobrancelhas. Todas nós rimos. Até mesmo Christina, que parecia nem prestar atenção. – Eu estou lisonjeado.
– Nos piores sentidos, sim – o sorriso do rapaz aumentou ainda mais e Amy fechou os olhos, percebendo a besteira que havia falado na frente dele. – De imbecil, idiota e nojento – ele desfez o sorriso. Agora era a vez da garota sorrir.
– Por acaso vocês falavam do ? Bem, dizem que ele é meio idiota mesmo. Na verdade, nem eu, nem os caras o conhecemos muito.
– Não o acho idiota.
– Você o acha bonito, Alison – Dani disse entediada. – Ele é, mas...
– Duvido que vão querer alguma coisa com ele. Aquele cara é uma máquina! Passa por cima dos jogadores como se quisesse matar todos eles. Duvido que não faça o mesmo com meninas...
– Obrigada por avisar, agora que tenho meses pela frente de trabalho com ele!
– Eu não disse que machucaria qualquer um, mas, bem, ele é meio... Como posso dizer...?
– Louco?
– Doido?
– Dissimulado? – arrisquei.
– Gente, não! Eu ia dizer temperamental... – “ah”, todas nós dissemos em uníssono. – Bem, na verdade, é bem igual a você, Amy. A diferença é que você apenas agride com palavras.
– Quer que eu comece a agredi-la fisicamente? Seria legal, para variar. Talvez assim você fique menos idiota.
– Irritadinha! – ela murmurou um “ugh” antes de juntar suas coisas e sair da quadra, antes que seu rosto explodisse de tão vermelho.
– Você não facilita, hein? – disse Dani irritada para , que agora se sentara onde Amy estava do meu lado. – Ela já não está em um dia bom!
– E eu com isso? Ela que começou com os insultos, como sempre faz – o rapaz revirou os olhos e mudou de assunto.
Christina parecia que iria pirar. corria rápido, mas parecia que iria se machucar a qualquer momento. Na verdade, aquele jogo, de modo geral, era muito violento. Vi a maioria dos jogadores quase caírem por cima dos outros.
– O que está achando? – ele me perguntou.
– Não entendo muito, mas é legal...
– Você vai gostar. É um grande evento o futebol aqui, sabe?! Todo mundo sai para ver as partidas quando são aqui na Casa. O próximo é mês que vem – ele disse animado.
– Eu adoraria ver – eu disse, apesar de já saber que não iria entender nada do jogo.
– Ai, finalmente! – Chris suspirou aliviada quando o treino acabou. Queria saber qual era o estado que ela ficava quando o jogo realmente acontecia.
– ! O que faz aí? – o treinador gritou irritado, fazendo se levantar na mesma hora. – Largue suas namoradas e venha aqui agora!
– Tchau! – ele disse, divertindo-se do que o treinador dissera. Ele era louco. Eu tinha a impressão de que o treinador poderia bater nele a qualquer momento e o garoto continuou rindo.
– ! Como pude me esquecer? – Christina pegou as minhas mãos e me fez levantar. – Você gostaria de ser líder de torcida, certo? Bem, estamos em novembro, mas posso conseguir teste para você... Você vai adorar. É...
– Christina, eu... – interrompi-a. Sabia que aquele momento iria chegar. Eu não queria ser grosseira, mas também não queria participar.
- , por favor!
– Certo, Chris. Eu, bem, não levo jeito para isso. Definitivamente, não...
– , por favor! Eu prometo que você irá gostar!
– Não quero que se desaponte comigo. Eu provavelmente nem iria passar no teste, sério...
– Não vou deixar de insistir – disse ela, pegando a bolsa e indo direto ao campo. – Vou jantar com o hoje. Tchau, meninas!
– Ela não vai parar mesmo de insistir – falou Alison, levantando-se.
– Pois é. Eu só lhe desejo boa sorte. Suas desculpas vão ter que ficar melhores – Dani balançou a cabeça, rindo.
– Mas vamos embora porque eu estou morrendo de fome – e só aí percebi que eu estava faminta também.
Capítulo 5 - Três semanas
Ok, o caso era esse: eu não descansei depois que Lucy partiu. O segundo fantasma que encontrei se chamava senhor McFadden – ou pelo menos era assim que gostava de ser chamado. Ele queria que eu o certificasse de que uma correspondência havia chegado à casa de sua afilhada na Austrália. Depois que tudo foi resolvido e a garota já estava adulta e com três filhos, ele foi embora. O segundo era Mike Rachelson, que estava possesso por seu irmão ter perdido uma figurinha do seu jogador preferido – no final das contas, tive que verificar se a figurinha ainda estava com o garoto. E ainda havia um fantasma na biblioteca! A senhora Banks rondava as prateleiras desde que falecera dez anos atrás. O problema era que ela não queria ir embora. Gostava de rondar o local e dizia que “não iria deixar ninguém tomar conta de sua biblioteca”. No final da história, fiz a mulher prometer que não iria incomodar os alunos nem sequer assustá-los – alguns fantasmas demoravam mais para ir embora. Por isso a deixei sob o cargo do próximo mediador que entrasse ali.
Fosse como fosse, aqueles três me causaram trabalho nas minhas primeiras três semanas. Havia passado rápido, mas ainda era cansativo, principalmente por saber que aqueles não eram os únicos. Apenas foram os primeiros.
– Amy, obrigada! Você salvou a minha vida – disse assim que saímos da sala de Matemática. Opa, adivinha quem já tinha aprendido onde era a maioria das salas?
Tínhamos acabado de sair de uma prova que, se não fosse pela ajuda de Amy, eu teria tirado um lindo F.
– Que é isso, . Não precisa agradecer!
– Dá para acreditar que as provas, finalmente, acabaram? – eu disse assim que chegamos ao campus e nos sentamos no chão. Dá para acreditar? Três semanas e eu já estava fazendo provas. Mas depois me explicou que as provas tinham sido adiantadas por causa do campeonato de futebol. Aparentemente, fazia tempo que a Vineyard não ganhava tantos jogos seguidos e o próximo jogo seria dias antes do feriado de Natal contra a escola/time rival.
Não estava sol, mas eu precisava me deitar no chão, pois me sentia exausta. Aquela semana tinha sido horrível por causa das provas.
– É... – ela parecia... Triste? Fale sério. Ela era a Hermione por completo!
– O cara mais bonito do mundo chegou! – era . Ele se sentou ao nosso lado, colocando a mochila-carteiro do seu lado. – Foram bem nas provas?
– Sim! Amy me ajudou muito. E você, como foi?
– Eu fui muito, muito bem, se quer saber – deitou-se assim como nós duas.
– Duvido! – Amy disse. – Não o vi pegar em nenhum livro!
– Peguei em livros o suficiente! Não sou você, que não larga nenhum deles. Aposto que já começou a estudar para as próximas provas que só vão ser depois do feriado!
– Ugh, . Quando vai aprender que essas gracinhas só têm graça para você?
– E quando vai parar de ser tão insuportável? – ela não respondeu e apenas se levantou. Colocou a bolsa nas costas e disse que iria para o quarto e que depois a gente conversava.
Eu não entendia a relação dos dois. De fato, era um palhaço e fazia piadas com tudo, mas eu não entendia por que Amy ficava tão irritada com isso. Ele não parecia ligar na maior parte do tempo. Brincava ainda mais quando a garota reclamava e o chamava de imaturo, mas às vezes as brigas realmente aconteciam e ela sempre ficava irritada, enquanto ele revirava os olhos e não tocava mais no assunto. Tentei perguntar a Amy o que acontecia entre os dois – já tínhamos intimidade o suficiente para isso. Ficávamos no quarto muito tempo e já havíamos conversado sobre um trilhão de coisas –, mas a menina não gostava de falar. Apenas me dizia que, apesar das brigas, eles eram amigos e que apenas se implicavam porque ela era a única que odiava as piadas dele. Não sei se acreditava muito em suas palavras.
– Ansiosa para o Natal? – perguntou de supetão. Eu não estava esperando, então não respondi de primeira. O fato era que eu realmente não havia parado para pensar naquilo. Não queria ir para casa. Sentia saudades de Nova York e tudo o mais, mas não queria ver minha mãe. Tinha certeza de que ela iria fazer do meu feriado um inferno e eu só iria ficar ansiosa e querer voltar.
– Ah, não sei. Não tinha pensado nisso ainda.
– Bem, eu vou passar aqui. A escola sempre faz uma festa legal – não perguntei por que não queria ir para casa. Talvez a relação dele com os pais fosse tão ruim quanto a minha. – Está pensando em ficar? – não quis dizer que amei a ideia. Só de pensar em não ter que conviver com a minha família...
– Depende. A comida vai ser boa? – perguntei e ele riu alto.
– Está brincando, ? Esse é um dos motivos pelos quais eu quero ficar!
De todos os meninos, a minha relação com era, definitivamente, a melhor. Ele parecia ter saído de algum filme besteirol e, apesar de não ser a maior fã desses filmes, eu ria da maioria das baboseiras que o rapaz falava. Nossa amizade se resumia a ele me contar piadas no meio da aula – a qual tínhamos três juntos – e eu tentar não rir porque o professor provavelmente estaria falando algo muito importante. No final das contas, nós sempre acabávamos o dia sentados na sala de TV conversando sobre os mais variados assuntos. E, assim, descobri que tínhamos tanto em comum que nem dava para contar: livros, filmes, música, etc.
Era bom porque ele fazia com que eu me sentisse bem e parte do grupo, principalmente nos primeiros dias. Quando estávamos todos juntos, o garoto sempre me incluía nas conversas e, por causa disso, eu não ficava mais acanhada de acompanhar a conversa que todos estavam falando – inclusive sobre as fofocas com os professores, que constantemente aconteciam.
Os outros meninos também eram demais.
era igualmente engraçado. Assim como , estava sempre alegre e risonho. O seu gosto musical também era parecido com o meu e ele tinha, definitivamente, as melhores playlists no Spotify. Fora isso tudo, era extremamente inteligente com coisas eletrônicas e isso eu apenas descobri quando o meu celular deu alguns problemas e ele foi o único que conseguiu consertar. Aparentemente, o rapaz não gostava que pensassem que era nerd ou coisa do tipo, mas de celulares até computadores ele sabia resolver qualquer coisa. Fiquei sabendo até que ele fora chamado inúmeras vezes para o clube de informática, mas nunca quis participar.
Já era o mais diferente dos outros dois. Ele era um doce, completamente diferente de Christina. Aliás, acho que eles se davam tão bem porque o garoto era a pessoa mais generosa que eu já havia conhecido. Além disso, ele era daqueles caras megacharmosos por quem a maioria das meninas do fundamental criava até fã clube quando aconteciam os jogos de futebol. Era engraçado ver aquelas menininhas dando tchauzinho para ele quando estávamos no mesmo ambiente dos estudantes do fundamental. Ele não ligava muito para isso, talvez por ter tido uma irmã da mesma idade, e sempre sorria para elas. Christina vivia dizendo que seu carisma o faria ser o capitão do time de futebol no ano seguinte. Descobri também que, além de sua bondade com as pessoas, ele era a pessoa mais empática com animais. Amy me contara que, uma vez, ele até desistira de fazer um trabalho de Biologia porque teria que dissecar um animal morto. Eu torcia para que muitas pessoas no mundo tivessem a bondade de .
As meninas eram muito receptivas também. Conversávamos sobre tudo. Elas eram divertidas e amigas. Eu até passava várias horas no quarto das outras meninas. No caso, nós cinco sempre estávamos juntas quando não estávamos em aula ou com os meninos. Amy era, das meninas, a amiga mais próxima que eu tinha. Nós conversávamos muito quando estávamos no quarto. Ela realmente gostava de estudar e era daquele tipo de pessoa que tem que encontrar a resposta lógica para tudo. Imagine só se soubesse das coisas que eu via. Certamente tentaria achar as respostas mais lógicas para os fantasmas que eu enxergava. Ela era sempre a mais pé no chão de todas as outras. Chris até me contou que, na primeira vez que todos eles experimentaram álcool, Amy foi a única que não bebeu nada só para tomar conta de todas caso algo acontecesse. Ela tinha o real espírito materno que alguém do grupo de amigos sempre tem. Mas, além disso, nossas conversas fluíam e a garota pensava igual a mim. Eu só não conseguia raciocinar tão rápido como ela nem chegava aos pés de sua inteligência. No final das contas, percebi que eu era uma mistura de e Amy. Talvez por isso que eu tenha me dado tão bem com os dois.
Já Christina era exatamente do jeito que eu imaginava que fosse quando conheci todas elas. Era aquele tipo de patricinha do bem. E, como todo bom filme adolescente, ela era, definitivamente, a menina mais bonita do colégio. Eu tinha a impressão de que as meninas mais velhas que já estavam no último ano morriam de inveja dos seus cabelos e de suas roupas – que podíamos usar qualquer uma sem ser o uniforme quando era final de semana. Eu achava engraçado. Isso poderia tornar Christina a própria Sharpay Evans, mas ela estava mais para uma Cher Horowitz, apesar de que sempre que conversávamos sobre alguma coisa o assunto, na maioria das vezes, era sobre ela. A menina ainda era engraçadíssima pelo modo que via as coisas e o mundo, porém ela não deixava de ser tão amiga como as outras.
Dani era muito diferente de todos do grupo. Era calada demais e eu tinha a impressão que ela apenas falava quando era extremamente necessário. Os assuntos que falava nunca eram sobre ela mesma e eu tinha até as minhas dúvidas de se chegaríamos àquele nível de amizade onde ela me contaria várias coisas da sua vida. Era tão oposta a Christina que, sempre que eu lembrava que elas eram irmãs, me pegava perguntando como conseguiam conviver uma com a outra. Eu tinha acertado em minhas apostas: Dani era do tipo que só escutava música Indie e suas roupas pareciam ter saído todas do Tumblr. Não me surpreendi quando ela me mostrou sua tatuagem com a letra de uma das músicas de sua banda preferida e pediu para que eu não comentasse com ninguém além das meninas. Também descobri que Dani era uma verdadeira artista. Sabia desenhar, pintar, dançar, atuar e cantar. Todas as paredes do seu lado do quarto tinham algo relacionado a todas aquelas artes e eu ficava realmente impressionada com seu talento.
Alison era, definitivamente, uma das alegrias do grupo. Ela sempre, sempre, sempre estava animada e querendo fazer alguma coisa. Daquele tipo de pessoa que não consegue ficar mais de dois minutos sentada no sofá (eu me perguntava sempre como ela conseguia ficar horar dentro de salas de aula). A menina nunca deixava ninguém ficar para baixo, o que era bom. É sempre bom ter uma pessoa assim ao seu lado. Ela também era a melhor pessoa para conselhos, desde as coisas mais bobas até problemas sérios. Sempre tinha a resposta na ponta da língua e eu descobri que ela já tomara inúmeras detenções por responder os professores, claramente sem nem pensar no que estava falando antes do professor colocá-la para fora de sala. Ela, assim como todas as meninas, estava sempre disposta a ajudar.
Eu não sei como aconteceu. Só sei que, basicamente, de um dia para o outro, estávamos todos amigos.
Fosse como fosse, minhas primeiras semanas na Vineyard tinham saído muito melhor do que eu pensei que seriam. Bem, eu fiz amigos! E nem em nenhum milhão de anos realmente acreditei que aquilo poderia acontecer. As matérias eram difíceis, de fato, mas eu pegaria o jeito. E, apesar disso tudo, as únicas coisas que me importunavam – literalmente – eram os fantasmas.
Eu tinha a impressão de que eles faziam questão de aparecer nas horas mais inoportunas – digo, em Nova York eles também eram bem enxeridos, mas aqui era diferente, provavelmente porque era um lugar menor. Semana passada, um fantasma apareceu no meio da quadra na hora de Educação Física. Eu não o achei depois que ele sumiu novamente, mas aquilo me deixou possessa. Por que mortos têm que ser tão inconvenientes? Ora, se é para chamar a minha atenção, que seja amigavelmente. Não apareça no meio do meu caminho!
Mas provavelmente nenhum desses – e nenhum dos que eu ainda vou encontrar – será tão inconveniente quanto . Ele aparecia sempre de surpresa quando eu estava sozinha, assustando-me. Assustava-me atrás do espelho, mexia nas minhas coisas – salvo as minhas roupas –, aparecia quando Amy estava no quarto e ainda me perseguia quando eu ia atrás de algum fantasma. Dá para acreditar? Aquele menino era uma peste! O típico fantasma que está por aí apenas para incomodar e se divertir. Mas, fosse qual o motivo, ele não me dizia – parte porque eu estava tão atarefada por causa de outros fantasmas e com coisas da escola que nunca sobrava tempo nem para perguntar o que ele queria.
– Ande, . Você vai gostar! – Alison gritou para que eu abrisse a boca. Já era final do dia e estávamos todas reunidas no quarto das outras três, brincando de um jogo que as meninas chamavam de “what's in my mouth?”, que consistia em uma de nós cobrir os olhos e adivinhar o que as outras colocam em sua boca. E adivinha quem era a sortuda da vez? Senti um ácido tocar a minha boca com uma pitada de algo salgado.
– Ugh! É limão com sal? – perguntei enojada e elas gritaram “sim!”, rindo da minha cara.
– Sua vez, Dani! – entreguei a máscara de dormir, que tinha uma das Meninas Super Poderosas, e ela colocou no rosto. Christina pegou um pote de pimenta e colocou em um pedaço de pão. Todas nós rimos antes de Dani colocar na boca. Nem dois segundos se passaram e ela cuspiu e tossiu até seu rosto ficar vermelho. Rimos mais ainda da cara de espanto que a menina fez ao ver o que era.
– Suas nojentas! Não acredito que me deram pimenta! – ela estava indignada e nós apenas ríamos mais.
– Meninas, eu preciso contar algo para vocês... – Christina começou assim que paramos de rir. Todas nós voltamos nossa atenção para ela e então a menina continuou – me chamou para passar o Natal na casa dele.
– Bom, e qual é o problema? – Alison perguntou exatamente o que eu havia pensado.
– Mamãe não vai gostar disso – Dani comentou.
– Não tem problema. Eu já falei com a mamãe – ela revirou os olhos, virando-se para Dani. – É que, bem, vocês não acham que o clima vai ficar pesado?
– Por que ficaria? Vocês estão enrolando esse namoro há um ano! A família dele conhece a sua – Amy começou. – Já faz um tempo que Lucy faleceu...
– Não sei – ela recolheu os ombros. Christina não era de ficar envergonhada. De todas nós, era a que menos ficava sem palavras e sem ação. Falava muito e sempre tinha a resposta na ponta da língua. Porém, quando o assunto era , ela ficava mais do que sem palavras. Ficava nervosa e sem saber o que fazer. Era engraçado de ver como ela era louca por ele e vice-versa.
– Tem mais alguma coisa além disso? – eu comentei. Todas olharam para mim, inclusive Christina, com um olhar de “como você sabe?”, mas eu não sabia de nada. Todas ali sempre tinham uma certa “paixonite”, um ex, um cara bonito que dava em cima de alguma delas na aula... Até Dani, que pouco falava, já havia contado do cara bonito do seu clube de teatro. Eu, ali, era a que menos tinha esse tipo de história para contar. Parte porque eu nunca tive muitas experiências, e como podia? Os únicos caras com quem eu conversava eram meus primos e meu pai. Eu era tão boa no assunto “garotos e flertes” quanto era em Biologia...
– É que, bem, nós nunca ficamos sozinhos... E agora vai ser um feriado inteiro...
– Ah, entendi aonde estamos chegando – Alison comentou. – Mas, Chris, se tiver que ser, vai acontecer! é um dos caras mais legais que eu conheço.
– Eu sei, mas estou nervosa!
– E ele sabe disso! – ela retrucou. – Não vai acontecer se você não quiser.
– Tudo bem. Não quero mais falar sobre isso! – a menina colocou o travesseiro no rosto e logo as meninas mudaram o assunto para que ela não pensasse mais naquilo. O assunto era delicado e pessoal e, de certa forma, eu ficava feliz de Christina compartilhar aquilo comigo também.
Apesar de ter se passado apenas algumas semanas, já parecia que éramos amigas há tempos. Elas não escondiam muita coisa de mim. Contavam coisas pessoais e estávamos começando a chamar umas às outras pelos apelidos. Gostei quando começaram a me chamar de “” – era um apelido pelo qual apenas meu pai me chamava quando eu era criança. Sabia que, quando chegasse o momento certo, eu poderia contar sobre a minha relação com a minha família. Algumas coisas sobre mim elas já estavam cientes. Sabiam que eu não tinha amigos, mas pensavam que era porque eu estudava em casa e eu sabia que aquele era um dos motivos principais para elas serem tão amigas comigo em tão pouco tempo. No final das contas, sabia que a única coisa que eu jamais poderia contar era sobre os fantasmas que eu via e, como elas faziam parte da minha vida agora, teria que conseguir conciliar o trabalho de mediar com as minhas amizades.
Terminamos a tarde com Amy contando do seu colega de trabalho que estava cada dia mais insuportável – eu tinha medo do que esse cara pudesse fazer com a sanidade dela. Estava até considerando realmente dar uns murros nele junto com ela. Dani falou do clube de teatro que interpretaria “Orgulho e Preconceito” no próximo semestre e queria que todas nós fôssemos vê-la. Fiquei feliz por ela convidar. Nunca a tinha visto atuando – as meninas diziam que a menina fazia isso com maestria, o que a deixava muito sem graça.
Quando a madrugada começou a chegar, eu e Amy nos despedimos das outras garotas, antes que Katy viesse nos arrastar pela orelha, e fomos para o quarto. Amy pegou suas coisas e foi para o banheiro, apesar de já estar de pijamas. Disse que precisava de mais um banho para aliviar o estresse – aparentemente, ela fazia isso com frequência.
– Idiota! – disse assim que apareceu na minha frente. Como um reflexo, cobri meus braços e busto com o lençol, o que o fez revirar os olhos no maior estilo “que tipo de cara acha que eu sou?”. Do tipo idiota e inconveniente, eu quis dizer. – Eu vou matar você por fazer isso qualquer dia desses.
– Foi mal acabar com a sua alegria, mas eu já estou morto – ele riu da cara que fiz. – Acho melhor você pegar seu celular. Ele não parou de tocar desde que você saiu – o rapaz disse inquieto, como se o barulho do celular o estivesse incomodando muito. Bem, não posso fazer nada. Ele poderia sair dali a qualquer momento.
Peguei meu celular e vi seis ligações da minha mãe. Não sabia se estava ferrada ou não. Provavelmente ela vira a mensagem que mandei depois da minha conversa com . Eu realmente queria passar o feriado aqui, principalmente se ficasse. Ia ser muito divertido e muito menos estressante. Claro que a probabilidade de ela concordar com isso era mínima, mas eu ainda torcia para que isso acontecesse.
– Alô? – disse depois de alguns toques. A gente não se falava muito ao telefone. Desde a última vez que “me meti em encrenca”, não houve mais ligações. Não que eu fizesse alguma questão disso.
– Por onde andou? – ela não estava irritada. Apenas curiosa. Já que minhas notas não podiam estar melhores e não havia nenhuma reclamação sobre mim da diretora, ela não tinha o que gritar comigo. O problema era que minha mãe sempre achava um motivo para a terceira guerra mundial acontecer entre nós.
– Estava com minhas amigas – era estranho falar “amigas”, ainda mais com ela que provavelmente nem acreditava que eu realmente tinha feito amizades. – Hum, as provas acabaram hoje.
– Sei... Como foi? – ela não estava interessada. Na verdade, parecia mais um descargo de consciência do que qualquer outra coisa.
– Foram ótimas. Minha colega de quarto me ajudou a estudar.
– Recebi sua mensagem – disse, parecendo ignorar o que eu tinha dito antes.
– E...?
– Conversei com seu pai. Bem, ele disse... Nós concordamos que tudo bem você ficar – parecia relutante em falar aquilo, mas um pouco aliviada em ter que ficar longe de mim. Entendia, pois sentia o mesmo.
– Obrigada.
– ...?
– Sim?
– Esse menino... , quem é?
– Meu amigo – ela suspirou. Não sabia por que estava fazendo aquelas perguntas, mas não iria contestar. Qualquer briga poderia fazer com que ela me mandasse de volta para Nova York. Então desligamos o celular, dizendo “tchau” quase na mesma hora.
– Vocês se parecem – disse .
Quê? Eu me parecia com muita gente, menos com aquela mulher. Ela era mesquinha, metida, grossa e insensível. Eu não era nada do tipo.
– No jeito de falar – ele corrigiu, vendo que eu tinha ficado indignada com a comparação. – Vocês parecem que pensam igual.
– Você não sabe de nada.
– É só o que aparenta – ele retrucou.
– Nunca ouviu falar que as aparências enganam? – encerrei a conversa apagando as luzes e me deitando, esperando que sumisse o mais rápido possível.
Eu, parecida com minha mãe? Aquilo era um insulto. Éramos tão diferentes que eu até duvidava que fôssemos realmente da mesma família. Meu cabelo era igual ao dela. Isso era um fato, porém o meu rosto era do meu pai. Mas, tirando isso, nós não éramos muito iguais. Jeito de falar? Ela falava de um jeito superior, como se todos fossem menores que ela ou como se fosse a própria estrela de Hollywood. Não vivia sem comprar roupas mais de uma semana, enquanto eu estava com meu casaco de couro e calça rasgada há tanto tempo que nem lembrava onde havia comprado. Fora o enorme desprezo que ela sentia por mim.
Minha barriga revirou em ter esses pensamentos, então virei para o outro lado, ainda sentindo o gosto do limão – ou eram apenas meus pensamentos azedos demais –, e fechei os olhos.
– Amy, obrigada! Você salvou a minha vida – disse assim que saímos da sala de Matemática. Opa, adivinha quem já tinha aprendido onde era a maioria das salas?
Tínhamos acabado de sair de uma prova que, se não fosse pela ajuda de Amy, eu teria tirado um lindo F.
– Que é isso, . Não precisa agradecer!
– Dá para acreditar que as provas, finalmente, acabaram? – eu disse assim que chegamos ao campus e nos sentamos no chão. Dá para acreditar? Três semanas e eu já estava fazendo provas. Mas depois me explicou que as provas tinham sido adiantadas por causa do campeonato de futebol. Aparentemente, fazia tempo que a Vineyard não ganhava tantos jogos seguidos e o próximo jogo seria dias antes do feriado de Natal contra a escola/time rival.
Não estava sol, mas eu precisava me deitar no chão, pois me sentia exausta. Aquela semana tinha sido horrível por causa das provas.
– É... – ela parecia... Triste? Fale sério. Ela era a Hermione por completo!
– O cara mais bonito do mundo chegou! – era . Ele se sentou ao nosso lado, colocando a mochila-carteiro do seu lado. – Foram bem nas provas?
– Sim! Amy me ajudou muito. E você, como foi?
– Eu fui muito, muito bem, se quer saber – deitou-se assim como nós duas.
– Duvido! – Amy disse. – Não o vi pegar em nenhum livro!
– Peguei em livros o suficiente! Não sou você, que não larga nenhum deles. Aposto que já começou a estudar para as próximas provas que só vão ser depois do feriado!
– Ugh, . Quando vai aprender que essas gracinhas só têm graça para você?
– E quando vai parar de ser tão insuportável? – ela não respondeu e apenas se levantou. Colocou a bolsa nas costas e disse que iria para o quarto e que depois a gente conversava.
Eu não entendia a relação dos dois. De fato, era um palhaço e fazia piadas com tudo, mas eu não entendia por que Amy ficava tão irritada com isso. Ele não parecia ligar na maior parte do tempo. Brincava ainda mais quando a garota reclamava e o chamava de imaturo, mas às vezes as brigas realmente aconteciam e ela sempre ficava irritada, enquanto ele revirava os olhos e não tocava mais no assunto. Tentei perguntar a Amy o que acontecia entre os dois – já tínhamos intimidade o suficiente para isso. Ficávamos no quarto muito tempo e já havíamos conversado sobre um trilhão de coisas –, mas a menina não gostava de falar. Apenas me dizia que, apesar das brigas, eles eram amigos e que apenas se implicavam porque ela era a única que odiava as piadas dele. Não sei se acreditava muito em suas palavras.
– Ansiosa para o Natal? – perguntou de supetão. Eu não estava esperando, então não respondi de primeira. O fato era que eu realmente não havia parado para pensar naquilo. Não queria ir para casa. Sentia saudades de Nova York e tudo o mais, mas não queria ver minha mãe. Tinha certeza de que ela iria fazer do meu feriado um inferno e eu só iria ficar ansiosa e querer voltar.
– Ah, não sei. Não tinha pensado nisso ainda.
– Bem, eu vou passar aqui. A escola sempre faz uma festa legal – não perguntei por que não queria ir para casa. Talvez a relação dele com os pais fosse tão ruim quanto a minha. – Está pensando em ficar? – não quis dizer que amei a ideia. Só de pensar em não ter que conviver com a minha família...
– Depende. A comida vai ser boa? – perguntei e ele riu alto.
– Está brincando, ? Esse é um dos motivos pelos quais eu quero ficar!
De todos os meninos, a minha relação com era, definitivamente, a melhor. Ele parecia ter saído de algum filme besteirol e, apesar de não ser a maior fã desses filmes, eu ria da maioria das baboseiras que o rapaz falava. Nossa amizade se resumia a ele me contar piadas no meio da aula – a qual tínhamos três juntos – e eu tentar não rir porque o professor provavelmente estaria falando algo muito importante. No final das contas, nós sempre acabávamos o dia sentados na sala de TV conversando sobre os mais variados assuntos. E, assim, descobri que tínhamos tanto em comum que nem dava para contar: livros, filmes, música, etc.
Era bom porque ele fazia com que eu me sentisse bem e parte do grupo, principalmente nos primeiros dias. Quando estávamos todos juntos, o garoto sempre me incluía nas conversas e, por causa disso, eu não ficava mais acanhada de acompanhar a conversa que todos estavam falando – inclusive sobre as fofocas com os professores, que constantemente aconteciam.
Os outros meninos também eram demais.
era igualmente engraçado. Assim como , estava sempre alegre e risonho. O seu gosto musical também era parecido com o meu e ele tinha, definitivamente, as melhores playlists no Spotify. Fora isso tudo, era extremamente inteligente com coisas eletrônicas e isso eu apenas descobri quando o meu celular deu alguns problemas e ele foi o único que conseguiu consertar. Aparentemente, o rapaz não gostava que pensassem que era nerd ou coisa do tipo, mas de celulares até computadores ele sabia resolver qualquer coisa. Fiquei sabendo até que ele fora chamado inúmeras vezes para o clube de informática, mas nunca quis participar.
Já era o mais diferente dos outros dois. Ele era um doce, completamente diferente de Christina. Aliás, acho que eles se davam tão bem porque o garoto era a pessoa mais generosa que eu já havia conhecido. Além disso, ele era daqueles caras megacharmosos por quem a maioria das meninas do fundamental criava até fã clube quando aconteciam os jogos de futebol. Era engraçado ver aquelas menininhas dando tchauzinho para ele quando estávamos no mesmo ambiente dos estudantes do fundamental. Ele não ligava muito para isso, talvez por ter tido uma irmã da mesma idade, e sempre sorria para elas. Christina vivia dizendo que seu carisma o faria ser o capitão do time de futebol no ano seguinte. Descobri também que, além de sua bondade com as pessoas, ele era a pessoa mais empática com animais. Amy me contara que, uma vez, ele até desistira de fazer um trabalho de Biologia porque teria que dissecar um animal morto. Eu torcia para que muitas pessoas no mundo tivessem a bondade de .
As meninas eram muito receptivas também. Conversávamos sobre tudo. Elas eram divertidas e amigas. Eu até passava várias horas no quarto das outras meninas. No caso, nós cinco sempre estávamos juntas quando não estávamos em aula ou com os meninos. Amy era, das meninas, a amiga mais próxima que eu tinha. Nós conversávamos muito quando estávamos no quarto. Ela realmente gostava de estudar e era daquele tipo de pessoa que tem que encontrar a resposta lógica para tudo. Imagine só se soubesse das coisas que eu via. Certamente tentaria achar as respostas mais lógicas para os fantasmas que eu enxergava. Ela era sempre a mais pé no chão de todas as outras. Chris até me contou que, na primeira vez que todos eles experimentaram álcool, Amy foi a única que não bebeu nada só para tomar conta de todas caso algo acontecesse. Ela tinha o real espírito materno que alguém do grupo de amigos sempre tem. Mas, além disso, nossas conversas fluíam e a garota pensava igual a mim. Eu só não conseguia raciocinar tão rápido como ela nem chegava aos pés de sua inteligência. No final das contas, percebi que eu era uma mistura de e Amy. Talvez por isso que eu tenha me dado tão bem com os dois.
Já Christina era exatamente do jeito que eu imaginava que fosse quando conheci todas elas. Era aquele tipo de patricinha do bem. E, como todo bom filme adolescente, ela era, definitivamente, a menina mais bonita do colégio. Eu tinha a impressão de que as meninas mais velhas que já estavam no último ano morriam de inveja dos seus cabelos e de suas roupas – que podíamos usar qualquer uma sem ser o uniforme quando era final de semana. Eu achava engraçado. Isso poderia tornar Christina a própria Sharpay Evans, mas ela estava mais para uma Cher Horowitz, apesar de que sempre que conversávamos sobre alguma coisa o assunto, na maioria das vezes, era sobre ela. A menina ainda era engraçadíssima pelo modo que via as coisas e o mundo, porém ela não deixava de ser tão amiga como as outras.
Dani era muito diferente de todos do grupo. Era calada demais e eu tinha a impressão que ela apenas falava quando era extremamente necessário. Os assuntos que falava nunca eram sobre ela mesma e eu tinha até as minhas dúvidas de se chegaríamos àquele nível de amizade onde ela me contaria várias coisas da sua vida. Era tão oposta a Christina que, sempre que eu lembrava que elas eram irmãs, me pegava perguntando como conseguiam conviver uma com a outra. Eu tinha acertado em minhas apostas: Dani era do tipo que só escutava música Indie e suas roupas pareciam ter saído todas do Tumblr. Não me surpreendi quando ela me mostrou sua tatuagem com a letra de uma das músicas de sua banda preferida e pediu para que eu não comentasse com ninguém além das meninas. Também descobri que Dani era uma verdadeira artista. Sabia desenhar, pintar, dançar, atuar e cantar. Todas as paredes do seu lado do quarto tinham algo relacionado a todas aquelas artes e eu ficava realmente impressionada com seu talento.
Alison era, definitivamente, uma das alegrias do grupo. Ela sempre, sempre, sempre estava animada e querendo fazer alguma coisa. Daquele tipo de pessoa que não consegue ficar mais de dois minutos sentada no sofá (eu me perguntava sempre como ela conseguia ficar horar dentro de salas de aula). A menina nunca deixava ninguém ficar para baixo, o que era bom. É sempre bom ter uma pessoa assim ao seu lado. Ela também era a melhor pessoa para conselhos, desde as coisas mais bobas até problemas sérios. Sempre tinha a resposta na ponta da língua e eu descobri que ela já tomara inúmeras detenções por responder os professores, claramente sem nem pensar no que estava falando antes do professor colocá-la para fora de sala. Ela, assim como todas as meninas, estava sempre disposta a ajudar.
Eu não sei como aconteceu. Só sei que, basicamente, de um dia para o outro, estávamos todos amigos.
Fosse como fosse, minhas primeiras semanas na Vineyard tinham saído muito melhor do que eu pensei que seriam. Bem, eu fiz amigos! E nem em nenhum milhão de anos realmente acreditei que aquilo poderia acontecer. As matérias eram difíceis, de fato, mas eu pegaria o jeito. E, apesar disso tudo, as únicas coisas que me importunavam – literalmente – eram os fantasmas.
Eu tinha a impressão de que eles faziam questão de aparecer nas horas mais inoportunas – digo, em Nova York eles também eram bem enxeridos, mas aqui era diferente, provavelmente porque era um lugar menor. Semana passada, um fantasma apareceu no meio da quadra na hora de Educação Física. Eu não o achei depois que ele sumiu novamente, mas aquilo me deixou possessa. Por que mortos têm que ser tão inconvenientes? Ora, se é para chamar a minha atenção, que seja amigavelmente. Não apareça no meio do meu caminho!
Mas provavelmente nenhum desses – e nenhum dos que eu ainda vou encontrar – será tão inconveniente quanto . Ele aparecia sempre de surpresa quando eu estava sozinha, assustando-me. Assustava-me atrás do espelho, mexia nas minhas coisas – salvo as minhas roupas –, aparecia quando Amy estava no quarto e ainda me perseguia quando eu ia atrás de algum fantasma. Dá para acreditar? Aquele menino era uma peste! O típico fantasma que está por aí apenas para incomodar e se divertir. Mas, fosse qual o motivo, ele não me dizia – parte porque eu estava tão atarefada por causa de outros fantasmas e com coisas da escola que nunca sobrava tempo nem para perguntar o que ele queria.
– Ande, . Você vai gostar! – Alison gritou para que eu abrisse a boca. Já era final do dia e estávamos todas reunidas no quarto das outras três, brincando de um jogo que as meninas chamavam de “what's in my mouth?”, que consistia em uma de nós cobrir os olhos e adivinhar o que as outras colocam em sua boca. E adivinha quem era a sortuda da vez? Senti um ácido tocar a minha boca com uma pitada de algo salgado.
– Ugh! É limão com sal? – perguntei enojada e elas gritaram “sim!”, rindo da minha cara.
– Sua vez, Dani! – entreguei a máscara de dormir, que tinha uma das Meninas Super Poderosas, e ela colocou no rosto. Christina pegou um pote de pimenta e colocou em um pedaço de pão. Todas nós rimos antes de Dani colocar na boca. Nem dois segundos se passaram e ela cuspiu e tossiu até seu rosto ficar vermelho. Rimos mais ainda da cara de espanto que a menina fez ao ver o que era.
– Suas nojentas! Não acredito que me deram pimenta! – ela estava indignada e nós apenas ríamos mais.
– Meninas, eu preciso contar algo para vocês... – Christina começou assim que paramos de rir. Todas nós voltamos nossa atenção para ela e então a menina continuou – me chamou para passar o Natal na casa dele.
– Bom, e qual é o problema? – Alison perguntou exatamente o que eu havia pensado.
– Mamãe não vai gostar disso – Dani comentou.
– Não tem problema. Eu já falei com a mamãe – ela revirou os olhos, virando-se para Dani. – É que, bem, vocês não acham que o clima vai ficar pesado?
– Por que ficaria? Vocês estão enrolando esse namoro há um ano! A família dele conhece a sua – Amy começou. – Já faz um tempo que Lucy faleceu...
– Não sei – ela recolheu os ombros. Christina não era de ficar envergonhada. De todas nós, era a que menos ficava sem palavras e sem ação. Falava muito e sempre tinha a resposta na ponta da língua. Porém, quando o assunto era , ela ficava mais do que sem palavras. Ficava nervosa e sem saber o que fazer. Era engraçado de ver como ela era louca por ele e vice-versa.
– Tem mais alguma coisa além disso? – eu comentei. Todas olharam para mim, inclusive Christina, com um olhar de “como você sabe?”, mas eu não sabia de nada. Todas ali sempre tinham uma certa “paixonite”, um ex, um cara bonito que dava em cima de alguma delas na aula... Até Dani, que pouco falava, já havia contado do cara bonito do seu clube de teatro. Eu, ali, era a que menos tinha esse tipo de história para contar. Parte porque eu nunca tive muitas experiências, e como podia? Os únicos caras com quem eu conversava eram meus primos e meu pai. Eu era tão boa no assunto “garotos e flertes” quanto era em Biologia...
– É que, bem, nós nunca ficamos sozinhos... E agora vai ser um feriado inteiro...
– Ah, entendi aonde estamos chegando – Alison comentou. – Mas, Chris, se tiver que ser, vai acontecer! é um dos caras mais legais que eu conheço.
– Eu sei, mas estou nervosa!
– E ele sabe disso! – ela retrucou. – Não vai acontecer se você não quiser.
– Tudo bem. Não quero mais falar sobre isso! – a menina colocou o travesseiro no rosto e logo as meninas mudaram o assunto para que ela não pensasse mais naquilo. O assunto era delicado e pessoal e, de certa forma, eu ficava feliz de Christina compartilhar aquilo comigo também.
Apesar de ter se passado apenas algumas semanas, já parecia que éramos amigas há tempos. Elas não escondiam muita coisa de mim. Contavam coisas pessoais e estávamos começando a chamar umas às outras pelos apelidos. Gostei quando começaram a me chamar de “” – era um apelido pelo qual apenas meu pai me chamava quando eu era criança. Sabia que, quando chegasse o momento certo, eu poderia contar sobre a minha relação com a minha família. Algumas coisas sobre mim elas já estavam cientes. Sabiam que eu não tinha amigos, mas pensavam que era porque eu estudava em casa e eu sabia que aquele era um dos motivos principais para elas serem tão amigas comigo em tão pouco tempo. No final das contas, sabia que a única coisa que eu jamais poderia contar era sobre os fantasmas que eu via e, como elas faziam parte da minha vida agora, teria que conseguir conciliar o trabalho de mediar com as minhas amizades.
Terminamos a tarde com Amy contando do seu colega de trabalho que estava cada dia mais insuportável – eu tinha medo do que esse cara pudesse fazer com a sanidade dela. Estava até considerando realmente dar uns murros nele junto com ela. Dani falou do clube de teatro que interpretaria “Orgulho e Preconceito” no próximo semestre e queria que todas nós fôssemos vê-la. Fiquei feliz por ela convidar. Nunca a tinha visto atuando – as meninas diziam que a menina fazia isso com maestria, o que a deixava muito sem graça.
Quando a madrugada começou a chegar, eu e Amy nos despedimos das outras garotas, antes que Katy viesse nos arrastar pela orelha, e fomos para o quarto. Amy pegou suas coisas e foi para o banheiro, apesar de já estar de pijamas. Disse que precisava de mais um banho para aliviar o estresse – aparentemente, ela fazia isso com frequência.
– Idiota! – disse assim que apareceu na minha frente. Como um reflexo, cobri meus braços e busto com o lençol, o que o fez revirar os olhos no maior estilo “que tipo de cara acha que eu sou?”. Do tipo idiota e inconveniente, eu quis dizer. – Eu vou matar você por fazer isso qualquer dia desses.
– Foi mal acabar com a sua alegria, mas eu já estou morto – ele riu da cara que fiz. – Acho melhor você pegar seu celular. Ele não parou de tocar desde que você saiu – o rapaz disse inquieto, como se o barulho do celular o estivesse incomodando muito. Bem, não posso fazer nada. Ele poderia sair dali a qualquer momento.
Peguei meu celular e vi seis ligações da minha mãe. Não sabia se estava ferrada ou não. Provavelmente ela vira a mensagem que mandei depois da minha conversa com . Eu realmente queria passar o feriado aqui, principalmente se ficasse. Ia ser muito divertido e muito menos estressante. Claro que a probabilidade de ela concordar com isso era mínima, mas eu ainda torcia para que isso acontecesse.
– Alô? – disse depois de alguns toques. A gente não se falava muito ao telefone. Desde a última vez que “me meti em encrenca”, não houve mais ligações. Não que eu fizesse alguma questão disso.
– Por onde andou? – ela não estava irritada. Apenas curiosa. Já que minhas notas não podiam estar melhores e não havia nenhuma reclamação sobre mim da diretora, ela não tinha o que gritar comigo. O problema era que minha mãe sempre achava um motivo para a terceira guerra mundial acontecer entre nós.
– Estava com minhas amigas – era estranho falar “amigas”, ainda mais com ela que provavelmente nem acreditava que eu realmente tinha feito amizades. – Hum, as provas acabaram hoje.
– Sei... Como foi? – ela não estava interessada. Na verdade, parecia mais um descargo de consciência do que qualquer outra coisa.
– Foram ótimas. Minha colega de quarto me ajudou a estudar.
– Recebi sua mensagem – disse, parecendo ignorar o que eu tinha dito antes.
– E...?
– Conversei com seu pai. Bem, ele disse... Nós concordamos que tudo bem você ficar – parecia relutante em falar aquilo, mas um pouco aliviada em ter que ficar longe de mim. Entendia, pois sentia o mesmo.
– Obrigada.
– ...?
– Sim?
– Esse menino... , quem é?
– Meu amigo – ela suspirou. Não sabia por que estava fazendo aquelas perguntas, mas não iria contestar. Qualquer briga poderia fazer com que ela me mandasse de volta para Nova York. Então desligamos o celular, dizendo “tchau” quase na mesma hora.
– Vocês se parecem – disse .
Quê? Eu me parecia com muita gente, menos com aquela mulher. Ela era mesquinha, metida, grossa e insensível. Eu não era nada do tipo.
– No jeito de falar – ele corrigiu, vendo que eu tinha ficado indignada com a comparação. – Vocês parecem que pensam igual.
– Você não sabe de nada.
– É só o que aparenta – ele retrucou.
– Nunca ouviu falar que as aparências enganam? – encerrei a conversa apagando as luzes e me deitando, esperando que sumisse o mais rápido possível.
Eu, parecida com minha mãe? Aquilo era um insulto. Éramos tão diferentes que eu até duvidava que fôssemos realmente da mesma família. Meu cabelo era igual ao dela. Isso era um fato, porém o meu rosto era do meu pai. Mas, tirando isso, nós não éramos muito iguais. Jeito de falar? Ela falava de um jeito superior, como se todos fossem menores que ela ou como se fosse a própria estrela de Hollywood. Não vivia sem comprar roupas mais de uma semana, enquanto eu estava com meu casaco de couro e calça rasgada há tanto tempo que nem lembrava onde havia comprado. Fora o enorme desprezo que ela sentia por mim.
Minha barriga revirou em ter esses pensamentos, então virei para o outro lado, ainda sentindo o gosto do limão – ou eram apenas meus pensamentos azedos demais –, e fechei os olhos.
Capítulo 6 - Vineyard VS Meinhardt Parte I
Eu não tinha ideia de que o futebol na Vineyard era tão importante até o dia do grande jogo. As pessoas estavam realmente animadas e andavam de um lado para o outro. Não me surpreendi quando vi a escola inteira decorada de roxo com cartazes, balões e confetes. Era uma grande festa – mais ainda se o time da Casa ganhasse.
Os meninos estavam animados, principalmente , que tinha a esperança de sair da reserva – Amy debochava e dizia que ele não iria conseguir esse feito nem tão cedo e eu tinha que concordar. Infelizmente, não era o melhor jogador do time. As meninas também estavam animadas. Elas também gostavam de futebol, apesar de algumas delas, assim como eu, não entenderem muita coisa. Chris deu um beijo em horas antes do jogo começar e nos despedimos dos meninos que se encontravam em uma mistura de ansiedade, nervosismo e felicidade.
Eu tinha plena certeza de que, se animação contasse pontos, a Vineyard já teria ganhado de lavada. As líderes de torcida haviam feito uma coreografia nova, cantavam, pulavam e rodopiavam no ar – aquilo me dava um pouco de aflição, na verdade. Parecia que elas iriam cair a qualquer momento. Vi Chris que, depois de se despedir de nós, correu para dar início às coreografias com as outras líderes de torcida. Ela estava no centro da roda e seus cabelos loiros chamavam mais atenção do que qualquer outra menina ali. O mascote da Vineyard era um falcão – Amy me explicou que o motivo disso era porque falcões eram os animais que os donos dos vinhedos criavam para proteger as uvas de predadores. Ele também pulava e parecia a pessoa mais feliz do mundo naquele momento.
– , não está na hora de você ir? – Alison perguntou, cutucando-me.
Claro, eu já havia me esquecido. fez questão de que eu fotografasse o jogo. Eu ainda não era boa naquilo, mas era a sua ajudante e ele pediu durante uma semana sem parar e não pude negar. Despedi-me das meninas com a câmera que estava na minha mão e andei com ela até o campo iluminado pelos holofotes.
Os rapazes da Meinhardt eram bem fortes – diferente dos meninos da Vineyard, que eram melhores por serem ágeis –, mas tinham um rosto mau, como se fossem espancar seus oponentes a qualquer minuto. Vi de longe e sua namorada. Não sabia muito sobre ela. Apenas que seu nome era Taylor e que o treinador não aprovava o relacionamento por causa dessa rivalidade. Uma idiotice, devo dizer.
– ! – correu até mim. Ele estava com uma roupa de reserva, mas isso não o deixou abalar. O sorriso continuava em seu rosto. – Venha. Vou lhe apresentar uma pessoa. Esse é Andrew, .
Ele me apresentou um cara alto, magro e que usava uns óculos quadrados parecidos com os de Amy. Esse segurava uma câmera com o mesmo modelo da minha e sorria para mim tímido. O que estava acontecendo ali que ninguém me contou?
“Ele vai ajudá-la com as fotos. Ele me ajudava a tirar fotos para o jornal, mas teve que sair. Convidei-o porque pensei que iria precisar de ajuda”, o rapaz explicou, vendo que eu não havia entendido nada. Estreitei os olhos para ele, que respondeu com um sorriso divertido. Ah, , o que você estava aprontando? Mas ele não esperou que eu dissesse nada e correu de volta para o banco dos reservas.
– Andy – ele disse.
– Entendi. Sou a garota nova, sim, caso pergunte – falei, já sabendo que aquela seria uma das suas perguntas.
– Ah, isso eu sei. Todo mundo sabe – o garoto falou, mas se arrependeu logo em seguida. – Desculpe.
– Tudo bem. É assim que me chamam agora.
– Hum, tudo bem. O que você está achando? – ele juntava tanta coragem para falar que me perguntava se eu era do tipo que amedrontava tanto as pessoas assim.
– Eu estou gostando, com exceção das provas que tive que fazer logo que cheguei – disse, chegando mais perto do jogo. Aparentemente, iria começar a qualquer momento.
– Você pega o jeito...
– É o que todos dizem.
– É que você salvou a vida da Wright também. Não tem como sair das fofocas. Mas eu achei um belo título – ele deu um sorriso. Aparentemente, sabia mais da minha vida do que eu poderia imaginar. Fiquei pensando em quantas pessoas também deveriam saber, ou supor, coisas sobre mim ali.
– Você acha? Eu pensei em salvar a vida das pessoas por aí, mas sei lá, né?! Podia pegar mal – ele riu e acho que o clima esfriou, porque o garoto estava menos nervoso.
– Não acho. A Vineyard está precisando de um agito. Alguém salvando a vida das pessoas por aí seria legal...
– Seria, não? Vou pensar mais sobre isso. Mas agora vamos fotografar.
Eu não entendia nada de futebol. O mais próximo de esporte a que eu assistia era quando o Super Bowl acontecia e nós viajávamos até a casa da vovó para assistir ao jogo. Era legal e ela sempre fazia um doce francês delicioso. Mas eu não entendia muito do que acontecia no jogo. Já meu pai e meus primos quase enlouqueciam quando os caras corriam pelo campo.
Com isso, eu não sabia o que e quando fotografar. Não sabia se os garotos da Meinhardt iriam gostar de ter fotógrafos em cima ou se era apenas para tirar fotos dos lances.
O jogo finalmente começou com os jogadores de frente para os outros – agora todos estavam com cara de que iriam matar seus oponentes. Bizarro, devo dizer. Pareciam que iam pular no pescoço um do outro. Andy me disse para tirar fotos mais próximas possíveis para que eu conseguisse mostrar o rosto deles, ou quase, por causa do capacete. Por isso ele me ensinou a dar zoom e a mexer nas configurações – aparentemente, eu deveria apertar uma sequência de botões para tirar fotos à noite também.
O juiz apitou, fazendo a torcida gritar descontroladamente. Gritavam algum hino ou algo do tipo que eu não consegui identificar a letra direito. As líderes de torcida pulavam e formavam o nome da escola com os corpos, ainda fazendo parte da coreografia. e estavam no jogo. O primeiro estava na frente. Aparentemente, tinha um cargo importante no time. O segundo estava mais atrás e mais abaixado. Desse modo, parecia ser algum tipo de “arma secreta”, porque todos do banco de reserva o olhavam apreensivos.
Eles se mexiam rápidos e realmente se atacavam, fazendo o juiz apitar muitas vezes. Eu não sabia o que estava acontecendo, visto que vez ou outra Andy cochichava “não perca isso” e então eu tinha que tirar fotos de alguns movimentos que eles faziam.
era realmente um jogador especial. Corria rápido e, junto de , avançava para o outro lado e marcava o que eles chamavam de touchdown. O nosso time estava na frente, a plateia gritava a cada gol e o treinador do time do Meinhardt estava possesso de raiva. Gritava com os jogadores e quase arrancava os cabelos em algumas faltas e lances errados – e, em um dos intervalos, ele quase segurou um dos jogadores pelo colarinho.
– Pegue uma imagem deles antes do próximo tempo – disse Andrew assim que o juiz ameaçou apitar. Então, com um rodar da lente da câmera para o zoom se aproximar, eu foquei em dois jogadores que estavam quase cara-a-cara. Segurei perto do meu rosto e antes de apertar o botão... Eu vi.
Não só vi, como senti. Além dos jogadores dos dois times, os treinadores, o juiz e as líderes de torcida, estava mais alguém. E não era ninguém do corpo docente da escola, não era nenhum aluno. Era um fantasma. Parado ali, a uns três passos do campo. Ele estava de costas, então não pude ver sua expressão, porém ele estava com os punhos fechados fortemente e suas costas estavam arqueadas.
– Merda! – sussurrei para mim mesma, tirando a câmera do meu olho e observando o rapaz.
– A foto não ficou boa? – perguntou Andrew. Tinha esquecido completamente que ele podia ouvir meus sussurros porque estava próximo demais a mim.
– Ficou péssima – comentei, olhando para Andrew que parecia bem confuso com minha troca de humor repentina.
O fantasma estava um pouco longe de mim, então eu precisava da câmera para enxergÁ-lo. Era mais velho do que qualquer adolescente que ainda estava jogando, mas o pior era que parecia que ele iria fazer aquilo que eu mais odiava que um fantasma fizesse... Atacar alguém. Assim como Lucy, ele parecia pronto para ir em cima de qualquer um. O problema era que eu não sabia com quem era sua rixa. O fantasma observava o jogo, procurando alguém que eu, obviamente, não sabia quem era, mas os jogadores corriam tão rápido que era impossível ver quem era o felizardo.
– Essa não! – Andrew gritou do meu lado, fazendo-me voltar para a realidade. Eu nem ao menos prestava mais atenção ao jogo. Nem fotos estava tirando mais.
Mais um tempo tinha acabado.
– Quê?
– O jogo está empatado. E o próximo tempo é o último. Eles podem ganhar... – ele disse triste. Vi o fantasma acompanhar o olhar de um dos jogadores do Meinhardt. Logo cutuquei Andrew e perguntei quem era o rapaz. Ele era loiro e alto. Parecia ter uns vinte anos e tinha o rosto, agora suado, mal como o dos outros de sua escola.
– Michael – Andrew estreitou os olhos. – Não sei o que ele está fazendo aqui.
– Por quê? – a curiosidade era maior do que eu. Não podia perder informações. Aquilo podia ser útil para o morto em questão também.
– Ele sofreu um acidente de carro semana passada. Ele ficou inteiro, mas o amigo dele não sobreviveu... – vi-o se arrepiar no mesmo instante.
Será que o seu amigo estava querendo vingança por Michael não ter morrido junto? Não era uma coisa difícil de encontrar. Eu particularmente já havia encontrados centenas com o mesmo objetivo. Vingança era um negócio sério e que os fantasmas faziam – ou tentavam – muito.
“Por que?”, ele levantou as sobrancelhas em minha direção.
– Ele é fofo – respondi. Vi-o ficar pessoalmente ofendido, abaixando as sobrancelhas e fechando a boca. Ora, foi a única coisa que me veio à cabeça. Michael tinha a aparência de caras da faculdade, enquanto eu tinha feito quinze anos meses atrás.
A torcida estava aflita. Olhei para as meninas e vi de longe que Amy roía todas as unhas, Dani tapava os olhos com as mãos, fazendo sinal negativo com a cabeça, e Alison não estava muito diferente disso. Todos pareciam nervosos e vi até alguns alunos rezando com um terço na mão. Agora, os gritos haviam parado, dando lugar a uma respiração nervosa e coletiva vinda de todos que estavam presentes. Olhei para que estava consternado, conversando com e . Todos os três agora estavam com uma expressão de preocupação. A impressão era que todos haviam segurado a respiração por um momento quando os jogadores começaram a andar até o campo.
Os jogadores se posicionaram e eu olhei fixamente para o fantasma. Ele não poderia fazer nada, poderia? Fiquei esperando que as luzes do campo se apagassem ou que a placa que mostrava os pontos dos times queimasse, mas nada disso aconteceu. Ele ainda estava bravo e acompanhava Michael com o olhar.
Quando o juiz ameaçou soprar o apito, ele também ameaçou andar. Ah não! Estava com raiva mesmo! Iria atacar a qualquer momento. Não pude deixar de achar o fantasma bem idiota. Cara, você pode mover as coisas sem fazer um mísero esforço. Não precisa partir para a agressão física! Mas eu não o culpava. Afinal, eram poucos os mortos que descobriam ou aprendiam a usar seus “poderes”.
“Ah não!” foi uma fração de míseros segundos. O juiz apitou, o fantasma correu e, bem, eu corri atrás dele.
Não sei porque fiz isso. Só percebi que estava correndo em direção ao campo quando joguei a câmera pelo caminho e avancei até aqueles homens que estavam basicamente se espancando. Ouvi de longe alguém gritar meu nome, mas a essa altura eu não sabia se era ou Andy. O morto chegou até o meio e levantou os braços para atacar Michael, mas, antes que suas mãos encostassem nele e o estrago fosse grande, eu me joguei em cima dele. Pulei como um gato e me contorci no chão com o cara embaixo de mim. Não foi uma situação legal. Ele arregalou os olhos e exclamou um “cacete” que eu preferia não ter ouvido porque foi alto demais. Então ele sumiu com uma carranca no rosto enquanto eu fiquei lá, esparramada no chão.
Eu não tinha percebido mesmo o que tinha feito até que uma das piores dores que eu já havia sentido se alastrasse por todo o meu corpo.
Um peso enorme estava em cima das minhas costas e eu só consegui urrar de dor, ouvindo um sonoro “uh” vindo de muitas pessoas ao mesmo tempo. Depois disso eu não lembro mais de nada.
Porque eu apaguei.
Eu tinha plena certeza de que, se animação contasse pontos, a Vineyard já teria ganhado de lavada. As líderes de torcida haviam feito uma coreografia nova, cantavam, pulavam e rodopiavam no ar – aquilo me dava um pouco de aflição, na verdade. Parecia que elas iriam cair a qualquer momento. Vi Chris que, depois de se despedir de nós, correu para dar início às coreografias com as outras líderes de torcida. Ela estava no centro da roda e seus cabelos loiros chamavam mais atenção do que qualquer outra menina ali. O mascote da Vineyard era um falcão – Amy me explicou que o motivo disso era porque falcões eram os animais que os donos dos vinhedos criavam para proteger as uvas de predadores. Ele também pulava e parecia a pessoa mais feliz do mundo naquele momento.
– , não está na hora de você ir? – Alison perguntou, cutucando-me.
Claro, eu já havia me esquecido. fez questão de que eu fotografasse o jogo. Eu ainda não era boa naquilo, mas era a sua ajudante e ele pediu durante uma semana sem parar e não pude negar. Despedi-me das meninas com a câmera que estava na minha mão e andei com ela até o campo iluminado pelos holofotes.
Os rapazes da Meinhardt eram bem fortes – diferente dos meninos da Vineyard, que eram melhores por serem ágeis –, mas tinham um rosto mau, como se fossem espancar seus oponentes a qualquer minuto. Vi de longe e sua namorada. Não sabia muito sobre ela. Apenas que seu nome era Taylor e que o treinador não aprovava o relacionamento por causa dessa rivalidade. Uma idiotice, devo dizer.
– ! – correu até mim. Ele estava com uma roupa de reserva, mas isso não o deixou abalar. O sorriso continuava em seu rosto. – Venha. Vou lhe apresentar uma pessoa. Esse é Andrew, .
Ele me apresentou um cara alto, magro e que usava uns óculos quadrados parecidos com os de Amy. Esse segurava uma câmera com o mesmo modelo da minha e sorria para mim tímido. O que estava acontecendo ali que ninguém me contou?
“Ele vai ajudá-la com as fotos. Ele me ajudava a tirar fotos para o jornal, mas teve que sair. Convidei-o porque pensei que iria precisar de ajuda”, o rapaz explicou, vendo que eu não havia entendido nada. Estreitei os olhos para ele, que respondeu com um sorriso divertido. Ah, , o que você estava aprontando? Mas ele não esperou que eu dissesse nada e correu de volta para o banco dos reservas.
– Andy – ele disse.
– Entendi. Sou a garota nova, sim, caso pergunte – falei, já sabendo que aquela seria uma das suas perguntas.
– Ah, isso eu sei. Todo mundo sabe – o garoto falou, mas se arrependeu logo em seguida. – Desculpe.
– Tudo bem. É assim que me chamam agora.
– Hum, tudo bem. O que você está achando? – ele juntava tanta coragem para falar que me perguntava se eu era do tipo que amedrontava tanto as pessoas assim.
– Eu estou gostando, com exceção das provas que tive que fazer logo que cheguei – disse, chegando mais perto do jogo. Aparentemente, iria começar a qualquer momento.
– Você pega o jeito...
– É o que todos dizem.
– É que você salvou a vida da Wright também. Não tem como sair das fofocas. Mas eu achei um belo título – ele deu um sorriso. Aparentemente, sabia mais da minha vida do que eu poderia imaginar. Fiquei pensando em quantas pessoas também deveriam saber, ou supor, coisas sobre mim ali.
– Você acha? Eu pensei em salvar a vida das pessoas por aí, mas sei lá, né?! Podia pegar mal – ele riu e acho que o clima esfriou, porque o garoto estava menos nervoso.
– Não acho. A Vineyard está precisando de um agito. Alguém salvando a vida das pessoas por aí seria legal...
– Seria, não? Vou pensar mais sobre isso. Mas agora vamos fotografar.
Eu não entendia nada de futebol. O mais próximo de esporte a que eu assistia era quando o Super Bowl acontecia e nós viajávamos até a casa da vovó para assistir ao jogo. Era legal e ela sempre fazia um doce francês delicioso. Mas eu não entendia muito do que acontecia no jogo. Já meu pai e meus primos quase enlouqueciam quando os caras corriam pelo campo.
Com isso, eu não sabia o que e quando fotografar. Não sabia se os garotos da Meinhardt iriam gostar de ter fotógrafos em cima ou se era apenas para tirar fotos dos lances.
O jogo finalmente começou com os jogadores de frente para os outros – agora todos estavam com cara de que iriam matar seus oponentes. Bizarro, devo dizer. Pareciam que iam pular no pescoço um do outro. Andy me disse para tirar fotos mais próximas possíveis para que eu conseguisse mostrar o rosto deles, ou quase, por causa do capacete. Por isso ele me ensinou a dar zoom e a mexer nas configurações – aparentemente, eu deveria apertar uma sequência de botões para tirar fotos à noite também.
O juiz apitou, fazendo a torcida gritar descontroladamente. Gritavam algum hino ou algo do tipo que eu não consegui identificar a letra direito. As líderes de torcida pulavam e formavam o nome da escola com os corpos, ainda fazendo parte da coreografia. e estavam no jogo. O primeiro estava na frente. Aparentemente, tinha um cargo importante no time. O segundo estava mais atrás e mais abaixado. Desse modo, parecia ser algum tipo de “arma secreta”, porque todos do banco de reserva o olhavam apreensivos.
Eles se mexiam rápidos e realmente se atacavam, fazendo o juiz apitar muitas vezes. Eu não sabia o que estava acontecendo, visto que vez ou outra Andy cochichava “não perca isso” e então eu tinha que tirar fotos de alguns movimentos que eles faziam.
era realmente um jogador especial. Corria rápido e, junto de , avançava para o outro lado e marcava o que eles chamavam de touchdown. O nosso time estava na frente, a plateia gritava a cada gol e o treinador do time do Meinhardt estava possesso de raiva. Gritava com os jogadores e quase arrancava os cabelos em algumas faltas e lances errados – e, em um dos intervalos, ele quase segurou um dos jogadores pelo colarinho.
– Pegue uma imagem deles antes do próximo tempo – disse Andrew assim que o juiz ameaçou apitar. Então, com um rodar da lente da câmera para o zoom se aproximar, eu foquei em dois jogadores que estavam quase cara-a-cara. Segurei perto do meu rosto e antes de apertar o botão... Eu vi.
Não só vi, como senti. Além dos jogadores dos dois times, os treinadores, o juiz e as líderes de torcida, estava mais alguém. E não era ninguém do corpo docente da escola, não era nenhum aluno. Era um fantasma. Parado ali, a uns três passos do campo. Ele estava de costas, então não pude ver sua expressão, porém ele estava com os punhos fechados fortemente e suas costas estavam arqueadas.
– Merda! – sussurrei para mim mesma, tirando a câmera do meu olho e observando o rapaz.
– A foto não ficou boa? – perguntou Andrew. Tinha esquecido completamente que ele podia ouvir meus sussurros porque estava próximo demais a mim.
– Ficou péssima – comentei, olhando para Andrew que parecia bem confuso com minha troca de humor repentina.
O fantasma estava um pouco longe de mim, então eu precisava da câmera para enxergÁ-lo. Era mais velho do que qualquer adolescente que ainda estava jogando, mas o pior era que parecia que ele iria fazer aquilo que eu mais odiava que um fantasma fizesse... Atacar alguém. Assim como Lucy, ele parecia pronto para ir em cima de qualquer um. O problema era que eu não sabia com quem era sua rixa. O fantasma observava o jogo, procurando alguém que eu, obviamente, não sabia quem era, mas os jogadores corriam tão rápido que era impossível ver quem era o felizardo.
– Essa não! – Andrew gritou do meu lado, fazendo-me voltar para a realidade. Eu nem ao menos prestava mais atenção ao jogo. Nem fotos estava tirando mais.
Mais um tempo tinha acabado.
– Quê?
– O jogo está empatado. E o próximo tempo é o último. Eles podem ganhar... – ele disse triste. Vi o fantasma acompanhar o olhar de um dos jogadores do Meinhardt. Logo cutuquei Andrew e perguntei quem era o rapaz. Ele era loiro e alto. Parecia ter uns vinte anos e tinha o rosto, agora suado, mal como o dos outros de sua escola.
– Michael – Andrew estreitou os olhos. – Não sei o que ele está fazendo aqui.
– Por quê? – a curiosidade era maior do que eu. Não podia perder informações. Aquilo podia ser útil para o morto em questão também.
– Ele sofreu um acidente de carro semana passada. Ele ficou inteiro, mas o amigo dele não sobreviveu... – vi-o se arrepiar no mesmo instante.
Será que o seu amigo estava querendo vingança por Michael não ter morrido junto? Não era uma coisa difícil de encontrar. Eu particularmente já havia encontrados centenas com o mesmo objetivo. Vingança era um negócio sério e que os fantasmas faziam – ou tentavam – muito.
“Por que?”, ele levantou as sobrancelhas em minha direção.
– Ele é fofo – respondi. Vi-o ficar pessoalmente ofendido, abaixando as sobrancelhas e fechando a boca. Ora, foi a única coisa que me veio à cabeça. Michael tinha a aparência de caras da faculdade, enquanto eu tinha feito quinze anos meses atrás.
A torcida estava aflita. Olhei para as meninas e vi de longe que Amy roía todas as unhas, Dani tapava os olhos com as mãos, fazendo sinal negativo com a cabeça, e Alison não estava muito diferente disso. Todos pareciam nervosos e vi até alguns alunos rezando com um terço na mão. Agora, os gritos haviam parado, dando lugar a uma respiração nervosa e coletiva vinda de todos que estavam presentes. Olhei para que estava consternado, conversando com e . Todos os três agora estavam com uma expressão de preocupação. A impressão era que todos haviam segurado a respiração por um momento quando os jogadores começaram a andar até o campo.
Os jogadores se posicionaram e eu olhei fixamente para o fantasma. Ele não poderia fazer nada, poderia? Fiquei esperando que as luzes do campo se apagassem ou que a placa que mostrava os pontos dos times queimasse, mas nada disso aconteceu. Ele ainda estava bravo e acompanhava Michael com o olhar.
Quando o juiz ameaçou soprar o apito, ele também ameaçou andar. Ah não! Estava com raiva mesmo! Iria atacar a qualquer momento. Não pude deixar de achar o fantasma bem idiota. Cara, você pode mover as coisas sem fazer um mísero esforço. Não precisa partir para a agressão física! Mas eu não o culpava. Afinal, eram poucos os mortos que descobriam ou aprendiam a usar seus “poderes”.
“Ah não!” foi uma fração de míseros segundos. O juiz apitou, o fantasma correu e, bem, eu corri atrás dele.
Não sei porque fiz isso. Só percebi que estava correndo em direção ao campo quando joguei a câmera pelo caminho e avancei até aqueles homens que estavam basicamente se espancando. Ouvi de longe alguém gritar meu nome, mas a essa altura eu não sabia se era ou Andy. O morto chegou até o meio e levantou os braços para atacar Michael, mas, antes que suas mãos encostassem nele e o estrago fosse grande, eu me joguei em cima dele. Pulei como um gato e me contorci no chão com o cara embaixo de mim. Não foi uma situação legal. Ele arregalou os olhos e exclamou um “cacete” que eu preferia não ter ouvido porque foi alto demais. Então ele sumiu com uma carranca no rosto enquanto eu fiquei lá, esparramada no chão.
Eu não tinha percebido mesmo o que tinha feito até que uma das piores dores que eu já havia sentido se alastrasse por todo o meu corpo.
Um peso enorme estava em cima das minhas costas e eu só consegui urrar de dor, ouvindo um sonoro “uh” vindo de muitas pessoas ao mesmo tempo. Depois disso eu não lembro mais de nada.
Porque eu apaguei.
Capítulo 7 - Vineyard VS Meinhardt Parte II
Despertei, mas desejei ao máximo que eu tivesse morrido. Tudo doía: meus braços, minhas pernas e meu tronco parecia estar imóvel. Meus olhos estavam pesados e eu custava muito a abri-los, tentando fazer isso o mais lento que eu conseguisse.
Não me lembrava do que tinha acontecido nem onde eu estava. A luz de uma pequena janela batia nas minhas pernas e eu tentava a todo custo me levantar, falhando miseravelmente nisso. Virei a cabeça aos poucos, tentando observar onde eu estava. Que lugar era aquele? As coisas eram limpas demais e havia umas cortinas azuis... Espere! Eu conhecia aquele lugar! Gemendo e tentando levantar os braços para chamar alguém... Eu tinha absoluta certeza de que estava na enfermaria.
Como eu fui parar ali era a dúvida que pairava na minha mente. Demorei um tempo para perceber que não estava de uniforme. Estava com uma roupa branca e algo entrava no meu braço.
– Está tudo bem, senhorita . Não se mexa – os olhos grandes da enfermeira apareceram diante de mim. Ela não estava muito feliz. Fazia algo do meu lado que eu não conseguia identificar o que era, mas de certa forma sua voz me acalmou, fazendo com que eu ficasse mais relaxada e sentisse meus olhos pesarem.
Quando acordei de novo, estava mais desperta. Conseguia virar minha cabeça para os lados, porém meus braços e pernas ainda doíam, e uma delas parecia realmente pesada. Meu tronco ainda estava imóvel e eu arfei, porque estava irritada por estar naquela situação.Eu simplesmente não conseguia me mexer.
Olhei para os lados, na esperança de achar algum enfermeiro, mas sem sucesso. Droga! O que eu iria fazer? Por que estava ali? O que tinha acontecido ontem?
Ah, não... Ontem. O jogo! Como eu poderia ter me esquecido? Bem, estava tão derrubada que nem conseguia me lembrar do meu próprio nome. Quem dirá o que teria acontecido? Eu não me lembrava da conexão. Estava fotografando o jogo até o último apito do juiz. Depois vi um fantasma e percebi que ele estava um pouco irritado. Depois, bem, eu corri atrás dele.
Aquilo não soava muito bem. O problema era que eu não me lembrava do que havia acontecido depois daquilo. Tudo estava vago e escuro e minha lembrança seguinte era acordar na enfermaria.
– ? – alguém interrompeu meus pensamentos. Parecia uma mistura de alegria e preocupação. Logo a pessoa apareceu em minha frente e deu um sorriso.
– ! – eu tentei falar o mais alto que pude, mas a voz não saía muito bem de mim. Estava fraca, não conseguia levantar. Vendo isso, ele se sentou ao meu lado e pediu para eu não mexer nada.
– Não vou perguntar como está se sentindo. Seria uma pergunta muito estúpida.
– Estou ótima – aquilo saiu mais como um sussurro do que qualquer outra coisa, mas funcionou para que ele risse da minha tentativa de ironia. – O que aconteceu?
– Não se lembra? – neguei fraco com a cabeça. – Claro que não lembra. Não é à toa que acordou só agora. Não sei se a enfermeira ficará feliz se eu lhe contar.
– Quero saber o que aconteceu ontem.
– Ontem? , você está mais desnorteada do que eu pensei – ele balançou a cabeça e fechou os olhos antes de começar a falar. Parecia tentar se lembrar de todos os detalhes que tinha visto. – Você correu para o campo e caiu e, bem, você sabe e viu como é futebol americano.
– Quê? Eu caí? – perguntei confusa. Eu lembrava que havia corrido atrás do fantasma, mas não lembrava que havia caído. Eu apenas queria minha memória de volta.
– Caiu. Mas isso não foi o pior – abaixei as sobrancelhas em dúvida. Realmente, tinha como aquilo ficar pior? – Caíram em cima de você.
– Quê? – perguntei exasperada.
– Um jogador caiu em cima de você – disse novamente, como se estivesse dizendo uma receita de bolo de chocolate.
– Como?
– Bem, você correu para o meio deles. O que esperava que acontecesse? – ele desceu da cama. Estava com um copo de café nas mãos e sem o uniforme escolar, com um casaco escuro e uma touca. Aparentemente, estava muito frio lá fora.
– Por que está sem o uniforme? – ele deu uma olhada na sua roupa e depois olhou para mim com um olhar divertido, quase zombeteiro.
– ... – ele começou como se fosse me dar algum tipo de aviso. Olhei para ele com o cenho franzido. – Você ficou muito tempo desacordada – balançou a cabeça. – Você está aqui há quatro dias.
Ok, aquilo era demais. Quatro dias? Eu fiquei inconsciente quatro dias? Como aquilo era possível? Eu não estava realmente ótima, mas não era como se eu estivesse em coma. Ficar tanto tempo alheia ao tempo e às coisas ao meu redor era algo que nunca havia acontecido comigo.
Suspirei e fechei os meus olhos numa tentativa ridícula de tentar fazer aquilo tudo não ser real. Meu corpo ainda doía e eu ainda não conseguia mexer minhas pernas e tronco, tendo um leve sucesso ao levantar um pouco meus braços.
– Senhor ! – uma voz ecoou nos nossos ouvidos. – Como não deduzi que estivesse aqui? – era a enfermeira. Entrara no quarto com uma bandeja e um olhar severo para o garoto.
– Ela está completamente desnorteada – ele coçou a cabeça em dúvida. – Achei que fosse legal que alguém que ela conhecesse dissesse o que aconteceu.
– Achou que fosse legal? – ela o olhou e ele recolheu os ombros. Claramente sabia que aquela não tinha sido sua melhor ideia.
Eu nunca tinha ficado internada em um hospital. Para falar a verdade, eu não gostava muito deles. Tudo tinha um cheiro esquisito e, apesar daquele lugar ser apenas uma enfermaria, era tão assustadora e grande quanto um hospital de verdade.
“Está com fome, senhorita ?”, ela levantou a cama, fazendo-me ficar sentada. Agora eu tinha a visão de tudo. Colocou a bandeja no meu colo e deu um sorriso que eu nunca a tinha visto dar. Parecia sempre tão irritada que sorrisos não pareciam muito de seu feitio.
Eu realmente não tinha pensado em comer ainda. Então, quando eu vi a bandeja cheia de frutas e iogurte, minha barriga roncou. Não era exatamente um banquete, mas para mim era a melhor coisa no momento. Era como se eu não tivesse a sensação de comer há tempos.
– Quero saber o que aconteceu – disse, pegando o iogurte e o abrindo. Já tinha ouvido a versão de , mas queria saber o que aconteceu com o meu corpo: por que estava tão pesado e tudo estava dolorido.
– A senhorita machucou a perna.
Minha boca se abriu em total choque, então, quando olhei para meus pés, minha perna esquerda estava envolta com alguma coisa branca. “Ah, não!”, sussurrei. Eu nunca havia fraturado nada. Aquilo era horrível. Tinha a sensação de que algo agarrara minha perna e ela até coçava um pouco.
– Está quebrada?
– Não. Mas foi uma torção bem feia. Teve a infelicidade de ter o maior jogador do Meinhardt caído em cima da senhorita. Foi sorte não ter quebrado sua coluna – ela disse depois de me ver chocada.
– Foi uma sorte mesmo. Aquele cara é enorme – disse . Pude perceber que sua voz soava com um pouco de inveja. – Todos pensamos que você tinha se machucado mais. O jogo foi cancelado na hora.
– Cancelado? – perguntei surpresa.
– Sim – a enfermeira começou. – Chega de falar sobre o assunto. A diretora me deixou informada de que queria falar sobre isso pessoalmente com a senhorita quando estivesse recuperada. Sei que está tudo dolorido, mas, se a senhorita repousar e fizer todas as refeições, vai sair logo daqui.
– Ainda hoje? – perguntei esperançosa. Queria sair dali logo. Realmente não gostava daquele ambiente.
– Não – disse com firmeza. – Ainda precisa ficar em observação e fazer alguns exames. Volto mais tarde. Gostaria que a senhorita comesse tudo. Vai precisar se alimentar bem para se recuperar.
– Ótimo! – exclamei assim que ela saiu. Subitamente, tinha perdido completamente a fome.
– Se você não comer, eu como – ele chegou mais perto de mim. – Certamente deve ser melhor do que a comida da cantina.
– Pode se servir, então – empurrei a bandeja. – Onde está todo mundo? – tentei mudar de assunto. franziu o cenho e riu logo em seguida.
– Eu esqueço que você está aqui há dias. Eles estão em suas casas – ele deu de ombros. – Com exceção de . Acho que ele viajou para algum lugar.
– Quê?
– Hoje é dia 24.
Ah, certo. Era véspera de Natal. Eu não poderia estar mais perdida do que aquilo. Ainda estava tentando absorver a informação de que dormi e acordei magicamente na véspera de Natal, sem lembrar de absolutamente nada.
“Eles quiseram se despedir, você sabe, mas você não acordava por nada. Uma pena que vai perder a festa hoje.”
Nada melhor do que passar o Natal em uma cama, deliciando-me com comida de hospital.
– Mal posso esperar para a ceia maravilhosa que eu vou comer hoje – disse sarcástica.
– Ei, eu posso trazer algo escondido. Tem uma torta de morango que é dos deuses – ele disse pensativo. Parecia estar comendo a torta com seu próprio pensamento.
Descobri que já era de tarde quando eu acordei e que estava muito frio lá fora, o que explicava as roupas quentes de . Graças ao aquecedor, eu não estava sentindo aquilo. Levei um tempo para me acostumar com a perna imóvel, tornando quase impossível conseguir chegar ao banheiro sem ajuda de alguma enfermeira – aquilo era tão constrangedor que eu nem conseguia mencionar.
foi embora quando começou a anoitecer. Parte porque ele queria chegar cedo à festa e porque um dos enfermeiros o expulsou, dizendo que eu precisava descansar. Fiquei triste, porque minha única companhia até o final do feriado tinha ido embora e agora eu não teria ninguém para conversar. Eu tinha dormido quase quatro dias seguidos. Não estava muito cansada. Mas os enfermeiros não ligavam para esse fato, porque um deles arrumou meu travesseiro, me ajudou a deitar – eu não conseguia fazer aquilo muito bem sem ajuda – e apagou a luz.
Tentei fechar os olhos, mas não estava nem um pouco cansada. Então o dia do acidente passou pela minha cabeça novamente.
Eu ainda me sentia desorientada. Quatro dias eram muito tempo e eu não lembrava exatamente da dor que havia sentido. Um cara de quase dois metros havia caído em cima de mim e quase quebrado minha perna. Aquilo era o suficiente para me deixar confusa e um pouco enraivecida. Era a primeira vez que um fantasma me deixava realmente machucada. É claro que não havia sido culpa dele efetivamente eu me machucar, mas correr atrás dele foi a única coisa que consegui pensar em fazer na hora. Sabe-se lá o estrago que ele poderia fazer se eu o tivesse deixado colocar as mãos em algum dos jogadores. Talvez tivesse acontecido alguma tragédia que eu não pudesse evitar.
Estava perdida nos meus pensamentos até sentir alguém. Para a minha infelicidade, não era alguém vivo. Era um fantasma. Tinha aparecido do meu lado assim que abri os olhos.
Era .
– Pensei que estivesse dormindo – ele disse ao me olhar. – Sempre que venho aqui, você está desacordada.
– Que compaixão a sua... – disse, revirando os olhos e me sentando. Sabia que ele não sairia dali tão cedo. – Sei que se importa muito com a minha saúde.
– Ele não saía do meu pé. Eu não queria vir aqui todo dia.
– Ele quem? – falei um pouco alto e logo me arrependi. Alguém podia ouvir e entrar a qualquer momento. – Do que você está falando?
– Do cara que fez você se machucar ou sei lá o quê! Ele aparece no seu quarto todo dia.
– E o que ele quer? – bati na minha testa com raiva. Estava pensando tanto no quanto eu tinha me machucado que havia me esquecido de onde o fantasma estava. Não que eu estivesse pensando que depois daquilo ele teria ido embora. Será que tinha tentado machucar alguém de novo? Eu me sentia completamente inútil. Não queria ficar inconsciente nunca mais. Era horrível acordar sem ter o conhecimento de nada que aconteceu ao seu redor.
– Falar com você – disse como se fosse óbvio. – Na verdade, ele fica meio irritado quando não a encontra lá. Acho melhor falar com ele logo. Tenho impressão de que esse cara parte para cima de todo mundo que não faz o que ele quer.
– Desculpe desapontar, mas eu não posso sair daqui – apontei para a minha perna.
– Não seja por isso. Eu o trago aqui – ele cruzou os braços e eu olhei para ele com uma expressão de “sério?”. – Se for para ele nunca mais me incomodar, sim.
– Tudo bem. Vá lá. Faça a sua... Coisa – eu disse. E ele revirou os olhos impaciente e sumiu bem na minha frente.
O rapaz parecia irritado de verdade. Não me importei muito. sempre me respondia com algum tipo de ironia ou ria de alguma coisa. Era meio engraçado vê-lo irritado assim agora. Parecia raro de se ver.
Logo ele voltou com um cara ao seu lado que me lembrei logo de ser o morto que vi na noite do jogo. Ele pareceu feliz em me ver e não estava bravo ou irritado como dissera.
– Você é a ? – ele perguntou, olhando para a minha perna enfaixada.
– Uhum.
– Eu sou o Josh. Você me viu...
– Eu sei. Lembro-me de você – interrompi-o. – Por qual motivo acha que eu corri em sua direção?
– Não queria que se machucasse.
– Não tem muito o que fazer agora, né?
– Certo. Eu só vim lhe agradecer.
– Quê?
– Michael é meu amigo. Era, na verdade – ele balançou a cabeça, parecendo deletar algum pensamento. – Queria agradecer pelo que fez com ele.
– Bem, não sei se você sabe, mas se alguém fez algo contra alguém foi ele contra mim – eu respondi irritada. O que ele estava tentando dizer?
– Não é isso – o garoto levantou as mãos. Olhei para e ele estava olhando para o cara do mesmo modo que eu: com o cenho franzido e parecia não entender nada do que ele falava. – Michael não caiu em cima de você. Ele se jogou.
– Jogou-se? – perguntei surpresa.
– É. Ele pensou que era um jogador do time adversário e se jogou em cima de você. O juiz viu tudo e o puniu. Aparentemente, ele não vai jogar nem tão cedo ou nunca mais – sorriu satisfeito. Eu ainda estava com o cenho franzido, tentando entender a história completa. – Sem falar na suspensão. Isso foi punição suficiente para mim. Por isso vim agradecer.
Aparentemente, Josh queria se vingar de Michael e aquilo foi o suficiente para o cara cumprir a sua missão na Terra. Uma pena que quem tenha se ferrado na situação toda tenha sido eu.
– Bem, de nada, eu acho – ele sorriu com o que eu respondi e, no segundo seguinte, começou a sumir até desaparecer completamente.
Ok. O que os mortos desse lugar têm com vingança?
Não me lembrava do que tinha acontecido nem onde eu estava. A luz de uma pequena janela batia nas minhas pernas e eu tentava a todo custo me levantar, falhando miseravelmente nisso. Virei a cabeça aos poucos, tentando observar onde eu estava. Que lugar era aquele? As coisas eram limpas demais e havia umas cortinas azuis... Espere! Eu conhecia aquele lugar! Gemendo e tentando levantar os braços para chamar alguém... Eu tinha absoluta certeza de que estava na enfermaria.
Como eu fui parar ali era a dúvida que pairava na minha mente. Demorei um tempo para perceber que não estava de uniforme. Estava com uma roupa branca e algo entrava no meu braço.
– Está tudo bem, senhorita . Não se mexa – os olhos grandes da enfermeira apareceram diante de mim. Ela não estava muito feliz. Fazia algo do meu lado que eu não conseguia identificar o que era, mas de certa forma sua voz me acalmou, fazendo com que eu ficasse mais relaxada e sentisse meus olhos pesarem.
Quando acordei de novo, estava mais desperta. Conseguia virar minha cabeça para os lados, porém meus braços e pernas ainda doíam, e uma delas parecia realmente pesada. Meu tronco ainda estava imóvel e eu arfei, porque estava irritada por estar naquela situação.Eu simplesmente não conseguia me mexer.
Olhei para os lados, na esperança de achar algum enfermeiro, mas sem sucesso. Droga! O que eu iria fazer? Por que estava ali? O que tinha acontecido ontem?
Ah, não... Ontem. O jogo! Como eu poderia ter me esquecido? Bem, estava tão derrubada que nem conseguia me lembrar do meu próprio nome. Quem dirá o que teria acontecido? Eu não me lembrava da conexão. Estava fotografando o jogo até o último apito do juiz. Depois vi um fantasma e percebi que ele estava um pouco irritado. Depois, bem, eu corri atrás dele.
Aquilo não soava muito bem. O problema era que eu não me lembrava do que havia acontecido depois daquilo. Tudo estava vago e escuro e minha lembrança seguinte era acordar na enfermaria.
– ? – alguém interrompeu meus pensamentos. Parecia uma mistura de alegria e preocupação. Logo a pessoa apareceu em minha frente e deu um sorriso.
– ! – eu tentei falar o mais alto que pude, mas a voz não saía muito bem de mim. Estava fraca, não conseguia levantar. Vendo isso, ele se sentou ao meu lado e pediu para eu não mexer nada.
– Não vou perguntar como está se sentindo. Seria uma pergunta muito estúpida.
– Estou ótima – aquilo saiu mais como um sussurro do que qualquer outra coisa, mas funcionou para que ele risse da minha tentativa de ironia. – O que aconteceu?
– Não se lembra? – neguei fraco com a cabeça. – Claro que não lembra. Não é à toa que acordou só agora. Não sei se a enfermeira ficará feliz se eu lhe contar.
– Quero saber o que aconteceu ontem.
– Ontem? , você está mais desnorteada do que eu pensei – ele balançou a cabeça e fechou os olhos antes de começar a falar. Parecia tentar se lembrar de todos os detalhes que tinha visto. – Você correu para o campo e caiu e, bem, você sabe e viu como é futebol americano.
– Quê? Eu caí? – perguntei confusa. Eu lembrava que havia corrido atrás do fantasma, mas não lembrava que havia caído. Eu apenas queria minha memória de volta.
– Caiu. Mas isso não foi o pior – abaixei as sobrancelhas em dúvida. Realmente, tinha como aquilo ficar pior? – Caíram em cima de você.
– Quê? – perguntei exasperada.
– Um jogador caiu em cima de você – disse novamente, como se estivesse dizendo uma receita de bolo de chocolate.
– Como?
– Bem, você correu para o meio deles. O que esperava que acontecesse? – ele desceu da cama. Estava com um copo de café nas mãos e sem o uniforme escolar, com um casaco escuro e uma touca. Aparentemente, estava muito frio lá fora.
– Por que está sem o uniforme? – ele deu uma olhada na sua roupa e depois olhou para mim com um olhar divertido, quase zombeteiro.
– ... – ele começou como se fosse me dar algum tipo de aviso. Olhei para ele com o cenho franzido. – Você ficou muito tempo desacordada – balançou a cabeça. – Você está aqui há quatro dias.
Ok, aquilo era demais. Quatro dias? Eu fiquei inconsciente quatro dias? Como aquilo era possível? Eu não estava realmente ótima, mas não era como se eu estivesse em coma. Ficar tanto tempo alheia ao tempo e às coisas ao meu redor era algo que nunca havia acontecido comigo.
Suspirei e fechei os meus olhos numa tentativa ridícula de tentar fazer aquilo tudo não ser real. Meu corpo ainda doía e eu ainda não conseguia mexer minhas pernas e tronco, tendo um leve sucesso ao levantar um pouco meus braços.
– Senhor ! – uma voz ecoou nos nossos ouvidos. – Como não deduzi que estivesse aqui? – era a enfermeira. Entrara no quarto com uma bandeja e um olhar severo para o garoto.
– Ela está completamente desnorteada – ele coçou a cabeça em dúvida. – Achei que fosse legal que alguém que ela conhecesse dissesse o que aconteceu.
– Achou que fosse legal? – ela o olhou e ele recolheu os ombros. Claramente sabia que aquela não tinha sido sua melhor ideia.
Eu nunca tinha ficado internada em um hospital. Para falar a verdade, eu não gostava muito deles. Tudo tinha um cheiro esquisito e, apesar daquele lugar ser apenas uma enfermaria, era tão assustadora e grande quanto um hospital de verdade.
“Está com fome, senhorita ?”, ela levantou a cama, fazendo-me ficar sentada. Agora eu tinha a visão de tudo. Colocou a bandeja no meu colo e deu um sorriso que eu nunca a tinha visto dar. Parecia sempre tão irritada que sorrisos não pareciam muito de seu feitio.
Eu realmente não tinha pensado em comer ainda. Então, quando eu vi a bandeja cheia de frutas e iogurte, minha barriga roncou. Não era exatamente um banquete, mas para mim era a melhor coisa no momento. Era como se eu não tivesse a sensação de comer há tempos.
– Quero saber o que aconteceu – disse, pegando o iogurte e o abrindo. Já tinha ouvido a versão de , mas queria saber o que aconteceu com o meu corpo: por que estava tão pesado e tudo estava dolorido.
– A senhorita machucou a perna.
Minha boca se abriu em total choque, então, quando olhei para meus pés, minha perna esquerda estava envolta com alguma coisa branca. “Ah, não!”, sussurrei. Eu nunca havia fraturado nada. Aquilo era horrível. Tinha a sensação de que algo agarrara minha perna e ela até coçava um pouco.
– Está quebrada?
– Não. Mas foi uma torção bem feia. Teve a infelicidade de ter o maior jogador do Meinhardt caído em cima da senhorita. Foi sorte não ter quebrado sua coluna – ela disse depois de me ver chocada.
– Foi uma sorte mesmo. Aquele cara é enorme – disse . Pude perceber que sua voz soava com um pouco de inveja. – Todos pensamos que você tinha se machucado mais. O jogo foi cancelado na hora.
– Cancelado? – perguntei surpresa.
– Sim – a enfermeira começou. – Chega de falar sobre o assunto. A diretora me deixou informada de que queria falar sobre isso pessoalmente com a senhorita quando estivesse recuperada. Sei que está tudo dolorido, mas, se a senhorita repousar e fizer todas as refeições, vai sair logo daqui.
– Ainda hoje? – perguntei esperançosa. Queria sair dali logo. Realmente não gostava daquele ambiente.
– Não – disse com firmeza. – Ainda precisa ficar em observação e fazer alguns exames. Volto mais tarde. Gostaria que a senhorita comesse tudo. Vai precisar se alimentar bem para se recuperar.
– Ótimo! – exclamei assim que ela saiu. Subitamente, tinha perdido completamente a fome.
– Se você não comer, eu como – ele chegou mais perto de mim. – Certamente deve ser melhor do que a comida da cantina.
– Pode se servir, então – empurrei a bandeja. – Onde está todo mundo? – tentei mudar de assunto. franziu o cenho e riu logo em seguida.
– Eu esqueço que você está aqui há dias. Eles estão em suas casas – ele deu de ombros. – Com exceção de . Acho que ele viajou para algum lugar.
– Quê?
– Hoje é dia 24.
Ah, certo. Era véspera de Natal. Eu não poderia estar mais perdida do que aquilo. Ainda estava tentando absorver a informação de que dormi e acordei magicamente na véspera de Natal, sem lembrar de absolutamente nada.
“Eles quiseram se despedir, você sabe, mas você não acordava por nada. Uma pena que vai perder a festa hoje.”
Nada melhor do que passar o Natal em uma cama, deliciando-me com comida de hospital.
– Mal posso esperar para a ceia maravilhosa que eu vou comer hoje – disse sarcástica.
– Ei, eu posso trazer algo escondido. Tem uma torta de morango que é dos deuses – ele disse pensativo. Parecia estar comendo a torta com seu próprio pensamento.
Descobri que já era de tarde quando eu acordei e que estava muito frio lá fora, o que explicava as roupas quentes de . Graças ao aquecedor, eu não estava sentindo aquilo. Levei um tempo para me acostumar com a perna imóvel, tornando quase impossível conseguir chegar ao banheiro sem ajuda de alguma enfermeira – aquilo era tão constrangedor que eu nem conseguia mencionar.
foi embora quando começou a anoitecer. Parte porque ele queria chegar cedo à festa e porque um dos enfermeiros o expulsou, dizendo que eu precisava descansar. Fiquei triste, porque minha única companhia até o final do feriado tinha ido embora e agora eu não teria ninguém para conversar. Eu tinha dormido quase quatro dias seguidos. Não estava muito cansada. Mas os enfermeiros não ligavam para esse fato, porque um deles arrumou meu travesseiro, me ajudou a deitar – eu não conseguia fazer aquilo muito bem sem ajuda – e apagou a luz.
Tentei fechar os olhos, mas não estava nem um pouco cansada. Então o dia do acidente passou pela minha cabeça novamente.
Eu ainda me sentia desorientada. Quatro dias eram muito tempo e eu não lembrava exatamente da dor que havia sentido. Um cara de quase dois metros havia caído em cima de mim e quase quebrado minha perna. Aquilo era o suficiente para me deixar confusa e um pouco enraivecida. Era a primeira vez que um fantasma me deixava realmente machucada. É claro que não havia sido culpa dele efetivamente eu me machucar, mas correr atrás dele foi a única coisa que consegui pensar em fazer na hora. Sabe-se lá o estrago que ele poderia fazer se eu o tivesse deixado colocar as mãos em algum dos jogadores. Talvez tivesse acontecido alguma tragédia que eu não pudesse evitar.
Estava perdida nos meus pensamentos até sentir alguém. Para a minha infelicidade, não era alguém vivo. Era um fantasma. Tinha aparecido do meu lado assim que abri os olhos.
Era .
– Pensei que estivesse dormindo – ele disse ao me olhar. – Sempre que venho aqui, você está desacordada.
– Que compaixão a sua... – disse, revirando os olhos e me sentando. Sabia que ele não sairia dali tão cedo. – Sei que se importa muito com a minha saúde.
– Ele não saía do meu pé. Eu não queria vir aqui todo dia.
– Ele quem? – falei um pouco alto e logo me arrependi. Alguém podia ouvir e entrar a qualquer momento. – Do que você está falando?
– Do cara que fez você se machucar ou sei lá o quê! Ele aparece no seu quarto todo dia.
– E o que ele quer? – bati na minha testa com raiva. Estava pensando tanto no quanto eu tinha me machucado que havia me esquecido de onde o fantasma estava. Não que eu estivesse pensando que depois daquilo ele teria ido embora. Será que tinha tentado machucar alguém de novo? Eu me sentia completamente inútil. Não queria ficar inconsciente nunca mais. Era horrível acordar sem ter o conhecimento de nada que aconteceu ao seu redor.
– Falar com você – disse como se fosse óbvio. – Na verdade, ele fica meio irritado quando não a encontra lá. Acho melhor falar com ele logo. Tenho impressão de que esse cara parte para cima de todo mundo que não faz o que ele quer.
– Desculpe desapontar, mas eu não posso sair daqui – apontei para a minha perna.
– Não seja por isso. Eu o trago aqui – ele cruzou os braços e eu olhei para ele com uma expressão de “sério?”. – Se for para ele nunca mais me incomodar, sim.
– Tudo bem. Vá lá. Faça a sua... Coisa – eu disse. E ele revirou os olhos impaciente e sumiu bem na minha frente.
O rapaz parecia irritado de verdade. Não me importei muito. sempre me respondia com algum tipo de ironia ou ria de alguma coisa. Era meio engraçado vê-lo irritado assim agora. Parecia raro de se ver.
Logo ele voltou com um cara ao seu lado que me lembrei logo de ser o morto que vi na noite do jogo. Ele pareceu feliz em me ver e não estava bravo ou irritado como dissera.
– Você é a ? – ele perguntou, olhando para a minha perna enfaixada.
– Uhum.
– Eu sou o Josh. Você me viu...
– Eu sei. Lembro-me de você – interrompi-o. – Por qual motivo acha que eu corri em sua direção?
– Não queria que se machucasse.
– Não tem muito o que fazer agora, né?
– Certo. Eu só vim lhe agradecer.
– Quê?
– Michael é meu amigo. Era, na verdade – ele balançou a cabeça, parecendo deletar algum pensamento. – Queria agradecer pelo que fez com ele.
– Bem, não sei se você sabe, mas se alguém fez algo contra alguém foi ele contra mim – eu respondi irritada. O que ele estava tentando dizer?
– Não é isso – o garoto levantou as mãos. Olhei para e ele estava olhando para o cara do mesmo modo que eu: com o cenho franzido e parecia não entender nada do que ele falava. – Michael não caiu em cima de você. Ele se jogou.
– Jogou-se? – perguntei surpresa.
– É. Ele pensou que era um jogador do time adversário e se jogou em cima de você. O juiz viu tudo e o puniu. Aparentemente, ele não vai jogar nem tão cedo ou nunca mais – sorriu satisfeito. Eu ainda estava com o cenho franzido, tentando entender a história completa. – Sem falar na suspensão. Isso foi punição suficiente para mim. Por isso vim agradecer.
Aparentemente, Josh queria se vingar de Michael e aquilo foi o suficiente para o cara cumprir a sua missão na Terra. Uma pena que quem tenha se ferrado na situação toda tenha sido eu.
– Bem, de nada, eu acho – ele sorriu com o que eu respondi e, no segundo seguinte, começou a sumir até desaparecer completamente.
Ok. O que os mortos desse lugar têm com vingança?
Capítulo 8 - Pegadinha
Vamos para uma lista do que estava acontecendo na minha vida:
1 – Minha perna estava machucada.
Eu não era de fazer escândalo. Não tinha puxado esse lado dramático de minha mãe nem chegava aos pés desses adolescentes que faziam tempestade em copo d’água por tudo que acontecia.
Porém, eu não soube lidar com o fato de que teria que ficar um bom tempo andando por aí com muletas. Isso mesmo: muletas! Isso porque eu não conseguia mancar o suficiente para me locomover sem precisar delas. E nem estava quebrada!
Odiava depender das pessoas e agora eu teria que depender delas! Ao menos nos primeiros momentos. Seja para me locomover, para subiu ou descer essas escadas – aparentemente, eles nunca pensaram que poderia existir algum aluno deficiente e que não poderia subir as escadas sozinho. Ok, eu iria aprender a fazer tudo sozinha mais tarde, porém a ideia de precisar de ajuda quase o tempo inteiro me deixava possessa.
Era bem chato, além de me sentir frustrada por depender de alguém. Eu me sentia totalmente inconveniente por incomodar as pessoas.
2 – Minha mãe estava mais irritada comigo do que normalmente.
Eu tinha esquecido completamente dos meus pais assim que acordei no dia seguinte, mas uma das enfermeiras me lembrou, entregando um telefone e dizendo que meu pai queria falar comigo. Até aí ok, já que meu pai é a única pessoa da família que se importa um pouco comigo, porém minha mãe ficou uma fera. Disse que eu tinha a envergonhado e passou uma hora gritando comigo ao telefone.
Foi estressante e eu até chorei de raiva. Ela sempre achava que tudo era culpa minha, independente do que tivesse acontecido. E naquela hora não foi diferente. Bem, realmente tinha sido minha culpa. Eu pulei na frente do cara. Eu parei o jogo. Eu me machuquei. Mas não era como se eu tivesse pedido para o cara cair em cima de mim. Então, no fim da ligação, meu pai disse que os dois estavam imensamente chateados por eu estar me metendo em encrenca e disseram que, como castigo, eu passaria o feriado do ano novo na escola. Poxa, que triste! Passar uma semana inteira longe deles. Eu estava arrasada, realmente.
3 – A diretora queria falar comigo.
Eu não havia gostado muito dela, na verdade. dissera que ninguém gostava. Contou-me que ela era diretora substituta há dois anos e aparentemente tomaria a posse da escola por completo porque os verdadeiros donos confiavam muito nela.
Aquela confiança era muito questionável, na minha opinião. A diretora Olga Ivanov tinha o olhar estranho e sempre estava irritada com todo mundo, com exceção dos pais dos alunos, com os quais ela era um amor de pessoa.
E não era coisa da minha cabeça, porque todos os alunos tinham um certo medo dela. Não era para menos. Ela tinha uma semelhança com a vilã do filme “Matilda” e eu não queria ter o mesmo castigo que as crianças do filme. Por isso desviava qualquer olhar que cruzasse com o dela quando estávamos no mesmo ambiente.
Sem contar que eu desconfiava que minha mãe a deixara a par de tudo que eu “já aprontei”. Provavelmente ela sabia das saídas à noite, das vezes que eu chegava machucada em casa e das vezes que eu saía de um lugar sem me despedir ou pedir permissão. Em minha defesa, todos esses acontecimentos tiveram um motivo, mas eu jamais poderia explicar para meus pais ou para qualquer outra pessoa.
Era dia 31 de dezembro quando eu tive – finalmente – alta do hospital. À contragosto, a enfermeira me deixou voltar para o quarto e, com a ajuda de e das muletas, eu finalmente saí da enfermaria. Acho que eu não conseguiria passar mais de um dia sentindo aquele cheiro de limpeza.
Era véspera do ano novo, mas aquilo não parecia motivo suficiente para alguns funcionários não trabalharem, visto que a diretora continuava em sua sala assim que eu e paramos em frente a ela. Ele não estava muito feliz em estar ali e eu muito menos. Logo que bati na porta, ela se abriu como se alguém apenas estivesse esperando o sinal para saber que eu estava do outro lado dela.
– “Senhorrita ! Fico feliz que esteja de alta” – ela me olhou com aqueles olhos grandes e assustadores. – “Senhorr , estou surpresa em vê-lo aqui.”
– Só vim acompanhá-la – ele respondeu rapidamente.
– “Ótimo. Aguarde aqui forra. Minha conversa é apenas com a senhorrita ” – ela deu espaço para que eu entrasse com a ajuda de . As muletas estavam presentes, mas eu ainda não sabia muito bem lidar com elas.
Sentei-me na cadeira enquanto me deixava sozinha e a diretora fechava a porta, sentando-se de frente para mim logo em seguida.
A sala era grande, mas escura. A única luz que entrava ali era a que passava pelos espaços da cortina.
– “Como se sente, senhorrita ?” – suas mãos se juntaram e o seu pé batia na cadeira com impaciência. O ar estava completamente diferente de quando ela abriu a porta para me receber.
– Ótima.
– “Fico féliz” – não parecia, realmente. – “Foi um ácidente bem féio, non?”
– Pelo que me disseram, sim, senhora. Tive sorte, acho.
Quando aquela conversa iria acabar? Certamente, ela não me chamara ali para perguntar se eu estava bem. Ora, eu havia recebido alta! É claro que estava bem. E eu duvidava de que ela se importasse muito com o bem-estar dos alunos para conversar comigo em particular.
– “Rrrealmente, muita sorrte...” – ela ajeitou os óculos e se inclinou para a frente. – “Bem, senhorrita , hoje rrecebi uma ligaçon imporrtante. De uma pessoa com quem eu não falava desde o seu prrimeiro dia áqui. Tem ideia de quem serja?”
– Minha mãe – eu não estava com medo. Estava mais de saco cheio. Sabia o que estaria por vir.
– “Cerrtamente. Uma mulherr inteligente. Gosto dela” – não disse nada. Não queria concordar porque eu simplesmente não achava o mesmo. Minha mãe era atriz. Tinha uma lábia para convencer as pessoas que qualquer um ficaria impressionado. A mim era a única pessoa que não convencia. Já a diretora, parecia que tinha a convencido com maestria. Eu não duvidaria de que ela tivesse chorado ao telefone, pedido desculpas e esse tipo de coisa... – “É cerrto que ela me contou algumas cóisas sobrre a senhorrita antes que se matrriculasse aqui. Obviamente, eu deverria saberr quais tipos de alunos estão entrrando em minha escola. Pessoalmente, soube álgumas histórrias suas. Alguns tipos de rebeldias que, senhorrita , eu não irei aturrar porr aqui.”
– Entendo. Bem, não faço nada disso aqui. No campo, foi, bem, um acidente.
– “Um acidente” – ela pareceu pensar e disse não muito convincente. – “Clarro que foi. Mas devo alerrtá-la, senhorrita , que não tolerrarei esse tipo de coisas áqui. Já temos prroblemas suficiente.”
– Sim, senhora – disse com má vontade. Na verdade, queria evitar os mesmos sermões que meus pais faziam todas as vezes. Eu só queria sair daquela sala.
E depois ela me olhou profundamente, apertando os olhos, e eu não pude deixar de ficar constrangida. Já tinha entendido o recado e estava fazendo o máximo para não me envolver em encrenca, mas eu não tinha culpa se os problemas simplesmente vinham atrás de mim!
– “Póde se rretirar, senhorrita ” – disse simplesmente, como se eu não precisasse de ajuda para isso.
4 – Eu realmente tinha amigos.
A ficha caiu, finalmente, quando a caminho do dormitório me contou que todos estavam muito preocupados comigo e, ao chegar no meu quarto e pegar o meu celular, vi inúmeras mensagens de todos eles. Eu nunca tive aquele tipo de preocupação nem pelo lado fraternal da minha vida. Tive a preocupação de responder todos eles. Eu não sabia se ficava feliz ou se ria da preocupação que Amy estava. Ela morava em Nashville e me ligara várias vezes todos os dias, e estava alarmada porque não atendi nenhuma delas. Chris e mandaram mensagem de áudio me desejando melhoras e Chris fez questão de mandar algumas fotos dos dois. me mandou uma mensagem muito fofa com muitos emojis e disse que estava se divertindo com a família esquiando no Canadá. Já Ali estava entediada em casa e mandara mensagens todos os dias, perguntando como eu me sentia. Dani foi a única que me contatou apenas uma vez e me disse, através de uma mensagem, que queria notícias quando estivesse bem.
– Você tem, definitivamente, que tirar o som dessa coisa – apareceu. Estava emburrado, o que me fez revirar os olhos de desprezo.
Ele tinha que estragar o meu momento.
– E você tem, definitivamente, que sair desse quarto.
– Aquele é seu namorado? – perguntou de supetão, fazendo olhá-lo, séria. Eu não tinha sentido nenhuma falta de seus comentários inconvenientes.
– Quê?
– Aquele cara que a trouxe aqui.
– É meu amigo.
– Hum, bem, ainda bem que voltou – olhei-o com o cenho franzido e ele emendou. – Muita gente a procurou.
– Eu sei. Estou respondendo todos eles – voltei a digitar no celular.
– Não, não é esse tipo de gente.
– Há fantasmas aqui? – perguntei atônita. Será que um dia eles me deixariam, efetivamente, em paz? Temi a resposta que ecoou na minha cabeça.
Ah, que audácia! Já não bastava no meu quarto? Fantasmas eram os seres mais inconvenientes do mundo.
– Bem, às vezes. Eles vêm aqui procurá-la.
– Que ótimo – bufei irritada. – Quantos deles?
– Não sei – ele deu de ombros. – Estava cansado de ter que dizer a mesma coisa para todos eles.
– Bem, a opção é sua de estar aqui. Agora você é o meu secretário, não?
– Engraçado – ele olhou para os livros da estante. – Realmente hilário – imitou meu tom de voz e eu me limitei a revirar os olhos.
– Nem pense nisso. Já disse para não tocar em nada!
– Você é bem estressada, hein? – ele pegou um exemplar de “Jogos Vorazes” de Amy (é, ela tinha muitos desses) e deu uma olhada na primeira página.
era a pessoa mais folgada que eu já havia conhecido na minha vida. Ele era preguiçoso, se sentia sempre em casa e dava todas as desculpas para poder ficar o máximo de tempo que conseguia no meu quarto. Pegava nos livros sem a minha permissão e provavelmente só não mexia no meu computador porque havia uma senha. Colocava os pés para o ar sempre que se sentava confortavelmente em algum lugar e sempre me dava respostas engraçadinhas. Mal nos conhecíamos e o cara já achava que éramos amigos ou meramente colegas. Eu apenas cortava suas frases e às vezes, para a minha sorte, ele parava de falar.
– Katniss é uma personagem extraordinária! Você deveria ser mais como ela.
– Ficaria honrada de acertar uma flecha em você – respondi no mesmo tom e ele fechou o livro, colocando-o em cima da mesinha.
– Por que está de mau humor? – perguntou, enquanto eu voltava a responder as mensagens, dessa vez mais concentrada e dando menos atenção a ele.
– Porque um cara folgado está no meu quarto e, aparentemente, eu não consigo expulsá-lo.
– Sabe, , muitas garotas da sua idade gostariam de ter um cara no quarto sem que suas mães reclamassem sobre isso – ele disse como se estivesse recitando algum livro do Allan Poe.
– Que ótimo para elas, hein? Ainda bem que não sou nenhuma delas – terminei de respondê-los e deixei o meu celular em cima da cama.
5– Eu odiava estar com a perna imóvel.
A pior parte era que eu tinha que ficar a maior parte do dia parada. É claro que eu poderia andar pelo campus, com muita dificuldade e demorando o triplo do tempo para isso, mas o trabalho que daria para descer todas aquelas escadas não valia a pena. Eu ficava no meu quarto, assistindo a alguma coisa no meu notebook, enquanto todos os alunos que ficaram no feriado estavam andando por aí e se divertindo. Eu não era uma pessoa que gostava de ficar parada o tempo inteiro. Ficava entediada, principalmente quando sabia que havia outras coisas para fazer. Ficar limitada ao meu quarto, e só descer para não morrer de fome, estava me enlouquecendo e fazia apenas dias que eu estava ali.
Eu tinha perdido o natal e igualmente o ano novo, deitada na minha cama pensando no que fiz para merecer a minha perna daquele jeito e o poder da mediação.
vinha me visitar às vezes – correndo o sério risco de ser expulso e de me fazer ser expulsa também – e aparecia sempre que meu humor estava nos piores casos.
Mas, aparentemente, estar no quarto impedida de fazer o que eu quisesse não era motivo para os fantasmas não me incomodarem. estava certo. Às vezes acontecia e eles simplesmente apareciam lá ou até mesmo batiam na porta antes de pedir algum favor. Era chato simplesmente porque eu odiava a presença deles ali no meu quarto. No caso, apareceram dois. Um deles, que nem me preocupei em perguntar o nome, me pediu para fazer algumas ligações. O segundo era uma mulher, a senhora Nora, que estava irritadíssima porque não sabia o que seus filhos haviam feito com seus gatos. E daí foram mais ligações que eu tive que fazer. Não foi difícil. A pior parte do processo foi vê-los simplesmente aparecendo em minha frente, assim como fazia.
6– Mas, pelo menos, eu tinha amigos.
O sol estava brilhando forte, apesar da friagem do inverno não ter acabado. Minha perna não havia doído naquele dia, mas eu continuava resmungando sobre o quão incomodada me encontrava por estar há tanto tempo enclausurada naquele quarto. Quando o sol começou a se pôr naquele dia, a porta se abriu quase que em um estrondo barulhento, se não fosse o grito de alegria que se seguiu. Era Amy. Mais ruiva do que eu me lembrava, tive a impressão de que suas sardas tinham aumentado também. Ou aquilo tudo era apenas porque eu já estava com saudades de vê-la com frequência.
Ela estava alegre. Abraçou-me falando mais do que Christina costumava falar. Aparentemente, o feriado em Nashville havia sido proveitoso. Comentou que vira Ali e Dani chegar e que Christina estava a caminho com . Logo todas estavam no meu quarto falando à beça e não me deixando respirar com tantos abraços e perguntas.
Era engraçado vê-las todas ali, ao meu redor e tão preocupadas. Apesar de já saberem do meu estado, continuaram perguntando sobre como tudo estava. Aquilo era estranho porque eu nunca tive gente se preocupando de verdade comigo. sempre estava presente nos dias que se passaram e me surpreendia sempre com essa sua preocupação, mas, mesmo assim, eu não estava acostumada. Christina dissera que mandara lembranças e que tentaria entrar aqui, se não tivesse amor à própria vida. chegaria no dia seguinte. estava com aparentemente. Provavelmente tinham muito que colocar em dia.
As conversas fluíam e foi engraçado ouvir como o feriado de cada uma fora diferente. Ali disse que não havia sido tão ruim nos últimos dias. Tinha conseguido se bronzear e encontrado pessoas legais para conversar, mas que não via a hora de voltar. Dani disse que seus parentes do México tinham ido passar o Natal com a família e que tinha sido bom revê-los. Christina, como de costume, abriu a boca e não fechou mais. Contou como era romântico, maravilhoso e a apresentou para todos os parentes que estavam na casa.
– Ele é, sabe, tudo! – ela terminou, felicíssima em contar os mínimos detalhes dos encontros. Eu adorava o casal, mas quis não ouvir metade da história. Percebi que todas partilhavam do mesmo sentimento que o meu.
– Você! – Ali apontou para Amy, como se estivesse desconfiada de que ela estivesse com vários segredos embaixo da manga. – Pode começar a contar!
– Quê? – a ruiva subitamente parou para pensar. – Bem, não teve nada demais. Vocês sabem... Casa cheia, muita comida, tios com perguntas inconvenientes... Essas coisas – ela respondeu como se tivesse ensaiado cada palavra.
– Não! Você não me engana, Parker. Está toda alegre, de bom humor! Ainda nem começou a falar sobre dever de casa! – ela se levantou e cruzou os braços. – Pode contar! Eu sei que tem algo acontecendo.
– Eu não posso ficar feliz em rever minhas amigas? – ela levantou as sobrancelhas. – E, se quiser, eu começo a falar sobre deveres de casa agora. Sabe, quando as aulas voltarem, os professores...
– Lá lá lá! – Chris gritou, colocando as mãos no ouvido para abafar o que Amy começava a falar. Senti o mesmo. Tinha saudades de sair do quarto, porém a saudade dos deveres de casa era inexistente.
– Você é péssima mentirosa – Alison riu. – É um cara, não é? – Ali levantou as sobrancelhas e Amy não respondeu. – Ah, meu Deus! É, sim!
Olhamos para Amy instintivamente, mas ela não disse nada. Igualmente não fez expressão nenhuma. Aquilo era realmente inédito. Ela sempre tinha uma resposta para tudo – principalmente quando tinha que usar a lógica para isso.
Aquilo era como o próprio FBI. Estremeci só de pensar no que ela conseguiria tirar de mim se desconfiasse de alguma coisa. Chris estava rindo e Dani olhava com curiosidade para as duas, como eu. Estava achando a cena assustadoramente engraçada.
– É – ela respondeu simplesmente, suspirando como se não quisesse dizer. Todas pararam de rir e a olharam curiosa, mas a menina não queria dizer nada. Parecia envergonhada.
– Quem é? Eu o conheço?
– Não! – ela respondeu muito rápido.
– Ora, eu devo conhecer! – Chris começou. – Deve ser do jornal, porque eu sei que aquele menino...
– Ok! – ela interrompeu, gritando um pouco. Suspirou e finalmente disse: – É o .
A expressão de todas nós foi a mesma: completo choque. Como aquilo poderia acontecer? Ela estava xingando há algumas semanas! Olhei para Ali, que parecia igualmente surpresa. Chris estava, pela primeira vez, sem palavras e Dani parecia pensar, assim como eu.
“Credo, gente. Parece que eu falei que estou namorando um terrorista!”
– ? ? Jogador do time de futebol? Sua dupla naquele trabalho? O mesmo cara que você queria matar e até nos convidou para participar do assassinato? – Chris parecia finalmente ter recuperado a voz. – Não pode ser! Vocês estão namorando?
– Não. Quer dizer, não sei. Estamos conversando. No feriado, nós começamos a conversar. Sabem, ele não é tão mau.
– Como isso aconteceu? – perguntei. – Vocês se odiavam.
– Não sei. Ele pediu desculpas por ter me deixado tão irritada e, quando percebi, nós já estávamos conversando sem nos matarmos. Ainda não o vi hoje, mas ele me chamou para sair.
– E você vai? – ela assentiu.
– Amy, isso é... – Ali começou, mas não conseguiu continuar. Eu não conhecia , porém eu tinha que admitir que aquilo era no mínimo estranho.
– Por quê? Não posso sair com alguém? – ela perguntou com raiva.
– Não é isso – Dani respondeu como se tivesse chegado ao raciocínio final. – Amy, vocês são completamente diferentes. Aliás, era por isso que não se davam bem.
– Eu também achei, até começar a conversar com ele! Eu juro, gente. Ele é um doce de pessoa.
– Um doce – Ali repetiu. – Bem, já fui para algumas festas com ele e não diria o mesmo.
– Você não o conhece bem – ela retrucou.
– Eu quero conhecê-lo – eu disse para quebrar o clima tenso que o último comentário havia deixado.
– Você vai adorá-lo, ! – ela se levantou e olhou para o relógio, não antes de lançar um olhar enfurecido para Alison. – Preciso ir. Vou encontrá-lo.
Ninguém mais falou no assunto depois que ela saiu. Dani mudou subitamente de assunto, comentando sobre uma série nova da Netflix. Chris também entrou no assunto e Ali, que ainda parecia absorta em pensamentos desde que a porta se fechara, também entrou na conversa.
O céu estava muito escuro quando elas anunciaram que teriam que ir embora. Eu já escutava os dedos de Katy batendo na porta, chamando a nossa atenção. Depois que saíram, incrivelmente com a ajuda das muletas eu consegui chegar ao banheiro sem cair no meio do caminho. Aparentemente, eu estava ficando boa naquilo. O único problema seria descer as escadas mais tarde.
Tempos depois, voltei para o quarto vestida com meu pijama de Mickey, com os olhos pesados de sono e me perguntando que horas seriam. A maioria das portas estava fechada, alguma das meninas ainda andava de um lado para o outro e outras deixavam as portas abertas. Vi de longe a desorganização de alguns quartos e agradeci por Amy ser a pessoa mais limpinha que eu já havia conhecido. Vi uma Katy andando pelo corredor irritadíssima com as meninas que ainda estavam andando por ali, dando um crédito a mim que andava com dificuldade, mas me alertou que eu fizesse aquilo tudo mais cedo.
Abri a porta do quarto e dei de cara com Amy que, sentada em sua cama, estava com um livro imenso nos braços. Não pude ver o título, mas pela fonte tão minúscula eu tinha certeza de que ela já estaria estudando, mesmo que as aulas só começassem dali dois dias.
– Poderia ter me esperado. Eu a ajudaria a chegar ao banheiro.
– Não tem problema. Eu já me acostumei – fechei a porta atrás de mim e me sentei na minha cama. Minhas muletas descansaram encostadas à parede. – E aí?
– E aí, o quê? – ela pareceu assustada com a pergunta e voltou os olhos para o livro.
– E aí, o que você está estudando? – perguntei brincando e, quando vi que ela iria responder, eu comecei a rir e a interrompi. – Conte-me como foi!
– Ah – ela disse, fechando o livro e o colocando em uma pilha de outros livros do lado de sua cama. Tive a impressão de que a menina trouxe mais livros de casa – Foi legal.
– Legal? Só legal?
– Ah, bem, quero dizer... Foi muito legal.
– Isso está me soando horrível – ela me olhou séria, como se estivesse tentando decifrar uma conta de matemática, e suspirou.
– Não – ela balançou a cabeça como se quisesse afastar algo ruim dos pensamentos. – Foi muito bom, . Ele é genial.
– Genial? – não pude deixar de rir do seu adjetivo.
– É! Ele é inteligente, sabe?! Digo, eu não pensei realmente que fosse. Depois dos boatos de que o rapaz havia reprovado, pensei que não conseguiria conversar com ele.
– E isso é muito bom, hein? Ele é como você, então? – ela não se ofendeu com a pergunta. Apenas sorriu e respondeu:
– Ele reprovou um ano e isso fez com que ele estudasse pra valer agora. Você acredita que é um dos melhores alunos em Química? Tenho muito em comum com ele, na verdade. Eu pensei que não teríamos muito para conversar e que só iria querer me beijar o tempo inteiro, mas, nossa, foi tão diferente disso! – ela falou empolgada. – Eu sou muito idiota por ter gostado tanto dele? – perguntou-me como se eu fosse a especialista em relacionamentos.
Eu não era nem um pouco. Não tive muitas oportunidades e sempre tive outras preocupações. Não dava para ter um namorado quando você tinha que correr pela cidade atrás de gente morta.
– Não sei. Ele gostou de você?
– Ahm, sim, eu acho.
– Então está aí a sua resposta – ela pareceu pensar e olhou para mim.
– Acha que Alison está brava comigo?
– Não. Só preocupada.
– Bem, ela não deveria. Não precisa cuidar de mim.
– Ela não está cuidando de você – vi que ela me olhou estranho, então tentei explicar. – Só está preocupada porque é sua amiga.
Ela assentiu e não falou mais nada sobre o assunto.
O resto da noite passou rápido. Eu virei e dormi quando vi que Amy não tinha mais nada a dizer.
Acordei no dia seguinte sozinha no quarto. Não era muito cedo e estava um pouco de sol. A luz batia na janela e eu me assustei em acordar com o barulho das pessoas conversando lá fora. Aparentemente todas, ou a maioria delas, tinham chegado essa manhã. Imaginei se Katy estava tão enfurecida com o barulho de hoje quanto estava ontem à noite.
Olhei para as minhas muletas e logo fiquei desanimada. Ter que arrastar aquela coisa pela escola definitivamente era a pior coisa que tinha me acontecido nos últimos dias.
– Ainda está andando com essa coisa? – disse uma voz debochada que eu, infelizmente, já conhecia bem.
– E você ainda está andando pelo meu quarto? – retruquei e ele levantou as sobrancelhas.
– Por que não está lá fora?
– Eu acabei de acordar.
– Não está perdendo muita coisa. Uma algazarra...
– Algazarra? – perguntei, achando engraçadíssimo ele usar aquela palavra para aquela situação.
– É! Todo mundo andando de um lado para o outro... – mas ele não terminou de falar porque alguém bateu na porta.
Não deixei de levar um susto quando um cabelo escuro entrou no quarto com um rosto preocupado.
– , você ainda está aí? – Dani era uma mistura de preocupação e riso por me ver ainda deitada na cama. – Onde está Amy? – perguntou, olhando para a outra cama que já estava feita.
– Não sei. Eu acabei de acordar. O que aconteceu?
– Não sei – ela deu de ombros. – Na verdade, a gente não sabe de nada.
– Eu avisei – disse que, por algum motivo, ainda estava ali. Ignorei-o.
– Alguém se machucou? – sentei-me na cama, alarmada.
– Acho que não – ela balançou a cabeça. – Katy não deixa a gente sair do dormitório.
– Por isso estão gritando tanto lá fora?
– Isso. Agora se levante logo que as meninas estão chamando você. Não vão prender por tanto tempo a gente aqui, sabe. Todo mundo já está morrendo de fome – ela riu, como se aquela fosse uma situação hilária.
Não pude deixar de sentir medo pela situação. Se algum morto tivesse feito algo, principalmente para algum vivo enquanto eu estava dormindo, eu iria ficar muito irritada. É claro que não era normal não deixarem sairmos dos dormitórios e provavelmente os meninos também estavam proibidos de sair dos deles.
Saímos do quarto rápido e assim nos dirigimos à presença das outras, sem antes de eu passar no banheiro, jogar uma água no rosto e trocar de roupa.
A maioria das meninas de todos os quartos estava perto da porta principal. Estavam todas impacientes e os cochichos pairavam sobre todos que estavam lá. Katy estava irritadíssima discutindo com uma menina. Pareciam ter a mesma idade por causa do tom da discussão e, se realmente tivessem, já teriam se atracado.
– E Amy? – Christina perguntou.
– Não sei. Ela não estava lá quando acordei.
– Eu mandei uma mensagem para . Ele disse que eles também não conseguem sair do dormitório.
– Eu não aguento mais ficar aqui. Estou faminta! – Alison bateu o pé impaciente.
Aquilo me deixou mais nervosa. Certamente, ninguém sabia o que estava acontecendo e a função de Katy, que provavelmente era conter o caos da saída, não estava funcionando.
– Alguém fez alguma pegadinha.
apareceu do meu lado, fazendo com que eu me arrepiasse por inteira ao sentir sua presença. Olhei-o de canto de olho sem falar nada. Queria que ele entendesse que era hora de ir embora.
“Alguém fez uma brincadeira. Está uma bagunça lá fora. Tinta para todo lado” – tinta?
– Você.... Quê? – não contive a ação de olhar para ele. Ele se divertia com a situação. Por um momento me esqueci de que ele podia sair do quarto, do dormitório e andar por onde quisesse. É claro que não entendi a relação da tinta com qualquer outra coisa que estava acontecendo, tanto que o olhei com os olhos arregalados, pedindo por mais informação.
– "Você... Quê?" Quem? – Chris perguntou, fazendo com que eu caísse na real e olhasse para elas. Todas estavam com o cenho franzido, salvo Alison que estava com um riso discreto no rosto.
– Estava falando sozinha – foi a primeira coisa que pensei.
– Você chama você mesma de "você"? – Dani perguntou.
– Sim – respondi, tentando não soar estranha, porém recebi um "ok" em troca e cheguei à conclusão de que falar um "eu vejo gente morta" sairia mais normal.
– Ninguém morreu, caso esteja perguntando – disse.
Aquilo não amenizou as coisas. Ninguém morreu, mas um morto ainda poderia estar envolvido naquilo.
Logo o barulho foi silenciado pela voz de Katy, que finalmente tinha acabado a discussão com a menina, autorizando a saída de todas nós. Antes, deu recomendações para que saíssemos devagar e não cruzássemos as faixas da polícia. estava certo, afinal.
Andamos direto à cantina, acuados pelos funcionários da escola que não permitiram que ninguém desse uma espiada no que estava acontecendo.
– Não gosto de não saber o que está acontecendo – disse quando nos sentamos em nossa mesa. Alison estava felicíssima por estar comendo. Nada no mundo era mais importante que isso para ela. Christina procurava pelo refeitório com um olhar preocupado.
– É assim que o caos se espalha – comentou que, para a minha nem tão sonhada surpresa, ainda estava presente. Era bizarro ver todas as pessoas do colégio interagindo e parado olhando o ambiente. Parecia cena de filme sobrenatural.
– Foi apenas uma brincadeira – Amy havia chegado de algum lugar que ninguém sabia de onde. Estava com um rabo de cavalo e umas folhas nas mãos. Era como se ela tivesse a solução de tudo que estava acontecendo naquelas folhas.
– Onde você estava?
– O jornal teve que cobrir tudo. Desculpe não ter chamado você, . Estava no décimo sono e demoraria para descer as escadas.
– Mas o que aconteceu? – Christina perguntou antes que qualquer uma de nós se pronunciasse.
– Aqueles idiotas do Meinhardt. Foi isso que aconteceu! – apareceu com a bolsa da câmera pendurada no ombro. Estava irritadíssimo.
– Foi só uma brincadeira, .
– Você chama aquilo de brincadeira? – a veia do seu pescoço iria explodir a qualquer momento. Nunca o vi tão disposto a ter uma real discussão com ela.
– Os meninos do Meinhardt fizeram uma brincadeira no salão principal – Amy explicou quando percebeu que ninguém entendia nada. – Eles pintaram as paredes de verde e tudo o mais. E rasgaram um falcão. Está tudo uma verdadeira bagunça.
– Aquilo não foi uma brincadeira! Temos rivalidade com eles há décadas! Fizeram de propósito porque perderam seu melhor jogador e por causa do próximo jogo!
– E essa rivalidade idiota que vocês ainda sustentam... Quantos anos vocês têm? – Amy retrucou. – Se for para rebater, vão fazer isso ganhando o próximo jogo! Não é óbvio, ? Eles sabem quem vai ganhar! Já perderam um jogador e, afinal, quem tem mais títulos? – foi o suficiente para ele se calar. Não tinha como retrucar aqueles bons argumentos, que todos sabiam que era verdade.
se levantou e foi até a mesa dos jogadores de futebol. Vi que e também estavam lá, todos igualmente transtornados.
– Como aconteceu? – perguntei curiosa.
– Ninguém sabe. As câmeras não pegaram o rosto de ninguém. Eles fizeram tudo de madrugada e saíram sem ninguém ver nem ouvir. Eles são muito bons nisso.
– E como sabem que foram eles? – Alison perguntou, aparentemente se esquecendo da intriga com Amy que igualmente também parecia esquecer porque respondeu sem amargura ou raiva.
– Bem, é meio óbvio. Ninguém faria isso além deles. A cor da tinta e o que fizeram com o símbolo do mascote deixa tudo na cara. Menos para o corpo docente do colégio.
– Essa menina é boa. Já pensou em trabalhar com perícia? – perguntou ao meu lado. Parecia participar da conversa, se não fosse pelo fato de apenas eu escutá-lo e vê-lo. Tentei ignorá-lo, mas sempre que falava eu não conseguia conter meus olhos revirando.
– Como assim?
– Só eu e sustentamos o argumento de que foram eles que fizeram. Como não temos provas, a escola não fez nada a respeito. A polícia foi chamada, mas não acharam nada – ela suspirou antes de terminar. – ficou puto. Se eu não o segurasse, ele iria se atracar com um dos policiais. Não sei como ele não foi levado em alguma viatura.
– Quando é o próximo jogo? – Dani perguntou.
– Semana que vem. Mas não vai ser aqui. Acho que eles estão com medo de perder algum outro jogador – Amy me olhou, rindo.
– Eu não quero perder minha outra perna por mais ninguém. Já está bem complicado ter só uma boa – todas riram e Amy se levantou para pegar alguma comida.
– Ainda bem! Se algum idiota igual aquele me incomodar de novo só por causa da sua perna... – disse meio raivoso. Esqueci que ninguém pode incomodar a senhorita na sua suíte presidencial.
O assunto durante o resto do dia não foi outro. Alguns alunos se adiantaram em nossa mesa ou nos paravam no campus para perguntar o que sabíamos sobre o assunto. Se Amy estivesse presente, ela dizia tudo o que sabia e fazia propaganda sobre a próxima edição do jornal.
Os meninos estavam ainda mais irritados quando nos encontramos. falava sobre estratégias e , sobre treinos excessivos.
– Vocês são burros, sabiam? Para que vão dar o máximo de vocês nos treinos? Devem treinar as estratégias e dar o melhor de si efetivamente no jogo, e não nos treinos. Vão estar exaustos no dia do jogo.
– Ok, voz da razão, você pode simplesmente calar a boca? – retrucou e, com isso, uma nova briga entre ele e Amy começou.
O resto da tarde se deu com e pensando em um plano de vingança, enquanto dizia que aquilo era um exagero, mas eu sabia que era apenas por causa da sua namorada. Eu só percebi que já estava de saco cheio daquele assunto quando, na sala de jogos, enquanto assistíamos a um programa qualquer, eles ainda comentavam sobre o ocorrido. Alison já havia pedido, naquele tom meigo dela, para pararem de falar sobre o assunto, mas aquilo teve o mesmo efeito que nada.
– , acho que aquele cara magrelo quer falar com você – Christina apontou para a porta atrás de mim e eu virei a cabeça. Era Andrew. Não o via desde o jogo. Era mais magro do que eu lembrava e usava uma camisa xadrez. Ele sorriu para mim assim que meu olhar cruzou com o dele.
– Ahm, Andy, entre aí! – ele andou timidamente e se sentou em um dos pufes coloridos. Estava mais tímido do que da última vez que nos vimos. Acho que, pelo número de pessoas no ambiente, ele se sentiu incomodado. – Como vai?
– Bem! Como você está? Soube da história da sua perna...
– O que posso fazer, né? Acho que de heroína passei para idiota, afinal.
– Até os melhores heróis têm suas recaídas – ele comentou.
Eu não ficava envergonhada com facilidade, mas naquele momento lembrei que todos eles estavam presentes e fiquei incomodada de todos estarem ouvindo aquela conversa. Olhei para as meninas e todas elas estavam segurando o riso e Amy estava com os olhos espremidos, olhando a cena. Os meninos continuavam absortos demais com a conversa sobre futebol.
– Andrew, esses são Amy, Dani, Alison, Christina – joguei uma almofada em , fazendo com que os três olhassem para mim. – e . O você já conhece.
Assim como as meninas, eles olharam para a cena divertidos, mas todos puxaram algum assunto com Andrew. A conversa se estendeu até Andrew dizer que precisava voltar para o dormitório, sem antes me dizer que adoraria sair comigo qualquer dia desses. Vergonhas à parte, achei legar da parte dele vir me visitar por preocupação.
– Ok, Christina, Amy e agora você, ? Quem vai ser a próxima? – Ali comentou assim que ele se retirou da sala. Aparentemente, ela e Amy haviam feito as pazes, porque não houve cortes nem olhares raivosos.
– A próxima a quê? – perguntou .
– A ter um namorado. Aparentemente, elas resolveram ter um e não avisaram a mim e a Dani.
– Andrew não é meu namorado – respondi.
– Nem o é o meu.
– Quê? – os três garotos olharam para Amy, procurando respostas, e ela apenas revirou os olhos.
– Ele é legal – ela disse. – E a gente pode voltar ao assunto? , o Andrew gosta de você!
– Não gosta nada.
– Gosta, sim – olhou para mim e todo mundo assentiu. Aparentemente, era óbvio para todo mundo, menos para mim. – O , Amy? Sério? Por quê?
Ele parecia visivelmente chateado.
– Porque sim – respondeu curta e grossa e ele fechou a cara.
– Mas e aí, , vai sair com ele? – Chris perguntou animada.
– Não sei – eu não tinha pensado naquilo, apesar de Andrew ser legal e tudo o mais.
– Ele é muito legal – Dani comentou.
– Nem tanto – começou e todo olharam para ele desconfiados. – Eu não conheço o cara, mas dizem que ele é fissurado em quadrinhos. O quarto dele é cheio desses pôsteres e tal.
– E daí? – Amy revirou os olhos. – Você fala como se o menino estivesse fazendo algo de errado! O quarto de vocês também é cheio de pôster de jogadores de futebol!
– Antes jogadores de futebol do que esses caras que cantam e dançam que tem na parede do quarto de vocês! – rebateu.
Aquilo tinha virado uma guerra e ninguém tinha me avisado?
– Tem certeza? Eu prefiro ter alguém que efetivamente tem talento na minha parede – Amy disse, mas eu sabia que era brincadeira de sua parte. Porém pareceu pessoalmente ofendido.
– Não está falando daqueles coreanos na sua parede, né? Porque...
– Chega! – Chris gritou, fazendo com que todos se calassem. – Será que vocês podem passar um dia sem brigar?
Os dois, com a cara meio emburrada, se levantaram e, acompanhados por todos os outros, fomos para os nossos quartos. Ninguém falou nada no caminho e eu fui a última a sair com Chris e Dani. A última me pediu desculpas por aquela briga ter começado por causa de Andrew e eu disse que não tinha problema porque, na verdade, eu tinha achado tudo muito engraçado.
Depois de me deixarem no meu quarto, ajudando-me com as muletas na escada, elas foram embora.
Eu nem percebi que estava morrendo de sono até me deitar na cama e perceber que faltavam apenas algumas horas para as aulas voltarem outra vez.
1 – Minha perna estava machucada.
Eu não era de fazer escândalo. Não tinha puxado esse lado dramático de minha mãe nem chegava aos pés desses adolescentes que faziam tempestade em copo d’água por tudo que acontecia.
Porém, eu não soube lidar com o fato de que teria que ficar um bom tempo andando por aí com muletas. Isso mesmo: muletas! Isso porque eu não conseguia mancar o suficiente para me locomover sem precisar delas. E nem estava quebrada!
Odiava depender das pessoas e agora eu teria que depender delas! Ao menos nos primeiros momentos. Seja para me locomover, para subiu ou descer essas escadas – aparentemente, eles nunca pensaram que poderia existir algum aluno deficiente e que não poderia subir as escadas sozinho. Ok, eu iria aprender a fazer tudo sozinha mais tarde, porém a ideia de precisar de ajuda quase o tempo inteiro me deixava possessa.
Era bem chato, além de me sentir frustrada por depender de alguém. Eu me sentia totalmente inconveniente por incomodar as pessoas.
2 – Minha mãe estava mais irritada comigo do que normalmente.
Eu tinha esquecido completamente dos meus pais assim que acordei no dia seguinte, mas uma das enfermeiras me lembrou, entregando um telefone e dizendo que meu pai queria falar comigo. Até aí ok, já que meu pai é a única pessoa da família que se importa um pouco comigo, porém minha mãe ficou uma fera. Disse que eu tinha a envergonhado e passou uma hora gritando comigo ao telefone.
Foi estressante e eu até chorei de raiva. Ela sempre achava que tudo era culpa minha, independente do que tivesse acontecido. E naquela hora não foi diferente. Bem, realmente tinha sido minha culpa. Eu pulei na frente do cara. Eu parei o jogo. Eu me machuquei. Mas não era como se eu tivesse pedido para o cara cair em cima de mim. Então, no fim da ligação, meu pai disse que os dois estavam imensamente chateados por eu estar me metendo em encrenca e disseram que, como castigo, eu passaria o feriado do ano novo na escola. Poxa, que triste! Passar uma semana inteira longe deles. Eu estava arrasada, realmente.
3 – A diretora queria falar comigo.
Eu não havia gostado muito dela, na verdade. dissera que ninguém gostava. Contou-me que ela era diretora substituta há dois anos e aparentemente tomaria a posse da escola por completo porque os verdadeiros donos confiavam muito nela.
Aquela confiança era muito questionável, na minha opinião. A diretora Olga Ivanov tinha o olhar estranho e sempre estava irritada com todo mundo, com exceção dos pais dos alunos, com os quais ela era um amor de pessoa.
E não era coisa da minha cabeça, porque todos os alunos tinham um certo medo dela. Não era para menos. Ela tinha uma semelhança com a vilã do filme “Matilda” e eu não queria ter o mesmo castigo que as crianças do filme. Por isso desviava qualquer olhar que cruzasse com o dela quando estávamos no mesmo ambiente.
Sem contar que eu desconfiava que minha mãe a deixara a par de tudo que eu “já aprontei”. Provavelmente ela sabia das saídas à noite, das vezes que eu chegava machucada em casa e das vezes que eu saía de um lugar sem me despedir ou pedir permissão. Em minha defesa, todos esses acontecimentos tiveram um motivo, mas eu jamais poderia explicar para meus pais ou para qualquer outra pessoa.
Era dia 31 de dezembro quando eu tive – finalmente – alta do hospital. À contragosto, a enfermeira me deixou voltar para o quarto e, com a ajuda de e das muletas, eu finalmente saí da enfermaria. Acho que eu não conseguiria passar mais de um dia sentindo aquele cheiro de limpeza.
Era véspera do ano novo, mas aquilo não parecia motivo suficiente para alguns funcionários não trabalharem, visto que a diretora continuava em sua sala assim que eu e paramos em frente a ela. Ele não estava muito feliz em estar ali e eu muito menos. Logo que bati na porta, ela se abriu como se alguém apenas estivesse esperando o sinal para saber que eu estava do outro lado dela.
– “Senhorrita ! Fico feliz que esteja de alta” – ela me olhou com aqueles olhos grandes e assustadores. – “Senhorr , estou surpresa em vê-lo aqui.”
– Só vim acompanhá-la – ele respondeu rapidamente.
– “Ótimo. Aguarde aqui forra. Minha conversa é apenas com a senhorrita ” – ela deu espaço para que eu entrasse com a ajuda de . As muletas estavam presentes, mas eu ainda não sabia muito bem lidar com elas.
Sentei-me na cadeira enquanto me deixava sozinha e a diretora fechava a porta, sentando-se de frente para mim logo em seguida.
A sala era grande, mas escura. A única luz que entrava ali era a que passava pelos espaços da cortina.
– “Como se sente, senhorrita ?” – suas mãos se juntaram e o seu pé batia na cadeira com impaciência. O ar estava completamente diferente de quando ela abriu a porta para me receber.
– Ótima.
– “Fico féliz” – não parecia, realmente. – “Foi um ácidente bem féio, non?”
– Pelo que me disseram, sim, senhora. Tive sorte, acho.
Quando aquela conversa iria acabar? Certamente, ela não me chamara ali para perguntar se eu estava bem. Ora, eu havia recebido alta! É claro que estava bem. E eu duvidava de que ela se importasse muito com o bem-estar dos alunos para conversar comigo em particular.
– “Rrrealmente, muita sorrte...” – ela ajeitou os óculos e se inclinou para a frente. – “Bem, senhorrita , hoje rrecebi uma ligaçon imporrtante. De uma pessoa com quem eu não falava desde o seu prrimeiro dia áqui. Tem ideia de quem serja?”
– Minha mãe – eu não estava com medo. Estava mais de saco cheio. Sabia o que estaria por vir.
– “Cerrtamente. Uma mulherr inteligente. Gosto dela” – não disse nada. Não queria concordar porque eu simplesmente não achava o mesmo. Minha mãe era atriz. Tinha uma lábia para convencer as pessoas que qualquer um ficaria impressionado. A mim era a única pessoa que não convencia. Já a diretora, parecia que tinha a convencido com maestria. Eu não duvidaria de que ela tivesse chorado ao telefone, pedido desculpas e esse tipo de coisa... – “É cerrto que ela me contou algumas cóisas sobrre a senhorrita antes que se matrriculasse aqui. Obviamente, eu deverria saberr quais tipos de alunos estão entrrando em minha escola. Pessoalmente, soube álgumas histórrias suas. Alguns tipos de rebeldias que, senhorrita , eu não irei aturrar porr aqui.”
– Entendo. Bem, não faço nada disso aqui. No campo, foi, bem, um acidente.
– “Um acidente” – ela pareceu pensar e disse não muito convincente. – “Clarro que foi. Mas devo alerrtá-la, senhorrita , que não tolerrarei esse tipo de coisas áqui. Já temos prroblemas suficiente.”
– Sim, senhora – disse com má vontade. Na verdade, queria evitar os mesmos sermões que meus pais faziam todas as vezes. Eu só queria sair daquela sala.
E depois ela me olhou profundamente, apertando os olhos, e eu não pude deixar de ficar constrangida. Já tinha entendido o recado e estava fazendo o máximo para não me envolver em encrenca, mas eu não tinha culpa se os problemas simplesmente vinham atrás de mim!
– “Póde se rretirar, senhorrita ” – disse simplesmente, como se eu não precisasse de ajuda para isso.
4 – Eu realmente tinha amigos.
A ficha caiu, finalmente, quando a caminho do dormitório me contou que todos estavam muito preocupados comigo e, ao chegar no meu quarto e pegar o meu celular, vi inúmeras mensagens de todos eles. Eu nunca tive aquele tipo de preocupação nem pelo lado fraternal da minha vida. Tive a preocupação de responder todos eles. Eu não sabia se ficava feliz ou se ria da preocupação que Amy estava. Ela morava em Nashville e me ligara várias vezes todos os dias, e estava alarmada porque não atendi nenhuma delas. Chris e mandaram mensagem de áudio me desejando melhoras e Chris fez questão de mandar algumas fotos dos dois. me mandou uma mensagem muito fofa com muitos emojis e disse que estava se divertindo com a família esquiando no Canadá. Já Ali estava entediada em casa e mandara mensagens todos os dias, perguntando como eu me sentia. Dani foi a única que me contatou apenas uma vez e me disse, através de uma mensagem, que queria notícias quando estivesse bem.
– Você tem, definitivamente, que tirar o som dessa coisa – apareceu. Estava emburrado, o que me fez revirar os olhos de desprezo.
Ele tinha que estragar o meu momento.
– E você tem, definitivamente, que sair desse quarto.
– Aquele é seu namorado? – perguntou de supetão, fazendo olhá-lo, séria. Eu não tinha sentido nenhuma falta de seus comentários inconvenientes.
– Quê?
– Aquele cara que a trouxe aqui.
– É meu amigo.
– Hum, bem, ainda bem que voltou – olhei-o com o cenho franzido e ele emendou. – Muita gente a procurou.
– Eu sei. Estou respondendo todos eles – voltei a digitar no celular.
– Não, não é esse tipo de gente.
– Há fantasmas aqui? – perguntei atônita. Será que um dia eles me deixariam, efetivamente, em paz? Temi a resposta que ecoou na minha cabeça.
Ah, que audácia! Já não bastava no meu quarto? Fantasmas eram os seres mais inconvenientes do mundo.
– Bem, às vezes. Eles vêm aqui procurá-la.
– Que ótimo – bufei irritada. – Quantos deles?
– Não sei – ele deu de ombros. – Estava cansado de ter que dizer a mesma coisa para todos eles.
– Bem, a opção é sua de estar aqui. Agora você é o meu secretário, não?
– Engraçado – ele olhou para os livros da estante. – Realmente hilário – imitou meu tom de voz e eu me limitei a revirar os olhos.
– Nem pense nisso. Já disse para não tocar em nada!
– Você é bem estressada, hein? – ele pegou um exemplar de “Jogos Vorazes” de Amy (é, ela tinha muitos desses) e deu uma olhada na primeira página.
era a pessoa mais folgada que eu já havia conhecido na minha vida. Ele era preguiçoso, se sentia sempre em casa e dava todas as desculpas para poder ficar o máximo de tempo que conseguia no meu quarto. Pegava nos livros sem a minha permissão e provavelmente só não mexia no meu computador porque havia uma senha. Colocava os pés para o ar sempre que se sentava confortavelmente em algum lugar e sempre me dava respostas engraçadinhas. Mal nos conhecíamos e o cara já achava que éramos amigos ou meramente colegas. Eu apenas cortava suas frases e às vezes, para a minha sorte, ele parava de falar.
– Katniss é uma personagem extraordinária! Você deveria ser mais como ela.
– Ficaria honrada de acertar uma flecha em você – respondi no mesmo tom e ele fechou o livro, colocando-o em cima da mesinha.
– Por que está de mau humor? – perguntou, enquanto eu voltava a responder as mensagens, dessa vez mais concentrada e dando menos atenção a ele.
– Porque um cara folgado está no meu quarto e, aparentemente, eu não consigo expulsá-lo.
– Sabe, , muitas garotas da sua idade gostariam de ter um cara no quarto sem que suas mães reclamassem sobre isso – ele disse como se estivesse recitando algum livro do Allan Poe.
– Que ótimo para elas, hein? Ainda bem que não sou nenhuma delas – terminei de respondê-los e deixei o meu celular em cima da cama.
5– Eu odiava estar com a perna imóvel.
A pior parte era que eu tinha que ficar a maior parte do dia parada. É claro que eu poderia andar pelo campus, com muita dificuldade e demorando o triplo do tempo para isso, mas o trabalho que daria para descer todas aquelas escadas não valia a pena. Eu ficava no meu quarto, assistindo a alguma coisa no meu notebook, enquanto todos os alunos que ficaram no feriado estavam andando por aí e se divertindo. Eu não era uma pessoa que gostava de ficar parada o tempo inteiro. Ficava entediada, principalmente quando sabia que havia outras coisas para fazer. Ficar limitada ao meu quarto, e só descer para não morrer de fome, estava me enlouquecendo e fazia apenas dias que eu estava ali.
Eu tinha perdido o natal e igualmente o ano novo, deitada na minha cama pensando no que fiz para merecer a minha perna daquele jeito e o poder da mediação.
vinha me visitar às vezes – correndo o sério risco de ser expulso e de me fazer ser expulsa também – e aparecia sempre que meu humor estava nos piores casos.
Mas, aparentemente, estar no quarto impedida de fazer o que eu quisesse não era motivo para os fantasmas não me incomodarem. estava certo. Às vezes acontecia e eles simplesmente apareciam lá ou até mesmo batiam na porta antes de pedir algum favor. Era chato simplesmente porque eu odiava a presença deles ali no meu quarto. No caso, apareceram dois. Um deles, que nem me preocupei em perguntar o nome, me pediu para fazer algumas ligações. O segundo era uma mulher, a senhora Nora, que estava irritadíssima porque não sabia o que seus filhos haviam feito com seus gatos. E daí foram mais ligações que eu tive que fazer. Não foi difícil. A pior parte do processo foi vê-los simplesmente aparecendo em minha frente, assim como fazia.
6– Mas, pelo menos, eu tinha amigos.
O sol estava brilhando forte, apesar da friagem do inverno não ter acabado. Minha perna não havia doído naquele dia, mas eu continuava resmungando sobre o quão incomodada me encontrava por estar há tanto tempo enclausurada naquele quarto. Quando o sol começou a se pôr naquele dia, a porta se abriu quase que em um estrondo barulhento, se não fosse o grito de alegria que se seguiu. Era Amy. Mais ruiva do que eu me lembrava, tive a impressão de que suas sardas tinham aumentado também. Ou aquilo tudo era apenas porque eu já estava com saudades de vê-la com frequência.
Ela estava alegre. Abraçou-me falando mais do que Christina costumava falar. Aparentemente, o feriado em Nashville havia sido proveitoso. Comentou que vira Ali e Dani chegar e que Christina estava a caminho com . Logo todas estavam no meu quarto falando à beça e não me deixando respirar com tantos abraços e perguntas.
Era engraçado vê-las todas ali, ao meu redor e tão preocupadas. Apesar de já saberem do meu estado, continuaram perguntando sobre como tudo estava. Aquilo era estranho porque eu nunca tive gente se preocupando de verdade comigo. sempre estava presente nos dias que se passaram e me surpreendia sempre com essa sua preocupação, mas, mesmo assim, eu não estava acostumada. Christina dissera que mandara lembranças e que tentaria entrar aqui, se não tivesse amor à própria vida. chegaria no dia seguinte. estava com aparentemente. Provavelmente tinham muito que colocar em dia.
As conversas fluíam e foi engraçado ouvir como o feriado de cada uma fora diferente. Ali disse que não havia sido tão ruim nos últimos dias. Tinha conseguido se bronzear e encontrado pessoas legais para conversar, mas que não via a hora de voltar. Dani disse que seus parentes do México tinham ido passar o Natal com a família e que tinha sido bom revê-los. Christina, como de costume, abriu a boca e não fechou mais. Contou como era romântico, maravilhoso e a apresentou para todos os parentes que estavam na casa.
– Ele é, sabe, tudo! – ela terminou, felicíssima em contar os mínimos detalhes dos encontros. Eu adorava o casal, mas quis não ouvir metade da história. Percebi que todas partilhavam do mesmo sentimento que o meu.
– Você! – Ali apontou para Amy, como se estivesse desconfiada de que ela estivesse com vários segredos embaixo da manga. – Pode começar a contar!
– Quê? – a ruiva subitamente parou para pensar. – Bem, não teve nada demais. Vocês sabem... Casa cheia, muita comida, tios com perguntas inconvenientes... Essas coisas – ela respondeu como se tivesse ensaiado cada palavra.
– Não! Você não me engana, Parker. Está toda alegre, de bom humor! Ainda nem começou a falar sobre dever de casa! – ela se levantou e cruzou os braços. – Pode contar! Eu sei que tem algo acontecendo.
– Eu não posso ficar feliz em rever minhas amigas? – ela levantou as sobrancelhas. – E, se quiser, eu começo a falar sobre deveres de casa agora. Sabe, quando as aulas voltarem, os professores...
– Lá lá lá! – Chris gritou, colocando as mãos no ouvido para abafar o que Amy começava a falar. Senti o mesmo. Tinha saudades de sair do quarto, porém a saudade dos deveres de casa era inexistente.
– Você é péssima mentirosa – Alison riu. – É um cara, não é? – Ali levantou as sobrancelhas e Amy não respondeu. – Ah, meu Deus! É, sim!
Olhamos para Amy instintivamente, mas ela não disse nada. Igualmente não fez expressão nenhuma. Aquilo era realmente inédito. Ela sempre tinha uma resposta para tudo – principalmente quando tinha que usar a lógica para isso.
Aquilo era como o próprio FBI. Estremeci só de pensar no que ela conseguiria tirar de mim se desconfiasse de alguma coisa. Chris estava rindo e Dani olhava com curiosidade para as duas, como eu. Estava achando a cena assustadoramente engraçada.
– É – ela respondeu simplesmente, suspirando como se não quisesse dizer. Todas pararam de rir e a olharam curiosa, mas a menina não queria dizer nada. Parecia envergonhada.
– Quem é? Eu o conheço?
– Não! – ela respondeu muito rápido.
– Ora, eu devo conhecer! – Chris começou. – Deve ser do jornal, porque eu sei que aquele menino...
– Ok! – ela interrompeu, gritando um pouco. Suspirou e finalmente disse: – É o .
A expressão de todas nós foi a mesma: completo choque. Como aquilo poderia acontecer? Ela estava xingando há algumas semanas! Olhei para Ali, que parecia igualmente surpresa. Chris estava, pela primeira vez, sem palavras e Dani parecia pensar, assim como eu.
“Credo, gente. Parece que eu falei que estou namorando um terrorista!”
– ? ? Jogador do time de futebol? Sua dupla naquele trabalho? O mesmo cara que você queria matar e até nos convidou para participar do assassinato? – Chris parecia finalmente ter recuperado a voz. – Não pode ser! Vocês estão namorando?
– Não. Quer dizer, não sei. Estamos conversando. No feriado, nós começamos a conversar. Sabem, ele não é tão mau.
– Como isso aconteceu? – perguntei. – Vocês se odiavam.
– Não sei. Ele pediu desculpas por ter me deixado tão irritada e, quando percebi, nós já estávamos conversando sem nos matarmos. Ainda não o vi hoje, mas ele me chamou para sair.
– E você vai? – ela assentiu.
– Amy, isso é... – Ali começou, mas não conseguiu continuar. Eu não conhecia , porém eu tinha que admitir que aquilo era no mínimo estranho.
– Por quê? Não posso sair com alguém? – ela perguntou com raiva.
– Não é isso – Dani respondeu como se tivesse chegado ao raciocínio final. – Amy, vocês são completamente diferentes. Aliás, era por isso que não se davam bem.
– Eu também achei, até começar a conversar com ele! Eu juro, gente. Ele é um doce de pessoa.
– Um doce – Ali repetiu. – Bem, já fui para algumas festas com ele e não diria o mesmo.
– Você não o conhece bem – ela retrucou.
– Eu quero conhecê-lo – eu disse para quebrar o clima tenso que o último comentário havia deixado.
– Você vai adorá-lo, ! – ela se levantou e olhou para o relógio, não antes de lançar um olhar enfurecido para Alison. – Preciso ir. Vou encontrá-lo.
Ninguém mais falou no assunto depois que ela saiu. Dani mudou subitamente de assunto, comentando sobre uma série nova da Netflix. Chris também entrou no assunto e Ali, que ainda parecia absorta em pensamentos desde que a porta se fechara, também entrou na conversa.
O céu estava muito escuro quando elas anunciaram que teriam que ir embora. Eu já escutava os dedos de Katy batendo na porta, chamando a nossa atenção. Depois que saíram, incrivelmente com a ajuda das muletas eu consegui chegar ao banheiro sem cair no meio do caminho. Aparentemente, eu estava ficando boa naquilo. O único problema seria descer as escadas mais tarde.
Tempos depois, voltei para o quarto vestida com meu pijama de Mickey, com os olhos pesados de sono e me perguntando que horas seriam. A maioria das portas estava fechada, alguma das meninas ainda andava de um lado para o outro e outras deixavam as portas abertas. Vi de longe a desorganização de alguns quartos e agradeci por Amy ser a pessoa mais limpinha que eu já havia conhecido. Vi uma Katy andando pelo corredor irritadíssima com as meninas que ainda estavam andando por ali, dando um crédito a mim que andava com dificuldade, mas me alertou que eu fizesse aquilo tudo mais cedo.
Abri a porta do quarto e dei de cara com Amy que, sentada em sua cama, estava com um livro imenso nos braços. Não pude ver o título, mas pela fonte tão minúscula eu tinha certeza de que ela já estaria estudando, mesmo que as aulas só começassem dali dois dias.
– Poderia ter me esperado. Eu a ajudaria a chegar ao banheiro.
– Não tem problema. Eu já me acostumei – fechei a porta atrás de mim e me sentei na minha cama. Minhas muletas descansaram encostadas à parede. – E aí?
– E aí, o quê? – ela pareceu assustada com a pergunta e voltou os olhos para o livro.
– E aí, o que você está estudando? – perguntei brincando e, quando vi que ela iria responder, eu comecei a rir e a interrompi. – Conte-me como foi!
– Ah – ela disse, fechando o livro e o colocando em uma pilha de outros livros do lado de sua cama. Tive a impressão de que a menina trouxe mais livros de casa – Foi legal.
– Legal? Só legal?
– Ah, bem, quero dizer... Foi muito legal.
– Isso está me soando horrível – ela me olhou séria, como se estivesse tentando decifrar uma conta de matemática, e suspirou.
– Não – ela balançou a cabeça como se quisesse afastar algo ruim dos pensamentos. – Foi muito bom, . Ele é genial.
– Genial? – não pude deixar de rir do seu adjetivo.
– É! Ele é inteligente, sabe?! Digo, eu não pensei realmente que fosse. Depois dos boatos de que o rapaz havia reprovado, pensei que não conseguiria conversar com ele.
– E isso é muito bom, hein? Ele é como você, então? – ela não se ofendeu com a pergunta. Apenas sorriu e respondeu:
– Ele reprovou um ano e isso fez com que ele estudasse pra valer agora. Você acredita que é um dos melhores alunos em Química? Tenho muito em comum com ele, na verdade. Eu pensei que não teríamos muito para conversar e que só iria querer me beijar o tempo inteiro, mas, nossa, foi tão diferente disso! – ela falou empolgada. – Eu sou muito idiota por ter gostado tanto dele? – perguntou-me como se eu fosse a especialista em relacionamentos.
Eu não era nem um pouco. Não tive muitas oportunidades e sempre tive outras preocupações. Não dava para ter um namorado quando você tinha que correr pela cidade atrás de gente morta.
– Não sei. Ele gostou de você?
– Ahm, sim, eu acho.
– Então está aí a sua resposta – ela pareceu pensar e olhou para mim.
– Acha que Alison está brava comigo?
– Não. Só preocupada.
– Bem, ela não deveria. Não precisa cuidar de mim.
– Ela não está cuidando de você – vi que ela me olhou estranho, então tentei explicar. – Só está preocupada porque é sua amiga.
Ela assentiu e não falou mais nada sobre o assunto.
O resto da noite passou rápido. Eu virei e dormi quando vi que Amy não tinha mais nada a dizer.
Acordei no dia seguinte sozinha no quarto. Não era muito cedo e estava um pouco de sol. A luz batia na janela e eu me assustei em acordar com o barulho das pessoas conversando lá fora. Aparentemente todas, ou a maioria delas, tinham chegado essa manhã. Imaginei se Katy estava tão enfurecida com o barulho de hoje quanto estava ontem à noite.
Olhei para as minhas muletas e logo fiquei desanimada. Ter que arrastar aquela coisa pela escola definitivamente era a pior coisa que tinha me acontecido nos últimos dias.
– Ainda está andando com essa coisa? – disse uma voz debochada que eu, infelizmente, já conhecia bem.
– E você ainda está andando pelo meu quarto? – retruquei e ele levantou as sobrancelhas.
– Por que não está lá fora?
– Eu acabei de acordar.
– Não está perdendo muita coisa. Uma algazarra...
– Algazarra? – perguntei, achando engraçadíssimo ele usar aquela palavra para aquela situação.
– É! Todo mundo andando de um lado para o outro... – mas ele não terminou de falar porque alguém bateu na porta.
Não deixei de levar um susto quando um cabelo escuro entrou no quarto com um rosto preocupado.
– , você ainda está aí? – Dani era uma mistura de preocupação e riso por me ver ainda deitada na cama. – Onde está Amy? – perguntou, olhando para a outra cama que já estava feita.
– Não sei. Eu acabei de acordar. O que aconteceu?
– Não sei – ela deu de ombros. – Na verdade, a gente não sabe de nada.
– Eu avisei – disse que, por algum motivo, ainda estava ali. Ignorei-o.
– Alguém se machucou? – sentei-me na cama, alarmada.
– Acho que não – ela balançou a cabeça. – Katy não deixa a gente sair do dormitório.
– Por isso estão gritando tanto lá fora?
– Isso. Agora se levante logo que as meninas estão chamando você. Não vão prender por tanto tempo a gente aqui, sabe. Todo mundo já está morrendo de fome – ela riu, como se aquela fosse uma situação hilária.
Não pude deixar de sentir medo pela situação. Se algum morto tivesse feito algo, principalmente para algum vivo enquanto eu estava dormindo, eu iria ficar muito irritada. É claro que não era normal não deixarem sairmos dos dormitórios e provavelmente os meninos também estavam proibidos de sair dos deles.
Saímos do quarto rápido e assim nos dirigimos à presença das outras, sem antes de eu passar no banheiro, jogar uma água no rosto e trocar de roupa.
A maioria das meninas de todos os quartos estava perto da porta principal. Estavam todas impacientes e os cochichos pairavam sobre todos que estavam lá. Katy estava irritadíssima discutindo com uma menina. Pareciam ter a mesma idade por causa do tom da discussão e, se realmente tivessem, já teriam se atracado.
– E Amy? – Christina perguntou.
– Não sei. Ela não estava lá quando acordei.
– Eu mandei uma mensagem para . Ele disse que eles também não conseguem sair do dormitório.
– Eu não aguento mais ficar aqui. Estou faminta! – Alison bateu o pé impaciente.
Aquilo me deixou mais nervosa. Certamente, ninguém sabia o que estava acontecendo e a função de Katy, que provavelmente era conter o caos da saída, não estava funcionando.
– Alguém fez alguma pegadinha.
apareceu do meu lado, fazendo com que eu me arrepiasse por inteira ao sentir sua presença. Olhei-o de canto de olho sem falar nada. Queria que ele entendesse que era hora de ir embora.
“Alguém fez uma brincadeira. Está uma bagunça lá fora. Tinta para todo lado” – tinta?
– Você.... Quê? – não contive a ação de olhar para ele. Ele se divertia com a situação. Por um momento me esqueci de que ele podia sair do quarto, do dormitório e andar por onde quisesse. É claro que não entendi a relação da tinta com qualquer outra coisa que estava acontecendo, tanto que o olhei com os olhos arregalados, pedindo por mais informação.
– "Você... Quê?" Quem? – Chris perguntou, fazendo com que eu caísse na real e olhasse para elas. Todas estavam com o cenho franzido, salvo Alison que estava com um riso discreto no rosto.
– Estava falando sozinha – foi a primeira coisa que pensei.
– Você chama você mesma de "você"? – Dani perguntou.
– Sim – respondi, tentando não soar estranha, porém recebi um "ok" em troca e cheguei à conclusão de que falar um "eu vejo gente morta" sairia mais normal.
– Ninguém morreu, caso esteja perguntando – disse.
Aquilo não amenizou as coisas. Ninguém morreu, mas um morto ainda poderia estar envolvido naquilo.
Logo o barulho foi silenciado pela voz de Katy, que finalmente tinha acabado a discussão com a menina, autorizando a saída de todas nós. Antes, deu recomendações para que saíssemos devagar e não cruzássemos as faixas da polícia. estava certo, afinal.
Andamos direto à cantina, acuados pelos funcionários da escola que não permitiram que ninguém desse uma espiada no que estava acontecendo.
– Não gosto de não saber o que está acontecendo – disse quando nos sentamos em nossa mesa. Alison estava felicíssima por estar comendo. Nada no mundo era mais importante que isso para ela. Christina procurava pelo refeitório com um olhar preocupado.
– É assim que o caos se espalha – comentou que, para a minha nem tão sonhada surpresa, ainda estava presente. Era bizarro ver todas as pessoas do colégio interagindo e parado olhando o ambiente. Parecia cena de filme sobrenatural.
– Foi apenas uma brincadeira – Amy havia chegado de algum lugar que ninguém sabia de onde. Estava com um rabo de cavalo e umas folhas nas mãos. Era como se ela tivesse a solução de tudo que estava acontecendo naquelas folhas.
– Onde você estava?
– O jornal teve que cobrir tudo. Desculpe não ter chamado você, . Estava no décimo sono e demoraria para descer as escadas.
– Mas o que aconteceu? – Christina perguntou antes que qualquer uma de nós se pronunciasse.
– Aqueles idiotas do Meinhardt. Foi isso que aconteceu! – apareceu com a bolsa da câmera pendurada no ombro. Estava irritadíssimo.
– Foi só uma brincadeira, .
– Você chama aquilo de brincadeira? – a veia do seu pescoço iria explodir a qualquer momento. Nunca o vi tão disposto a ter uma real discussão com ela.
– Os meninos do Meinhardt fizeram uma brincadeira no salão principal – Amy explicou quando percebeu que ninguém entendia nada. – Eles pintaram as paredes de verde e tudo o mais. E rasgaram um falcão. Está tudo uma verdadeira bagunça.
– Aquilo não foi uma brincadeira! Temos rivalidade com eles há décadas! Fizeram de propósito porque perderam seu melhor jogador e por causa do próximo jogo!
– E essa rivalidade idiota que vocês ainda sustentam... Quantos anos vocês têm? – Amy retrucou. – Se for para rebater, vão fazer isso ganhando o próximo jogo! Não é óbvio, ? Eles sabem quem vai ganhar! Já perderam um jogador e, afinal, quem tem mais títulos? – foi o suficiente para ele se calar. Não tinha como retrucar aqueles bons argumentos, que todos sabiam que era verdade.
se levantou e foi até a mesa dos jogadores de futebol. Vi que e também estavam lá, todos igualmente transtornados.
– Como aconteceu? – perguntei curiosa.
– Ninguém sabe. As câmeras não pegaram o rosto de ninguém. Eles fizeram tudo de madrugada e saíram sem ninguém ver nem ouvir. Eles são muito bons nisso.
– E como sabem que foram eles? – Alison perguntou, aparentemente se esquecendo da intriga com Amy que igualmente também parecia esquecer porque respondeu sem amargura ou raiva.
– Bem, é meio óbvio. Ninguém faria isso além deles. A cor da tinta e o que fizeram com o símbolo do mascote deixa tudo na cara. Menos para o corpo docente do colégio.
– Essa menina é boa. Já pensou em trabalhar com perícia? – perguntou ao meu lado. Parecia participar da conversa, se não fosse pelo fato de apenas eu escutá-lo e vê-lo. Tentei ignorá-lo, mas sempre que falava eu não conseguia conter meus olhos revirando.
– Como assim?
– Só eu e sustentamos o argumento de que foram eles que fizeram. Como não temos provas, a escola não fez nada a respeito. A polícia foi chamada, mas não acharam nada – ela suspirou antes de terminar. – ficou puto. Se eu não o segurasse, ele iria se atracar com um dos policiais. Não sei como ele não foi levado em alguma viatura.
– Quando é o próximo jogo? – Dani perguntou.
– Semana que vem. Mas não vai ser aqui. Acho que eles estão com medo de perder algum outro jogador – Amy me olhou, rindo.
– Eu não quero perder minha outra perna por mais ninguém. Já está bem complicado ter só uma boa – todas riram e Amy se levantou para pegar alguma comida.
– Ainda bem! Se algum idiota igual aquele me incomodar de novo só por causa da sua perna... – disse meio raivoso. Esqueci que ninguém pode incomodar a senhorita na sua suíte presidencial.
O assunto durante o resto do dia não foi outro. Alguns alunos se adiantaram em nossa mesa ou nos paravam no campus para perguntar o que sabíamos sobre o assunto. Se Amy estivesse presente, ela dizia tudo o que sabia e fazia propaganda sobre a próxima edição do jornal.
Os meninos estavam ainda mais irritados quando nos encontramos. falava sobre estratégias e , sobre treinos excessivos.
– Vocês são burros, sabiam? Para que vão dar o máximo de vocês nos treinos? Devem treinar as estratégias e dar o melhor de si efetivamente no jogo, e não nos treinos. Vão estar exaustos no dia do jogo.
– Ok, voz da razão, você pode simplesmente calar a boca? – retrucou e, com isso, uma nova briga entre ele e Amy começou.
O resto da tarde se deu com e pensando em um plano de vingança, enquanto dizia que aquilo era um exagero, mas eu sabia que era apenas por causa da sua namorada. Eu só percebi que já estava de saco cheio daquele assunto quando, na sala de jogos, enquanto assistíamos a um programa qualquer, eles ainda comentavam sobre o ocorrido. Alison já havia pedido, naquele tom meigo dela, para pararem de falar sobre o assunto, mas aquilo teve o mesmo efeito que nada.
– , acho que aquele cara magrelo quer falar com você – Christina apontou para a porta atrás de mim e eu virei a cabeça. Era Andrew. Não o via desde o jogo. Era mais magro do que eu lembrava e usava uma camisa xadrez. Ele sorriu para mim assim que meu olhar cruzou com o dele.
– Ahm, Andy, entre aí! – ele andou timidamente e se sentou em um dos pufes coloridos. Estava mais tímido do que da última vez que nos vimos. Acho que, pelo número de pessoas no ambiente, ele se sentiu incomodado. – Como vai?
– Bem! Como você está? Soube da história da sua perna...
– O que posso fazer, né? Acho que de heroína passei para idiota, afinal.
– Até os melhores heróis têm suas recaídas – ele comentou.
Eu não ficava envergonhada com facilidade, mas naquele momento lembrei que todos eles estavam presentes e fiquei incomodada de todos estarem ouvindo aquela conversa. Olhei para as meninas e todas elas estavam segurando o riso e Amy estava com os olhos espremidos, olhando a cena. Os meninos continuavam absortos demais com a conversa sobre futebol.
– Andrew, esses são Amy, Dani, Alison, Christina – joguei uma almofada em , fazendo com que os três olhassem para mim. – e . O você já conhece.
Assim como as meninas, eles olharam para a cena divertidos, mas todos puxaram algum assunto com Andrew. A conversa se estendeu até Andrew dizer que precisava voltar para o dormitório, sem antes me dizer que adoraria sair comigo qualquer dia desses. Vergonhas à parte, achei legar da parte dele vir me visitar por preocupação.
– Ok, Christina, Amy e agora você, ? Quem vai ser a próxima? – Ali comentou assim que ele se retirou da sala. Aparentemente, ela e Amy haviam feito as pazes, porque não houve cortes nem olhares raivosos.
– A próxima a quê? – perguntou .
– A ter um namorado. Aparentemente, elas resolveram ter um e não avisaram a mim e a Dani.
– Andrew não é meu namorado – respondi.
– Nem o é o meu.
– Quê? – os três garotos olharam para Amy, procurando respostas, e ela apenas revirou os olhos.
– Ele é legal – ela disse. – E a gente pode voltar ao assunto? , o Andrew gosta de você!
– Não gosta nada.
– Gosta, sim – olhou para mim e todo mundo assentiu. Aparentemente, era óbvio para todo mundo, menos para mim. – O , Amy? Sério? Por quê?
Ele parecia visivelmente chateado.
– Porque sim – respondeu curta e grossa e ele fechou a cara.
– Mas e aí, , vai sair com ele? – Chris perguntou animada.
– Não sei – eu não tinha pensado naquilo, apesar de Andrew ser legal e tudo o mais.
– Ele é muito legal – Dani comentou.
– Nem tanto – começou e todo olharam para ele desconfiados. – Eu não conheço o cara, mas dizem que ele é fissurado em quadrinhos. O quarto dele é cheio desses pôsteres e tal.
– E daí? – Amy revirou os olhos. – Você fala como se o menino estivesse fazendo algo de errado! O quarto de vocês também é cheio de pôster de jogadores de futebol!
– Antes jogadores de futebol do que esses caras que cantam e dançam que tem na parede do quarto de vocês! – rebateu.
Aquilo tinha virado uma guerra e ninguém tinha me avisado?
– Tem certeza? Eu prefiro ter alguém que efetivamente tem talento na minha parede – Amy disse, mas eu sabia que era brincadeira de sua parte. Porém pareceu pessoalmente ofendido.
– Não está falando daqueles coreanos na sua parede, né? Porque...
– Chega! – Chris gritou, fazendo com que todos se calassem. – Será que vocês podem passar um dia sem brigar?
Os dois, com a cara meio emburrada, se levantaram e, acompanhados por todos os outros, fomos para os nossos quartos. Ninguém falou nada no caminho e eu fui a última a sair com Chris e Dani. A última me pediu desculpas por aquela briga ter começado por causa de Andrew e eu disse que não tinha problema porque, na verdade, eu tinha achado tudo muito engraçado.
Depois de me deixarem no meu quarto, ajudando-me com as muletas na escada, elas foram embora.
Eu nem percebi que estava morrendo de sono até me deitar na cama e perceber que faltavam apenas algumas horas para as aulas voltarem outra vez.
Capítulo 9 - Troco
Meu celular vibrou, fazendo-me olhá-lo e perceber que era uma mensagem de Amy em um grupo em que estávamos todas juntas em uma rede social. Pois é, elas fizeram eu me render a isso.
Amy e Christina estavam no jogo de futebol contra o Meinhardt. A primeira fazia a cobertura para o jornal. Já a segunda tinha ido seguida por suas quase-gêmeas que usavam pompons e saias que rodopiavam no ar.
Deixei meu livro de Física de lado e olhei o celular:
"Os meninos estão loucos. Acho que vão aprontar alguma."
"O que eles vão fazer?", enviei.
"Não sabemos.", Christina respondeu. "Mas achamos que vai ser algo no vestiário. Eles ainda não superaram aquele lance de vingança."
"Eles vão perder?", era a vez de Dani falar.
"Não mesmo. O jogo já está ganho. Até o pessoal do Meinhardt sabe, haha", Amy enviou.
"Eles vão entrar em campo daqui uma hora. Mais tarde falamos com vocês. xx", a outra mandou.
"Mande boa sorte para eles de todas nós", Alison falou. ", cadê você? Pensei que fosse ajudar a gente no trabalho de Sociologia", enviou seguida por muitas carinhas raivosas.
Guardei meu celular no bolso e me levantei, pegando meu livro e saindo da sala de jogos. Uma voz apareceu atrás de mim, fazendo-me pular de susto assim que comecei a andar.
Eu sabia quem era.
– Por Deus, . Pare de aparecer assim!
Para minha sorte, ou coincidência do momento, não tinha ninguém naquele corredor, mas eu ainda falava em sussurros para que ninguém que, eventualmente, aparecesse, ouvisse.
“Pare de aparecer assim em todos os lugares. Não quero parecer a estranha que fala sozinha.”
– Você se importa muito com isso, não? – ele ainda me seguia.
– Só não quero continuar a ser a fofoca dessa escola – eu já tinha virado a maçaneta da enorme porta do dormitório feminino nesse ponto da conversa. E eu nem sabia como tinha chegado tão rápido usando as muletas.
– Acho muito difícil deixar de ser.
– Pois é. Agora vá embora.
– ? – uma voz de alguém vivo soou atrás de mim. Virei rapidamente e me dei de cara com Katy. – Com quem está falando? – ela franziu o cenho, enquanto olhava para os lados.
– Ah – sorri amarelo e ouvi a gargalhada de atrás de mim. – Sozinha. Estou meio que ensaiando para apresentar um trabalho.
– Ei, essa mentira ficou muito boa – o garoto disse atrás de mim.
– Vocês têm cada uma... – Katy riu e me olhou um pouco séria.
Desde o meu acidente e a conversa com a diretora, eu suspeitava que ela tivesse contado alguma coisa para Katy. A monitora vivia me fazendo perguntas um pouco indiscretas sobre aonde eu ia e o que estava fazendo. Tudo por de baixo dos panos para que eu não desconfiasse, mas ela não era muito boa disfarçando. Depois de vários dias com olhares nada discretos quando eu entrava e saía do dormitório, ela foi, aos poucos, parando com as perguntas e olhares. Acho que – finalmente – tinha percebido que eu não faria nada de errado ali. Uma pena que a diretora também não tivesse essa certeza.
“Pode fazer um favor para mim?”, ela pegou uma caixa pequena que estava encostada à parede. “Pode entregar essa caixa para a senhorita Martinez?”
– Claro – peguei a caixa e me dirigi até as escadas, dando um tchauzinho para a mulher que, suspeito eu, ainda estava de olho em mim. – Agora você pode ir embora – falei para o espírito que ainda me seguia como se fôssemos amigos. – Agora, . Não quero você aparecendo quando eu estiver tão perto de alguém.
– Outch! – ele fechou a cara. – Então tá!
O rapaz uniu as sobrancelhas e parecia profundamente ofendido. O que ele queria? Que se juntasse aos meus amigos como se estivesse vivo? Ah, isso já tinha acontecido uma vez e foi bizarro o suficiente.
Abriu a boca para falar algo, mas desistiu no meio do caminho, sumindo logo em seguida. E eu fiquei tão triste com isso...
Eu não diria que o clima na Vineyard estava ameno naquele dia. Por ter um jogo de futebol acontecendo naquele exato momento, eu podia dizer que aquele era o motivo para todos estarem tão sumidos nos corredores. Por ser um grande evento ali, quando o jogo não era em Casa, os alunos se desdobravam para conseguirem saber as novidades do jogo que estava acontecendo.
Apesar de ainda não ser muito ligada em esportes, principalmente os que envolviam bola, e não entender muito aquele fanatismo, eu torcia muito para os meninos ganhassem – e até para , com um milagre, conseguir entrar em algum jogo.
E, assim como todos os outros alunos, Dani e Alison também estavam apreensivas. Quando eu entrei no quarto delas, estavam ao telefone pedindo para serem alertadas sobre o que estava acontecendo no jogo.
– Seria ótimo se eles respondessem, né... – Ali, que estava deitada na cama, mas se levantou quando eu entrei. – O que é isso aí?
– É seu – entreguei para Dani. – Katy mandou entregar.
– O que é? O que é? O que...? – a outra perguntou animada, chegando mais perto dela.
– Dá para ter calma? – ela revirou os olhos. – É um saco de maconha. O que mais seria?
– Aí! Outro desses... – ela falou quando Dani tirou o pote de tinta azul da caixa.
– Estou pensando em pintar meu cabelo todo. O que acha, ? – ela me olhou.
As pontas dos cabelos dela já estavam desbotando. Estava mais branco do que qualquer outra cor.
– Acho que vai ficar demais! Combina com você.
– Ela já quer fazer isso há muito tempo, mas nunca fez – Alison estava com o caderno nas mãos. – Ugh, eu odeio isso.
– Meu cabelo? – Dani perguntou ofendida.
– Sociologia? – falei na mesma hora.
– Não! Você sabe que eu amo seu cabelo – ela a olhou. – E, tudo bem, não sou a maior fã dessa matéria, mas estava falando do jogo. Odeio não estar me divertindo lá.
– Queria estar se divertindo com o Zac? – peguei-me falando. Era um cara do time de futebol de quem Alison falou uma vez, fazendo-a rir alto.
– Não posso negar isso, – ela me jogou o caderno no ar e eu quase o derrubei tentando pegá-lo. – Mas, hein, fale aí sobre esse cara que falou tanto sobre o Socialismo...
Depois de horas falando sobre a burguesia, proletariado e Karl Marx, as meninas concluíram o trabalho e eu tinha certeza de que não tirariam menos que dez. Alison me agradeceu até a minha última geração porque iria ajudar muito em sua nota. E, como se eu fosse a própria Amy Parker, não pude deixar de dar uma bronca nela por suas notas estarem tão baixas. Não queria que ela fizesse reforço no verão ou, no pior dos casos, reprovasse.
No começo da noite, depois de uma mensagem das meninas, nós soubemos que o jogo realmente estava ganho e que todos já estavam voltando. Não poderíamos estar mais felizes com o resultado e eu já imaginava como os meninos estavam felizes com o ocorrido.
Logo todos chegaram e estávamos todos – incluindo os jogadores e as líderes de torcida – reunidos no campus da escola. Era quase uma festa. A diferença era que teríamos que voltar para os quartos antes das onze. Todos estavam em festa, na verdade. A vitória do time embalou em risadas e conversas e todo mundo interagia.
O troféu estava lá, junto com o, até então, capitão do time, . Pude perceber, ao longe, os olhares entre ele e minha amiga.
– Como você pôde, ? Poderia ter sido expulso! – dei um soco em seu braço e ele fez uma careta de dor.
Eu tinha acabado de saber que os meninos colocaram uma meia vermelha na máquina de lavar do time rival, tornando todas as roupas brancas de seus adversários cor-de-rosa.
– Ninguém descobriu, . E não culpe só a mim!
– Você que teve a ideia! – olhei-o e ele riu.
– Eu mesmo, mas não me venha com essa porque eles mereceram!
Virei de costas para o garoto e andei em direção às meninas, que estavam sentadas em uma parte do campus.
– Ok, agora você pode desembuchar! – Chris gritou para Amy que ficou com as bochechas vermelhíssimas e muito irritada.
– Quê?
– Você sabe! Sobre o ... – respondeu e todas nós rimos de como ela fechou a cara para a outra. – Aquele gol foi para você mesmo?
– Uau, um gol? – perguntei surpresa. Sentei-me no chão, junto delas, com dificuldade por causa das muletas.
– É, um gol – ela me respondeu atônita. – Por que vocês não fizeram esse interrogatório com Christina e também?
– Porque a gente não escondia nada! – a loira respondeu. – Eu sempre contei para vocês que gostava dele.
– E nem precisava. Dava para perceber – Alison falou. – Eu não entendo por que você não quer falar nada para nós, Amy. Para quem vai contar? Sem querer pressionar, mas já pressionando... Se a gente não fizer isso, você não fala!
– Não é como se eu amasse o cara, gente...
– É, mas acho que ele que gosta muito de você – Dani, que nesse tempo todo estava com o celular na mão, mostrou uma foto dos dois abraçados postada pelo em seu Instagram.
Abraçados! Não consegui deixar de rir do tom vermelho que Amy ficou ao ver a foto.
– Ele postou isso mesmo? – perguntei ainda surpresa. – Ele deve gostar tanto de você!
– Ele não fazia isso nem com a Megan – Alison entrou na conversa. – Acho que é sério então, hein?
– Sério? Gente, nós não estamos namorando!
– Claro que não – Chris falou, rindo.
– Quer dizer, eu acho que não... Eu não sei, ok? Nós estamos indo devagar.
– Não parece devagar – Chris ainda olhava para a foto em seu celular.
– Eu pedi para ele ir devagar.
– Por quê? – perguntei.
– É que...
– É difícil gostar de outra pessoa? – Ali completou e Amy parecia agradecida. Acho que era exatamente o que ela queria dizer.
E quem era a outra pessoa de quem ela gostava?
As meninas pareceram pensar o mesmo que eu e se entreolharam como se quisessem dizer algo.
Ok, era horrível ser nova ali e não saber de nada. Elas basicamente se falavam com o olhar e eu fiquei ali, com cara de paisagem e muito confusa.
– Não vai contar para ela? – Alison quase gritou.
– Claro que vou! – Amy respondeu, mas parecia mais querer dizer o contrário daquilo.
– Então eu digo! – Alison me olhou e abriu a boca.
– Não! Eu tenho que dizer!
– Mas, se você quisesse dizer, já teria dito. Meu Deus, ela está no nosso grupo há meses! – Christina começou.
– Amy namorou o há um tempo atrás – Ali cortou a breve discussão das duas, jogando aquela bomba.
Eu fiquei paralisada por um tempo. Ok, aquilo era a mesma coisa que dizer que o Kanye West estava namorando a Taylor Swift.
Tudo bem. Não era para tanto e a comparação era péssima, mas eu não tenho culpa se o encheu o saco no dia anterior falando sobre isso.
Mas em relação a Amy e ... Eles simplesmente se odiavam! Eu já tinha presenciado brigas o suficiente para tirar essas conclusões. Era como se nenhum dos dois conseguisse ficar no mesmo cômodo por mais de cinco minutos sem soltar alguma provocação para o outro. Para mim aqueles dois só se aguentavam, de certa forma, porque tinham muitos amigos em comum.
– Pensei que se odiassem – depois de uma breve reflexão sobre o assunto, eu só pensava que as meninas iriam anunciar que era tudo uma grande brincadeira.
– A gente não se odeia – ela se defendeu.
– Vocês vivem brigando!
– Não são brigas...
– Não?
– Não. Somos amigos.
– Se você diz...
– E é verdade – ela suspirou. – Foi meu primeiro namorado. E eu a dele. Nossos pais são amigos e somos vizinhos em Nashville – certo, aquilo era realmente uma novidade. Eu não sabia que eram vizinhos ou que eram tão amigos, tampouco tão íntimos. – Éramos melhores amigos, sabe? Mas, bem, acabou e hoje em dia mal conversamos como antigamente. Ele virou um idiota e isso é tudo que você precisa saber.
– Entendi – foi o que consegui dizer.
Mas eu ainda não conseguia imaginá-los juntos. Era como tentar combinar água e óleo. Nunca iriam se misturar. ria o tempo inteiro, fazia piadas e estava sempre de bom humor. Já Amy sempre estava concentrada e parecia querer achar lógica e seriedade em tudo que fazia. Mas tentei parar de pensar naquilo. Afinal de contas, eu não tinha nada a ver com a vida amorosa de nenhum deles e não queria julgar nenhum deles por isso.
“Não precisava contar, de verdade. Eu não queria me meter.”
– Você faz parte do grupo agora, . Ia ficar sabendo mais cedo ou mais tarde – ela deu de ombros.
Fiquei feliz em ouvir aquilo. É claro que eu já andava com elas fazia um tempo, mas ouvir delas que eu realmente fazia parte do grupo era muito bom.
E, como se fosse um aviso do universo, o próprio apareceu, perguntando sobre o que estávamos conversando – ok, ele estava acompanhado dos outros meninos.... Nós desconversamos o assunto e eles começaram a contar como havia sido o jogo.
O resto da noite passou rápido e Amy não falou mais nada sobre , e nós não perguntamos mais nada sobre o assunto.
Eu retiro o que eu disse. Não sentia falta da escola. Definitivamente, eu estava melhor assistindo a Breaking Bad do que estudando Química.
O professor passou vários assuntos e, no final da aula, deu um monte de deveres de casa para serem entregues na próxima semana. Ótimas primeiras semanas!
Quando o sinal tocou, eu tentei sair o mais rápido possível da sala – falhando miseravelmente por causa das muletas – e andar para a próxima aula: História.
Eu não era tão ruim nessa. Era uma das únicas que eu conseguia entender sem a ajuda de ninguém. A professora era maravilhosa e promovia mais debates do que passava deveres de casa ou trabalhos. Era particularmente sorridente e eu a adorava. Ela não havia chegado quando me sentei em minha carteira na última fila. A maioria dos alunos havia chegado, mas, quando o sinal parou de tocar e se passaram dez minutos sem ninguém aparecer, vi que tinha alguma coisa errada.
A porta se abriu devagar e a senhora Kunis entrou com sua costumeira maleta na mão. Porém, aquele não era um dia como os outros. Ela não entrou falando bom dia e com um sorriso no rosto. Obviamente eu e a turma inteira estranhamos o ato silencioso e um pouco triste com que ela entrou na sala. Nenhum aluno falou nada quando o silêncio se espalhou e todos prenderam a respiração quando ela se virou para a turma: estava péssima.
Seus olhos inchados e os cabelos malcuidados. Com certeza tinha passado por uma noite péssima ou nem dormido. Estava tão alheia aos acontecimentos ao seu redor que aparentemente nem se preocupou em cobrir o rosto com maquiagem como sempre fazia. Suas roupas não estavam arrumadas como costumavam estar.
Obviamente alguma coisa havia acontecido, mas ninguém ousou falar nada.
Com um sorriso forçado, ela pediu para que abríssemos o livro na página 74 e lêssemos sobre A Grande Depressão. É claro que aquele assunto nem estava no cronograma e não fazia o menor sentido com os assuntos que costumava passar no semestre anterior. Apenas pediu para que fizéssemos um resmuno e entregássemos no final da aula, o que era estranhíssimo. Ela não era esse tipo de professor que pedia resumos em vez de dar aula. Mas, quando ela se sentou na sua banca e começou a folhear suas folhas, eu percebi: nada de aulas incríveis hoje.
Eu iria abrir meu livro, como todos já estavam fazendo, se não fosse pelo o que eu vi.
Ali, bem do lado da senhora Kunis, estava alguém.
Morto, é claro.
Era uma mulher de cabelos longos e olhos expressivos. Tinha o rosto triste e olhava para a professora como se olhasse para alguém que estava em coma profundo.
Eu não consegui me concentrar no meu resumo, então escrevi qualquer coisa sobre A Crise de 1929 – eu duvidava que ela fosse ler – e então olhei para o fantasma. Ela parecia tão alheia ao ambiente que nem percebeu que eu a olhava.
Aquela era uma cena bem triste de se ver. Nunca a tinha visto tão abatida e, pelo rosto do fantasma, o luto era bem pesado. Talvez fosse um parente muito próximo da senhora Kunis.
Quando o sinal bateu – antes disso eu tentei chamar atenção do fantasma, mas ela não olhava para mim e, mesmo que olhasse, não iria adiantar muita coisa. Não iríamos bater um papo na frente da turma inteira – todos se levantaram basicamente na mesma hora, salvo eu que tinha dificuldades de andar com aquela coisa na perna, e entregaram seus resumos para a professora.
Ninguém falou nada, muito menos eu. Cheguei perto de sua mesa e, antes de colocar a folha nela, olhei para o fantasma que, assim que percebeu meu olhar significativo, seu olhar triste se multiplicou por dez.
Não entendi o que aconteceu quando saí da sala, demorando mais do que o normal para sair porque eu ainda queria olhar a cena. A professora parecia que iria ter um colapso a qualquer momento. Apostava que iria chorar assim que a última pessoa se retirasse da sala. Obviamente eu não fiquei para ver a cena.
– Pensando em alguém? – olhei assustada, procurando o dono da voz, e vi um rindo.
Não me culpe. Eu estava distraída.
– Sem piadinhas, por favor – entrei na sala e ele me seguiu.
– Está estressada?
– Não, mas queria que vocês parassem de zoar o Andrew. Ele é legal.
– Eu nem falei nada do cara! – ele gargalhou. – Olhe só quem está apaixonada! – eu estava começando a partilhar o sentimento de Amy de puro ódio ao .
– Tanto quanto você pela Amy – retruquei e ele fez cara de ofendido, mas depois começou a rir.
– Eu nem falei nada do cara! – repetiu e revirou os olhos. – Eu sabia que iriam lhe contar...
– Corte essa, – sentei-me em uma das cadeiras em que costumávamos sentar quando estávamos na sala do jornal. Amy ainda não havia chegado. – Contaram-me muitas coisas, na verdade – falei e tive o que queria: seus olhos se arregalaram. – Estou brincando. Soube o suficiente. Mas por quê? Tem alguma coisa que eu deva saber?
– Você anda demais com a Amy, sabia? Não está mais aqui quem falou, então.
– O que tem eu? – Amy chegou, colocando sua mochila em cima da mesa e se sentando ao meu lado.
– Nada – falei rápido. – Mas, hein, queria perguntar algo para vocês.
É claro que o fantasma na sala de História ainda não tinha saído da minha cabeça. Eu estava tão curiosa, e igualmente triste por ver a senhora Kunis naquele estado, que precisava saber o que estava acontecendo.
Eles me olharam com as sobrancelhas levantadas – e eu me limitei a comentar como eles estavam tão sincronizados fazendo aquilo.
“Por que a senhora Kunis está tão triste hoje?”
– Quem? – me olhou confuso.
– A professora de História, certo? Tivemos aula com ela uma vez, . Ela substituiu o senhor Perez – ele deu de ombros. – Eu a vi mais cedo. Estava péssima mesmo.
– Ela não deu aula hoje. Parecia ter, sei lá, chorado a noite inteira.
– Eu não sei muito sobre ela – Amy balançou a cabeça.
O resto daquela aula passou como um raio. Eu nem vi que era a hora do almoço, mas, quando eu olhei para Amy, ela já estava levantando.
Eram tantas dúvidas em minha cabeça sobre o fantasma: qual o parentesco com a senhora Kunis? O que ele fazia por lá? O que queria? O que faria...?
O resto da tarde, assim como o resto do dia, passou particularmente devagar. Eu não parei de pensar no ocorrido o dia inteiro e simplesmente não conseguia ligar os pontos. Era óbvio que algo bem ruim acontecera e, bem, aquele fantasma presente na sala da senhora Kunis comprovava tudo.
Eu não sabia como achá-la e, sinceramente, não fazia ideia do porquê de ela não vir pedir minha ajuda. Ok, é claro que nem todo fantasma está disposto a implorar ajuda de alguém vivo, e a irmã de foi um ótimo exemplo disso, mas essa era a minha função e eu não estava disposta a ir atrás da casa da professora para procurar um fantasma!
– Quem foi Alexandre Grande? – Christina perguntou.
Estávamos no quarto das meninas terminando alguns deveres. Fazíamos isso quando tinha muita coisa para entregar aos professores e tínhamos tempo no final do dia – parte também porque todas queriam a nossa melhor ferramenta estilo Google: Amy.
– Alexandre, o Grande!
– E faz diferença?
– Sim! Você não está falando de uma diva do pop e, sim, de um dos mais importantes reis da Grécia!
– Ok – ela voltou a atenção para os papéis à sua frente.
Eu não estava fazendo muito progresso nas minhas respostas em Química também.
– Pausa? – Alison perguntou quando terminou de fazer uma enorme anotação sobre sei lá o quê.
– Sim! – eu disse.
– Por favor!
– Minha cabeça está doendo – Christina se levantou e se sentou em uma das camas.
– Vocês são fracas – Amy disse, rindo. – Escute essa, : descobri o que aconteceu com a senhora Kunis.
– O que aconteceu com a senhora Kunis? – Ali perguntou confusa.
– Quem é senhora Kunis?
– Alguém morreu – quase quis responder: essa parte eu já sei! – Não sei o que era dela, mas ficou bem abalada. Eu fiquei com muita pena quando a vi no corredor hoje. Esqueci-me completamente das outras meninas. Aquela conversa parecia ser só eu e Amy. – Eu soube que ela pediu licença por uns dias. Parece estar realmente mal.
– Eu sei que vocês estão superamigas agora, mas será que podem contar o que está acontecendo? – Christina comentou, visivelmente chateada.
Contei rapidamente o que estava acontecendo e elas não pareciam saber mais que a gente.
– Deve ser a namorada dela – Dani comentou simplesmente e todas nós olhamos para ela com a expressão de “como você sabe disso?”. – Ela sempre vem aqui no final do dia para buscar a senhora Kunis. Eu as via quando estava no campus.
Seria muita coincidência se fosse ela?
– Mas, hein, por que tanto interesse na vida amorosa da professora de história?
Porque eu queria saber de onde vinha aquele fantasma.
Droga, eu odiava metê-las nesse tipo de coisa, mas em momentos como esse eu não tinha muita escolha.
– Porque achei estranho ela estar tão abatida – respondi simplesmente.
Não sei como aconteceu, porém todas acreditaram na minha desculpa. É claro que eu não queria que ela estivesse mal, mas o que importava mesmo era o porquê daquele fantasma estar ali.
O resto da noite passou com todo mundo, com exceção de Amy, reclamando das tarefas, mas tendo fazer mesmo assim. No final, não demorou muito para acabarmos e irmos para o nosso quarto.
Quando chegamos ao nosso quarto, eu me deitei na cama, exausta, e esperei as luzes se apagarem até cair em um sono profundo.
Tenho quase certeza de que eu estava tendo um encontro com Toby Regbo e que ele provavelmente iria dizer que me amava... Até eu sentir duas mãos me chacoalhando e eu, infelizmente, tive que acordar para a vida real. Choraminguei de frustração e levantei os olhos para ver um me olhando enraivecido. Eu não me levantei muito diferente dele.
– O que está pensando? – eu não estava feliz. Olhei para Amy e ela estava infinitamente melhor do que eu. Espero que no sonho dela ela tenha conseguido uns beijos com algum protagonista de algum seriado.
– Não estaria aqui se não fosse necessário! Você não sabe fazer o seu trabalho! – eu abri a boca para dizer alguma coisa, mas ele me interrompeu. – Tem uma mulher me importunando!
– Então aproveite, . Use suas cantadas de quando você era vivo e me deixe em paz! – ele ficou mais puto ainda quando voltei a deitar e me cobri com a coberta.
Não foi um empecilho para ele me chacoalhar de novo.
– Tudo bem, mas, quando ela destruir essa escola inteira, você não reclame!
– Quê? – perguntei, levantando-me atônita. – O que está acontecendo?
– Agora você quer saber? Bom, então a procure sozinha! – ele ia sumir com os braços cruzados. Revirei os olhos e disse:
– Por que ela não me procura?
– Porque, , eu não sei se você entendeu... – ele reapareceu. – Mas tem fantasma que realmente acha que eu sou seu secretário e...
– Eu realmente não poderia me importar menos – cortei sua fala. – Só quero saber onde ela está. E ok, , você pode não querer me dizer, mas ela vai continuar o incomodando, então acho melhor você começar a falar – eu disse aquilo tudo rápido demais para ele retrucar.
– Ela está nas piscinas – acho que ele se deu por vencido. – Não para de chorar. Aliás, ela grita! Faça alguma coisa antes que ela faça alguma merda!
Ele sumiu e apenas naquele momento me caiu a ficha: as piscinas. Como eu chegaria a elas? E, naquele momento, minha força também caiu e eu percebi que não conseguia ficar muito tempo em pé com apenas um pé no chão.
me dissera uma vez que a fiscalização dos alunos de madrugada era pesada e, se um dia eu quisesse ir para o quarto de algum garoto, eu teria que tomar muito cuidado. Eu ri imediatamente quando ele me falou isso. Jamais me arriscaria assim por um garoto e, além do mais, eu já tinha provado que eu conseguia andar pelo dormitório inteiro e aparentemente não havia ninguém nos corredores.
Certo, nos corredores do dormitório não havia ninguém. Eu não sei exatamente onde Katy dormia, ou se ela fazia vistorias de hora em hora, ou se tinha alguém fazendo isso no salão principal e em outros lugares.
Por acaso não havia câmeras, havia?
Olhei para a minha colega de quarto e não pude deixar de pensar em como deveria ser fácil não falar com os mortos.
– Mas o que diabos você ainda está fazendo aí? – voltou, mais irritado do que nunca, com os braços cruzados. Eu realmente queria entender por que ele estava tão irritado daquele jeito. – Aquela mulher vai destruir tudo, !
– Veja como fala! – ralhei. – Se você não sabe como é ser vivo, eu estou pensando em como chegar até lá sem que ninguém me veja!
– Ninguém vai ver você! Você anda tanto com essa menina de cabelos vermelhos e não aprende nada com ela? As câmeras andam falhando desde aquele incidente com os jogadores do outro time ou sei lá o quê! Agora, se você não se incomodar, será que pode se levantar e impedir que aquela mulher coloque essa escola abaixo? – ele estaria sem fôlego se ainda respirasse. Fechei a cara e me levantei, pegando as minhas muletas. Andei até ele e levantei meu dedo em seu peito.
– Você é um completo de um imbecil, ! – eu teria gritado se não estivesse com medo de Amy acordar. – Se eu ouvir mais alguma merda saindo da sua boca, vou socá-lo até você implorar para ir para a próxima vida! E eu vou fazer de tudo para levá-lo para lá o mais rápido possível! Não estou aqui para servir você, , muito menos para garantir que sua vida espiritual esteja em paz. Estou aqui para, agora a contragosto, ajudá-lo e vai ser apenas isso assim que você parar de agir como um idiota!
Saí do quarto o mais rápido que pude, com meu coração acelerado de tanta raiva e desejando que nunca mais visse em minha frente.
me deixava louca de raiva e aquele foi o estopim para eu pensar mil vezes se queria ajudá-lo ou não.
Essa história de ser mediadora me deixava fora do sério na maioria das vezes. Era com fantasmas como , que achavam que eu era algum tipo de servente, que eu desejava não ter esse tipo de dom – ou sei lá como deveria chamar. Era estressante e me trazia mais raiva do que qualquer outra coisa.
Tentei não pensar muito no assunto e andar até as piscinas que não eram exatamente perto. Na verdade, para o meu azar, era do outro lado do campus, então eu tive que andar muito até aquela parte.
Fui o mais rápido que pude, olhando para todos os lados com um medo terrível de que alguém estivesse por lá.
O lugar onde as piscinas ficavam era enorme, com algumas pequenas luzes ao redor e duas piscinas espaçosas.
– Cadê você? – sussurrei e olhei para as pequenas arquibancadas e para aquelas coisas que os nadadores usam para pular. Não havia ninguém.
– Ah! – um grito agudo ecoou nos meus ouvidos e eu olhei para os lados, procurando o som. – Você! Você!
Uma figura apareceu ao meu lado e eu demorei alguns segundos para perceber o que estava acontecendo: era o fantasma que eu vira mais cedo. Seu olhar, antes triste, agora era imensamente triste.
– Eu – tentei ser amigável, juro.
– Demorou.
– Não sou adivinha – ela andava de um lado para o outro. Acho que tinha a mesma idade que a senhora Kunis, mas era muito mais bonita. Alta e com os cabelos lisos e enormes
– Aquele seu amigo disse que eu tinha que falar com você. Por que exatamente? – ela parou com os braços cruzados.
– Porque é o que eu tenho que fazer.
– Então eu tenho que dizer o que quero? – afirmei com a cabeça e ela sorriu triste. Depois disso, voltou a andar de um lado para o outro e parecia querer gritar a qualquer momento novamente. – Sabe, eu não queria morrer.
– Certo, mas isso aí você não resolve comigo – eu já estava cansada de estar em pé.
– Não? Mas você disse que iria me ajudar! – ela gritou.
– E eu vou! Mas não desse jeito. Pense bem: talvez tenha algo que você quisesse fazer antes de morrer, não? Alguma coisa que deixou por fazer ou... Sei lá, alguém a quem você ainda deva alguma coisa.
Ela voltou a ficar triste. Ótimo, era tudo o que me faltava. Um fantasma melancólico que queria voltar a viver.
– Alguém... A Barb! Claro! – não comentei nada. Não sei se “Barb” era um nome realmente e se pertencia à senhora Kunis. – Quero falar com ela.
– Falar? Mas tem que ser assim? – eu não sabia como dizer aquilo. Parte porque eu tinha medo de que ela derrubasse o teto em minha cabeça e outra parte porque aquilo quebrava a ordem natural das coisas.
Veja bem, fantasmas podem falar com quem eles bem entenderem, mas é aí que mora o problema! Eles não podem sair por aí batendo um papo com qualquer um! É para isso que os mediadores servem, na verdade: para fazerem com que eles não importunem ninguém e sigam seu caminho em paz.
“Eu posso fazer por você. O que acha?”
– Fazer por mim? – ela franziu o cenho. – Você nem a conhece. Não como eu!
– Entendo, mas, bem, você não pode sair por aí falando com os vivos.
– Eu falo com você.
– Ok, mas isso é diferente. Ela está abalada. Vai querer que fique mais ainda? Ela nem está dando aulas.
– Como não? Ah, não! Isso não pode acontecer! Ensinar é o que ela mais gosta de fazer. Você tem que fazer algo! – ela chegou mais perto de mim. – Por favor! Não quero vê-la infeliz.
– Eu também não! – suspirei. – Você pode, hum, escrever alguma coisa. Como uma carta de despedida, daquelas que as pessoas escrevem antes de morrer. Talvez assim ela volte a ensinar.
Eu já tinha encontrado alguns fantasmas que fizeram isso. Na verdade, era uma alternativa muito boa. E acho que ela concordou comigo porque assentiu. Então pude ver que era disso que ela precisava para partir... E eu torci para ela realmente ir embora depois disso.
Amy e Christina estavam no jogo de futebol contra o Meinhardt. A primeira fazia a cobertura para o jornal. Já a segunda tinha ido seguida por suas quase-gêmeas que usavam pompons e saias que rodopiavam no ar.
Deixei meu livro de Física de lado e olhei o celular:
"Os meninos estão loucos. Acho que vão aprontar alguma."
"O que eles vão fazer?", enviei.
"Não sabemos.", Christina respondeu. "Mas achamos que vai ser algo no vestiário. Eles ainda não superaram aquele lance de vingança."
"Eles vão perder?", era a vez de Dani falar.
"Não mesmo. O jogo já está ganho. Até o pessoal do Meinhardt sabe, haha", Amy enviou.
"Eles vão entrar em campo daqui uma hora. Mais tarde falamos com vocês. xx", a outra mandou.
"Mande boa sorte para eles de todas nós", Alison falou. ", cadê você? Pensei que fosse ajudar a gente no trabalho de Sociologia", enviou seguida por muitas carinhas raivosas.
Guardei meu celular no bolso e me levantei, pegando meu livro e saindo da sala de jogos. Uma voz apareceu atrás de mim, fazendo-me pular de susto assim que comecei a andar.
Eu sabia quem era.
– Por Deus, . Pare de aparecer assim!
Para minha sorte, ou coincidência do momento, não tinha ninguém naquele corredor, mas eu ainda falava em sussurros para que ninguém que, eventualmente, aparecesse, ouvisse.
“Pare de aparecer assim em todos os lugares. Não quero parecer a estranha que fala sozinha.”
– Você se importa muito com isso, não? – ele ainda me seguia.
– Só não quero continuar a ser a fofoca dessa escola – eu já tinha virado a maçaneta da enorme porta do dormitório feminino nesse ponto da conversa. E eu nem sabia como tinha chegado tão rápido usando as muletas.
– Acho muito difícil deixar de ser.
– Pois é. Agora vá embora.
– ? – uma voz de alguém vivo soou atrás de mim. Virei rapidamente e me dei de cara com Katy. – Com quem está falando? – ela franziu o cenho, enquanto olhava para os lados.
– Ah – sorri amarelo e ouvi a gargalhada de atrás de mim. – Sozinha. Estou meio que ensaiando para apresentar um trabalho.
– Ei, essa mentira ficou muito boa – o garoto disse atrás de mim.
– Vocês têm cada uma... – Katy riu e me olhou um pouco séria.
Desde o meu acidente e a conversa com a diretora, eu suspeitava que ela tivesse contado alguma coisa para Katy. A monitora vivia me fazendo perguntas um pouco indiscretas sobre aonde eu ia e o que estava fazendo. Tudo por de baixo dos panos para que eu não desconfiasse, mas ela não era muito boa disfarçando. Depois de vários dias com olhares nada discretos quando eu entrava e saía do dormitório, ela foi, aos poucos, parando com as perguntas e olhares. Acho que – finalmente – tinha percebido que eu não faria nada de errado ali. Uma pena que a diretora também não tivesse essa certeza.
“Pode fazer um favor para mim?”, ela pegou uma caixa pequena que estava encostada à parede. “Pode entregar essa caixa para a senhorita Martinez?”
– Claro – peguei a caixa e me dirigi até as escadas, dando um tchauzinho para a mulher que, suspeito eu, ainda estava de olho em mim. – Agora você pode ir embora – falei para o espírito que ainda me seguia como se fôssemos amigos. – Agora, . Não quero você aparecendo quando eu estiver tão perto de alguém.
– Outch! – ele fechou a cara. – Então tá!
O rapaz uniu as sobrancelhas e parecia profundamente ofendido. O que ele queria? Que se juntasse aos meus amigos como se estivesse vivo? Ah, isso já tinha acontecido uma vez e foi bizarro o suficiente.
Abriu a boca para falar algo, mas desistiu no meio do caminho, sumindo logo em seguida. E eu fiquei tão triste com isso...
Eu não diria que o clima na Vineyard estava ameno naquele dia. Por ter um jogo de futebol acontecendo naquele exato momento, eu podia dizer que aquele era o motivo para todos estarem tão sumidos nos corredores. Por ser um grande evento ali, quando o jogo não era em Casa, os alunos se desdobravam para conseguirem saber as novidades do jogo que estava acontecendo.
Apesar de ainda não ser muito ligada em esportes, principalmente os que envolviam bola, e não entender muito aquele fanatismo, eu torcia muito para os meninos ganhassem – e até para , com um milagre, conseguir entrar em algum jogo.
E, assim como todos os outros alunos, Dani e Alison também estavam apreensivas. Quando eu entrei no quarto delas, estavam ao telefone pedindo para serem alertadas sobre o que estava acontecendo no jogo.
– Seria ótimo se eles respondessem, né... – Ali, que estava deitada na cama, mas se levantou quando eu entrei. – O que é isso aí?
– É seu – entreguei para Dani. – Katy mandou entregar.
– O que é? O que é? O que...? – a outra perguntou animada, chegando mais perto dela.
– Dá para ter calma? – ela revirou os olhos. – É um saco de maconha. O que mais seria?
– Aí! Outro desses... – ela falou quando Dani tirou o pote de tinta azul da caixa.
– Estou pensando em pintar meu cabelo todo. O que acha, ? – ela me olhou.
As pontas dos cabelos dela já estavam desbotando. Estava mais branco do que qualquer outra cor.
– Acho que vai ficar demais! Combina com você.
– Ela já quer fazer isso há muito tempo, mas nunca fez – Alison estava com o caderno nas mãos. – Ugh, eu odeio isso.
– Meu cabelo? – Dani perguntou ofendida.
– Sociologia? – falei na mesma hora.
– Não! Você sabe que eu amo seu cabelo – ela a olhou. – E, tudo bem, não sou a maior fã dessa matéria, mas estava falando do jogo. Odeio não estar me divertindo lá.
– Queria estar se divertindo com o Zac? – peguei-me falando. Era um cara do time de futebol de quem Alison falou uma vez, fazendo-a rir alto.
– Não posso negar isso, – ela me jogou o caderno no ar e eu quase o derrubei tentando pegá-lo. – Mas, hein, fale aí sobre esse cara que falou tanto sobre o Socialismo...
Depois de horas falando sobre a burguesia, proletariado e Karl Marx, as meninas concluíram o trabalho e eu tinha certeza de que não tirariam menos que dez. Alison me agradeceu até a minha última geração porque iria ajudar muito em sua nota. E, como se eu fosse a própria Amy Parker, não pude deixar de dar uma bronca nela por suas notas estarem tão baixas. Não queria que ela fizesse reforço no verão ou, no pior dos casos, reprovasse.
No começo da noite, depois de uma mensagem das meninas, nós soubemos que o jogo realmente estava ganho e que todos já estavam voltando. Não poderíamos estar mais felizes com o resultado e eu já imaginava como os meninos estavam felizes com o ocorrido.
Logo todos chegaram e estávamos todos – incluindo os jogadores e as líderes de torcida – reunidos no campus da escola. Era quase uma festa. A diferença era que teríamos que voltar para os quartos antes das onze. Todos estavam em festa, na verdade. A vitória do time embalou em risadas e conversas e todo mundo interagia.
O troféu estava lá, junto com o, até então, capitão do time, . Pude perceber, ao longe, os olhares entre ele e minha amiga.
– Como você pôde, ? Poderia ter sido expulso! – dei um soco em seu braço e ele fez uma careta de dor.
Eu tinha acabado de saber que os meninos colocaram uma meia vermelha na máquina de lavar do time rival, tornando todas as roupas brancas de seus adversários cor-de-rosa.
– Ninguém descobriu, . E não culpe só a mim!
– Você que teve a ideia! – olhei-o e ele riu.
– Eu mesmo, mas não me venha com essa porque eles mereceram!
Virei de costas para o garoto e andei em direção às meninas, que estavam sentadas em uma parte do campus.
– Ok, agora você pode desembuchar! – Chris gritou para Amy que ficou com as bochechas vermelhíssimas e muito irritada.
– Quê?
– Você sabe! Sobre o ... – respondeu e todas nós rimos de como ela fechou a cara para a outra. – Aquele gol foi para você mesmo?
– Uau, um gol? – perguntei surpresa. Sentei-me no chão, junto delas, com dificuldade por causa das muletas.
– É, um gol – ela me respondeu atônita. – Por que vocês não fizeram esse interrogatório com Christina e também?
– Porque a gente não escondia nada! – a loira respondeu. – Eu sempre contei para vocês que gostava dele.
– E nem precisava. Dava para perceber – Alison falou. – Eu não entendo por que você não quer falar nada para nós, Amy. Para quem vai contar? Sem querer pressionar, mas já pressionando... Se a gente não fizer isso, você não fala!
– Não é como se eu amasse o cara, gente...
– É, mas acho que ele que gosta muito de você – Dani, que nesse tempo todo estava com o celular na mão, mostrou uma foto dos dois abraçados postada pelo em seu Instagram.
Abraçados! Não consegui deixar de rir do tom vermelho que Amy ficou ao ver a foto.
– Ele postou isso mesmo? – perguntei ainda surpresa. – Ele deve gostar tanto de você!
– Ele não fazia isso nem com a Megan – Alison entrou na conversa. – Acho que é sério então, hein?
– Sério? Gente, nós não estamos namorando!
– Claro que não – Chris falou, rindo.
– Quer dizer, eu acho que não... Eu não sei, ok? Nós estamos indo devagar.
– Não parece devagar – Chris ainda olhava para a foto em seu celular.
– Eu pedi para ele ir devagar.
– Por quê? – perguntei.
– É que...
– É difícil gostar de outra pessoa? – Ali completou e Amy parecia agradecida. Acho que era exatamente o que ela queria dizer.
E quem era a outra pessoa de quem ela gostava?
As meninas pareceram pensar o mesmo que eu e se entreolharam como se quisessem dizer algo.
Ok, era horrível ser nova ali e não saber de nada. Elas basicamente se falavam com o olhar e eu fiquei ali, com cara de paisagem e muito confusa.
– Não vai contar para ela? – Alison quase gritou.
– Claro que vou! – Amy respondeu, mas parecia mais querer dizer o contrário daquilo.
– Então eu digo! – Alison me olhou e abriu a boca.
– Não! Eu tenho que dizer!
– Mas, se você quisesse dizer, já teria dito. Meu Deus, ela está no nosso grupo há meses! – Christina começou.
– Amy namorou o há um tempo atrás – Ali cortou a breve discussão das duas, jogando aquela bomba.
Eu fiquei paralisada por um tempo. Ok, aquilo era a mesma coisa que dizer que o Kanye West estava namorando a Taylor Swift.
Tudo bem. Não era para tanto e a comparação era péssima, mas eu não tenho culpa se o encheu o saco no dia anterior falando sobre isso.
Mas em relação a Amy e ... Eles simplesmente se odiavam! Eu já tinha presenciado brigas o suficiente para tirar essas conclusões. Era como se nenhum dos dois conseguisse ficar no mesmo cômodo por mais de cinco minutos sem soltar alguma provocação para o outro. Para mim aqueles dois só se aguentavam, de certa forma, porque tinham muitos amigos em comum.
– Pensei que se odiassem – depois de uma breve reflexão sobre o assunto, eu só pensava que as meninas iriam anunciar que era tudo uma grande brincadeira.
– A gente não se odeia – ela se defendeu.
– Vocês vivem brigando!
– Não são brigas...
– Não?
– Não. Somos amigos.
– Se você diz...
– E é verdade – ela suspirou. – Foi meu primeiro namorado. E eu a dele. Nossos pais são amigos e somos vizinhos em Nashville – certo, aquilo era realmente uma novidade. Eu não sabia que eram vizinhos ou que eram tão amigos, tampouco tão íntimos. – Éramos melhores amigos, sabe? Mas, bem, acabou e hoje em dia mal conversamos como antigamente. Ele virou um idiota e isso é tudo que você precisa saber.
– Entendi – foi o que consegui dizer.
Mas eu ainda não conseguia imaginá-los juntos. Era como tentar combinar água e óleo. Nunca iriam se misturar. ria o tempo inteiro, fazia piadas e estava sempre de bom humor. Já Amy sempre estava concentrada e parecia querer achar lógica e seriedade em tudo que fazia. Mas tentei parar de pensar naquilo. Afinal de contas, eu não tinha nada a ver com a vida amorosa de nenhum deles e não queria julgar nenhum deles por isso.
“Não precisava contar, de verdade. Eu não queria me meter.”
– Você faz parte do grupo agora, . Ia ficar sabendo mais cedo ou mais tarde – ela deu de ombros.
Fiquei feliz em ouvir aquilo. É claro que eu já andava com elas fazia um tempo, mas ouvir delas que eu realmente fazia parte do grupo era muito bom.
E, como se fosse um aviso do universo, o próprio apareceu, perguntando sobre o que estávamos conversando – ok, ele estava acompanhado dos outros meninos.... Nós desconversamos o assunto e eles começaram a contar como havia sido o jogo.
O resto da noite passou rápido e Amy não falou mais nada sobre , e nós não perguntamos mais nada sobre o assunto.
Eu retiro o que eu disse. Não sentia falta da escola. Definitivamente, eu estava melhor assistindo a Breaking Bad do que estudando Química.
O professor passou vários assuntos e, no final da aula, deu um monte de deveres de casa para serem entregues na próxima semana. Ótimas primeiras semanas!
Quando o sinal tocou, eu tentei sair o mais rápido possível da sala – falhando miseravelmente por causa das muletas – e andar para a próxima aula: História.
Eu não era tão ruim nessa. Era uma das únicas que eu conseguia entender sem a ajuda de ninguém. A professora era maravilhosa e promovia mais debates do que passava deveres de casa ou trabalhos. Era particularmente sorridente e eu a adorava. Ela não havia chegado quando me sentei em minha carteira na última fila. A maioria dos alunos havia chegado, mas, quando o sinal parou de tocar e se passaram dez minutos sem ninguém aparecer, vi que tinha alguma coisa errada.
A porta se abriu devagar e a senhora Kunis entrou com sua costumeira maleta na mão. Porém, aquele não era um dia como os outros. Ela não entrou falando bom dia e com um sorriso no rosto. Obviamente eu e a turma inteira estranhamos o ato silencioso e um pouco triste com que ela entrou na sala. Nenhum aluno falou nada quando o silêncio se espalhou e todos prenderam a respiração quando ela se virou para a turma: estava péssima.
Seus olhos inchados e os cabelos malcuidados. Com certeza tinha passado por uma noite péssima ou nem dormido. Estava tão alheia aos acontecimentos ao seu redor que aparentemente nem se preocupou em cobrir o rosto com maquiagem como sempre fazia. Suas roupas não estavam arrumadas como costumavam estar.
Obviamente alguma coisa havia acontecido, mas ninguém ousou falar nada.
Com um sorriso forçado, ela pediu para que abríssemos o livro na página 74 e lêssemos sobre A Grande Depressão. É claro que aquele assunto nem estava no cronograma e não fazia o menor sentido com os assuntos que costumava passar no semestre anterior. Apenas pediu para que fizéssemos um resmuno e entregássemos no final da aula, o que era estranhíssimo. Ela não era esse tipo de professor que pedia resumos em vez de dar aula. Mas, quando ela se sentou na sua banca e começou a folhear suas folhas, eu percebi: nada de aulas incríveis hoje.
Eu iria abrir meu livro, como todos já estavam fazendo, se não fosse pelo o que eu vi.
Ali, bem do lado da senhora Kunis, estava alguém.
Morto, é claro.
Era uma mulher de cabelos longos e olhos expressivos. Tinha o rosto triste e olhava para a professora como se olhasse para alguém que estava em coma profundo.
Eu não consegui me concentrar no meu resumo, então escrevi qualquer coisa sobre A Crise de 1929 – eu duvidava que ela fosse ler – e então olhei para o fantasma. Ela parecia tão alheia ao ambiente que nem percebeu que eu a olhava.
Aquela era uma cena bem triste de se ver. Nunca a tinha visto tão abatida e, pelo rosto do fantasma, o luto era bem pesado. Talvez fosse um parente muito próximo da senhora Kunis.
Quando o sinal bateu – antes disso eu tentei chamar atenção do fantasma, mas ela não olhava para mim e, mesmo que olhasse, não iria adiantar muita coisa. Não iríamos bater um papo na frente da turma inteira – todos se levantaram basicamente na mesma hora, salvo eu que tinha dificuldades de andar com aquela coisa na perna, e entregaram seus resumos para a professora.
Ninguém falou nada, muito menos eu. Cheguei perto de sua mesa e, antes de colocar a folha nela, olhei para o fantasma que, assim que percebeu meu olhar significativo, seu olhar triste se multiplicou por dez.
Não entendi o que aconteceu quando saí da sala, demorando mais do que o normal para sair porque eu ainda queria olhar a cena. A professora parecia que iria ter um colapso a qualquer momento. Apostava que iria chorar assim que a última pessoa se retirasse da sala. Obviamente eu não fiquei para ver a cena.
– Pensando em alguém? – olhei assustada, procurando o dono da voz, e vi um rindo.
Não me culpe. Eu estava distraída.
– Sem piadinhas, por favor – entrei na sala e ele me seguiu.
– Está estressada?
– Não, mas queria que vocês parassem de zoar o Andrew. Ele é legal.
– Eu nem falei nada do cara! – ele gargalhou. – Olhe só quem está apaixonada! – eu estava começando a partilhar o sentimento de Amy de puro ódio ao .
– Tanto quanto você pela Amy – retruquei e ele fez cara de ofendido, mas depois começou a rir.
– Eu nem falei nada do cara! – repetiu e revirou os olhos. – Eu sabia que iriam lhe contar...
– Corte essa, – sentei-me em uma das cadeiras em que costumávamos sentar quando estávamos na sala do jornal. Amy ainda não havia chegado. – Contaram-me muitas coisas, na verdade – falei e tive o que queria: seus olhos se arregalaram. – Estou brincando. Soube o suficiente. Mas por quê? Tem alguma coisa que eu deva saber?
– Você anda demais com a Amy, sabia? Não está mais aqui quem falou, então.
– O que tem eu? – Amy chegou, colocando sua mochila em cima da mesa e se sentando ao meu lado.
– Nada – falei rápido. – Mas, hein, queria perguntar algo para vocês.
É claro que o fantasma na sala de História ainda não tinha saído da minha cabeça. Eu estava tão curiosa, e igualmente triste por ver a senhora Kunis naquele estado, que precisava saber o que estava acontecendo.
Eles me olharam com as sobrancelhas levantadas – e eu me limitei a comentar como eles estavam tão sincronizados fazendo aquilo.
“Por que a senhora Kunis está tão triste hoje?”
– Quem? – me olhou confuso.
– A professora de História, certo? Tivemos aula com ela uma vez, . Ela substituiu o senhor Perez – ele deu de ombros. – Eu a vi mais cedo. Estava péssima mesmo.
– Ela não deu aula hoje. Parecia ter, sei lá, chorado a noite inteira.
– Eu não sei muito sobre ela – Amy balançou a cabeça.
O resto daquela aula passou como um raio. Eu nem vi que era a hora do almoço, mas, quando eu olhei para Amy, ela já estava levantando.
Eram tantas dúvidas em minha cabeça sobre o fantasma: qual o parentesco com a senhora Kunis? O que ele fazia por lá? O que queria? O que faria...?
O resto da tarde, assim como o resto do dia, passou particularmente devagar. Eu não parei de pensar no ocorrido o dia inteiro e simplesmente não conseguia ligar os pontos. Era óbvio que algo bem ruim acontecera e, bem, aquele fantasma presente na sala da senhora Kunis comprovava tudo.
Eu não sabia como achá-la e, sinceramente, não fazia ideia do porquê de ela não vir pedir minha ajuda. Ok, é claro que nem todo fantasma está disposto a implorar ajuda de alguém vivo, e a irmã de foi um ótimo exemplo disso, mas essa era a minha função e eu não estava disposta a ir atrás da casa da professora para procurar um fantasma!
– Quem foi Alexandre Grande? – Christina perguntou.
Estávamos no quarto das meninas terminando alguns deveres. Fazíamos isso quando tinha muita coisa para entregar aos professores e tínhamos tempo no final do dia – parte também porque todas queriam a nossa melhor ferramenta estilo Google: Amy.
– Alexandre, o Grande!
– E faz diferença?
– Sim! Você não está falando de uma diva do pop e, sim, de um dos mais importantes reis da Grécia!
– Ok – ela voltou a atenção para os papéis à sua frente.
Eu não estava fazendo muito progresso nas minhas respostas em Química também.
– Pausa? – Alison perguntou quando terminou de fazer uma enorme anotação sobre sei lá o quê.
– Sim! – eu disse.
– Por favor!
– Minha cabeça está doendo – Christina se levantou e se sentou em uma das camas.
– Vocês são fracas – Amy disse, rindo. – Escute essa, : descobri o que aconteceu com a senhora Kunis.
– O que aconteceu com a senhora Kunis? – Ali perguntou confusa.
– Quem é senhora Kunis?
– Alguém morreu – quase quis responder: essa parte eu já sei! – Não sei o que era dela, mas ficou bem abalada. Eu fiquei com muita pena quando a vi no corredor hoje. Esqueci-me completamente das outras meninas. Aquela conversa parecia ser só eu e Amy. – Eu soube que ela pediu licença por uns dias. Parece estar realmente mal.
– Eu sei que vocês estão superamigas agora, mas será que podem contar o que está acontecendo? – Christina comentou, visivelmente chateada.
Contei rapidamente o que estava acontecendo e elas não pareciam saber mais que a gente.
– Deve ser a namorada dela – Dani comentou simplesmente e todas nós olhamos para ela com a expressão de “como você sabe disso?”. – Ela sempre vem aqui no final do dia para buscar a senhora Kunis. Eu as via quando estava no campus.
Seria muita coincidência se fosse ela?
– Mas, hein, por que tanto interesse na vida amorosa da professora de história?
Porque eu queria saber de onde vinha aquele fantasma.
Droga, eu odiava metê-las nesse tipo de coisa, mas em momentos como esse eu não tinha muita escolha.
– Porque achei estranho ela estar tão abatida – respondi simplesmente.
Não sei como aconteceu, porém todas acreditaram na minha desculpa. É claro que eu não queria que ela estivesse mal, mas o que importava mesmo era o porquê daquele fantasma estar ali.
O resto da noite passou com todo mundo, com exceção de Amy, reclamando das tarefas, mas tendo fazer mesmo assim. No final, não demorou muito para acabarmos e irmos para o nosso quarto.
Quando chegamos ao nosso quarto, eu me deitei na cama, exausta, e esperei as luzes se apagarem até cair em um sono profundo.
Tenho quase certeza de que eu estava tendo um encontro com Toby Regbo e que ele provavelmente iria dizer que me amava... Até eu sentir duas mãos me chacoalhando e eu, infelizmente, tive que acordar para a vida real. Choraminguei de frustração e levantei os olhos para ver um me olhando enraivecido. Eu não me levantei muito diferente dele.
– O que está pensando? – eu não estava feliz. Olhei para Amy e ela estava infinitamente melhor do que eu. Espero que no sonho dela ela tenha conseguido uns beijos com algum protagonista de algum seriado.
– Não estaria aqui se não fosse necessário! Você não sabe fazer o seu trabalho! – eu abri a boca para dizer alguma coisa, mas ele me interrompeu. – Tem uma mulher me importunando!
– Então aproveite, . Use suas cantadas de quando você era vivo e me deixe em paz! – ele ficou mais puto ainda quando voltei a deitar e me cobri com a coberta.
Não foi um empecilho para ele me chacoalhar de novo.
– Tudo bem, mas, quando ela destruir essa escola inteira, você não reclame!
– Quê? – perguntei, levantando-me atônita. – O que está acontecendo?
– Agora você quer saber? Bom, então a procure sozinha! – ele ia sumir com os braços cruzados. Revirei os olhos e disse:
– Por que ela não me procura?
– Porque, , eu não sei se você entendeu... – ele reapareceu. – Mas tem fantasma que realmente acha que eu sou seu secretário e...
– Eu realmente não poderia me importar menos – cortei sua fala. – Só quero saber onde ela está. E ok, , você pode não querer me dizer, mas ela vai continuar o incomodando, então acho melhor você começar a falar – eu disse aquilo tudo rápido demais para ele retrucar.
– Ela está nas piscinas – acho que ele se deu por vencido. – Não para de chorar. Aliás, ela grita! Faça alguma coisa antes que ela faça alguma merda!
Ele sumiu e apenas naquele momento me caiu a ficha: as piscinas. Como eu chegaria a elas? E, naquele momento, minha força também caiu e eu percebi que não conseguia ficar muito tempo em pé com apenas um pé no chão.
me dissera uma vez que a fiscalização dos alunos de madrugada era pesada e, se um dia eu quisesse ir para o quarto de algum garoto, eu teria que tomar muito cuidado. Eu ri imediatamente quando ele me falou isso. Jamais me arriscaria assim por um garoto e, além do mais, eu já tinha provado que eu conseguia andar pelo dormitório inteiro e aparentemente não havia ninguém nos corredores.
Certo, nos corredores do dormitório não havia ninguém. Eu não sei exatamente onde Katy dormia, ou se ela fazia vistorias de hora em hora, ou se tinha alguém fazendo isso no salão principal e em outros lugares.
Por acaso não havia câmeras, havia?
Olhei para a minha colega de quarto e não pude deixar de pensar em como deveria ser fácil não falar com os mortos.
– Mas o que diabos você ainda está fazendo aí? – voltou, mais irritado do que nunca, com os braços cruzados. Eu realmente queria entender por que ele estava tão irritado daquele jeito. – Aquela mulher vai destruir tudo, !
– Veja como fala! – ralhei. – Se você não sabe como é ser vivo, eu estou pensando em como chegar até lá sem que ninguém me veja!
– Ninguém vai ver você! Você anda tanto com essa menina de cabelos vermelhos e não aprende nada com ela? As câmeras andam falhando desde aquele incidente com os jogadores do outro time ou sei lá o quê! Agora, se você não se incomodar, será que pode se levantar e impedir que aquela mulher coloque essa escola abaixo? – ele estaria sem fôlego se ainda respirasse. Fechei a cara e me levantei, pegando as minhas muletas. Andei até ele e levantei meu dedo em seu peito.
– Você é um completo de um imbecil, ! – eu teria gritado se não estivesse com medo de Amy acordar. – Se eu ouvir mais alguma merda saindo da sua boca, vou socá-lo até você implorar para ir para a próxima vida! E eu vou fazer de tudo para levá-lo para lá o mais rápido possível! Não estou aqui para servir você, , muito menos para garantir que sua vida espiritual esteja em paz. Estou aqui para, agora a contragosto, ajudá-lo e vai ser apenas isso assim que você parar de agir como um idiota!
Saí do quarto o mais rápido que pude, com meu coração acelerado de tanta raiva e desejando que nunca mais visse em minha frente.
me deixava louca de raiva e aquele foi o estopim para eu pensar mil vezes se queria ajudá-lo ou não.
Essa história de ser mediadora me deixava fora do sério na maioria das vezes. Era com fantasmas como , que achavam que eu era algum tipo de servente, que eu desejava não ter esse tipo de dom – ou sei lá como deveria chamar. Era estressante e me trazia mais raiva do que qualquer outra coisa.
Tentei não pensar muito no assunto e andar até as piscinas que não eram exatamente perto. Na verdade, para o meu azar, era do outro lado do campus, então eu tive que andar muito até aquela parte.
Fui o mais rápido que pude, olhando para todos os lados com um medo terrível de que alguém estivesse por lá.
O lugar onde as piscinas ficavam era enorme, com algumas pequenas luzes ao redor e duas piscinas espaçosas.
– Cadê você? – sussurrei e olhei para as pequenas arquibancadas e para aquelas coisas que os nadadores usam para pular. Não havia ninguém.
– Ah! – um grito agudo ecoou nos meus ouvidos e eu olhei para os lados, procurando o som. – Você! Você!
Uma figura apareceu ao meu lado e eu demorei alguns segundos para perceber o que estava acontecendo: era o fantasma que eu vira mais cedo. Seu olhar, antes triste, agora era imensamente triste.
– Eu – tentei ser amigável, juro.
– Demorou.
– Não sou adivinha – ela andava de um lado para o outro. Acho que tinha a mesma idade que a senhora Kunis, mas era muito mais bonita. Alta e com os cabelos lisos e enormes
– Aquele seu amigo disse que eu tinha que falar com você. Por que exatamente? – ela parou com os braços cruzados.
– Porque é o que eu tenho que fazer.
– Então eu tenho que dizer o que quero? – afirmei com a cabeça e ela sorriu triste. Depois disso, voltou a andar de um lado para o outro e parecia querer gritar a qualquer momento novamente. – Sabe, eu não queria morrer.
– Certo, mas isso aí você não resolve comigo – eu já estava cansada de estar em pé.
– Não? Mas você disse que iria me ajudar! – ela gritou.
– E eu vou! Mas não desse jeito. Pense bem: talvez tenha algo que você quisesse fazer antes de morrer, não? Alguma coisa que deixou por fazer ou... Sei lá, alguém a quem você ainda deva alguma coisa.
Ela voltou a ficar triste. Ótimo, era tudo o que me faltava. Um fantasma melancólico que queria voltar a viver.
– Alguém... A Barb! Claro! – não comentei nada. Não sei se “Barb” era um nome realmente e se pertencia à senhora Kunis. – Quero falar com ela.
– Falar? Mas tem que ser assim? – eu não sabia como dizer aquilo. Parte porque eu tinha medo de que ela derrubasse o teto em minha cabeça e outra parte porque aquilo quebrava a ordem natural das coisas.
Veja bem, fantasmas podem falar com quem eles bem entenderem, mas é aí que mora o problema! Eles não podem sair por aí batendo um papo com qualquer um! É para isso que os mediadores servem, na verdade: para fazerem com que eles não importunem ninguém e sigam seu caminho em paz.
“Eu posso fazer por você. O que acha?”
– Fazer por mim? – ela franziu o cenho. – Você nem a conhece. Não como eu!
– Entendo, mas, bem, você não pode sair por aí falando com os vivos.
– Eu falo com você.
– Ok, mas isso é diferente. Ela está abalada. Vai querer que fique mais ainda? Ela nem está dando aulas.
– Como não? Ah, não! Isso não pode acontecer! Ensinar é o que ela mais gosta de fazer. Você tem que fazer algo! – ela chegou mais perto de mim. – Por favor! Não quero vê-la infeliz.
– Eu também não! – suspirei. – Você pode, hum, escrever alguma coisa. Como uma carta de despedida, daquelas que as pessoas escrevem antes de morrer. Talvez assim ela volte a ensinar.
Eu já tinha encontrado alguns fantasmas que fizeram isso. Na verdade, era uma alternativa muito boa. E acho que ela concordou comigo porque assentiu. Então pude ver que era disso que ela precisava para partir... E eu torci para ela realmente ir embora depois disso.
Capítulo 10 - O segredo de...
– Descobri o seu segredo! – disse ao aparecer em minha frente quando eu me dirigia para o refeitório.
Demorei um pouco, depois de um leve susto, para entender do que ele estava falando.
Arregalei os olhos e me vi sem fala.
Ele sabia.
No fundo, eu temia que aquele dia chegasse, mas nunca conseguiria pensar em uma reação para sair daquilo.
Não achei que seria tão rápido. Sempre fui tão cuidadosa para as pessoas não perceberem que eu “falava sozinha” ou “via alguém que ninguém mais via”, e eu, honestamente, nunca havia pensado em uma desculpa para que alguém me questionasse aquele tipo de coisa.
Então , com um sorrisão no rosto e com sua mochila nas costas, anuncia que já descobriu tudo. Vi-me completamente sem resposta e qualquer reação que eu fizesse provavelmente seria tratada como louca.
“Por que você nunca contou?! É tão legal!”
– Não é uma coisa que eu saio espalhando, .
Foi o que saiu de mim depois de pensar no que ele acabara de falar. Não sei o que as pessoas veem em filmes ou histórias de fantasmas, mas não tinha um dia que eu não me reclamasse por conseguir ver todos eles. Ver pessoas pagarem ingressos caríssimos de cinema para ver um ator fantasiado assombrar uma casa era bizarro, na minha opinião. Principalmente porque eu sabia como eles eram realmente e o que as pessoas achavam que era entretenimento era o motivo de todas as minhas lamentações.
Nunca, em toda a minha vida, eu acharia aquilo legal.
– Sabe, eu deveria ter ligado os pontos antes. Quando você disse que era de Nova York, eu não cheguei a perguntar se você já tinha ido lá. Mais cedo, quando eu olhava na internet, vi fotos dela e...
– Quê? – interrompi-o quando não entendi mais nada de aonde aquela conversa estava chegando. – Do que está falando?
– Da sua mãe! – ele estava realmente muito animado com aquilo. – Por que nunca falou que ela cantava na Broadway?
Murchei totalmente com o real rumo daquela conversa, que agora me fazia lembrar dela e da minha vida em Nova York.
Minha mãe era famosa. Eu odiava aquela palavra porque só tornava tudo esquisito, então preferia dizer que ela era uma artista. Com vinte e cinco anos, ela estrelou seu primeiro musical na Broadway e logo depois ficou grávida de mim. Talvez seu desgosto por mim venha do fato de que ela teve que parar por algum tempo para cuidar da gravidez. Ou talvez porque eu nunca tive aptidão para esse tipo de coisa e não entendia muito do meio no qual ela trabalhava. Não que tudo isso fizesse alguma diferença agora, pois minha mãe nunca esteve tão bem em sua profissão.
“Não acredito que você é filha da Tara .”
Era só o que me faltava: um tiete da minha mãe no meu núcleo de amizades.
– Obrigada. Ela iria ficar... – gaguejei. – Agradecida com o elogio – dei o sorriso mais falso que pude. – Mas não comente isso com muita gente, ok? Eu não gosto – ele pareceu intimamente triste com isso.
– Por quê? Eu nunca conheci ninguém que realmente foi para lá.
– , eu não ia em todas as apresentações dela e nem ao menos pisava nos bastidores – ele estava realmente decepcionado. – Não espalhe, ok?
– Ok – ele deu de ombros, mas ainda parecia inconformado, e andamos até a nossa mesa. Chegamos à mesa e estavam todos lá... Inclusive ! Adorei vê-lo ali – principalmente pela cara que estava fazendo com a cena.
– E aí? – falei e todos responderam de formas diferentes.
– Gente, vocês não vão acreditar: a mãe da é a Tara ! – ele disse sorridente, sentando-se ao lado de Dani que olhou para mim incrédula.
– Obrigada, . Era desse jeito mesmo que eu queria que você não contasse para ninguém! – agora não tinha mais o que fazer.
– Por que nunca contou? Céus, , é a Broadway! – o gato que sempre comia a língua de Dani e fazia com que ela quase nunca falasse parecia não ter feito seu trabalho hoje. Azar o meu, não?
– Por que vocês têm tanto conhecimento do pessoal da Broadway? Não é como se fossem artistas de Hollywood.
– sabe de cor todas as cantoras de lá e, se bobear, sabe todas as cantoras do pop também – comentou e eu ri.
– Com todo respeito à rainha da música pop, Beyoncé, eu só tenho a dizer que eu só admiro o que é realmente bom.
– Como você, é melhor que todo mundo por isso, hein? – Ali comentou, jogando um pedaço de uma batata no menino que respondeu com um “vou pegar a minha comida” e se levantou. Ao menos ele completou dizendo que iria trazer alguma coisa para mim também.
– , esse é – Amy apontou para o menino e eu fiquei me perguntando se era possível realmente ter apenas quinze anos e ser musculoso daquele jeito.
Olhei para , que estava imitando Amy falando discretamente, e eu tive que me segurar para não rir de deboche dele.
– E aí, ? Soube que você também é o número um em Química, hein?! Parece que alguém está quase roubando o lugar de Amy.
– Isso seria realmente legal de ver – comentou e a garota revirou os olhos. Tive que pensar o quanto era perigoso os dois estarem tão perto um do outro naquela mesa.
– Não é nada de mais – ele deu de ombro. – Não é como se eu fosse maravilhoso em todas as outras matérias. Mas e aí, gostando da Vineyard? Ouvi falar dos seus inúmeros acidentes.
– É, aparentemente é pelo que eu sou famosa por aqui.
era um cara legal. Ele era bem reservado, não falava tanto quanto os outros meninos, mas, pelo que pude notar, ele e os meninos tinham muitas coisas em comum. falara uma vez que nenhum deles tinha proximidade com . Bem, devo dizer que depois do horário do almoço eles embarcaram em uma conversa sobre sei lá o que e até se esqueceram da minha presença e das meninas. Christina ficou irritadíssima com e eu achei hilário já estar tão amigo de em questão de minutos.
Quando o sinal no final do dia tocou, eu andei até a quadra, onde seria o treino dos meninos. Como toda boa terça-feira, aquele dia depois da aula nós cinco nos sentávamos para ver o treino deles.
As meninas não estavam lá. Olhei para o campo e vi que o treino já havia começado. Ao longe, percebi que os quatro interagiam. Aparentemente, eu não seria mais a novata do grupo.
Resolvi me sentar perto do campo, encostada à parede de um dos prédios da escola. Talvez elas aparecessem daqui a pouco.
– ?! O que faz aqui sozinha? – alguns minutos se passaram até a figura esguia de Andy aparecer em minha frente.
– Recuperando-me da aula, eu acho – ele riu. – E também porque eu não faço ideia de onde minhas amigas estão – dei de ombros. – Sente aí.
Ele fez o que eu falei.
– Como vão as coisas? – perguntou subitamente, olhando para frente.
Nunca entendi o medo que Andrew tinha de falar comigo. Ele sempre gaguejava, pensava muito antes de falar, enquanto eu sempre tentava inclui-lo em alguma conversa comigo. Não sabia dizer se ele gostava de mim como os meninos falaram, mas eu não podia ser tão assustadora assim. Podia?
– Tudo bem. E com você?
– Estou bem. Ouvindo muito falar de você por aí.
– Ainda isso? – coloquei as mãos no rosto, um pouco cansada daquele assunto. Sempre que estávamos juntos, ele falava sobre aquilo e só agora havia percebido o quanto aquilo me enchia o saco.
– Você anda com a Wright. O que você esperava?
– Andar com ela faz alguma diferença? – levantei as sobrancelhas e ele olhou diretamente para mim pela primeira vez.
– Você sabe que as pessoas consequentemente sabem quem você é por causa disso – revirei os olhos.
Grande coisa. Meus amigos eram completamente normais, comparados às outras pessoas que estavam ali, e eu jamais iria entender aquela curiosidade que as pessoas tinham na vida de alguns estudantes.
"Também tem toda essa coisa de você vir de Nova York."
– Ah, é? – aquilo era uma novidade. Chato, mas ainda uma novidade. Ninguém nunca havia comentado aquilo comigo.
– Você anda por aí de All Star e com um casaco de couro. É diferente da maioria das meninas que moram em Beverly Hills e esse tipo de coisa.
Eu estava quase morrendo de tédio com aquela conversa. Pior do que falar dos meus amigos, era falar que eu era diferente por usar meu casaco preferido. Lembrei-me dos cinco segundos de anonimato que eu tive quando cheguei ali e morri de saudades.
"Desculpe", soltou quando percebeu que eu fiquei em silêncio. Não respondi nada. Apenas olhei de relance para Andy.
Mal lembrava como tínhamos ficado amigos, mas uma coisa que eu pude ter certeza naquele momento era que, apesar de tudo, Andrew era um típico estudante da Vineyard, que achava superlegal conversar com a galera conhecida por todo mundo e morria de vergonha de conversar com algumas garotas.
– Tudo bem – não estava.
E foi aí que ele me olhou e disse, mais nervoso do que um dia eu lembrava de tê-lo visto: – , será que eu...
Havia poucas coisas que me deixavam sem fala ou sem reação e aquela era, sem dúvidas, uma delas.
Eu nunca tive muitas experiências. Não é o tipo de coisa que eu fazia em Nova York. Uma vez, em uma viagem à Nova Jersey, meu primo fez uma festa no seu aniversário. Eu tinha recém feito catorze anos e todas as pessoas do evento eram mais velhas do que eu. É claro que fiquei entediada... Até encontrar o irmão mais novo de um dos amigos dos meus primos. Ele era legal, mas falava muito sobre alienígenas e de como a dominação do planeta já estava acontecendo, deixando-me totalmente desinteressada. Não me lembro do que aconteceu no restante do dia. Só sei que, ao se despedir de mim, o garoto me roubou um beijo e saiu correndo. Fiquei puta da vida e o xinguei de todos os nomes que pude encontrar. Eu não estava preparada e ele fazer aquilo sem meu consentimento me deixou atordoada. Essa foi minha única interação desse tipo com meninos.
Em algumas de minhas fugas de casa para correr atrás de fantasmas, eu encontrava algum menino e às vezes trocávamos olhares, mas era só. E eu também não sabia dizer o que isso significava.
As pessoas de Nova York me achavam esquisita. Essa era a verdade. Eu sempre me metia em problemas e nenhum vizinho meu queria se relacionar comigo.
E então chegamos ao dia em que um menino queria realmente me beijar. Andrew estava ali do meu ladinho e eu tenho certeza de que eu estava com a maior cara de idiota que eu podia fazer naquele momento.
– Andy, eu...
– Eu sei que não gosta de mim assim, – ele completou, mas não estava triste. – Você é legal comigo e tudo, gosta da minha presença, mesmo eu não fazendo parte do seu grupo.
– Mas eu não gosto disso. Você sabe – eu queria realmente que ele entendesse aquilo, mas aparentemente não iria.
– Sei. Por isso as pessoas vão continuar falando de você. É a mais diferente deles.
E foi aí que ele me beijou.
Foi melhor que o beijo do menino quando eu tinha catorze anos, mas também não foi grande coisa. Andy sabia usar a língua, coisa que o menino de catorze anos nunca iria saber fazer.
Eu não tinha força para segurá-lo como ele fazia com a minha cintura, porque agora ele tinha se virado totalmente para mim. Sua mão estava nos meus cabelos e a minha, no seu pescoço. Não sei quanto tempo ficamos ali e quanto tempo demorei para empurrá-lo e tentar me levantar, segurando-me na parede. Andy não tinha entendido nada. Olhou para mim com os lábios vermelhos e cenho franzido quando soltei um:
– Tenho que ir.
Naquele momento, eu tinha refletido que Andrew nunca gostaria de mim pelo que eu era e que ele nem sabia quem eu era realmente. E eu não podia me enganar e dizer que eu gostava dele ou tentar ter algo, porque eu realmente não queria. E eu havia entendido que ele queria algo de mim naquele momento.
Ouvi-o dizer um “tchau” e virei minhas costas, arrastando minhas muletas, sem olhar para trás. De repente, tinha ficado mais quente e tenho certeza de que minhas bochechas estavam vermelhíssimas, assim como sempre ficavam quando estava envergonhada.
Fui em direção ao dormitório feminino. Não sabia se as meninas estavam lá, mas era melhor checar. Sentia que eu precisava, urgentemente, contar aquilo para elas.
Desliguei o chuveiro, agarrando a toalha e colocando meu pijama do Mickey logo em seguida. A pior parte de tomar banho com a minha perna naquele estado era que eu tinha que ficar em pé sem as muletas – a essa altura do campeonato eu já estava melhor nisso – e tomar cuidado para não mexê-las demais.
Olhei para o teto do banheiro feminino, que era muito alto e dourado para combinar com as paredes. Tudo ali era gigante para suportar todas as meninas que estudavam ali e talvez eu fosse um pouco sortuda em entrar naquele banheiro no começo da noite e não encontrar ninguém.
Era uma noite bem fria em Sonoma. Por isso coloquei meu casaquinho por cima do meu pijama quando abri a porta do box, mas eu parei assim que me virei para a porta enorme de saída. Porque tinha alguém lá. Alguém que não estava vivo. Alguém me olhando. Alguém que eu conhecia.
.
Minhas bochechas ficaram vermelhas por reflexo da vergonha que eu sentia naquele momento, ao imaginar há quanto tempo ele estava ali no banheiro feminino.
– Pode se explicar? – perguntei depois que o vi sério. Ele não debochou, não fez piada, não me tirou do sério, mas também não falou nada.
Depois daquele episódio no meu quarto, eu não queria vê-lo nem pintado de ouro. Mas ele estava ali, bem na minha frente, e não pude deixar de sentir raiva.
“Uma coisa é você estar no meu quarto, . Outra coisa é você entrar no banheiro feminino! Não achei que fosse pervertido assim. Sei que você sempre aparece no meu quarto e ainda tem a Amy...”
– , não é nada disso! – aproximou-se e eu só pude me afastar. – Não estava a olhando tomar banho, se é isso que está pensando...
– É difícil de acreditar.
– Você está irritada?
– Tem como não ficar perto de você? – ele estreitou os olhos e arregalou logo em seguida. A sua atenção estava em algo atrás de mim e ele estava até assustado – ou só surpreso mesmo.
– Ela veio até aqui... – ele disse bem baixinho.
Então olhei para trás. E, para a minha surpresa, alguém estava lá também. Era a namorada da senhora Kunis.
Gelei. Como ela podia estar aqui se eu já a tinha mandado embora?
Era quase como se ela tivesse lido minha mente, porque foi sua vez de falar.
– Como pôde deixá-la pedir demissão? – ela estava irritada. Dava para perceber. Seus olhos praticamente flamejavam e estavam cravados em mim.
– Mas eu... – tentei falar, mas ela me interrompeu.
– Pensei que era o seu trabalho fazer isso.
– Meu trabalho é ajudá-la a cumprir o que você ainda tem pendente aqui na Terra.
– O que eu tenho aqui na Terra é ela. Sempre vai ser ela.
– A culpa não é minha se você morreu – tentei falar o mais calma que pude.
Fantasmas que se achavam os donos do mundo e que podiam fazer o que quisessem e pedir o que quisessem. Poxa, eles estavam mortos. Não deveriam nem estar por aqui!
– Você disse que iria me ajudar! – esbravejou e dei um passo para trás como reflexo.
– O problema é que eu ainda não tenho a habilidade de ressuscitar os mortos! – falei sarcástica e me arrependi logo em seguida.
A raiva dela apenas aumentou. Olhou-me com tanto desgosto que eu poderia jurar que estaria morta em dois segundos. Também porque as portas dos banheiros começaram a chacoalhar de leve. Eu dei dois passos para trás e engoli em seco.
– Sabia que tinha sido um erro confiar. Você não passa de uma adolescente! Quantos anos tem? Catorze? Como fui tola de achar que você resolveria os meus problemas! Você ainda nem começou a ter os seus!
Os pregos que prendiam as portas começaram a sair das dobradiças. Como intuito, olhei para os meus pés, pronta para correr a qualquer momento. Aquilo já havia acontecido comigo tantas vezes que o meu primeiro reflexo era dar as costas para o espírito-todo-poderoso e correr o máximo que eu conseguia.
Mas, ao olhar para baixo, o desespero me consumiu. Eu não podia correr. As portas estavam quase saindo do lugar e meu coração estava cada vez mais disparado. A cada passo que eu dava para trás, com as minhas muletas, ela dava um para frente. Eu estava encurralada, prestes a ser esmagada por uma porta.
Que jeito maravilhoso de morrer, não?
Eu não vi a hora que a porta voou em minha direção. Apenas ouvi o estrondo. Joguei-me no chão e coloquei as mãos no rosto – como se isso fosse me ajudar de alguma forma – e esperei a morte chegar.
Mas ela não chegou, porque eu não senti nada. Aliás, não fazia ideia de se tinha morrido. Fiquei imaginando se a morte realmente não tinha dor...
Tirei minhas mãos do rosto e olhei ao redor. Ela não estava mais lá e a porta não estava muito longe de mim.
Foi tudo tão rápido. Eu não conseguia raciocinar nem levantar por causa da minha perna.
– Você está bem? – eu tinha esquecido completamente que ele estava ali. me olhava preocupado e eu o olhei da mesma forma quando percebi o seu estado: estava péssimo. Sua mão direita pressionava seu ombro, visivelmente machucado.
É claro que fantasmas não se machucavam, mas, como aquelas histórias de zumbis, a dor era como uma lembrança ou reflexo de quando eles estavam vivos. Ao menos essa era a minha teoria.
havia me salvado.
– Estou – respondi meio incerta. – Mas você não está muito...
– Vai parar de doer – ele fazia cara de dor. – Só não sei quando.
– Sinto muito.
– Tudo bem. Ela iria matar você se eu não fizesse isso.
Não consegui raciocinar o que aquela frase significava.
– Para onde será que ela foi? – olhei ao redor, procurando a fantasma, mas ela não estava em lugar nenhum.
– Ela deve ter achado que você morreu e foi embora.
Ao dizer isso, ouvi o barulho da saída do banheiro feminino.
Ah, não. Eu estava tão incrivelmente ferrada.
– Preciso sair daqui – sussurrei. Eu não podia, nem em sonhos, me meter na sala da diretora outra vez. Eu não sabia nem como explicar aquela situação. Acho que meu estoque de desculpas não conseguiria inventar algo para aquilo.
se levantou com pressa, andou em direção à minha muleta e voltou para mim, fazendo algo que eu nunca imaginei que fizesse:
Ele estendeu a mão.
Lembrei de nosso último encontro e não consegui vetar o sentimento de ingratidão de minha parte por ter sido uma vaca com ele.
– O que está fazendo? – perguntei, olhando para ele e suas sobrancelhas curvadas. As mãos dele eram maiores do que eu pensava, diga-se de passagem, e eu nunca havia reparado nelas realmente.
– Oferecendo uma mão. Não vai aceitar?
Então segurei nela e ele me puxou, deixando-me em pé. Tive que me segurar em seu ombro até que ele me entregasse uma muleta.
– Obrigada – saiu mais como um sussurro.
E eu não me lembro de alguma vez ter ficado tão perto dele.
– De nada, mas acho melhor você pensar em um jeito de sair daqui – lembrou, enquanto eu pegava a minha nécessaire que havia caído enquanto tudo acontecia.
apontou para box do banheiro mais próximo. Não pensei duas vezes em entrar nele e me encolher para que ninguém me encontrasse. entrou comigo, como se precisasse se esconder, e parecia tão concentrado em ouvir o que estava acontecendo quanto eu.
Depois de um tempo, aconteceu outro barulho na porta e eu estava me corroendo por dentro de curiosidade para saber se ainda tinha alguém ali, se eu já podia sair... , então, desapareceu e reapareceu em questão de segundos, dando-me um belo de um susto.
– Ela foi chamar alguém. É melhor você correr, se conseguir – avisou e eu assenti, andando como eu conseguia em direção à saída o mais rápido que podia, torcendo para que ninguém me pegasse.
Demorei um pouco, depois de um leve susto, para entender do que ele estava falando.
Arregalei os olhos e me vi sem fala.
Ele sabia.
No fundo, eu temia que aquele dia chegasse, mas nunca conseguiria pensar em uma reação para sair daquilo.
Não achei que seria tão rápido. Sempre fui tão cuidadosa para as pessoas não perceberem que eu “falava sozinha” ou “via alguém que ninguém mais via”, e eu, honestamente, nunca havia pensado em uma desculpa para que alguém me questionasse aquele tipo de coisa.
Então , com um sorrisão no rosto e com sua mochila nas costas, anuncia que já descobriu tudo. Vi-me completamente sem resposta e qualquer reação que eu fizesse provavelmente seria tratada como louca.
“Por que você nunca contou?! É tão legal!”
– Não é uma coisa que eu saio espalhando, .
Foi o que saiu de mim depois de pensar no que ele acabara de falar. Não sei o que as pessoas veem em filmes ou histórias de fantasmas, mas não tinha um dia que eu não me reclamasse por conseguir ver todos eles. Ver pessoas pagarem ingressos caríssimos de cinema para ver um ator fantasiado assombrar uma casa era bizarro, na minha opinião. Principalmente porque eu sabia como eles eram realmente e o que as pessoas achavam que era entretenimento era o motivo de todas as minhas lamentações.
Nunca, em toda a minha vida, eu acharia aquilo legal.
– Sabe, eu deveria ter ligado os pontos antes. Quando você disse que era de Nova York, eu não cheguei a perguntar se você já tinha ido lá. Mais cedo, quando eu olhava na internet, vi fotos dela e...
– Quê? – interrompi-o quando não entendi mais nada de aonde aquela conversa estava chegando. – Do que está falando?
– Da sua mãe! – ele estava realmente muito animado com aquilo. – Por que nunca falou que ela cantava na Broadway?
Murchei totalmente com o real rumo daquela conversa, que agora me fazia lembrar dela e da minha vida em Nova York.
Minha mãe era famosa. Eu odiava aquela palavra porque só tornava tudo esquisito, então preferia dizer que ela era uma artista. Com vinte e cinco anos, ela estrelou seu primeiro musical na Broadway e logo depois ficou grávida de mim. Talvez seu desgosto por mim venha do fato de que ela teve que parar por algum tempo para cuidar da gravidez. Ou talvez porque eu nunca tive aptidão para esse tipo de coisa e não entendia muito do meio no qual ela trabalhava. Não que tudo isso fizesse alguma diferença agora, pois minha mãe nunca esteve tão bem em sua profissão.
“Não acredito que você é filha da Tara .”
Era só o que me faltava: um tiete da minha mãe no meu núcleo de amizades.
– Obrigada. Ela iria ficar... – gaguejei. – Agradecida com o elogio – dei o sorriso mais falso que pude. – Mas não comente isso com muita gente, ok? Eu não gosto – ele pareceu intimamente triste com isso.
– Por quê? Eu nunca conheci ninguém que realmente foi para lá.
– , eu não ia em todas as apresentações dela e nem ao menos pisava nos bastidores – ele estava realmente decepcionado. – Não espalhe, ok?
– Ok – ele deu de ombros, mas ainda parecia inconformado, e andamos até a nossa mesa. Chegamos à mesa e estavam todos lá... Inclusive ! Adorei vê-lo ali – principalmente pela cara que estava fazendo com a cena.
– E aí? – falei e todos responderam de formas diferentes.
– Gente, vocês não vão acreditar: a mãe da é a Tara ! – ele disse sorridente, sentando-se ao lado de Dani que olhou para mim incrédula.
– Obrigada, . Era desse jeito mesmo que eu queria que você não contasse para ninguém! – agora não tinha mais o que fazer.
– Por que nunca contou? Céus, , é a Broadway! – o gato que sempre comia a língua de Dani e fazia com que ela quase nunca falasse parecia não ter feito seu trabalho hoje. Azar o meu, não?
– Por que vocês têm tanto conhecimento do pessoal da Broadway? Não é como se fossem artistas de Hollywood.
– sabe de cor todas as cantoras de lá e, se bobear, sabe todas as cantoras do pop também – comentou e eu ri.
– Com todo respeito à rainha da música pop, Beyoncé, eu só tenho a dizer que eu só admiro o que é realmente bom.
– Como você, é melhor que todo mundo por isso, hein? – Ali comentou, jogando um pedaço de uma batata no menino que respondeu com um “vou pegar a minha comida” e se levantou. Ao menos ele completou dizendo que iria trazer alguma coisa para mim também.
– , esse é – Amy apontou para o menino e eu fiquei me perguntando se era possível realmente ter apenas quinze anos e ser musculoso daquele jeito.
Olhei para , que estava imitando Amy falando discretamente, e eu tive que me segurar para não rir de deboche dele.
– E aí, ? Soube que você também é o número um em Química, hein?! Parece que alguém está quase roubando o lugar de Amy.
– Isso seria realmente legal de ver – comentou e a garota revirou os olhos. Tive que pensar o quanto era perigoso os dois estarem tão perto um do outro naquela mesa.
– Não é nada de mais – ele deu de ombro. – Não é como se eu fosse maravilhoso em todas as outras matérias. Mas e aí, gostando da Vineyard? Ouvi falar dos seus inúmeros acidentes.
– É, aparentemente é pelo que eu sou famosa por aqui.
era um cara legal. Ele era bem reservado, não falava tanto quanto os outros meninos, mas, pelo que pude notar, ele e os meninos tinham muitas coisas em comum. falara uma vez que nenhum deles tinha proximidade com . Bem, devo dizer que depois do horário do almoço eles embarcaram em uma conversa sobre sei lá o que e até se esqueceram da minha presença e das meninas. Christina ficou irritadíssima com e eu achei hilário já estar tão amigo de em questão de minutos.
Quando o sinal no final do dia tocou, eu andei até a quadra, onde seria o treino dos meninos. Como toda boa terça-feira, aquele dia depois da aula nós cinco nos sentávamos para ver o treino deles.
As meninas não estavam lá. Olhei para o campo e vi que o treino já havia começado. Ao longe, percebi que os quatro interagiam. Aparentemente, eu não seria mais a novata do grupo.
Resolvi me sentar perto do campo, encostada à parede de um dos prédios da escola. Talvez elas aparecessem daqui a pouco.
– ?! O que faz aqui sozinha? – alguns minutos se passaram até a figura esguia de Andy aparecer em minha frente.
– Recuperando-me da aula, eu acho – ele riu. – E também porque eu não faço ideia de onde minhas amigas estão – dei de ombros. – Sente aí.
Ele fez o que eu falei.
– Como vão as coisas? – perguntou subitamente, olhando para frente.
Nunca entendi o medo que Andrew tinha de falar comigo. Ele sempre gaguejava, pensava muito antes de falar, enquanto eu sempre tentava inclui-lo em alguma conversa comigo. Não sabia dizer se ele gostava de mim como os meninos falaram, mas eu não podia ser tão assustadora assim. Podia?
– Tudo bem. E com você?
– Estou bem. Ouvindo muito falar de você por aí.
– Ainda isso? – coloquei as mãos no rosto, um pouco cansada daquele assunto. Sempre que estávamos juntos, ele falava sobre aquilo e só agora havia percebido o quanto aquilo me enchia o saco.
– Você anda com a Wright. O que você esperava?
– Andar com ela faz alguma diferença? – levantei as sobrancelhas e ele olhou diretamente para mim pela primeira vez.
– Você sabe que as pessoas consequentemente sabem quem você é por causa disso – revirei os olhos.
Grande coisa. Meus amigos eram completamente normais, comparados às outras pessoas que estavam ali, e eu jamais iria entender aquela curiosidade que as pessoas tinham na vida de alguns estudantes.
"Também tem toda essa coisa de você vir de Nova York."
– Ah, é? – aquilo era uma novidade. Chato, mas ainda uma novidade. Ninguém nunca havia comentado aquilo comigo.
– Você anda por aí de All Star e com um casaco de couro. É diferente da maioria das meninas que moram em Beverly Hills e esse tipo de coisa.
Eu estava quase morrendo de tédio com aquela conversa. Pior do que falar dos meus amigos, era falar que eu era diferente por usar meu casaco preferido. Lembrei-me dos cinco segundos de anonimato que eu tive quando cheguei ali e morri de saudades.
"Desculpe", soltou quando percebeu que eu fiquei em silêncio. Não respondi nada. Apenas olhei de relance para Andy.
Mal lembrava como tínhamos ficado amigos, mas uma coisa que eu pude ter certeza naquele momento era que, apesar de tudo, Andrew era um típico estudante da Vineyard, que achava superlegal conversar com a galera conhecida por todo mundo e morria de vergonha de conversar com algumas garotas.
– Tudo bem – não estava.
E foi aí que ele me olhou e disse, mais nervoso do que um dia eu lembrava de tê-lo visto: – , será que eu...
Havia poucas coisas que me deixavam sem fala ou sem reação e aquela era, sem dúvidas, uma delas.
Eu nunca tive muitas experiências. Não é o tipo de coisa que eu fazia em Nova York. Uma vez, em uma viagem à Nova Jersey, meu primo fez uma festa no seu aniversário. Eu tinha recém feito catorze anos e todas as pessoas do evento eram mais velhas do que eu. É claro que fiquei entediada... Até encontrar o irmão mais novo de um dos amigos dos meus primos. Ele era legal, mas falava muito sobre alienígenas e de como a dominação do planeta já estava acontecendo, deixando-me totalmente desinteressada. Não me lembro do que aconteceu no restante do dia. Só sei que, ao se despedir de mim, o garoto me roubou um beijo e saiu correndo. Fiquei puta da vida e o xinguei de todos os nomes que pude encontrar. Eu não estava preparada e ele fazer aquilo sem meu consentimento me deixou atordoada. Essa foi minha única interação desse tipo com meninos.
Em algumas de minhas fugas de casa para correr atrás de fantasmas, eu encontrava algum menino e às vezes trocávamos olhares, mas era só. E eu também não sabia dizer o que isso significava.
As pessoas de Nova York me achavam esquisita. Essa era a verdade. Eu sempre me metia em problemas e nenhum vizinho meu queria se relacionar comigo.
E então chegamos ao dia em que um menino queria realmente me beijar. Andrew estava ali do meu ladinho e eu tenho certeza de que eu estava com a maior cara de idiota que eu podia fazer naquele momento.
– Andy, eu...
– Eu sei que não gosta de mim assim, – ele completou, mas não estava triste. – Você é legal comigo e tudo, gosta da minha presença, mesmo eu não fazendo parte do seu grupo.
– Mas eu não gosto disso. Você sabe – eu queria realmente que ele entendesse aquilo, mas aparentemente não iria.
– Sei. Por isso as pessoas vão continuar falando de você. É a mais diferente deles.
E foi aí que ele me beijou.
Foi melhor que o beijo do menino quando eu tinha catorze anos, mas também não foi grande coisa. Andy sabia usar a língua, coisa que o menino de catorze anos nunca iria saber fazer.
Eu não tinha força para segurá-lo como ele fazia com a minha cintura, porque agora ele tinha se virado totalmente para mim. Sua mão estava nos meus cabelos e a minha, no seu pescoço. Não sei quanto tempo ficamos ali e quanto tempo demorei para empurrá-lo e tentar me levantar, segurando-me na parede. Andy não tinha entendido nada. Olhou para mim com os lábios vermelhos e cenho franzido quando soltei um:
– Tenho que ir.
Naquele momento, eu tinha refletido que Andrew nunca gostaria de mim pelo que eu era e que ele nem sabia quem eu era realmente. E eu não podia me enganar e dizer que eu gostava dele ou tentar ter algo, porque eu realmente não queria. E eu havia entendido que ele queria algo de mim naquele momento.
Ouvi-o dizer um “tchau” e virei minhas costas, arrastando minhas muletas, sem olhar para trás. De repente, tinha ficado mais quente e tenho certeza de que minhas bochechas estavam vermelhíssimas, assim como sempre ficavam quando estava envergonhada.
Fui em direção ao dormitório feminino. Não sabia se as meninas estavam lá, mas era melhor checar. Sentia que eu precisava, urgentemente, contar aquilo para elas.
Desliguei o chuveiro, agarrando a toalha e colocando meu pijama do Mickey logo em seguida. A pior parte de tomar banho com a minha perna naquele estado era que eu tinha que ficar em pé sem as muletas – a essa altura do campeonato eu já estava melhor nisso – e tomar cuidado para não mexê-las demais.
Olhei para o teto do banheiro feminino, que era muito alto e dourado para combinar com as paredes. Tudo ali era gigante para suportar todas as meninas que estudavam ali e talvez eu fosse um pouco sortuda em entrar naquele banheiro no começo da noite e não encontrar ninguém.
Era uma noite bem fria em Sonoma. Por isso coloquei meu casaquinho por cima do meu pijama quando abri a porta do box, mas eu parei assim que me virei para a porta enorme de saída. Porque tinha alguém lá. Alguém que não estava vivo. Alguém me olhando. Alguém que eu conhecia.
.
Minhas bochechas ficaram vermelhas por reflexo da vergonha que eu sentia naquele momento, ao imaginar há quanto tempo ele estava ali no banheiro feminino.
– Pode se explicar? – perguntei depois que o vi sério. Ele não debochou, não fez piada, não me tirou do sério, mas também não falou nada.
Depois daquele episódio no meu quarto, eu não queria vê-lo nem pintado de ouro. Mas ele estava ali, bem na minha frente, e não pude deixar de sentir raiva.
“Uma coisa é você estar no meu quarto, . Outra coisa é você entrar no banheiro feminino! Não achei que fosse pervertido assim. Sei que você sempre aparece no meu quarto e ainda tem a Amy...”
– , não é nada disso! – aproximou-se e eu só pude me afastar. – Não estava a olhando tomar banho, se é isso que está pensando...
– É difícil de acreditar.
– Você está irritada?
– Tem como não ficar perto de você? – ele estreitou os olhos e arregalou logo em seguida. A sua atenção estava em algo atrás de mim e ele estava até assustado – ou só surpreso mesmo.
– Ela veio até aqui... – ele disse bem baixinho.
Então olhei para trás. E, para a minha surpresa, alguém estava lá também. Era a namorada da senhora Kunis.
Gelei. Como ela podia estar aqui se eu já a tinha mandado embora?
Era quase como se ela tivesse lido minha mente, porque foi sua vez de falar.
– Como pôde deixá-la pedir demissão? – ela estava irritada. Dava para perceber. Seus olhos praticamente flamejavam e estavam cravados em mim.
– Mas eu... – tentei falar, mas ela me interrompeu.
– Pensei que era o seu trabalho fazer isso.
– Meu trabalho é ajudá-la a cumprir o que você ainda tem pendente aqui na Terra.
– O que eu tenho aqui na Terra é ela. Sempre vai ser ela.
– A culpa não é minha se você morreu – tentei falar o mais calma que pude.
Fantasmas que se achavam os donos do mundo e que podiam fazer o que quisessem e pedir o que quisessem. Poxa, eles estavam mortos. Não deveriam nem estar por aqui!
– Você disse que iria me ajudar! – esbravejou e dei um passo para trás como reflexo.
– O problema é que eu ainda não tenho a habilidade de ressuscitar os mortos! – falei sarcástica e me arrependi logo em seguida.
A raiva dela apenas aumentou. Olhou-me com tanto desgosto que eu poderia jurar que estaria morta em dois segundos. Também porque as portas dos banheiros começaram a chacoalhar de leve. Eu dei dois passos para trás e engoli em seco.
– Sabia que tinha sido um erro confiar. Você não passa de uma adolescente! Quantos anos tem? Catorze? Como fui tola de achar que você resolveria os meus problemas! Você ainda nem começou a ter os seus!
Os pregos que prendiam as portas começaram a sair das dobradiças. Como intuito, olhei para os meus pés, pronta para correr a qualquer momento. Aquilo já havia acontecido comigo tantas vezes que o meu primeiro reflexo era dar as costas para o espírito-todo-poderoso e correr o máximo que eu conseguia.
Mas, ao olhar para baixo, o desespero me consumiu. Eu não podia correr. As portas estavam quase saindo do lugar e meu coração estava cada vez mais disparado. A cada passo que eu dava para trás, com as minhas muletas, ela dava um para frente. Eu estava encurralada, prestes a ser esmagada por uma porta.
Que jeito maravilhoso de morrer, não?
Eu não vi a hora que a porta voou em minha direção. Apenas ouvi o estrondo. Joguei-me no chão e coloquei as mãos no rosto – como se isso fosse me ajudar de alguma forma – e esperei a morte chegar.
Mas ela não chegou, porque eu não senti nada. Aliás, não fazia ideia de se tinha morrido. Fiquei imaginando se a morte realmente não tinha dor...
Tirei minhas mãos do rosto e olhei ao redor. Ela não estava mais lá e a porta não estava muito longe de mim.
Foi tudo tão rápido. Eu não conseguia raciocinar nem levantar por causa da minha perna.
– Você está bem? – eu tinha esquecido completamente que ele estava ali. me olhava preocupado e eu o olhei da mesma forma quando percebi o seu estado: estava péssimo. Sua mão direita pressionava seu ombro, visivelmente machucado.
É claro que fantasmas não se machucavam, mas, como aquelas histórias de zumbis, a dor era como uma lembrança ou reflexo de quando eles estavam vivos. Ao menos essa era a minha teoria.
havia me salvado.
– Estou – respondi meio incerta. – Mas você não está muito...
– Vai parar de doer – ele fazia cara de dor. – Só não sei quando.
– Sinto muito.
– Tudo bem. Ela iria matar você se eu não fizesse isso.
Não consegui raciocinar o que aquela frase significava.
– Para onde será que ela foi? – olhei ao redor, procurando a fantasma, mas ela não estava em lugar nenhum.
– Ela deve ter achado que você morreu e foi embora.
Ao dizer isso, ouvi o barulho da saída do banheiro feminino.
Ah, não. Eu estava tão incrivelmente ferrada.
– Preciso sair daqui – sussurrei. Eu não podia, nem em sonhos, me meter na sala da diretora outra vez. Eu não sabia nem como explicar aquela situação. Acho que meu estoque de desculpas não conseguiria inventar algo para aquilo.
se levantou com pressa, andou em direção à minha muleta e voltou para mim, fazendo algo que eu nunca imaginei que fizesse:
Ele estendeu a mão.
Lembrei de nosso último encontro e não consegui vetar o sentimento de ingratidão de minha parte por ter sido uma vaca com ele.
– O que está fazendo? – perguntei, olhando para ele e suas sobrancelhas curvadas. As mãos dele eram maiores do que eu pensava, diga-se de passagem, e eu nunca havia reparado nelas realmente.
– Oferecendo uma mão. Não vai aceitar?
Então segurei nela e ele me puxou, deixando-me em pé. Tive que me segurar em seu ombro até que ele me entregasse uma muleta.
– Obrigada – saiu mais como um sussurro.
E eu não me lembro de alguma vez ter ficado tão perto dele.
– De nada, mas acho melhor você pensar em um jeito de sair daqui – lembrou, enquanto eu pegava a minha nécessaire que havia caído enquanto tudo acontecia.
apontou para box do banheiro mais próximo. Não pensei duas vezes em entrar nele e me encolher para que ninguém me encontrasse. entrou comigo, como se precisasse se esconder, e parecia tão concentrado em ouvir o que estava acontecendo quanto eu.
Depois de um tempo, aconteceu outro barulho na porta e eu estava me corroendo por dentro de curiosidade para saber se ainda tinha alguém ali, se eu já podia sair... , então, desapareceu e reapareceu em questão de segundos, dando-me um belo de um susto.
– Ela foi chamar alguém. É melhor você correr, se conseguir – avisou e eu assenti, andando como eu conseguia em direção à saída o mais rápido que podia, torcendo para que ninguém me pegasse.
Capítulo 11 - George
Tinham passado semanas desde o meu segundo acidente em um banheiro. Depois daquela noite, espalhou-se um boato de que existia vândalos pela escola, o que explicava também, pelo menos para quem não sabia a verdade, o que tinha acontecido no salão principal. Mas o mais importante era que ninguém nunca descobriu que eu estava lá.
Nesse meio tempo, minha perna tinha melhorado quase cem por cento. Eu conseguia andar quase normalmente e sem nenhum apoio. Também não tinha encontrado nenhum outro fantasma, o que era bom. Depois da minha quase-morte, eu tinha ficado tão puta da vida com todos eles – mais do que o normal – que o próximo que entrasse na minha frente eu seria capaz de torcer minha outra perna só para dar uma lição no felizardo que fosse me incomodar.
Depois da ajuda de , nossa relação não tinha melhorado completamente. Não tínhamos virado amigos só porque o cara me ajudou algumas vezes. Estávamos mais para colegas de quarto ou algo do tipo. Do tipo que se aturam, mas nem de longe são melhores amigos. Seu temperamento irritante tinha passado um pouco, apesar de sua cara de pau ainda estar lá. Nesse momento, nós apenas estávamos nos dando um pouco melhor, sem gritaria nem nada do tipo.
A verdade era que eu devia tantos agradecimentos por ele me ajudar que eu nem conseguia admitir. Era vergonhoso para mim por ele ser um fantasma. Eu que deveria estar ajudando o cara, não o contrário.
– Por Deus, ! Saia daí! Você não vai conseguir pegá-lo! – gritou Christina, segurando seu braço.
– Eu não vou sair daqui até pegá-lo. E pare de me puxar! – ele tirou a mão da namorada que, irritada com o ato, andou em direção a mim novamente.
Estávamos em uma missão "pegar o cachorro abandonado que tinha entrado acidentalmente na propriedade da escola". , como um bom amante dos animais e o super-herói que qualquer menininha do primário gostaria de ter, havia pirado quando eu contei sobre o animalzinho.
Não tanto quanto eu, que tinha tentado capturá-lo no meio daqueles arbustos que se espalhavam por toda Vineyard. O propósito daquilo, além do bem-estar do cachorrinho que tremia de medo, era a garota que tinha pedido para eu salvá-lo. Ok, ela estava morta. E era uma criança. De modo que, quando ela me pediu essa ajuda, eu não pude negar.
– Consegui! – ele voltou, todo feliz com o cachorro nos braços.
– Oi, George! – não pude resistir. Ele era uma gracinha. Uma mistura de maltês com qualquer outra raça. Seu olhar estava triste e ele, visivelmente assustado.
– George? – me olhou e eu sorri, sem graça. Tinha esquecido que Sarah, que não tinha saído nem por um minuto do meu lado, só tinha dito aquilo para mim. Afinal, só eu podia vê-la.
– Achei que ele tinha cara de George – comuniquei, acariciando a cabeça do filhote.
– Eu gostei. – sorriu.
Até Christina estava derretida pelo cachorrinho.
– O que vamos fazer com ele? Não podemos levar para a Direção. Vão jogá-lo na rua...
– Podemos ficar com ele por esses dias. Nós resolvemos o que fazer com ele no final de semana, mas não vamos deixá-lo na rua de jeito nenhum – falei em um tom sério e Sarah, que estava no meu lado, sorriu em agradecimento e sumiu.
– Pode levá-lo para o seu dormitório? – suplicou com os olhos. – Eu duvido que Max não o encontre no nosso.
e não são pessoas muito confiáveis.
Ri da descrença dele nos seus melhores amigos. Ri mais ainda porque era verdade.
– Tudo bem, mas a primeira janta dele é por sua conta – abri a minha mochila e ele colocou o bicho dentro dela.
– Pode deixar!
George não gostou muito da ideia. Mexeu-se e até chorou um pouco até chegarmos ao quarto. Christina me ajudou a passar por Katy sem ela fazer ideia do que estava acontecendo. Desconversou alguma coisa até que eu subisse o mais rápido que pude.
– O que é isso? – ouvi a voz de .
– Um cachorro. Nunca viu? – abri o pote de carne que conseguiu pegar na cozinha da escola e dei para o cachorrinho, colocando a tigela de água improvisada ao lado.
– Eu sei que é um cachorro, mas o que ele faz aqui? – sua expressão era impagável. As sobrancelhas curvadas e o olhar de "o que pensa que está fazendo, mocinha?".
– Um dos seus amigos fantasmas me pediu. Satisfeito? É só até eu achar um lugar para ele. Agora saia daqui. Animais não gostam da presença de espíritos.
– Ele não parece tão incomodado.
George, que depois de encher a barriguinha de água e comida, cheirou o quarto inteiro à procura de alguma coisa. Seu focinho cheirou meus sapatos e depois correu para . Obviamente ele não tinha cheiro, mas pareceu interessado, pois balançava o rabo para os lados freneticamente.
Inacreditável.
– Oi, garotinho! Tudo bem? – perguntou, enquanto acariciava o pelo dele, que estava adorando o carinho. – Parece que ele reconhece boas almas.
– Ou apenas quem vai fazer carinho nele com mais facilidade.
– Qual é, ? Ele apenas sabe que eu não sou um espírito maligno.
Quê?
– Um o quê?
– Espírito ruim, você sabe – eu não pude deixar de dar uma boa gargalhada. Sério, daquelas que você coloca a mão na barriga de tanto rir.
– Na verdade, não sei. Do que está falando?
– Poxa, , você nunca viu filmes? – ele olhou para mim e o cachorro chiou por ele ter parado o carinho.
– Não existe essa coisa de espírito maligno.
– Como você sabe? – ele me olhou com seriedade.
Como eu sei: nunca havia visto um. E aquilo era o bastante para eu não acreditar neles. É claro que já havia visto milhares de filmes – os quais sempre diziam "baseado em fatos reais”, mas você sabe. O cinema adora lucrar com isso –, mas em nenhum deles eu tive realmente a certeza de que fantasmas ruins existiam. Até porque é ficção. Em sua essência, os mortos sempre estavam por aí com o intuito de ainda aproveitar a Terra de algum jeito – além dos assuntos inacabados, porém nada além disso. A “maldade” não era por motivos de algum tipo de força maior. Era mais para resolver os assuntos ainda pendentes que alguns deles nunca sabiam como fazer de um modo que não matasse alguém.
– Porque eu nunca vi um.
– E isso é o suficiente? – ele levantou as sobrancelhas.
– É.
Fomos interrompidos pelo barulho de uma porta se abrindo e o som de algumas gritarias ao fundo. As meninas estavam ali, todas elas.
riu da afobação das quatro entrando no quarto.
– É verdade? – Amy perguntou ao entrar.
– Não, Amy. É um holograma. Não está vendo? – Ali zombou ao olhar o cachorrinho. – Que raça é essa?
– É um maltês.
– Não parece nenhum maltês que eu tenha visto.
– Ah, ele é uma graça! – Dani acariciou a barriga dele.
parecia imensamente ofendido pelo cachorro tê-lo trocado tão descaradamente.
Dá para acreditar? O filhote estava com o rabinho entre as pernas há meia hora e agora estava como um verdadeiro membro da realeza.
– Você é viciada em problemas, ? – Amy perguntou, olhando-me séria. – Sabe o que vão fazer se o pegarem aqui? Eu não sei nem como ele conseguiu entrar!
– Concordo com ela – falou com uma expressão de “não te falei?”.
– Eu não podia deixar ele lá. Alguém iria achá-lo e jogá-lo na rua.
– Mas com isso eu também concordo – disse novamente e eu quis olhá-lo com desdém, mas a atenção de Amy estava cravada em mim.
– Aprecio seu amor pelos animais, mas não acha que você não pode arriscar assim? E se ele começar a latir no meio da noite?
– Olhe para ele, Amy! O que quer que eu faça?
– Quero que ache um lar para ele o mais rápido possível – ela se sentou na cama. – E quem vai cuidar dele enquanto estivermos fora?
Olhei para institivamente. É claro que o rapaz não me devia nada. Era bem o contrário, na verdade.
– Eu cuido dele – disse ele, olhando para o bichinho que estava no colo de Chris. Parece que ela tinha se afeiçoado mais do que deveria a ele.
– Ele vai ficar bem – olhei para a garota ruiva que estava com os braços cruzados. – Sério.
– Eu preciso voltar para o ensaio – Dani falou. – Ah, eu não quero deixá-lo aqui. Ele é a coisinha mais linda... Eu vou vir visitar você todos os dias.
Ok, aquele cachorro estava tendo mais atenção das minhas amigas do que eu. E eu entendia totalmente.
– E você! – Amy apontou para mim. – Nem pense em faltar a aula hoje por causa dessa coisa.
– A sua sensibilidade com animais me comove – retruquei.
– Não é falta de sensibilidade. Apenas preocupação com a suas notas.
Dani soltou o animalzinho e ele correu em direção a .
– Oi, garotinho! – ele sorriu.
– Ele realmente gostou de ficar aqui – Ali disse.
– Pois é – olhei para ele, que abanava o rabinho, enquanto falava abobado com ele.
– Nem parece o mesmo cachorrinho assustado que pegamos mais cedo. vai adorar saber.
Minha cabeça começou a latejar no fim daquele dia, depois de duas aulas horríveis de Geometria. Parecia que ela iria explodir de dor a qualquer momento. Não era para menos. Aquelas formas e cálculos me deixavam exausta.
– Então, é verdade? – apareceu no meu encalço, enquanto eu andava até o dormitório. Eu gostava de ouvir sua voz, mas naquele momento apenas queria deitar e dormir até a próxima semana e o som da sua voz estava particularmente irritante.
– Quê? Do que você está falando?
– Do cachorro, né?!
– Dá para você fechar o bico? – sussurrei, olhando para os lados.
– Você está querendo levar uma suspensão?
– Estou tentando salvar uma vida, .
– Ei, de onde veio esse mau humor? – ele colocou as mãos nos bolsos. – Eu só queria saber do cachorro.
– A minha cabeça está latejando!
– Foi mal. me contou sobre ele e eu não acreditei muito.
– É verdade. Ele está no meu quarto.
– Sério? Posso vê-lo?
– Você está querendo levar uma suspensão? – imitei-o e riu. – Já é muito arriscado você entrar no dormitório feminino. Imagine se o pegam lá e ainda com o cachorro.
– , qual é... – parou no meio do corredor. Faltavam alguns passos para chegar ao salão principal e ao dormitório.
– Estou falando sério. Não quero mais problemas – parei em sua frente.
– Ok – ele revirou os olhos. – Melhoras!
Abri a porta do quarto, esperando encontrá-lo todo bagunçado, como se um furacão tivesse passado por cima de tudo, mas não. Eu até apostava que o quarto estava mais arrumado que antes.
George dormia em uma almofada que mais tarde, naquele mesmo dia, Ali trouxera para ele. Não havia sinal de , mas era claro que ele tinha dado um jeito do cachorrinho não bagunçar tudo. Não havia nem xixi ou outras coisas pelo chão...
Fechei a porta e deixei a luz desligada, deitando-me logo em seguida com a contínua sensação de que minha cabeça pesava mais do que meu próprio corpo.
Depois de alguns minutos, após encostar a cabeça no travesseiro, a porta se abriu e a luz acendeu consequentemente. Uma garota ruiva se colocou para dentro sussurrando um "desculpe".
– me disse que você não estava bem. Peguei esse remédio na enfermaria – ela me entregou o comprimido e um copo de plástico com água.
– Amy, você é a melhor!
– Que é isso, ... – ela sorriu. – Olhe, você bem que tinha razão. Ele não está dando muito trabalho – olhou para o animal que ainda dormia, agora com a barriguinha para cima. – Será que ele está doente? Acho que ainda não fez xixi...
– Não sei. Vou perguntar ao depois.
– Você está muito ruim? – neguei com a cabeça, mas na verdade eu queria era dormir até aquela dor horrível passar.
– O que estava fazendo? – perguntei porque eu não a vi a tarde inteira.
– Depois da aula, eu me encontrei com – suas bochechas ruborizaram.
– E aí, como as coisas estão? – eu estava ignorando minha dor para tentar tirar qualquer coisinha dela. Ela nunca falava sobre ele.
– Bem. Ele é tipo muito meu amigo. Somos tão iguais em tudo. Não é só meu namorado. É meu amigo também. Por isso gosto tanto dele – parou de falar e eu vi que aquilo seria o máximo que conseguiria tirar dela sobre o assunto. Não questionei nem perguntei mais nada.
Era raro Amy se abrir e contar esse tipo de coisa. As meninas sempre falavam que ela era meio fechada em sentimentos e, como quase nunca conversava sobre eles, eu estava feliz por conseguir tirar esses sentimentos dela – e por ela gostar de compartilhar comigo também.
– Fico muito feliz por vocês – devolvi a corrente e ela voltou a colocar no pescoço. – Com ele é "diferente", então?
– É, bem, eu nunca namorei ninguém depois do... – ela suspirou. – e é inevitável não comparar. A gente se dá muito melhor, têm mais coisas em comum, coisas que eu não tinha com o outro.
Antes que eu pudesse responder, um choro desviou minha atenção. George estava encolhido ao lado da minha cama e seus olhos brilhavam, como se eu estivesse com o mais apetitoso biscoito canino do mundo.
– Ah, nem pense nisso! Na minha cama, não! – ele esticou as patas para tentar me alcançar e seus olhos aumentaram de tamanho. Pareciam suplicar e dizer "por favor". – Não... – suspirei quando ele chorou novamente.
Não resisti. Ele era tão pequeno e parecia tão indefeso. Puxei-o para a minha cama e ele se deitou ao meu lado, aconchegando-se no meu edredom. Senti o olhar desaprovador de Amy.
– ...
– Ele é só um filhotinho...
– Não estou falando disso – ela se sentou em sua cama. – O que você pensa que vai fazer com ele? Até quando acha que vai conseguir escondê-lo aqui?
– Eu não sei.
– Tenho medo que descubram tanto quanto você, acredite. Mas ele não pode ficar aqui. Você sabe.
– Eu vou arranjar um lar para ele. Prometo.
– Sabe o quão encrencadas estamos a partir de hoje?
Olhei para ela, que também olhava para o cachorro se espreguiçando e voltando a dormir.
Se ela soubesse que eu já vivia encrencada há anos...
“Eu vou deixar você descansar. Mais tarde a gente conversa, ok?”, assenti e ela sorriu. “Tente não ter muita raiva. Pode piorar a dor...”, disse como se entendesse bem o que eu estava sentindo.
A luz se apagou novamente e eu voltei a me deitar na cama. A dor não havia parado e George tinha se esparramado na cama de modo que eu não conseguisse deitar direito.
Mas quando eu pensei que conseguiria pregar os olhos... Outra presença me incomodou. estava bem na minha frente e eu nem estava surpresa.
– Você está o mimando demais – comentei, sentando-me outra vez. A luz estava apagada, mas eu ainda conseguia vê-lo porque não havia escurecido.
Ele olhou para o animalzinho e deu uma gargalhada.
– Eu que estou, né? – levantou as sobrancelhas. – Olhe, aconteceu uma coisa... – ele começou a dizer.
– Sim...?
– Acho que você está bem encrencada.
– Eu sei, . Já me disseram isso hoje.
– Não estou falando do cachorro – balançou a cabeça. – Ando sentindo umas coisas...
– Certo. O que aconteceu no Plano Espiritual? – eu tentei, de verdade, não rir.
– Tem umas pessoas... – coçou a cabeça para falar.
– Pessoas? – interrompi-o, muito curiosa.
– Não. Você sabe, fantasmas...
– Olhe, , não precisa trabalhar como pombo correio para mim. Sério. Já disse – lembrei-me da última discussão feia que tivemos e não queria passar por aquilo de novo. Minha cabeça já latejava o suficiente.
– Eu sei – olhou-me sério. – Mas é diferente. Aconteceu alguma coisa. Eles estão muito bravos.
– Eles? – levantei as sobrancelhas. Esperava que não fossem muitos.
– Sim. Há novos fantasmas aqui e eles estão muito irritados, . Muito mesmo.
– Tudo bem, . Obrigada. Eu já lidei com essas coisas – assegurei, mas ele não parecia conformado com o que eu disse.
– Você não está entendendo – chegou um pouquinho perto de mim e olhou para George, que ainda dormia profundamente. – Estou tendo um mau pressentimento. Acho que você vai precisar de ajuda.
Aquilo foi o suficiente para eu ficar irritada. Foi mais forte do que eu e estava realmente tentando não me irritar mais com ele.
Não sabia se essa ajuda vinha dele mesmo ou se ele queria que eu tivesse apoio de algum outro mediador.
Ah, vamos para as novidades: nunca, em meus dezesseis anos, encontrei outro mediador. Nenhum. Nunca. Isso resumia que jamais tive o apoio de alguém nesse tipo de coisa.
Ser mediador era misturar a sensação de estresse e impaciência. Já havia encontrado fantasmas que não queriam ir embora, alguns já me deixaram machucados, sendo alguns deles bem sérios. Entre socos, gritos e pancadas, eu nunca tive ninguém para me ajudar.
Precisar? Ok, em certas ocasiões eu precisava mesmo, mas em nenhum momento algum deles apareceu para isso. É claro que já havia me ajudado e foi útil. Mas, sério, qual seria a dificuldade dessa vez que eu não pudesse resolver? E seria irônico demais ter ajuda de um fantasma para levar outros para a próxima vida.
Amy tinha razão. A raiva tinha piorado minha dor.
– Eu não sei o que você acha que é ser um mediador, mas eu não posso ligar para a "Central dos Mediadores" e pedir para algum deles me ajudar – apesar daquela ideia ser bem útil. Pena que não existia nada assim.
– Eu já entendi o que você faz – revirou os olhos impaciente. – Não estou falando desse tipo de ajuda. Falo sobre a ajuda de alguém profissional, sabe?!
– Que seria...? – agora eu estava perdida de verdade. Não fazia ideia do que vinha por aí.
– Um padre ou algo assim.
– E o que um padre poderia fazer? – franzi o cenho, esperando sua resposta brilhante.
– Você sabe, um exorcismo...
Aquilo era demais. Exorcismo? Certo, eu já havia lido coisas sobre quando eu tive que me livrar de alguns fantasmas impertinentes, mas fazer de verdade? Aquilo, claramente, nem nos filmes funcionava!
– Você tem, urgente, que parar de assistir a esses filmes de terror – eu pisquei várias vezes depois de pensar sobre aquilo. A ideia era bizarra demais.
– Você vê e fala com fantasmas, . Por que é tão difícil acreditar que outras coisas existem também? – cruzou os braços e me olhou sério.
– E eu vou ter que partir para um exorcismo sem saber qual é a dos caras?
– Não dá para resolver com diálogo... Eu já disse. Eles estão bravos!
– Você também estava irritado quando eu cheguei aqui e não houve morte nenhuma e estamos aqui conversando em um pacífico diálogo.
– Não entendo por que não me ouve... – suspirou, parecendo cansado. E era bem estranho de ver. Ele não respirava, obviamente, e quando fazia esse tipo de coisa era bem esquisito, porque parecia que ele estava vivo.
– Porque eu sei resolver isso sozinha. Obrigada pelo aviso, . Já lidei com essas coisas antes. Vou ver o que está acontecendo e tentar ajudá-los.
– Tá – deu de ombros, mas dava para ver que ele estava contrariado. – Depois não diga que eu não avisei.
Nesse meio tempo, minha perna tinha melhorado quase cem por cento. Eu conseguia andar quase normalmente e sem nenhum apoio. Também não tinha encontrado nenhum outro fantasma, o que era bom. Depois da minha quase-morte, eu tinha ficado tão puta da vida com todos eles – mais do que o normal – que o próximo que entrasse na minha frente eu seria capaz de torcer minha outra perna só para dar uma lição no felizardo que fosse me incomodar.
Depois da ajuda de , nossa relação não tinha melhorado completamente. Não tínhamos virado amigos só porque o cara me ajudou algumas vezes. Estávamos mais para colegas de quarto ou algo do tipo. Do tipo que se aturam, mas nem de longe são melhores amigos. Seu temperamento irritante tinha passado um pouco, apesar de sua cara de pau ainda estar lá. Nesse momento, nós apenas estávamos nos dando um pouco melhor, sem gritaria nem nada do tipo.
A verdade era que eu devia tantos agradecimentos por ele me ajudar que eu nem conseguia admitir. Era vergonhoso para mim por ele ser um fantasma. Eu que deveria estar ajudando o cara, não o contrário.
– Por Deus, ! Saia daí! Você não vai conseguir pegá-lo! – gritou Christina, segurando seu braço.
– Eu não vou sair daqui até pegá-lo. E pare de me puxar! – ele tirou a mão da namorada que, irritada com o ato, andou em direção a mim novamente.
Estávamos em uma missão "pegar o cachorro abandonado que tinha entrado acidentalmente na propriedade da escola". , como um bom amante dos animais e o super-herói que qualquer menininha do primário gostaria de ter, havia pirado quando eu contei sobre o animalzinho.
Não tanto quanto eu, que tinha tentado capturá-lo no meio daqueles arbustos que se espalhavam por toda Vineyard. O propósito daquilo, além do bem-estar do cachorrinho que tremia de medo, era a garota que tinha pedido para eu salvá-lo. Ok, ela estava morta. E era uma criança. De modo que, quando ela me pediu essa ajuda, eu não pude negar.
– Consegui! – ele voltou, todo feliz com o cachorro nos braços.
– Oi, George! – não pude resistir. Ele era uma gracinha. Uma mistura de maltês com qualquer outra raça. Seu olhar estava triste e ele, visivelmente assustado.
– George? – me olhou e eu sorri, sem graça. Tinha esquecido que Sarah, que não tinha saído nem por um minuto do meu lado, só tinha dito aquilo para mim. Afinal, só eu podia vê-la.
– Achei que ele tinha cara de George – comuniquei, acariciando a cabeça do filhote.
– Eu gostei. – sorriu.
Até Christina estava derretida pelo cachorrinho.
– O que vamos fazer com ele? Não podemos levar para a Direção. Vão jogá-lo na rua...
– Podemos ficar com ele por esses dias. Nós resolvemos o que fazer com ele no final de semana, mas não vamos deixá-lo na rua de jeito nenhum – falei em um tom sério e Sarah, que estava no meu lado, sorriu em agradecimento e sumiu.
– Pode levá-lo para o seu dormitório? – suplicou com os olhos. – Eu duvido que Max não o encontre no nosso.
e não são pessoas muito confiáveis.
Ri da descrença dele nos seus melhores amigos. Ri mais ainda porque era verdade.
– Tudo bem, mas a primeira janta dele é por sua conta – abri a minha mochila e ele colocou o bicho dentro dela.
– Pode deixar!
George não gostou muito da ideia. Mexeu-se e até chorou um pouco até chegarmos ao quarto. Christina me ajudou a passar por Katy sem ela fazer ideia do que estava acontecendo. Desconversou alguma coisa até que eu subisse o mais rápido que pude.
– O que é isso? – ouvi a voz de .
– Um cachorro. Nunca viu? – abri o pote de carne que conseguiu pegar na cozinha da escola e dei para o cachorrinho, colocando a tigela de água improvisada ao lado.
– Eu sei que é um cachorro, mas o que ele faz aqui? – sua expressão era impagável. As sobrancelhas curvadas e o olhar de "o que pensa que está fazendo, mocinha?".
– Um dos seus amigos fantasmas me pediu. Satisfeito? É só até eu achar um lugar para ele. Agora saia daqui. Animais não gostam da presença de espíritos.
– Ele não parece tão incomodado.
George, que depois de encher a barriguinha de água e comida, cheirou o quarto inteiro à procura de alguma coisa. Seu focinho cheirou meus sapatos e depois correu para . Obviamente ele não tinha cheiro, mas pareceu interessado, pois balançava o rabo para os lados freneticamente.
Inacreditável.
– Oi, garotinho! Tudo bem? – perguntou, enquanto acariciava o pelo dele, que estava adorando o carinho. – Parece que ele reconhece boas almas.
– Ou apenas quem vai fazer carinho nele com mais facilidade.
– Qual é, ? Ele apenas sabe que eu não sou um espírito maligno.
Quê?
– Um o quê?
– Espírito ruim, você sabe – eu não pude deixar de dar uma boa gargalhada. Sério, daquelas que você coloca a mão na barriga de tanto rir.
– Na verdade, não sei. Do que está falando?
– Poxa, , você nunca viu filmes? – ele olhou para mim e o cachorro chiou por ele ter parado o carinho.
– Não existe essa coisa de espírito maligno.
– Como você sabe? – ele me olhou com seriedade.
Como eu sei: nunca havia visto um. E aquilo era o bastante para eu não acreditar neles. É claro que já havia visto milhares de filmes – os quais sempre diziam "baseado em fatos reais”, mas você sabe. O cinema adora lucrar com isso –, mas em nenhum deles eu tive realmente a certeza de que fantasmas ruins existiam. Até porque é ficção. Em sua essência, os mortos sempre estavam por aí com o intuito de ainda aproveitar a Terra de algum jeito – além dos assuntos inacabados, porém nada além disso. A “maldade” não era por motivos de algum tipo de força maior. Era mais para resolver os assuntos ainda pendentes que alguns deles nunca sabiam como fazer de um modo que não matasse alguém.
– Porque eu nunca vi um.
– E isso é o suficiente? – ele levantou as sobrancelhas.
– É.
Fomos interrompidos pelo barulho de uma porta se abrindo e o som de algumas gritarias ao fundo. As meninas estavam ali, todas elas.
riu da afobação das quatro entrando no quarto.
– É verdade? – Amy perguntou ao entrar.
– Não, Amy. É um holograma. Não está vendo? – Ali zombou ao olhar o cachorrinho. – Que raça é essa?
– É um maltês.
– Não parece nenhum maltês que eu tenha visto.
– Ah, ele é uma graça! – Dani acariciou a barriga dele.
parecia imensamente ofendido pelo cachorro tê-lo trocado tão descaradamente.
Dá para acreditar? O filhote estava com o rabinho entre as pernas há meia hora e agora estava como um verdadeiro membro da realeza.
– Você é viciada em problemas, ? – Amy perguntou, olhando-me séria. – Sabe o que vão fazer se o pegarem aqui? Eu não sei nem como ele conseguiu entrar!
– Concordo com ela – falou com uma expressão de “não te falei?”.
– Eu não podia deixar ele lá. Alguém iria achá-lo e jogá-lo na rua.
– Mas com isso eu também concordo – disse novamente e eu quis olhá-lo com desdém, mas a atenção de Amy estava cravada em mim.
– Aprecio seu amor pelos animais, mas não acha que você não pode arriscar assim? E se ele começar a latir no meio da noite?
– Olhe para ele, Amy! O que quer que eu faça?
– Quero que ache um lar para ele o mais rápido possível – ela se sentou na cama. – E quem vai cuidar dele enquanto estivermos fora?
Olhei para institivamente. É claro que o rapaz não me devia nada. Era bem o contrário, na verdade.
– Eu cuido dele – disse ele, olhando para o bichinho que estava no colo de Chris. Parece que ela tinha se afeiçoado mais do que deveria a ele.
– Ele vai ficar bem – olhei para a garota ruiva que estava com os braços cruzados. – Sério.
– Eu preciso voltar para o ensaio – Dani falou. – Ah, eu não quero deixá-lo aqui. Ele é a coisinha mais linda... Eu vou vir visitar você todos os dias.
Ok, aquele cachorro estava tendo mais atenção das minhas amigas do que eu. E eu entendia totalmente.
– E você! – Amy apontou para mim. – Nem pense em faltar a aula hoje por causa dessa coisa.
– A sua sensibilidade com animais me comove – retruquei.
– Não é falta de sensibilidade. Apenas preocupação com a suas notas.
Dani soltou o animalzinho e ele correu em direção a .
– Oi, garotinho! – ele sorriu.
– Ele realmente gostou de ficar aqui – Ali disse.
– Pois é – olhei para ele, que abanava o rabinho, enquanto falava abobado com ele.
– Nem parece o mesmo cachorrinho assustado que pegamos mais cedo. vai adorar saber.
Minha cabeça começou a latejar no fim daquele dia, depois de duas aulas horríveis de Geometria. Parecia que ela iria explodir de dor a qualquer momento. Não era para menos. Aquelas formas e cálculos me deixavam exausta.
– Então, é verdade? – apareceu no meu encalço, enquanto eu andava até o dormitório. Eu gostava de ouvir sua voz, mas naquele momento apenas queria deitar e dormir até a próxima semana e o som da sua voz estava particularmente irritante.
– Quê? Do que você está falando?
– Do cachorro, né?!
– Dá para você fechar o bico? – sussurrei, olhando para os lados.
– Você está querendo levar uma suspensão?
– Estou tentando salvar uma vida, .
– Ei, de onde veio esse mau humor? – ele colocou as mãos nos bolsos. – Eu só queria saber do cachorro.
– A minha cabeça está latejando!
– Foi mal. me contou sobre ele e eu não acreditei muito.
– É verdade. Ele está no meu quarto.
– Sério? Posso vê-lo?
– Você está querendo levar uma suspensão? – imitei-o e riu. – Já é muito arriscado você entrar no dormitório feminino. Imagine se o pegam lá e ainda com o cachorro.
– , qual é... – parou no meio do corredor. Faltavam alguns passos para chegar ao salão principal e ao dormitório.
– Estou falando sério. Não quero mais problemas – parei em sua frente.
– Ok – ele revirou os olhos. – Melhoras!
Abri a porta do quarto, esperando encontrá-lo todo bagunçado, como se um furacão tivesse passado por cima de tudo, mas não. Eu até apostava que o quarto estava mais arrumado que antes.
George dormia em uma almofada que mais tarde, naquele mesmo dia, Ali trouxera para ele. Não havia sinal de , mas era claro que ele tinha dado um jeito do cachorrinho não bagunçar tudo. Não havia nem xixi ou outras coisas pelo chão...
Fechei a porta e deixei a luz desligada, deitando-me logo em seguida com a contínua sensação de que minha cabeça pesava mais do que meu próprio corpo.
Depois de alguns minutos, após encostar a cabeça no travesseiro, a porta se abriu e a luz acendeu consequentemente. Uma garota ruiva se colocou para dentro sussurrando um "desculpe".
– me disse que você não estava bem. Peguei esse remédio na enfermaria – ela me entregou o comprimido e um copo de plástico com água.
– Amy, você é a melhor!
– Que é isso, ... – ela sorriu. – Olhe, você bem que tinha razão. Ele não está dando muito trabalho – olhou para o animal que ainda dormia, agora com a barriguinha para cima. – Será que ele está doente? Acho que ainda não fez xixi...
– Não sei. Vou perguntar ao depois.
– Você está muito ruim? – neguei com a cabeça, mas na verdade eu queria era dormir até aquela dor horrível passar.
– O que estava fazendo? – perguntei porque eu não a vi a tarde inteira.
– Depois da aula, eu me encontrei com – suas bochechas ruborizaram.
– E aí, como as coisas estão? – eu estava ignorando minha dor para tentar tirar qualquer coisinha dela. Ela nunca falava sobre ele.
– Bem. Ele é tipo muito meu amigo. Somos tão iguais em tudo. Não é só meu namorado. É meu amigo também. Por isso gosto tanto dele – parou de falar e eu vi que aquilo seria o máximo que conseguiria tirar dela sobre o assunto. Não questionei nem perguntei mais nada.
Era raro Amy se abrir e contar esse tipo de coisa. As meninas sempre falavam que ela era meio fechada em sentimentos e, como quase nunca conversava sobre eles, eu estava feliz por conseguir tirar esses sentimentos dela – e por ela gostar de compartilhar comigo também.
– Fico muito feliz por vocês – devolvi a corrente e ela voltou a colocar no pescoço. – Com ele é "diferente", então?
– É, bem, eu nunca namorei ninguém depois do... – ela suspirou. – e é inevitável não comparar. A gente se dá muito melhor, têm mais coisas em comum, coisas que eu não tinha com o outro.
Antes que eu pudesse responder, um choro desviou minha atenção. George estava encolhido ao lado da minha cama e seus olhos brilhavam, como se eu estivesse com o mais apetitoso biscoito canino do mundo.
– Ah, nem pense nisso! Na minha cama, não! – ele esticou as patas para tentar me alcançar e seus olhos aumentaram de tamanho. Pareciam suplicar e dizer "por favor". – Não... – suspirei quando ele chorou novamente.
Não resisti. Ele era tão pequeno e parecia tão indefeso. Puxei-o para a minha cama e ele se deitou ao meu lado, aconchegando-se no meu edredom. Senti o olhar desaprovador de Amy.
– ...
– Ele é só um filhotinho...
– Não estou falando disso – ela se sentou em sua cama. – O que você pensa que vai fazer com ele? Até quando acha que vai conseguir escondê-lo aqui?
– Eu não sei.
– Tenho medo que descubram tanto quanto você, acredite. Mas ele não pode ficar aqui. Você sabe.
– Eu vou arranjar um lar para ele. Prometo.
– Sabe o quão encrencadas estamos a partir de hoje?
Olhei para ela, que também olhava para o cachorro se espreguiçando e voltando a dormir.
Se ela soubesse que eu já vivia encrencada há anos...
“Eu vou deixar você descansar. Mais tarde a gente conversa, ok?”, assenti e ela sorriu. “Tente não ter muita raiva. Pode piorar a dor...”, disse como se entendesse bem o que eu estava sentindo.
A luz se apagou novamente e eu voltei a me deitar na cama. A dor não havia parado e George tinha se esparramado na cama de modo que eu não conseguisse deitar direito.
Mas quando eu pensei que conseguiria pregar os olhos... Outra presença me incomodou. estava bem na minha frente e eu nem estava surpresa.
– Você está o mimando demais – comentei, sentando-me outra vez. A luz estava apagada, mas eu ainda conseguia vê-lo porque não havia escurecido.
Ele olhou para o animalzinho e deu uma gargalhada.
– Eu que estou, né? – levantou as sobrancelhas. – Olhe, aconteceu uma coisa... – ele começou a dizer.
– Sim...?
– Acho que você está bem encrencada.
– Eu sei, . Já me disseram isso hoje.
– Não estou falando do cachorro – balançou a cabeça. – Ando sentindo umas coisas...
– Certo. O que aconteceu no Plano Espiritual? – eu tentei, de verdade, não rir.
– Tem umas pessoas... – coçou a cabeça para falar.
– Pessoas? – interrompi-o, muito curiosa.
– Não. Você sabe, fantasmas...
– Olhe, , não precisa trabalhar como pombo correio para mim. Sério. Já disse – lembrei-me da última discussão feia que tivemos e não queria passar por aquilo de novo. Minha cabeça já latejava o suficiente.
– Eu sei – olhou-me sério. – Mas é diferente. Aconteceu alguma coisa. Eles estão muito bravos.
– Eles? – levantei as sobrancelhas. Esperava que não fossem muitos.
– Sim. Há novos fantasmas aqui e eles estão muito irritados, . Muito mesmo.
– Tudo bem, . Obrigada. Eu já lidei com essas coisas – assegurei, mas ele não parecia conformado com o que eu disse.
– Você não está entendendo – chegou um pouquinho perto de mim e olhou para George, que ainda dormia profundamente. – Estou tendo um mau pressentimento. Acho que você vai precisar de ajuda.
Aquilo foi o suficiente para eu ficar irritada. Foi mais forte do que eu e estava realmente tentando não me irritar mais com ele.
Não sabia se essa ajuda vinha dele mesmo ou se ele queria que eu tivesse apoio de algum outro mediador.
Ah, vamos para as novidades: nunca, em meus dezesseis anos, encontrei outro mediador. Nenhum. Nunca. Isso resumia que jamais tive o apoio de alguém nesse tipo de coisa.
Ser mediador era misturar a sensação de estresse e impaciência. Já havia encontrado fantasmas que não queriam ir embora, alguns já me deixaram machucados, sendo alguns deles bem sérios. Entre socos, gritos e pancadas, eu nunca tive ninguém para me ajudar.
Precisar? Ok, em certas ocasiões eu precisava mesmo, mas em nenhum momento algum deles apareceu para isso. É claro que já havia me ajudado e foi útil. Mas, sério, qual seria a dificuldade dessa vez que eu não pudesse resolver? E seria irônico demais ter ajuda de um fantasma para levar outros para a próxima vida.
Amy tinha razão. A raiva tinha piorado minha dor.
– Eu não sei o que você acha que é ser um mediador, mas eu não posso ligar para a "Central dos Mediadores" e pedir para algum deles me ajudar – apesar daquela ideia ser bem útil. Pena que não existia nada assim.
– Eu já entendi o que você faz – revirou os olhos impaciente. – Não estou falando desse tipo de ajuda. Falo sobre a ajuda de alguém profissional, sabe?!
– Que seria...? – agora eu estava perdida de verdade. Não fazia ideia do que vinha por aí.
– Um padre ou algo assim.
– E o que um padre poderia fazer? – franzi o cenho, esperando sua resposta brilhante.
– Você sabe, um exorcismo...
Aquilo era demais. Exorcismo? Certo, eu já havia lido coisas sobre quando eu tive que me livrar de alguns fantasmas impertinentes, mas fazer de verdade? Aquilo, claramente, nem nos filmes funcionava!
– Você tem, urgente, que parar de assistir a esses filmes de terror – eu pisquei várias vezes depois de pensar sobre aquilo. A ideia era bizarra demais.
– Você vê e fala com fantasmas, . Por que é tão difícil acreditar que outras coisas existem também? – cruzou os braços e me olhou sério.
– E eu vou ter que partir para um exorcismo sem saber qual é a dos caras?
– Não dá para resolver com diálogo... Eu já disse. Eles estão bravos!
– Você também estava irritado quando eu cheguei aqui e não houve morte nenhuma e estamos aqui conversando em um pacífico diálogo.
– Não entendo por que não me ouve... – suspirou, parecendo cansado. E era bem estranho de ver. Ele não respirava, obviamente, e quando fazia esse tipo de coisa era bem esquisito, porque parecia que ele estava vivo.
– Porque eu sei resolver isso sozinha. Obrigada pelo aviso, . Já lidei com essas coisas antes. Vou ver o que está acontecendo e tentar ajudá-los.
– Tá – deu de ombros, mas dava para ver que ele estava contrariado. – Depois não diga que eu não avisei.
Capítulo 12 - O exorcismo
estava certo.
Eu não era do tipo teimosa, mas demorei para aceitar que realmente algo pesado estava acontecendo. Como sempre, tive que aprender da pior forma: na prática.
Eram três dessa vez. Não sabia os nomes, mas já tinha uma ideia do que procuravam: vingança. Uma novidade aqui na Vineyard, não é mesmo?!
As primeiras pistas apareceram quando, em uma conversa com Dani na sala de jogos, senti que algo estava estranho.
– Encontrei vocês! – Dani apareceu e se sentou ao meu lado em um dos pufes. – Olhem o que chegou!
Ela me entregou oito papéis e eu passei para o resto do pessoal. Demorei para entender que eram os ingressos de sua peça. "Orgulho e Preconceito" brilhavam em letras cursivas e grandes ao lado de alguns desenhos e informações.
"Vai ser na última semana de aula. Vocês são os primeiros a ter isso aí”, ela apontou para os papéis em nossas mãos.
– Você vai ser a protagonista? – perguntou.
– Não. Eu estou mais para aquela árvore que aparece no fundo da cena – deu de ombros. – Isso se acontecer, né?
– Ainda não descobriram quem está destruindo as coisas? – Alison perguntou confusa.
– Destruindo o quê?
– Tudo! – exclamou. – O pior é que, todos os dias, alguma roupa aparece rasgada ou alguma coisa destruída.
– Que estranho! Não tem nenhuma câmera por lá? – Amy perguntou.
– Apenas nos corredores. Nós já olhamos nas câmeras. Não encontramos nada.
– Os caras são bons, então – comentou.
– Até demais. É meio bizarro porque parece que eles são invisíveis.
Foi aí que eu percebi que algo não estava bem. Coisas sumindo, sendo destruídas e nada para contar história nas câmeras? Não era a primeira vez que eu escutava alguma coisa do tipo. De qualquer jeito, achei uma boa ideia “investigar”. Dani, com quem eu ainda me acostumava com o cabelo totalmente azul, não sabia de muita coisa e achou muito estranho eu fazer tantas perguntas, mas consegui desviar do estranhamento dizendo que eu apenas estava curiosa. Ela acabou me contando que o diretor da peça iria fazer uma ronda no local de noite para se certificar de que algum aluno não estivesse fazendo uma brincadeira de mau gosto.
Logo, eu decidi agir. Não tinha muito o que fazer. Apenas precisava dar uma olhada antes que alguém o fizesse e eles aprontassem alguma.
O problema era que eu não estava preparada para aqueles três que apareceram em minha frente quando eu entrei de fininho na sala da turma de teatro.
– Olhe lá! – a garota gritou, apontando para mim com unhas postiças tão gigantescas que tive a impressão de que elas chegaram até mim, mesmo eu estando do outro lado da sala. – O que ela faz aqui?
– Eu não sei! Vamos assustá-la! Você – olhou para o outro menino. – Faça alguma coisa para ela sair correndo!
– Por que eu? – defendeu-se. – Ora, faça você!
– Porque eu que mando aqui!
– Não me lembro de ter concordado com isso...
– Oi, pessoal. Então, não quero atrapalhar a conversa de vocês, não mesmo, mas... – comecei.
– Ela está nos vendo? – o mais alto, que usava uma roupa parecida com a de um pirata, disse, olhando para os outros dois.
– Viu? É exatamente por isso que eu tenho que ser o líder! Você é tão burro...
– Vejo que estão tendo problemas. Juro que, se colaborarem, eu os ajudarei e então poderão conversar pela eternidade no...
– Do que está falando? – a menina colocou as mãos na cintura. – O que é você?
– Bem, sou a mediadora. Provavelmente sou a única que pode vê-los. Estou aqui para ajudá-los.
– Não precisamos de ajuda.
Francamente, se tinha coisa que eu odiava nessa vida, era fantasma mal agradecido. É claro que alguns eu podia deixar de lado para evitar a dor de cabeça e esperar algum mediador aparecer, mas esses eu soube depois que só me trariam dor de cabeça e eu não podia fazer nada, a não ser tentar conversar com eles. Pois é, patético. Eu até cogitei dar uns bons tapas neles, mas não iria resolver muita coisa e seriam três contra uma...
– É o que sempre dizem. Mas, então, por que ainda estão aqui?
– Ela está insistindo em falar com a gente. O que fazemos? – o altão perguntou.
– Matamos! – o outro falou e meus olhos se arregalaram até a moça lhe dar um soco no braço.
– Você está louco?
– Ué, não é o que fazem nos filmes?
– Bem, estou vendo que vocês são fantasmas de primeira viagem! – comecei, tentando causar um bom humor, mas só recebi três cenhos franzidos e então continuei, como se não tivesse feito uma piada péssima dois segundos atrás. – Mas deve ter algum motivo para estarem perambulando por aí, não? Algo pendente, qualquer coisinha...
– Gente, acho que ela está falando do nosso plano! – o mais alto falou sorridente, mas logo se calou quando seu comentário não foi bem aceito.
– Adoraria ajudar – menti.
E foi aí que a merda toda começou a acontecer.
O problema de fantasmas que procuram por vingança é que é muito difícil fazê-los mudar de ideia – e eu já tive prova suficiente disso.
Hillary, Lion e Bill eram estudantes da Meinhardt e não estavam contentes com a transferência do diretor de teatro da escola rival para a Vineyard. E, por causa disso, queriam que ele "sofresse pelo o que estava fazendo" – palavras dos próprios.
Eu não sabia a gravidade do problema até, um mês depois de eu inocentemente oferecer minha ajuda, perceber que a vingança envolvia fogo. Isso mesmo. Queriam matar o cara de verdade.
Então eu entendi o que estava acontecendo e o porquê estava tão preocupado.
Aquilo foi se tornando uma bola de neve e, se já não bastasse o problema em que eu poderia me envolver com o cachorro no meu quarto, ainda tinha que dar um jeito de uma morte – com fogo, devo ressaltar – não acontecer nos domínios daquela escola. A única coisa de que eu os tinha convencido era para esperar dias para colocar o plano em prática – que só aconteceria no dia da apresentação do teatro.
tinha se contido em não dizer um "eu te avisei" e também não ficou muito contente quando soube do fogo e dos motivos daquilo – e também sobre minha futura "ajuda" que eu tinha oferecido aos três.
Foi aí que eu decidi – por desespero e falta de opção – recorrer ao exorcismo. Eu estava desesperada.
– Uma o quê? – cruzou os braços e fez cara de dúvida.
– Macumba brasileira – repeti pela milésima vez.
Não sabia dizer se minha pronúncia estava certa ou se aquilo daria certo. Tinha procurado na internet e, de acordo com as minhas pesquisas, aquele era um método aceitável.
– E funciona?
– Vai ter que funcionar – coloquei minha mochila nas costas com todo o material dentro. Envolvia sangue de galinha e outras coisas. Ainda bem que tive a desculpa de ter George no meu quarto para conseguir os "ingredientes". – Não foi você quem sugeriu que eu fizesse?
– Bem... – ele ficou pensativo. Não achou que eu faria. Não vou julgá-lo. Eu também achava que não iria fazer. – Não é perigoso?
– Óbvio que é perigoso. – suspirei e olhei para o cachorro, que graças a agora estava mordendo um delicioso osso. Desde que aquilo chegou, ele não deu mais atenção aos humanos ao seu redor. – Eu realmente estou com um problemão, .
– Eu sei.
– Olhe, não apareça por lá, ok? – olhei-o séria. – Vão acontecer coisas que nunca presenciei. Não sei o que pode acontecer.
– Eu não...
– Só cuide dele. Está bem? – apontei para o cachorro. – Se tudo der certo, daqui a umas horas eu volto – ele assentiu e não falou mais nada, mas não parecia concordar com o que estava acontecendo. Eu também não estava.
Eles sempre estavam na sala de teatro, sempre armando o "plano" e como iria acontecer. Eu não era amiga deles, mas, depois que eu expliquei o que um mediador faz, eles engoliram e acharam que eu realmente estava os ajudando no plano para matar o cara.
– ! Estávamos falando agora sobre você! – disse ela assim que pisei nos bastidores do teatro, no qual nos encontrávamos em algumas noites. – Estávamos pensando que você poderia ser a isca do plano.
– É, você é a única que está viva aqui e poderia levá-lo para o lugar certo.
– Ah, é – falei. – Em relação a isso, eu descobri uma coisa que vocês vão gostar – os três me olharam com cara de dúvida e empolgação. – Sabe, descobri um jeito de vocês voltarem.
– À vida? – o mais baixo perguntou confuso.
– Sim! – menti descaradamente.
– Não sabia que isso era possível! – o outro disse.
– É coisa de mediador – contornei.
Eu não sabia se aquela mentira daria certo, mas eles não eram muito inteligentes e, pelas circunstâncias, acreditaram no que eu falava. Nem eu acreditei quando concordaram e fizeram tudo que eu pedi para eles fazerem.
Mas, bem, estava tudo bom demais para ser verdade.
Naquela quase-madrugada, depois de ter colocado todas as coisas do ritual no chão, eles se enfileiraram e então eu comecei a recitar as palavras em português. A sorte era que nenhum deles entendia da língua, tampouco eu.
Depois de minutos demorados – que me fizeram desacreditar que aquilo daria certo –, um vento absurdo passou por nós e um buraco preto que puxava esse vento se abriu acima dos três fantasmas. Parecia cena de filme. Aquilo sugava tanto que eu temia que levasse outras coisas além daquelas almas. Eu olhava para eles, ainda recitando aquelas palavras e torcendo para que aquilo acontecesse mais rápido.
Mas é claro que, para o meu azar, algum deles iria perceber que algo estava errado. E foi Hillary. Em um instante, ela estava feliz por acreditar nas minhas falsas promessas e, no outro, ela deu um grito ensurdecedor.
Então foi aí que ela saiu do lugar que a marquei e, nesse mesmo momento, os outros dois saíram do lugar também.
– Eu sabia! Sabia que você estava sendo boazinha demais!
E lá vamos nós outra vez para os espíritos raivosos que destroem tudo quando estão nervosos. Enquanto ela falava, alguns móveis e cortinas se mexiam, então eu comecei a dar passos para trás.
– Eu não acredito que confiamos em você!
– Você, , vai pagar pelo que tentou fazer com a gente! – a menina ainda gritava. – Como pôde?!
E então ela se jogou em cima de mim! Em cima se mim! Foi tão rápido que mal consegui raciocinar.
Seus braços fizeram meu corpo cair no chão e o seu pender por cima do meu, segurando meus braços para que eu não conseguisse me mexer. Para seu azar, ela não conseguiu ficar assim por muito tempo porque meus pés inverteram a situação e agora quem estava por cima era eu.
Fantasmas eram bem fortes. O problema era que Hillary não era muito atenta. Assim, eu a prendi e dei meu melhor soco em sua barriga, saindo logo em seguida o mais rápido que pude para tentar escapar. Eu não era covarde. Apenas não queria ter que lutar com três deles, até porque provavelmente eu não sairia viva dessa.
Ela gritou novamente e se levantou, com a mão na barriga e me olhando furiosa.
– Eu vou atrás de você, ! Você não vai sair viva dessa!
Então ela sumiu, levando os outros dois consigo, deixando-me completamente nervosa – e, por mais que eu não conseguisse admitir, apavorada.
Um tempo havia se passado desde o meu último contato com aqueles três. Durante esse tempo, eu tinha certeza de que eles iriam aparecer a qualquer momento e me matar. Talvez eu estivesse exagerando e eles realmente tivessem ido embora – ou, se eu tivesse dado sorte, teriam esbarrado com outro mediador por aí. No final das contas, até o pessoal do teatro tinha dado sorte: não havia mais nenhum incômodo feito por forças sobrenaturais.
Fosse como fosse, agora minhas preocupações eram outras: as últimas provas.
Quando eu morava em Nova York, passava horas acordada durante a noite por causa do meu trabalho secreto. O café me acompanhava e eram incontáveis os dias que eu passava sem pregar os olhos.
Se eu soubesse naquela época que, dali a uns meses, eu estaria do mesmo jeito, mas por causa dos estudos... Quando eu tinha aulas em casa, nem de longe era tão puxado como na Vineyard, onde as trezentas matérias somadas às aulas extracurriculares estavam me consumindo. Meus olhos nem sabiam mais o que era ter uma boa noite de sono e o pior de tudo era ver que quase todos os alunos também estavam desesperados. Não era por mal. Eu havia passado tanto tempo com alguns fantasmas e cuidando de George que nem percebi quando as últimas provas estavam chegando. E parecia que todos os professores tinham combinado em passar trabalhos dificílimos na mesma época.
Dani me ajudara com Espanhol, matéria em que eu sou péssima e duvidava muito que conseguiria tirar uma nota acima da média. estava me ajudando com Biologia – ele era bizarramente bom nisso. Amy me ajudava com tudo que tinha número – na verdade, ela ajudava a todos. Todo mundo se encontrava na segunda-feira depois da aula e passava horas fazendo conta. Até Ali, depois de um puxão de orelha de Amy, tinha corrido atrás de algumas matérias nas quais suas notas estavam péssimas.
Naquelas semanas, aquele era o máximo de tempo que passávamos todos juntos. Assim, naqueles últimos meses de aula, eu passava mais tempo na biblioteca do que em qualquer outro lugar. Minhas notas não estavam tão baixas, mas eu precisava tirar a média na maioria para passar sem ter que fazer aulas de reforço no verão.
As últimas provas não estavam agradando a ninguém. Era o mesmo sentimento de exaustão por ter tanto conteúdo na cabeça nos últimos tempos.
– Eu não consigo mais raciocinar – estava deitado no chão da sala de jogos. O carpete azul parecia tão confortável que eu até cogitei me deitar com ele.
– E você um dia conseguiu? – a ruiva implicou.
– Para sua sorte, Parker, eu não tenho mais força nem para respondê-la.
– Realmente, que sorte a minha, não? – ele voltou a fechar os olhos.
– Só mais uma semana, pessoal. A gente consegue – Ali disse sorridente. Era a única entre nós que ainda tinha forças para isso. – Vai passar rápido.
E ela tinha razão. A semana passou tão rápido que não deu muito tempo para reclamarmos. Eu tinha conseguido passar em tudo, depois do desespero de achar que eu não havia passado em Física, e todos os outros também. Devido às aulas extracurriculares e à presença na sala, todo mundo havia passado e, de certo, Amy, a nossa Hermione, havia passado com nota máxima em tudo. Naquele domingo, finalmente havia chegado o momento em que eu veria Dani atuar. Sabia que ela não iria aparecer muito, mas seria legal vê-la no palco – tanto quanto no meu aniversário. Quando dei por mim, todos nós estávamos na primeira fila, com segurando todas as comidas que pôde comprar antes do evento e Chris com os maiores sapatos de salto que eu já havia visto.
Tudo estava muito bem decorado com tecido roxo escuro espalhado por todo o local. A plateia estava lotada e alguns murmúrios eram fáceis de ouvir.
– Você tinha que trazer a lanchonete inteira? – perguntou, incomodado com a barulheira que o amigo fazia ao abrir os salgadinhos.
– Na verdade, sim. A Taylor não pôde vir, cara. Eu estou entediado!
– Que bela desculpa! – ele cruzou os braços, meio emburrado.
– Será que vocês podem calar a boca? – Amy, que estava mais distante de nós, avisou. – Não quero que venham reclamar! Vai começar a qualquer momento...
E, como se fosse um aviso, as luzes se apagaram na mesma hora. se acuou no banco e tentava fazer o menor ruído possível, parou de implicar e seus olhos pairaram no palco, Alison, que parecia estar dormindo, ficou atenta, Chris e pararam de cochichar e prestaram atenção, e e Amy continuaram do mesmo jeito que estavam quando chegaram: atentos ao palco.
A peça começou e, para ser bem sincera, eu não estava entendendo muito bem. Pelo pouco que eu sabia da obra, contava sobre duas pessoas, uma orgulhosa e a outra preconceituosa, que só dava para entender realmente ao decorrer da história. Era o básico e o que dizia na sinopse do livro nas lojas online.
Com isso, eu apenas esperei minha amiga aparecer e, bem, demorou um pouco para acontecer. Ela apareceu brevemente e disse apenas algumas palavras. Disse que não era grande coisa, mas achei demais!
Depois de um tempo, acho eu, a peça estava chegando ao fim. O enredo parecia estar chegando ao final. E foi aí, olhando o cenário no palco... Que eu vi.
Meus olhos se encheram de desespero no momento em que vi os três. Os fantasmas que eu havia deixado para trás há algumas semanas. Eles, que me ameaçaram antes de desaparecer, deixando-me amedrontada. Os três estavam bem ali. Acima do cenário, onde apenas quem estava na primeira fila conseguia enxergar, ou apenas quem conseguia ver fantasmas.
Hillary foi a única que me viu. No momento em que meu olhar cruzou com o dela, um sorriso bizarro apareceu em seu rosto. Seus olhos se iluminaram com o fogo que saía do objeto em sua mão.
Foi tudo rápido demais. Em um minuto, eu estava apreciando a peça. No outro, a garota soltou o isqueiro e ele foi parar em uma das cortinas e eu gritei o mais alto que pude:
– Não! – como se pudesse mudar alguma coisa.
Momentos depois, os atores em cena começaram a correr e o murmúrio da plateia se tornou ensurdecedor, formando gritos de desespero e medo da morte. De um minuto para outro, as cortinas, os tecidos, estavam em chamas. As portas de emergência se abriram no mesmo segundo em que o fogo passou para o chão do palco.
Confesso: eu fiquei louca. O meu desespero foi tão absurdo que eu não consegui agir. Estava vendo o fogo se aproximar, sem conseguir me mexer. Não sabia onde estavam meus amigos, tampouco conseguia vê-los. Por um minuto, estavam ali do meu lado e, no outro, não estavam mais. A fumaça já fazia parte do ambiente e com isso comecei a tossir, aumentando meu medo e impotência.
– ! – uma voz, bem ao longe, me chamou. – !
Eu não sabia de quem era. E nem tinha chances ou conseguia pensar em dar algum palpite.
– Cadê você? – olhei ao redor e, além das pessoas que corriam desesperadas, a fumaça quase tomou minha visão.
– , sou eu. Cadê você?
– ? – o que ele estava fazendo ali? – Estou aqui! Não consigo ver você!
– Encontrei você! – um braço me puxou e eu não me lembro de ter visto nada, além da fumaça e do fogo.
Depois de fazer nebulização por uma hora, as coisas começaram a fazer sentido.
Eu quase havia morrido, eu não sabia agir em desespero, a polícia, os bombeiros e os paramédicos estavam ali. O fogo não deu muitos danos, mas o teatro teria que ser quase todo reformado. Meus amigos estavam bem e ninguém havia se ferido gravemente. E que havia salvado minha vida. Não .
Era tão óbvio que eu não sabia por que tinha pensado diferente.
percebeu que eu não estava junto deles quando conseguiram escapar das chamas e veio atrás de mim. Uma atitude completamente imprudente e que o fez tomar inúmeras broncas de um dos bombeiros, e de Amy também.
Depois de ser liberada por um dos enfermeiros que cuidava dos alunos, eu me distanciei o máximo possível daquela cena, sentando-me em uma parte afastada do campus. Estava suando e tenho certeza que estava toda suja. De todas as vezes que quase morri naquele ano letivo – e na minha vida inteira também – aquela havia sido, sem sombra de dúvidas, a pior de todas. Meu coração estava disparado e, assim que me sentei em uma parte do campus, eu pude raciocinar melhor.
Aquele era um típico momento no qual eu queria me matar por ter esse "dom" que eu preferia chamar de "maldição". De quantos problemas eu teria me privado se não conseguisse vê-los e não tivesse aquela sina e ter que ajudá-los? Provavelmente a relação com meus pais seria melhor, eu teria amigos e não seria a garota esquisita que sai pela madrugada vestida de preto.
Eu não percebi que as lágrimas saíam dos meus olhos, silenciosas, e meu coração acelerava cada vez mais.
– ? – naquele momento, sim, era . – Você está bem?
– Estou bem – não me virei para vê-lo, mas ele se sentou ao meu lado.
– Não vai me mandar embora?
– Não dessa vez – quase ri de sua pergunta.
– Nem se eu falar sem parar? – sorriu e eu não pude deixar de rir um pouco, até porque sabia que aquilo era exatamente o que ele iria fazer. – Não chore, . Você está viva...
Aquilo parecia alguma outra coisa do que palavras reconfortantes.
– Estou nervosa. Vai passar – falei, mas meu coração dizia o contrário, assim como as lágrimas que ainda insistiam em cair.
Meu rosto devia estar péssimo, vermelho e inchado.
– Espero que passe – disse ele. – Sabe, eu pensei em vir atrás de você quando percebi que algo estava errado, mas sabia que você iria conseguir resolver – eu ri da sua torcida e crença em mim.
– Eu não resolvi isso. Foram os bombeiros.
– Eu não sabia que tinha fogo envolvido, – ele balançou a cabeça.
– Você não precisa ficar salvando minha vida, .
– Não mesmo. Você consegue lidar com tudo sozinha. Eu apenas lhe dei uma força algumas vezes – o garoto abriu um sorrisão.
Como eu pude ter tanta raiva de ? Eu estava ali, culpando a mim mesma pela minha quase-morte, e ele estava me garantindo que eu tinha "força" o suficiente para passar por aquilo. Lembrei-me das primeiras impressões que tive dele: o garoto inconveniente e insuportável. É claro que a maior parte desses adjetivos se dava pelo fato de que ele era um fantasma e que, com a sede de querer seguir em frente, a inconveniência era inevitável. Típico dos mortos que ainda vagam por aí. Com o tempo passando, foi se mostrando mais compreensivo e me fez perceber que ele não era de todo mal. Continuava sendo o cara que morava no meu quarto, mas ele também era o cara que já salvou minha vida, além de me ajudar com George. Depois de meses, eu vi qual era a real personalidade de . Além de ser realmente responsável, ele era muito companheiro. Não digo de mim especificamente, mas das situações em geral. Como ele disse, não me socorria. Apenas me ajudava quando eu não calculava com exatidão o que poderia acontecer. De resto, ele apenas dava uma mãozinha no que pudesse.
Às vezes, ao lembrar que ele já tinha sido vivo, eu me pegava pensando em quão sortudas eram as pessoas que estavam ao seu redor.
era aquele tipo de pessoa que sempre estaria ajudando no que pudesse.
E quem eu queria enganar? Eu era grata por isso. Talvez sem ele, estivesse morta agora.
Pois é. Eu agradecendo mentalmente pelo cara que quis matar no primeiro momento que conheci. Talvez eu estivesse um pouco sensível por quase ter morrido naquela noite.
– ! Procurei você por todo lugar! – aquele sotaque, que fez me confundir horas antes, apareceu. Era , tão suado quanto eu, com o cabelo espetado para cima. Enxuguei minhas lágrimas o mais rápido possível.
– Belo penteado – falei quando ele se sentou do meu outro lado.
Parecia até que ele sabia que havia alguém do meu outro lado.
riu quando apareceu. Acho que estava achando graça do cabelo como eu ou apenas rindo do momento.
– Essa poeira acabou com ele – deu de ombros. – Por que está aqui?
– Pensando.
– Sobre o quê? – levantou as sobrancelhas e eu ri.
– O que acha que estou pensando? – gargalhou ao meu lado e eu acompanhei sua risada.
– O pessoal está indo para a sala de jogos. Já deu de ficar aqui, não acha? – perguntou.
– Claro. Já deu – confirmei. – Eu vou daqui a pouco.
– Tudo bem – ele se levantou. – Tente não demorar. Aqui é meio sinistro.
– Está com medo? – imagine se ele soubesse que um fantasma estava ali bem pertinho dele.
– Sei lá! – deu de ombros e andou para longe. – Até depois.
– Acho que essa foi a primeira vez que eu pude ficar perto de um de seus amigos sem você me mandar embora – comentou.
Eu ri. Bem, era verdade.
– Não vá se acostumando.
– Ah, não? – olhou-me, rindo também.
– – limpei a garganta. – Por que me ajudou tantas vezes? Digo, eu já o tratei supermal e você ainda teve compaixão por mim.
– Era nisso que estava pensando? – assenti. – Hum, compaixão... Acho que foi um pouco disso, sim. Você se mete em cada uma... – balançou a cabeça, rindo. Provavelmente se lembrando de algum momento específico. – Naquele dia no seu quarto, você me disse que não iria mais me ajudar e aquilo me fez pensar em como eu estava a tratando.
– Como assim?
– Eu não sou daquele jeito. Sabe, naquele dia que a vi pela primeira vez, com aquele casaco de couro e maquiagem escura... Com aquele jeito mandão de “saia do meu quarto” – fez uma péssima imitação minha e eu gargalhei. – Foi como um pedido para eu implicar com você de todos os jeitos que pude encontrar. Admito que sou curioso, mas eu também não tenho culpa se sua amiga tem tantos livros legais! Mas sei que passei dos limites e eu não quero ficar por aqui para sempre. Então pensei em me redimir a ajudando de algum jeito. O problema, , é que você sofre do que eu chamo de Síndrome de Herói.
– Síndrome de quê? – nunca havia escutado sobre aquilo e tenho certeza de que não era nenhuma doença catalogada pelos médicos. Ri quando o vi sem graça pela pergunta.
– É essa necessidade que você tem de salvar todo mundo! – explicou e eu revirei os olhos.
– Não é uma necessidade. Eu não tenho culpa se os fantasmas de Sonoma são loucos – o garoto me olhou um pouco ofendido. – Sem ofensas, mas a maioria de vocês quer matar alguém! E só eu posso resolver essas coisas.
– Pode ser, mas também acho que você tem esse imã para os fantasmas. A maioria deles quer lhe fazer algum mal – balançou a cabeça.
– Como naquele dia no banheiro? Por isso você apareceu lá? Para se redimir ou qualquer coisa do tipo?
– É! Aquela mulher estava atrás de você! Você sabe como alguns deles vão até o seu quarto à sua procura e, bem, na maioria das vezes eu estou lá.
Nesse momento, nós já estávamos de frente um para o outro. Ele falava e eu prestava atenção em cada detalhe. Quando falava partes mais sérias, cuidadosas e perigosas. Era como se eu estivesse conversando com algum de meus amigos. A diferença era que nenhum deles falava como . Ele às vezes abaixava a cabeça e, quando se lembrava de que estava falando comigo, a levantava e ria de alguma coisa. Era engraçado porque acho que eu nunca havia parado para prestar atenção nessas coisas.
– Você tem razão – concordei, já sabendo que aquilo acontecia de fato. Eu só não sabia como funcionava. – Eu tenho um imã para essas coisas.
– É. Tenho medo do que pode acontecer daqui para frente...
– – pensei, antes de falar as palavras certas. Ele me olhava com curiosidade. – Vou ajudar você.
– Sério? – seu sorriso estava de orelha a orelha.
– Já devia ter feito isso antes – cocei a cabeça e voltei a olhar o teatro ao longe. As pessoas ainda estavam em volta e a polícia ainda estava por lá. – Mas depois, certo? Agora está tudo uma bagunça – falei mais pela minha cabeça do que por qualquer outra coisa. – E vamos entrar de férias e tudo mais.
– Não me importo em esperar – ele ainda sorria divertido. – Posso visitá-la em Nova York?
– Nem pense nisso! As anormalidades de Sonoma permanecem por aqui. Não quero que as loucuras que passei apareçam por lá...
– Anormalidades? – voltei minha atenção para ele que fingia estar ofendido.
– É. E como sabe que eu sou de Nova York?
– Fale sério. Esse seu sotaque misturado de todos os lugares e essa sua aparência de algum outro lugar é bem evidente!
– Ok, senhor Sherlock. Agora, sim, você tem que ir embora – levantei-me.
– Tudo bem.
– Não vai contestar? – franzi o cenho. – Sério?
– Ah, não dessa vez – colocou as mãos nos bolsos. – Até depois, .
Como de costume, ele sumiu bem na minha frente, deixando-me com a cabeça confusa em um único pensamento: eu já tinha me afeiçoado ao cara.
Eu não era do tipo teimosa, mas demorei para aceitar que realmente algo pesado estava acontecendo. Como sempre, tive que aprender da pior forma: na prática.
Eram três dessa vez. Não sabia os nomes, mas já tinha uma ideia do que procuravam: vingança. Uma novidade aqui na Vineyard, não é mesmo?!
As primeiras pistas apareceram quando, em uma conversa com Dani na sala de jogos, senti que algo estava estranho.
– Encontrei vocês! – Dani apareceu e se sentou ao meu lado em um dos pufes. – Olhem o que chegou!
Ela me entregou oito papéis e eu passei para o resto do pessoal. Demorei para entender que eram os ingressos de sua peça. "Orgulho e Preconceito" brilhavam em letras cursivas e grandes ao lado de alguns desenhos e informações.
"Vai ser na última semana de aula. Vocês são os primeiros a ter isso aí”, ela apontou para os papéis em nossas mãos.
– Você vai ser a protagonista? – perguntou.
– Não. Eu estou mais para aquela árvore que aparece no fundo da cena – deu de ombros. – Isso se acontecer, né?
– Ainda não descobriram quem está destruindo as coisas? – Alison perguntou confusa.
– Destruindo o quê?
– Tudo! – exclamou. – O pior é que, todos os dias, alguma roupa aparece rasgada ou alguma coisa destruída.
– Que estranho! Não tem nenhuma câmera por lá? – Amy perguntou.
– Apenas nos corredores. Nós já olhamos nas câmeras. Não encontramos nada.
– Os caras são bons, então – comentou.
– Até demais. É meio bizarro porque parece que eles são invisíveis.
Foi aí que eu percebi que algo não estava bem. Coisas sumindo, sendo destruídas e nada para contar história nas câmeras? Não era a primeira vez que eu escutava alguma coisa do tipo. De qualquer jeito, achei uma boa ideia “investigar”. Dani, com quem eu ainda me acostumava com o cabelo totalmente azul, não sabia de muita coisa e achou muito estranho eu fazer tantas perguntas, mas consegui desviar do estranhamento dizendo que eu apenas estava curiosa. Ela acabou me contando que o diretor da peça iria fazer uma ronda no local de noite para se certificar de que algum aluno não estivesse fazendo uma brincadeira de mau gosto.
Logo, eu decidi agir. Não tinha muito o que fazer. Apenas precisava dar uma olhada antes que alguém o fizesse e eles aprontassem alguma.
O problema era que eu não estava preparada para aqueles três que apareceram em minha frente quando eu entrei de fininho na sala da turma de teatro.
– Olhe lá! – a garota gritou, apontando para mim com unhas postiças tão gigantescas que tive a impressão de que elas chegaram até mim, mesmo eu estando do outro lado da sala. – O que ela faz aqui?
– Eu não sei! Vamos assustá-la! Você – olhou para o outro menino. – Faça alguma coisa para ela sair correndo!
– Por que eu? – defendeu-se. – Ora, faça você!
– Porque eu que mando aqui!
– Não me lembro de ter concordado com isso...
– Oi, pessoal. Então, não quero atrapalhar a conversa de vocês, não mesmo, mas... – comecei.
– Ela está nos vendo? – o mais alto, que usava uma roupa parecida com a de um pirata, disse, olhando para os outros dois.
– Viu? É exatamente por isso que eu tenho que ser o líder! Você é tão burro...
– Vejo que estão tendo problemas. Juro que, se colaborarem, eu os ajudarei e então poderão conversar pela eternidade no...
– Do que está falando? – a menina colocou as mãos na cintura. – O que é você?
– Bem, sou a mediadora. Provavelmente sou a única que pode vê-los. Estou aqui para ajudá-los.
– Não precisamos de ajuda.
Francamente, se tinha coisa que eu odiava nessa vida, era fantasma mal agradecido. É claro que alguns eu podia deixar de lado para evitar a dor de cabeça e esperar algum mediador aparecer, mas esses eu soube depois que só me trariam dor de cabeça e eu não podia fazer nada, a não ser tentar conversar com eles. Pois é, patético. Eu até cogitei dar uns bons tapas neles, mas não iria resolver muita coisa e seriam três contra uma...
– É o que sempre dizem. Mas, então, por que ainda estão aqui?
– Ela está insistindo em falar com a gente. O que fazemos? – o altão perguntou.
– Matamos! – o outro falou e meus olhos se arregalaram até a moça lhe dar um soco no braço.
– Você está louco?
– Ué, não é o que fazem nos filmes?
– Bem, estou vendo que vocês são fantasmas de primeira viagem! – comecei, tentando causar um bom humor, mas só recebi três cenhos franzidos e então continuei, como se não tivesse feito uma piada péssima dois segundos atrás. – Mas deve ter algum motivo para estarem perambulando por aí, não? Algo pendente, qualquer coisinha...
– Gente, acho que ela está falando do nosso plano! – o mais alto falou sorridente, mas logo se calou quando seu comentário não foi bem aceito.
– Adoraria ajudar – menti.
E foi aí que a merda toda começou a acontecer.
O problema de fantasmas que procuram por vingança é que é muito difícil fazê-los mudar de ideia – e eu já tive prova suficiente disso.
Hillary, Lion e Bill eram estudantes da Meinhardt e não estavam contentes com a transferência do diretor de teatro da escola rival para a Vineyard. E, por causa disso, queriam que ele "sofresse pelo o que estava fazendo" – palavras dos próprios.
Eu não sabia a gravidade do problema até, um mês depois de eu inocentemente oferecer minha ajuda, perceber que a vingança envolvia fogo. Isso mesmo. Queriam matar o cara de verdade.
Então eu entendi o que estava acontecendo e o porquê estava tão preocupado.
Aquilo foi se tornando uma bola de neve e, se já não bastasse o problema em que eu poderia me envolver com o cachorro no meu quarto, ainda tinha que dar um jeito de uma morte – com fogo, devo ressaltar – não acontecer nos domínios daquela escola. A única coisa de que eu os tinha convencido era para esperar dias para colocar o plano em prática – que só aconteceria no dia da apresentação do teatro.
tinha se contido em não dizer um "eu te avisei" e também não ficou muito contente quando soube do fogo e dos motivos daquilo – e também sobre minha futura "ajuda" que eu tinha oferecido aos três.
Foi aí que eu decidi – por desespero e falta de opção – recorrer ao exorcismo. Eu estava desesperada.
– Uma o quê? – cruzou os braços e fez cara de dúvida.
– Macumba brasileira – repeti pela milésima vez.
Não sabia dizer se minha pronúncia estava certa ou se aquilo daria certo. Tinha procurado na internet e, de acordo com as minhas pesquisas, aquele era um método aceitável.
– E funciona?
– Vai ter que funcionar – coloquei minha mochila nas costas com todo o material dentro. Envolvia sangue de galinha e outras coisas. Ainda bem que tive a desculpa de ter George no meu quarto para conseguir os "ingredientes". – Não foi você quem sugeriu que eu fizesse?
– Bem... – ele ficou pensativo. Não achou que eu faria. Não vou julgá-lo. Eu também achava que não iria fazer. – Não é perigoso?
– Óbvio que é perigoso. – suspirei e olhei para o cachorro, que graças a agora estava mordendo um delicioso osso. Desde que aquilo chegou, ele não deu mais atenção aos humanos ao seu redor. – Eu realmente estou com um problemão, .
– Eu sei.
– Olhe, não apareça por lá, ok? – olhei-o séria. – Vão acontecer coisas que nunca presenciei. Não sei o que pode acontecer.
– Eu não...
– Só cuide dele. Está bem? – apontei para o cachorro. – Se tudo der certo, daqui a umas horas eu volto – ele assentiu e não falou mais nada, mas não parecia concordar com o que estava acontecendo. Eu também não estava.
Eles sempre estavam na sala de teatro, sempre armando o "plano" e como iria acontecer. Eu não era amiga deles, mas, depois que eu expliquei o que um mediador faz, eles engoliram e acharam que eu realmente estava os ajudando no plano para matar o cara.
– ! Estávamos falando agora sobre você! – disse ela assim que pisei nos bastidores do teatro, no qual nos encontrávamos em algumas noites. – Estávamos pensando que você poderia ser a isca do plano.
– É, você é a única que está viva aqui e poderia levá-lo para o lugar certo.
– Ah, é – falei. – Em relação a isso, eu descobri uma coisa que vocês vão gostar – os três me olharam com cara de dúvida e empolgação. – Sabe, descobri um jeito de vocês voltarem.
– À vida? – o mais baixo perguntou confuso.
– Sim! – menti descaradamente.
– Não sabia que isso era possível! – o outro disse.
– É coisa de mediador – contornei.
Eu não sabia se aquela mentira daria certo, mas eles não eram muito inteligentes e, pelas circunstâncias, acreditaram no que eu falava. Nem eu acreditei quando concordaram e fizeram tudo que eu pedi para eles fazerem.
Mas, bem, estava tudo bom demais para ser verdade.
Naquela quase-madrugada, depois de ter colocado todas as coisas do ritual no chão, eles se enfileiraram e então eu comecei a recitar as palavras em português. A sorte era que nenhum deles entendia da língua, tampouco eu.
Depois de minutos demorados – que me fizeram desacreditar que aquilo daria certo –, um vento absurdo passou por nós e um buraco preto que puxava esse vento se abriu acima dos três fantasmas. Parecia cena de filme. Aquilo sugava tanto que eu temia que levasse outras coisas além daquelas almas. Eu olhava para eles, ainda recitando aquelas palavras e torcendo para que aquilo acontecesse mais rápido.
Mas é claro que, para o meu azar, algum deles iria perceber que algo estava errado. E foi Hillary. Em um instante, ela estava feliz por acreditar nas minhas falsas promessas e, no outro, ela deu um grito ensurdecedor.
Então foi aí que ela saiu do lugar que a marquei e, nesse mesmo momento, os outros dois saíram do lugar também.
– Eu sabia! Sabia que você estava sendo boazinha demais!
E lá vamos nós outra vez para os espíritos raivosos que destroem tudo quando estão nervosos. Enquanto ela falava, alguns móveis e cortinas se mexiam, então eu comecei a dar passos para trás.
– Eu não acredito que confiamos em você!
– Você, , vai pagar pelo que tentou fazer com a gente! – a menina ainda gritava. – Como pôde?!
E então ela se jogou em cima de mim! Em cima se mim! Foi tão rápido que mal consegui raciocinar.
Seus braços fizeram meu corpo cair no chão e o seu pender por cima do meu, segurando meus braços para que eu não conseguisse me mexer. Para seu azar, ela não conseguiu ficar assim por muito tempo porque meus pés inverteram a situação e agora quem estava por cima era eu.
Fantasmas eram bem fortes. O problema era que Hillary não era muito atenta. Assim, eu a prendi e dei meu melhor soco em sua barriga, saindo logo em seguida o mais rápido que pude para tentar escapar. Eu não era covarde. Apenas não queria ter que lutar com três deles, até porque provavelmente eu não sairia viva dessa.
Ela gritou novamente e se levantou, com a mão na barriga e me olhando furiosa.
– Eu vou atrás de você, ! Você não vai sair viva dessa!
Então ela sumiu, levando os outros dois consigo, deixando-me completamente nervosa – e, por mais que eu não conseguisse admitir, apavorada.
Um tempo havia se passado desde o meu último contato com aqueles três. Durante esse tempo, eu tinha certeza de que eles iriam aparecer a qualquer momento e me matar. Talvez eu estivesse exagerando e eles realmente tivessem ido embora – ou, se eu tivesse dado sorte, teriam esbarrado com outro mediador por aí. No final das contas, até o pessoal do teatro tinha dado sorte: não havia mais nenhum incômodo feito por forças sobrenaturais.
Fosse como fosse, agora minhas preocupações eram outras: as últimas provas.
Quando eu morava em Nova York, passava horas acordada durante a noite por causa do meu trabalho secreto. O café me acompanhava e eram incontáveis os dias que eu passava sem pregar os olhos.
Se eu soubesse naquela época que, dali a uns meses, eu estaria do mesmo jeito, mas por causa dos estudos... Quando eu tinha aulas em casa, nem de longe era tão puxado como na Vineyard, onde as trezentas matérias somadas às aulas extracurriculares estavam me consumindo. Meus olhos nem sabiam mais o que era ter uma boa noite de sono e o pior de tudo era ver que quase todos os alunos também estavam desesperados. Não era por mal. Eu havia passado tanto tempo com alguns fantasmas e cuidando de George que nem percebi quando as últimas provas estavam chegando. E parecia que todos os professores tinham combinado em passar trabalhos dificílimos na mesma época.
Dani me ajudara com Espanhol, matéria em que eu sou péssima e duvidava muito que conseguiria tirar uma nota acima da média. estava me ajudando com Biologia – ele era bizarramente bom nisso. Amy me ajudava com tudo que tinha número – na verdade, ela ajudava a todos. Todo mundo se encontrava na segunda-feira depois da aula e passava horas fazendo conta. Até Ali, depois de um puxão de orelha de Amy, tinha corrido atrás de algumas matérias nas quais suas notas estavam péssimas.
Naquelas semanas, aquele era o máximo de tempo que passávamos todos juntos. Assim, naqueles últimos meses de aula, eu passava mais tempo na biblioteca do que em qualquer outro lugar. Minhas notas não estavam tão baixas, mas eu precisava tirar a média na maioria para passar sem ter que fazer aulas de reforço no verão.
As últimas provas não estavam agradando a ninguém. Era o mesmo sentimento de exaustão por ter tanto conteúdo na cabeça nos últimos tempos.
– Eu não consigo mais raciocinar – estava deitado no chão da sala de jogos. O carpete azul parecia tão confortável que eu até cogitei me deitar com ele.
– E você um dia conseguiu? – a ruiva implicou.
– Para sua sorte, Parker, eu não tenho mais força nem para respondê-la.
– Realmente, que sorte a minha, não? – ele voltou a fechar os olhos.
– Só mais uma semana, pessoal. A gente consegue – Ali disse sorridente. Era a única entre nós que ainda tinha forças para isso. – Vai passar rápido.
E ela tinha razão. A semana passou tão rápido que não deu muito tempo para reclamarmos. Eu tinha conseguido passar em tudo, depois do desespero de achar que eu não havia passado em Física, e todos os outros também. Devido às aulas extracurriculares e à presença na sala, todo mundo havia passado e, de certo, Amy, a nossa Hermione, havia passado com nota máxima em tudo. Naquele domingo, finalmente havia chegado o momento em que eu veria Dani atuar. Sabia que ela não iria aparecer muito, mas seria legal vê-la no palco – tanto quanto no meu aniversário. Quando dei por mim, todos nós estávamos na primeira fila, com segurando todas as comidas que pôde comprar antes do evento e Chris com os maiores sapatos de salto que eu já havia visto.
Tudo estava muito bem decorado com tecido roxo escuro espalhado por todo o local. A plateia estava lotada e alguns murmúrios eram fáceis de ouvir.
– Você tinha que trazer a lanchonete inteira? – perguntou, incomodado com a barulheira que o amigo fazia ao abrir os salgadinhos.
– Na verdade, sim. A Taylor não pôde vir, cara. Eu estou entediado!
– Que bela desculpa! – ele cruzou os braços, meio emburrado.
– Será que vocês podem calar a boca? – Amy, que estava mais distante de nós, avisou. – Não quero que venham reclamar! Vai começar a qualquer momento...
E, como se fosse um aviso, as luzes se apagaram na mesma hora. se acuou no banco e tentava fazer o menor ruído possível, parou de implicar e seus olhos pairaram no palco, Alison, que parecia estar dormindo, ficou atenta, Chris e pararam de cochichar e prestaram atenção, e e Amy continuaram do mesmo jeito que estavam quando chegaram: atentos ao palco.
A peça começou e, para ser bem sincera, eu não estava entendendo muito bem. Pelo pouco que eu sabia da obra, contava sobre duas pessoas, uma orgulhosa e a outra preconceituosa, que só dava para entender realmente ao decorrer da história. Era o básico e o que dizia na sinopse do livro nas lojas online.
Com isso, eu apenas esperei minha amiga aparecer e, bem, demorou um pouco para acontecer. Ela apareceu brevemente e disse apenas algumas palavras. Disse que não era grande coisa, mas achei demais!
Depois de um tempo, acho eu, a peça estava chegando ao fim. O enredo parecia estar chegando ao final. E foi aí, olhando o cenário no palco... Que eu vi.
Meus olhos se encheram de desespero no momento em que vi os três. Os fantasmas que eu havia deixado para trás há algumas semanas. Eles, que me ameaçaram antes de desaparecer, deixando-me amedrontada. Os três estavam bem ali. Acima do cenário, onde apenas quem estava na primeira fila conseguia enxergar, ou apenas quem conseguia ver fantasmas.
Hillary foi a única que me viu. No momento em que meu olhar cruzou com o dela, um sorriso bizarro apareceu em seu rosto. Seus olhos se iluminaram com o fogo que saía do objeto em sua mão.
Foi tudo rápido demais. Em um minuto, eu estava apreciando a peça. No outro, a garota soltou o isqueiro e ele foi parar em uma das cortinas e eu gritei o mais alto que pude:
– Não! – como se pudesse mudar alguma coisa.
Momentos depois, os atores em cena começaram a correr e o murmúrio da plateia se tornou ensurdecedor, formando gritos de desespero e medo da morte. De um minuto para outro, as cortinas, os tecidos, estavam em chamas. As portas de emergência se abriram no mesmo segundo em que o fogo passou para o chão do palco.
Confesso: eu fiquei louca. O meu desespero foi tão absurdo que eu não consegui agir. Estava vendo o fogo se aproximar, sem conseguir me mexer. Não sabia onde estavam meus amigos, tampouco conseguia vê-los. Por um minuto, estavam ali do meu lado e, no outro, não estavam mais. A fumaça já fazia parte do ambiente e com isso comecei a tossir, aumentando meu medo e impotência.
– ! – uma voz, bem ao longe, me chamou. – !
Eu não sabia de quem era. E nem tinha chances ou conseguia pensar em dar algum palpite.
– Cadê você? – olhei ao redor e, além das pessoas que corriam desesperadas, a fumaça quase tomou minha visão.
– , sou eu. Cadê você?
– ? – o que ele estava fazendo ali? – Estou aqui! Não consigo ver você!
– Encontrei você! – um braço me puxou e eu não me lembro de ter visto nada, além da fumaça e do fogo.
Depois de fazer nebulização por uma hora, as coisas começaram a fazer sentido.
Eu quase havia morrido, eu não sabia agir em desespero, a polícia, os bombeiros e os paramédicos estavam ali. O fogo não deu muitos danos, mas o teatro teria que ser quase todo reformado. Meus amigos estavam bem e ninguém havia se ferido gravemente. E que havia salvado minha vida. Não .
Era tão óbvio que eu não sabia por que tinha pensado diferente.
percebeu que eu não estava junto deles quando conseguiram escapar das chamas e veio atrás de mim. Uma atitude completamente imprudente e que o fez tomar inúmeras broncas de um dos bombeiros, e de Amy também.
Depois de ser liberada por um dos enfermeiros que cuidava dos alunos, eu me distanciei o máximo possível daquela cena, sentando-me em uma parte afastada do campus. Estava suando e tenho certeza que estava toda suja. De todas as vezes que quase morri naquele ano letivo – e na minha vida inteira também – aquela havia sido, sem sombra de dúvidas, a pior de todas. Meu coração estava disparado e, assim que me sentei em uma parte do campus, eu pude raciocinar melhor.
Aquele era um típico momento no qual eu queria me matar por ter esse "dom" que eu preferia chamar de "maldição". De quantos problemas eu teria me privado se não conseguisse vê-los e não tivesse aquela sina e ter que ajudá-los? Provavelmente a relação com meus pais seria melhor, eu teria amigos e não seria a garota esquisita que sai pela madrugada vestida de preto.
Eu não percebi que as lágrimas saíam dos meus olhos, silenciosas, e meu coração acelerava cada vez mais.
– ? – naquele momento, sim, era . – Você está bem?
– Estou bem – não me virei para vê-lo, mas ele se sentou ao meu lado.
– Não vai me mandar embora?
– Não dessa vez – quase ri de sua pergunta.
– Nem se eu falar sem parar? – sorriu e eu não pude deixar de rir um pouco, até porque sabia que aquilo era exatamente o que ele iria fazer. – Não chore, . Você está viva...
Aquilo parecia alguma outra coisa do que palavras reconfortantes.
– Estou nervosa. Vai passar – falei, mas meu coração dizia o contrário, assim como as lágrimas que ainda insistiam em cair.
Meu rosto devia estar péssimo, vermelho e inchado.
– Espero que passe – disse ele. – Sabe, eu pensei em vir atrás de você quando percebi que algo estava errado, mas sabia que você iria conseguir resolver – eu ri da sua torcida e crença em mim.
– Eu não resolvi isso. Foram os bombeiros.
– Eu não sabia que tinha fogo envolvido, – ele balançou a cabeça.
– Você não precisa ficar salvando minha vida, .
– Não mesmo. Você consegue lidar com tudo sozinha. Eu apenas lhe dei uma força algumas vezes – o garoto abriu um sorrisão.
Como eu pude ter tanta raiva de ? Eu estava ali, culpando a mim mesma pela minha quase-morte, e ele estava me garantindo que eu tinha "força" o suficiente para passar por aquilo. Lembrei-me das primeiras impressões que tive dele: o garoto inconveniente e insuportável. É claro que a maior parte desses adjetivos se dava pelo fato de que ele era um fantasma e que, com a sede de querer seguir em frente, a inconveniência era inevitável. Típico dos mortos que ainda vagam por aí. Com o tempo passando, foi se mostrando mais compreensivo e me fez perceber que ele não era de todo mal. Continuava sendo o cara que morava no meu quarto, mas ele também era o cara que já salvou minha vida, além de me ajudar com George. Depois de meses, eu vi qual era a real personalidade de . Além de ser realmente responsável, ele era muito companheiro. Não digo de mim especificamente, mas das situações em geral. Como ele disse, não me socorria. Apenas me ajudava quando eu não calculava com exatidão o que poderia acontecer. De resto, ele apenas dava uma mãozinha no que pudesse.
Às vezes, ao lembrar que ele já tinha sido vivo, eu me pegava pensando em quão sortudas eram as pessoas que estavam ao seu redor.
era aquele tipo de pessoa que sempre estaria ajudando no que pudesse.
E quem eu queria enganar? Eu era grata por isso. Talvez sem ele, estivesse morta agora.
Pois é. Eu agradecendo mentalmente pelo cara que quis matar no primeiro momento que conheci. Talvez eu estivesse um pouco sensível por quase ter morrido naquela noite.
– ! Procurei você por todo lugar! – aquele sotaque, que fez me confundir horas antes, apareceu. Era , tão suado quanto eu, com o cabelo espetado para cima. Enxuguei minhas lágrimas o mais rápido possível.
– Belo penteado – falei quando ele se sentou do meu outro lado.
Parecia até que ele sabia que havia alguém do meu outro lado.
riu quando apareceu. Acho que estava achando graça do cabelo como eu ou apenas rindo do momento.
– Essa poeira acabou com ele – deu de ombros. – Por que está aqui?
– Pensando.
– Sobre o quê? – levantou as sobrancelhas e eu ri.
– O que acha que estou pensando? – gargalhou ao meu lado e eu acompanhei sua risada.
– O pessoal está indo para a sala de jogos. Já deu de ficar aqui, não acha? – perguntou.
– Claro. Já deu – confirmei. – Eu vou daqui a pouco.
– Tudo bem – ele se levantou. – Tente não demorar. Aqui é meio sinistro.
– Está com medo? – imagine se ele soubesse que um fantasma estava ali bem pertinho dele.
– Sei lá! – deu de ombros e andou para longe. – Até depois.
– Acho que essa foi a primeira vez que eu pude ficar perto de um de seus amigos sem você me mandar embora – comentou.
Eu ri. Bem, era verdade.
– Não vá se acostumando.
– Ah, não? – olhou-me, rindo também.
– – limpei a garganta. – Por que me ajudou tantas vezes? Digo, eu já o tratei supermal e você ainda teve compaixão por mim.
– Era nisso que estava pensando? – assenti. – Hum, compaixão... Acho que foi um pouco disso, sim. Você se mete em cada uma... – balançou a cabeça, rindo. Provavelmente se lembrando de algum momento específico. – Naquele dia no seu quarto, você me disse que não iria mais me ajudar e aquilo me fez pensar em como eu estava a tratando.
– Como assim?
– Eu não sou daquele jeito. Sabe, naquele dia que a vi pela primeira vez, com aquele casaco de couro e maquiagem escura... Com aquele jeito mandão de “saia do meu quarto” – fez uma péssima imitação minha e eu gargalhei. – Foi como um pedido para eu implicar com você de todos os jeitos que pude encontrar. Admito que sou curioso, mas eu também não tenho culpa se sua amiga tem tantos livros legais! Mas sei que passei dos limites e eu não quero ficar por aqui para sempre. Então pensei em me redimir a ajudando de algum jeito. O problema, , é que você sofre do que eu chamo de Síndrome de Herói.
– Síndrome de quê? – nunca havia escutado sobre aquilo e tenho certeza de que não era nenhuma doença catalogada pelos médicos. Ri quando o vi sem graça pela pergunta.
– É essa necessidade que você tem de salvar todo mundo! – explicou e eu revirei os olhos.
– Não é uma necessidade. Eu não tenho culpa se os fantasmas de Sonoma são loucos – o garoto me olhou um pouco ofendido. – Sem ofensas, mas a maioria de vocês quer matar alguém! E só eu posso resolver essas coisas.
– Pode ser, mas também acho que você tem esse imã para os fantasmas. A maioria deles quer lhe fazer algum mal – balançou a cabeça.
– Como naquele dia no banheiro? Por isso você apareceu lá? Para se redimir ou qualquer coisa do tipo?
– É! Aquela mulher estava atrás de você! Você sabe como alguns deles vão até o seu quarto à sua procura e, bem, na maioria das vezes eu estou lá.
Nesse momento, nós já estávamos de frente um para o outro. Ele falava e eu prestava atenção em cada detalhe. Quando falava partes mais sérias, cuidadosas e perigosas. Era como se eu estivesse conversando com algum de meus amigos. A diferença era que nenhum deles falava como . Ele às vezes abaixava a cabeça e, quando se lembrava de que estava falando comigo, a levantava e ria de alguma coisa. Era engraçado porque acho que eu nunca havia parado para prestar atenção nessas coisas.
– Você tem razão – concordei, já sabendo que aquilo acontecia de fato. Eu só não sabia como funcionava. – Eu tenho um imã para essas coisas.
– É. Tenho medo do que pode acontecer daqui para frente...
– – pensei, antes de falar as palavras certas. Ele me olhava com curiosidade. – Vou ajudar você.
– Sério? – seu sorriso estava de orelha a orelha.
– Já devia ter feito isso antes – cocei a cabeça e voltei a olhar o teatro ao longe. As pessoas ainda estavam em volta e a polícia ainda estava por lá. – Mas depois, certo? Agora está tudo uma bagunça – falei mais pela minha cabeça do que por qualquer outra coisa. – E vamos entrar de férias e tudo mais.
– Não me importo em esperar – ele ainda sorria divertido. – Posso visitá-la em Nova York?
– Nem pense nisso! As anormalidades de Sonoma permanecem por aqui. Não quero que as loucuras que passei apareçam por lá...
– Anormalidades? – voltei minha atenção para ele que fingia estar ofendido.
– É. E como sabe que eu sou de Nova York?
– Fale sério. Esse seu sotaque misturado de todos os lugares e essa sua aparência de algum outro lugar é bem evidente!
– Ok, senhor Sherlock. Agora, sim, você tem que ir embora – levantei-me.
– Tudo bem.
– Não vai contestar? – franzi o cenho. – Sério?
– Ah, não dessa vez – colocou as mãos nos bolsos. – Até depois, .
Como de costume, ele sumiu bem na minha frente, deixando-me com a cabeça confusa em um único pensamento: eu já tinha me afeiçoado ao cara.
Parte II – A hora mais sombria
Capítulo 13 - Parte I
Depois de passar quase um ano fora, eu havia esquecido como era passar tanto tempo com meus pais. Com isso, as férias de verão foram um lembrete de como eu não sentia saudade alguma de estar perto deles.
Antes de entrar na Vineyard, minhas férias eram um completo tédio e eu sempre ficava na casa dos meus avós em Nova Jersey.
Minha mãe estava em um novo espetáculo. Meu pai, atarefado demais com a empresa que ele administrava. Os dois não se importavam muito com por onde eu andava nas férias. Eu mal os via e, quando acontecia, provavelmente vinha com alguma discussão com a minha mãe pelos inúmeros motivos mais idiotas do mundo. Já meu pai nunca ficava do meu lado, mas também nunca falava nada e acabava sendo condizente com o que minha mãe inventava. A briga sempre era em dobro. Por esse motivo, eu tentava ficar o máximo de tempo na casa dos meus avós.
Meus avós continuavam as únicas pessoas que se importavam minimamente comigo, fazendo-me inúmeras perguntas da minha nova vida na Califórnia. Para a minha avó, minha mãe era uma pessoa ótima e uma mãe maravilhosa, o que era engraçado – para não dizer trágico –, pois ela sempre acreditava nas encenações da minha mãe. Meu primo havia se casado há pouco tempo, e eu não havia presenciado a cerimônia porque estava a quilômetros de distância, e meu outro primo havia entrado na faculdade, deixando meus avós sozinhos.
Eu passei as férias mais sozinha do que qualquer outra coisa, o que foi um pouco estranho, porque eu já me encontrava acostumada a ficar rodeada com tantas pessoas no colégio. Felizmente, a distância não impedia que eu e meus amigos conversássemos na maior parte do tempo, já que a internet facilitava esse tipo de coisa.
Eu gostava de conversar com as meninas. Antes de entrarmos de férias, eu havia contado tudo sobre a minha relação com os meus pais. Elas já deveriam saber e, por já ter me ouvido no telefone com algum deles, Amy já desconfiava de alguma coisa. Elas não se intrometiam, não davam opinião, a menos se eu pedisse e elas realmente achassem necessário. É claro que estavam do meu lado, nunca duvidei disso, mas no fundo eu sempre achava que elas também não entendiam a implicância da minha mãe comigo. Não as culpava por isso. Eu também não entendia muito.
Quando o ano letivo acabou e eu me vi encurralada sem saber o que fazer com George, senti-me completamente aliviada quando Chris e Dani disseram que poderiam ficar com ele. As últimas semanas de aula foram tão corridas e cansativas que eu não pude achar um lugar para o cachorro. Agora, seu pelo estava mais branco e na sua testa havia várias pedrinhas. Realmente parecia um maltês. E eu sabia de tudo isso porque Christina mandava fotos todos os dias dele.
Já eu e nunca ficávamos um dia sem conversar nessas férias. Ele era aquele tipo de pessoa que nunca faltava assunto e que eu podia conversar sobre qualquer coisa e não tinha tempo ruim. Eu havia até contado sobre minha mãe e, assim como as meninas, ele tinha sido muito compreensivo e ficado do meu lado. Eu amava os outros meninos igualmente, mas a minha relação com ele era diferente. Nós tínhamos uma sintonia que eu nunca havia tido com ninguém. se tornara meu melhor amigo em pouquíssimo tempo e aquilo era novo para mim, e eu sabia que era recíproco. Os fantasmas vez ou outra apareciam, mas eu não passava mais raiva com eles. Os que vinham atrás de mim eu ajudava e não havia mais dramas – e nem fogo – com nenhum deles.
Depois de discussões, alguns fantasmas e três meses tediosos, eu estava de volta a Sonoma. Com minhas malas cor-de-rosa, eu estava pronta para o segundo ano do colegial.
Um filme do meu primeiro dia naquele lugar passou pela minha cabeça assim que cruzei o enorme portão da Vineyard – meus pais não haviam viajado comigo dessa vez. Acho que a encenação de pais que se importam tinha ficado no semestre anterior. Era a mesma coisa, o mesmo portão, o mesmo salão principal, os mesmos alunos, com exceção dos novatos. Vi, ao longe, o teatro da escola que agora tinha uma nova pintura e nem dava para perceber o desastre que acontecera ali há meses atrás.
Esperava muito que aquele ano fosse diferente, que eu parasse de ser a fofoca, que eu não me metesse em problemas e que tivessem menos fantasmas por aí.
Katy, que agora estava casada com Max e mais feliz do que nunca, deu-me a chave do quarto 333 e me desejou boas-vindas, abrindo a porta do dormitório feminino para que eu entrasse. Para a minha surpresa, Amy estava no corredor assim que entrei. Distraída com alguma coisa na parede, ela deu um sobressalto quando soltei um “oi” ao seu lado.
– Parece que não a vejo há uma eternidade – ela disse depois de me abraçar.
– Que horas você chegou?
– De madrugada. Um voo cheio de turbulência e não parava de falar – revirou os olhos e eu ri. – Você tinha que vê-lo morrendo de medo por causa da turbulência.
– Parece-me uma ótima viagem.
– Escute, olhe o que temos de novo – apontou para o quadro de avisos que ninguém dava muita atenção.
A Vineyard não era cheia de alunos mal-educados, porém ninguém dava importância para o quadro de avisos onde as regras de boa convivência da escola se encontravam. A novidade era que agora uma folha nova e colorida – provavelmente para chamar atenção – estava pregada no meio do quadro. Era impossível passar por aquilo sem perceber.
“Devido ao aumento da quebra das regras já estabelecidas na Vineyard Academy no período anterior, a punição às regras, assim como a instalação de novas câmeras de segurança, será reforçada para o melhor convívio dos estudantes e do corpo docente.
1. Não será permitida a saída dos alunos em horário de aula.
2. Não será permitida a vagueação de alunos após o horário oficial das 09:00 P.M.
3. Não será permitido alunos em dormitórios opostos sob nenhuma hipótese.
Todas as regras com pena de expulsão sem nenhuma justificativa.
Atenciosamente,
Diretora Olga Ivanov.”
“Não será permitida a vagueação de alunos após o horário oficial das 09:00 P.M.”, “assim como a instalação de novas câmeras de segurança”. Ok, ela sabia das minhas andanças pelo colégio. Eu tinha certeza disso agora.
– Expulsão? Isso não é meio radical?
– Não sei, mas acho que ela deve ter ficado sabendo das festas que acontecem de madrugada – Amy deu de ombros. – Bem, não é como se isso afetasse a gente, né?
– É... – tentei parecer o mais certa possível.
– Minhas garotas chegaram! Então, vocês já viram como a Vineyard gosta de acabar com a minha vida? – Alison apareceu no corredor, apontou para o quadro e eu ri da cara de desdém que ela fez.
– Acho que agora você pode se dedicar melhor aos estudos – Amy falou e nós duas olhamos para ela.
– Você realmente acredita nisso? – perguntou e eu ri.
– Será que podemos ir comer alguma coisa? Christina vai nos matar se demorarmos mais cinco minutos.
– Eu acabei de chegar – falei. – Preciso...
– Colocar a conversa em dia. Eu sei – Alison não esperou que eu dissesse que precisava de um banho e dormir, porque ela já estava levando nós duas para o refeitório da escola.
– Você o quê? – nós dissemos juntos e Christina nos olhou com cara de tédio.
– Larguei as líderes de torcida – falou novamente e Alison começou a rir, mas, depois que viu que a loira não estava brincando, parou e a olhou séria.
– De onde veio essa ideia? Você adora ser líder de torcida – falou.
– Isso é porque eu prometi fazer os testes para líder de torcida? Não foi bem uma promessa, na verdade, e eu não sou muito boa nisso – falei, lembrando-me das minhas primeiras semanas na Vineyard.
– Não é nada disso, gente...
– Foi porque aquele cara a chamou de Cher Horowitz? – perguntou.
– Quem? – Dani levantou as sobrancelhas.
– Ah, fale sério. A Cher é uma das melhores personagens do cinema – respondeu antes que ela respondesse.
– Segundo quem? – perguntou, cruzando os braços e olhando para o amigo.
– Segundo ele mesmo – completou e eu ri daquela situação toda.
– Não – Chris limpou a garganta antes de falar. – Vocês já pararam para pensar no que as pessoas sabem sobre nós aqui? Porque eu tenho certeza de que todos sabem que eu namoro e faço parte das líderes de torcida, mas o que eles sabem além disso? Acham que eu sou bonita e uso roupas de alguma marca, mas o que, além disso? As pessoas falam que conhecem a gente, mas, na verdade, não conhecem nada sobre nós. E eu me sinto vazia, porque vocês podem saber que eu sou mais que isso, mas eles não. Sabe, é bizarro pensar que basta você ser do time de futebol da escola ou dançar com uns pompons nas mãos que as pessoas já dizem conhecer você.
– A gente não pediu por popularidade, Chris – Amy comentou e eu concordei. – E você não precisa se importar com o que as pessoas acham de você.
– Eu sei, mas vocês serem meus amigos fez com que todo mundo também falasse de vocês.
– Você fala como se fosse culpa sua – falei.
– E não é?
– Eu não estava me referindo a você apenas, Chris – Amy começou. – Até os meninos. A gente não gosta disso. A gente não pediu para "as pessoas falarem da gente". O garoto pode ter a chamado de Cher, mas ele não tem culpa de terem espalhado o boato de você se parecer com ela. Nem sei se isso é uma ofensa para falar a verdade.
Senti-me um pouco mal porque eu mesma já havia comparado Christina com essa personagem.
– Eu sei – suspirou. – A Dani disse que o teatro precisa de alguém para ajudar nos figurinos e vocês sabem o quanto eu gosto disso. Eu vou tentar coisas novas.
– Eu acho que você deve fazer o que lhe faz bem, Chris – falei e ela sorriu para mim.
Eu também estava. Acho que todos nós. Christina Wright era mais do que um rostinho bonito.
Eu havia dito aquilo para ela porque conversamos muito durante as férias. A verdade era que eu parei para pensar em tudo que havia acontecido no último ano. Cheguei à conclusão de que, além dos meus amigos, ninguém se interessava por mim e sim pelo meu casaco de couro, pelo meu delineador e aparentemente pelo jeito que eu andava pela escola. Sinceramente, não sei por que as pessoas achavam que eu era assustadora ou algo do tipo, ou ao menos interessante por isso. Eu não era conhecida por nada além de ser a garota nova que veio de nova York, que se envolveu em alguns acidentes e, para finalizar, era amiga das pessoas populares. Por isso que eu entendia o lado de Chris de se sentir incomodada com o que as pessoas achavam que ela era.
Aquilo me fez pensar em o que eu era e o que eu queria ser. Não queria me passar pela garota misteriosa. A única coisa que eu escondia era o fato de falar com os mortos. E eu era tão aberta, ao menos com meus amigos. Questionei o que era que eu gostava e se me sentia realmente bem com o que eu fazia e usava. Passei as férias olhando para o meu guarda-roupa e para as camisetas de bandas que eu nem escutava, as maquiagens que eu não fazia ideia de há quanto tempo eu usava, o meu único All Star... Foi aí que eu decidi fazer algumas compras e, para a minha surpresa – e ajuda de Christina ao telefone –, me senti bem. Talvez por isso eu não tinha sido alvo de olhares quando eu cheguei ali.
Fosse como fosse, eu aposentei meu casaco de couro, substituí o delineador por um iluminador e descobri que era muito bom experimentar coisas novas.
Cheguei à conclusão de que, apesar dos inúmeros privilégios, Christina não era uma patricinha que só vivia fazendo compras. Talvez ela tivesse muita roupa e maquiagem, mas aquilo não chegava aos pés das pessoas de narizes empinados do lugar onde ela morava. E, bem, tinha Dani, que, além de não ligar para nada disso, colocava Christina com os pés do chão.
– Estou impressionada – Ali se encostou à cadeira e riu.
Depois disso, o assunto se deu por encerrado e mudou o foco da conversa, perguntando como foi a viagem, e, quando percebi, todo mundo embarcou em várias histórias e risadas, como se não tivéssemos conversado as férias inteiras.
e eram, provavelmente, as pessoas que mais conseguiam distrair alguém. Era muito difícil não rir ao lado dos dois e não parar de pensar em algumas coisas. Quando estávamos todos juntos, eu não conseguia pensar em mais anda além deles e eu percebi o quanto senti falta dos meus amigos.
Antes de entrar na Vineyard, minhas férias eram um completo tédio e eu sempre ficava na casa dos meus avós em Nova Jersey.
Minha mãe estava em um novo espetáculo. Meu pai, atarefado demais com a empresa que ele administrava. Os dois não se importavam muito com por onde eu andava nas férias. Eu mal os via e, quando acontecia, provavelmente vinha com alguma discussão com a minha mãe pelos inúmeros motivos mais idiotas do mundo. Já meu pai nunca ficava do meu lado, mas também nunca falava nada e acabava sendo condizente com o que minha mãe inventava. A briga sempre era em dobro. Por esse motivo, eu tentava ficar o máximo de tempo na casa dos meus avós.
Meus avós continuavam as únicas pessoas que se importavam minimamente comigo, fazendo-me inúmeras perguntas da minha nova vida na Califórnia. Para a minha avó, minha mãe era uma pessoa ótima e uma mãe maravilhosa, o que era engraçado – para não dizer trágico –, pois ela sempre acreditava nas encenações da minha mãe. Meu primo havia se casado há pouco tempo, e eu não havia presenciado a cerimônia porque estava a quilômetros de distância, e meu outro primo havia entrado na faculdade, deixando meus avós sozinhos.
Eu passei as férias mais sozinha do que qualquer outra coisa, o que foi um pouco estranho, porque eu já me encontrava acostumada a ficar rodeada com tantas pessoas no colégio. Felizmente, a distância não impedia que eu e meus amigos conversássemos na maior parte do tempo, já que a internet facilitava esse tipo de coisa.
Eu gostava de conversar com as meninas. Antes de entrarmos de férias, eu havia contado tudo sobre a minha relação com os meus pais. Elas já deveriam saber e, por já ter me ouvido no telefone com algum deles, Amy já desconfiava de alguma coisa. Elas não se intrometiam, não davam opinião, a menos se eu pedisse e elas realmente achassem necessário. É claro que estavam do meu lado, nunca duvidei disso, mas no fundo eu sempre achava que elas também não entendiam a implicância da minha mãe comigo. Não as culpava por isso. Eu também não entendia muito.
Quando o ano letivo acabou e eu me vi encurralada sem saber o que fazer com George, senti-me completamente aliviada quando Chris e Dani disseram que poderiam ficar com ele. As últimas semanas de aula foram tão corridas e cansativas que eu não pude achar um lugar para o cachorro. Agora, seu pelo estava mais branco e na sua testa havia várias pedrinhas. Realmente parecia um maltês. E eu sabia de tudo isso porque Christina mandava fotos todos os dias dele.
Já eu e nunca ficávamos um dia sem conversar nessas férias. Ele era aquele tipo de pessoa que nunca faltava assunto e que eu podia conversar sobre qualquer coisa e não tinha tempo ruim. Eu havia até contado sobre minha mãe e, assim como as meninas, ele tinha sido muito compreensivo e ficado do meu lado. Eu amava os outros meninos igualmente, mas a minha relação com ele era diferente. Nós tínhamos uma sintonia que eu nunca havia tido com ninguém. se tornara meu melhor amigo em pouquíssimo tempo e aquilo era novo para mim, e eu sabia que era recíproco. Os fantasmas vez ou outra apareciam, mas eu não passava mais raiva com eles. Os que vinham atrás de mim eu ajudava e não havia mais dramas – e nem fogo – com nenhum deles.
Depois de discussões, alguns fantasmas e três meses tediosos, eu estava de volta a Sonoma. Com minhas malas cor-de-rosa, eu estava pronta para o segundo ano do colegial.
Um filme do meu primeiro dia naquele lugar passou pela minha cabeça assim que cruzei o enorme portão da Vineyard – meus pais não haviam viajado comigo dessa vez. Acho que a encenação de pais que se importam tinha ficado no semestre anterior. Era a mesma coisa, o mesmo portão, o mesmo salão principal, os mesmos alunos, com exceção dos novatos. Vi, ao longe, o teatro da escola que agora tinha uma nova pintura e nem dava para perceber o desastre que acontecera ali há meses atrás.
Esperava muito que aquele ano fosse diferente, que eu parasse de ser a fofoca, que eu não me metesse em problemas e que tivessem menos fantasmas por aí.
Katy, que agora estava casada com Max e mais feliz do que nunca, deu-me a chave do quarto 333 e me desejou boas-vindas, abrindo a porta do dormitório feminino para que eu entrasse. Para a minha surpresa, Amy estava no corredor assim que entrei. Distraída com alguma coisa na parede, ela deu um sobressalto quando soltei um “oi” ao seu lado.
– Parece que não a vejo há uma eternidade – ela disse depois de me abraçar.
– Que horas você chegou?
– De madrugada. Um voo cheio de turbulência e não parava de falar – revirou os olhos e eu ri. – Você tinha que vê-lo morrendo de medo por causa da turbulência.
– Parece-me uma ótima viagem.
– Escute, olhe o que temos de novo – apontou para o quadro de avisos que ninguém dava muita atenção.
A Vineyard não era cheia de alunos mal-educados, porém ninguém dava importância para o quadro de avisos onde as regras de boa convivência da escola se encontravam. A novidade era que agora uma folha nova e colorida – provavelmente para chamar atenção – estava pregada no meio do quadro. Era impossível passar por aquilo sem perceber.
“Devido ao aumento da quebra das regras já estabelecidas na Vineyard Academy no período anterior, a punição às regras, assim como a instalação de novas câmeras de segurança, será reforçada para o melhor convívio dos estudantes e do corpo docente.
1. Não será permitida a saída dos alunos em horário de aula.
2. Não será permitida a vagueação de alunos após o horário oficial das 09:00 P.M.
3. Não será permitido alunos em dormitórios opostos sob nenhuma hipótese.
Todas as regras com pena de expulsão sem nenhuma justificativa.
Atenciosamente,
Diretora Olga Ivanov.”
“Não será permitida a vagueação de alunos após o horário oficial das 09:00 P.M.”, “assim como a instalação de novas câmeras de segurança”. Ok, ela sabia das minhas andanças pelo colégio. Eu tinha certeza disso agora.
– Expulsão? Isso não é meio radical?
– Não sei, mas acho que ela deve ter ficado sabendo das festas que acontecem de madrugada – Amy deu de ombros. – Bem, não é como se isso afetasse a gente, né?
– É... – tentei parecer o mais certa possível.
– Minhas garotas chegaram! Então, vocês já viram como a Vineyard gosta de acabar com a minha vida? – Alison apareceu no corredor, apontou para o quadro e eu ri da cara de desdém que ela fez.
– Acho que agora você pode se dedicar melhor aos estudos – Amy falou e nós duas olhamos para ela.
– Você realmente acredita nisso? – perguntou e eu ri.
– Será que podemos ir comer alguma coisa? Christina vai nos matar se demorarmos mais cinco minutos.
– Eu acabei de chegar – falei. – Preciso...
– Colocar a conversa em dia. Eu sei – Alison não esperou que eu dissesse que precisava de um banho e dormir, porque ela já estava levando nós duas para o refeitório da escola.
– Você o quê? – nós dissemos juntos e Christina nos olhou com cara de tédio.
– Larguei as líderes de torcida – falou novamente e Alison começou a rir, mas, depois que viu que a loira não estava brincando, parou e a olhou séria.
– De onde veio essa ideia? Você adora ser líder de torcida – falou.
– Isso é porque eu prometi fazer os testes para líder de torcida? Não foi bem uma promessa, na verdade, e eu não sou muito boa nisso – falei, lembrando-me das minhas primeiras semanas na Vineyard.
– Não é nada disso, gente...
– Foi porque aquele cara a chamou de Cher Horowitz? – perguntou.
– Quem? – Dani levantou as sobrancelhas.
– Ah, fale sério. A Cher é uma das melhores personagens do cinema – respondeu antes que ela respondesse.
– Segundo quem? – perguntou, cruzando os braços e olhando para o amigo.
– Segundo ele mesmo – completou e eu ri daquela situação toda.
– Não – Chris limpou a garganta antes de falar. – Vocês já pararam para pensar no que as pessoas sabem sobre nós aqui? Porque eu tenho certeza de que todos sabem que eu namoro e faço parte das líderes de torcida, mas o que eles sabem além disso? Acham que eu sou bonita e uso roupas de alguma marca, mas o que, além disso? As pessoas falam que conhecem a gente, mas, na verdade, não conhecem nada sobre nós. E eu me sinto vazia, porque vocês podem saber que eu sou mais que isso, mas eles não. Sabe, é bizarro pensar que basta você ser do time de futebol da escola ou dançar com uns pompons nas mãos que as pessoas já dizem conhecer você.
– A gente não pediu por popularidade, Chris – Amy comentou e eu concordei. – E você não precisa se importar com o que as pessoas acham de você.
– Eu sei, mas vocês serem meus amigos fez com que todo mundo também falasse de vocês.
– Você fala como se fosse culpa sua – falei.
– E não é?
– Eu não estava me referindo a você apenas, Chris – Amy começou. – Até os meninos. A gente não gosta disso. A gente não pediu para "as pessoas falarem da gente". O garoto pode ter a chamado de Cher, mas ele não tem culpa de terem espalhado o boato de você se parecer com ela. Nem sei se isso é uma ofensa para falar a verdade.
Senti-me um pouco mal porque eu mesma já havia comparado Christina com essa personagem.
– Eu sei – suspirou. – A Dani disse que o teatro precisa de alguém para ajudar nos figurinos e vocês sabem o quanto eu gosto disso. Eu vou tentar coisas novas.
– Eu acho que você deve fazer o que lhe faz bem, Chris – falei e ela sorriu para mim.
Eu também estava. Acho que todos nós. Christina Wright era mais do que um rostinho bonito.
Eu havia dito aquilo para ela porque conversamos muito durante as férias. A verdade era que eu parei para pensar em tudo que havia acontecido no último ano. Cheguei à conclusão de que, além dos meus amigos, ninguém se interessava por mim e sim pelo meu casaco de couro, pelo meu delineador e aparentemente pelo jeito que eu andava pela escola. Sinceramente, não sei por que as pessoas achavam que eu era assustadora ou algo do tipo, ou ao menos interessante por isso. Eu não era conhecida por nada além de ser a garota nova que veio de nova York, que se envolveu em alguns acidentes e, para finalizar, era amiga das pessoas populares. Por isso que eu entendia o lado de Chris de se sentir incomodada com o que as pessoas achavam que ela era.
Aquilo me fez pensar em o que eu era e o que eu queria ser. Não queria me passar pela garota misteriosa. A única coisa que eu escondia era o fato de falar com os mortos. E eu era tão aberta, ao menos com meus amigos. Questionei o que era que eu gostava e se me sentia realmente bem com o que eu fazia e usava. Passei as férias olhando para o meu guarda-roupa e para as camisetas de bandas que eu nem escutava, as maquiagens que eu não fazia ideia de há quanto tempo eu usava, o meu único All Star... Foi aí que eu decidi fazer algumas compras e, para a minha surpresa – e ajuda de Christina ao telefone –, me senti bem. Talvez por isso eu não tinha sido alvo de olhares quando eu cheguei ali.
Fosse como fosse, eu aposentei meu casaco de couro, substituí o delineador por um iluminador e descobri que era muito bom experimentar coisas novas.
Cheguei à conclusão de que, apesar dos inúmeros privilégios, Christina não era uma patricinha que só vivia fazendo compras. Talvez ela tivesse muita roupa e maquiagem, mas aquilo não chegava aos pés das pessoas de narizes empinados do lugar onde ela morava. E, bem, tinha Dani, que, além de não ligar para nada disso, colocava Christina com os pés do chão.
– Estou impressionada – Ali se encostou à cadeira e riu.
Depois disso, o assunto se deu por encerrado e mudou o foco da conversa, perguntando como foi a viagem, e, quando percebi, todo mundo embarcou em várias histórias e risadas, como se não tivéssemos conversado as férias inteiras.
e eram, provavelmente, as pessoas que mais conseguiam distrair alguém. Era muito difícil não rir ao lado dos dois e não parar de pensar em algumas coisas. Quando estávamos todos juntos, eu não conseguia pensar em mais anda além deles e eu percebi o quanto senti falta dos meus amigos.
Capítulo 13 - Parte II
Quando eu percebi, já estava me direcionando ao meu quarto sozinha, pois Amy estava com . Parei na frente da porta do meu quarto com um estalo. Eu ainda não havia entrado no meu quarto ainda.
.
Tinha me esquecido completamente do fantasma que habitava o meu quarto. Não sei exatamente o porquê.
Depois do dia do incêndio e de nossa conversa, eu havia parado para pensar em tudo que ele havia me dito.
Odiava admitir que ele estava certo. Eu realmente bancava a heroína na maioria das vezes, mas não era como se eu pudesse evitar ou fizesse para querer atenção. Eu odiava atenção. Desde que os fantasmas começaram a me rodear, e consequentemente colocar todo mundo ao meu redor em perigo, eu tinha que fazer alguma coisa e, se necessário, salvar a vida de alguém. Às vezes, eu tinha que intervir, quer eu gostasse dos fantasmas ou não.
Sobre a amizade com : bem, eu ainda não sabia o que pensar sobre isso.
Eu realmente tinha uma aversão ao contato com os fantasmas. Não desejava contato com nenhum deles e estava incluso nisso, mas vê-lo pedindo desculpas e dizendo aquelas coisas me deixou completamente desnorteada e eu não parei de pensar nisso. Aquilo nunca, em todos os anos que eu fui amaldiçoada por ver os mortos por aí, havia acontecido. Não era como se os fantasmas fizessem alguma besteira e viessem pedir desculpas depois. Era completamente bizarro pensar em ter amizade com um fantasma que eu pensei muito antes de virar a maçaneta. Mas a quem eu quero enganar? Nunca consegui fugir daquilo. Não era agora que eu iria conseguir. E eu tinha que entrar no meu quarto alguma hora.
Mas eu não deitei na minha cama.
Porque estava nela.
Ele estava exatamente igual a quando eu o deixei – falo do quarto e do também. Minhas malas já estavam lá, então ele provavelmente já sabia que eu havia chegado há um tempo.
– Oi – disse ele, com a maior naturalidade do mundo. – Como foram as férias? – sorriu quando me viu sozinha e fechando a porta.
– ... – não consegui deixar de rir de sua felicidade. Ter passado meses sozinho deve ter sido horrível.
E eu não estava tendo nenhum tipo de compaixão por ele.
– "Foram ótimas."
– Você está de bom humor – não foi uma pergunta, o que me fez olhá-lo com atenção.
não parecia a mesma pessoa que eu conheci quase um ano atrás. Se essa era sua verdadeira personalidade, assim como ele havia me contado, ele era realmente alguém que eu poderia ter algo próximo de uma amizade. Acho que, para ele, eu já era sua amiga, o que me fez rir um pouco daquela situação bizarra. Uma mediadora amiga de um fantasma...
– "Você pensou no que eu lhe disse" – não foi uma pergunta de novo.
– Pensei, – fui sincera.
– Então...?
– Podemos tentar – dei de ombros. – Você ainda tem a minha palavra. Vou ajudá-lo.
Então ele me abraçou.
Uma hora, ele estava lá me olhando com um sorriso maior do que eu já tinha o visto dar e, na outra, estava na minha frente, com a cabeça aconchegada no meu ombro e os braços em volta de mim. Eu nunca havia abraçado um fantasma. Já havia tocado, esbarrado, apunhalado e já havia encostado em , mas aquilo era diferente.
O fantasma que morava no meu quarto estava imensamente feliz naquele momento. Não vou mentir: eu também estava, mas não por causa daquele abraço, que estava bem estranho para ser sincera. Era muito diferente de abraçar uma pessoa viva.
– Ok, – afastei-o de mim e ele me olhou, jogando a cabeça para o lado. Acho que ele estava curioso. Eu não sabia dizer.
– Você está diferente... – semicerrou os olhos.
– Para a sua alegria, eu abandonei o delineador – cruzei os braços. Também estava sem meu casaco, o que primeiramente pensei que iria sentir falta ou nua, mas nada disso aconteceu.
– Ah! – ele sorriu de novo. Ah, meu Deus, ele realmente estava muito feliz naquele momento. Eu nem sabia que fantasmas podiam desenvolver tanto um sentimento. – Eu não disse que não gostava dele.
– Eu não parei de usar por sua causa – afirmei e ele riu, dizendo um "tudo bem".
– Achei que não fosse chegar nunca.
– Eu estava querendo dormir... – falei, sentando-me na cama. se sentou nela também e me olhou sério.
– Pensei que faríamos alguma coisa hoje – disse simplesmente e agora quem o olhava com seriedade era eu.
– Quê?
– Sabe, achei que fosse me ajudar...
– Ah, certo. Isso...
Lembrei-me da promessa que havia feito a ele. Não achei que estivesse com tanta pressa, mas eu nem sabia há quanto tempo o garoto estava andando por aí. Com isso, peguei meu notebook que estava dentro da minha mochila.
– O que pensou que fosse? – riu quando eu voltei a me sentar. – Achou que, sei lá, eu estivesse a chamando para sair?
Parei por um momento.
O que eu realmente havia pensado com o que ele dissera? Na verdade, eu havia ficado tão surpresa com a naturalidade que chegou a mim que não tive a chance de pensar em nada. Olhei para ele e ri, de verdade. Gargalhei muito alto:
– Nunca, .
– Por quê? – levantou as sobrancelhas, não partilhando da graça da situação.
– Por que o quê?
– Por que você nunca sairia comigo?
Era só o que me faltava. Olhei para o computador e apertei o botão que o ligava.
– , preciso lembrar que você está morto? – revirou os olhos e, se não fossem as circunstâncias e eu já não soubesse da história, eu poderia jurar que ainda respirava...
– Eu realmente não vejo problema nisso, – disse, sem tirar os olhos de mim, e eu o olhei na mesma intensidade.
O barulho do computador tirou a atenção dos meus devaneios e do fantasma ao meu lado.
– Preciso de alguma informação sua – desviei do assunto, acessando a página de pesquisa.
– Como...?
– Sobrenome, idade, onde você mora...
– – disse simplesmente.
– Quê?
– É o meu sobrenome. Por quê?
– Nada. Apenas achei que não fosse se lembrar de nada. Isso já é um progresso.
– É claro que sei meu sobrenome.
– Você não lembra nem como morreu e veio parar aqui. Não imaginei que fosse se lembrar de seu nome.
Digitei o nome e sobrenome dele, mas, como praga do destino, não encontrei nada. A tela de busca ficou branca e não contive o palavrão que veio.
Nadinha mesmo. Nenhum . Mas é claro que não seria tão fácil. Os meninos já haviam comentado sobre pesquisas bloqueadas na Vineyard, mas eu pensei que era apenas para sites pornô ou coisas do gênero.
– Ah – deu um muxoxo e percebi que estava tão decepcionado quanto eu.
– Se você, ao menos, lembrasse há quanto tempo morreu... – eu ainda olhava para a tela do computador, na esperança de que algo aparecesse.
– Isso faz tanta diferença assim? – perguntou e eu, dessa vez, o olhei com mais sinceridade.
– É claro. Talvez não faça tanto tempo. Veja, você sabe o que é um computador, por exemplo... Não faz tanto tempo assim que você morreu.
– Todo mundo sabe o que é um computador – balancei a cabeça e ele me olhou incrédulo.
– Você não faz ideia das coisas que eu encontro, . Se você tivesse morrido há 150 anos, seria muito difícil conversar com você.
– Bem, eu sei que faz um tempo que estou por aqui – balançou a cabeça e colocou as mãos nos olhos. – Não faço ideia de quanto tempo... Desculpe, .
– Ei, tudo bem! – coloquei minha mão em seu ombro e ele pareceu relaxar um pouco. Logo vi o que fiz e tirei minha mão de lá. – Deve ser horrível andar por aí com amnésia da sua vida. Eu já perdi a memória de alguns dias e já foi bem ruim...
– É, mas, se tem alguma coisa que tenho certeza, é que não faz 150 anos.
– Vou resolver isso, .
– Eu nunca duvidei disso – disse, sem tirar os olhos de mim.
– Eu vou falar com . Talvez ele saiba alguma coisa com o computador... – falei, desviando do assunto. – Aparentemente, no meu celular também não funciona.
Levantei-me e coloquei o computador em cima da mesa novamente, junto ao meu celular.
– ? – uma voz atrás de mim soou e eu despertei do meu breve pensamento em . Amy entrou e fechou a porta atrás de si, olhando para mim que ainda estava parada. O garoto ainda estava sentado em uma das camas. – Está tudo bem?
– Claro. Por que a pergunta? A gente se viu não tem muito tempo – voltei a me sentar na cama e continuei a olhar para minha colega de quarto. – Você que parece estranha.
Falei isso porque ela estava fazendo uma cara emburrada até eu fazer aquela pergunta.
– Foi o – suspirou. – Nós brigamos.
– O que houve?
– Nada, na verdade. Mas, desde as férias, nós começamos a brigar. Ele diz que eu estou falando muito em faculdade e ainda falta muito tempo para isso.
– Ele tem razão em relação a isso – olhou-me pasma.
– Mas ele não tem o direito de falar o que devo fazer no meu futuro – Amy parecia exausta de falar sobre aquilo, então eu nem questionei. Foi difícil para ela se abrir sobre o relacionamento ou qualquer outra coisa comigo e eu não queria estragar aquilo. E, por outro lado, Amy era uma pessoa tão difícil que ela nunca aceitaria a minha opinião, e não queria que ficasse chateada comigo por isso.
– Tudo bem – encerrei o assunto.
– Por que você não pergunta se ela me conhece? – me perguntou e eu neguei antes que ele continuasse com aquela história.
Definitivamente, não queria meter nenhum dos meus amigos em nada relacionado aos fantasmas. Depois do episódio do fogo, eu queria distância de qualquer perigo que os mortos pudessem ter perto deles. Sei que não faria mal nenhum a eles, mas não queria arriscar. Foi por um descuido que aqueles fantasmas atearam fogo no teatro e definitivamente não queria nada parecido de novo.
– “Por que não? Você não achou nada na internet e não sabe por onde começar” – era verdade. Não fazia ideia de como resolver o mistério de .
Neguei novamente e ele ficou bravo de uma hora para outra. Seu cenho estava franzido quando ele começou a pegar os livros da estante...
Fiz minha melhor cara de desdém enquanto Amy estava vasculhando seu guarda-roupa. então, como uma criança mimada age quando não tem o que quer, pegou um dos livros e jogou no chão – os livros da minha colega de quarto já estavam alinhados na estante. Olhei para ele meio desacreditada e meio debochada. Ele não era violento e ambos sabíamos disso, mas não parecia quando ameaçou derrubar mais um livro da estante.
– Ah, não! – falei como um reflexo, olhando atônita para ele. Queria poder dizer: “tudo bem você morar no meu quarto, mas não está tudo bem se você quiser destruí-lo!”.
– Foi só o vento, . Hoje está um pouco frio – Amy falou e depois andou até a janela, fechando-a. – Está tudo bem? – perguntou quando viu meu rosto bravo olhando para .
Suspirei e finalmente perguntei:
– Você sabe quem é ?
A reação de Amy foi uma mistura de várias coisas que nem sei enumerar. Ela se sentou de frente para mim em sua cama, enquanto eu me aconchegava na minha, e me olhou com uma seriedade...
estava igualmente curioso, então se sentou ao meu lado na cama.
– Como sabe dele? – quis saber.
– Não sei nada sobre ele por isso estou perguntando.
– Ah – fez um silêncio meio pesaroso, deixando-me confusa. – é neto do dono da Vineyard.
– Nossa! – expressei, incrédula. , ao meu lado, estava igual. – Então a diretora é parente dele?
– Você quer ouvir a história toda? – assenti e ela suspirou meio nervosa. – Vou lhe contar, até porque sei que você nunca vai achar nada sobre isso na internet – não esperou que eu respondesse. – Ela era a babá dele, quase como uma parte da família. Pelo que sei, ela criou e cuidou dele sua vida inteira. Depois que toda a tragédia aconteceu, a família não achou ninguém melhor para tomar conta da escola.
– Tragédia?
– É, tragédia. namorava a minha antiga colega de quarto, Lauren Ortega. Eu não falava com ele, mas tinha uma boa relação com ela. Por ser muito fechada e ter seu próprio grupo de amigos, ela não conversava muito comigo, além de ser um ano mais velha. Nunca troquei uma palavra com , mas sempre os via juntos. Sei que se encontravam aqui quando eu não estava presente e que ele era apaixonado por ela. Mas então, um mês antes de você chegar, desapareceu.
– Desapareceu? – interrompi. Não dizer por que aquela parte da história fez com que me arrepiasse inteira.
– Sim – assentiu triste. – O mais estranho foi que a última mensagem que recebeu fora de sua namorada pedindo para que os dois se encontrassem bem aqui. Porém, Lauren disse que nunca mandou mensagem alguma. Foi horrível. A polícia estava envolvida e até eu tive que depor.
– Você quer dizer que...? – tentei falar, mas minha voz sumiu.
– Eu fui sequestrado – disse ao meu lado. Sua voz não demonstrava tristeza nem pesar. Acho que, para ele, era quase um alívio saber sobre aquilo, mesmo sendo um fato triste.
– Provavelmente, ele foi sequestrado e assassinado. Eu não era muito amiga da Lauren, mas, se tem uma coisa que posso confirmar, é que ela não teve nada a ver com essa história toda. Ela jamais faria algum mal desse tipo para alguém.
– Onde acharam o corpo dele? – outro arrepio sinistro.
– Não acharam, . Acho que essa é a pior parte. Isso fez a família de voltar para a Inglaterra.
– Inglaterra? – perguntei confusa.
– É, a parte da mãe de vive lá. Depois dessa tragédia, ela decidiu que seria melhor se afastar. Nem consigo imaginar como ela deve ter se sentido.
– Por isso que Katy não gosta desse quarto? – perguntei curiosa.
– Não é bem um desgostar... Uma pessoa sumiu e talvez tenha sido morta aqui. É de se esperar que histórias de fantasmas apareçam. Fora que tudo aconteceu no Halloween, o que piorou a situação. Mas não acredito nessa história de fantasmas.
Eu quis rir de nervoso. Se Amy ao menos soubesse...
– Essa história é bizarra – foi o que consegui dizer.
– O mais estranho é que você chegou meses depois, sabe? Lauren saiu da escola de imediato e então você chegou. É obvio que as pessoas iriam comentar sobre isso. Foi como se você soubesse...
Ela não parecia tão assustada quanto eu. Estava mais triste do que qualquer outra coisa.
– Não sabia, não fazia ideia...
– Eu sei. Eu percebi pelo seu rosto quando a vi pela primeira vez – ela riu.
– Eu parecia confusa? – perguntei. Nunca tínhamos realmente conversado sobre aquilo e, agora que me dera abertura, iria perguntar tudo.
– Confusa, perdida, deslocada. Você era um combo de novata na Vineyard – explicou e franzi o cenho. Nem ao menos lembrava quais eram meus pensamentos na primeira vez que pisei meus pés ali. – Você estava tão perdida aqui dentro que não consegui deixá-la de lado, . Por isso a apresentei para meus amigos. Era como se você precisasse disso.
– Não queria que você tivesse essa obrigação de me apresentar para alguém.
Falei baixo, mas ela ouviu claramente. Amy sorriu abertamente antes de dizer:
– Você foi a melhor coisa que me aconteceu, . Tenho certeza de que para os outros também. Foi sem intenção alguma que você começou a fazer parte do grupo, mas agora faz e nos completa. Era como se faltasse você.
Queria abraçá-la e dizer que ela era a melhor pessoa que eu conhecia. Havia ganhado melhores amigos e nunca parara para pensar em quão sortuda eu era por isso. Eles faziam tão bem para mim e era bom saber que eu fazia bem para eles.
se remexeu ao meu lado, fazendo com que eu lembrasse que ele estava ali. Passara tanto tempo calado que eu tinha me esquecido brevemente de sua presença, apesar de fazer apenas alguns minutos que o assunto entre nós era ele.
– Vocês foram a melhor coisa que aconteceu comigo também – confessei e Amy se levantou, pedindo um abraço. Afastei-me quando o celular dela começou a tocar e ela olhou o visor, revirando os olhos. – ? – perguntei.
– Sim – passou um tempo olhando para o celular. – Devo atender? – eu ri da cara de desdém que ela fez.
– Deve.
– Eu vou atender lá fora. Você não merece ouvir meus gritos – virou-se uma última vez para me dizer: – Esse é um assunto muito delicado, entende? Por isso que você nunca ouviu ninguém falando por aí. Meio que todo mundo ficou muito tocado com a situação e ninguém mais comenta sobre isso.
– Eu entendo. Obrigada por me contar mesmo assim.
Quando ela saiu do quarto, voltei a me sentar na cama da minha colega de quarto, ficando de frente para que continuava calado.
– Então eu ainda estou vagando pela Terra porque não encontraram meu corpo? – ele me olhou.
Não conseguia distinguir o rosto de .
– É uma teoria – falei, mas não tinha parado para pensar em tudo que Amy me contara.
– Você já encontrou algum fantasma assim?
– Sinceramente, não. Também nunca encontrei um fantasma com amnésia, . Isso que me deixa confusa sobre o seu caso. Fantasmas que sofrem acidentes de carro, por exemplo, às vezes perdem a memória, mas não entendo por que você perdeu a sua. Você não se lembra de absolutamente nada da sua vida...
suspirou e, naquele momento, entendi o que ele pensava: estava tão perdido quanto eu.
– Você não sabe o que fazer, né? – estava cobrando alguma resposta e aquilo me deixou mais triste do que saber que fora assassinado.
– Nós vamos descobrir. Eu já lhe falei. Vou resolver isso – levantou-se e agora estava do meu lado. Não entendi a aproximação, mas eu já não olhava mais para ele. – De nós dois, você é o que mais tem esperanças. Por que a perdeu agora?
Levantei e comecei a andar pelo quarto, um pouco preocupada e perdida, mesmo que não quisesse demonstrar muito para não alarmar .
– Isso foi antes de saber que eu fui sequestrado e ninguém achou meu corpo – ele se levantou também, dando um passo para a frente e eu, dando um para trás. – Pare com isso! Pare de se afastar!
– Então pare de chegar tão perto... – avisei.
– , você corre atrás de todos os fantasmas, mas por que de mim você foge?
Não respondi porque eu sinceramente não sabia a resposta para aquilo. Não sabia por que a proximidade toda de me deixava sem reação, do mesmo modo que não fazia ideia por que ele não entendia meu lado e o que se passava na sua cabeça naquele momento. Também não sabia como o rumo daquela conversa tinha se tornado sobre nós.
– Eu não sei! Mas não quero essa proximidade toda.
Mas, como o bom teimoso que era, ele não me obedeceu. Desapareceu e apareceu na minha frente, fazendo com que eu não tivesse para onde escapar. Eu odiava quando ele fazia aquilo, de verdade. Pegava-me desprevenida e eu sempre levava um susto.
– A minha cabeça está uma bagunça – disse com uma voz diferente, ignorando o que falei por último e tornando tudo mais esquisito.
– A minha também, , mas vou conseguir resolver isso. Eu juro. Sempre consigo.
– É, você sempre consegue.
era uma mistura de confusão, desesperança e sei que lá. No fundo, ele estava morrendo de medo. Eu também estava morrendo de medo. Seu cenho estava franzido e ele me olhava, provavelmente esperando minha próxima frase de encorajamento. Talvez por isso eu não tenha me afastado quando ele se aproximou. Talvez por isso tenha sentido meu coração apertar e, naquele segundo, minha mão correu até seu rosto, alisando aquela parte de sua pele que eu nunca havia tocado. Ele não se afastou de mim, mas agarrou a minha mão na sua, olhando nos meus olhos com a maior profundidade que me lembrara de ter feito alguma vez.
Queria encorajá-lo, dizer que estava tudo bem e que daria tudo certo, apesar de nem eu saber se aquilo era verdade.
Não sei se esse foi o motivo do meu corpo ir ao encontro do dele, enquanto sua mão ainda acariciava a minha, e eu nem pensava em tirar minhas mãos dele.
Pela primeira vez, eu não queria perder o contato físico com .
percebeu que eu não conseguia dizer nada e talvez meus olhos estivessem dizendo tudo, ou ele apenas estava vidrado demais neles, assim como eu estava com ele. Minha cabeça não raciocinou muito bem quando suas mãos seguraram minha cintura e minhas mãos apertaram de leve seu pescoço.
No segundo seguinte, meus lábios finalmente encostaram nos dele.
.
Tinha me esquecido completamente do fantasma que habitava o meu quarto. Não sei exatamente o porquê.
Depois do dia do incêndio e de nossa conversa, eu havia parado para pensar em tudo que ele havia me dito.
Odiava admitir que ele estava certo. Eu realmente bancava a heroína na maioria das vezes, mas não era como se eu pudesse evitar ou fizesse para querer atenção. Eu odiava atenção. Desde que os fantasmas começaram a me rodear, e consequentemente colocar todo mundo ao meu redor em perigo, eu tinha que fazer alguma coisa e, se necessário, salvar a vida de alguém. Às vezes, eu tinha que intervir, quer eu gostasse dos fantasmas ou não.
Sobre a amizade com : bem, eu ainda não sabia o que pensar sobre isso.
Eu realmente tinha uma aversão ao contato com os fantasmas. Não desejava contato com nenhum deles e estava incluso nisso, mas vê-lo pedindo desculpas e dizendo aquelas coisas me deixou completamente desnorteada e eu não parei de pensar nisso. Aquilo nunca, em todos os anos que eu fui amaldiçoada por ver os mortos por aí, havia acontecido. Não era como se os fantasmas fizessem alguma besteira e viessem pedir desculpas depois. Era completamente bizarro pensar em ter amizade com um fantasma que eu pensei muito antes de virar a maçaneta. Mas a quem eu quero enganar? Nunca consegui fugir daquilo. Não era agora que eu iria conseguir. E eu tinha que entrar no meu quarto alguma hora.
Mas eu não deitei na minha cama.
Porque estava nela.
Ele estava exatamente igual a quando eu o deixei – falo do quarto e do também. Minhas malas já estavam lá, então ele provavelmente já sabia que eu havia chegado há um tempo.
– Oi – disse ele, com a maior naturalidade do mundo. – Como foram as férias? – sorriu quando me viu sozinha e fechando a porta.
– ... – não consegui deixar de rir de sua felicidade. Ter passado meses sozinho deve ter sido horrível.
E eu não estava tendo nenhum tipo de compaixão por ele.
– "Foram ótimas."
– Você está de bom humor – não foi uma pergunta, o que me fez olhá-lo com atenção.
não parecia a mesma pessoa que eu conheci quase um ano atrás. Se essa era sua verdadeira personalidade, assim como ele havia me contado, ele era realmente alguém que eu poderia ter algo próximo de uma amizade. Acho que, para ele, eu já era sua amiga, o que me fez rir um pouco daquela situação bizarra. Uma mediadora amiga de um fantasma...
– "Você pensou no que eu lhe disse" – não foi uma pergunta de novo.
– Pensei, – fui sincera.
– Então...?
– Podemos tentar – dei de ombros. – Você ainda tem a minha palavra. Vou ajudá-lo.
Então ele me abraçou.
Uma hora, ele estava lá me olhando com um sorriso maior do que eu já tinha o visto dar e, na outra, estava na minha frente, com a cabeça aconchegada no meu ombro e os braços em volta de mim. Eu nunca havia abraçado um fantasma. Já havia tocado, esbarrado, apunhalado e já havia encostado em , mas aquilo era diferente.
O fantasma que morava no meu quarto estava imensamente feliz naquele momento. Não vou mentir: eu também estava, mas não por causa daquele abraço, que estava bem estranho para ser sincera. Era muito diferente de abraçar uma pessoa viva.
– Ok, – afastei-o de mim e ele me olhou, jogando a cabeça para o lado. Acho que ele estava curioso. Eu não sabia dizer.
– Você está diferente... – semicerrou os olhos.
– Para a sua alegria, eu abandonei o delineador – cruzei os braços. Também estava sem meu casaco, o que primeiramente pensei que iria sentir falta ou nua, mas nada disso aconteceu.
– Ah! – ele sorriu de novo. Ah, meu Deus, ele realmente estava muito feliz naquele momento. Eu nem sabia que fantasmas podiam desenvolver tanto um sentimento. – Eu não disse que não gostava dele.
– Eu não parei de usar por sua causa – afirmei e ele riu, dizendo um "tudo bem".
– Achei que não fosse chegar nunca.
– Eu estava querendo dormir... – falei, sentando-me na cama. se sentou nela também e me olhou sério.
– Pensei que faríamos alguma coisa hoje – disse simplesmente e agora quem o olhava com seriedade era eu.
– Quê?
– Sabe, achei que fosse me ajudar...
– Ah, certo. Isso...
Lembrei-me da promessa que havia feito a ele. Não achei que estivesse com tanta pressa, mas eu nem sabia há quanto tempo o garoto estava andando por aí. Com isso, peguei meu notebook que estava dentro da minha mochila.
– O que pensou que fosse? – riu quando eu voltei a me sentar. – Achou que, sei lá, eu estivesse a chamando para sair?
Parei por um momento.
O que eu realmente havia pensado com o que ele dissera? Na verdade, eu havia ficado tão surpresa com a naturalidade que chegou a mim que não tive a chance de pensar em nada. Olhei para ele e ri, de verdade. Gargalhei muito alto:
– Nunca, .
– Por quê? – levantou as sobrancelhas, não partilhando da graça da situação.
– Por que o quê?
– Por que você nunca sairia comigo?
Era só o que me faltava. Olhei para o computador e apertei o botão que o ligava.
– , preciso lembrar que você está morto? – revirou os olhos e, se não fossem as circunstâncias e eu já não soubesse da história, eu poderia jurar que ainda respirava...
– Eu realmente não vejo problema nisso, – disse, sem tirar os olhos de mim, e eu o olhei na mesma intensidade.
O barulho do computador tirou a atenção dos meus devaneios e do fantasma ao meu lado.
– Preciso de alguma informação sua – desviei do assunto, acessando a página de pesquisa.
– Como...?
– Sobrenome, idade, onde você mora...
– – disse simplesmente.
– Quê?
– É o meu sobrenome. Por quê?
– Nada. Apenas achei que não fosse se lembrar de nada. Isso já é um progresso.
– É claro que sei meu sobrenome.
– Você não lembra nem como morreu e veio parar aqui. Não imaginei que fosse se lembrar de seu nome.
Digitei o nome e sobrenome dele, mas, como praga do destino, não encontrei nada. A tela de busca ficou branca e não contive o palavrão que veio.
Nadinha mesmo. Nenhum . Mas é claro que não seria tão fácil. Os meninos já haviam comentado sobre pesquisas bloqueadas na Vineyard, mas eu pensei que era apenas para sites pornô ou coisas do gênero.
– Ah – deu um muxoxo e percebi que estava tão decepcionado quanto eu.
– Se você, ao menos, lembrasse há quanto tempo morreu... – eu ainda olhava para a tela do computador, na esperança de que algo aparecesse.
– Isso faz tanta diferença assim? – perguntou e eu, dessa vez, o olhei com mais sinceridade.
– É claro. Talvez não faça tanto tempo. Veja, você sabe o que é um computador, por exemplo... Não faz tanto tempo assim que você morreu.
– Todo mundo sabe o que é um computador – balancei a cabeça e ele me olhou incrédulo.
– Você não faz ideia das coisas que eu encontro, . Se você tivesse morrido há 150 anos, seria muito difícil conversar com você.
– Bem, eu sei que faz um tempo que estou por aqui – balançou a cabeça e colocou as mãos nos olhos. – Não faço ideia de quanto tempo... Desculpe, .
– Ei, tudo bem! – coloquei minha mão em seu ombro e ele pareceu relaxar um pouco. Logo vi o que fiz e tirei minha mão de lá. – Deve ser horrível andar por aí com amnésia da sua vida. Eu já perdi a memória de alguns dias e já foi bem ruim...
– É, mas, se tem alguma coisa que tenho certeza, é que não faz 150 anos.
– Vou resolver isso, .
– Eu nunca duvidei disso – disse, sem tirar os olhos de mim.
– Eu vou falar com . Talvez ele saiba alguma coisa com o computador... – falei, desviando do assunto. – Aparentemente, no meu celular também não funciona.
Levantei-me e coloquei o computador em cima da mesa novamente, junto ao meu celular.
– ? – uma voz atrás de mim soou e eu despertei do meu breve pensamento em . Amy entrou e fechou a porta atrás de si, olhando para mim que ainda estava parada. O garoto ainda estava sentado em uma das camas. – Está tudo bem?
– Claro. Por que a pergunta? A gente se viu não tem muito tempo – voltei a me sentar na cama e continuei a olhar para minha colega de quarto. – Você que parece estranha.
Falei isso porque ela estava fazendo uma cara emburrada até eu fazer aquela pergunta.
– Foi o – suspirou. – Nós brigamos.
– O que houve?
– Nada, na verdade. Mas, desde as férias, nós começamos a brigar. Ele diz que eu estou falando muito em faculdade e ainda falta muito tempo para isso.
– Ele tem razão em relação a isso – olhou-me pasma.
– Mas ele não tem o direito de falar o que devo fazer no meu futuro – Amy parecia exausta de falar sobre aquilo, então eu nem questionei. Foi difícil para ela se abrir sobre o relacionamento ou qualquer outra coisa comigo e eu não queria estragar aquilo. E, por outro lado, Amy era uma pessoa tão difícil que ela nunca aceitaria a minha opinião, e não queria que ficasse chateada comigo por isso.
– Tudo bem – encerrei o assunto.
– Por que você não pergunta se ela me conhece? – me perguntou e eu neguei antes que ele continuasse com aquela história.
Definitivamente, não queria meter nenhum dos meus amigos em nada relacionado aos fantasmas. Depois do episódio do fogo, eu queria distância de qualquer perigo que os mortos pudessem ter perto deles. Sei que não faria mal nenhum a eles, mas não queria arriscar. Foi por um descuido que aqueles fantasmas atearam fogo no teatro e definitivamente não queria nada parecido de novo.
– “Por que não? Você não achou nada na internet e não sabe por onde começar” – era verdade. Não fazia ideia de como resolver o mistério de .
Neguei novamente e ele ficou bravo de uma hora para outra. Seu cenho estava franzido quando ele começou a pegar os livros da estante...
Fiz minha melhor cara de desdém enquanto Amy estava vasculhando seu guarda-roupa. então, como uma criança mimada age quando não tem o que quer, pegou um dos livros e jogou no chão – os livros da minha colega de quarto já estavam alinhados na estante. Olhei para ele meio desacreditada e meio debochada. Ele não era violento e ambos sabíamos disso, mas não parecia quando ameaçou derrubar mais um livro da estante.
– Ah, não! – falei como um reflexo, olhando atônita para ele. Queria poder dizer: “tudo bem você morar no meu quarto, mas não está tudo bem se você quiser destruí-lo!”.
– Foi só o vento, . Hoje está um pouco frio – Amy falou e depois andou até a janela, fechando-a. – Está tudo bem? – perguntou quando viu meu rosto bravo olhando para .
Suspirei e finalmente perguntei:
– Você sabe quem é ?
A reação de Amy foi uma mistura de várias coisas que nem sei enumerar. Ela se sentou de frente para mim em sua cama, enquanto eu me aconchegava na minha, e me olhou com uma seriedade...
estava igualmente curioso, então se sentou ao meu lado na cama.
– Como sabe dele? – quis saber.
– Não sei nada sobre ele por isso estou perguntando.
– Ah – fez um silêncio meio pesaroso, deixando-me confusa. – é neto do dono da Vineyard.
– Nossa! – expressei, incrédula. , ao meu lado, estava igual. – Então a diretora é parente dele?
– Você quer ouvir a história toda? – assenti e ela suspirou meio nervosa. – Vou lhe contar, até porque sei que você nunca vai achar nada sobre isso na internet – não esperou que eu respondesse. – Ela era a babá dele, quase como uma parte da família. Pelo que sei, ela criou e cuidou dele sua vida inteira. Depois que toda a tragédia aconteceu, a família não achou ninguém melhor para tomar conta da escola.
– Tragédia?
– É, tragédia. namorava a minha antiga colega de quarto, Lauren Ortega. Eu não falava com ele, mas tinha uma boa relação com ela. Por ser muito fechada e ter seu próprio grupo de amigos, ela não conversava muito comigo, além de ser um ano mais velha. Nunca troquei uma palavra com , mas sempre os via juntos. Sei que se encontravam aqui quando eu não estava presente e que ele era apaixonado por ela. Mas então, um mês antes de você chegar, desapareceu.
– Desapareceu? – interrompi. Não dizer por que aquela parte da história fez com que me arrepiasse inteira.
– Sim – assentiu triste. – O mais estranho foi que a última mensagem que recebeu fora de sua namorada pedindo para que os dois se encontrassem bem aqui. Porém, Lauren disse que nunca mandou mensagem alguma. Foi horrível. A polícia estava envolvida e até eu tive que depor.
– Você quer dizer que...? – tentei falar, mas minha voz sumiu.
– Eu fui sequestrado – disse ao meu lado. Sua voz não demonstrava tristeza nem pesar. Acho que, para ele, era quase um alívio saber sobre aquilo, mesmo sendo um fato triste.
– Provavelmente, ele foi sequestrado e assassinado. Eu não era muito amiga da Lauren, mas, se tem uma coisa que posso confirmar, é que ela não teve nada a ver com essa história toda. Ela jamais faria algum mal desse tipo para alguém.
– Onde acharam o corpo dele? – outro arrepio sinistro.
– Não acharam, . Acho que essa é a pior parte. Isso fez a família de voltar para a Inglaterra.
– Inglaterra? – perguntei confusa.
– É, a parte da mãe de vive lá. Depois dessa tragédia, ela decidiu que seria melhor se afastar. Nem consigo imaginar como ela deve ter se sentido.
– Por isso que Katy não gosta desse quarto? – perguntei curiosa.
– Não é bem um desgostar... Uma pessoa sumiu e talvez tenha sido morta aqui. É de se esperar que histórias de fantasmas apareçam. Fora que tudo aconteceu no Halloween, o que piorou a situação. Mas não acredito nessa história de fantasmas.
Eu quis rir de nervoso. Se Amy ao menos soubesse...
– Essa história é bizarra – foi o que consegui dizer.
– O mais estranho é que você chegou meses depois, sabe? Lauren saiu da escola de imediato e então você chegou. É obvio que as pessoas iriam comentar sobre isso. Foi como se você soubesse...
Ela não parecia tão assustada quanto eu. Estava mais triste do que qualquer outra coisa.
– Não sabia, não fazia ideia...
– Eu sei. Eu percebi pelo seu rosto quando a vi pela primeira vez – ela riu.
– Eu parecia confusa? – perguntei. Nunca tínhamos realmente conversado sobre aquilo e, agora que me dera abertura, iria perguntar tudo.
– Confusa, perdida, deslocada. Você era um combo de novata na Vineyard – explicou e franzi o cenho. Nem ao menos lembrava quais eram meus pensamentos na primeira vez que pisei meus pés ali. – Você estava tão perdida aqui dentro que não consegui deixá-la de lado, . Por isso a apresentei para meus amigos. Era como se você precisasse disso.
– Não queria que você tivesse essa obrigação de me apresentar para alguém.
Falei baixo, mas ela ouviu claramente. Amy sorriu abertamente antes de dizer:
– Você foi a melhor coisa que me aconteceu, . Tenho certeza de que para os outros também. Foi sem intenção alguma que você começou a fazer parte do grupo, mas agora faz e nos completa. Era como se faltasse você.
Queria abraçá-la e dizer que ela era a melhor pessoa que eu conhecia. Havia ganhado melhores amigos e nunca parara para pensar em quão sortuda eu era por isso. Eles faziam tão bem para mim e era bom saber que eu fazia bem para eles.
se remexeu ao meu lado, fazendo com que eu lembrasse que ele estava ali. Passara tanto tempo calado que eu tinha me esquecido brevemente de sua presença, apesar de fazer apenas alguns minutos que o assunto entre nós era ele.
– Vocês foram a melhor coisa que aconteceu comigo também – confessei e Amy se levantou, pedindo um abraço. Afastei-me quando o celular dela começou a tocar e ela olhou o visor, revirando os olhos. – ? – perguntei.
– Sim – passou um tempo olhando para o celular. – Devo atender? – eu ri da cara de desdém que ela fez.
– Deve.
– Eu vou atender lá fora. Você não merece ouvir meus gritos – virou-se uma última vez para me dizer: – Esse é um assunto muito delicado, entende? Por isso que você nunca ouviu ninguém falando por aí. Meio que todo mundo ficou muito tocado com a situação e ninguém mais comenta sobre isso.
– Eu entendo. Obrigada por me contar mesmo assim.
Quando ela saiu do quarto, voltei a me sentar na cama da minha colega de quarto, ficando de frente para que continuava calado.
– Então eu ainda estou vagando pela Terra porque não encontraram meu corpo? – ele me olhou.
Não conseguia distinguir o rosto de .
– É uma teoria – falei, mas não tinha parado para pensar em tudo que Amy me contara.
– Você já encontrou algum fantasma assim?
– Sinceramente, não. Também nunca encontrei um fantasma com amnésia, . Isso que me deixa confusa sobre o seu caso. Fantasmas que sofrem acidentes de carro, por exemplo, às vezes perdem a memória, mas não entendo por que você perdeu a sua. Você não se lembra de absolutamente nada da sua vida...
suspirou e, naquele momento, entendi o que ele pensava: estava tão perdido quanto eu.
– Você não sabe o que fazer, né? – estava cobrando alguma resposta e aquilo me deixou mais triste do que saber que fora assassinado.
– Nós vamos descobrir. Eu já lhe falei. Vou resolver isso – levantou-se e agora estava do meu lado. Não entendi a aproximação, mas eu já não olhava mais para ele. – De nós dois, você é o que mais tem esperanças. Por que a perdeu agora?
Levantei e comecei a andar pelo quarto, um pouco preocupada e perdida, mesmo que não quisesse demonstrar muito para não alarmar .
– Isso foi antes de saber que eu fui sequestrado e ninguém achou meu corpo – ele se levantou também, dando um passo para a frente e eu, dando um para trás. – Pare com isso! Pare de se afastar!
– Então pare de chegar tão perto... – avisei.
– , você corre atrás de todos os fantasmas, mas por que de mim você foge?
Não respondi porque eu sinceramente não sabia a resposta para aquilo. Não sabia por que a proximidade toda de me deixava sem reação, do mesmo modo que não fazia ideia por que ele não entendia meu lado e o que se passava na sua cabeça naquele momento. Também não sabia como o rumo daquela conversa tinha se tornado sobre nós.
– Eu não sei! Mas não quero essa proximidade toda.
Mas, como o bom teimoso que era, ele não me obedeceu. Desapareceu e apareceu na minha frente, fazendo com que eu não tivesse para onde escapar. Eu odiava quando ele fazia aquilo, de verdade. Pegava-me desprevenida e eu sempre levava um susto.
– A minha cabeça está uma bagunça – disse com uma voz diferente, ignorando o que falei por último e tornando tudo mais esquisito.
– A minha também, , mas vou conseguir resolver isso. Eu juro. Sempre consigo.
– É, você sempre consegue.
era uma mistura de confusão, desesperança e sei que lá. No fundo, ele estava morrendo de medo. Eu também estava morrendo de medo. Seu cenho estava franzido e ele me olhava, provavelmente esperando minha próxima frase de encorajamento. Talvez por isso eu não tenha me afastado quando ele se aproximou. Talvez por isso tenha sentido meu coração apertar e, naquele segundo, minha mão correu até seu rosto, alisando aquela parte de sua pele que eu nunca havia tocado. Ele não se afastou de mim, mas agarrou a minha mão na sua, olhando nos meus olhos com a maior profundidade que me lembrara de ter feito alguma vez.
Queria encorajá-lo, dizer que estava tudo bem e que daria tudo certo, apesar de nem eu saber se aquilo era verdade.
Não sei se esse foi o motivo do meu corpo ir ao encontro do dele, enquanto sua mão ainda acariciava a minha, e eu nem pensava em tirar minhas mãos dele.
Pela primeira vez, eu não queria perder o contato físico com .
percebeu que eu não conseguia dizer nada e talvez meus olhos estivessem dizendo tudo, ou ele apenas estava vidrado demais neles, assim como eu estava com ele. Minha cabeça não raciocinou muito bem quando suas mãos seguraram minha cintura e minhas mãos apertaram de leve seu pescoço.
No segundo seguinte, meus lábios finalmente encostaram nos dele.
Capítulo 14
Lauren era linda. Foi muito fácil achar qualquer rede social dela. Eu estava bem agradecida por ela não ter apagado nada. Amava a internet por me facilitar tanto as coisas.
Depois de ler os tweets e vasculhar o Facebook, eu parei em seu Instagram... Eram muitas fotos com os amigos. Na maior parte delas, estava presente. Eles pareciam felizes, tão felizes que me deu pena. Pena deles por terem perdido um amigo, mas também pena de por ter perdido tanta gente. Eu me sentia uma stalker, porém estava achando tanta coisa sobre que nem percebi a hora passar. De certa forma, era importante que descobrisse tudo aquilo para ajudá-lo. Parei em uma foto de Lauren e no aniversário dele.
“Eu queria que todo mundo tivesse a oportunidade de conhecer . Ele é um grande amigo, um filho maravilhoso e a melhor companhia. Ele sempre escuta as músicas que eu peço, também sempre me manda mensagem para saber como está sendo meu dia.
sempre tem história para contar. Sempre fala das vezes que viajou com a família, dos momentos engraçados com os amigos... Ele é repleto de histórias e sempre conta alguma delas, e ouvi-las era como se estivéssemos vivendo esses momentos com ele.
Eu tenho muita sorte de ter você ao meu lado, ...”
Além disso, procurei algumas notícias do dia 30/10 em Sonoma, com a esperança de encontrar algo sobre ou qualquer coisa que parecesse suspeita. Era uma das únicas esperanças que eu tinha.
Sonoma não era uma cidade muito grande, de modo que não havia muitas notícias naquele lugar. Com um pouco mais de 10.000 habitantes, não foi difícil encontrar alguma coisa fora do normal. E, por “fora do normal”, quero dizer diferente do cotidiano daquela cidade pacata. Entre algumas entrevistas e matérias aleatórias, uma das únicas coisas que encontrei foi uma notícia sobre um acidente em uma avenida próxima à Vineyard.
“Dois carros colidiram em um acidente na noite deste domingo (30), na rua E Spain St, em Sonoma, Califórnia. Após a batida, um dos carros fugiu sem mostrar identificação.
Alguns moradores que passavam no momento alegaram ser um Honda Airwave, 2012, porém não houve nenhuma confirmação. (...)”
Não sabia dizer se essa notícia era relevante ou não. Podia ser coincidência que a rua do acidente fosse próxima à Vineyard. Além disso, a cidade era pequena, então, de certa forma, tudo era próximo.
Senti um empurrãozinho nas costas e acordei do meu breve devaneio.
– No que está pensando?
Só naquele momento percebi o quão distraída estava olhando para a tela do meu celular. e Alison apareceram ao meu lado.
A biblioteca estava cheia naquele dia e eu deveria estar lendo sobre Napoleão, mas não conseguia focar nele ou em qualquer coisa que tivesse que estudar.
O momento íntimo que tive com me fez sentir coisas que até então eu nunca havia sentido antes. E, desde então, só conseguia pensar nele e em tudo que o rodeava. Sentia-me idiota por descrever dessa forma, mas simplesmente não sabia o que estava acontecendo comigo.
Eu li na internet uma vez que a paixão é semelhante a alguém apunhalá-lo na barriga. Não concordo muito. Sentia-me leve, um pouco feliz e completamente idiota. Primeiramente, não sabia dizer que tipo de sentimento eu nutria por nem quando isso começou exatamente. Em segundo lugar, não era, de nenhuma forma, doloroso. Era bom, até onde eu conseguia sentir e pensar. A conclusão a que eu cheguei foi que essa pessoa nunca havia sido correspondida. Por isso comparava o amor com algo ruim.
Eu não gostava de pensar na palavra amor, porque eu nunca havia sentido isso e não sabia dizer se gostava de mim exatamente. Não daquele jeito pelo menos.
– ... – disse quando me afastei depois de perceber o que eu havia feito.
Eu havia beijado um fantasma. Provavelmente estava louca ou algo do tipo. Eu não pensava com clareza naquele momento.
– Desculpe. Eu não devia ter feito isso... – falei ao me afastar. Quando percebi, já havia saído do quarto e ido para o mais longe que pude dele.
O problema era que eu não consegui parar de pensar nele e no quanto eu queria beijá-lo novamente...
Eu precisava desabafar.
O problema era: com quem? A única parte que me deixava triste era lembrar da situação em que nós dois nos encontrávamos.
estava morto. Eu gostava dele. Ele estava morto. Eu estava viva. Talvez essa seja a parte do punho no estômago que eu li a respeito.
– Preciso de um conselho.
– Não sou a melhor pessoa para isso – disse com sinceridade. – Mas o que aconteceu?
– Foi algo com a sua mãe? – Ali perguntou ao meu lado.
– Não, não é nada com os meus pais – falei. – É que, bem, tem esse cara que eu acho que... – empaquei. Não fazia ideia de como era difícil falar aquilo.
– Gosta – ele completou e eu assenti.
Eu adorava essa sincronia que eu tinha com porque ela nem tinha explicação. Ele era muito atencioso comigo e a gente sempre se entendia, independente do assunto. Nossa mesa era afastada das outras e, por estar na biblioteca, eu falava um pouco mais baixo.
– Isso acontece desde...? – Ali levantou as sobrancelhas e eu sabia que ela iria começar o discurso de “você deveria ter contado para as suas amigas”.
– Não faz muito tempo. Eu não contei porque não sabia que gostava dele até pouco tempo.
– E qual é o problema? – o garoto perguntou interessado.
– Ele meio que mora longe – foi o máximo que consegui explicar.
– Em Nova York? – Ali perguntou e eu neguei. – Onde?
– Longe – não ia levar essa mentira mais para frente e acho que eles tinham entendido essa parte.
– Vocês já se viram pessoalmente? – quando aquilo tinha se tornado um interrogatório? Olhei para Ali que parecia interessadíssima no assunto.
– Já.
– A distância é o problema? – perguntou.
– Mais ou menos. É complicado. A gente não pode ficar junto.
– Não estou entendendo muito bem. Distância não é um problema para mim – ele rebateu.
– É claro que distância é um problema. Digo, muita gente vive em um relacionamento à distância e talvez você...
– É que não é só isso – interrompi-a. – Tem muita coisa envolvida. Vai chegar a um momento em que não vamos mais poder ficar juntos.
– E por que vocês não aproveitam enquanto podem ficar juntos? Sei que tem todo o lance da distância, mas não acho que isso seja um problema – falou.
– Já passou por isso? – perguntei porque realmente parecia.
– Não exatamente – respondeu e se calou.
Das inúmeras coisas que sabia sobre , sua vida amorosa era o que eu menos sabia. Ele não era muito de falar e tudo sempre voltava para o mesmo ponto: Amy.
Era estranho porque eu nunca tinha parado para pensar neles realmente. Talvez por andar e conviver com cada um individualmente, nunca havia percebido o quão legal seria se eles estivessem juntos. Mas também me sentia mal por tirar o da relação. Eu gostava deles dois juntos também. era um cara legal e eles eram idênticos na maioria das coisas, tinham uma amizade antes de serem namorados. Mas, apesar das diferenças com , agora eu imaginava o quanto eles se gostavam. Eu queria saber mais sobre isso, do porquê a relação deles ser tão complicada – apesar de Amy sempre me dizer que eles eram amigos –, o que havia realmente acontecido.
– Foi alguma coisa com a Amy? – não tive controle sobre as minhas palavras. Quando percebi, já estava perguntando. Ali se mexeu inquieta ao meu lado e eu não pude olhá-la.
– Ah... – ele foi pego de surpresa com a pergunta e eu sabia que não queria falar sobre aquilo. nunca queria falar sobre Amy.
– Vamos voltar para... – Ali interrompeu, mas perguntei antes que ela terminasse.
– Por que você nunca me fala sobre ela? – cruzei os braços. – Aparentemente, todo mundo sabe, menos eu – olhei para a minha amiga que encolheu os ombros.
– Achei que ela já tivesse lhe contado sobre nós dois – defendeu-se.
– Não. Tem sempre um clima estranho quando vocês estão juntos e nunca querem conversar um com o outro. Temos o mesmo grupo de amigos, mas vocês dois nunca querem ser amigos.
– , eu não acho que... – minha amiga tentou falar novamente.
– Não aconteceu nada, ! – ele disse um pouco alto demais, mas logo abaixou a voz. – Ela terminou comigo. Nós éramos muito novos e somos muito diferentes. Nunca daria certo.
– Mas isso é motivo para não se falarem mais?
– Não. Quero dizer, não sei. Ela se afastou. Na verdade, nós dois nos afastamos.
– Eu não entendo, .
– Eu também não – suspirou casado.
– Será que agora podemos mudar de assunto? – Ali perguntou esperançosa. – Porque eu estou fazendo um trabalho com e ele não poderia estar sendo mais desleixado...
De repente, aquele não era mais o brincalhão e meu melhor amigo. Agora era o magoado por alguma coisa que eu não havia entendido muito bem.
era uma pessoa aberta, me contava tudo na maioria das vezes, mas, quando o assunto era Amy, ele nunca havia me contado nada. Ele era diferente de Amy. Ela era bem fechada e difícil de desabafar qualquer coisa. Ele tinha razão em dizer que eram completamente diferentes, mas eu jamais iria entender a inimizade entre os dois.
Eu respeitava seu espaço, talvez ainda doesse de alguma forma, mas não deixava de ficar um pouco chateada porque todo mundo sabia, menos eu.
E, por mais que soubesse que Amy estava feliz com e também estivesse feliz, as coisas entre meus melhores amigos pareciam inacabadas, como se nem ao menos uma conversa tivesse acontecido.
Sentia-me triste pela situação. Apesar de ser um grupo, sempre havia a parte de e Amy brigando por alguma coisa quando estivéssemos juntos. Só queria que as coisas se resolvessem.
Embalamos em uma conversa sobre Alison estar irritada com e o clima amenizou. Ficamos horas conversando e estudando até decidirmos irmos embora.
Depois de ter o assunto encerrado e algumas leituras de História, eu e Alison fomos para o dormitório. se despediu depois da conversa e eu não o vi depois disso.
Faltavam algumas horas para a hora do jantar e eu havia entrado no quarto das meninas com Ali.
– Você acha que ficou chateado comigo? – perguntei assim que entramos.
– Olhe, , o assunto “Amy e ” é muito complicado. Eu não sei o que achar sobre, mas me entristece eles terem esse impasse, entende? Eu não vou comentar nada sobre isso porque não diz respeito a mim – ela disse depois de se jogar em sua cama. – E, bem, Amy ficaria brava comigo. Acho que ela poderia lhe contar melhor.
– Eu duvido que me conte. Qualquer assunto que envolva ela fica estressada.
– Bom, você faz parte do grupo agora. Além disso, você tem razão. Todo mundo sabe, menos você – confirmou o que eu já sabia. – Mas, como eu disse, não sou eu que tenho que lhe contar isso. Além do mais, você também é cheia de segredos e nunca contou para nós.
– Quem está cheia de segredos? – uma voz apareceu quando a porta do quarto se abriu e levei um pequeno susto, porque não ouvi a porta se abrir.
– está apaixonada – Ali me dedurou quando olhei em direção às meninas. – Eu me sinto na obrigação de intimá-la a contar o que me contou na biblioteca.
Fazia um tempo que eu queria contar tudo para elas. Como eu me sentia confusa, mas feliz, como eu o odiava quando nos conhecemos, como era uma pessoa amiga, como eu me sentia quando estava junto dele, das vezes que suspirava quando me lembrava dele. De como ele não saía da minha cabeça... Mas depois eu me lembrava de todas as circunstâncias em que nos encontrávamos e a realidade me dava um tapa na cara.
Era bizarro pensar na nossa situação. Assustava-me.
Queria apresentá-lo para as meninas e ter a certeza de que seria um bom amigo para todo mundo, queria que fizesse parte do grupo e participasse quando estivéssemos todos juntos na sala de jogos conversando sobre algum assunto aleatório.
Eu sabia que nada disso iria acontecer. Talvez esse fosse o momento exato em que eu percebera o quanto gostava de .
– Do que ela está falando? – minha colega de quarto perguntou. Era quase uma acusação.
Sentei-me em uma das camas e suspirei com as mãos no rosto.
– E você pretendia contar...? – Amy cruzou os braços na minha frente.
– Não faz muito tempo... – eu me defendi.
– Ah, Amy, não seja assim! Você demorou para falar sobre – sobre também e eu nem sabia da história toda. A ruiva apenas se sentou na cama emburrada.
– Tá, mas por quem você está apaixonada? – Dani perguntou.
– Vocês não conhecem...
– Bem, mas ele gosta de você? – Chris perguntou empolgadíssima.
“Eu não sei”, eu quis dizer, mas não disse. Era complicado porque eu não sabia se ele gostava mesmo de mim.
Em todos os anos de mediação, eu não sabia dizer se fantasmas podiam criar sentimentos novos. Afinal, eles estavam mortos. Porém, eu pensava que, se alguns fantasmas desenvolviam raiva, por que não poderiam desenvolver o amor também? Isso não facilitava a situação porque continuava morto e eu, viva, mas me deixava pensando em como o mundo da mediação, assim como os fantasmas, era uma coisa maior do que eu imaginava mesmo depois de tantos anos convivendo com eles. E ainda havia muita coisa que eu não entendia.
– Talvez... Não sei. Não conversamos sobre isso ainda.
– Por quê? – Ali perguntou com o cenho franzido.
Alison era sempre a favor da conversa. Ela não estava totalmente errada, mas, no meu caso com , eu não sabia como conversar sobre aquilo. Bem, eu havia o beijado, mas também havia dito que aquilo era errado. Eu gostava dele, mas não podíamos ficar juntos. Eu ainda tinha que ajudá-lo e nem sabia o que fazer em relação a isso.
– É complicado – disse e ela revirou os olhos.
– O papo de “é complicado”. Será que é mesmo? – olhou-me e depois olhou para Amy. Eu tive que rir da situação porque a minha amiga não havia entendido nada.
– Quer me dizer alguma coisa? – Amy olhou para Ali que riu debochada.
– Se a carapuça serve... – deu de ombros.
– Olhe, eu... – ficou sem palavras. – As coisas com já estão resolvidas!
– Eu não estava falando do , mas já que você comentou...
– O que você quer de mim, Alison? – Amy interrompeu. – Por que a gente não conversa sobre você e também, já que só hoje você falou dele umas mil vezes?
Era comum as duas baterem boca às vezes. Alison ficava irritada com o jeito certinho de Amy, não entendia por que ela era tão fechada e difícil. Era quase como as brigas com , mas muito mais pacíficas.
Eu não a culpava por isso. Às vezes eu também não entendia o lado de Amy. Apenas parava de perguntar caso ela ficasse incomodada. Eu queria que Amy fosse mais aberta, falasse sobre ela, e quem sabe um dia me falasse sobre ... Mas eu não podia exigir isso dela.
– Pelo amor de Deus, Amy, ele tem namorada!
– Gente, chega! – falei e elas me olharam. Eu não era muito de gritar, o que fez com que calassem a boca na hora, surpresas.
– Ali, pare de implicar – Chris também comentou. – Fico feliz que as coisas entre você e estejam bem, mas você sabe que pode contar com a gente se quiser desabafar. Mesmo que você não goste, às vezes faz bem. E sobre você, , eu ainda não acredito que você está namorando e não contou para nós.
– As coisas com estão bem – disse ela pela milésima vez. – Nós não conversamos muito esses dias, mas tudo vai se resolver.
– Eu não estou namorando – levantei os braços, como se pedisse permissão para falar. – E, mesmo que estivesse, isso é realmente tão importante?
– Sim – todas responderam juntas.
– E será que podemos parar de falar sobre garotos? – Dani falou depois de muito tempo quieta. – Porque eu não aguento mais o novo diretor do teatro.
– Acho que estou com você nessa – Ali falou. – está me enlouquecendo no trabalho de Psicologia.
Todas fizeram um “ih” depois que Alison parou de falar.
era a pior pessoa para fazer trabalhos, segundo meus amigos. Ele não ajudava muito e quem tinha ele como parceiro sempre acabava fazendo tudo sozinho. Nem os meninos gostavam de tê-lo como parceiro. Quando Ali deu a notícia na biblioteca de que faria trabalho com ele, eu só torci para que ocorresse tudo bem e no final ela não quisesse matá-lo. Eu conhecia a minha amiga. Talvez por isso ela estivesse falando tanto dele. Devia ser muito difícil não falar de alguém que o estressa tanto assim.
– Eu não tenho nenhuma reclamação para fazer – disse Christina. – Acho que vocês não aguentam mais o papo “garotos”, né?! – todas riram. Seria surpresa se um dia Christina tivesse alguma reclamação de . Depois disso, Chris puxou algum outro assunto para conversarmos.
Depois de ler os tweets e vasculhar o Facebook, eu parei em seu Instagram... Eram muitas fotos com os amigos. Na maior parte delas, estava presente. Eles pareciam felizes, tão felizes que me deu pena. Pena deles por terem perdido um amigo, mas também pena de por ter perdido tanta gente. Eu me sentia uma stalker, porém estava achando tanta coisa sobre que nem percebi a hora passar. De certa forma, era importante que descobrisse tudo aquilo para ajudá-lo. Parei em uma foto de Lauren e no aniversário dele.
sempre tem história para contar. Sempre fala das vezes que viajou com a família, dos momentos engraçados com os amigos... Ele é repleto de histórias e sempre conta alguma delas, e ouvi-las era como se estivéssemos vivendo esses momentos com ele.
Eu tenho muita sorte de ter você ao meu lado, ...”
Além disso, procurei algumas notícias do dia 30/10 em Sonoma, com a esperança de encontrar algo sobre ou qualquer coisa que parecesse suspeita. Era uma das únicas esperanças que eu tinha.
Sonoma não era uma cidade muito grande, de modo que não havia muitas notícias naquele lugar. Com um pouco mais de 10.000 habitantes, não foi difícil encontrar alguma coisa fora do normal. E, por “fora do normal”, quero dizer diferente do cotidiano daquela cidade pacata. Entre algumas entrevistas e matérias aleatórias, uma das únicas coisas que encontrei foi uma notícia sobre um acidente em uma avenida próxima à Vineyard.
Alguns moradores que passavam no momento alegaram ser um Honda Airwave, 2012, porém não houve nenhuma confirmação. (...)”
Não sabia dizer se essa notícia era relevante ou não. Podia ser coincidência que a rua do acidente fosse próxima à Vineyard. Além disso, a cidade era pequena, então, de certa forma, tudo era próximo.
Senti um empurrãozinho nas costas e acordei do meu breve devaneio.
– No que está pensando?
Só naquele momento percebi o quão distraída estava olhando para a tela do meu celular. e Alison apareceram ao meu lado.
A biblioteca estava cheia naquele dia e eu deveria estar lendo sobre Napoleão, mas não conseguia focar nele ou em qualquer coisa que tivesse que estudar.
O momento íntimo que tive com me fez sentir coisas que até então eu nunca havia sentido antes. E, desde então, só conseguia pensar nele e em tudo que o rodeava. Sentia-me idiota por descrever dessa forma, mas simplesmente não sabia o que estava acontecendo comigo.
Eu li na internet uma vez que a paixão é semelhante a alguém apunhalá-lo na barriga. Não concordo muito. Sentia-me leve, um pouco feliz e completamente idiota. Primeiramente, não sabia dizer que tipo de sentimento eu nutria por nem quando isso começou exatamente. Em segundo lugar, não era, de nenhuma forma, doloroso. Era bom, até onde eu conseguia sentir e pensar. A conclusão a que eu cheguei foi que essa pessoa nunca havia sido correspondida. Por isso comparava o amor com algo ruim.
Eu não gostava de pensar na palavra amor, porque eu nunca havia sentido isso e não sabia dizer se gostava de mim exatamente. Não daquele jeito pelo menos.
– ... – disse quando me afastei depois de perceber o que eu havia feito.
Eu havia beijado um fantasma. Provavelmente estava louca ou algo do tipo. Eu não pensava com clareza naquele momento.
– Desculpe. Eu não devia ter feito isso... – falei ao me afastar. Quando percebi, já havia saído do quarto e ido para o mais longe que pude dele.
O problema era que eu não consegui parar de pensar nele e no quanto eu queria beijá-lo novamente...
Eu precisava desabafar.
O problema era: com quem? A única parte que me deixava triste era lembrar da situação em que nós dois nos encontrávamos.
estava morto. Eu gostava dele. Ele estava morto. Eu estava viva. Talvez essa seja a parte do punho no estômago que eu li a respeito.
– Preciso de um conselho.
– Não sou a melhor pessoa para isso – disse com sinceridade. – Mas o que aconteceu?
– Foi algo com a sua mãe? – Ali perguntou ao meu lado.
– Não, não é nada com os meus pais – falei. – É que, bem, tem esse cara que eu acho que... – empaquei. Não fazia ideia de como era difícil falar aquilo.
– Gosta – ele completou e eu assenti.
Eu adorava essa sincronia que eu tinha com porque ela nem tinha explicação. Ele era muito atencioso comigo e a gente sempre se entendia, independente do assunto. Nossa mesa era afastada das outras e, por estar na biblioteca, eu falava um pouco mais baixo.
– Isso acontece desde...? – Ali levantou as sobrancelhas e eu sabia que ela iria começar o discurso de “você deveria ter contado para as suas amigas”.
– Não faz muito tempo. Eu não contei porque não sabia que gostava dele até pouco tempo.
– E qual é o problema? – o garoto perguntou interessado.
– Ele meio que mora longe – foi o máximo que consegui explicar.
– Em Nova York? – Ali perguntou e eu neguei. – Onde?
– Longe – não ia levar essa mentira mais para frente e acho que eles tinham entendido essa parte.
– Vocês já se viram pessoalmente? – quando aquilo tinha se tornado um interrogatório? Olhei para Ali que parecia interessadíssima no assunto.
– Já.
– A distância é o problema? – perguntou.
– Mais ou menos. É complicado. A gente não pode ficar junto.
– Não estou entendendo muito bem. Distância não é um problema para mim – ele rebateu.
– É claro que distância é um problema. Digo, muita gente vive em um relacionamento à distância e talvez você...
– É que não é só isso – interrompi-a. – Tem muita coisa envolvida. Vai chegar a um momento em que não vamos mais poder ficar juntos.
– E por que vocês não aproveitam enquanto podem ficar juntos? Sei que tem todo o lance da distância, mas não acho que isso seja um problema – falou.
– Já passou por isso? – perguntei porque realmente parecia.
– Não exatamente – respondeu e se calou.
Das inúmeras coisas que sabia sobre , sua vida amorosa era o que eu menos sabia. Ele não era muito de falar e tudo sempre voltava para o mesmo ponto: Amy.
Era estranho porque eu nunca tinha parado para pensar neles realmente. Talvez por andar e conviver com cada um individualmente, nunca havia percebido o quão legal seria se eles estivessem juntos. Mas também me sentia mal por tirar o da relação. Eu gostava deles dois juntos também. era um cara legal e eles eram idênticos na maioria das coisas, tinham uma amizade antes de serem namorados. Mas, apesar das diferenças com , agora eu imaginava o quanto eles se gostavam. Eu queria saber mais sobre isso, do porquê a relação deles ser tão complicada – apesar de Amy sempre me dizer que eles eram amigos –, o que havia realmente acontecido.
– Foi alguma coisa com a Amy? – não tive controle sobre as minhas palavras. Quando percebi, já estava perguntando. Ali se mexeu inquieta ao meu lado e eu não pude olhá-la.
– Ah... – ele foi pego de surpresa com a pergunta e eu sabia que não queria falar sobre aquilo. nunca queria falar sobre Amy.
– Vamos voltar para... – Ali interrompeu, mas perguntei antes que ela terminasse.
– Por que você nunca me fala sobre ela? – cruzei os braços. – Aparentemente, todo mundo sabe, menos eu – olhei para a minha amiga que encolheu os ombros.
– Achei que ela já tivesse lhe contado sobre nós dois – defendeu-se.
– Não. Tem sempre um clima estranho quando vocês estão juntos e nunca querem conversar um com o outro. Temos o mesmo grupo de amigos, mas vocês dois nunca querem ser amigos.
– , eu não acho que... – minha amiga tentou falar novamente.
– Não aconteceu nada, ! – ele disse um pouco alto demais, mas logo abaixou a voz. – Ela terminou comigo. Nós éramos muito novos e somos muito diferentes. Nunca daria certo.
– Mas isso é motivo para não se falarem mais?
– Não. Quero dizer, não sei. Ela se afastou. Na verdade, nós dois nos afastamos.
– Eu não entendo, .
– Eu também não – suspirou casado.
– Será que agora podemos mudar de assunto? – Ali perguntou esperançosa. – Porque eu estou fazendo um trabalho com e ele não poderia estar sendo mais desleixado...
De repente, aquele não era mais o brincalhão e meu melhor amigo. Agora era o magoado por alguma coisa que eu não havia entendido muito bem.
era uma pessoa aberta, me contava tudo na maioria das vezes, mas, quando o assunto era Amy, ele nunca havia me contado nada. Ele era diferente de Amy. Ela era bem fechada e difícil de desabafar qualquer coisa. Ele tinha razão em dizer que eram completamente diferentes, mas eu jamais iria entender a inimizade entre os dois.
Eu respeitava seu espaço, talvez ainda doesse de alguma forma, mas não deixava de ficar um pouco chateada porque todo mundo sabia, menos eu.
E, por mais que soubesse que Amy estava feliz com e também estivesse feliz, as coisas entre meus melhores amigos pareciam inacabadas, como se nem ao menos uma conversa tivesse acontecido.
Sentia-me triste pela situação. Apesar de ser um grupo, sempre havia a parte de e Amy brigando por alguma coisa quando estivéssemos juntos. Só queria que as coisas se resolvessem.
Embalamos em uma conversa sobre Alison estar irritada com e o clima amenizou. Ficamos horas conversando e estudando até decidirmos irmos embora.
Depois de ter o assunto encerrado e algumas leituras de História, eu e Alison fomos para o dormitório. se despediu depois da conversa e eu não o vi depois disso.
Faltavam algumas horas para a hora do jantar e eu havia entrado no quarto das meninas com Ali.
– Você acha que ficou chateado comigo? – perguntei assim que entramos.
– Olhe, , o assunto “Amy e ” é muito complicado. Eu não sei o que achar sobre, mas me entristece eles terem esse impasse, entende? Eu não vou comentar nada sobre isso porque não diz respeito a mim – ela disse depois de se jogar em sua cama. – E, bem, Amy ficaria brava comigo. Acho que ela poderia lhe contar melhor.
– Eu duvido que me conte. Qualquer assunto que envolva ela fica estressada.
– Bom, você faz parte do grupo agora. Além disso, você tem razão. Todo mundo sabe, menos você – confirmou o que eu já sabia. – Mas, como eu disse, não sou eu que tenho que lhe contar isso. Além do mais, você também é cheia de segredos e nunca contou para nós.
– Quem está cheia de segredos? – uma voz apareceu quando a porta do quarto se abriu e levei um pequeno susto, porque não ouvi a porta se abrir.
– está apaixonada – Ali me dedurou quando olhei em direção às meninas. – Eu me sinto na obrigação de intimá-la a contar o que me contou na biblioteca.
Fazia um tempo que eu queria contar tudo para elas. Como eu me sentia confusa, mas feliz, como eu o odiava quando nos conhecemos, como era uma pessoa amiga, como eu me sentia quando estava junto dele, das vezes que suspirava quando me lembrava dele. De como ele não saía da minha cabeça... Mas depois eu me lembrava de todas as circunstâncias em que nos encontrávamos e a realidade me dava um tapa na cara.
Era bizarro pensar na nossa situação. Assustava-me.
Queria apresentá-lo para as meninas e ter a certeza de que seria um bom amigo para todo mundo, queria que fizesse parte do grupo e participasse quando estivéssemos todos juntos na sala de jogos conversando sobre algum assunto aleatório.
Eu sabia que nada disso iria acontecer. Talvez esse fosse o momento exato em que eu percebera o quanto gostava de .
– Do que ela está falando? – minha colega de quarto perguntou. Era quase uma acusação.
Sentei-me em uma das camas e suspirei com as mãos no rosto.
– E você pretendia contar...? – Amy cruzou os braços na minha frente.
– Não faz muito tempo... – eu me defendi.
– Ah, Amy, não seja assim! Você demorou para falar sobre – sobre também e eu nem sabia da história toda. A ruiva apenas se sentou na cama emburrada.
– Tá, mas por quem você está apaixonada? – Dani perguntou.
– Vocês não conhecem...
– Bem, mas ele gosta de você? – Chris perguntou empolgadíssima.
“Eu não sei”, eu quis dizer, mas não disse. Era complicado porque eu não sabia se ele gostava mesmo de mim.
Em todos os anos de mediação, eu não sabia dizer se fantasmas podiam criar sentimentos novos. Afinal, eles estavam mortos. Porém, eu pensava que, se alguns fantasmas desenvolviam raiva, por que não poderiam desenvolver o amor também? Isso não facilitava a situação porque continuava morto e eu, viva, mas me deixava pensando em como o mundo da mediação, assim como os fantasmas, era uma coisa maior do que eu imaginava mesmo depois de tantos anos convivendo com eles. E ainda havia muita coisa que eu não entendia.
– Talvez... Não sei. Não conversamos sobre isso ainda.
– Por quê? – Ali perguntou com o cenho franzido.
Alison era sempre a favor da conversa. Ela não estava totalmente errada, mas, no meu caso com , eu não sabia como conversar sobre aquilo. Bem, eu havia o beijado, mas também havia dito que aquilo era errado. Eu gostava dele, mas não podíamos ficar juntos. Eu ainda tinha que ajudá-lo e nem sabia o que fazer em relação a isso.
– É complicado – disse e ela revirou os olhos.
– O papo de “é complicado”. Será que é mesmo? – olhou-me e depois olhou para Amy. Eu tive que rir da situação porque a minha amiga não havia entendido nada.
– Quer me dizer alguma coisa? – Amy olhou para Ali que riu debochada.
– Se a carapuça serve... – deu de ombros.
– Olhe, eu... – ficou sem palavras. – As coisas com já estão resolvidas!
– Eu não estava falando do , mas já que você comentou...
– O que você quer de mim, Alison? – Amy interrompeu. – Por que a gente não conversa sobre você e também, já que só hoje você falou dele umas mil vezes?
Era comum as duas baterem boca às vezes. Alison ficava irritada com o jeito certinho de Amy, não entendia por que ela era tão fechada e difícil. Era quase como as brigas com , mas muito mais pacíficas.
Eu não a culpava por isso. Às vezes eu também não entendia o lado de Amy. Apenas parava de perguntar caso ela ficasse incomodada. Eu queria que Amy fosse mais aberta, falasse sobre ela, e quem sabe um dia me falasse sobre ... Mas eu não podia exigir isso dela.
– Pelo amor de Deus, Amy, ele tem namorada!
– Gente, chega! – falei e elas me olharam. Eu não era muito de gritar, o que fez com que calassem a boca na hora, surpresas.
– Ali, pare de implicar – Chris também comentou. – Fico feliz que as coisas entre você e estejam bem, mas você sabe que pode contar com a gente se quiser desabafar. Mesmo que você não goste, às vezes faz bem. E sobre você, , eu ainda não acredito que você está namorando e não contou para nós.
– As coisas com estão bem – disse ela pela milésima vez. – Nós não conversamos muito esses dias, mas tudo vai se resolver.
– Eu não estou namorando – levantei os braços, como se pedisse permissão para falar. – E, mesmo que estivesse, isso é realmente tão importante?
– Sim – todas responderam juntas.
– E será que podemos parar de falar sobre garotos? – Dani falou depois de muito tempo quieta. – Porque eu não aguento mais o novo diretor do teatro.
– Acho que estou com você nessa – Ali falou. – está me enlouquecendo no trabalho de Psicologia.
Todas fizeram um “ih” depois que Alison parou de falar.
era a pior pessoa para fazer trabalhos, segundo meus amigos. Ele não ajudava muito e quem tinha ele como parceiro sempre acabava fazendo tudo sozinho. Nem os meninos gostavam de tê-lo como parceiro. Quando Ali deu a notícia na biblioteca de que faria trabalho com ele, eu só torci para que ocorresse tudo bem e no final ela não quisesse matá-lo. Eu conhecia a minha amiga. Talvez por isso ela estivesse falando tanto dele. Devia ser muito difícil não falar de alguém que o estressa tanto assim.
– Eu não tenho nenhuma reclamação para fazer – disse Christina. – Acho que vocês não aguentam mais o papo “garotos”, né?! – todas riram. Seria surpresa se um dia Christina tivesse alguma reclamação de . Depois disso, Chris puxou algum outro assunto para conversarmos.
Capítulo 15
Era dia de jogo. Eu teria que tirar fotos e um fantasma pediu a minha ajuda. Estava tão inerte em outras coisas que demorei para raciocinar quando ela apareceu na minha frente.
O nome dela era Laura. Havia morrido em um acidente de carro e queria uma série de coisas.
Depois de encontrar alguns fantasmas homicidas, eu ainda tinha medo de que algum deles tentasse me matar novamente. Porém, quando resolvi todos os problemas de Laura, ela simplesmente agradeceu e sumiu.
Aquele dia estava bem frio, de modo que, quando chegamos à Engelen High, onde seria o jogo, tive que usar um casaco emprestado de para não morrer congelada. Meu amigo estava muito feliz naquele dia. Depois de meses, ele jogaria e fiquei muito feliz também.
A empolgação de acabou contagiando os jogadores e torcedores, o que foi muito importante para o foco do time naquele momento.
Eu havia melhorado muito na minha fotografia. Nas férias, comecei a me empolgar em tirar algumas fotos e colocar nas redes sociais. Não era nada de mais, mas o pessoal gostava. Agora eu era a fotógrafa oficial do jornal. Antes de entrar na quadra do time rival, tive que ajustar a lente da câmera. Eu estava com medo de que chovesse e atrapalhasse as fotos, mas torcia para que o clima colaborasse comigo. Ainda no estacionamento, mirei a câmera para checar o foco e estaria tudo bem se uma coisa não tivesse me chamado a atenção.
Um dos carros era um Honda Airwave. Ok, poderia ser total coincidência, e eu nem sabia dizer se era de 2012. As pessoas tinham carros iguais, mas aquilo me fez pensar em instantaneamente. E eu congelei. Não sei por que exatamente, mas as minhas pistas estavam tão escassas, além de que eu não havia feito progresso nenhum nas investigações.
Eu havia contado tudo para . Sobre os textos de Lauren, as fotos com os amigos, os prováveis lugares que eles frequentavam. Também contei sobre o acidente, pois, convenhamos, o cara estava totalmente perdido e eu não poderia omitir qualquer informação que tivesse, mesmo que não fosse certeza.
– Agora você pode falar? – estava me lembrando de um momento que tivemos juntos no pátio da escola. perguntou quando viu que ninguém estava perto de mim naquele momento.
– Sim, podemos – peguei meu celular e coloquei no perfil de Lauren outra vez. – Eu achei algumas coisas sobre Lauren... Sobre você...
– Sobre mim? – perguntou esperançoso, olhando o meu celular, enquanto mostrava algumas coisas. – Ah... Queria lembrar. Ela parece ser uma pessoa ótima. A parte ruim é ter que ler todas essas memórias e não lembrar de nenhuma delas.
– Eu sinto muito – guardei o aparelho dentro da bolsa. – A notícia boa é que eu descobri alguns lugares que vocês frequentavam. Soube disso por causa de alguns tweets. Alguns não ficam tão longe da Vineyard, mas... Eu poderia investigar, sabe? Eu pensei em ir nos lugares que você sempre ia para...
– Obrigado, – interrompeu, pegando minha mão.
Ah, aquela proximidade novamente. Eu odiava . Eu queria odiar .
Por um momento, houve silêncio. Um silêncio horrível. Minha cabeça continuava uma confusão e eu não soube o que responder.
– É melhor eu ir – falei e me distanciei dele.
– ! – alguém me chamou com o tom de voz muito alto. Olhei ao redor e percebi que estava muito próximo de mim. – O que houve? Por que está aqui?
Tive que olhar ao redor e perceber que estava completamente sozinha. Todos já haviam entrado para ver o jogo, minha mão segurava a câmera e eu estava plantada no meio dos carros, pensando sobre fantasmas.
– Estava testando o foco.
– Isso você pode fazer lá dentro. Você me assustou. Não a achei...
– Desculpe. Hum, ? – perguntei antes que continuássemos a andar e ele me olhou. – Você sabe de quem é aquele carro? É do outro time?
– Não... Ele veio com a gente. É de alguém da Vineyard. Por quê?
– Ah, nada – falei e ele engoliu minha resposta, puxando-me pela mão até a quadra.
Tentei me distrair naquelas horas do jogo. Precisava cumprir minha função e deu certo por algumas horas. Depois de um jogo maravilhoso e uma vitória nas costas, nós estávamos andando em direção ao ônibus, prestes a voltar para a Vineyard. Não era um jogo tão importante, afinal. Era o primeiro, mas houve uma comoção para que os alunos pudessem ir também, com a permissão dos responsáveis, então muitos ônibus foram dispostos para que todos pudessem prestigiar os atletas.
Não pude deixar de ficar atenta para ver quem entraria no carro e me surpreendi ao ver o técnico do time e a diretora do colégio entrando nele. Fazia muito tempo que eu não entrava em algum problema e tinha que ouvir algum sermão.
Meio distraída, entrei no ônibus sem olhar para o que acontecia ao redor. Eu só conseguia visualizar o carro e quem estava dentro dele.
O ônibus estava um caos. Fiz questão de ir no que os meninos estivessem, mas acho que me arrependi um pouco, porque eles gritavam muito e estavam muito empolgados. Eu também estava, mas tive que me desviar de alguns jogadores até chegar aos últimos assentos onde meus amigos estavam – menos Amy, que odiava barulho e estava sentada lá na frente.
– Não quero saber de você, . Não vou sentar do seu lado – Ali gritou enquanto a segurava pela cintura. Ele estava rindo muito e os meninos também. – Você está muito carente. Isso é saudades da Taylor?
– Você vai ficar com raiva de mim por causa daquele trabalho até quando? – perguntou o garoto entre risos.
Sentei-me na última cadeira. Não era uma viagem muito longa – uma meia hora mais ou menos. Por isso coloquei meus fones de ouvido antes do ônibus dar a partida.
Antes que pudesse colocar qualquer música para tocar, apareceu. Estava sentado com na cadeira da frente. Deu um sorriso antes de perguntar:
– Podemos conversar? – olhou para os lados para se certificar de que não havia ninguém nos olhando.
– Aconteceu alguma coisa? – tirei os fones do ouvido e olhei para ele, que já havia se deslocado e agora estava ao meu lado.
– É importante – insistiu. – Sobre Amy – falou baixinho. – Acho que esse é o melhor momento porque todo mundo está muito distraído.
Nós não éramos tão próximos, apesar de considerá-lo tão amigo como os outros. Dei a iniciativa para que ele falasse e, depois de um breve suspiro, ele disse:
– As coisas não estão bem entre a gente. Acho que já sabe.
– Sim, eu sei. Mas achei que vocês estavam se resolvendo.
– Não estamos – respondeu muito rápido. – Não vamos nos resolver.
– Por que diz isso? Eu tenho certeza de que é só uma fase. Vocês se gostam... Amy disse que as coisas estavam se acertando entre vocês.
– Mas esse é o problema. As brigas são sempre as mesas. Eu não sei o que fazer, .
– E em que eu posso ajudar você? , Amy não me conta absolutamente nada sobre vocês. Ela é quase uma pedra. Você sabe.
Não sei exatamente o que queria que eu fizesse. Como eu resolveria um problema que era deles?
– Eu sei que não pode ajudar – suspirou cansado. – Eu gosto muito dela, . Mas acho que não vai mais dar certo.
Silêncio. Eu não sabia o que falar. O namorado da minha amiga estava bem ali dizendo que terminaria com ela? O que eu deveria fazer? Eu não sabia nem o que pensar!
“A nossa relação é complicada porque eu sei que ela não sente o mesmo por mim.”
– Não fale assim...
– Ela só fala sobre a faculdade e eu me preocupo, entende? Porque parece que é apenas sobre isso que ela pensa. Amy simplesmente não relaxa e não aproveita o tempo que ainda temos juntos. Às vezes, estamos só nós dois e ela só fala sobre a faculdade ou coisas do gênero. Ela tem dezesseis anos, . Isso não a preocupa também?
simplesmente jogou aquilo tudo em cima de mim. Eu já havia pensado sobre o assunto e provavelmente todos falavam sobre. às vezes alfinetava com perguntas do tipo, o que era sempre motivo de briga, mas ninguém nunca havia conversado diretamente com ela sobre isso, até porque Amy não era a pessoa mais aberta do mundo para receber opiniões dos outros.
– Não sei o que fazer em relação a isso, mas não acho que seja problema ela se preocupar com o futuro.
– Claro que não é problema. Todos nós pensamos nisso, mas ela só faz isso, entende? Eu gosto de Amy porque ela combina comigo. Somos parecidos e gostamos das mesmas coisas, mas do que adianta nós lermos os mesmos livros se o único assunto entre nós é sobre Harvard?
– E ela não o escuta quando diz que ela tem que relaxar – completei o seu raciocínio.
– Sim – suspirou. – Nós brigamos feio ontem. Acho que foi nossa pior briga.
Amy não me disse nada sobre aquilo, porém ela nunca me contava nada, então eu nem estava tão surpresa assim.
– Sinto muito.
– Eu também. Sabe, ontem ela me disse uma coisa que eu fiquei pensando muito... Disse que eu estava agindo igual – confessou e eu fiquei ligeiramente sem palavras. O que eu poderia dizer? – Não quero me meter no término deles. hoje em dia é um dos meus melhores amigos, mas como acha que me senti quando ela falou isso? – não esperou que eu falasse qualquer coisa e continuou. – Às vezes, acho que os dois têm coisas inacabadas e só estou no meio disso.
– Isso não é verdade – falei.
Mas, no fundo, eu não tinha certeza sobre aquilo. Nem sabia o motivo do término entre os dois e eu nem queria me meter, porém aquela história de assunto inacabado me fez pensar por alguns segundos.
era uma das pessoas mais próximas que eu tinha, mas ele nunca havia me contado muita coisa e, do pouco que eu consegui tirar dele, parecia que eu sempre estava incomodando com as minhas perguntas.
Amy era ainda pior. Por não gostar de expor tanto seus sentimentos, ela se incomodava com qualquer coisa em relação a e aquilo me deixava chateada. Não queria obrigá-los a ser amigos, mas era muito difícil ver seus melhores amigos se odiando de graça. Queria que se resolvessem – isso se tivessem algo para resolver – e tudo ficasse bem.
– Eu já pensei muito sobre isso e quero conversar com ela. Tenho medo das coisas ficarem ruins entre nós por causa disso e que minha relação com ela fique igual à de .
– Eu também quero que vocês se resolvam, seja lá o que vocês resolverem no final.
– Obrigado, . Eu queria ter essa conversa com alguém e pensei em você por ser mais próxima a ela. Eu sou sempre na minha e não falo muito, mas fico muito grato de ter conhecido todos vocês e de ter Amy comigo por esse tempo.
– Ah, ... De nada. Você se tornou um bom amigo para todo mundo e eu torço muito por você. Agradeço a confiança em mim e vou torcer por essa conversa de vocês dois.
Depois disso, ele me abraçou e agradeceu novamente. Nunca tive uma conversa assim com alguém, mas fiquei feliz por ajudar de algum modo, mesmo apenas sendo uma ouvinte.
Contei a sobre o carro naquele mesmo dia e ele insistiu muito para que eu fosse atrás dele. Não quis de primeira porque aquela mísera pista era muito incerta e eu não queria dar esperanças para nem para mim mesma.
Porém, no final do dia, eu já estava no estacionamento da escola procurando por um Honda Airwave.
Demorei alguns minutos para achar o carro. Eu nem sabia o que faria ali e estava quase na hora de tocar o sinal do recolhimento, e eu tive que despistar os meus amigos para que não desconfiassem de alguma coisa ou fossem atrás de mim. Era difícil observar o carro à noite, então tive que usar a lanterna do celular e, mesmo assim, não consegui encontrar nada. Era apenas um carro normal, como todos que vi na internet. Depois de olhá-lo por alguns minutos, percebi que era melhor voltar ao dormitório.
Não encarava mais o carro como uma pista. Era tudo muito estranho para encaixar e eu não conseguia ligar os pontos. Sentia-me mal por , pois ele estava tão esperançoso quanto eu. No final, parecia que não tínhamos feito nenhum avanço e eu começava a me sentir preocupada, porque era como se andássemos em círculos e era inevitável não me sentir uma completa inútil.
Eu queria tanto ajudar , mas parecia cada vez mais impossível…
Estava na sala de jogos naquele final de sábado, conversando com as meninas e tentando me distrair com qualquer coisa que fosse.
– terminou comigo – Amy jogou a bomba. Assim, sem mais nem menos.
Foi um misto de confusão e choque, pois nenhuma de nós esperava algo do tipo. Há alguns dias atrás tive aquela conversa com , mas ainda fiquei surpresa. Amy estava tão quieta naquele dia e só naquele momento percebi isso.
Então vieram as lágrimas e, instantaneamente, Dani fechou a porta do lugar e eu me espremi em um abraço na minha colega de quarto. Chorava muito e meu coração apertou. Todas estavam ao seu redor nesse momento. Alison começou falando, um pouco irritada.
– O que ele lhe disse? Se ele tiver a magoado, Amy, eu juro que...
– Não! Ele continua sendo muito legal comigo – suspirou pesadamente, tentando parar de chorar para continuar o que estava falando. – A gente teve uma conversa, sabe? Está tudo bem entre a gente agora. Mas eu só fiquei pensando... Quando algum relacionamento meu vai dar certo? Eu sou tão insuportável assim para todo mundo me chutar?
– Amy, quando conheci , lembro-me de alguns rumores sobre ele ter traído Megan. Se for sobre isso, tudo bem você dizer – Ali falou com cuidado. Lembrei-me de quando ela não gostou de saber que Amy estava saindo com ...
– Não acho que faria isso – falou Dani e eu concordei.
– Ele veio conversar comigo. Não queria lhe dizer, mas ele parecia preocupado com você.
– Ele estava preocupado e terminou com ela? Que maturidade, não? – Ali disse com raiva.
– Não, Ali, não é nada disso! – as lágrimas voltaram, o que me deu muita pena.
Amy não era de desabafar, mas acho que aquele momento havia chegado e eu esperava muito que ela contasse tudo para nós e pelo menos se sentisse melhor com isso.
“Ele disse que queria me ver bem e sabia que no fundo eu não gostava tanto dele como ele gostava de mim. E é verdade, sabe? Nunca gostei dele como ele gosta de mim e isso me quebrou totalmente, porque eu queria muito gostar. Porque eu insisti tanto... E por muito tempo pareceu muito certo. Porque eu tinha um namorado ao meu lado que me ouvia. Mas o problema todo foi que ele não quis mais me ouvir. Dizia que eu só repetia as mesmas coisas e que ficava preocupado por eu falar tanto de faculdade. Por um tempo, achei que era bobeira e que ele só queria implicar comigo, assim como fazia, mas depois eu me toquei que ele foi a segunda pessoa que perdi por causa disso e me vi totalmente sozinha.”
– Nem por um momento pense que você está sozinha, Amy. Você tem a nós, seus amigos e família... – Christina disse por todas nós.
– Eu sei! Mas falo amorosamente, entende? Com , tive sorte porque tudo acabou bem, mas com...
Ela gelou ao falar e começou a chorar mais ainda. Todas nós a abraçamos em grupo.
“Eu comecei a concordar com o que vocês sempre falam. Talvez eu me preocupe demais...”
– Amy, você admitir isso já é uma grande coisa – Dani falou. – Você sempre foi muito preocupada antes da hora e às vezes deixava de curtir com a gente por causa disso.
– Você pensa tanto no futuro que acaba se esquecendo de viver o presente – Ali falou e Amy já estava secando as lágrimas. – Quando você vai perceber que pode fazer os dois? – ela agora estava na frente da ruiva.
– Como você consegue ser tão desapegada às pessoas, Ali? – Amy perguntou diretamente.
Achei que, naquele momento, eu iria ouvir algum tipo de discurso ou algo do tipo, mas, ao contrário disso, Alison estava muda. Foi estranho porque ela não era o tipo de pessoa que ficava calada. Tinha sempre algo para dizer. Eu nem sabia o que era estar em um ambiente com ela sem ouvir sua voz.
– O que houve? – Chris perguntou, igualmente preocupada. Ela falou por todas porque nossa atenção se voltou a Alison.
– O quê? Nada! – falou muito rápido. Meu cenho franziu ao olhar a cena. Alison nervosa? Tinha alguma coisa errada.
– Ah, não, Ali. Você só pode estar brincando em achar que consegue mentir para nós – Dani comentou, dando um sacode no ombro dela.
Agora estávamos todas próximas. Dani estava na minha frente, enquanto eu e Christina estávamos coladas em Amy. Alison permanecia na frente, agora cruzando as pernas.
– Não é nada de mais. Aliás, o foco aqui não era Amy?
– Eu contei tudo para vocês naquele dia – omitindo a parte de que era uma fantasma. – Por favor, Ali. Não confia mais em nós?
– Que chantagem! Óbvio que eu confio em vocês! – suspirou antes de continuar. – Tem esse cara que...
– Eu não acredito que vivi para vê-la gostando de alguém – Chris riu, fazendo a outra lançar um olhar mortal. – Desculpe. É engraçado.
– Não é engraçado. Ele tem namorada.
– Não acredito que é o – Amy exclamou e todas nós ficamos em choque por alguns segundos. Minha colega de quarto estava há alguns segundos calada. Devia estar ligando os pontos e chegando àquela conclusão.
– Vocês tiveram algo? – Dani perguntou exasperada. – Alison, ele tem namorada.
– Nós não ficamos, gente. Eu não faria isso com Taylor. E não é como se ele não sentisse o mesmo. Aquele trabalho nos aproximou até demais.
– Eu sou a prova viva de que trabalho em dupla não faz muito bem – Amy levantou as mãos, fazendo com que a gente risse um pouco. Era trágico, mas engraçado. Exatamente a mesma situação.
– Como vão ficar as coisas? Ele gosta de você? – perguntei e ela suspirou antes de responder.
– Sim, eu acho. Nós não falamos nada, mas é bem evidente, sabe? Eu quero que ele converse com Taylor. Isso não é justo com ela e eu também não quero ser a vilã da história.
– Você precisa conversar com ele.
– Não fale como se eu fosse a única que precisasse conversar – retrucou.
– Já conversei o suficiente com .
– Não era dele a quem me referia.
– E de quem você está falando? – Amy perguntou, mas, antes que pudéssemos ouvir sua resposta, ouvimos o barulho da porta.
Dani andou até a porta e abriu. Era Katy.
– Boa noite, meninas. Desculpe incomodar, mas preciso que venha comigo, .
Não vou negar que comecei a pensar em alguma coisa que eu havia feito, principalmente porque todos os olhares se voltaram para mim. O problema é que eu não havia feito nada, pelo menos não que me lembrasse. E o rosto de Katy não ajudava muito. Ela estava passiva demais.
– Qualquer coisa, me mandem uma mensagem – olhei para as meninas, mais especificamente para a minha colega de quarto. – Depois a gente conversa, ok? – não as esperei responderem e andei até a minha monitora. – Aconteceu alguma coisa?
– Preciso que venha comigo. – repetiu e nem deu tempo de responder.
Nós andávamos até o outro lado do prédio e eu já não sabia mais o que estava acontecendo. Quando chegamos a um corredor que eu conhecia bem, decorado com “silêncio” e “não entre sem autorização ou sem um responsável”, eu já sabia para onde estávamos indo. Então percebi que algo estava muito errado.
O nome dela era Laura. Havia morrido em um acidente de carro e queria uma série de coisas.
Depois de encontrar alguns fantasmas homicidas, eu ainda tinha medo de que algum deles tentasse me matar novamente. Porém, quando resolvi todos os problemas de Laura, ela simplesmente agradeceu e sumiu.
Aquele dia estava bem frio, de modo que, quando chegamos à Engelen High, onde seria o jogo, tive que usar um casaco emprestado de para não morrer congelada. Meu amigo estava muito feliz naquele dia. Depois de meses, ele jogaria e fiquei muito feliz também.
A empolgação de acabou contagiando os jogadores e torcedores, o que foi muito importante para o foco do time naquele momento.
Eu havia melhorado muito na minha fotografia. Nas férias, comecei a me empolgar em tirar algumas fotos e colocar nas redes sociais. Não era nada de mais, mas o pessoal gostava. Agora eu era a fotógrafa oficial do jornal. Antes de entrar na quadra do time rival, tive que ajustar a lente da câmera. Eu estava com medo de que chovesse e atrapalhasse as fotos, mas torcia para que o clima colaborasse comigo. Ainda no estacionamento, mirei a câmera para checar o foco e estaria tudo bem se uma coisa não tivesse me chamado a atenção.
Um dos carros era um Honda Airwave. Ok, poderia ser total coincidência, e eu nem sabia dizer se era de 2012. As pessoas tinham carros iguais, mas aquilo me fez pensar em instantaneamente. E eu congelei. Não sei por que exatamente, mas as minhas pistas estavam tão escassas, além de que eu não havia feito progresso nenhum nas investigações.
Eu havia contado tudo para . Sobre os textos de Lauren, as fotos com os amigos, os prováveis lugares que eles frequentavam. Também contei sobre o acidente, pois, convenhamos, o cara estava totalmente perdido e eu não poderia omitir qualquer informação que tivesse, mesmo que não fosse certeza.
– Agora você pode falar? – estava me lembrando de um momento que tivemos juntos no pátio da escola. perguntou quando viu que ninguém estava perto de mim naquele momento.
– Sim, podemos – peguei meu celular e coloquei no perfil de Lauren outra vez. – Eu achei algumas coisas sobre Lauren... Sobre você...
– Sobre mim? – perguntou esperançoso, olhando o meu celular, enquanto mostrava algumas coisas. – Ah... Queria lembrar. Ela parece ser uma pessoa ótima. A parte ruim é ter que ler todas essas memórias e não lembrar de nenhuma delas.
– Eu sinto muito – guardei o aparelho dentro da bolsa. – A notícia boa é que eu descobri alguns lugares que vocês frequentavam. Soube disso por causa de alguns tweets. Alguns não ficam tão longe da Vineyard, mas... Eu poderia investigar, sabe? Eu pensei em ir nos lugares que você sempre ia para...
– Obrigado, – interrompeu, pegando minha mão.
Ah, aquela proximidade novamente. Eu odiava . Eu queria odiar .
Por um momento, houve silêncio. Um silêncio horrível. Minha cabeça continuava uma confusão e eu não soube o que responder.
– É melhor eu ir – falei e me distanciei dele.
– ! – alguém me chamou com o tom de voz muito alto. Olhei ao redor e percebi que estava muito próximo de mim. – O que houve? Por que está aqui?
Tive que olhar ao redor e perceber que estava completamente sozinha. Todos já haviam entrado para ver o jogo, minha mão segurava a câmera e eu estava plantada no meio dos carros, pensando sobre fantasmas.
– Estava testando o foco.
– Isso você pode fazer lá dentro. Você me assustou. Não a achei...
– Desculpe. Hum, ? – perguntei antes que continuássemos a andar e ele me olhou. – Você sabe de quem é aquele carro? É do outro time?
– Não... Ele veio com a gente. É de alguém da Vineyard. Por quê?
– Ah, nada – falei e ele engoliu minha resposta, puxando-me pela mão até a quadra.
Tentei me distrair naquelas horas do jogo. Precisava cumprir minha função e deu certo por algumas horas. Depois de um jogo maravilhoso e uma vitória nas costas, nós estávamos andando em direção ao ônibus, prestes a voltar para a Vineyard. Não era um jogo tão importante, afinal. Era o primeiro, mas houve uma comoção para que os alunos pudessem ir também, com a permissão dos responsáveis, então muitos ônibus foram dispostos para que todos pudessem prestigiar os atletas.
Não pude deixar de ficar atenta para ver quem entraria no carro e me surpreendi ao ver o técnico do time e a diretora do colégio entrando nele. Fazia muito tempo que eu não entrava em algum problema e tinha que ouvir algum sermão.
Meio distraída, entrei no ônibus sem olhar para o que acontecia ao redor. Eu só conseguia visualizar o carro e quem estava dentro dele.
O ônibus estava um caos. Fiz questão de ir no que os meninos estivessem, mas acho que me arrependi um pouco, porque eles gritavam muito e estavam muito empolgados. Eu também estava, mas tive que me desviar de alguns jogadores até chegar aos últimos assentos onde meus amigos estavam – menos Amy, que odiava barulho e estava sentada lá na frente.
– Não quero saber de você, . Não vou sentar do seu lado – Ali gritou enquanto a segurava pela cintura. Ele estava rindo muito e os meninos também. – Você está muito carente. Isso é saudades da Taylor?
– Você vai ficar com raiva de mim por causa daquele trabalho até quando? – perguntou o garoto entre risos.
Sentei-me na última cadeira. Não era uma viagem muito longa – uma meia hora mais ou menos. Por isso coloquei meus fones de ouvido antes do ônibus dar a partida.
Antes que pudesse colocar qualquer música para tocar, apareceu. Estava sentado com na cadeira da frente. Deu um sorriso antes de perguntar:
– Podemos conversar? – olhou para os lados para se certificar de que não havia ninguém nos olhando.
– Aconteceu alguma coisa? – tirei os fones do ouvido e olhei para ele, que já havia se deslocado e agora estava ao meu lado.
– É importante – insistiu. – Sobre Amy – falou baixinho. – Acho que esse é o melhor momento porque todo mundo está muito distraído.
Nós não éramos tão próximos, apesar de considerá-lo tão amigo como os outros. Dei a iniciativa para que ele falasse e, depois de um breve suspiro, ele disse:
– As coisas não estão bem entre a gente. Acho que já sabe.
– Sim, eu sei. Mas achei que vocês estavam se resolvendo.
– Não estamos – respondeu muito rápido. – Não vamos nos resolver.
– Por que diz isso? Eu tenho certeza de que é só uma fase. Vocês se gostam... Amy disse que as coisas estavam se acertando entre vocês.
– Mas esse é o problema. As brigas são sempre as mesas. Eu não sei o que fazer, .
– E em que eu posso ajudar você? , Amy não me conta absolutamente nada sobre vocês. Ela é quase uma pedra. Você sabe.
Não sei exatamente o que queria que eu fizesse. Como eu resolveria um problema que era deles?
– Eu sei que não pode ajudar – suspirou cansado. – Eu gosto muito dela, . Mas acho que não vai mais dar certo.
Silêncio. Eu não sabia o que falar. O namorado da minha amiga estava bem ali dizendo que terminaria com ela? O que eu deveria fazer? Eu não sabia nem o que pensar!
“A nossa relação é complicada porque eu sei que ela não sente o mesmo por mim.”
– Não fale assim...
– Ela só fala sobre a faculdade e eu me preocupo, entende? Porque parece que é apenas sobre isso que ela pensa. Amy simplesmente não relaxa e não aproveita o tempo que ainda temos juntos. Às vezes, estamos só nós dois e ela só fala sobre a faculdade ou coisas do gênero. Ela tem dezesseis anos, . Isso não a preocupa também?
simplesmente jogou aquilo tudo em cima de mim. Eu já havia pensado sobre o assunto e provavelmente todos falavam sobre. às vezes alfinetava com perguntas do tipo, o que era sempre motivo de briga, mas ninguém nunca havia conversado diretamente com ela sobre isso, até porque Amy não era a pessoa mais aberta do mundo para receber opiniões dos outros.
– Não sei o que fazer em relação a isso, mas não acho que seja problema ela se preocupar com o futuro.
– Claro que não é problema. Todos nós pensamos nisso, mas ela só faz isso, entende? Eu gosto de Amy porque ela combina comigo. Somos parecidos e gostamos das mesmas coisas, mas do que adianta nós lermos os mesmos livros se o único assunto entre nós é sobre Harvard?
– E ela não o escuta quando diz que ela tem que relaxar – completei o seu raciocínio.
– Sim – suspirou. – Nós brigamos feio ontem. Acho que foi nossa pior briga.
Amy não me disse nada sobre aquilo, porém ela nunca me contava nada, então eu nem estava tão surpresa assim.
– Sinto muito.
– Eu também. Sabe, ontem ela me disse uma coisa que eu fiquei pensando muito... Disse que eu estava agindo igual – confessou e eu fiquei ligeiramente sem palavras. O que eu poderia dizer? – Não quero me meter no término deles. hoje em dia é um dos meus melhores amigos, mas como acha que me senti quando ela falou isso? – não esperou que eu falasse qualquer coisa e continuou. – Às vezes, acho que os dois têm coisas inacabadas e só estou no meio disso.
– Isso não é verdade – falei.
Mas, no fundo, eu não tinha certeza sobre aquilo. Nem sabia o motivo do término entre os dois e eu nem queria me meter, porém aquela história de assunto inacabado me fez pensar por alguns segundos.
era uma das pessoas mais próximas que eu tinha, mas ele nunca havia me contado muita coisa e, do pouco que eu consegui tirar dele, parecia que eu sempre estava incomodando com as minhas perguntas.
Amy era ainda pior. Por não gostar de expor tanto seus sentimentos, ela se incomodava com qualquer coisa em relação a e aquilo me deixava chateada. Não queria obrigá-los a ser amigos, mas era muito difícil ver seus melhores amigos se odiando de graça. Queria que se resolvessem – isso se tivessem algo para resolver – e tudo ficasse bem.
– Eu já pensei muito sobre isso e quero conversar com ela. Tenho medo das coisas ficarem ruins entre nós por causa disso e que minha relação com ela fique igual à de .
– Eu também quero que vocês se resolvam, seja lá o que vocês resolverem no final.
– Obrigado, . Eu queria ter essa conversa com alguém e pensei em você por ser mais próxima a ela. Eu sou sempre na minha e não falo muito, mas fico muito grato de ter conhecido todos vocês e de ter Amy comigo por esse tempo.
– Ah, ... De nada. Você se tornou um bom amigo para todo mundo e eu torço muito por você. Agradeço a confiança em mim e vou torcer por essa conversa de vocês dois.
Depois disso, ele me abraçou e agradeceu novamente. Nunca tive uma conversa assim com alguém, mas fiquei feliz por ajudar de algum modo, mesmo apenas sendo uma ouvinte.
Contei a sobre o carro naquele mesmo dia e ele insistiu muito para que eu fosse atrás dele. Não quis de primeira porque aquela mísera pista era muito incerta e eu não queria dar esperanças para nem para mim mesma.
Porém, no final do dia, eu já estava no estacionamento da escola procurando por um Honda Airwave.
Demorei alguns minutos para achar o carro. Eu nem sabia o que faria ali e estava quase na hora de tocar o sinal do recolhimento, e eu tive que despistar os meus amigos para que não desconfiassem de alguma coisa ou fossem atrás de mim. Era difícil observar o carro à noite, então tive que usar a lanterna do celular e, mesmo assim, não consegui encontrar nada. Era apenas um carro normal, como todos que vi na internet. Depois de olhá-lo por alguns minutos, percebi que era melhor voltar ao dormitório.
Não encarava mais o carro como uma pista. Era tudo muito estranho para encaixar e eu não conseguia ligar os pontos. Sentia-me mal por , pois ele estava tão esperançoso quanto eu. No final, parecia que não tínhamos feito nenhum avanço e eu começava a me sentir preocupada, porque era como se andássemos em círculos e era inevitável não me sentir uma completa inútil.
Eu queria tanto ajudar , mas parecia cada vez mais impossível…
Estava na sala de jogos naquele final de sábado, conversando com as meninas e tentando me distrair com qualquer coisa que fosse.
– terminou comigo – Amy jogou a bomba. Assim, sem mais nem menos.
Foi um misto de confusão e choque, pois nenhuma de nós esperava algo do tipo. Há alguns dias atrás tive aquela conversa com , mas ainda fiquei surpresa. Amy estava tão quieta naquele dia e só naquele momento percebi isso.
Então vieram as lágrimas e, instantaneamente, Dani fechou a porta do lugar e eu me espremi em um abraço na minha colega de quarto. Chorava muito e meu coração apertou. Todas estavam ao seu redor nesse momento. Alison começou falando, um pouco irritada.
– O que ele lhe disse? Se ele tiver a magoado, Amy, eu juro que...
– Não! Ele continua sendo muito legal comigo – suspirou pesadamente, tentando parar de chorar para continuar o que estava falando. – A gente teve uma conversa, sabe? Está tudo bem entre a gente agora. Mas eu só fiquei pensando... Quando algum relacionamento meu vai dar certo? Eu sou tão insuportável assim para todo mundo me chutar?
– Amy, quando conheci , lembro-me de alguns rumores sobre ele ter traído Megan. Se for sobre isso, tudo bem você dizer – Ali falou com cuidado. Lembrei-me de quando ela não gostou de saber que Amy estava saindo com ...
– Não acho que faria isso – falou Dani e eu concordei.
– Ele veio conversar comigo. Não queria lhe dizer, mas ele parecia preocupado com você.
– Ele estava preocupado e terminou com ela? Que maturidade, não? – Ali disse com raiva.
– Não, Ali, não é nada disso! – as lágrimas voltaram, o que me deu muita pena.
Amy não era de desabafar, mas acho que aquele momento havia chegado e eu esperava muito que ela contasse tudo para nós e pelo menos se sentisse melhor com isso.
“Ele disse que queria me ver bem e sabia que no fundo eu não gostava tanto dele como ele gostava de mim. E é verdade, sabe? Nunca gostei dele como ele gosta de mim e isso me quebrou totalmente, porque eu queria muito gostar. Porque eu insisti tanto... E por muito tempo pareceu muito certo. Porque eu tinha um namorado ao meu lado que me ouvia. Mas o problema todo foi que ele não quis mais me ouvir. Dizia que eu só repetia as mesmas coisas e que ficava preocupado por eu falar tanto de faculdade. Por um tempo, achei que era bobeira e que ele só queria implicar comigo, assim como fazia, mas depois eu me toquei que ele foi a segunda pessoa que perdi por causa disso e me vi totalmente sozinha.”
– Nem por um momento pense que você está sozinha, Amy. Você tem a nós, seus amigos e família... – Christina disse por todas nós.
– Eu sei! Mas falo amorosamente, entende? Com , tive sorte porque tudo acabou bem, mas com...
Ela gelou ao falar e começou a chorar mais ainda. Todas nós a abraçamos em grupo.
“Eu comecei a concordar com o que vocês sempre falam. Talvez eu me preocupe demais...”
– Amy, você admitir isso já é uma grande coisa – Dani falou. – Você sempre foi muito preocupada antes da hora e às vezes deixava de curtir com a gente por causa disso.
– Você pensa tanto no futuro que acaba se esquecendo de viver o presente – Ali falou e Amy já estava secando as lágrimas. – Quando você vai perceber que pode fazer os dois? – ela agora estava na frente da ruiva.
– Como você consegue ser tão desapegada às pessoas, Ali? – Amy perguntou diretamente.
Achei que, naquele momento, eu iria ouvir algum tipo de discurso ou algo do tipo, mas, ao contrário disso, Alison estava muda. Foi estranho porque ela não era o tipo de pessoa que ficava calada. Tinha sempre algo para dizer. Eu nem sabia o que era estar em um ambiente com ela sem ouvir sua voz.
– O que houve? – Chris perguntou, igualmente preocupada. Ela falou por todas porque nossa atenção se voltou a Alison.
– O quê? Nada! – falou muito rápido. Meu cenho franziu ao olhar a cena. Alison nervosa? Tinha alguma coisa errada.
– Ah, não, Ali. Você só pode estar brincando em achar que consegue mentir para nós – Dani comentou, dando um sacode no ombro dela.
Agora estávamos todas próximas. Dani estava na minha frente, enquanto eu e Christina estávamos coladas em Amy. Alison permanecia na frente, agora cruzando as pernas.
– Não é nada de mais. Aliás, o foco aqui não era Amy?
– Eu contei tudo para vocês naquele dia – omitindo a parte de que era uma fantasma. – Por favor, Ali. Não confia mais em nós?
– Que chantagem! Óbvio que eu confio em vocês! – suspirou antes de continuar. – Tem esse cara que...
– Eu não acredito que vivi para vê-la gostando de alguém – Chris riu, fazendo a outra lançar um olhar mortal. – Desculpe. É engraçado.
– Não é engraçado. Ele tem namorada.
– Não acredito que é o – Amy exclamou e todas nós ficamos em choque por alguns segundos. Minha colega de quarto estava há alguns segundos calada. Devia estar ligando os pontos e chegando àquela conclusão.
– Vocês tiveram algo? – Dani perguntou exasperada. – Alison, ele tem namorada.
– Nós não ficamos, gente. Eu não faria isso com Taylor. E não é como se ele não sentisse o mesmo. Aquele trabalho nos aproximou até demais.
– Eu sou a prova viva de que trabalho em dupla não faz muito bem – Amy levantou as mãos, fazendo com que a gente risse um pouco. Era trágico, mas engraçado. Exatamente a mesma situação.
– Como vão ficar as coisas? Ele gosta de você? – perguntei e ela suspirou antes de responder.
– Sim, eu acho. Nós não falamos nada, mas é bem evidente, sabe? Eu quero que ele converse com Taylor. Isso não é justo com ela e eu também não quero ser a vilã da história.
– Você precisa conversar com ele.
– Não fale como se eu fosse a única que precisasse conversar – retrucou.
– Já conversei o suficiente com .
– Não era dele a quem me referia.
– E de quem você está falando? – Amy perguntou, mas, antes que pudéssemos ouvir sua resposta, ouvimos o barulho da porta.
Dani andou até a porta e abriu. Era Katy.
– Boa noite, meninas. Desculpe incomodar, mas preciso que venha comigo, .
Não vou negar que comecei a pensar em alguma coisa que eu havia feito, principalmente porque todos os olhares se voltaram para mim. O problema é que eu não havia feito nada, pelo menos não que me lembrasse. E o rosto de Katy não ajudava muito. Ela estava passiva demais.
– Qualquer coisa, me mandem uma mensagem – olhei para as meninas, mais especificamente para a minha colega de quarto. – Depois a gente conversa, ok? – não as esperei responderem e andei até a minha monitora. – Aconteceu alguma coisa?
– Preciso que venha comigo. – repetiu e nem deu tempo de responder.
Nós andávamos até o outro lado do prédio e eu já não sabia mais o que estava acontecendo. Quando chegamos a um corredor que eu conhecia bem, decorado com “silêncio” e “não entre sem autorização ou sem um responsável”, eu já sabia para onde estávamos indo. Então percebi que algo estava muito errado.
Capítulo 16
Quando fiz catorze anos, encontrei um fantasma que falava muito. Fiquei sabendo da vida inteira do senhor Mackenzie, principalmente quando soube que eu o ajudaria. Beirava os quarenta e morrera em um acidente de carro. Das inúmeras coisas que me lembro de ter me dito, fora o discurso que ele deu para a morte que eu pensava naquele momento.
– É sufocante. Perder alguém o tira do eixo. Você quer gritar e voltar no tempo, se culpa pelo tempo que poderia ter passado com aquela pessoa e pensa em como tudo poderia ter sido diferente – disse ele, sentado em um dos bancos do Central Park. Eu apenas ouvia calada e pensava se seria capaz de entender tudo que ele falava naquele momento. – Você tem que aprender a conviver com a ausência depois e tudo lembra aquela pessoa.
Chegava a ser cômico um fantasma falar sobre a morte.
A única pessoa que eu havia perdido na vida fora meu tio-avô, porém era nova demais para passar e entender o que estava acontecendo. Nunca havia passado pelo luto realmente. Talvez por isso eu não tenha prestado tanta atenção naquelas palavras.
Até de fato perder alguém.
Agora eu sabia como era perder alguém porque minha mãe estava morta. “Embolia pulmonar”, os médicos disseram.
Eu estava passando pelo luto naquele momento e o senhor Mackenzie tinha razão. A morte tira a gente do eixo.
Quando entrei na sala da diretora Olga, temendo uma bronca ou até mesmo uma expulsão, eu jamais imaginei que a sensação de ser avisada sobre a morte dela doeria.
Doeu. Doeu porque eu não esperava, doeu porque eu me culpei por todas as vezes em que eu, chateada por alguma das inúmeras brigas, desejei a morte dela.
Meus amigos tentaram me acalmar, mas não funcionou. “Vai passar”, eles diziam, enquanto eu não sabia o que fazer até a hora do meu voo.
No fundo, eu torcia para que a gente se resolvesse, eu e minha mãe. Bem lá no fundo mesmo. Achava que um dia poderíamos ser uma família normal, com pais que apoiam os filhos, sem brigas, sem dores de cabeça. Aquela notícia me pegou de um jeito que eu não conseguia entender o que estava acontecendo. Sentia como se essa tragédia tivesse quebrado o ciclo natural da minha vida e que eu nunca mais conseguiria viver normalmente sem lembrar que eu não tinha mais uma mãe.
Por muito tempo eu pensei em como era ter uma mãe. Já quis ter a mãe de Christina. Ela era protetora e uma versão mais velha da filha. Ligava sempre para perguntar como as coisas estavam. Também queria ter a mãe de Amy que, além de ser muito inteligente, respeitava os limites da filha e acolhia todos os amigos como filhos também. Também já quis ter a mãe de , que, mesmo depois de uma tragédia, conseguiu apoiar o filho em tudo.
Pensei em ter todas aquelas mães porque Tara era uma péssima mãe. Ela me proibia de fazer coisas banais, me julgava por não ser do jeito que ela queria, me proibia de ter amigos, me chamava de problemática até para os vizinhos. Tara era péssima no quesito mãe, mas eu também era péssima no quesito filha. Ela me proibia de sair, eu saia mesmo assim. Ela falava dos meus defeitos, eu fazia o mesmo com ela. Ela dizia como eu deveria me portar em determinadas ocasiões, eu fazia tudo ao contrário – na maioria das vezes, de propósito. Ela me desprezava em todos os sentidos e eu fazia o mesmo com ela. Ela nunca tentou conversar comigo nem eu com ela.
E eu chorei. Chorei porque nunca tivemos a oportunidade de conversar. Chorei mais do que um dia já havia chorado de tristeza ou raiva. Chorei porque no seu velório tocou If I Die Young. Chorei porque me lembrei de todas as vezes em que a própria já havia cantado aquela música e eu ignorei todas as vezes em que ela fez isso. Chorei porque tive que embalar todas as suas roupas, lembrando-me de algumas ocasiões em que ela usou todas elas. Chorei porque eu estava tão imersa na minha vida em Sonoma que eu havia ignorado toda a minha vida em Nova York, como se ela fosse, de algum modo, insignificante.
Era injusto. Aquela morte repentina era injusta, eu ver gente morta era injusto, eu preferir meus amigos à minha própria família era injusto, ver a minha avó chorar era injusto, ver as notícias do jornal local anunciar a morte dela como algo banal era injusto. Era injusto eu amá-la mesmo não querendo nutrir esse sentimento.
Eu queria odiá-la. Queria odiá-la porque não fazia sentido amar alguém que não se importa comigo e que, de certa forma, me faz mal.
Mas eu amava. E me amaldiçoava por perceber que eu amava a minha família mesmo nunca tendo a chance de ser amada realmente, pelo menos não da forma que eu gostaria. E, por desejar tanto que fosse da forma que eu queria, nunca havia pensado como seria a forma que eles queriam. Se não fosse por eles, eu nunca teria conhecido meus melhores amigos, não teria todos os privilégios que tenho e não seria feliz.
E eu pensei em como minha vida havia mudado naquele ano. Eu me sentia feliz em Sonoma. E eu nunca havia pensado sobre aquilo. De certa forma, ela me ajudou nisso, mesmo que não intencionalmente.
O quarto da minha mãe era gigante. Eu nunca havia passado muito tempo nele. Era branco e espaçoso, assim como o resto da casa. Olhava para o guarda-roupa há tanto tempo que já havia decorado a quantidade de detalhes que havia na porta.
– As coisas podiam ter sido mais fáceis – falei, como se de algum modo ela pudesse ouvir aquilo.
Eu até podia ouvi-la cantar. “If I die young, bury me in satin, lay me down on a bed of roses, sink me in the river at dawn, send me away with the words of a love song”. Era quase como se ela estivesse perto de mim ou eu apenas gravei a voz dela muito bem na minha mente.
“Lord make me a rainbow. I'll shine down on my mother.”
A minha mãe cantava bem, apesar de eu nunca ter dito isso para ela – diferente da atuação, que não me convencia.
No meio dos meus pensamentos, talvez aquele tenha sido o momento que mais desejei não ver os mortos... Pois minha mãe estava na minha frente naquele exato momento.
Na maioria das vezes, os fantasmas não percebem quando posso vê-los, o que é sempre engraçado ver a face de surpresa deles. Mas não foi engraçado quando eu a vi andando pelo quarto.
Senti uma ânsia absurda. Queria fugir, gritar, negar que aquilo estava acontecendo, queria que tudo fosse diferente. Mas não consegui fazer nada. Apenas fiquei parada, observando aquela cena.
Não foi legal quando ela percebeu que eu conseguia vê-la, porque ela não entendeu o que estava acontecendo. Nem eu estava entendendo.
– Eu morri – disse ela. Sem arrependimento, tristeza. Era apenas uma constatação.
– Morreu.
– Por que você consegue me ver? – levantou as sobrancelhas do mesmo modo que fazia quando perguntava por onde eu havia andado na noite anterior. Tive que rir de nervoso daquela situação. Era no mínimo bizarro estar falando com a minha mãe morta e ter que explicar tudo.
Mais bizarro que isso, só eu estar apaixonada por um fantasma.
– Porque essa é a minha função. Ajudá-la a seguir... – era como se minha garganta tivesse algo que empacasse tudo o que eu tinha que dizer. Eu sempre fazia aquele discurso, mas daquele modo era diferente. Aquela situação toda era diferente.
– Não me diga que isso sempre aconteceu. Você não é uma médium ou coisa do tipo, não é? – olhou-me com desdém. Não respondi e ela riu. – Inacreditável. Você realmente tem um problema.
Olhei para ela de verdade. Eu não estava chocada com aquele comentário. Acho que você acaba se acostumando quando acontece tantas vezes.
– Se for para receber insulto mesmo morta, me diga, porque eu não vou ficar recebendo isso a troco de nada.
– Você consegue me ver. Isso é inacreditável, ! Você nunca disse...
– E você iria acreditar? – cortei. – Você nunca acreditou em mim.
Eu não sei bem o sentido com que havia falado aquela frase. Mas acho que ela havia entendido, porque senti que ela amoleceu. Minha mãe, depois de dezesseis anos de convivência, havia amolecido em uma de nossas conversas.
– Eu não deveria estar dormindo em paz? – perguntou, mudando o ponto da conversa.
– Aparentemente, você deixou algum assunto inacabado.
Em outras conversas, em momentos como aquele, ela estaria raivosa. Não gostava de pensar no quão estressada eu estaria se estivéssemos gritando uma com a outra. Era estranho, porque eu esperava por uma briga.
Mas não houve gritaria. Ao contrário disso, houve silêncio. Um silêncio bizarro, silêncio esse que nunca houve em uma conversa nossa. Estar junto da minha mãe não era sinônimo de silêncio.
Ela não se lembrava. Não acreditava que teria que lidar com um fantasma com amnésia novamente...
– Eu sei o que é – falou como se tivesse lido minha mente. Não respondi com palavras. Apenas levantei as sobrancelhas em um sugestivo “continue...”. – Desculpe – disse simplesmente.
Eu não entendi muito bem, então não tive nenhuma reação depois que ela disse isso. Era apenas uma palavra que em situações diferentes podia não significar muita coisa, mas para mim, naquele momento, havia me deixado confusa.
Desviei o olhar para a janela do quarto e observei o vento lá fora. Talvez tudo fosse mais fácil se eu não tivesse entrado no seu quarto.
Ou talvez eu não quisesse aceitar o que aquela palavra dizia.
Eu era covarde demais para permanecer naquele quarto. Não conseguia encarar a minha mãe nem nada daquilo que estava acontecendo. Então eu simplesmente saí. Na verdade, corri.
Não me lembro de ter atravessado a avenida tão rápido, o que causou uma quase morte por atropelamento. Eu já chorava muito. Soluçava tanto que as pessoas ao meu redor me olhavam com pena. Estava com pena de mim mesma.
Aquela situação era tão injusta que eu não acreditava que realmente tudo aquilo estava acontecendo. Sentei-me na primeira cadeira que encontrei e não me lembro de ter chorado tanto como naquele dia. Era uma mistura de tristeza, arrependimento e muita, muita, muita dúvida do que eu tinha que fazer.
Eu pensei tanto. Pensei em todas as vezes que brigamos e em todas as vezes em que não me senti amada por ela. Minha mãe nunca me amou, ou nunca demonstrou amor, e aquilo era o que mais me quebrava. Eu também não demonstrava amor por ela, porém isso era apenas porque ela nunca me dera abertura para demonstrar de alguma forma.
Peguei-me imaginando todas as situações em que poderia ter sido diferente, em que ela tivesse se deitado comigo e me dado algum conselho, permitisse que eu saísse e fosse minha amiga. Ela nunca fora minha amiga. E eu quis muito que ela fosse, por muito tempo. Que me apoiasse, que me amasse, que cuidasse de mim. Tudo que minhas amigas faziam por mim. Mas, no fundo, eu sabia que nunca teria aquilo. Eu nunca teria a oportunidade de ter aquilo com ela.
Mas também pensei no martírio que devia ser passar a eternidade vagando pela Terra como um fantasma porque a sua chance de descansar depende de outra pessoa... Bem, aquela era a nossa situação. De certa forma, ela dependia de mim para seguir. E eu, que por tanto tempo dependi dela para tudo.
Passei horas pensando. Em um certo momento, sabia o que tinha que fazer, porque, quando pensei no que estava acontecendo e em como tudo iria mudar... Eu já havia a perdoado.
– É sufocante. Perder alguém o tira do eixo. Você quer gritar e voltar no tempo, se culpa pelo tempo que poderia ter passado com aquela pessoa e pensa em como tudo poderia ter sido diferente – disse ele, sentado em um dos bancos do Central Park. Eu apenas ouvia calada e pensava se seria capaz de entender tudo que ele falava naquele momento. – Você tem que aprender a conviver com a ausência depois e tudo lembra aquela pessoa.
Chegava a ser cômico um fantasma falar sobre a morte.
A única pessoa que eu havia perdido na vida fora meu tio-avô, porém era nova demais para passar e entender o que estava acontecendo. Nunca havia passado pelo luto realmente. Talvez por isso eu não tenha prestado tanta atenção naquelas palavras.
Até de fato perder alguém.
Agora eu sabia como era perder alguém porque minha mãe estava morta. “Embolia pulmonar”, os médicos disseram.
Eu estava passando pelo luto naquele momento e o senhor Mackenzie tinha razão. A morte tira a gente do eixo.
Quando entrei na sala da diretora Olga, temendo uma bronca ou até mesmo uma expulsão, eu jamais imaginei que a sensação de ser avisada sobre a morte dela doeria.
Doeu. Doeu porque eu não esperava, doeu porque eu me culpei por todas as vezes em que eu, chateada por alguma das inúmeras brigas, desejei a morte dela.
Meus amigos tentaram me acalmar, mas não funcionou. “Vai passar”, eles diziam, enquanto eu não sabia o que fazer até a hora do meu voo.
No fundo, eu torcia para que a gente se resolvesse, eu e minha mãe. Bem lá no fundo mesmo. Achava que um dia poderíamos ser uma família normal, com pais que apoiam os filhos, sem brigas, sem dores de cabeça. Aquela notícia me pegou de um jeito que eu não conseguia entender o que estava acontecendo. Sentia como se essa tragédia tivesse quebrado o ciclo natural da minha vida e que eu nunca mais conseguiria viver normalmente sem lembrar que eu não tinha mais uma mãe.
Por muito tempo eu pensei em como era ter uma mãe. Já quis ter a mãe de Christina. Ela era protetora e uma versão mais velha da filha. Ligava sempre para perguntar como as coisas estavam. Também queria ter a mãe de Amy que, além de ser muito inteligente, respeitava os limites da filha e acolhia todos os amigos como filhos também. Também já quis ter a mãe de , que, mesmo depois de uma tragédia, conseguiu apoiar o filho em tudo.
Pensei em ter todas aquelas mães porque Tara era uma péssima mãe. Ela me proibia de fazer coisas banais, me julgava por não ser do jeito que ela queria, me proibia de ter amigos, me chamava de problemática até para os vizinhos. Tara era péssima no quesito mãe, mas eu também era péssima no quesito filha. Ela me proibia de sair, eu saia mesmo assim. Ela falava dos meus defeitos, eu fazia o mesmo com ela. Ela dizia como eu deveria me portar em determinadas ocasiões, eu fazia tudo ao contrário – na maioria das vezes, de propósito. Ela me desprezava em todos os sentidos e eu fazia o mesmo com ela. Ela nunca tentou conversar comigo nem eu com ela.
E eu chorei. Chorei porque nunca tivemos a oportunidade de conversar. Chorei mais do que um dia já havia chorado de tristeza ou raiva. Chorei porque no seu velório tocou If I Die Young. Chorei porque me lembrei de todas as vezes em que a própria já havia cantado aquela música e eu ignorei todas as vezes em que ela fez isso. Chorei porque tive que embalar todas as suas roupas, lembrando-me de algumas ocasiões em que ela usou todas elas. Chorei porque eu estava tão imersa na minha vida em Sonoma que eu havia ignorado toda a minha vida em Nova York, como se ela fosse, de algum modo, insignificante.
Era injusto. Aquela morte repentina era injusta, eu ver gente morta era injusto, eu preferir meus amigos à minha própria família era injusto, ver a minha avó chorar era injusto, ver as notícias do jornal local anunciar a morte dela como algo banal era injusto. Era injusto eu amá-la mesmo não querendo nutrir esse sentimento.
Eu queria odiá-la. Queria odiá-la porque não fazia sentido amar alguém que não se importa comigo e que, de certa forma, me faz mal.
Mas eu amava. E me amaldiçoava por perceber que eu amava a minha família mesmo nunca tendo a chance de ser amada realmente, pelo menos não da forma que eu gostaria. E, por desejar tanto que fosse da forma que eu queria, nunca havia pensado como seria a forma que eles queriam. Se não fosse por eles, eu nunca teria conhecido meus melhores amigos, não teria todos os privilégios que tenho e não seria feliz.
E eu pensei em como minha vida havia mudado naquele ano. Eu me sentia feliz em Sonoma. E eu nunca havia pensado sobre aquilo. De certa forma, ela me ajudou nisso, mesmo que não intencionalmente.
O quarto da minha mãe era gigante. Eu nunca havia passado muito tempo nele. Era branco e espaçoso, assim como o resto da casa. Olhava para o guarda-roupa há tanto tempo que já havia decorado a quantidade de detalhes que havia na porta.
– As coisas podiam ter sido mais fáceis – falei, como se de algum modo ela pudesse ouvir aquilo.
Eu até podia ouvi-la cantar. “If I die young, bury me in satin, lay me down on a bed of roses, sink me in the river at dawn, send me away with the words of a love song”. Era quase como se ela estivesse perto de mim ou eu apenas gravei a voz dela muito bem na minha mente.
“Lord make me a rainbow. I'll shine down on my mother.”
A minha mãe cantava bem, apesar de eu nunca ter dito isso para ela – diferente da atuação, que não me convencia.
No meio dos meus pensamentos, talvez aquele tenha sido o momento que mais desejei não ver os mortos... Pois minha mãe estava na minha frente naquele exato momento.
Na maioria das vezes, os fantasmas não percebem quando posso vê-los, o que é sempre engraçado ver a face de surpresa deles. Mas não foi engraçado quando eu a vi andando pelo quarto.
Senti uma ânsia absurda. Queria fugir, gritar, negar que aquilo estava acontecendo, queria que tudo fosse diferente. Mas não consegui fazer nada. Apenas fiquei parada, observando aquela cena.
Não foi legal quando ela percebeu que eu conseguia vê-la, porque ela não entendeu o que estava acontecendo. Nem eu estava entendendo.
– Eu morri – disse ela. Sem arrependimento, tristeza. Era apenas uma constatação.
– Morreu.
– Por que você consegue me ver? – levantou as sobrancelhas do mesmo modo que fazia quando perguntava por onde eu havia andado na noite anterior. Tive que rir de nervoso daquela situação. Era no mínimo bizarro estar falando com a minha mãe morta e ter que explicar tudo.
Mais bizarro que isso, só eu estar apaixonada por um fantasma.
– Porque essa é a minha função. Ajudá-la a seguir... – era como se minha garganta tivesse algo que empacasse tudo o que eu tinha que dizer. Eu sempre fazia aquele discurso, mas daquele modo era diferente. Aquela situação toda era diferente.
– Não me diga que isso sempre aconteceu. Você não é uma médium ou coisa do tipo, não é? – olhou-me com desdém. Não respondi e ela riu. – Inacreditável. Você realmente tem um problema.
Olhei para ela de verdade. Eu não estava chocada com aquele comentário. Acho que você acaba se acostumando quando acontece tantas vezes.
– Se for para receber insulto mesmo morta, me diga, porque eu não vou ficar recebendo isso a troco de nada.
– Você consegue me ver. Isso é inacreditável, ! Você nunca disse...
– E você iria acreditar? – cortei. – Você nunca acreditou em mim.
Eu não sei bem o sentido com que havia falado aquela frase. Mas acho que ela havia entendido, porque senti que ela amoleceu. Minha mãe, depois de dezesseis anos de convivência, havia amolecido em uma de nossas conversas.
– Eu não deveria estar dormindo em paz? – perguntou, mudando o ponto da conversa.
– Aparentemente, você deixou algum assunto inacabado.
Em outras conversas, em momentos como aquele, ela estaria raivosa. Não gostava de pensar no quão estressada eu estaria se estivéssemos gritando uma com a outra. Era estranho, porque eu esperava por uma briga.
Mas não houve gritaria. Ao contrário disso, houve silêncio. Um silêncio bizarro, silêncio esse que nunca houve em uma conversa nossa. Estar junto da minha mãe não era sinônimo de silêncio.
Ela não se lembrava. Não acreditava que teria que lidar com um fantasma com amnésia novamente...
– Eu sei o que é – falou como se tivesse lido minha mente. Não respondi com palavras. Apenas levantei as sobrancelhas em um sugestivo “continue...”. – Desculpe – disse simplesmente.
Eu não entendi muito bem, então não tive nenhuma reação depois que ela disse isso. Era apenas uma palavra que em situações diferentes podia não significar muita coisa, mas para mim, naquele momento, havia me deixado confusa.
Desviei o olhar para a janela do quarto e observei o vento lá fora. Talvez tudo fosse mais fácil se eu não tivesse entrado no seu quarto.
Ou talvez eu não quisesse aceitar o que aquela palavra dizia.
Eu era covarde demais para permanecer naquele quarto. Não conseguia encarar a minha mãe nem nada daquilo que estava acontecendo. Então eu simplesmente saí. Na verdade, corri.
Não me lembro de ter atravessado a avenida tão rápido, o que causou uma quase morte por atropelamento. Eu já chorava muito. Soluçava tanto que as pessoas ao meu redor me olhavam com pena. Estava com pena de mim mesma.
Aquela situação era tão injusta que eu não acreditava que realmente tudo aquilo estava acontecendo. Sentei-me na primeira cadeira que encontrei e não me lembro de ter chorado tanto como naquele dia. Era uma mistura de tristeza, arrependimento e muita, muita, muita dúvida do que eu tinha que fazer.
Eu pensei tanto. Pensei em todas as vezes que brigamos e em todas as vezes em que não me senti amada por ela. Minha mãe nunca me amou, ou nunca demonstrou amor, e aquilo era o que mais me quebrava. Eu também não demonstrava amor por ela, porém isso era apenas porque ela nunca me dera abertura para demonstrar de alguma forma.
Peguei-me imaginando todas as situações em que poderia ter sido diferente, em que ela tivesse se deitado comigo e me dado algum conselho, permitisse que eu saísse e fosse minha amiga. Ela nunca fora minha amiga. E eu quis muito que ela fosse, por muito tempo. Que me apoiasse, que me amasse, que cuidasse de mim. Tudo que minhas amigas faziam por mim. Mas, no fundo, eu sabia que nunca teria aquilo. Eu nunca teria a oportunidade de ter aquilo com ela.
Mas também pensei no martírio que devia ser passar a eternidade vagando pela Terra como um fantasma porque a sua chance de descansar depende de outra pessoa... Bem, aquela era a nossa situação. De certa forma, ela dependia de mim para seguir. E eu, que por tanto tempo dependi dela para tudo.
Passei horas pensando. Em um certo momento, sabia o que tinha que fazer, porque, quando pensei no que estava acontecendo e em como tudo iria mudar... Eu já havia a perdoado.
Capítulo 17
A minha vida havia virado de cabeça para baixo completamente. Eu já não entendia mais o que estava acontecendo ao meu redor. O período do luto foi o pior possível. Eu já não sabia quantos dias de aula havia perdido, já não entendia o que as pessoas ao meu redor faziam e o porquê. De uma hora para outra, todo mundo estava tão preocupado comigo.
O que me preocupava, na verdade, era meu pai. Estaria mentindo se dissesse que seria fácil de superar. Minha mãe estava morta e, pelas palavras de meu pai, ela havia levado um pouco dele junto. Meu pai se enfiou em uma tristeza profunda que eu só percebi a gravidade dias depois, quando o peguei deitado em posição fetal no sofá. Já não trabalhava mais ou saía de casa com muita frequência. Meu pai era um cara animado na maior parte do tempo, então vê-lo daquele jeito era desesperador. Eu queria poder fazer algo, queria dizer que ela não poderia ir embora assim e deixar as coisas desse modo. Porém, eu estaria sendo muito egoísta. Minha mãe fora embora, eu a perdoei e meu pai teria que, ao menos com o tempo, aprender a lidar com isso.
Depois de alguns dias muito difíceis, o clima amenizou um pouco e, para a minha surpresa, meu pai conversava comigo. Começou com perguntas sobre a escola e, quando percebi, já sabia de cor o nome dos meus amigos. Com o passar do tempo, descobri o quão diferente meu pai era quando estava distante dela. Em uma das tardes que estávamos juntos, voltamos a fazer coisas que fazíamos quando eu era criança, como assistir TV.
Todos os dias eu descobria algo novo sobre Robert . Como o fato de ele não gostar do recheio de biscoito, não beber nenhum tipo de álcool, gostar de caminhar quando o sol nascia, de dançar salsa... Eram coisas pequenas que muitos pais e filhas sempre tiveram, mas eu nunca tive a chance de ter. E eu nem poderia mentir que estava adorando descobrir coisas novas e estar ligada a um parente que nunca pensei que estaria.
A casa agora estava silenciosa. Era estranho não ouvir nenhum tipo de barulho dela. Minha mãe era uma pessoa energética e falante, de modo que sempre era possível ouvir sua voz em algum dos cômodos.
Meus avós estavam preocupados conosco e, quando fizemos toda a mudança dos pertences da minha mãe, fizemos um acordo para passar um tempo em Nova Jersey, na casa dos meus avós, e por um lado fiquei aliviada em saber que meu pai não ficaria sozinho quando eu voltasse para a Califórnia. Depois de longos dias, tive que voltar para a escola. Eu fiquei afastada por muito tempo dos meus amigos e só voltei com a condição de me consultar com um terapeuta.
– Você está mais calada que o normal hoje, – a doutora Malesky comentou, olhando docemente para mim.
Eu gostava dela. Entendia que ela estava ali para me ajudar e em nenhum momento a doutora me pressionou em algum assunto. Aquela era a minha terceira sessão e eu havia contado tudo, inclusive sobre , apenas omitido seu nome e o fato de ser um fantasma.
– Eu não sei o que falar hoje.
– Por que não comenta sobre o seu dia? – deu aquele sorriso grande e acolhedor, o que me fez sentir disposta a falar.
– Bem, o dia não está bom... Digo, acho que alguma tempestade está por vir – olhei para ela e suas sobrancelhas estavam arqueadas. – Amy me ajudou a colocar a matéria em dia. Não sei se vou conseguir atingir a média em Física, mas estou no caminho. Ela e meio que voltaram. Eu acho e estou muito feliz pelos dois. parece estar feliz também. Acho que está superando. Dani também me ajudou muito nas matérias, principalmente em Artes. Ela, Alison e sempre me fazem esquecer as coisas externas e me fazem rir na maior parte do tempo. Alison e parecem bem, mas não sei o que eles têm exatamente. Chris e sempre perguntam se quero fazer algo com eles. De modo geral, está tudo bem. continua sendo o mais preocupado comigo, mesmo que eu fale que estou bem.
– Você percebeu que falou mais sobre outras pessoas do que sobre você mesma? – pegou-me de supetão e não tive o que responder. – O que acha de tudo isso?
– Acho que eles se preocupam à toa. Minha vida está seguindo. Não é como se eles pudessem resolver meus problemas.
Ela não disse nada e pareceu pensar.
– E o seu namorado, ?
Quando voltei para Sonoma meus amigos quiseram me ajudar a qualquer custo. Agradeci a preocupação, mas não gostei do modo como eles estavam me tratando. Era como se eu precisasse de cuidados a todo momento e não pudesse ficar sozinha nem por um minuto. Às vezes, eu precisava ficar sozinha para pensar, mas estava sempre acompanhada de alguém. Era irritante, de certo modo. Por mais que fossem boas intenções, aquilo não me ajudava. Meus avós e meu pai ligavam semanalmente e a terapeuta sempre informava sobre o meu estado. Eu me perguntava diariamente se aquilo tudo era necessário. Não era como se toda aquela preocupação me tirasse o luto e consertasse as coisas.
Mas a pior coisa daquilo tudo era a minha relação com . No dia em que voltei para a Califórnia, estava me esperando. Ele sempre estava me esperando. Eu tive pena porque ele não sabia o que estava acontecendo. Disse que pensou em me visitar em Nova York, mas não sabia ir para algum lugar que nunca estivera presente. O pior de tudo foi ouvir que sentiu minha falta, que ficou preocupado e que eu não deveria ter ido sem dizer nada. Aquilo era minha culpa. Eu deveria ter conversado, explicado, mas não consegui. Tudo aconteceu rápido demais. Foram dias terríveis em que não conversei com ninguém.
estava sempre presente. Quando nenhum dos meus amigos estava comigo, ele estava presente. Perguntava diariamente como eu me sentia e se podia fazer algo por mim. Eu não dizia nada, mas aquilo só me deixava mais triste ainda.
nunca poderia fazer nada por mim. Ele não mencionou nada sobre sua morte, sobre eu ajudá-lo ou tudo que estávamos fazendo antes de aquilo tudo virar uma bagunça. De certa forma, eu agradecia, pois não teria cabeça para ajudá-lo, mesmo que quisesse muito. No final das contas, ele me fazia companhia, mesmo que eu dissesse que queria ficar sozinha.
– Está bem. Preocupado comigo, como sempre.
Era quase engraçado falar de para a doutora Malesky. Eu havia contado que nos conhecemos pela internet e ele morava bem distante de mim. Ajudava a explicar o porquê de nunca estarmos juntos ou por que não podia apresentá-lo para meus amigos.
– Sei que está progredindo e que muita coisa aconteceu nesse meio tempo. Fico feliz que tenha colocado seus estudos em dia e que tudo esteja bem com seus amigos. Mas ainda tenho que lembrá-la que a morte nunca é culpa sua.
– E o que você quer que eu faça? – perguntei.
– Quero que você fale, . Não posso obrigá-la a falar o que sente, mas como vou ajudá-la a achar uma saída se você mesma não se dá a chance de seguir em frente? Seguir em frente não é apenas se concentrar nos estudos ou sair com os amigos, porque eu sei que, mesmo que você faça isso tudo, continua triste. Você me disse uma vez que perdoou a sua mãe por tudo que vocês duas já passaram e que, mesmo longe, a relação com sua família está melhor. Então me diga, : o que falta exatamente? Por que se sente tão infeliz? Sei que às vezes pode não ter um motivo específico e talvez o ambiente em que você esteja não a ajude a melhorar. Por isso estou aqui a impulsionando a questionar a si mesma.
Mas eu não sabia o que faltava. Havia perdoado minha mãe, meu pai estava bem na medida do possível, meus avós também, não havia nenhuma reclamação sobre os meus amigos...
Então meus pensamentos pararam em . Meus pensamentos depressivos não eram por sua causa porque ele não me deixava triste, porém a nossa relação era muito complicada. Eu gostava muito dele, ele gostava muito de mim, mas nunca poderíamos ficar juntos. Naquelas semanas, nosso contato havia aumentado, mesmo que eu tivesse vetado qualquer possibilidade de beijo. Ele havia entendido meu lado e não entrava mais no assunto. Entretanto, eu sempre achava que ele queria mais. Eu também queria mais. Queria viver ao seu lado, queria andar com ele pelo campus, apresentar aos meus amigos, beijá-lo, abraçá-lo... A possibilidade de não poder fazer aquilo tudo e todo aquele mistério o envolvendo me deixava muito triste.
– Eu não sei... Realmente não sei. É só que... Não sei. Talvez eu e... Ahm... Você sabe, não esteja me fazendo bem.
– Você acha que isso lhe faz mal?
– Não sei. Talvez sim porque nunca vamos poder ficar juntos fisicamente. Pode parecer drama, mas eu fico triste com isso. Eu gosto muito dele.
– Ter sentimentos por alguém não é drama, .
– O que eu devo fazer? – perguntei aflita. A possibilidade de não ficar com era absurda de qualquer jeito.
– Acho que você deve pensar e ter uma conversa com ele. Acho que os dois precisam disso. Você não acha? Mas leve o seu próprio tempo. Pense um pouco antes de qualquer coisa.
– É, acho que temos…
– Você está indo bem, . Não pense que esta batalha está perdida.
Agradeci e saí de sua sala com a cabeça rebobinando tudo que havia escutado naquele dia.
Estava quase anoitecendo. Minhas sessões sempre acabavam naquele período e sempre estava me esperando do lado de fora da sala. A escola oferecia psicólogos e psiquiatras para os alunos que precisavam. Era útil porque eu não tinha que sair da escola toda semana para fazer consultas.
– Quer que a leve para o quarto ou quer jantar? – perguntou, segurando as minhas mãos.
– Quero ficar sozinha – disse sincera. – Minha terapeuta falou que preciso pensar e quero ficar sozinha para isso. Tudo bem?
Ele questionou e tive que insistir muito para ele ir embora. Revirando os olhos e comentando um “não se atrase. Cuidado com o sinal”, sumiu no corredor e eu fui na direção oposta para o lugar mais distante do campus que pude encontrar, onde não pudesse ver nem ouvir nenhum barulho da Vineyard. Com certeza iria chover muito e eu estava sem guarda-chuva, mas naquele momento eu não estava me importando com o que estava acontecendo. Nunca conseguia ter um momento sozinha, então não me importava em fazer aquilo na chuva.
Sentei-me no gramado – o que provavelmente iria sujar toda a minha roupa – e cruzei as pernas.
Eu não queria terminar com . Primeiramente, não tínhamos nada para terminar e, em segundo lugar, jamais poderia me afastar sem ajudá-lo. Pensando bem, ele nem deveria estar aqui por tanto tempo. Atrasei por meses o que poderia ser uma libertação para seguir em frente. Era culpa minha, mas passei tanto tempo inerte nos meus próprios problemas que havia esquecido os de .
– Por que está aqui fora? Vai chover.
Aquela voz. Um pouco rouca e próxima demais a mim.
estava ao meu lado, sorrindo.
– Estou pensando.
– Em quê?
– Quer saber mesmo? – levantei as sobrancelhas e ele sorriu. – Sobre você. Sobre nós.
sorriu de orelha a orelha.
– A que devo a honra de estar em seus pensamentos?
– Você sempre está em meus pensamentos. Esse é o problema.
– Eu sou um problema? – perguntou meio ofendido e eu quis rir de nervoso.
– Você é o pior dos meus problemas, .
Sua expressão foi uma mistura de coisas. Não sabia se era só raiva, descontentamento, decepção ou talvez tudo isso junto.
– Se eu pudesse, não estaria aqui a incomodando.
– Você não me incomoda – disse sincera. Era verdade, até porque eu gostava de sua presença. – O problema é tudo que o rodeia. Os mistérios, o fato de não podermos ficar juntos... Acho que isso está me destruindo aos poucos. Não queria que estivesse, mas está.
– Ficarmos juntos? Você quer dizer... Eu e você?
Nunca tivemos uma conversa sincera sobre aquilo, até porque nunca daria em nada. Nosso relacionamento – que nem existia – nunca poderia acontecer e, se acontecesse, estaria fadado ao fracasso. Queríamos que acontecesse, mas não podíamos. Esse era o problema.
– Sim, é isso que quero dizer.
document.write(Harry) realmente até aquele momento. Então o fiz e morri de vergonha instantaneamente. Eu estava me declarando completamente para alguém que nem poderia ter algum tipo de relacionamento. Aquilo era tão difícil e eu jamais imaginei que aconteceria, principalmente naquelas condições...
– Não sei o que está acontecendo... Eu já não sei mais de nada. Está tudo uma bagunça – suspirei e olhei para frente. Qualquer contato visual naquele momento parecia que iria me quebrar ao meio de tanta vergonha que havia me atingido.
– Eu também gosto muito de você, – disse ele, mas, ao contrário de mim, não parava de me olhar. Não que eu tivesse alguma certeza disso, pois só conseguia enxergar na minha visão periférica.
Aquela era a primeira vez que me chamava de . O som do meu nome saindo da sua boca era diferente de qualquer outra pessoa que já tivesse dito. Era o som mais bonito que pude ouvir nos últimos tempos.
– Está me deixando sem graça, ... – disse e ele riu, puxando meu rosto em sua direção.
– Não sei o que você tem para pensar e também sei que nossa situação é muito complicada. Não me importo de ficar aqui, de verdade. Sei que tenho um passado e tudo o mais, mas não é como se me lembrasse dele, então tudo bem se eu ficar...
– O que quer dizer? – interrompi-o, virando meu corpo completamente para ele.
– Que, se você pedir para eu ficar, eu fico.
– Você só pode estar de brincadeira comigo.
– Não! Estive pensando. Se for para ficar com você, eu...
– Eu não seria egoísta a esse ponto, . Você tem uma família, amigos que nem tiveram a oportunidade de fazer um enterro para você!
– Não é como se você pudesse ajudar totalmente, né? Você é médium, mas não trabalha com investigação. Nem sabe o que fazer, muito menos eu.
– Porque ainda não tentei de verdade!
– É claro que tentou. Tentou até demais. Entendo que esteja de mãos atadas e não possa me ajudar. Eu entendo. Está tudo bem.
– Não! Não está tudo bem.
Levantei-me exasperada naquele momento e queria correr, gritar, chorar, tudo ao mesmo tempo. não entendeu meus movimentos e só pareceu alarmado de verdade quando comecei a chorar de fato.
Pronto, eu estava chorando, soluçando. De uma hora para outra, as minhas mãos estavam no meu rosto e eu chorava, sentindo-me impotente e triste.
Fiquei surpresa quando me abraçou, mas não neguei aquele contato.
– Por favor, , não faça isso comigo. – disse em um sussurro.
– Isso o quê?
– Essa tristeza toda. Isso me quebra – o som da sua voz estava abafado contra meus cabelos e eu não ouvia claramente.
– Não saber o que fazer com você me quebra também, . É muito difícil e eu estou exausta.
– Você pode desabafar, se quiser.
Naquele momento comecei a sentir os pingos de chuva, sabendo que iria me molhar bastante. Não me movi. Continuei com os braços ao redor de . Estava tudo muito escuro e eu começava a sentir muito medo do que estava acontecendo ao meu redor.
– Eu apenas me sinto cansada. Exausta das pessoas tentando ajudar, exausta de me sentir impotente, exausta de me importar tanto com alguém que nunca se importou realmente comigo quando estava viva, exausta de não poder ficar com você...
Já estava completamente molhada. O que parecia chuva na verdade era mais para uma tempestade. Mas eu não me importava mais. Tudo parecia tão pequeno diante dos problemas que rodeavam a minha cabeça.
– , olhe para mim – disse ele com meu rosto em mãos. Não que eu enxergasse muito bem. Tudo estava escuro e a chuva dificultava tudo. – Nós vamos resolver isso, ok? Mas preciso que respire. Tente se acalmar.
– Não dá... – solucei, segurando em suas mãos que estavam no meu rosto. Então simplesmente grudou seus lábios nos meus. Fora um beijo completamente diferente do anterior. Tinha mais vontade e era mais violento. Fechei meus olhos na hora e me esqueci de tudo ao meu redor.
Queria que fosse apenas eu e ele, queria que fosse certo, queria ficar com ele, queria que tudo fosse menos complicado. E, por um momento, era só isso que me importava. Mais nada passava pela minha cabeça e era como se os problemas tivessem sumido e eu nem sentia mais a chuva em mim.
Era bom, como se fosse doce, mesmo que não tivesse gosto realmente. Suas mãos foram ao redor da minha cintura e, mesmo que eu tivesse que respirar às vezes, era como se aquilo fosse tudo o que eu precisava no momento. E eu não duvido que fosse, porque o jeito com que ele me beijava parecia que era uma necessidade conjunta.
Mas, como todo sonho muito bom, sempre nos acordam na melhor parte dele. Eu já estava muito próxima de , meu corpo colado ao dele, mas foi nesse exato momento que uma luz me incomodou no rosto e tive que desviar completamente, meio assustada com a surpresa.
Olhei para a direção da luz e não reconheci a figura que estava ali. Depois de olhar por alguns segundos, pude perceber que era uma pessoa que trabalhava no colégio. Não sei dizer o que ela viu naquele momento, mas olhei alarmada para que, por um segundo, parecia respirar com dificuldade assim como eu, mas foi apenas um reflexo.
Ela disse uma frase simples que deixou meus olhos arregalados, assim como meu coração palpitando. A mão de veio junto da minha, apertando-a como se desse algum apoio.
– A senhorita passou da hora do recolhimento. Terei que levá-la para a direção.
O que me preocupava, na verdade, era meu pai. Estaria mentindo se dissesse que seria fácil de superar. Minha mãe estava morta e, pelas palavras de meu pai, ela havia levado um pouco dele junto. Meu pai se enfiou em uma tristeza profunda que eu só percebi a gravidade dias depois, quando o peguei deitado em posição fetal no sofá. Já não trabalhava mais ou saía de casa com muita frequência. Meu pai era um cara animado na maior parte do tempo, então vê-lo daquele jeito era desesperador. Eu queria poder fazer algo, queria dizer que ela não poderia ir embora assim e deixar as coisas desse modo. Porém, eu estaria sendo muito egoísta. Minha mãe fora embora, eu a perdoei e meu pai teria que, ao menos com o tempo, aprender a lidar com isso.
Depois de alguns dias muito difíceis, o clima amenizou um pouco e, para a minha surpresa, meu pai conversava comigo. Começou com perguntas sobre a escola e, quando percebi, já sabia de cor o nome dos meus amigos. Com o passar do tempo, descobri o quão diferente meu pai era quando estava distante dela. Em uma das tardes que estávamos juntos, voltamos a fazer coisas que fazíamos quando eu era criança, como assistir TV.
Todos os dias eu descobria algo novo sobre Robert . Como o fato de ele não gostar do recheio de biscoito, não beber nenhum tipo de álcool, gostar de caminhar quando o sol nascia, de dançar salsa... Eram coisas pequenas que muitos pais e filhas sempre tiveram, mas eu nunca tive a chance de ter. E eu nem poderia mentir que estava adorando descobrir coisas novas e estar ligada a um parente que nunca pensei que estaria.
A casa agora estava silenciosa. Era estranho não ouvir nenhum tipo de barulho dela. Minha mãe era uma pessoa energética e falante, de modo que sempre era possível ouvir sua voz em algum dos cômodos.
Meus avós estavam preocupados conosco e, quando fizemos toda a mudança dos pertences da minha mãe, fizemos um acordo para passar um tempo em Nova Jersey, na casa dos meus avós, e por um lado fiquei aliviada em saber que meu pai não ficaria sozinho quando eu voltasse para a Califórnia. Depois de longos dias, tive que voltar para a escola. Eu fiquei afastada por muito tempo dos meus amigos e só voltei com a condição de me consultar com um terapeuta.
– Você está mais calada que o normal hoje, – a doutora Malesky comentou, olhando docemente para mim.
Eu gostava dela. Entendia que ela estava ali para me ajudar e em nenhum momento a doutora me pressionou em algum assunto. Aquela era a minha terceira sessão e eu havia contado tudo, inclusive sobre , apenas omitido seu nome e o fato de ser um fantasma.
– Eu não sei o que falar hoje.
– Por que não comenta sobre o seu dia? – deu aquele sorriso grande e acolhedor, o que me fez sentir disposta a falar.
– Bem, o dia não está bom... Digo, acho que alguma tempestade está por vir – olhei para ela e suas sobrancelhas estavam arqueadas. – Amy me ajudou a colocar a matéria em dia. Não sei se vou conseguir atingir a média em Física, mas estou no caminho. Ela e meio que voltaram. Eu acho e estou muito feliz pelos dois. parece estar feliz também. Acho que está superando. Dani também me ajudou muito nas matérias, principalmente em Artes. Ela, Alison e sempre me fazem esquecer as coisas externas e me fazem rir na maior parte do tempo. Alison e parecem bem, mas não sei o que eles têm exatamente. Chris e sempre perguntam se quero fazer algo com eles. De modo geral, está tudo bem. continua sendo o mais preocupado comigo, mesmo que eu fale que estou bem.
– Você percebeu que falou mais sobre outras pessoas do que sobre você mesma? – pegou-me de supetão e não tive o que responder. – O que acha de tudo isso?
– Acho que eles se preocupam à toa. Minha vida está seguindo. Não é como se eles pudessem resolver meus problemas.
Ela não disse nada e pareceu pensar.
– E o seu namorado, ?
Quando voltei para Sonoma meus amigos quiseram me ajudar a qualquer custo. Agradeci a preocupação, mas não gostei do modo como eles estavam me tratando. Era como se eu precisasse de cuidados a todo momento e não pudesse ficar sozinha nem por um minuto. Às vezes, eu precisava ficar sozinha para pensar, mas estava sempre acompanhada de alguém. Era irritante, de certo modo. Por mais que fossem boas intenções, aquilo não me ajudava. Meus avós e meu pai ligavam semanalmente e a terapeuta sempre informava sobre o meu estado. Eu me perguntava diariamente se aquilo tudo era necessário. Não era como se toda aquela preocupação me tirasse o luto e consertasse as coisas.
Mas a pior coisa daquilo tudo era a minha relação com . No dia em que voltei para a Califórnia, estava me esperando. Ele sempre estava me esperando. Eu tive pena porque ele não sabia o que estava acontecendo. Disse que pensou em me visitar em Nova York, mas não sabia ir para algum lugar que nunca estivera presente. O pior de tudo foi ouvir que sentiu minha falta, que ficou preocupado e que eu não deveria ter ido sem dizer nada. Aquilo era minha culpa. Eu deveria ter conversado, explicado, mas não consegui. Tudo aconteceu rápido demais. Foram dias terríveis em que não conversei com ninguém.
estava sempre presente. Quando nenhum dos meus amigos estava comigo, ele estava presente. Perguntava diariamente como eu me sentia e se podia fazer algo por mim. Eu não dizia nada, mas aquilo só me deixava mais triste ainda.
nunca poderia fazer nada por mim. Ele não mencionou nada sobre sua morte, sobre eu ajudá-lo ou tudo que estávamos fazendo antes de aquilo tudo virar uma bagunça. De certa forma, eu agradecia, pois não teria cabeça para ajudá-lo, mesmo que quisesse muito. No final das contas, ele me fazia companhia, mesmo que eu dissesse que queria ficar sozinha.
– Está bem. Preocupado comigo, como sempre.
Era quase engraçado falar de para a doutora Malesky. Eu havia contado que nos conhecemos pela internet e ele morava bem distante de mim. Ajudava a explicar o porquê de nunca estarmos juntos ou por que não podia apresentá-lo para meus amigos.
– Sei que está progredindo e que muita coisa aconteceu nesse meio tempo. Fico feliz que tenha colocado seus estudos em dia e que tudo esteja bem com seus amigos. Mas ainda tenho que lembrá-la que a morte nunca é culpa sua.
– E o que você quer que eu faça? – perguntei.
– Quero que você fale, . Não posso obrigá-la a falar o que sente, mas como vou ajudá-la a achar uma saída se você mesma não se dá a chance de seguir em frente? Seguir em frente não é apenas se concentrar nos estudos ou sair com os amigos, porque eu sei que, mesmo que você faça isso tudo, continua triste. Você me disse uma vez que perdoou a sua mãe por tudo que vocês duas já passaram e que, mesmo longe, a relação com sua família está melhor. Então me diga, : o que falta exatamente? Por que se sente tão infeliz? Sei que às vezes pode não ter um motivo específico e talvez o ambiente em que você esteja não a ajude a melhorar. Por isso estou aqui a impulsionando a questionar a si mesma.
Mas eu não sabia o que faltava. Havia perdoado minha mãe, meu pai estava bem na medida do possível, meus avós também, não havia nenhuma reclamação sobre os meus amigos...
Então meus pensamentos pararam em . Meus pensamentos depressivos não eram por sua causa porque ele não me deixava triste, porém a nossa relação era muito complicada. Eu gostava muito dele, ele gostava muito de mim, mas nunca poderíamos ficar juntos. Naquelas semanas, nosso contato havia aumentado, mesmo que eu tivesse vetado qualquer possibilidade de beijo. Ele havia entendido meu lado e não entrava mais no assunto. Entretanto, eu sempre achava que ele queria mais. Eu também queria mais. Queria viver ao seu lado, queria andar com ele pelo campus, apresentar aos meus amigos, beijá-lo, abraçá-lo... A possibilidade de não poder fazer aquilo tudo e todo aquele mistério o envolvendo me deixava muito triste.
– Eu não sei... Realmente não sei. É só que... Não sei. Talvez eu e... Ahm... Você sabe, não esteja me fazendo bem.
– Você acha que isso lhe faz mal?
– Não sei. Talvez sim porque nunca vamos poder ficar juntos fisicamente. Pode parecer drama, mas eu fico triste com isso. Eu gosto muito dele.
– Ter sentimentos por alguém não é drama, .
– O que eu devo fazer? – perguntei aflita. A possibilidade de não ficar com era absurda de qualquer jeito.
– Acho que você deve pensar e ter uma conversa com ele. Acho que os dois precisam disso. Você não acha? Mas leve o seu próprio tempo. Pense um pouco antes de qualquer coisa.
– É, acho que temos…
– Você está indo bem, . Não pense que esta batalha está perdida.
Agradeci e saí de sua sala com a cabeça rebobinando tudo que havia escutado naquele dia.
Estava quase anoitecendo. Minhas sessões sempre acabavam naquele período e sempre estava me esperando do lado de fora da sala. A escola oferecia psicólogos e psiquiatras para os alunos que precisavam. Era útil porque eu não tinha que sair da escola toda semana para fazer consultas.
– Quer que a leve para o quarto ou quer jantar? – perguntou, segurando as minhas mãos.
– Quero ficar sozinha – disse sincera. – Minha terapeuta falou que preciso pensar e quero ficar sozinha para isso. Tudo bem?
Ele questionou e tive que insistir muito para ele ir embora. Revirando os olhos e comentando um “não se atrase. Cuidado com o sinal”, sumiu no corredor e eu fui na direção oposta para o lugar mais distante do campus que pude encontrar, onde não pudesse ver nem ouvir nenhum barulho da Vineyard. Com certeza iria chover muito e eu estava sem guarda-chuva, mas naquele momento eu não estava me importando com o que estava acontecendo. Nunca conseguia ter um momento sozinha, então não me importava em fazer aquilo na chuva.
Sentei-me no gramado – o que provavelmente iria sujar toda a minha roupa – e cruzei as pernas.
Eu não queria terminar com . Primeiramente, não tínhamos nada para terminar e, em segundo lugar, jamais poderia me afastar sem ajudá-lo. Pensando bem, ele nem deveria estar aqui por tanto tempo. Atrasei por meses o que poderia ser uma libertação para seguir em frente. Era culpa minha, mas passei tanto tempo inerte nos meus próprios problemas que havia esquecido os de .
– Por que está aqui fora? Vai chover.
Aquela voz. Um pouco rouca e próxima demais a mim.
estava ao meu lado, sorrindo.
– Estou pensando.
– Em quê?
– Quer saber mesmo? – levantei as sobrancelhas e ele sorriu. – Sobre você. Sobre nós.
sorriu de orelha a orelha.
– A que devo a honra de estar em seus pensamentos?
– Você sempre está em meus pensamentos. Esse é o problema.
– Eu sou um problema? – perguntou meio ofendido e eu quis rir de nervoso.
– Você é o pior dos meus problemas, .
Sua expressão foi uma mistura de coisas. Não sabia se era só raiva, descontentamento, decepção ou talvez tudo isso junto.
– Se eu pudesse, não estaria aqui a incomodando.
– Você não me incomoda – disse sincera. Era verdade, até porque eu gostava de sua presença. – O problema é tudo que o rodeia. Os mistérios, o fato de não podermos ficar juntos... Acho que isso está me destruindo aos poucos. Não queria que estivesse, mas está.
– Ficarmos juntos? Você quer dizer... Eu e você?
Nunca tivemos uma conversa sincera sobre aquilo, até porque nunca daria em nada. Nosso relacionamento – que nem existia – nunca poderia acontecer e, se acontecesse, estaria fadado ao fracasso. Queríamos que acontecesse, mas não podíamos. Esse era o problema.
– Sim, é isso que quero dizer.
document.write(Harry) realmente até aquele momento. Então o fiz e morri de vergonha instantaneamente. Eu estava me declarando completamente para alguém que nem poderia ter algum tipo de relacionamento. Aquilo era tão difícil e eu jamais imaginei que aconteceria, principalmente naquelas condições...
– Não sei o que está acontecendo... Eu já não sei mais de nada. Está tudo uma bagunça – suspirei e olhei para frente. Qualquer contato visual naquele momento parecia que iria me quebrar ao meio de tanta vergonha que havia me atingido.
– Eu também gosto muito de você, – disse ele, mas, ao contrário de mim, não parava de me olhar. Não que eu tivesse alguma certeza disso, pois só conseguia enxergar na minha visão periférica.
Aquela era a primeira vez que me chamava de . O som do meu nome saindo da sua boca era diferente de qualquer outra pessoa que já tivesse dito. Era o som mais bonito que pude ouvir nos últimos tempos.
– Está me deixando sem graça, ... – disse e ele riu, puxando meu rosto em sua direção.
– Não sei o que você tem para pensar e também sei que nossa situação é muito complicada. Não me importo de ficar aqui, de verdade. Sei que tenho um passado e tudo o mais, mas não é como se me lembrasse dele, então tudo bem se eu ficar...
– O que quer dizer? – interrompi-o, virando meu corpo completamente para ele.
– Que, se você pedir para eu ficar, eu fico.
– Você só pode estar de brincadeira comigo.
– Não! Estive pensando. Se for para ficar com você, eu...
– Eu não seria egoísta a esse ponto, . Você tem uma família, amigos que nem tiveram a oportunidade de fazer um enterro para você!
– Não é como se você pudesse ajudar totalmente, né? Você é médium, mas não trabalha com investigação. Nem sabe o que fazer, muito menos eu.
– Porque ainda não tentei de verdade!
– É claro que tentou. Tentou até demais. Entendo que esteja de mãos atadas e não possa me ajudar. Eu entendo. Está tudo bem.
– Não! Não está tudo bem.
Levantei-me exasperada naquele momento e queria correr, gritar, chorar, tudo ao mesmo tempo. não entendeu meus movimentos e só pareceu alarmado de verdade quando comecei a chorar de fato.
Pronto, eu estava chorando, soluçando. De uma hora para outra, as minhas mãos estavam no meu rosto e eu chorava, sentindo-me impotente e triste.
Fiquei surpresa quando me abraçou, mas não neguei aquele contato.
– Por favor, , não faça isso comigo. – disse em um sussurro.
– Isso o quê?
– Essa tristeza toda. Isso me quebra – o som da sua voz estava abafado contra meus cabelos e eu não ouvia claramente.
– Não saber o que fazer com você me quebra também, . É muito difícil e eu estou exausta.
– Você pode desabafar, se quiser.
Naquele momento comecei a sentir os pingos de chuva, sabendo que iria me molhar bastante. Não me movi. Continuei com os braços ao redor de . Estava tudo muito escuro e eu começava a sentir muito medo do que estava acontecendo ao meu redor.
– Eu apenas me sinto cansada. Exausta das pessoas tentando ajudar, exausta de me sentir impotente, exausta de me importar tanto com alguém que nunca se importou realmente comigo quando estava viva, exausta de não poder ficar com você...
Já estava completamente molhada. O que parecia chuva na verdade era mais para uma tempestade. Mas eu não me importava mais. Tudo parecia tão pequeno diante dos problemas que rodeavam a minha cabeça.
– , olhe para mim – disse ele com meu rosto em mãos. Não que eu enxergasse muito bem. Tudo estava escuro e a chuva dificultava tudo. – Nós vamos resolver isso, ok? Mas preciso que respire. Tente se acalmar.
– Não dá... – solucei, segurando em suas mãos que estavam no meu rosto. Então simplesmente grudou seus lábios nos meus. Fora um beijo completamente diferente do anterior. Tinha mais vontade e era mais violento. Fechei meus olhos na hora e me esqueci de tudo ao meu redor.
Queria que fosse apenas eu e ele, queria que fosse certo, queria ficar com ele, queria que tudo fosse menos complicado. E, por um momento, era só isso que me importava. Mais nada passava pela minha cabeça e era como se os problemas tivessem sumido e eu nem sentia mais a chuva em mim.
Era bom, como se fosse doce, mesmo que não tivesse gosto realmente. Suas mãos foram ao redor da minha cintura e, mesmo que eu tivesse que respirar às vezes, era como se aquilo fosse tudo o que eu precisava no momento. E eu não duvido que fosse, porque o jeito com que ele me beijava parecia que era uma necessidade conjunta.
Mas, como todo sonho muito bom, sempre nos acordam na melhor parte dele. Eu já estava muito próxima de , meu corpo colado ao dele, mas foi nesse exato momento que uma luz me incomodou no rosto e tive que desviar completamente, meio assustada com a surpresa.
Olhei para a direção da luz e não reconheci a figura que estava ali. Depois de olhar por alguns segundos, pude perceber que era uma pessoa que trabalhava no colégio. Não sei dizer o que ela viu naquele momento, mas olhei alarmada para que, por um segundo, parecia respirar com dificuldade assim como eu, mas foi apenas um reflexo.
Ela disse uma frase simples que deixou meus olhos arregalados, assim como meu coração palpitando. A mão de veio junto da minha, apertando-a como se desse algum apoio.
– A senhorita passou da hora do recolhimento. Terei que levá-la para a direção.
Capítulo 18
Expulsa. Era o que a carta dizia. Sendo mais específica, estava sendo “convidada a sair do colégio”, o que soaria bem cômico se não fosse trágico. A diretora havia cortado e dificultado qualquer resposta que eu tinha para aquela situação. Tudo bem. Eu estava fora do dormitório no horário errado, mas ela não deixou que eu explicasse que perdi a hora porque estava na terapia e sem relógio. Nem ao menos conseguia escutar o toque do alarme de onde estava no campus. Mas ela não quis saber de nada disso, ligando para meu pai no mesmo segundo.
Tive uma conversa séria com meu pai, que estava bem calmo para alguém que recebeu esse tipo de notícia. Já eu, estava mais devastada do que antes. Se outrora não conseguia pensar no que fazer, naquele momento eu me sentia a pessoa mais perdida do mundo. Havia perdido minha mãe, agora a escola e o rumo. Ficaria longe dos meus amigos e de .
Arrumando as malas, tive que ouvir um discurso da minha colega de quarto sobre as injustiças daquela situação toda.
– Eu quero que você fique bem, Amy – falei, vendo minha amiga andar de um lado para o outro muito inquieta.
– Como eu vou ficar bem se estou perdendo todo mundo? Logo agora que recuperei – disse, sentando-se na cama emburrada.
Quando Amy e voltaram a se falar, eu fiquei muito feliz. Não entendia muito a relação dos dois no momento. Não era um namoro, mas também não era só amizade. Amy estava feliz, por mais que não quisesse demonstrar tanto, pois sabia que eu não estava nos meus melhores dias. também estava o próprio raio de sol, apesar de não me contar nada sobre os dois. Eu sabia que era por causa dela. Não havia mais briga. Muito pelo contrário, os dois estavam sempre rindo. Fiquei feliz quando Amy me contou que ela mesma foi conversar com ele e tiveram um momento muito sincero. Eu nem acreditei. Amy era uma pessoa tão fechada que vê-la tomando essa iniciativa de conversar com ele foi uma surpresa para todo mundo. Porém, todos apoiaram a volta dessa amizade e eu torcia para que eles me contassem que já estavam juntos. Todo mundo sabia, mas eles não haviam falado abertamente sobre isso ainda.
– Você não vai me perder. Pare com isso.
– Quando as coisas ficaram tão bagunçadas na sua vida, ?
– É uma ótima pergunta. Estou tentando respondê-la há meses – falei enquanto colocava as coisas na mala. Eu nem sabia por que levava tanta roupa para aquele lugar, visto que iria usar o uniforme na maior parte do tempo.
Amy grunhiu de raiva como sempre fazia nas antigas brigas com e começou a me ajudar a arrumar as coisas, mesmo que estivesse contrariada.
A noite chegou muito rápido e no dia seguinte eu já iria embora. Nunca passou pela minha cabeça ser expulsa de lá, mesmo que no começo de tudo minha mãe tivesse me colocado medo o suficiente para achar que me envolveria em algum problema. Passei tanto tempo sem me envolver em nada na Vineyard que era estranho, de uma hora para outra, ter que partir assim. Eu sentiria muita falta de estar junto dos meus amigos, mesmo que a internet ajudasse na saudade que teria deles. Não conseguia imaginar como seriam meus dias fazendo as refeições diárias sem eles.
Deitei-me na cama, ainda com um sentimento de saudosismo, principalmente quando me lembrava de . Depois que fui levada para a direção, tentou se desculpar de todas as formas. Foi bonitinho por um lado, mas por outro eu não achava que havia sido culpa dele. Não era culpa de ninguém minha cabeça estar uma bagunça, assim como não era culpa de ninguém eu ter me afastado tanto e não ter prestado atenção no que estava acontecendo ao meu redor. Eu já havia desistido, parte porque eu não teria como ajudá-lo em Nova York e outra porque eu realmente achava que não podia fazer nada.
– Não acredito que vai desistir tão fácil. Pensei que fosse mais persistente – chegou bem próximo da minha cama. Amy já dormia e eu me preparava para fazer o mesmo.
– Tem momentos que perdemos as esperanças, . Sinto muito não poder ajudá-lo.
– Você já foi expulsa, , o que tem a perder?
– Não estou entendendo o que quer que eu faça.
– Ela a tratou mal desde que você chegou aqui. Além disso, é a única pessoa que sabe sobre mim.
– Você não quer que...?
– Quero que você vá atrás dela. Ela a tratar tão mal, o carro do acidente ser o dela... Você não acha isso tudo muito estranho?
Nesse momento, eu já estava sentada e , muito próximo de mim, tanto que já me tocava e levemente encostava seus dedos na minha perna. Eu não me incomodava mais com isso. Nessas alturas do campeonato, eu o queria cada vez mais próximo.
– Isso é como dar um tiro no escuro. Não temos certeza de nada.
– Você não tem nada a perder, , e eu realmente não queria que fosse embora – comentou antes de, para a minha surpresa, selar os lábios nos meus.
Foi difícil encontrar qualquer coisa parecida com um canivete naquele lugar, mas na sala de marcenaria consegui encontrar algumas coisas que pudessem me ajudar a abrir algumas portas pelo menos.
estava comigo e eu já não me importava com as câmeras de segurança. Apenas me certificava de que não houvesse nenhum adulto por perto.
A segurança na Vineyard era um pouco estranha, pois não havia seguranças. Apenas câmeras. Em um colégio tão grande e com tantos alunos, aquilo era meio questionável. Não achava que apenas câmeras fossem resolver qualquer problema que tivesse.
Depois de caminhar por alguns minutos, a sala da diretora estava bem à minha frente. Eu estava com medo, sinceramente. Minha espinha se arrepiou apenas em pensar na possibilidade de ser pega mais uma vez. Entretanto, sempre tinha que pensar que o pior já havia acontecido e isso me dava energia para continuar. Sem falar no pensamento de que estava fazendo tudo aquilo para ajudar .
Demorei uns bons minutos para conseguir abrir a porta – isso porque deixei algumas marcas por causa do martelo. Minhas mãos agarraram a maçaneta e, assim que a virei, me arrependi amargamente.
Eu não estava sozinha ali. Por mais que as luzes estivessem apagadas e eu pensasse que encontraria alguma coisa suspeita, tive uma grande surpresa quando vi alguém sentado na cadeira da diretora. Mais ainda quando ouvi aquele sotaque, que provavelmente eu reconheceria em qualquer lugar.
– Pensei que não teria o desprazer de vê-la novamente, senhorita – disse, levantando-se, e eu engoli em seco.
, ao meu lado, estava tão assustado quanto eu. Segurou minha mão forte e não tive coragem de apertar de volta. Eu estava muito assustada.
– Eu... Ahm...
– Qual desculpa a senhorita vai inventar agora? – ela já estava bem próxima de mim, o que fez eu me assustar ainda mais. Andava em minha direção e eu não conseguia sair do lugar onde estava.
De repente, a diretora deu vários passos à frente e eu não tive como escapar.
-
A minha cabeça e todo o meu corpo doíam. Tentei me levantar, mas a dor se intensificou. Uma luz entrava pela janela e ali tive a certeza de que estava em um ambiente diferente, visto pelo cômodo iluminado em que nunca estivera antes. Era todo de madeira e não havia muitos móveis.
Eu estava no chão, atirada como se tivesse sido jogada de qualquer jeito. Talvez por isso meu corpo doesse tanto. Ter sido jogada em um chão de madeira era dolorido.
– , acorde!
Aquela voz que eu já sabia de cor soou e eu consegui despertar completamente, pois ele parecia bem assustado.
– ? O que houve? – perguntei assim que o encontrei ao meu lado. – Onde estamos?
– Eu não sei, mas acho que tem alguma coisa errada.
Não conseguia dizer o quão assustada a sua voz soava. Depois daquela frase, era como se eu soubesse que estava realmente desesperado e eu nunca havia o visto assim. De todos os sentimentos que havia visto desenvolver, desespero nunca fora um deles.
Foi o momento que olhei ao redor. Não reconhecia as paredes cor-de-rosa nem os móveis de madeira. Definitivamente, nunca estive naquele lugar.
– Como viemos parar aqui? – perguntei e ele fez menção para que eu ficasse calada. Eu não entendia nada do que estava acontecendo. Estava tão confusa.
– Ela está aqui. Não consegui acordá-la antes e não sei o que está acontecendo, mas é melhor tomar cuidado.
– Do que está falando? – perguntei confusa, segurando seus pulsos e fazendo com que olhasse para mim. – Não estou entendendo nada, .
– Você tem que achar um jeito de sair daqui. Eu estou falando muito sério, . Tem algo muito ruim acontecendo.
Aquilo foi o suficiente para que eu me levantasse e fosse em direção à porta. Olhando pela luz do sol lá fora, eu sabia que estava de dia e, por isso, havia ficado a madrugada toda desacordada.
Depois da porta do quarto em que nós estávamos, havia um corredor largo com algumas portas. De uma em uma, fui olhando o que havia dentro delas. Encontrei algumas camas, roupas, alguns outros móveis, mas não havia ninguém. Andava bem devagar, primeiramente porque o chão de madeira fazia barulho. Em segundo lugar, estava morrendo de medo de encontrar alguém.
Entrei no último quarto do corredor e ele era maior do que os outros. Não tinha muita coisa, mas havia um pequeno corredor até chegar às camas. Porém, uma das camas não estava vazia e tive que driblar o medo para andar um pouco mais para frente, a fim de ver o que estava acontecendo.
Não era uma cama comum. Era de hospital e a pessoa que estava disposta em cima dela respirava com a ajuda de aparelhos.
Os minutos seguintes foram aterrorizantes. Minha garganta fechou em desespero. Eu queria gritar de medo. O quarto parecia menor e era como se não conseguisse escutar mais nada ao meu redor. Era como se o ar me faltasse.
Não entendia o que estava acontecendo. Eu conhecia quem estava na cama. Conhecia muito bem.
Era ele, . Bem ali, deitado na cama. Dormindo e respirando. respirava. estava vivo.
– ... – sussurrei. Eu queria muito chegar perto, saber se era verdade, se meus olhos não estavam me pregando alguma peça. Mas eu tinha medo. Muito medo de ser mentira, de não ser ele, de ser tudo um sonho.
Minha cabeça estava confusa, mas, quando senti alguém segurando a minha mão, percebi que deveria continuar. Olhei para . O garoto me dava um sorriso acolhedor e, se dissesse algo, seria como um “vai ficar tudo bem”. Conseguia ver isso em seus olhos. Não sei dizer por que conseguia me acalmar tanto, mas funcionava.
Cheguei mais perto do corpo e tive a absoluta certeza de que era ele. Igualzinho estava o do meu lado, mas com um corte de cabelo maior. Seu rosto estava sereno, de alguém que dormia tranquilamente sem se preocupar com o mundo. Os aparelhos ao seu redor que me preocupavam. Eu não entendia nada de Medicina, então não conseguia explicar o porquê de todos aqueles equipamentos.
Mas, como uma resposta para todas as dúvidas da minha cabeça, ouvi a porta se abrir. Instantaneamente, olhei para a sua direção e ela estava lá, com um rosto não muito simpático. O meu maior medo, o que fez eu me encostar à parede, foi notar que havia uma arma em sua mão. Eu estava tão ferrada e não sabia o que fazer.
me olhava alarmado, tão sem palavras quanto eu.
– Você é muito inteligente, senhorita . Quando chegou à Vineyard, eu suspeitei que podia me dar problemas, mas não achei que daria tantos problemas como deu – começou a falar. Eu só conseguia olhar para a arma, sem fazer movimento algum. Ela não estava apontada para mim, mas eu sentia que, se fizesse qualquer movimento, ela me machucaria. – Mas você não é tão atenta aos detalhes. Sabia que a Vineyard tem rastreador de pesquisas? Você tem que tomar mais cuidado com o que pesquisa, senhorita . Venho a observando desde que chegou aqui. Você que nunca percebeu.
O sotaque nem estava mais lá. Aquela mulher era completamente falsa em tudo o que fazia. Era inacreditável.
Por um momento, olhei para o em coma e depois para o fantasma.
Tudo bem. Era ela por trás de tudo, afinal.
estava certo.
– O que fez com ele? – perguntei em um sussurro. Ainda estava apavorada e precisava saber o que estava acontecendo.
– também era muito inteligente. Passei muito tempo em sua casa. Eu que o ensinei basicamente tudo que sabia. Vi-o crescer e participei de toda sua vida.
– E mesmo assim tentou matá-lo – completei, mas ela não pareceu muito feliz com isso, fazendo o que eu mais temia: apontar a arma para mim. Tentei ficar mais próxima ainda da parede, como se, de algum modo, isso pudesse me proteger.
– Mas era muita concorrência o filho do patrão ter que ficar com uma herança como a Vineyard, não acha? Então tive que fingir que simpatizava com a família. Chegou a um ponto em que eu era quase um membro da família , porém ainda sabia que não teria o que queria enquanto ele estivesse vivo. Planejei o sequestro e ocorreu tudo bem, porém nos envolvemos em um acidente naquela noite. não acordou depois que o carro capotou, então achei que o coma fosse punição suficiente.
A diretora do colégio e babá de estava confessando um crime e eu não tinha como fazer nada. Aquilo era horrível e a sensação de impotência pior ainda.
Aquela mulher tinha algum problema, definitivamente. Era como se não tivesse compaixão alguma em suas palavras e aquilo me assustava muito. Sabia que a falta de empatia por era a mesma que sentia por todos. Talvez por isso tivesse aquela indiferença pelos alunos da escola.
Eu não sabia o que falar. Estava completamente aterrorizada.
– , eu posso fazer alguma coisa, né? – falou ao meu lado. – Ela não pode me ver.
Mas eu não podia falar nada porque tinha medo de que qualquer movimento atraísse a atenção da diretora e ela fizesse algo contra mim. Assenti levemente com a cabeça para que percebesse que precisava da sua ajuda. Não sabia o que fazer e ele era minha única esperança ali.
– Suponho que agora irá me matar – concluí, olhando-a.
Não respondeu. Apenas levantou a arma.
Eu nunca havia chegado tão perto da morte. Alguns acidentes em que já me envolvi não chegavam nem perto de estar na frente daquela arma sem ter para onde correr. Estava quase me fundindo com a parede de tanto que me encostava nela, assim como tinha que me lembrar de piscar sempre, porque já estava tão assustada que nem conseguia mais fazer nada.
– Você não me deixa escolha, .
Queria responder, mas, antes que abrisse a boca para falar qualquer coisa, um som estridente, que fez meu coração gelar, soou ao longe e depois de um tempo começou a ficar mais alto.
Era uma sirene muito alta. Olhei instantaneamente para a janela e a diretora, que já estava muito irritada, fez o mesmo. Por instinto, tentei me mover, mas a mulher seguiu meus passos. Eu sabia que era a polícia. Não tinha como ser outra coisa, principalmente porque o som estagnou muito próximo de nós e alguns barulhos aconteceram em seguida.
No momento seguinte, foi uma confusão de acontecimentos ao mesmo tempo que eu não consegui processar completamente. Primeiramente, algum dos policiais comentou alguma coisa sobre a casa estar cercada e que deveríamos sair, porém isso apenas deixou a diretora mais irritada e foi como um estalo para ela se aproximar mais de mim. Logo após esse momento, jogou uma das prateleiras em cima do corpo dela.
Meus olhos foram no fantasma que sussurrou um “não tive escolha. Ela iria machucar você”. O problema era que aquilo aconteceu rápido demais e, apesar do peso do móvel, ela ainda estava consciente.
Pensei em correr e até fiz o movimento até a porta, mas foi nesse momento que senti algo no meu corpo. Logo em seguida, eu estava no chão com uma dor absurda. Ela havia atirado em mim.
Tive uma conversa séria com meu pai, que estava bem calmo para alguém que recebeu esse tipo de notícia. Já eu, estava mais devastada do que antes. Se outrora não conseguia pensar no que fazer, naquele momento eu me sentia a pessoa mais perdida do mundo. Havia perdido minha mãe, agora a escola e o rumo. Ficaria longe dos meus amigos e de .
Arrumando as malas, tive que ouvir um discurso da minha colega de quarto sobre as injustiças daquela situação toda.
– Eu quero que você fique bem, Amy – falei, vendo minha amiga andar de um lado para o outro muito inquieta.
– Como eu vou ficar bem se estou perdendo todo mundo? Logo agora que recuperei – disse, sentando-se na cama emburrada.
Quando Amy e voltaram a se falar, eu fiquei muito feliz. Não entendia muito a relação dos dois no momento. Não era um namoro, mas também não era só amizade. Amy estava feliz, por mais que não quisesse demonstrar tanto, pois sabia que eu não estava nos meus melhores dias. também estava o próprio raio de sol, apesar de não me contar nada sobre os dois. Eu sabia que era por causa dela. Não havia mais briga. Muito pelo contrário, os dois estavam sempre rindo. Fiquei feliz quando Amy me contou que ela mesma foi conversar com ele e tiveram um momento muito sincero. Eu nem acreditei. Amy era uma pessoa tão fechada que vê-la tomando essa iniciativa de conversar com ele foi uma surpresa para todo mundo. Porém, todos apoiaram a volta dessa amizade e eu torcia para que eles me contassem que já estavam juntos. Todo mundo sabia, mas eles não haviam falado abertamente sobre isso ainda.
– Você não vai me perder. Pare com isso.
– Quando as coisas ficaram tão bagunçadas na sua vida, ?
– É uma ótima pergunta. Estou tentando respondê-la há meses – falei enquanto colocava as coisas na mala. Eu nem sabia por que levava tanta roupa para aquele lugar, visto que iria usar o uniforme na maior parte do tempo.
Amy grunhiu de raiva como sempre fazia nas antigas brigas com e começou a me ajudar a arrumar as coisas, mesmo que estivesse contrariada.
A noite chegou muito rápido e no dia seguinte eu já iria embora. Nunca passou pela minha cabeça ser expulsa de lá, mesmo que no começo de tudo minha mãe tivesse me colocado medo o suficiente para achar que me envolveria em algum problema. Passei tanto tempo sem me envolver em nada na Vineyard que era estranho, de uma hora para outra, ter que partir assim. Eu sentiria muita falta de estar junto dos meus amigos, mesmo que a internet ajudasse na saudade que teria deles. Não conseguia imaginar como seriam meus dias fazendo as refeições diárias sem eles.
Deitei-me na cama, ainda com um sentimento de saudosismo, principalmente quando me lembrava de . Depois que fui levada para a direção, tentou se desculpar de todas as formas. Foi bonitinho por um lado, mas por outro eu não achava que havia sido culpa dele. Não era culpa de ninguém minha cabeça estar uma bagunça, assim como não era culpa de ninguém eu ter me afastado tanto e não ter prestado atenção no que estava acontecendo ao meu redor. Eu já havia desistido, parte porque eu não teria como ajudá-lo em Nova York e outra porque eu realmente achava que não podia fazer nada.
– Não acredito que vai desistir tão fácil. Pensei que fosse mais persistente – chegou bem próximo da minha cama. Amy já dormia e eu me preparava para fazer o mesmo.
– Tem momentos que perdemos as esperanças, . Sinto muito não poder ajudá-lo.
– Você já foi expulsa, , o que tem a perder?
– Não estou entendendo o que quer que eu faça.
– Ela a tratou mal desde que você chegou aqui. Além disso, é a única pessoa que sabe sobre mim.
– Você não quer que...?
– Quero que você vá atrás dela. Ela a tratar tão mal, o carro do acidente ser o dela... Você não acha isso tudo muito estranho?
Nesse momento, eu já estava sentada e , muito próximo de mim, tanto que já me tocava e levemente encostava seus dedos na minha perna. Eu não me incomodava mais com isso. Nessas alturas do campeonato, eu o queria cada vez mais próximo.
– Isso é como dar um tiro no escuro. Não temos certeza de nada.
– Você não tem nada a perder, , e eu realmente não queria que fosse embora – comentou antes de, para a minha surpresa, selar os lábios nos meus.
Foi difícil encontrar qualquer coisa parecida com um canivete naquele lugar, mas na sala de marcenaria consegui encontrar algumas coisas que pudessem me ajudar a abrir algumas portas pelo menos.
estava comigo e eu já não me importava com as câmeras de segurança. Apenas me certificava de que não houvesse nenhum adulto por perto.
A segurança na Vineyard era um pouco estranha, pois não havia seguranças. Apenas câmeras. Em um colégio tão grande e com tantos alunos, aquilo era meio questionável. Não achava que apenas câmeras fossem resolver qualquer problema que tivesse.
Depois de caminhar por alguns minutos, a sala da diretora estava bem à minha frente. Eu estava com medo, sinceramente. Minha espinha se arrepiou apenas em pensar na possibilidade de ser pega mais uma vez. Entretanto, sempre tinha que pensar que o pior já havia acontecido e isso me dava energia para continuar. Sem falar no pensamento de que estava fazendo tudo aquilo para ajudar .
Demorei uns bons minutos para conseguir abrir a porta – isso porque deixei algumas marcas por causa do martelo. Minhas mãos agarraram a maçaneta e, assim que a virei, me arrependi amargamente.
Eu não estava sozinha ali. Por mais que as luzes estivessem apagadas e eu pensasse que encontraria alguma coisa suspeita, tive uma grande surpresa quando vi alguém sentado na cadeira da diretora. Mais ainda quando ouvi aquele sotaque, que provavelmente eu reconheceria em qualquer lugar.
– Pensei que não teria o desprazer de vê-la novamente, senhorita – disse, levantando-se, e eu engoli em seco.
, ao meu lado, estava tão assustado quanto eu. Segurou minha mão forte e não tive coragem de apertar de volta. Eu estava muito assustada.
– Eu... Ahm...
– Qual desculpa a senhorita vai inventar agora? – ela já estava bem próxima de mim, o que fez eu me assustar ainda mais. Andava em minha direção e eu não conseguia sair do lugar onde estava.
De repente, a diretora deu vários passos à frente e eu não tive como escapar.
A minha cabeça e todo o meu corpo doíam. Tentei me levantar, mas a dor se intensificou. Uma luz entrava pela janela e ali tive a certeza de que estava em um ambiente diferente, visto pelo cômodo iluminado em que nunca estivera antes. Era todo de madeira e não havia muitos móveis.
Eu estava no chão, atirada como se tivesse sido jogada de qualquer jeito. Talvez por isso meu corpo doesse tanto. Ter sido jogada em um chão de madeira era dolorido.
– , acorde!
Aquela voz que eu já sabia de cor soou e eu consegui despertar completamente, pois ele parecia bem assustado.
– ? O que houve? – perguntei assim que o encontrei ao meu lado. – Onde estamos?
– Eu não sei, mas acho que tem alguma coisa errada.
Não conseguia dizer o quão assustada a sua voz soava. Depois daquela frase, era como se eu soubesse que estava realmente desesperado e eu nunca havia o visto assim. De todos os sentimentos que havia visto desenvolver, desespero nunca fora um deles.
Foi o momento que olhei ao redor. Não reconhecia as paredes cor-de-rosa nem os móveis de madeira. Definitivamente, nunca estive naquele lugar.
– Como viemos parar aqui? – perguntei e ele fez menção para que eu ficasse calada. Eu não entendia nada do que estava acontecendo. Estava tão confusa.
– Ela está aqui. Não consegui acordá-la antes e não sei o que está acontecendo, mas é melhor tomar cuidado.
– Do que está falando? – perguntei confusa, segurando seus pulsos e fazendo com que olhasse para mim. – Não estou entendendo nada, .
– Você tem que achar um jeito de sair daqui. Eu estou falando muito sério, . Tem algo muito ruim acontecendo.
Aquilo foi o suficiente para que eu me levantasse e fosse em direção à porta. Olhando pela luz do sol lá fora, eu sabia que estava de dia e, por isso, havia ficado a madrugada toda desacordada.
Depois da porta do quarto em que nós estávamos, havia um corredor largo com algumas portas. De uma em uma, fui olhando o que havia dentro delas. Encontrei algumas camas, roupas, alguns outros móveis, mas não havia ninguém. Andava bem devagar, primeiramente porque o chão de madeira fazia barulho. Em segundo lugar, estava morrendo de medo de encontrar alguém.
Entrei no último quarto do corredor e ele era maior do que os outros. Não tinha muita coisa, mas havia um pequeno corredor até chegar às camas. Porém, uma das camas não estava vazia e tive que driblar o medo para andar um pouco mais para frente, a fim de ver o que estava acontecendo.
Não era uma cama comum. Era de hospital e a pessoa que estava disposta em cima dela respirava com a ajuda de aparelhos.
Os minutos seguintes foram aterrorizantes. Minha garganta fechou em desespero. Eu queria gritar de medo. O quarto parecia menor e era como se não conseguisse escutar mais nada ao meu redor. Era como se o ar me faltasse.
Não entendia o que estava acontecendo. Eu conhecia quem estava na cama. Conhecia muito bem.
Era ele, . Bem ali, deitado na cama. Dormindo e respirando. respirava. estava vivo.
– ... – sussurrei. Eu queria muito chegar perto, saber se era verdade, se meus olhos não estavam me pregando alguma peça. Mas eu tinha medo. Muito medo de ser mentira, de não ser ele, de ser tudo um sonho.
Minha cabeça estava confusa, mas, quando senti alguém segurando a minha mão, percebi que deveria continuar. Olhei para . O garoto me dava um sorriso acolhedor e, se dissesse algo, seria como um “vai ficar tudo bem”. Conseguia ver isso em seus olhos. Não sei dizer por que conseguia me acalmar tanto, mas funcionava.
Cheguei mais perto do corpo e tive a absoluta certeza de que era ele. Igualzinho estava o do meu lado, mas com um corte de cabelo maior. Seu rosto estava sereno, de alguém que dormia tranquilamente sem se preocupar com o mundo. Os aparelhos ao seu redor que me preocupavam. Eu não entendia nada de Medicina, então não conseguia explicar o porquê de todos aqueles equipamentos.
Mas, como uma resposta para todas as dúvidas da minha cabeça, ouvi a porta se abrir. Instantaneamente, olhei para a sua direção e ela estava lá, com um rosto não muito simpático. O meu maior medo, o que fez eu me encostar à parede, foi notar que havia uma arma em sua mão. Eu estava tão ferrada e não sabia o que fazer.
me olhava alarmado, tão sem palavras quanto eu.
– Você é muito inteligente, senhorita . Quando chegou à Vineyard, eu suspeitei que podia me dar problemas, mas não achei que daria tantos problemas como deu – começou a falar. Eu só conseguia olhar para a arma, sem fazer movimento algum. Ela não estava apontada para mim, mas eu sentia que, se fizesse qualquer movimento, ela me machucaria. – Mas você não é tão atenta aos detalhes. Sabia que a Vineyard tem rastreador de pesquisas? Você tem que tomar mais cuidado com o que pesquisa, senhorita . Venho a observando desde que chegou aqui. Você que nunca percebeu.
O sotaque nem estava mais lá. Aquela mulher era completamente falsa em tudo o que fazia. Era inacreditável.
Por um momento, olhei para o em coma e depois para o fantasma.
Tudo bem. Era ela por trás de tudo, afinal.
estava certo.
– O que fez com ele? – perguntei em um sussurro. Ainda estava apavorada e precisava saber o que estava acontecendo.
– também era muito inteligente. Passei muito tempo em sua casa. Eu que o ensinei basicamente tudo que sabia. Vi-o crescer e participei de toda sua vida.
– E mesmo assim tentou matá-lo – completei, mas ela não pareceu muito feliz com isso, fazendo o que eu mais temia: apontar a arma para mim. Tentei ficar mais próxima ainda da parede, como se, de algum modo, isso pudesse me proteger.
– Mas era muita concorrência o filho do patrão ter que ficar com uma herança como a Vineyard, não acha? Então tive que fingir que simpatizava com a família. Chegou a um ponto em que eu era quase um membro da família , porém ainda sabia que não teria o que queria enquanto ele estivesse vivo. Planejei o sequestro e ocorreu tudo bem, porém nos envolvemos em um acidente naquela noite. não acordou depois que o carro capotou, então achei que o coma fosse punição suficiente.
A diretora do colégio e babá de estava confessando um crime e eu não tinha como fazer nada. Aquilo era horrível e a sensação de impotência pior ainda.
Aquela mulher tinha algum problema, definitivamente. Era como se não tivesse compaixão alguma em suas palavras e aquilo me assustava muito. Sabia que a falta de empatia por era a mesma que sentia por todos. Talvez por isso tivesse aquela indiferença pelos alunos da escola.
Eu não sabia o que falar. Estava completamente aterrorizada.
– , eu posso fazer alguma coisa, né? – falou ao meu lado. – Ela não pode me ver.
Mas eu não podia falar nada porque tinha medo de que qualquer movimento atraísse a atenção da diretora e ela fizesse algo contra mim. Assenti levemente com a cabeça para que percebesse que precisava da sua ajuda. Não sabia o que fazer e ele era minha única esperança ali.
– Suponho que agora irá me matar – concluí, olhando-a.
Não respondeu. Apenas levantou a arma.
Eu nunca havia chegado tão perto da morte. Alguns acidentes em que já me envolvi não chegavam nem perto de estar na frente daquela arma sem ter para onde correr. Estava quase me fundindo com a parede de tanto que me encostava nela, assim como tinha que me lembrar de piscar sempre, porque já estava tão assustada que nem conseguia mais fazer nada.
– Você não me deixa escolha, .
Queria responder, mas, antes que abrisse a boca para falar qualquer coisa, um som estridente, que fez meu coração gelar, soou ao longe e depois de um tempo começou a ficar mais alto.
Era uma sirene muito alta. Olhei instantaneamente para a janela e a diretora, que já estava muito irritada, fez o mesmo. Por instinto, tentei me mover, mas a mulher seguiu meus passos. Eu sabia que era a polícia. Não tinha como ser outra coisa, principalmente porque o som estagnou muito próximo de nós e alguns barulhos aconteceram em seguida.
No momento seguinte, foi uma confusão de acontecimentos ao mesmo tempo que eu não consegui processar completamente. Primeiramente, algum dos policiais comentou alguma coisa sobre a casa estar cercada e que deveríamos sair, porém isso apenas deixou a diretora mais irritada e foi como um estalo para ela se aproximar mais de mim. Logo após esse momento, jogou uma das prateleiras em cima do corpo dela.
Meus olhos foram no fantasma que sussurrou um “não tive escolha. Ela iria machucar você”. O problema era que aquilo aconteceu rápido demais e, apesar do peso do móvel, ela ainda estava consciente.
Pensei em correr e até fiz o movimento até a porta, mas foi nesse momento que senti algo no meu corpo. Logo em seguida, eu estava no chão com uma dor absurda. Ela havia atirado em mim.
Capítulo 19
Era difícil raciocinar com tudo o que havia acontecido. O tiro foi de raspão no meu ombro e eu estava bem.
A polícia chegou na hora, mas não foi uma coincidência. Quando Amy acordou naquela manhã e percebeu que eu não estava presente, mesmo com todos os meus pertences no quarto, ela ficou preocupada. Todos me procuraram pelo campus por horas e, quando não me encontraram, perceberam que havia algo errado. A diretora não havia apagado as imagens de vídeo daquele dia ainda, então foi questão de tempo para a segurança do colégio mandar uma viatura atrás dela e de mim. Por um descuido dela, eu estava viva. Felizmente, um dos primeiros lugares que a polícia procurou foi a casa da diretora, encontrando também, dando início aos esclarecimentos daquela história toda.
Os pais de pegaram o primeiro avião para a Califórnia. Sua mãe, Katherine, me agradeceu tanto que fiquei até sem graça. Entre os agradecimentos, suspendeu a minha expulsão e pediu desculpas em nome do colégio por toda a humilhação e descaso que a ex-diretora fez comigo e com os alunos da Vineyard.
Olga Ivanov era um ponto importante. Ela era mentalmente desequilibrada de verdade. Com um transtorno de bipolaridade diagnosticado na sua infância, as mudanças de humor não eram percebidas pela família . Os pais de eram muito ausentes e, talvez por ser muito jovem, ele nunca percebeu traços muito diferentes no comportamento dela.
Depois da tentativa de sequestro e assassinato, tive que ir à delegacia algumas vezes para depor e ajudar nas investigações. No final das contas, a ex-diretora foi internada em uma clínica de reabilitação bem longe de Sonoma por estar instável demais para responder por si. Eu torci para que nunca mais a visse novamente.
Talvez a maior das minhas surpresas foi receber a visita do meu pai. No dia seguinte àquela confusão, ele pegou o primeiro avião para a Califórnia. Entendia sua apreensão, mas naquele momento eu estava mais aliviada do que amedrontada. Demorou um tempo para que meu pai percebesse que eu estava bem, principalmente depois de tudo que passei nos últimos tempos. Insistiu muito para que eu voltasse à Nova York, mas eu não queria deixar meus amigos e, após uma conversa com a psicóloga, ela concluiu que não seria saudável eu passar por uma mudança novamente.
Meus amigos me salvaram, literalmente. Eu nem sabia o que poderia ter acontecido comigo se não fosse por eles. Além disso, aquilo tudo acabou com qualquer chance de outras pessoas sofrerem nas mãos da ex-diretora.
não acordou. Seria ótimo se isso acontecesse, mas ele permaneceria no hospital até que saísse do coma. O fantasma continuava comigo, em todos os sentidos. Depois que tudo se resolveu, ele estava muito mais alegre, andava comigo pelo campus, estava presente quando me encontrava com os meus amigos e, vez ou outra, me roubava alguns beijos quando Amy não estava no quarto. Não vou mentir, eu adorava.
Eu também estava muito feliz. Era bom saber que estava vivo e que o mistério estava resolvido. Em uma das sessões com a psicóloga, ela comentou: “você está muito bem para quem passou por tanta coisa. Você é muito forte, ”.
A única coisa que fazia com que eu duvidasse da minha felicidade era o em coma. Os médicos não davam notícias novas, sempre diziam que ele estava estável. Às vezes, eu tinha medo e sonhava que não acordava. Uma vez acordei, no meio da madrugada, muito assustada e veio me abraçar, dizendo que estava tudo bem. Ele sempre conseguia me acalmar.
Eu não era a única que estava bem. Meus amigos também estavam: Amy e estavam oficialmente namorando e eu estava muito feliz por eles. , com a ajuda de Amy, havia melhorado muito nos estudos, além de ter melhorado no futebol. Agora era um dos jogadores titulares do time. Depois de todo seu esforço, aquilo era maravilhoso. Já Amy estava radiante e plena, em uma calmaria que nunca pensei que veria, principalmente quando as provas finais se aproximaram. Acho que finalmente ela ouviu nossos conselhos e relaxou um pouco. Era bom porque ela aproveitava muito mais quando estávamos todos juntos.
O casal e Alison foi um assunto complicado. Levou um tempo para ele conseguir terminar com Taylor. já gostava muito de Ali e era difícil terminar um namoro tão longo porque começou a gostar de outra pessoa. Nesse meio tempo, Alison ficou tão triste que me deu pena. Ela nunca havia gostado de alguém de verdade e eu entendia como era difícil lidar com esse sentimento novo porque me lembrava de tudo que passei com . Depois de uma conversa sincera com Taylor, o namoro acabou mais tranquilo do que eu imaginava. Nos dias seguintes, foi muito engraçado ver Alison nervosa com o primeiro encontro dos dois. Assim como e Amy, eles não escondiam mais o que sentiam um pelo outro.
As notas de também melhoraram, além de ter ficado mais responsável com os trabalhos, o que era quase inacreditável.
estava bem. Já havia superado Amy. Ele e estavam ainda melhor no futebol, se isso fosse possível. Era difícil escolher quem seria o melhor capitão. Talvez os dois juntos fosse a melhor opção.
Dani estrelou sua primeira protagonista no teatro e estávamos muito felizes por ela. Sabíamos que gostava das Artes e era muito bom vê-la realizada. e Christina estavam bem, como sempre. Chris havia se encontrado fazendo os figurinos do clube do teatro e era muito legal vê-la gostando do que fazia. Já continuava a melhor pessoa que eu conhecia. Era muito bom observar os dois porque eu sentia, de alguma forma, que nada havia mudado.
Os meses se passaram tão rápido. Quando me dei conta, o time de futebol havia ganhado o último jogo, as provas e trabalhos finais se encerraram e já estávamos envolvidos pelo clima das férias de verão.
– O que você está fazendo aí? – me cutucou.
Estava quente naquele dia e estávamos comendo do lado de fora. Meus amigos estavam espalhados pelo campus e eu conseguia ter a visão de todos, como Amy conversando com Chris e Dani, com alguns jogadores, incluindo , e Alison. Só naquele momento percebi o quão afastada estava deles.
– Nada demais – sorri quando o vi se sentando ao meu lado.
– Pensando nas férias? – levantou as sobrancelhas e eu ri de sua expressão.
Agora que minha relação com meu pai havia melhorado, eu não tinha mais receio de voltar para Nova York nas férias. Na verdade, eu até sentia falta.
– É, acho que preciso de um descanso depois dessas provas.
– Todos nós precisamos, eu acho – concluiu, olhando para nossos amigos, assim como eu. – Acho que é a primeira vez que eu quero voltar para casa nas férias.
– Por quê? – perguntei surpresa, porque aquele era um assunto que nunca havíamos conversado.
– Eu nunca gostei muito de Nashville, não sei bem por quê. Talvez porque não tenha muitos amigos lá. Você sabe que meu pai casou de novo há alguns anos atrás. Eu tenho minha irmãzinha, mas eu prefiro ficar aqui.
– Agora você tem Amy para lhe fazer companhia. Vai sobreviver ao verão sem mim. Tenho certeza – empurrei-o de leve pelo ombro.
– Você tem razão – agora eu sabia para quem ele olhava diretamente no campus. – Espero que sobreviva sem mim também – dito isso, deu-me um abraço de lado. – Acho que tem alguém querendo falar com você.
Olhei para a direção que olhava e Katy andava tranquilamente pelo campus em nossa direção. Para ser sincera, fazia meses que eu não causava nenhum problema, então não fazia ideia do que ela queria comigo.
– Oi, gente – ela sorriu e, por esse motivo, eu soube que não havia alguma notícia ruim. Respondemos com um “olá” em conjunto. – Preciso que venha comigo, .
– O que houve?
– Não aconteceu nada de ruim – riu da minha preocupação. – acordou, .
Nunca pensei em qual seria minha reação quando me contassem essa notícia. Por isso não consegui falar nada quando ela soltou aquela frase.
Por meses, imaginei como seria nossa vida juntos, mas por muito tempo fora eu e o Fantasma que, apesar de ser meu namorado, ninguém sabia dele, tampouco que estávamos juntos. E eu me acostumei com isso.
Fiquei alguns minutos embasbacada depois que Katy me deu a notícia e só naquele momento percebi que não via desde a noite passada, quando, pela primeira vez, deixei que se deitasse ao meu lado na cama.
– Você está muito cansada hoje, né? – perguntou , mesmo que já soubesse a resposta, porém eu estava sonolenta demais para dizer alguma coisa. Concentrava-me apenas no carinho que fazia na minha cabeça. Não sei quando aquilo começou, mas amava receber carinho dele.
Amy dormia pesadamente na cama ao lado. Havia perdido as contas de quantas vezes aquilo acontecera.
Após alguns minutos, retirou a mão dos meus cabelos. Resmunguei de imediato. Não queria que se afastasse de mim nunca mais.
– Não! – agarrei sua cintura antes que pudesse se levantar. Ele me olhou curioso, até porque eu nunca havia feito aquilo antes. – Fique.
Ele não disse nada. Apenas se deitou ao meu lado depois que dei espaço para que fizesse isso. Sua mão foi para meus cabelos outra vez e eu dormi ali, ao lado dele, sentindo-me extremamente grata por estarmos juntos.
– Acho melhor você dizer alguma coisa, – chamou minha atenção, trazendo-me de volta.
– Quando ele acordou? – eu olhei para ele e depois para Katy.
– Essa manhã. Bem, a família dele está no hospital. Pediram-me para avisá-la. Eles querem que você faça uma visita.
– Eu? Hoje? – perguntei nervosa e Katy apenas assentiu.
– , você salvou a vida do cara. Tenho certeza de que ele quer conhecê-la – meu amigo tentou me encorajar.
A verdade é que, além de tudo, eu tinha medo de não se lembrar de mim. Sabia que a probabilidade de aquilo acontecer era gigantesca. Apesar de estar muito feliz em saber que ele acordara, não conseguia parar de pensar em como ficaríamos.
– Os s lhe deram autorização para sair e falaram com seu pai.
– Caramba, eles querem tanto assim que eu veja ? – realmente estava surpresa com aquilo. Sabia que seus pais estavam gratos, porém não esperava que quisessem tanto minha visita no hospital.
– Nós podemos ir com você, – falou sorrindo e Katy pigarreou.
– Não é tão simples assim sair da Vineyard, . E não é assim que funcionam os horários de visita do hospital.
Despedi-me do meu amigo que suspirou frustrado por não poder ir comigo e Katy me levou em direção à saída do colégio.
O Sonoma Valley Hospital era grande, mas não tão movimentado. A cidade não era tão grande para ter tanta gente lá dentro. As paredes eram em um tom bege e os corredores, compridos. Era arejado e havia um lugar na parte de fora muito bonito. Tudo era bem calmo, talvez porque não houvesse tanta gente na cidade.
Os pais de estavam a alguns metros de mim. Pude ver o sorriso e um pequeno aceno de ambos em minha direção.
– , que bom ver você! – a senhora me abraçou e eu sorri para ela.
– Que bom que veio, querida – o pai de me abraçou também e fiquei muito feliz com a alegria deles.
– Senhor e senhora , fiquei muito feliz com o convite.
– Não precisa dessa formalidade, querida. Somos Katherine e Jack para você – disse com um sorriso sincero no rosto.
– Tudo bem.
– está muito ansioso para conhecê-la. Perguntou muito sobre você hoje.
– Você tinha que ver quando falamos sobre você, . Ele não parou de dizer que queria muito conhecer a garota que salvou a vida dele – seu pai riu ao contar.
Conhecer. Conhecer. Conhecer. Eu odiava aquela palavra a partir daquele dia. Não queria que me conhecesse. Queria que lembrasse de mim.
Tentei não transparecer minha tristeza após ter aqueles pensamentos, mesmo que meu coração tivesse disparado em nervosismo quando Katherine soltou um “vamos entrar?”, segurando a maçaneta.
A porta se abriu lentamente, revelando uma cama e vários objetos de hospital. Em cima da cama, estava . Ele não me viu de primeira e eu senti uma vontade extrema de chorar quando seu rosto se virou em minha direção.
– Filho, esta é .
Já estávamos todos muito próximos da cama.
estava o mesmo, talvez um pouquinho mais velho, mas parecia muito mais saudável. Seus lábios se abriram em um sorriso e eu quis me afundar bem ali. Eu continuava apaixonada por um cara que nem se lembrava de mim.
– Olá.
Tudo bem, ele não se lembrava mesmo. Acho que bem lá no fundo eu sentia esperança. Por isso meu pequeno sorriso murchou completamente.
– Oi, . Fico feliz que esteja bem – minha voz estava muito baixa. Talvez fosse por causa do nervosismo ou da decepção, não sabia dizer ao certo.
– Ele está muito bem mesmo. Tenho certeza de que vai sair do hospital logo – sua mãe estava muito feliz e meu coração se encheu de felicidade naquele momento. Apesar de sentir falta de tudo que vivi com , também estava feliz pelo alívio que seus familiares e amigos provavelmente estavam sentindo.
– Pois é. Ele é muito forte – seu pai falou e ficou um pouco sem jeito. Nunca o vi ficar daquele jeito. Era bonitinho.
Caramba, eu tinha que tomar cuidado para não olhá-lo como uma idiota apaixonada. O garoto havia acabado de me conhecer.
– Pode ser, mas também tive ajuda – cravou os olhos em mim e senti minhas bochechas esquentarem. – Tinha que lhe agradecer pessoalmente. Muito obrigado, .
– De nada! – mil vezes mais envergonhada ao ver seu sorriso aumentar e depois soltar a frase:
– Posso lhe dar um abraço?
Bem, ali estava a cara de pau que eu bem conhecia. Era diferente, mas ainda o mesmo. Era muito complicado de explicar. Sussurrei um “claro” antes de dar alguns passos à frente.
Não vou mentir. Estava sedenta por qualquer contato que pudesse ter com ele, então jamais negaria aquele pedido.
O Fantasma não tinha batimentos cardíacos, pele quente, diferente do vivo.
Por um momento, esqueci que não estávamos sozinhos. Era novo, diferente e muito bom. Tinha de certeza que ele podia ouvir os batimentos descontrolados do meu coração e pensei, por um momento, em segurar nos seus cabelos enquanto ele me abraçava, assim como costumava fazer, mas lembrei que não tínhamos intimidade para isso. Não mais.
Era maravilhoso sentir a respiração de , assim como seu coração que estava bem mais controlado que o meu.
O abraço pareceu uma eternidade, mas durou apenas alguns segundos. Antes que eu pudesse me desvencilhar de seus braços, ele afagou um pouco o rosto no meu ombro e sussurrou no meu ouvido:
– Eu me lembro, .
A polícia chegou na hora, mas não foi uma coincidência. Quando Amy acordou naquela manhã e percebeu que eu não estava presente, mesmo com todos os meus pertences no quarto, ela ficou preocupada. Todos me procuraram pelo campus por horas e, quando não me encontraram, perceberam que havia algo errado. A diretora não havia apagado as imagens de vídeo daquele dia ainda, então foi questão de tempo para a segurança do colégio mandar uma viatura atrás dela e de mim. Por um descuido dela, eu estava viva. Felizmente, um dos primeiros lugares que a polícia procurou foi a casa da diretora, encontrando também, dando início aos esclarecimentos daquela história toda.
Os pais de pegaram o primeiro avião para a Califórnia. Sua mãe, Katherine, me agradeceu tanto que fiquei até sem graça. Entre os agradecimentos, suspendeu a minha expulsão e pediu desculpas em nome do colégio por toda a humilhação e descaso que a ex-diretora fez comigo e com os alunos da Vineyard.
Olga Ivanov era um ponto importante. Ela era mentalmente desequilibrada de verdade. Com um transtorno de bipolaridade diagnosticado na sua infância, as mudanças de humor não eram percebidas pela família . Os pais de eram muito ausentes e, talvez por ser muito jovem, ele nunca percebeu traços muito diferentes no comportamento dela.
Depois da tentativa de sequestro e assassinato, tive que ir à delegacia algumas vezes para depor e ajudar nas investigações. No final das contas, a ex-diretora foi internada em uma clínica de reabilitação bem longe de Sonoma por estar instável demais para responder por si. Eu torci para que nunca mais a visse novamente.
Talvez a maior das minhas surpresas foi receber a visita do meu pai. No dia seguinte àquela confusão, ele pegou o primeiro avião para a Califórnia. Entendia sua apreensão, mas naquele momento eu estava mais aliviada do que amedrontada. Demorou um tempo para que meu pai percebesse que eu estava bem, principalmente depois de tudo que passei nos últimos tempos. Insistiu muito para que eu voltasse à Nova York, mas eu não queria deixar meus amigos e, após uma conversa com a psicóloga, ela concluiu que não seria saudável eu passar por uma mudança novamente.
Meus amigos me salvaram, literalmente. Eu nem sabia o que poderia ter acontecido comigo se não fosse por eles. Além disso, aquilo tudo acabou com qualquer chance de outras pessoas sofrerem nas mãos da ex-diretora.
não acordou. Seria ótimo se isso acontecesse, mas ele permaneceria no hospital até que saísse do coma. O fantasma continuava comigo, em todos os sentidos. Depois que tudo se resolveu, ele estava muito mais alegre, andava comigo pelo campus, estava presente quando me encontrava com os meus amigos e, vez ou outra, me roubava alguns beijos quando Amy não estava no quarto. Não vou mentir, eu adorava.
Eu também estava muito feliz. Era bom saber que estava vivo e que o mistério estava resolvido. Em uma das sessões com a psicóloga, ela comentou: “você está muito bem para quem passou por tanta coisa. Você é muito forte, ”.
A única coisa que fazia com que eu duvidasse da minha felicidade era o em coma. Os médicos não davam notícias novas, sempre diziam que ele estava estável. Às vezes, eu tinha medo e sonhava que não acordava. Uma vez acordei, no meio da madrugada, muito assustada e veio me abraçar, dizendo que estava tudo bem. Ele sempre conseguia me acalmar.
Eu não era a única que estava bem. Meus amigos também estavam: Amy e estavam oficialmente namorando e eu estava muito feliz por eles. , com a ajuda de Amy, havia melhorado muito nos estudos, além de ter melhorado no futebol. Agora era um dos jogadores titulares do time. Depois de todo seu esforço, aquilo era maravilhoso. Já Amy estava radiante e plena, em uma calmaria que nunca pensei que veria, principalmente quando as provas finais se aproximaram. Acho que finalmente ela ouviu nossos conselhos e relaxou um pouco. Era bom porque ela aproveitava muito mais quando estávamos todos juntos.
O casal e Alison foi um assunto complicado. Levou um tempo para ele conseguir terminar com Taylor. já gostava muito de Ali e era difícil terminar um namoro tão longo porque começou a gostar de outra pessoa. Nesse meio tempo, Alison ficou tão triste que me deu pena. Ela nunca havia gostado de alguém de verdade e eu entendia como era difícil lidar com esse sentimento novo porque me lembrava de tudo que passei com . Depois de uma conversa sincera com Taylor, o namoro acabou mais tranquilo do que eu imaginava. Nos dias seguintes, foi muito engraçado ver Alison nervosa com o primeiro encontro dos dois. Assim como e Amy, eles não escondiam mais o que sentiam um pelo outro.
As notas de também melhoraram, além de ter ficado mais responsável com os trabalhos, o que era quase inacreditável.
estava bem. Já havia superado Amy. Ele e estavam ainda melhor no futebol, se isso fosse possível. Era difícil escolher quem seria o melhor capitão. Talvez os dois juntos fosse a melhor opção.
Dani estrelou sua primeira protagonista no teatro e estávamos muito felizes por ela. Sabíamos que gostava das Artes e era muito bom vê-la realizada. e Christina estavam bem, como sempre. Chris havia se encontrado fazendo os figurinos do clube do teatro e era muito legal vê-la gostando do que fazia. Já continuava a melhor pessoa que eu conhecia. Era muito bom observar os dois porque eu sentia, de alguma forma, que nada havia mudado.
Os meses se passaram tão rápido. Quando me dei conta, o time de futebol havia ganhado o último jogo, as provas e trabalhos finais se encerraram e já estávamos envolvidos pelo clima das férias de verão.
– O que você está fazendo aí? – me cutucou.
Estava quente naquele dia e estávamos comendo do lado de fora. Meus amigos estavam espalhados pelo campus e eu conseguia ter a visão de todos, como Amy conversando com Chris e Dani, com alguns jogadores, incluindo , e Alison. Só naquele momento percebi o quão afastada estava deles.
– Nada demais – sorri quando o vi se sentando ao meu lado.
– Pensando nas férias? – levantou as sobrancelhas e eu ri de sua expressão.
Agora que minha relação com meu pai havia melhorado, eu não tinha mais receio de voltar para Nova York nas férias. Na verdade, eu até sentia falta.
– É, acho que preciso de um descanso depois dessas provas.
– Todos nós precisamos, eu acho – concluiu, olhando para nossos amigos, assim como eu. – Acho que é a primeira vez que eu quero voltar para casa nas férias.
– Por quê? – perguntei surpresa, porque aquele era um assunto que nunca havíamos conversado.
– Eu nunca gostei muito de Nashville, não sei bem por quê. Talvez porque não tenha muitos amigos lá. Você sabe que meu pai casou de novo há alguns anos atrás. Eu tenho minha irmãzinha, mas eu prefiro ficar aqui.
– Agora você tem Amy para lhe fazer companhia. Vai sobreviver ao verão sem mim. Tenho certeza – empurrei-o de leve pelo ombro.
– Você tem razão – agora eu sabia para quem ele olhava diretamente no campus. – Espero que sobreviva sem mim também – dito isso, deu-me um abraço de lado. – Acho que tem alguém querendo falar com você.
Olhei para a direção que olhava e Katy andava tranquilamente pelo campus em nossa direção. Para ser sincera, fazia meses que eu não causava nenhum problema, então não fazia ideia do que ela queria comigo.
– Oi, gente – ela sorriu e, por esse motivo, eu soube que não havia alguma notícia ruim. Respondemos com um “olá” em conjunto. – Preciso que venha comigo, .
– O que houve?
– Não aconteceu nada de ruim – riu da minha preocupação. – acordou, .
Nunca pensei em qual seria minha reação quando me contassem essa notícia. Por isso não consegui falar nada quando ela soltou aquela frase.
Por meses, imaginei como seria nossa vida juntos, mas por muito tempo fora eu e o Fantasma que, apesar de ser meu namorado, ninguém sabia dele, tampouco que estávamos juntos. E eu me acostumei com isso.
Fiquei alguns minutos embasbacada depois que Katy me deu a notícia e só naquele momento percebi que não via desde a noite passada, quando, pela primeira vez, deixei que se deitasse ao meu lado na cama.
– Você está muito cansada hoje, né? – perguntou , mesmo que já soubesse a resposta, porém eu estava sonolenta demais para dizer alguma coisa. Concentrava-me apenas no carinho que fazia na minha cabeça. Não sei quando aquilo começou, mas amava receber carinho dele.
Amy dormia pesadamente na cama ao lado. Havia perdido as contas de quantas vezes aquilo acontecera.
Após alguns minutos, retirou a mão dos meus cabelos. Resmunguei de imediato. Não queria que se afastasse de mim nunca mais.
– Não! – agarrei sua cintura antes que pudesse se levantar. Ele me olhou curioso, até porque eu nunca havia feito aquilo antes. – Fique.
Ele não disse nada. Apenas se deitou ao meu lado depois que dei espaço para que fizesse isso. Sua mão foi para meus cabelos outra vez e eu dormi ali, ao lado dele, sentindo-me extremamente grata por estarmos juntos.
– Acho melhor você dizer alguma coisa, – chamou minha atenção, trazendo-me de volta.
– Quando ele acordou? – eu olhei para ele e depois para Katy.
– Essa manhã. Bem, a família dele está no hospital. Pediram-me para avisá-la. Eles querem que você faça uma visita.
– Eu? Hoje? – perguntei nervosa e Katy apenas assentiu.
– , você salvou a vida do cara. Tenho certeza de que ele quer conhecê-la – meu amigo tentou me encorajar.
A verdade é que, além de tudo, eu tinha medo de não se lembrar de mim. Sabia que a probabilidade de aquilo acontecer era gigantesca. Apesar de estar muito feliz em saber que ele acordara, não conseguia parar de pensar em como ficaríamos.
– Os s lhe deram autorização para sair e falaram com seu pai.
– Caramba, eles querem tanto assim que eu veja ? – realmente estava surpresa com aquilo. Sabia que seus pais estavam gratos, porém não esperava que quisessem tanto minha visita no hospital.
– Nós podemos ir com você, – falou sorrindo e Katy pigarreou.
– Não é tão simples assim sair da Vineyard, . E não é assim que funcionam os horários de visita do hospital.
Despedi-me do meu amigo que suspirou frustrado por não poder ir comigo e Katy me levou em direção à saída do colégio.
O Sonoma Valley Hospital era grande, mas não tão movimentado. A cidade não era tão grande para ter tanta gente lá dentro. As paredes eram em um tom bege e os corredores, compridos. Era arejado e havia um lugar na parte de fora muito bonito. Tudo era bem calmo, talvez porque não houvesse tanta gente na cidade.
Os pais de estavam a alguns metros de mim. Pude ver o sorriso e um pequeno aceno de ambos em minha direção.
– , que bom ver você! – a senhora me abraçou e eu sorri para ela.
– Que bom que veio, querida – o pai de me abraçou também e fiquei muito feliz com a alegria deles.
– Senhor e senhora , fiquei muito feliz com o convite.
– Não precisa dessa formalidade, querida. Somos Katherine e Jack para você – disse com um sorriso sincero no rosto.
– Tudo bem.
– está muito ansioso para conhecê-la. Perguntou muito sobre você hoje.
– Você tinha que ver quando falamos sobre você, . Ele não parou de dizer que queria muito conhecer a garota que salvou a vida dele – seu pai riu ao contar.
Conhecer. Conhecer. Conhecer. Eu odiava aquela palavra a partir daquele dia. Não queria que me conhecesse. Queria que lembrasse de mim.
Tentei não transparecer minha tristeza após ter aqueles pensamentos, mesmo que meu coração tivesse disparado em nervosismo quando Katherine soltou um “vamos entrar?”, segurando a maçaneta.
A porta se abriu lentamente, revelando uma cama e vários objetos de hospital. Em cima da cama, estava . Ele não me viu de primeira e eu senti uma vontade extrema de chorar quando seu rosto se virou em minha direção.
– Filho, esta é .
Já estávamos todos muito próximos da cama.
estava o mesmo, talvez um pouquinho mais velho, mas parecia muito mais saudável. Seus lábios se abriram em um sorriso e eu quis me afundar bem ali. Eu continuava apaixonada por um cara que nem se lembrava de mim.
– Olá.
Tudo bem, ele não se lembrava mesmo. Acho que bem lá no fundo eu sentia esperança. Por isso meu pequeno sorriso murchou completamente.
– Oi, . Fico feliz que esteja bem – minha voz estava muito baixa. Talvez fosse por causa do nervosismo ou da decepção, não sabia dizer ao certo.
– Ele está muito bem mesmo. Tenho certeza de que vai sair do hospital logo – sua mãe estava muito feliz e meu coração se encheu de felicidade naquele momento. Apesar de sentir falta de tudo que vivi com , também estava feliz pelo alívio que seus familiares e amigos provavelmente estavam sentindo.
– Pois é. Ele é muito forte – seu pai falou e ficou um pouco sem jeito. Nunca o vi ficar daquele jeito. Era bonitinho.
Caramba, eu tinha que tomar cuidado para não olhá-lo como uma idiota apaixonada. O garoto havia acabado de me conhecer.
– Pode ser, mas também tive ajuda – cravou os olhos em mim e senti minhas bochechas esquentarem. – Tinha que lhe agradecer pessoalmente. Muito obrigado, .
– De nada! – mil vezes mais envergonhada ao ver seu sorriso aumentar e depois soltar a frase:
– Posso lhe dar um abraço?
Bem, ali estava a cara de pau que eu bem conhecia. Era diferente, mas ainda o mesmo. Era muito complicado de explicar. Sussurrei um “claro” antes de dar alguns passos à frente.
Não vou mentir. Estava sedenta por qualquer contato que pudesse ter com ele, então jamais negaria aquele pedido.
O Fantasma não tinha batimentos cardíacos, pele quente, diferente do vivo.
Por um momento, esqueci que não estávamos sozinhos. Era novo, diferente e muito bom. Tinha de certeza que ele podia ouvir os batimentos descontrolados do meu coração e pensei, por um momento, em segurar nos seus cabelos enquanto ele me abraçava, assim como costumava fazer, mas lembrei que não tínhamos intimidade para isso. Não mais.
Era maravilhoso sentir a respiração de , assim como seu coração que estava bem mais controlado que o meu.
O abraço pareceu uma eternidade, mas durou apenas alguns segundos. Antes que eu pudesse me desvencilhar de seus braços, ele afagou um pouco o rosto no meu ombro e sussurrou no meu ouvido:
– Eu me lembro, .
Epílogo
Um ano depois
Quando eu era criança, achava que meu futuro estava fadado à solidão. Eu não me refiro à parte amorosa, mas, levando em conta a falta de proximidade com meus familiares e a quantidade limitada de amigos que eu tinha – para não dizer nenhum –, constantemente pensava que provavelmente morreria sozinha. Agora, anos depois, com todas as reviravoltas que meus anos do ensino médio tiveram, podia dizer que eu estava tudo, menos sozinha. Alguns anos se passaram desde que entrei na Vineyard e, para não parecer dramática, meu futuro mudou completamente. Pensando em tudo que havia acontecido, mesmo com tantos percalços, eu podia dizer que tudo estava bem e estável agora.
A relação com a minha família nunca esteve melhor. Meu pai estava bem, meus avós também, assim como meus primos. A família estava mais unida agora. Eu aprendi demais com aquela frase de que tragédia une as pessoas. Os dias, meses e anos depois da morte da minha mãe foram essenciais para essa união. Nunca pensei que chegaríamos a esse ponto, mas, com o tempo, meu pai havia se tornado meu amigo. E estava tudo bem.
Eu havia recebido uma carta da universidade. Foi uma surpresa para mim também. Minhas notas não eram maravilhosas, mas acabei recebendo bolsa integral da NYU para estudar Fotografia. A melhor parte foi que também recebeu uma bolsa de Jornalismo lá. No último ano da escola, começou a escrever alguns textos para Amy no jornal da escola e isso chamou a atenção de algumas pessoas da universidade. amadureceu muito ao longo dos anos e eu estava tão orgulhosa.
Meus outros amigos receberam cartas de universidades espalhadas pelo país. Acho que essa era a parte mais complicada. A internet iria facilitar as coisas e sempre iríamos poder conversar, mas só de pensar na distância que enfrentaríamos me deixava triste. Amy conseguiu a bolsa para Harvard, não que tenha sido uma surpresa para alguém, para Engenharia Civil. e Liam ganharam bolsa de atleta na Universidade do Novo México e Dani estudava Artes Visuais na mesma universidade. Alison, Christina e estavam na UCLA. Ali, Psicologia; Chris, Moda e havia ganhado uma bolsa de atleta, mesmo que no final estivesse em dúvida sobre Engenharia da Computação.
Era difícil manter amizade quando a escola acaba, principalmente com tantos afazeres e pouco tempo, mas eu me sentia muito grata em tê-los comigo mesmo que à distância. Eles se tornaram parte de mim e eram como uma família agora. Eram as pessoas que eu mais torcia para serem felizes e eles estavam. Era muito importante para mim vê-los tão realizados.
O ano da formatura foi uma loucura. A Vineyard não tinha aquelas formaturas convencionais porque muitos alunos se sentiam muito incomodados com aquela formalidade toda. Christina arrastou todos nós para o comitê de organização dos eventos da Vineyard – era bom por um lado, porque via todos os meus amigos com mais frequência. O lado ruim era o estresse de organizar tudo. Sugeri que fizéssemos uma festa na fogueira depois que sugeriram a praia. Além disso, todos os alunos estavam com um casaco da faculdade que entrariam – obrigada, The O.C., pela ideia!
E, bem, você deve estar se perguntando quantos fantasmas eu encontrei enquanto morava aqui. Nenhum. Desde o episódio de , eu não encontrei mais nenhum deles. Nunca entendi o porquê, mas não questionei nem sentia falta. Esse foi um passo muito importante na minha melhora. Não me sentia mais deprimida. Na verdade, eu me sentia muito feliz.
Bem, você deve estar se perguntando também como estava minha relação com . Após meses de recuperação, ele teve que se mudar para a Inglaterra e agora tinha aulas em casa. Eu não culpava sua família por isso. Depois do desespero de quase tê-lo perdido, era compreensivo levá-lo para o mais longe possível. Passávamos o dia conversando por mensagens ou telefonemas e eu nem sei quanto tempo passávamos separados, mas acabamos nos acostumando. Era tão cotidiano que todos os meus amigos também desenvolveram uma intimidade com . Ele e eram basicamente melhores amigos e eu nem sabia como isso havia acontecido. Era uma relação à distância na maior parte do tempo e a gente levava como dava. Eu e gostávamos de pensar que, depois de tudo que passamos, aquilo não era nada, e também não era para sempre. Tinha certeza de que um dia conseguiríamos viver juntos fisicamente.
estudava para entrar na faculdade porque tinha perdido dois anos de estudo, então eu torcia para que pudesse entrar em alguma faculdade próxima a Nova York e que seus pais permitissem isso. Conversávamos bastante sobre essa possibilidade. O que importava mesmo era que estávamos juntos há um ano e essas coisas nunca fizeram o relacionamento se desgastar. Nem a conversa que tivera com Lauren depois que acordou do coma. Na verdade, Lauren era muito legal. Conheci-a uns meses depois. me contou que ela e alguns amigos fizeram uma visita no hospital, levaram presentes e conversaram bastante. Todos os seus amigos já estavam na faculdade e me contou muitas histórias de quando saíam juntos na época da Vineyard. Todos ficaram muito felizes com a recuperação de .
O caminho até as praias de Carmel levava um pouco mais de duas horas. O ônibus balançava às vezes e os alunos faziam muita bagunça. Um dos meninos do time de futebol levou seu violão e cantamos músicas o caminho inteiro, acompanhadas de algumas risadas, e foi muito divertido. O tempo passou incrivelmente rápido e logo estávamos na praia.
A questão era que estávamos ali, na praia, rodeando uma fogueira e aproveitando os poucos dias que ainda tínhamos todos juntos. Era estranho pensar que não veria a maioria deles todos os dias. Deixava-me triste, mas também me trazia uma nostalgia ao pensar naqueles três anos em que muita coisa aconteceu.
– Eu ainda não acredito que teve permissão para acompanhar a nossa viagem – disse para , enquanto se aconchegava ao meu lado.
A areia não nos incomodava. Nossa roupa provavelmente estava toda suja. Os jovens que estavam lá não se importavam com isso. Aquele seria um dos nossos últimos momentos juntos como uma turma. Alguns grupos iriam se desfazer e cada um iria para o seu lado, então todos estavam mais focados em aproveitar até o último minuto juntos.
– Eu sou o dono da Vineyard, . É claro que teria permissão – disse após colocar o braço ao meu redor. Tive que olhá-lo com meu melhor olhar de desdém. Ele sorriu logo em seguida, dando-me um beijo na testa. – Tive que insistir para os meus pais, mas eles gostam tanto de você que foi fácil.
– Desculpe incomodar o casal, mas será que vocês podem vir aqui? – Chris apareceu e tirou minha atenção de . – Temos que tirar uma foto!
– Temos? – perguntei ao me levantar. Logo, o garoto ao meu lado havia se levantado também.
– Sim! Não temos nenhuma foto em grupo! – ela nos puxou para um lugar onde todos os outros estavam reunidos. – , podemos tirar com sua câmera? Pede para alguém tirar a foto.
– Tudo bem – peguei a câmera, enquanto meus amigos faziam as melhores poses para a foto. Ri das caras que e faziam.
Encontrei alguém parado perto de nós. Ele estava de costas conversando com outras pessoas da turma, então tive que chamar sua atenção. O garoto logo se virou para mim e sorriu antes de dizer:
– ! – parei por alguns segundos ao analisá-lo. Demorei um tempo para perceber quem era. Logo dei um sorrisinho e morri de vergonha por ter me esquecido dele, mais ainda por ter feito cara de interrogação.
– Oi, Andy. Quanto tempo, hein?
– Pois, é. Tenho a visto por aí, mas nunca mais nos falamos. Como você está?
– Ah... – disse, olhando para os meus amigos dessa vez. Estavam todos rindo e conversando, ainda na posição da foto. Eu sentia como se tivesse mudado tanto desde que entrei ali. Não sentia raiva ou algo do tipo por Andy. Olhei de volta para ele antes de responder. – Estou ótima. E você?
– Estou bem também. Consegui uma bolsa em Yale – comentou e olhei para seu moletom. Parecia genuinamente feliz. Fiquei feliz por ele também.
– Consegui uma em Nova York.
– Legal! Parece que nos saímos bem, então, né? – sorriu sem os dentes e reparei que estava sem óculos. Talvez por isso não tivesse o reconhecido de primeira.
– É, acho que sim. Escute, Andy, pode me ajudar? Precisamos de alguém para tirar uma foto nossa – perguntei, apontando para mim e o resto dos meus amigos.
– Sim, claro – pegou a câmera e voltei para o meu lugar, entre Amy e .
– Está tudo bem? – perguntou minha amiga.
– Sim, tudo ótimo – sorri.
Todos olharam para a câmera e tiramos várias sequências de fotos, até fazer alguma palhaçada e morremos de rir. As últimas fotos provavelmente saíram péssimas.
Andy foi embora e eu sabia que provavelmente nunca mais o veria. No resto da noite, a turma inteira interagiu e foi muito divertido.
Alison e Amy conversavam comigo. Não sabia há quantos minutos estávamos ali, apenas rindo de coisas banais, enquanto olhávamos para a fogueira. Em algum momento, Dani se aproximou e olhou para nós por alguns segundos, mas ficou muda.
– O que houve? – perguntei, vendo que não falaria nada.
– É que… Ahm – hesitou antes de falar. – O que vocês achariam se uma amiga de vocês pedisse para ficar com um ex de vocês?
Olhamos uma para a outra sem entender o que estava acontecendo.
– Não entendi muito bem. De quem está falando? – Ali perguntou. – É de alguma de nós?
– De mim não é. Não tenho ex – falei.
– Tecnicamente também não tenho – Alison disse logo em seguida.
Olhamos para Amy enquanto a ruiva levava o copo à boca.
– Não me importo se alguém da turma ficar com , Dani. Sério. Está tudo bem.
– E se for uma super amiga sua? – Dani insistiu e eu ainda não havia entendido nada.
– Eu não me importo, Dani, de verdade – sorriu, mas pareceu pensar por alguns segundos. – Por que você está tão preocupada com isso? Você sabe que não sou assim.
– É que… Bem, estávamos conversando sobre a faculdade e você sabe que vamos juntos e…
– Ok, a amiga é você – Ali falou e eu ri da expressão que Dani fez.
– Ah, por isso está tão nervosa? Dani, o que achou que eu iria lhe falar?
Era engraçado ver Dani tão vermelha e envergonhada. Após passar as mãos no rosto, disse:
– Não sei. Ele só me chamou para sair. Devo ir?
– Com certeza! é uma pessoa incrível e merece uma pessoa tão incrível quanto – Amy deu um abraço na outra.
– Achei que iria ser muito diferente disso, meu Deus.
– Está tudo bem.
Nunca havia pensado nos dois juntos, mas Amy tinha razão. Ambos eram pessoas incríveis. Talvez isso fosse o suficiente para darem certo.
– Acho que tem alguém querendo falar com você, – Ali comentou e, quando olhei para a praia, me olhava.
Andei em sua direção, enquanto seu sorriso aumentava a cada passo que eu dava. Sentamo-nos na areia da praia e seu braço veio ao meu ombro. Ficamos alguns minutos assim, apenas ouvindo o barulho das pessoas e as ondas do mar. Era tudo escuro, mas podíamos ver por causa da luz da fogueira e da lua. Conseguia sentir sua respiração ao meu lado e isso me fazia tão bem. Só eu e ele. Eu sentindo seu calor, sua pele, ouvindo sua respiração. Algumas vezes, ficávamos apenas assim e era bom, porque nenhum dos dois se sentia incomodado. Só curtíamos a presença um do outro.
Eu não conseguia dizer o quanto significava para mim. Quando me dei conta de que o amava, foi bem na época em que o salvei e, consequentemente, ele me salvou também. Salvou-me da tristeza e da solidão em que me sentia sem tê-lo comigo. E eu passei tanto tempo querendo e não podendo tê-lo que, quando tive a oportunidade, me senti a pessoa mais feliz do mundo.
era meu primeiro namorado, o primeiro por quem me apaixonei de verdade, o primeiro com quem eu tive todas as minhas primeiras experiências e uma das pessoas em que mais confiava na vida.
Meu coração batia tão forte e ele estava muito perto. Eu pensava em como eu era sortuda por ter o melhor homem possível ao meu lado.
Então ele selou os lábios nos meus e eu tinha certeza de que estava delirando. Começou lento com apenas um selinho. Ainda podia ver seus olhos abertos, dando um sorrisinho mínimo, até que encostei meu corpo ao seu e virei meu rosto para o lado, a fim de adentrar minha língua na sua boca, enquanto o ouvia suspirar e sentia suas mãos subirem pelo meu corpo. Eu dei um leve suspiro também. Minhas mãos agora estavam em seus cabelos e eu podia sentir suas mãos explorando algumas partes do meu corpo. Era um beijo de saudades.
Aos poucos, o beijo foi passando de inocente para um pouquinho sensual, sem passar dos limites. Era bom. Depois de alguns selinhos, cortei o beijo. Ele ainda estava com os olhos fechados e suas mãos, em meu corpo.
Provavelmente ainda sentia meus lábios nos seus. Eu também conseguia sentir.
Após dar um sorrisinho, disse:
– Sabe, estava pensando em umas coisas esses dias... Sobre a coisa toda da mediação. Depois que você me contou que não via nada há meses, fiquei pensando...
– Pensando em quê?
– Que talvez o motivo de você não ver mais fantasmas seja eu, sabe?
– Isso não é prepotência demais? – ri da cara ofendida que ele fez. – Quero dizer, o que o faz pensar isso?
– Você me disse uma vez que tinha uma missão para cumprir na Terra e que nunca havia descoberto o que era essa missão exatamente. E se, na verdade, você estivesse predestinada a me encontrar e essa fosse sua missão. Já pensou nisso? Não acha que temos algum tipo de conexão?
Jogou aquela informação toda em mim e eu olhei em sua direção. Nunca havia pensado naquilo, mas, bem, e se fosse? Não poderia ser. Não acreditava muito em destino. Olhei para o mar, depois para ele novamente.
– Eu não acredito nisso, – falei sincera.
Então ele riu. Riu de verdade e eu achei que estivesse zombando de mim. Queria ficar irritada com ele, mas percebi que não estava caçoando de mim, porque o que ele disse a seguir também me tirou algumas risadas. E talvez ele estivesse certo mesmo.
– Tudo bem, meu amor. Há algum tempo atrás eu não acreditava em fantasmas, mas acabei mudando de ideia.
Quando eu era criança, achava que meu futuro estava fadado à solidão. Eu não me refiro à parte amorosa, mas, levando em conta a falta de proximidade com meus familiares e a quantidade limitada de amigos que eu tinha – para não dizer nenhum –, constantemente pensava que provavelmente morreria sozinha. Agora, anos depois, com todas as reviravoltas que meus anos do ensino médio tiveram, podia dizer que eu estava tudo, menos sozinha. Alguns anos se passaram desde que entrei na Vineyard e, para não parecer dramática, meu futuro mudou completamente. Pensando em tudo que havia acontecido, mesmo com tantos percalços, eu podia dizer que tudo estava bem e estável agora.
A relação com a minha família nunca esteve melhor. Meu pai estava bem, meus avós também, assim como meus primos. A família estava mais unida agora. Eu aprendi demais com aquela frase de que tragédia une as pessoas. Os dias, meses e anos depois da morte da minha mãe foram essenciais para essa união. Nunca pensei que chegaríamos a esse ponto, mas, com o tempo, meu pai havia se tornado meu amigo. E estava tudo bem.
Eu havia recebido uma carta da universidade. Foi uma surpresa para mim também. Minhas notas não eram maravilhosas, mas acabei recebendo bolsa integral da NYU para estudar Fotografia. A melhor parte foi que também recebeu uma bolsa de Jornalismo lá. No último ano da escola, começou a escrever alguns textos para Amy no jornal da escola e isso chamou a atenção de algumas pessoas da universidade. amadureceu muito ao longo dos anos e eu estava tão orgulhosa.
Meus outros amigos receberam cartas de universidades espalhadas pelo país. Acho que essa era a parte mais complicada. A internet iria facilitar as coisas e sempre iríamos poder conversar, mas só de pensar na distância que enfrentaríamos me deixava triste. Amy conseguiu a bolsa para Harvard, não que tenha sido uma surpresa para alguém, para Engenharia Civil. e Liam ganharam bolsa de atleta na Universidade do Novo México e Dani estudava Artes Visuais na mesma universidade. Alison, Christina e estavam na UCLA. Ali, Psicologia; Chris, Moda e havia ganhado uma bolsa de atleta, mesmo que no final estivesse em dúvida sobre Engenharia da Computação.
Era difícil manter amizade quando a escola acaba, principalmente com tantos afazeres e pouco tempo, mas eu me sentia muito grata em tê-los comigo mesmo que à distância. Eles se tornaram parte de mim e eram como uma família agora. Eram as pessoas que eu mais torcia para serem felizes e eles estavam. Era muito importante para mim vê-los tão realizados.
O ano da formatura foi uma loucura. A Vineyard não tinha aquelas formaturas convencionais porque muitos alunos se sentiam muito incomodados com aquela formalidade toda. Christina arrastou todos nós para o comitê de organização dos eventos da Vineyard – era bom por um lado, porque via todos os meus amigos com mais frequência. O lado ruim era o estresse de organizar tudo. Sugeri que fizéssemos uma festa na fogueira depois que sugeriram a praia. Além disso, todos os alunos estavam com um casaco da faculdade que entrariam – obrigada, The O.C., pela ideia!
E, bem, você deve estar se perguntando quantos fantasmas eu encontrei enquanto morava aqui. Nenhum. Desde o episódio de , eu não encontrei mais nenhum deles. Nunca entendi o porquê, mas não questionei nem sentia falta. Esse foi um passo muito importante na minha melhora. Não me sentia mais deprimida. Na verdade, eu me sentia muito feliz.
Bem, você deve estar se perguntando também como estava minha relação com . Após meses de recuperação, ele teve que se mudar para a Inglaterra e agora tinha aulas em casa. Eu não culpava sua família por isso. Depois do desespero de quase tê-lo perdido, era compreensivo levá-lo para o mais longe possível. Passávamos o dia conversando por mensagens ou telefonemas e eu nem sei quanto tempo passávamos separados, mas acabamos nos acostumando. Era tão cotidiano que todos os meus amigos também desenvolveram uma intimidade com . Ele e eram basicamente melhores amigos e eu nem sabia como isso havia acontecido. Era uma relação à distância na maior parte do tempo e a gente levava como dava. Eu e gostávamos de pensar que, depois de tudo que passamos, aquilo não era nada, e também não era para sempre. Tinha certeza de que um dia conseguiríamos viver juntos fisicamente.
estudava para entrar na faculdade porque tinha perdido dois anos de estudo, então eu torcia para que pudesse entrar em alguma faculdade próxima a Nova York e que seus pais permitissem isso. Conversávamos bastante sobre essa possibilidade. O que importava mesmo era que estávamos juntos há um ano e essas coisas nunca fizeram o relacionamento se desgastar. Nem a conversa que tivera com Lauren depois que acordou do coma. Na verdade, Lauren era muito legal. Conheci-a uns meses depois. me contou que ela e alguns amigos fizeram uma visita no hospital, levaram presentes e conversaram bastante. Todos os seus amigos já estavam na faculdade e me contou muitas histórias de quando saíam juntos na época da Vineyard. Todos ficaram muito felizes com a recuperação de .
O caminho até as praias de Carmel levava um pouco mais de duas horas. O ônibus balançava às vezes e os alunos faziam muita bagunça. Um dos meninos do time de futebol levou seu violão e cantamos músicas o caminho inteiro, acompanhadas de algumas risadas, e foi muito divertido. O tempo passou incrivelmente rápido e logo estávamos na praia.
A questão era que estávamos ali, na praia, rodeando uma fogueira e aproveitando os poucos dias que ainda tínhamos todos juntos. Era estranho pensar que não veria a maioria deles todos os dias. Deixava-me triste, mas também me trazia uma nostalgia ao pensar naqueles três anos em que muita coisa aconteceu.
– Eu ainda não acredito que teve permissão para acompanhar a nossa viagem – disse para , enquanto se aconchegava ao meu lado.
A areia não nos incomodava. Nossa roupa provavelmente estava toda suja. Os jovens que estavam lá não se importavam com isso. Aquele seria um dos nossos últimos momentos juntos como uma turma. Alguns grupos iriam se desfazer e cada um iria para o seu lado, então todos estavam mais focados em aproveitar até o último minuto juntos.
– Eu sou o dono da Vineyard, . É claro que teria permissão – disse após colocar o braço ao meu redor. Tive que olhá-lo com meu melhor olhar de desdém. Ele sorriu logo em seguida, dando-me um beijo na testa. – Tive que insistir para os meus pais, mas eles gostam tanto de você que foi fácil.
– Desculpe incomodar o casal, mas será que vocês podem vir aqui? – Chris apareceu e tirou minha atenção de . – Temos que tirar uma foto!
– Temos? – perguntei ao me levantar. Logo, o garoto ao meu lado havia se levantado também.
– Sim! Não temos nenhuma foto em grupo! – ela nos puxou para um lugar onde todos os outros estavam reunidos. – , podemos tirar com sua câmera? Pede para alguém tirar a foto.
– Tudo bem – peguei a câmera, enquanto meus amigos faziam as melhores poses para a foto. Ri das caras que e faziam.
Encontrei alguém parado perto de nós. Ele estava de costas conversando com outras pessoas da turma, então tive que chamar sua atenção. O garoto logo se virou para mim e sorriu antes de dizer:
– ! – parei por alguns segundos ao analisá-lo. Demorei um tempo para perceber quem era. Logo dei um sorrisinho e morri de vergonha por ter me esquecido dele, mais ainda por ter feito cara de interrogação.
– Oi, Andy. Quanto tempo, hein?
– Pois, é. Tenho a visto por aí, mas nunca mais nos falamos. Como você está?
– Ah... – disse, olhando para os meus amigos dessa vez. Estavam todos rindo e conversando, ainda na posição da foto. Eu sentia como se tivesse mudado tanto desde que entrei ali. Não sentia raiva ou algo do tipo por Andy. Olhei de volta para ele antes de responder. – Estou ótima. E você?
– Estou bem também. Consegui uma bolsa em Yale – comentou e olhei para seu moletom. Parecia genuinamente feliz. Fiquei feliz por ele também.
– Consegui uma em Nova York.
– Legal! Parece que nos saímos bem, então, né? – sorriu sem os dentes e reparei que estava sem óculos. Talvez por isso não tivesse o reconhecido de primeira.
– É, acho que sim. Escute, Andy, pode me ajudar? Precisamos de alguém para tirar uma foto nossa – perguntei, apontando para mim e o resto dos meus amigos.
– Sim, claro – pegou a câmera e voltei para o meu lugar, entre Amy e .
– Está tudo bem? – perguntou minha amiga.
– Sim, tudo ótimo – sorri.
Todos olharam para a câmera e tiramos várias sequências de fotos, até fazer alguma palhaçada e morremos de rir. As últimas fotos provavelmente saíram péssimas.
Andy foi embora e eu sabia que provavelmente nunca mais o veria. No resto da noite, a turma inteira interagiu e foi muito divertido.
Alison e Amy conversavam comigo. Não sabia há quantos minutos estávamos ali, apenas rindo de coisas banais, enquanto olhávamos para a fogueira. Em algum momento, Dani se aproximou e olhou para nós por alguns segundos, mas ficou muda.
– O que houve? – perguntei, vendo que não falaria nada.
– É que… Ahm – hesitou antes de falar. – O que vocês achariam se uma amiga de vocês pedisse para ficar com um ex de vocês?
Olhamos uma para a outra sem entender o que estava acontecendo.
– Não entendi muito bem. De quem está falando? – Ali perguntou. – É de alguma de nós?
– De mim não é. Não tenho ex – falei.
– Tecnicamente também não tenho – Alison disse logo em seguida.
Olhamos para Amy enquanto a ruiva levava o copo à boca.
– Não me importo se alguém da turma ficar com , Dani. Sério. Está tudo bem.
– E se for uma super amiga sua? – Dani insistiu e eu ainda não havia entendido nada.
– Eu não me importo, Dani, de verdade – sorriu, mas pareceu pensar por alguns segundos. – Por que você está tão preocupada com isso? Você sabe que não sou assim.
– É que… Bem, estávamos conversando sobre a faculdade e você sabe que vamos juntos e…
– Ok, a amiga é você – Ali falou e eu ri da expressão que Dani fez.
– Ah, por isso está tão nervosa? Dani, o que achou que eu iria lhe falar?
Era engraçado ver Dani tão vermelha e envergonhada. Após passar as mãos no rosto, disse:
– Não sei. Ele só me chamou para sair. Devo ir?
– Com certeza! é uma pessoa incrível e merece uma pessoa tão incrível quanto – Amy deu um abraço na outra.
– Achei que iria ser muito diferente disso, meu Deus.
– Está tudo bem.
Nunca havia pensado nos dois juntos, mas Amy tinha razão. Ambos eram pessoas incríveis. Talvez isso fosse o suficiente para darem certo.
– Acho que tem alguém querendo falar com você, – Ali comentou e, quando olhei para a praia, me olhava.
Andei em sua direção, enquanto seu sorriso aumentava a cada passo que eu dava. Sentamo-nos na areia da praia e seu braço veio ao meu ombro. Ficamos alguns minutos assim, apenas ouvindo o barulho das pessoas e as ondas do mar. Era tudo escuro, mas podíamos ver por causa da luz da fogueira e da lua. Conseguia sentir sua respiração ao meu lado e isso me fazia tão bem. Só eu e ele. Eu sentindo seu calor, sua pele, ouvindo sua respiração. Algumas vezes, ficávamos apenas assim e era bom, porque nenhum dos dois se sentia incomodado. Só curtíamos a presença um do outro.
Eu não conseguia dizer o quanto significava para mim. Quando me dei conta de que o amava, foi bem na época em que o salvei e, consequentemente, ele me salvou também. Salvou-me da tristeza e da solidão em que me sentia sem tê-lo comigo. E eu passei tanto tempo querendo e não podendo tê-lo que, quando tive a oportunidade, me senti a pessoa mais feliz do mundo.
era meu primeiro namorado, o primeiro por quem me apaixonei de verdade, o primeiro com quem eu tive todas as minhas primeiras experiências e uma das pessoas em que mais confiava na vida.
Meu coração batia tão forte e ele estava muito perto. Eu pensava em como eu era sortuda por ter o melhor homem possível ao meu lado.
Então ele selou os lábios nos meus e eu tinha certeza de que estava delirando. Começou lento com apenas um selinho. Ainda podia ver seus olhos abertos, dando um sorrisinho mínimo, até que encostei meu corpo ao seu e virei meu rosto para o lado, a fim de adentrar minha língua na sua boca, enquanto o ouvia suspirar e sentia suas mãos subirem pelo meu corpo. Eu dei um leve suspiro também. Minhas mãos agora estavam em seus cabelos e eu podia sentir suas mãos explorando algumas partes do meu corpo. Era um beijo de saudades.
Aos poucos, o beijo foi passando de inocente para um pouquinho sensual, sem passar dos limites. Era bom. Depois de alguns selinhos, cortei o beijo. Ele ainda estava com os olhos fechados e suas mãos, em meu corpo.
Provavelmente ainda sentia meus lábios nos seus. Eu também conseguia sentir.
Após dar um sorrisinho, disse:
– Sabe, estava pensando em umas coisas esses dias... Sobre a coisa toda da mediação. Depois que você me contou que não via nada há meses, fiquei pensando...
– Pensando em quê?
– Que talvez o motivo de você não ver mais fantasmas seja eu, sabe?
– Isso não é prepotência demais? – ri da cara ofendida que ele fez. – Quero dizer, o que o faz pensar isso?
– Você me disse uma vez que tinha uma missão para cumprir na Terra e que nunca havia descoberto o que era essa missão exatamente. E se, na verdade, você estivesse predestinada a me encontrar e essa fosse sua missão. Já pensou nisso? Não acha que temos algum tipo de conexão?
Jogou aquela informação toda em mim e eu olhei em sua direção. Nunca havia pensado naquilo, mas, bem, e se fosse? Não poderia ser. Não acreditava muito em destino. Olhei para o mar, depois para ele novamente.
– Eu não acredito nisso, – falei sincera.
Então ele riu. Riu de verdade e eu achei que estivesse zombando de mim. Queria ficar irritada com ele, mas percebi que não estava caçoando de mim, porque o que ele disse a seguir também me tirou algumas risadas. E talvez ele estivesse certo mesmo.
– Tudo bem, meu amor. Há algum tempo atrás eu não acreditava em fantasmas, mas acabei mudando de ideia.
Fim
Nota da autora: É muito difícil acreditar que Connection acabou. A história dessa fic me acompanhou por muitos anos, fez parte de mim e, apesar de tudo, tenho um carinho enorme por ela. Sou extremamente grata a todas as pessoas que me ajudaram a terminar isso.
Obrigada de coração a todo mundo que acompanhou e para quem está lendo depois de finalizada também! Queria muito agradecer à minha beta por organizar essa bagunça!
É isso, pessoal. A gente se vê por aí! <3
Obrigada de coração a todo mundo que acompanhou e para quem está lendo depois de finalizada também! Queria muito agradecer à minha beta por organizar essa bagunça!
É isso, pessoal. A gente se vê por aí! <3