Crônicas de Ochadia: A Sereia e o Pirata

Última atualização: 08/09/2022

Capítulo 1


“Não enxergue o mundo como ele é, enxergue como ele poderia ser.”
(Cinderela)

A menina de cabelos loiros usava um vestido cor-de-rosa e um belo laço da mesma cor na cabeça. Era exatamente como a mãe, em aparência, personalidade, desejos e sonhos. Filha de Charlotte La Bouff, do conto A Princesa e o Sapo, Chelsea esperava pela filha de Tiana na porta do gigantesco Castelo de Grimadon, pronta para conhecer o lugar que passaria os seus próximos anos, na companhia de vários outros herdeiros dos personagens dos contos de fadas. A pequena abriu um largo e animado sorriso quando viu duas princesas vindo em sua direção; uma com os cabelos em tom de loiro escuro, e a outra com as madeixas ruivas.
Olá, princesa Chelsea. A de cabelos vermelhos cumprimentou, sorrindo carinhosamente.
AHHHH! — A criança gritou de felicidade e animação. Vocês são as filhas da Ariel e da Cinderela? — As duas mais velhas riram da reação da mais nova, divertindo-se com o jeitinho alegre dela.
Somos sim. Respondeu a loira. Eu sou a Ella, e essa é a .
Vocês são lindas!
Obrigada! Você também. disse, abaixando-se na altura da criança, apoiando as mãos nos próprios joelhos. A Eudora teve um imprevisto e pediu para a gente te apresentar o Instituto, tudo bem? Ela vai nos encontrar mais tarde, na cerimônia. Explicou o motivo pelo qual a filha de Tiana não compareceu.
Cerimônia de que? — A pequena perguntou, os olhinhos azuis brilhando de curiosidade.
Vamos te explicar tudo. Agora vamos, temos muito o que conhecer. Ella falou, esticando a mão para ajudar a amiga a se levantar, e então as três começaram a caminhar até o castelo.
O mundo dos contos de fadas, diferente do que muitos acreditam, é real. Ele existe em outra dimensão, uma inacessível para nós, meros mortais sem acesso à magia. A nossa dimensão também é quase inacessível para eles. Ou a maioria deles, pelo menos. Todos os mistérios sobre a criação desse universo e como as coisas funcionavam por ali, era ensinado aos herdeiros em três escolas diferentes: uma para filhos de princesas e heróis, os personagens principais dos contos; outra para os personagens secundários, ajudantes e fiéis companheiros dos protagonistas; e a terceira, para filhos de vilões, que ficavam isolados em outra ilha selada por uma magia poderosa: a Ilha do Castigo. Recebia esse nome porque acreditavam que os vilões e seus descendentes mereciam um castigo, uma punição, pelo que fizeram no passado, e por serem filhos destes. Nasciam condenados a ficarem presos em uma ilha que os impossibilitava de conhecer qualquer lugar além desta.
O castelo em que as três princesas estavam agora localiza-se na Ilha de Grimadon, onde reside a Happy Endings Preparatory School, escola responsável por preparar os descendentes dos protagonistas a seguirem o mesmo curso de seus pais e ganharem o seu próprio conto, ou como o próprio nome da escola diz, encontrarem o seu final feliz. Ella e passearam com a pequena Chelsea pelas principais instalações do palácio, contando o básico necessário para que ela soubesse como lidar com seus próximos dias no instituto. A filha da Ariel e a filha da Cinderela são melhores amigas desde a infância, mas tinham personalidades completamente opostas. Enquanto mal podia esperar pelo seu príncipe encantado para salvá-la e viverem felizes para sempre, Ella revirava os olhos para qualquer baboseira relacionada ao romantismo e desejava ser protagonista do seu próprio conto. A princesa sequer queria um príncipe em sua história, apenas queria viver sua aventura.
Após o pequeno tour, foram para a Cerimônia de Oficialização do Conto, e explicaram para Chelsea o que aquilo significava. A dimensão em que eles viviam havia sido criada não-intencionalmente há milhares de anos por dois irmãos: Ernst Grimm e Albert Grimm. Os dois nasceram no Planeta Terra, na dimensão em que vivemos, e lá descobriram o dom da escrita. Mais do que isso, descobriram que todos os reinos e personagens que eles criaram e escreveram em uma folha de papel, tornaram-se reais, mas em uma outra dimensão, a qual eles conseguiram ingressar por puro acaso. Somente os Grimm têm acesso à passagem entre as duas dimensões. O que esses personagens sabem é que nós, mortais, recebemos as histórias das vidas deles em formato de contos de fadas, e sempre acreditamos serem apenas fábulas criadas por alguém.
Enquanto nós vivemos na Terra, o universo onde eles vivem se chama Ochadia, e os seus Criadores chegaram lá quando só existiam os personagens dos contos já escritos - como a Cinderella, a Ariel, a Úrsula, o Jafar - seus herdeiros ainda não eram nascidos. Ninguém em Ochadia conhece bem de onde vem os irmãos Grimm, ou de onde vem os seus poderes, muito menos onde fica a passagem para o Continente - como eles chamam a nossa dimensão - mas sabem que eles são os Criadores, os responsáveis pelo universo de Ochadia existir, o básico que foi dito e é ensinado nas escolas. Quando eles finalmente descobriram a existência dessa realidade alternativa, onde as pessoas desconhecem a Terra e tem acesso à magia, decidiram ficar por aqui e, na intenção de colocar ordem no lugar, juntaram-se ao poderoso feiticeiro Merlin - criado, justamente, por eles - para prender todos os vilões em uma ilha, com poderes reduzidos, e o local super protegido por uma maldição que apenas eles três saberiam como quebrar.
E após esse evento, conhecido por todos como a Primeira Guerra Ochadiana, os descendentes começaram a nascer, e com isso veio a necessidade de ensiná-los sobre suas funções, como diria Mufasa, no grande ciclo da vida. Merlin e o Rei Tritão ergueram do fundo do mar uma ilha e a nomearam de Grimadon, em homenagem aos seus Criadores. Lá, as duas escolas prontas para receber os herdeiros dos contos de fadas, e ensiná-los tudo o que fosse necessário para ganharem o seu próprio. Os descendentes precisam seguir o caminho dos pais, ou seja, filhos de mocinhos estão destinados a serem mocinhos, e filhos de vilões destinados a serem vilões; afinal, o que é um bom conto de fadas sem um vilão? Eles só não podem ser mais poderosos, mas Merlin estaria por trás de tudo para garantir que nada saísse dos eixos.
Todos precisam viver suas próprias aventuras, e precisam ser interessantes o suficiente para que os irmãos Grimm decidam escrever sua história e, assim, ter o seu conto enviado à Terra. Para descobrirem seus talentos e desenvolver suas personalidades de maneira interessante para uma boa história, foram criadas três instituições de ensino: uma para protagonistas, outra para secundários e a última para vilões, a que possuía menos recursos. Afinal, ninguém quer que os vilões sejam mais espertos e vençam no final, não é verdade?
E o que acontece com quem não ganha um conto? Chelsea se preocupou.
São esquecidos e viram pó. Ella falou, curta e grossa, como sempre. A pequena Chelsea arregalou os olhos, assustada.
Cordella! — Repreendeu a melhor amiga, usando o seu nome ao invés do apelido para mostrar que estava brava. Não é bem assim, docinho. Eles continuam existindo em Ochadia, mas não têm mais a mesma… relevância. Não a mesma que os contos mais populares têm. Mas fique tranquila! Isso é muito difícil de acontecer quando você já nasce em um conto popular, como é o seu caso.
— Tem o fato de que a sua mãe não foi protagonista. —
Ella acrescentou, recebendo uma cara feia de .
Quando um descendente não vive uma trajetória interessante, acaba sendo esquecido e vivendo uma vida normal. Ou quando um conto não é mais popular na Terra - o nosso universo, onde lemos essas histórias - os seus personagens têm o mesmo destino. Tornam-se pessoas comuns, sem acesso à magia ou grandiosidades, sem o prestígio que personagens de contos importantes têm. É o padeiro que prepara o pão quentinho, a costureira que produz os mais lindos vestidos, a professora que educa os descendentes, o guarda-costas que protege a realeza, o curandeiro que trata dos feridos, a cantora que entretém o povo. Basicamente, suas vidas não são interessantes para serem contadas em forma de estória para nós, e vivem suas vidas em função dos protagonistas e seus ajudantes. Não é uma vida ruim, apenas não é o que desejavam.
Você é filha da melhor amiga da Tiana. Veio de um conto bem famoso. Dificilmente você será esquecida. continuava tentando animá-la.
É verdade! Ou você pode ter o mesmo destino do Fisherman, o herdeiro do conto O Pescador e sua Esposa. Conhece? — Ella perguntou, e Chelsea apenas negou com a cabeça, então ela continuou. O filho do Fisherman não conseguiu um conto, mas em compensação é o melhor pescador de toda Ochadia. Ele sempre consegue os melhores e maiores peixes.
Um homem desses deveria estar na Ilha dos Castigo, junto com outros vilões. Lá é o lugar de gente como ele. replicou, irritada. Sua melhor amiga apenas riu de sua reação. Como filha de Ariel, herdeira dos sete mares, a ruiva detestava pescadores.
Por que você não gosta dele, princesa? Ele foi o responsável pelos frutos do mar do banquete no Tiana’s Palace no último fim de semana, não foi? Chelsea, em sua inocência, perguntou. Nossa, eu nunca comi um caranguejo tão gostoso.
abriu a boca, pasma e indignada. Ella somente ria, e Chelsea encolheu os ombros, envergonhada e sem entender nada.
Você comeu o filho do Sebastião? perguntou, exaltada, com os olhos cheios de lágrimas.
Desculpa, eu não…
Tudo bem, Chelsea, relaxa. é sensível com esse assunto. Provavelmente foi um caranguejo qualquer, e não o filho do Sebastião. Vamos falar de outra coisa.
E assim que Cordella explicou, as três continuaram a caminhar em direção ao Salão Principal, que estava todo produzido para a cerimônia. No percurso, contaram para a mais nova o que aquilo significava. O filho da Princesa Aurora, o Príncipe Stephan II, havia acabado de viver sua aventura, antes do tempo planejado, e a sua história havia sido escrita por um dos Grimm. Durante a Cerimônia, seria lido o conto para todos e eles consideravam aquilo uma espécie de graduação escolar, o príncipe Stephan não precisaria mais frequentar a Happy Endings.
As duas princesas tinham o seu próprio grupinho de melhores amigas, e encontraram mais duas assim que chegaram ao Salão Principal. Sentaram-se e apresentaram Chelsea para elas, que teve um pequeno surto ao conhecer uma delas, a filha da Branca de Neve. Eudora, filha de Tiana, já conhecia Chelsea há alguns anos, apesar de ser mais velha, as duas sempre mantinham contato, assim como suas mães eram melhores amigas até os dias de hoje. Eudora era mais parecida com Cordella, as duas eram independentes e detestavam o papinho de que o felizes para sempre só chegava para uma princesa quando ela encontrava o seu príncipe encantado. Por outro lado, Emmeline, a filha da famosa Branca de Neve, era como , duas românticas incuráveis, que suspiravam ao ouvir histórias de amor.
Aquela cerimônia era particularmente triste para as quatro, que acabaram de perder o quinto membro de seu grupo de melhores amigas de infância. Rose, a filha da Aurora e irmã de Stephan, havia sido morta pelo vilão do conto. O filho de Malévola havia retornado com o propósito de vingar sua mãe e, no processo, acabou tirando a vida de Rose. No fim, seu irmão de apenas dezesseis anos havia conseguido superá-lo, apaixonou-se por uma plebéia herdeira de um conto esquecido, casou-se e agora sua história havia virado o livro que seria enviado como ficção para a Terra. Ninguém sabe como o filho de Malévola escapou da Ilha do Castigo, e ninguém presenciou a morte da princesa Rose. Além de não saberem exatamente o paradeiro do tal filho da Malévola. Todas as circunstâncias eram suspeitas, mas os diretores da escola não estavam dispostos a dividir isso com seus aprendizes. Apenas prometiam que estavam seguros, pois tudo estava sob controle, e restava a eles acreditar na palavra de Merlin.
Muito bonito o discurso do Merlin sobre a Rose, mas contar a verdade para a gente ele não quer, né? — Eudora reclamou, sussurrando para as amigas.
Como assim contar a verdade? — Perguntou Emmeline, confusa e inocente. Nós já sabemos o que houve. O filho da Malévola escapou usando magia e matou a Rose por vingança. Stephan conseguiu tirar o cajado mágico dele, mas não a tempo de salvar a irmã. A Fada Madrinha acabou de ler o conto.
Ai Emme, você é muito ingênua mesmo. Eudora revirou os olhos.
Ei, não fala assim com ela! — A filha de Cinderela defendeu, ainda sussurrando.
— Não falei nada demais, Ella. É verdade que Emme e acreditam em tudo o que Merlin fala. Você concorda comigo que essa história está muito mal contada.
Talvez a gente só esteja em negação. É difícil aceitar a ideia de que a gente não vai ter mais a Rosie com a gente. tentou intervir. Eudora e Ella pareceram ponderar, mas decidiram parar de discutir. Embora estivessem todas cochichando, não queriam levar uma bronca da Fada Madrinha.
O restante da cerimônia correu bem. Rose recebeu uma linda homenagem, digna de toda a bondade que existia no coração da princesa, e que certamente não merecia o destino trágico que teve. A filha de Aurora merecia um conto só dela, mas acabou se tornando mera coadjuvante no conto de seu irmão caçula. As quatro amigas choraram muito, e consolaram umas às outras com abraços. Depois disso, levou a pequena Chelsea até o seu quarto e se despediu. A princesinha agradeceu pela ajuda e paciência, disse que sente pela perda da amiga, e com os olhos já cheios de lágrimas novamente, a princesa volta para seu quarto. Rose não era apenas uma das melhores amigas, era colega de quarto da ruiva, que voltou a chorar assim que viu o lado dela do quarto vazio, sem a cama metade rosa e metade azul, e as flores espalhadas por todo o canto, deixando sempre o ambiente com o cheiro impecável. O quarto delas era perfeito, porque ambas tinham gostos parecidos. A filha da Bela Adormecida era o equilíbrio perfeito do grupo: também era romântica e sonhava com o seu final feliz, mas adorava aprontar aventuras com as amigas. E, definitivamente, ela não esperava por um príncipe.
O diretor da escola, Merlin, do conto do Rei Arthur, havia permitido que a princesa dormisse no quarto de Emme e Ella, para não ficar sozinha. Secretamente, Eudora se juntou à elas e as quatro passaram aquela noite juntas. Conversaram por pouco tempo antes de caírem no sono, lamentando o dia entediante que seria o próximo. Mais um dia comum na Happy Endings, com as mesmas aulas chatas, professores entediantes e momentos sem a doçura e o bom humor de Rose. Mal sabiam elas que aconteceria uma reviravolta que nenhum dos estudantes que moravam em Grimadon poderiam prever.

Enquanto isso, na Ilha do Castigo, os filhos do Capitão Gancho caminhavam pelo navio junto dos netos de Mr. Smee, personagem secundário e fiel escudeiro do Gancho. Kiera, a caçula, contava para as duas crianças sobre a Dark Side Academy, o colégio criado com a intenção de prepará-los para serem bons vilões. Talvez, melhores que seus pais, a ponto de conseguirem vencer no fim. No fundo, sabiam que isso seria impossível, pois Merlin e os irmãos Grimm jamais permitiriam que aquilo acontecesse, sempre prontos para intervir em qualquer história que pudesse sair dos eixos e abalar a harmonia perfeita dos moradores do Lado-de-Lá - a forma como as pessoas da Ilha do Castigo chamavam o outro lado de Ochadia, onde ficavam os mocinhos. Mas lhes restavam o esforço para serem, ao menos, vilões memoráveis. E era sobre isso que a filha do Hook tentava explicar, de sua maneira um tanto grosseira. Não tinha jeito com crianças. Na verdade, Kiera não tinha jeito com ninguém.
Então quer dizer que eu vou ficar sabe-se lá quantos anos estudando e fazendo provas para no fim ter o mesmo destino que é o fracasso? Perguntou Sage, indignada. A criança tinha apenas dez anos, mas a personalidade era parecida com a de Kiera: ambas fazem o tipo curta e grossa, gostam da praticidade.
Tipo isso. — Kiera falou.
Não é bem assim. — Donnie, o irmão do meio, interviu.
— É exatamente assim. , o mais velho, se pronunciou. Era tão grosseiro quanto Kiera, talvez ainda pior.
— Santo Gancho! — Donnie revirou os olhos. Olha, Sage, a verdade é que sim, você vai voltar para a Ilha do Castigo mesmo quando ganhar o seu conto, mas quanto mais memorável for o seu desempenho como vilã, mais vantagens você vai ter. Por exemplo, o nosso pai tem o próprio navio.
Ou como a Malévola e a Úrsula, que são diretoras da Dark Side, e moram em um lugar bem melhor do que alguns vilões. — Dessa vez, quem se pronunciou foi Simon, irmão gêmeo Sage, neto do Mr. Smee.
— E certamente menos asqueroso do que esse navio do meu pai. — Donnie disse, em tom de brincadeira. Kiera franziu o cenho.
Certamente? Asqueroso? Aí, Sage, quem sabe se você estudar na Dark Side, você começa a falar certinho que nem o Donnie. Kiera riu alto, sendo acompanhada por .
Simon nem precisa ir, então. Já fala um monte de palavra difícil. Deve estar achando que vai entrar pra realeza. — Dessa vez foi Sage quem disse, acompanhando Kiera e na risada.
O humor de vocês é desprezível! — Donnie falou, chateado. Vem, Simon, não liga para eles. Vamos conversar só nós dois. — Puxou-o levemente pelo ombro, e saiu de perto dos irmãos.
Donnie, sem dúvidas, seria um mentor melhor para Simon, visto que ambos eram inteligentes, gostavam de estudar e liam livros disponíveis na Dark Side Academy que quase nenhum outro aluno lê. Usavam palavras bonitas, sabiam fazer bom uso da Língua Comum - o idioma usado pelos habitantes de Ochadia. Por outro lado, e Kiera eram as melhores opções para lidar com Sage, que não era nada parecida com o irmão. Os três preferiam viver aventuras em alto mar do que estudar, e não tinham grandes anseios para o próprio futuro. Enquanto Donnie estava de um lado convencendo Simon de que valeria a pena o esforço nos estudos na Academia, Kiera e estavam ocupados fazendo piadas de mau gosto e escutando as histórias absurdas e pesadas que Sage contava rindo. Histórias essas que nenhuma criança deveria ter presenciado em sua vida, mas vivendo no Castigo, nenhum deles teve uma boa base familiar.
Apesar de personalidades distintas, os três filhos do Gancho eram muito unidos, e certamente matariam e morreriam uns pelos outros. e Kiera costumavam dizer que eles podiam brincar com Donnie, mas se alguém o magoasse ou zombasse dele por qualquer motivo, cortavam a língua da pessoa. Literalmente. Já fizeram isso uma vez. Pois é, os piratas podem ser um pouco mais assustadores e carniceiros do que contam nos contos de fadas. Essa é uma verdade que nós, da Terra, jamais conheceríamos. Afinal, os irmãos Grimm não querem assustar as criancinhas contando que os piratas que elas assistem nos desenhos e achavam divertidos são, na verdade, assassinos cruéis.
E assim como os filhos do Gancho, Sage e Simon eram muito unidos, e não demorou muito tempo para que eles se desculpassem e estivessem todos juntos novamente. Simon estava animado para a Dark Side, já Sage nem tanto, mas por fim todos concordaram que estavam ficando cansados da mesmice da escola. Todos os dias as mesmas pessoas, mesmas matérias, mesmas proibições - e essas eram muitas, especialmente impostas por Merlin, o que fazia com que eles detestassem ainda mais. Quer dizer, não bastava todos os limites impostos pelos próprios pais, ainda teriam de obedecer aquele velho mago que só tomava decisões pensando em proteger e favorecer os moradores do Lado-de-Lá. Por qual motivo deveriam respeitar as pessoas que não pensavam no bem deles? Se o faziam, era apenas por medo, já que Merlin era, indiscutivelmente, o mago mais poderoso de toda Ochadia.
Acho que é melhor irmos dormir. Amanhã é o primeiro dia do Simon e da Sage, e mais um dia de tédio para nós naquele lugar. — Reclamou Donnie, mesmo adorando o instituto, alguns dias estava simplesmente exausto por pensar que estava se matando para ter destaque e notas boas, para fracassar no fim.
Se até o Donnie concorda que é um tédio, quem sou eu para negar? — Kiera disse, em tom de risada, levantando-se para ir para seu quarto.
Mais um dia que eu preciso esconder o meu rum dentro de uma caixa de leite. Porque só bêbado mesmo pra suportar aquele lugar. — reclamou, também indo em direção ao seu quarto.
Os filhos de Mr. Smee também moravam no navio, e dormiam pouco confortáveis devido às instalações ruins. Levavam uma vida miserável, e tentavam melhorar como podiam, mas nem todos tinham a mesma positividade que alguns poucos ali da ilha. O que lhes restava era serem gratos por serem descendentes de um conto famoso, porque se suas condições de vida já eram lastimáveis, imagine se pertencessem a um conto esquecido? Certamente virariam comida para peixe logo, como outros vilões de contos esquecidos que desapareceram “misteriosamente”, mas que existiam rumores de terem servido de alimento para o crocodilo Tic Tac.
Então, deitados de mal jeito em suas camas desconfortáveis, pegaram no sono com certa dificuldade - exceto , que estava podre de bêbado, como sempre - enquanto seus últimos pensamentos antes de adormecerem eram sobre seus destinos deploráveis e existências insignificantes. Assim como os moradores do Lado-de-Lá, eles não faziam ideia de que uma reviravolta estava para acontecer em algumas horas, e algo de muito grandioso aconteceria. Algo totalmente inesperado, que mudaria o rumo de suas vidas de forma que eles jamais poderiam prever.

De volta ao Castelo de Grimadon, o barulho do salto alto da Fada Madrinha ecoava pelos corredores silenciosos. Os aprendizes dormiam tranquilamente em seus quartos, sem imaginar que o caos acabava de se instaurar. Abriu a porta da sala de reuniões, percebendo que todos já estavam ali. Desculpou-se pelo seu atraso, mas ninguém poderia culpá-la. Todos foram pegos de surpresa, alguns ainda vestiam seus pijamas, outros estavam sem sapatos, e alguns, como a Fada Madrinha, tinham os cabelos bagunçados. A mulher lembrou do salto alto, mas esqueceu de arrumar o cabelo. Foram despertados às pressas por Merlin, que os chamou com uma emergência que não poderia esperar. A Fada Madrinha sentou-se, e a ansiedade e nervosismo dos presentes era quase palpável no ar. Os olhares curiosos, as mãos trêmulas e os corações disparados, continuavam em silêncio esperando que um dos Criadores se pronunciasse.
Obrigado por comparecerem, com um pedido assim tão de repente. — Ernst Grimm, o mais velho, se pronunciou. Um desastre aconteceu na Ilha do Castigo, e ainda não fazemos ideia de quem seja o culpado.
Mas essa reunião ficará para depois. Temos algo mais urgente para decidir. — O outro Grimm completou.
O que aconteceu, afinal? — A Fada Azul, do conto do Pinóquio, perguntou, com sua voz doce e calma, como sempre era.
— Não sabemos quem ou de qual forma, mas um poderoso feitiço de magia negra foi usado no Castigo. Em toda a ilha. Merlin, com sua voz de idoso, porém imponente, explicou de maneira sucinta. — Um fogo devastador começou a incendiar o lugar, e eu sequer consegui me aproximar. O fogo alastrou por toda a ilha, tirou a vida de alguns descendentes. Nem mesmo eu consegui entrar. Os que conseguiram escapar foram por um triz.
Merlin precisou quebrar a barreira que nos protegia dos vilões e seus descendentes para que eles pudessem se salvar do lado de cá. — Albert Grimm continuou. Merlin prendeu rapidamente os vilões na Fortaleza Proibida, mas seus herdeiros não podem ficar lá. Não há espaço para todos. Trouxemos eles em navios e barcos até a costa de Grimadon. Eles estão na Baía do Gancho, aguardando por uma solução.
Senhor Grimm, me perdoe, mas não está sugerindo que aceitemos os filhos dos vilões aqui em Grimadon, não é? — A Fada Madrinha perguntou, apreensiva.
— É exatamente isso o que estamos dizendo. — Merlin respondeu. — Perdoe-nos, minha querida amiga, mas não há outra solução. Não podemos deixá-los na Fortaleza Proibida.
São filhos de vilões! A Fada Madrinha retrucou.
São crianças! Eles não têm culpa de terem nascido em linhagem ruim. Isso não significa que são como os pais. — A Fada Azul expressou o pensamento que tinha há algum tempo, mas que era proibida de falar sobre com os aprendizes de qualquer uma das escolas. Afinal, ninguém queria que eles começassem a questionar o sistema, não é?
Será que você vai continuar pensando assim quando um deles ferir a sua filha? Ou qualquer uma de nossas crianças? — A Fada Madrinha perguntou, irritada.
Eles não farão nada com nossas crianças. Merlin assegurou. Posso não ter descoberto ainda como quebrar a maldição que está na Ilha, mas o real perigo está preso e sem acesso à magia na Fortaleza Proibida. Seus filhos virão para Grimadon, com acesso ainda mais restrito à magia, e estarão sob constante vigilância.
Meu irmão e eu conversamos com Merlin e isso já está decidido. Não há o que se possa fazer. Albert Grimm confirmou.
— Tudo bem. Então como faremos isso funcionar? Onde eles ficarão? — A Fada Madrinha perguntou, ainda contrariada com a ideia. Merlin também não era fã da situação, mas não foram capaz de pensar em algo, e tinham apenas alguns minutos.
Ficarão na Hero Support. — Merlin explicou, falando sobre a escola para os descendentes de personagens secundários.
— E onde os alunos da Hero Support ficarão?
Ficarão aqui na Happy Endings. Usaremos feitiços de extensão para tornar os quartos maiores. Daremos a notícia aos aprendizes assim que acordarem. O dia será cheio de surpresas.
Teremos muito trabalho. Eles vão odiar dividir o mesmo espaço que os herdeiros dos vilões. Mesmo que estejam em escolas diferentes. A Fada Madrinha preocupou-se, massageando as próprias têmporas.
Sabemos disso. Mas precisamos estar firmes sobre nossa decisão, porque muitos virão questionar. — Merlin disse, firme, arrumando sua longa barba.
Qualquer dúvida, estaremos por perto. Explicou um dos Grimm. Ambos costumavam fazer viagens à Terra, e ficavam tempos sem entrar em contato. Quem eram os responsáveis por manter tudo em ordem eram Merlin, Fada Madrinha e Fada Azul. É uma situação que pretendemos não estender. Merlin e vocês farão o possível para reverter esse feitiço, e mandaremos os descendentes de volta à Ilha. Tudo voltará ao normal o mais breve possível.
— Com nossos poderes combinados, devemos resolver isso logo. Uma ou duas semanas no máximo. Um mês, se tivermos azar. Merlin dizia, confiante.
Fada Madrinha tentou acalmar os seus ânimos, e os outros também. Pareciam um pouco mais seguros e confortáveis com a ideia. Não que tivessem escolha, de qualquer forma. A única questão eram suas expectativas de resolverem rapidamente o problema. Nenhum deles fazia ideia de que levariam muito mais do que o necessário para resolver o problema, e que a estadia dos descendentes dos vilões na Ilha de Grimadon resultaria em ainda mais problemas.
Nenhum deles estava pronto para o que aconteceria, mas tentavam se manter confiantes, ou as coisas poderiam ficar piores.
Bem piores.

Capítulo 2


“O problema não é o problema. O problema é a sua atitude perante o problema.”
(Jack Sparrow)

Magia e experiência foram a combinação perfeita para que Merlin, a Fada Madrinha e a Fada Azul conseguissem reorganizar tudo em poucas horas. Tempo o suficiente para que os aprendizes da Happy Endings e da Hero Support despertassem para receber o recado sobre a mudança em seu cotidiano. Deveriam estar prontos para um encontro no Castelo de Grimadon, haveria uma reunião importante, e só essa explicação foi o suficiente para despertar nervosismo e curiosidade nos alunos. Não era comum serem acordados às pressas com a notícia de que Merlin, em pessoa, queria lhes dar algum recado, por isso não demorou muito para que começassem as especulações e até mesmo fofocas. Afinal, reunir as duas escolas sem aviso prévio no mesmo castelo era incomum. Ansiosos com o motivo do encontro, todos aprontaram-se mais rápido do que o esperado, e logo cedo os herdeiros dos coadjuvantes já estavam no palácio, sentando-se do outro lado do salão, onde as cadeiras estavam vazias esperando por eles.
Alguns se cumprimentaram à distância, com sorrisos e acenos. A convivência entre os descendentes dos protagonistas e os descendentes dos coadjuvantes era ótima. Eles se viam regularmente, fosse em festas, eventos escolares, casamentos reais, até mesmo na Cerimônia de Oficialização do Conto. Vez ou outra se reuniam, também, para eventos esportivos ou culturais, e isso acaba gerando amizades importantes para conseguirem suas próprias histórias. As inseparáveis princesas já estavam uma ao lado da outra, em silêncio e observando tudo, quando Eudora decidiu quebrar o silêncio.
— Lá vem bomba! Reunião de emergência, vieram os professores e alunos da Hero Support… Até os Criadores estão aqui.
— Não seja pessimista, Dora.
— Você que é muito boba e ingênua, Emme. —
Eudora replicou, fazendo com que Cordella a olhasse de cara feia.
Não havia mais tempo para especulações. Merlin usou um feitiço para que sua voz ecoasse por todo o lugar e começou a explicar o acontecido. Disse sobre o fogo que causou um incêndio no Castigo, que nem mesmo ele conseguiu conter ou eliminar. As reações foram diversas. Alguns se assustaram, outros comemoraram o azar dos vilões, e uns se preocuparam com o rumo dos contos de fadas se não existissem mais antagonistas. Merlin tratou de explicar que, apesar de algumas perdas, grande parte dos descendentes sobreviveu, e foi então que jogou a bomba sobre onde eles ficariam. E nesse momento, a reação das centenas pessoas ali foi exatamente igual: olhos arregalados e queixo caído. Alguns tinham as mãos suadas, outros tinham o coração disparado, mas ninguém conseguia levar a sério. Só podia ser uma pegadinha de Merlin, não é? Bom, se fosse a Fada Azul falando, talvez, mas o feiticeiro milenar não era o tipo que fazia aquele tipo de piada.
Alguns minutos de silêncio foram o suficiente para cair a ficha, e logo que o primeiro aprendiz ergueu a mão para fazer uma pergunta, muitos outros fizeram o mesmo. O lugar se tornou uma confusão, com muitos alunos falando ao mesmo tempo e, no fundo, ninguém entendia ninguém. Consequentemente, nenhuma pergunta era respondida. Antes que Merlin pudesse usar um feitiço para calá-los, a Fada Azul usou sua varinha para ressoar um assobio quase estridente, que fez com que todos se calassem e tapassem os próprios ouvidos. Dessa vez, foi ela quem usou o encantamento para sua voz alcançar todos os aprendizes, mas sempre com seu jeitinho doce de falar. Ofereceu um sorriso simpático e confiante, antes de finalmente dizer algo.
— Meus queridos aprendizes, passaremos por uma situação complicada que vai exigir muita maturidade de vocês. Agora iremos usar tudo o que aprendemos durante os últimos anos, para cuidarmos uns dos outros e nos proteger. Tudo já foi resolvido e decidido da melhor forma. E estaremos aqui, todos os dias. Merlin, a Fada Madrinha, o Gênio, os Grimm e eu. Todos disponíveis para dúvidas e ajuda. Vocês não estarão sozinhos nessa, mas precisamos que tenham paciência e aceitem a nossa decisão. Estamos fazendo o melhor possível para todos.
— Como conviver com essas criaturas desprezíveis é o melhor para nós? —
Um aluno falou alto, mas antes que outros pudessem retrucar, a Fada Azul voltou a falar e explicar toda uma filosofia por trás do motivo de estarem aceitando os filhos de vilões em Grimadon, ainda que temporariamente.
— Eu falei que vinha bomba. — Eudora sussurrou, sem prestar atenção no que a Fada Azul dizia.
Você é sempre muito esperta, Dora. Mas eu queria muito que você estivesse errada dessa vez. Lamentou a filha da Branca de Neve.
Todas nós queríamos. — Cordella completou, segurando a mão da garota. Emmeline apoiou a cabeça em seu ombro.
A grande porta do Salão Principal abriu, e todos se calaram quando viram o motivo. Os descendentes dos antagonistas começaram a caminhar para dentro do recinto, causando um silêncio constrangedor no ambiente. Os olhares tortos não o incomodavam, estavam acostumados com o tom reprobatório que exibiam sempre que os viam. Os herdeiros dos vilões caminhavam com o queixo erguido, super audaciosos e com sorrisos debochados no rosto. Aqueles sorrisos que diziam “Haha! Olha só onde nós estamos! E vocês não podem fazer nada!”. Silenciosamente diziam que estavam adorando aquela provocação, de estar na área dos mocinhos e sem precisarem ter forçado a sua estadia. No fundo, odiavam estar naquele lugar que tanto os repreendia e menosprezava, o lugar onde estavam os responsáveis por fazer com que eles e suas famílias vivessem num lugar que era um inferno e viver de migalhas, mas adoravam a sensação de causar tumulto na vidinha dos heróis.
Muitos ali já se conheciam de outros eventos, aqueles em que eles eram forçados a fingir que, no fundo, havia paz e equilíbrio no roteiro em que cada um seguia o seu papel, de vilão, secundário ou mocinho. Mas aquilo era simplesmente impossível, já que naturalmente todos ali estavam de lados opostos: o bem e o mal. Ao menos era assim que os Criadores, indiretamente, tentavam pregar, e os aprendizes de Grimadon entendiam muito bem e levavam adiante o preconceito com os moradores da Ilha do Castigo. Ainda assim, era a primeira vez que viam os descendentes soltos, desamarrados e sem vários guardas o seguindo para impedir qualquer tentativa de ataque. Estavam livres demais, soltos demais, propensos a fazer qualquer maldade no momento em que quisessem. E aquilo os assustou.
Ainda teriam acesso aos seus poderes, aqueles que os possuíam, mas de maneira limitada, assim como na Ilha. É claro que, sob constante vigilância, nenhum deles tentaria fazer algo muito grave a um morador de Grimadon, pois sabiam que nenhum deles era capaz de vencer uma luta contra Merlin ou seus aprendizes, mas os alunos da Happy Endings e da Hero Support não acreditavam nisso, e temiam pelo que poderia acontecer nos próximos dias. Os filhos dos vilões, é claro, aproveitariam disso para continuar a colocar medo naqueles que os temiam. Apesar de muito bem explicado sobre o funcionamento das escolas e todo o resto, ainda havia muita insegurança e muitas dúvidas, e eles finalizaram a reunião avisando que estariam disponíveis para falar individualmente com cada um que sentisse necessidade.
Mesmo que desejassem, as princesas não queriam perder tempo na fila quilométrica que se formaria na sala do diretor, e por isso levantaram-se para ir embora assim que foram dispensadas do encontro. Estavam irritadas, assim como todos os outros aprendizes, mas infelizmente não havia nada que pudesse ser feito. Merlin havia sido claro quando avisou que a decisão havia sido tomada, e aquilo era um ponto final naquele assunto. Assim que puseram os pés para fora do Salão Principal, sentiu um esbarrão forte em seu ombro. Quase caiu, mas foi amparada por Ella. Virou-se para ver quem havia sido, e seus olhos captaram a figura do filho mais velho do Gancho.
Hook, o pirata assustador de 1,95 de altura, sorria da maneira mais irônica possível para a princesa, e ela logo entendeu o recado. Aquilo era apenas o início de uma longa sessão de implicâncias constantes. Conhecia o histórico de crueldade do rapaz pelas histórias que as pessoas contavam, além de ela mesma já ter presenciado suas grosserias. O pirata era daquele jeito com todos, mas a princesa tinha a sensação de que com ela era sempre muito pior, e ela nunca entendeu o motivo. Sentia que poderia ter algo a ver com o passado de suas famílias, as histórias que não eram oficiais do conto e que Eric e Ariel preferiam não comentar, mas ela sabia que existiam. Não que ela quisesse saber, também, pois não se importava. Só queria que acabasse. Não era apenas desgosto. tinha medo de , e preocupou-se em ter que dividir o mesmo lugar com ele durante muito tempo.
Foi explicado que os nascidos na Ilha ficariam na Hero Support School, enquanto os filhos dos coadjuvantes viriam para a Happy Endings, e por isso todos precisavam se reorganizar. Uma lista com os nomes dos novos colegas de quarto foi disponibilizada no salão principal, com um efeito de voz gritando para eles que nada do que estava ali era questionável. Alguns detestaram, outros ficaram aliviados.
A Fada Madrinha teve a ideia de uma gincana para quebrar o gelo, e organizou tudo para receber os aprendizes no campo onde aconteciam vários tipos de treinamentos: voo, combate corporal, duelos de feitiços, até mesmo os jogos como futebol, beisebol e arco e flecha. O campo era um só e era adaptado através de magia para o evento esportivo que fosse. As princesas trocaram seus vestidos longos e casuais pelas roupas de treinamento, as quais algumas delas não tinham o costume de usar. Ella sentia-se muito mais confortável daquele jeito: de calça, blusa e bota sem salto. Cordella, Emmeline e Eudora, que dividiam o mesmo quarto, saíram juntas e caminharam em direção ao local combinado para encontrar a filha de Ariel.
— Achei que iam me mudar de quarto para ficar com a Chelsea, mas colocaram ela com alguém da idade dela. — Eudora comentou, certamente aliviada. As princesas e príncipes costumam ficar em duplas nos quartos, para melhor conforto. Típico favorecimento ao pessoal de sangue real. Mas como Rose ficava com , as outras três perturbaram o juízo de Merlin lá nos seus onze anos até conseguirem ficar juntas no mesmo quarto.
Nós perturbamos o Merlin demais há alguns anos para ele mudar de ideia agora. Acho que já está com problemas demais nesse momento. — Cordella debochou, e as três riram.
Cheguei! — anunciou sua chegada.
— Amiga, que cheiro é esse? — Emmeline percebeu, fazendo careta.
Nem me fale disso! — A ruiva revirou os olhos. Minha nova colega de quarto é Yuliana, a filha da Esmeralda. Ela já chegou espalhando suas pedras, cartas de tarot, ainda colocou uns incensos e perfumes estranhos. Que saudade da Rosie e do cheirinho de rosas que ela deixava no nosso quarto. — A princesa comentou, os olhos ameaçando lacrimejarem apenas de mencionar a melhor amiga falecida. Não que ela já não fosse uma grande chorona, de qualquer forma…
As amigas não resistiram a um risinho, mas Eudora a abraçou, e ela retribuiu. Era extremamente difícil para se desapegar das situações ou pessoas. Adorava sua vida e não queria que nada mudasse, então todo aquele contratempo a estava deixando sem estruturas. Não sabia lidar bem com mudanças bruscas, e gostava da segurança que a vida de princesa herdeira de um conto de fadas famoso lhe rendia.
Continuaram a caminhar até o campo. Chegando lá, ouviram o discurso da Fada Madrinha sobre otimismo, empatia e todas aquelas coisas que os filhos dos vilões desconheciam. Além da tentativa de transmitir uma mensagem de que a gincana foi idealizada no intuito de aproximar todos os aprendizes e que pudessem aprender a conviver uns com os outros. Foi quase unânime a reação de revirar os olhos, alguns até mesmo com braços cruzados e sorrisos zombeteiros. Como se a chance de mostrar competitividade pudesse ser uma boa oportunidade para unir os dois grupos. Ninguém acreditava que aquela possibilidade era real, mas não podiam contestar e seriam obrigados a participar.
Seriam sorteados os nomes e divididos em dois grupos, alguns iriam participar efetivamente das atividades, e outros simplesmente iriam ficar na torcida ou auxiliando os competidores de alguma forma. As amigas, infelizmente, não tiveram a sorte de ficarem no mesmo grupo, já que a intenção era aproximar os nascidos na Ilha e os moradores de Grimadon. e Emmeline lamentaram o fato de que, além de separadas em dois grupos diferentes, teriam de participar das tarefas. Preferiam ficar apenas na torcida, mas considerando que havia sido organizado pela Fada Madrinha, os exercícios não deveriam ser fisicamente complicados, não é? Infelizmente para essas duas princesinhas delicadas e melindrosas, elas estavam um pouco erradas.
O primeiro grupo era onde estavam Ella e , junto de Chelsea, Yuliana, e outros aprendizes. Ficaram conhecidos como o Grupo Azul, para facilitar na identificação do time. Emmeline e Eudora ficaram juntas no segundo grupo, chamados de Grupo Amarelo, junto dos filhos do Gancho e mais alguns filhos de vilões e mocinhos. Foram explicados que a primeira atividade era o famoso cabo-de-guerra, e eles teriam permissão de usarem seus poderes e criatividade. No início, os grupos pareciam equilibrados, ambos tinham homens fortes, mas o Grupo Amarelo decidiu usar um truque na manga que ninguém esperava: Kiera. A filha caçula do Capitão Hook havia nascido com o poder da super força, e embora não fosse bem treinada pela falta de um bom instrutor, ela conseguia carregar quase cinco vezes o seu peso.
Ainda assim, as coisas pareciam estar meio-a-meio, e foi quando um ou outro participante parecia desistir aos poucos. As forças de alguns como e Emmeline se acabavam, suas mãos começavam a ficar machucadas e elas simplesmente largaram a corda, junto de outros membros do grupo. O Grupo Amarelo acabou vencendo, e quase todos do Azul caíram na pequena poça de lama que estava no meio da corda. As risadas foram altas, de quase todos, e foi ajudar a amiga Ella que estava suja de lama. Um suave movimento da varinha de condão da filha da Fada Azul, e as roupas dos colegas de seu grupo estavam novamente limpas, e receberam um sorriso doce da fadinha em retribuição quando agradeceram pelo amparo.
A Fada Madrinha, com um sorriso animado no rosto, mostrou um placar flutuante marcando o primeiro ponto para o Grupo Amarelo. O painel com a pontuação sumiu novamente, e ela anunciou a próxima atividade com muita alegria. Será que ela não percebia que aquilo ainda era um erro? Durante todo o momento do cabo-de-guerra, houveram provocações veladas, sorrisos irônicos e olhares mortais. Aquilo não parecia estar aproximando os alunos, mas sim fazendo com que crescesse ainda mais o instinto de competição entre eles. Já era quase possível ver o momento em que competiriam com os membros do próprio grupo, os moradores da Ilha contra os de Grimadon.
O próximo seria a dança das cadeiras, e mais uma vez eles reviraram os olhos. Alguns tentaram contestar, dizendo que aquilo era uma brincadeira de criança. Ora, em Grimadon estavam acostumados a passar por atividades onde enfrentavam dragões e lutavam com espadas, em campos de treinamento. Tudo bem que era tudo parte de um feitiço para melhorar a capacitação dos aprendizes, e que nada daquilo era real, mas a aventura era muito maior, mais intensa e verdadeira do que uma dança das cadeiras.
Inconformados, foram proibidos de retrucar, e lá estavam eles mais uma vez posicionados para iniciar a atividade, que eles enxergavam como uma brincadeira boba de criança. E realmente era, devemos admitir. Mais uma vez tinham a permissão de usar seus poderes, e quando eles decidiram se unir por não estarem dispostos a perder, pensaram em como usar sua imaginação. O primeiro a sair foi Korak, o filho do Tarzan. O rapaz havia sido criado na selva como o pai, mas recentemente teve contato com pessoas e ainda mal falava o idioma comum. Não entendeu a brincadeira, e acabou ficando de pé. O rapaz era alto, forte e com o corpo perfeitamente desenhado, o que fazia com que muitas garotas o desejassem, mas o que ele tinha de beleza, tinha de ingenuidade, e não notava os olhares sedentos e descarados de muitas delas. O Grupo Azul perdia o seu primeiro integrante.
Continuaram a atividade, e todos pareciam ter sangue nos olhos. Um encarava o outro com raiva, como se aquilo fosse algo muito sério ou estivesse valendo algum prêmio muito importante. Nenhum deles estava preocupado com aquilo, apenas não queriam perder para o “inimigo”, que era como um grupo enxergava o outro. Mas não o Grupo Azul e o Grupo Amarelo, aquilo havia sido apenas um título para separá-los em duas equipes. Os grupos de verdade continuavam sendo os moradores de Grimadon versus moradores da Ilha. Ou seja, aquilo não uniu exatamente os filhos de vilões com filhos de mocinhos. Isso porque os alunos de Grimadon encaravam enraivecidos os membros de seu próprio grupo, desde que estes fossem os herdeiros dos antagonistas, assim como os alunos da Dark Side encaravam os mocinhos e princesas com um sorriso debochado no rosto, mesmo aqueles que eram de sua mesma equipe.
A próxima a sair foi Chelsea, filha de Charlotte La Bouff, que levou um empurrão de Sage, a neta do Mr. Smee. A princesa tentou reclamar, mas não houve objeção, então prosseguiram com o Grupo Azul perdendo mais um membro. Sage acabou sendo a próxima a sair, quando seu próprio irmão, Simon, que estava no grupo oposto, a empurrou para sentar-se em seu lugar.
— Traidor! — Sage gritou.
— Para você aprender a não ser malcriada e empurrar os outros. O irmão falou, e Sage mostrou a língua a ele.
deu a ideia de, para agilizar e acabar logo com a tortura, tirar três cadeiras de uma vez. A Fada Madrinha concedeu o pedido e três cadeiras sumiram como mágica. Mais algumas rodadas, saindo de três em três, e seis rodadas depois, restaram apenas nove dos mais de vinte participantes. Kiera estava imbatível, empurrando quem quer que fosse e mantendo o seu lugar. Cordella parecia igualmente empenhada em vencer. Até mesmo Emmeline, em toda sua doçura e delicadeza, estava se mantendo no jogo. e , por outro lado, pareciam estar competindo entre si. O pirata não tirava os olhos da princesa, e a cada vez que conseguiam manter-se na brincadeira, olhavam para o outro com o sorriso irônico. A ruiva detestava aquela atitude dele, e detestava ainda mais o fato de estar sucumbindo às provocações e agora ela agia exatamente como ele.
A próxima rodada tirou mais três, e do Grupo Azul restaram apenas Ella e . Na rodada seguinte, Emmeline perdeu de propósito, ficando de pé quando a música parou sem fazer esforço para conseguir o seu lugar. Além de ter segurado os braços de Vivianna, a filha da Rainha Má, como se fosse cair, para evitar que ela se sentasse. Como se ser a filha de Branca de Neve já não fosse o suficiente para Vivianna odiá-la. Ergueu os ombros e pressionou os lábios, como se pedisse desculpas por estar fora, mas não lamentava realmente. A filha da Branca de Neve foi a única que restou dos mocinhos no Grupo Amarelo, e não queria que um deles vencesse suas amigas. Kiera estava tão concentrada em tirar , que não viu Cordella chegar por trás e empurrá-la para sentar-se na cadeira. Dessa forma, restaram , e Ella.
Todos perceberam que, a real disputa ali e agora, era entre e , que continuavam a se encarar com os olhos semicerrados e as sobrancelhas quase unidas. A música pareceu durar uma eternidade para parar, e quando finalmente aconteceu, os três correram para onde a última cadeira estava afastada, e a ruiva nunca tinha corrido tanto em sua vida. Cordella era uma ótima corredora, mas tropeçou em alguma coisa e acabou caindo, machucando o calcanhar. Os dois chegaram juntos, mas por questão de segundos, sentou antes. No susto e sem controlar a velocidade do corpo que estava correndo, caiu em cima dele. A cadeira caiu para trás, levando o pirata ao chão enquanto a princesa estava em seu colo.
— Princesa, se queria sentar no meu colo, era só pedir com carinho. Não precisava de todo esse esforço. — Hook debochou, e ela lhe encheu de tapas enquanto ele ria cheio de sarcasmo. A ruiva tentava levantar, e não conseguia.
Seu idiota! Idiota, idiota, idiota… — A cada palavra, um novo tapa. Não que suas mãos delicadas realmente pudessem causar alguma dor no corpo do rapaz, que era forte e musculoso, cheio de cicatrizes de lutas de espadas.
Com facilidade, segurou pela cintura e levantou-se junto dela. Ainda com os braços em volta da princesa, os dois perceberam que estavam perto demais, como nunca estiveram antes. Mas não houve tempo para que pudesse se instaurar qualquer clima, pois os outros aprendizes chegaram correndo para ver o que havia acontecido. A Fada Azul e a Fada Madrinha chegaram voando - literalmente - e pousaram perto dos dois. Só então a ruiva empurrou o pirata com força pelo peito, para afastá-lo. A cadeira caída no chão e os outros esperando que eles dissessem, afinal, quem havia vencido.
Quem sentou primeiro? — Fada Azul perguntou.
Eu, é claro. — tratou logo de se pronunciar. Encarou a princesa com um olhar sugestivo, de quem estava a provocando para iniciar uma briga.
sabia que haviam muito mais chances das Fadas acreditarem nela ao invés dele, mas aquilo lhe faria mal. Detestava mentir e ser desonesta. Além de que estaria cedendo à provocação de e acabaria entrando em uma discussão que não queria.
Foi ele mesmo quem chegou primeiro. — Admitiu, baixinho, sentindo o orgulho ferido.
O Grupo Amarelo comemorou, aproximando-se de para cumprimentá-lo e ela apenas se afastou. Pisava forte no chão, com raiva do acontecido, mas as amigas tentavam confortá-la dizendo que havia ido muito bem e surpreendido a todos. Era verdade, e ela não estaria assim se tivesse perdido para qualquer outra pessoa. Afinal de contas, o problema não era perder, e sim perder para Hook.
O Amarelo marcava seu segundo ponto, e a Fada Madrinha seguia insistente com a ideia da gincana. Os alunos do Amarelo começaram a se animar, especialmente o pessoal do Castigo, e foi anunciado que o próximo seria uma corrida com obstáculos. Fada Azul explicou quais seriam os tais obstáculos para que eles pudessem se preparar e dividir quem participaria de cada etapa. Assim que estava tudo definido, começaria a corrida, e eles receberam alguns minutos para se organizarem. Havia sido explicado que a corrida com obstáculos seria realizada em várias etapas, como uma corrida de revezamento, e que cada etapa valeria um ponto. Dessa forma, o Grupo Azul tinha chances de virar o jogo e mudar o placar final. Então após as recomendações finais, e os minutos para se prepararem, posicionaram-se nos lugares indicados pela fada.
A primeira parte era simples. Os alunos colocariam uma colher na boca, e apoiada nela estaria um ovo de galinha. A ideia era que caminhassem um comprido percurso, até alcançarem o segundo membro do grupo e dessem continuidade à corrida de revezamento com obstáculos. O Grupo Azul escolheu Chelsea, a filha de Charlotte La Bouff, e o Grupo Amarelo escolheu Sage, a filha do Mr. Smee. Alguns membros do Azul queriam escolher outra pessoa, mas foram convencidos de que, para serem justos, precisavam escolher uma criança. Além do mais, as duas pareceram ter uma espécie de rivalidade no outro jogo, e todos estavam empenhados em manter qualquer rivalidade pessoal acesa, pelo bem do entretenimento.
E então começou a corrida, e as duas estavam empatadas. La Bouff surpreendeu com sua agilidade, mesmo sendo uma princesa cheia de mimos. Infelizmente, sua concorrente vinha da Ilha do Castigo, um lugar onde estavam acostumados a jogar sujo e, disfarçadamente, Sage colocou o pé na frente para que Chelsea caísse e precisasse voltar ao início. A cara de criança travessa de Sage arrancou risada dos filhos do Gancho, que a conheciam há muito tempo. Dessa forma, atrasou o Grupo Azul, e o Grupo Amarelo marcou o primeiro ponto da corrida.
A segunda parte era conhecida como Corrida da Roupa Congelada. As fadas usaram um feitiço para deixarem as peças de roupas insuportavelmente frias, cheias de neve e endurecidas pelo gelo. A tarefa do corredor era vesti-las rapidamente, e correr um certo percurso vestindo as peças. O Grupo Amarelo estava na frente, e Morden, filho do Flautista de Hamelin, era o responsável por essa etapa. Estava com dificuldades de vestir, além do corpo não resistir à friagem, e isso deu tempo de Chelsea terminar a primeira fase e alcançar a segunda competidora. Para o azar do Grupo Amarelo, tratava-se de Esmeray, a filha da Elsa que possuía os mesmos poderes da mãe. Com um sorriso confiante no rosto, Esmeray vestiu as roupas rapidamente e fitou Morden com seu melhor olhar irônico.
O frio não vai mesmo me incomodar… Otário! — Mostrou o dedo do meio ao rapaz, e correu em direção ao próximo competidor de seu grupo.
A torcida do Grupo Azul vibrou, e movido pela força do ódio, Morden superou o frio e vestiu as roupas um pouco desajeitadamente. Correu de forma engraçada, mas não conseguiu alcançar Esmeray, que já havia tocado a mão do participante seguinte de seu grupo para que eles pudessem seguir adiante. Agora o Azul tinha a liderança, mas não demorou muito para que Morden os alcançasse e o Amarelo também começasse a terceira etapa da corrida.
A parte número três tratava-se de uma corrida de três pernas, ou seja, seria feita em dupla. A Fada Madrinha usou novamente sua varinha, e uma corda voou pelo ar até alcançar as pernas dos participantes, unindo a perna esquerda de um com a direita de outro. Terminado o rápido feitiço, os alunos estavam liberados para correr o espaço pré-determinado, até encontrarem os próximos competidores de seus devidos grupos. Nessa fase, o Grupo Azul havia escolhido Yuliana, a filha da Esmeralda, e Jahid, o filho do Jafar. Os dois nunca haviam se falado, e aparentemente tinham tudo para não se dar bem, mas estranhamente, os dois entraram em uma sintonia perfeita e conseguiram correr juntos sem uma queda sequer.
Aquilo foi o suficiente para irritar as participantes do Grupo Amarelo. Eudora, a filha de Tiana, estava com sua perna direita amarrada à Norah, a filha do Dr. Facilier. Naturalmente, as duas não se davam bem por rancores do passado relacionados aos seus pais, e mesmo sendo duas competitivas natas, não queriam dar o braço à torcer, e demoraram a entrar em um consenso. Dessa forma, o Grupo Azul seguia na liderança, e Yuliana e Jahid já haviam tocado as mãos dos próximos competidores de seu grupo. As integrantes do Grupo Amarelo, por outro lado, perderam um bom tempo discutindo, e enquanto ainda tentavam conseguir um jeito de chegar ao final daquele percurso, o Grupo Azul já iniciava a próxima parte.
Passo número quatro: mímica. Aquele momento não exigia força física ou inteligência fora do normal, apenas que conhecessem bem os contos, fossem rápidos e houvesse sintonia nas pessoas que participavam. Uma pessoa do grupo recebeu um papel escrito cinco títulos de contos de fadas, e a outra pessoa tentaria adivinhar, através de mímica, de qual história se tratava. Competindo pelo Grupo Azul tinham Asher, filho da Drizella, e Viktoria, filha do Lobo Mau. Eram bastante amigos, e com o tempo de vantagem que tinham - já que Eudora e Norah continuavam a discutir na prova anterior antes de chegar ao final da pequena jornada - todos esperavam que fossem conseguir aquele ponto. O Grupo Azul já cantava sua vitória.
Estavam se precipitando.
Asher era um tanto… lento. Demorava a entender as coisas, não captava ironias ou duplo sentido em piadas, e geralmente não memorizava muitas informações. Entretanto, tinha um rosto lindo e um corpo igualmente belo, de forma que mantinha sua popularidade no Castigo baseada nessas características. Sua função era fazer sua irmã descobrir A Bela Adormecida, o que poderia parecer muito simples de se fazer, mas ele complicava desnecessariamente. Fingiu ser uma princesa, segurando um príncipe imaginário e dançando uma valsa.
Ash, praticamente em todos os contos de princesas, elas dançam com o príncipe. Preciso de mais informações. Viktoria revirou os olhos.
Ah, claro! — Ele parou de dançar, e olhou para a amiga. — É o conto daquela princesa que dorme por cem anos. — Abriu um sorriso bobo, e piscou para Viktoria, orgulhoso de sua atitude.
Asher! Não pode falar. — Ela gritou, irritada.
— Ué, mas você disse que precisava de informações.
— Informações na mímica, seu idiota!
— Esse ponto não vai valer! —
Fada Madrinha indicou.
— ARGH! Que ódio, Asher! A garota grunhiu. — Fica de boca fechada! Só… faz a mímica. Eu me viro.
Logo após o pedido, chegaram os participantes do Grupo Amarelo. Eudora e Norah continuavam a discutir um pouco distante dali, tentando desamarrar as pernas e se afastar uma da outra. Chegaram ao final da tarefa com dificuldade, quase desistindo, mas tocaram a mão de Emmeline, que correu para a prova da mímica. Seu parceiro seria Donnie, o segundo filho do Gancho. Emme recebeu o papel e respirou fundo antes de começar. Sua primeira tentativa foi fácil: o conto do qual ela era herdeira. Então apenas apontou para si mesma.
Branca de Neve e os Sete Anões! Donnie gritou, animado. Emmeline comemorou, continuando logo depois. Para o próximo, retirou o seu sapato, apoiou no chão e fingiu correr na direção oposta. Cinderela! Donnie acertou, novamente. O placar flutuante ao lado da Fada Madrinha contava os pontos automaticamente. Aquilo desconcentrou os integrantes da outra equipe, irritando Viktoria.
Pelo amor de Grimm, Asher! Me ajuda! Mas sem falar! — A menina falou, e o outro tentou se esforçar um pouco mais. Fez o número três com a mão e imitou um porquinho. — Os três porquinhos! Ela disse animada, os dois comemoraram. O ponto apareceu no placar, e eles prosseguiram.
Mulan! Donnie gritou a resposta, eletrizado junto com a torcida de seu grupo. Emmeline representou a icônica cena de Mulan cortando o próprio cabelo com a espada. Era estranho que um herdeiro de vilão soubesse tanto de contos de fadas, mas Donnie era extremamente aplicado e estudioso, e já havia lido todos os poucos livros disponíveis na biblioteca da Dark Side. Rapunzel! Ele gritou, novamente, quando Emmeline fez a mímica apontando para o cabelo e explicando o comprimento.
O Flautista de Hamelin! — Disse Viktoria, competitiva, quando o melhor amigo fez a mímica de alguém tocando flauta. — Chapeuzinho Vermelho! — Falou o penúltimo, após vê-lo apontar para ela, filha do Lobo Mau, ela logo deduziu de qual conto se tratava.
— Ei, isso vale? — Um integrante do Grupo Azul tentou interferir.
— Eu apontei para mim mesma para o Donnie acertar Branca de Neve. A própria Emmeline falou. Realmente, boazinha e ingênua demais, defendendo o adversário. Os participantes de seu grupo reviraram os olhos, mas ela não prestou atenção, voltando a focar na mímica. Fez o sinal de três com a mão e depois enrolou os dedos no ar, na direção dos cabelos, para representar os cachos.
Cachinhos Dourados e os Três Ursos! Donnie gritou o último conto e partiram para a próxima prova.
ASHER, VAI LOGO! Viktoria gritou irritada, mas o rapaz não mudava a mímica. Continuava com dois dedos no ar, o indicador e o polegar, bem próximos um dos outro. Sua tentativa era representar algo pequeno, mais precisamente um feijão, mas a irmã jamais poderia imaginar baseado naquela péssima mímica. Demorou algum tempo, depois de dizer vários contos aleatórios, até ela dizer: João e o Pé de Feijão? Disse em tom desanimado, depois de falar o nome de mais de dez contos, e o Tremaine comemorou. O ponto surgiu no placar, e ela levantou e correu com vigorosidade e raiva para a próxima prova, dando um empurrão em Emmeline no caminho. Donnie a ajudou a se levantar.
Que atitude ridícula, Viktoria! Ele repreendeu.
Cala a boca, frutinha! — A garota provocou, e voltou correndo para seu grupo.
O empurrão havia sido por pura implicância, já que Emmeline e Donnie já haviam tocado na mão dos executores da próxima prova, dando passe livre para começarem. Essa fase tratava-se de uma corrida do saco, onde dois participantes de cada equipe entravam em um grande saco de batatas e corriam um determinado percurso. A filha da Rainha de Copas, Hyori, era do Grupo Azul e recusou-se a entrar na sacola. Levaram alguns minutos para convencê-la, tempo o suficiente para serem alcançados pelo Grupo Amarelo. Agora lá estava Chase, filho da Cinderela e irmão de Cordella, dividindo o mesmo pedaço de pano que Lisbeth, a adorável e sensível filha da Rainha Má. Os dois demoraram um pouco para se entender, e a menina ficou levemente constrangida por ocupar espaço demais dentro do saco. Lisbeth era linda, dona de um sorriso encantador, mas seu corpo estava longe de se parecer com os padrões de princesa. Sempre foi gordinha, e isso a incomodou durante anos.
Está tudo bem! Vamos lá? — Chase tentou ser gentil, e ela sorriu. Com um pouco mais de confiança, os dois começaram a pular. Houve dificuldade no início, mas aos poucos foram conseguindo não cair ou desequilibrar tanto.
Hyori, detestando a situação, entrou no saco de batatas reclamando e sendo extremamente grosseira, enquanto Neevan, o filho mais velho de Tiana e irmão de Eudora, tentava manter-se paciente e educado, como sua mãe muito lhe ensinou.
— Hyori, a gente precisa… — Ele tentou, ela o interrompeu.
— É Princesa Hyori, para você! Minha mãe é a Rainha de Copas, soberana do País das Maravilhas, respeite o meu título. Dizia, de nariz em pé. Neevan lutou contra a vontade de revirar os olhos. — Não quero estragar minha pele de seda nesse saco fedorento.
Tudo bem… Princesa Hyori. — Ele repetiu. Que tal se você subisse nas minhas costas? Sua pele não ia entrar em contato com o saco e acho que não estaríamos quebrando nenhuma regra.
— Parece uma boa ideia!
Ela cedeu, depois de um tempo analisando. Gostei de você, Neevan! — Disse, sorrindo.
Hyori subiu nas costas do Príncipe da Maldônia, que já estava dentro do saco. Enroscou as pernas em sua cintura e os braços seguraram firmes em seus ombros. Quase como um sapo - que ironia, não? - o filho de Tiana começou a pular sem dificuldades. Exceto pelo fato de que carregava um peso nas costas. Infelizmente, não havia sido agraciado com o dom da super força. Por segundos de diferença, Chase e Lisbeth chegaram antes, marcando o ponto para o Grupo Amarelo. As duas equipes, apesar da pontuação diferente, estavam quase empatadas, já que para a próxima atividade, os dois grupos estavam posicionados para começar.
Seria uma corrida de vassouras, mas em dupla. Como funcionaria? Bom, eles precisavam usar a imaginação. Ou os seus poderes. Um aprendiz estaria montado na vassoura, enquanto o outro o guia pelo caminho até o fim daquela parte da corrida. O grupo Azul, contava com Florence, a filha da Fada Azul, e Simon, neto do Mr. Smee, e não demorou muito para que ela achasse a solução. O pequeno subiu na vassoura e, com sua varinha, a fadinha usou um feitiço simples de levitação para levá-lo até o destino daquela etapa. No grupo Amarelo, participavam Kiera Hook, filha do Gancho, e Otto D’Rose, um dos filhos de Bela e Adam. A ideia da garota era que ele montasse na vassoura para ela carregá-lo, mas o rapaz era cavalheiro demais e se recusava a deixar uma donzela numa situação daquela. Irritada e revirando os olhos, ela gritou.
Vocês, príncipes, são um saco! — Provocou, mas logo lembrou-se que estavam no mesmo time. Do contrário, ela o irritaria até o limite e o encheria de pancadas com muito prazer. Mas antes que ele pudesse dizer algo, ela completou. Anda, seu bundão, sobe nessa merda de vassoura que eu te levo. Eu tenho super força, vai ser mais rápido.
Desistindo de retrucar, Otto montou na vassoura. Kiera, sem dificuldade, o ergueu do chão, apoiando a vassoura em seu ombro e correndo em direção ao filho de Gaston, que cumpriria a próxima fase da corrida. A caçula do Gancho não foi rápida o suficiente para ganhar o ponto daquela parte da tarefa para sua equipe, por culpa do pequeno conflito com o filho de Bela, mas ao menos havia melhorado as chances de seu companheiro marcar o ponto da próxima rodada.
O próximo exigia mais treinamento e condicionamento físico. Os aprendizes receberam uma bolsa com alguns objetos e deveriam pular alguns muros, um mais alto do que o outro, até escalar o último, chegar ao outro lado, e entregar a bolsa para o próximo corredor da equipe. O competidor da Equipe Amarela, era Antoni LeGume, filho do Gaston. Era bonito, elegante e facilmente sua aparência poderia fazê-lo se passar por um morador de Grimadon, se não fosse por sua personalidade mesquinha e podre, a qual ele escondia muito bem de todos. Bom, quase todos. A competidora pela Equipe Azul, era Cordella, filha da Cinderela. Apesar de ser descredibilizada inicialmente, ela implorou que seus companheiros de grupo a deixassem cumprir aquela fase. Isso porque, secretamente, ela vinha faltando algumas aulas de etiqueta para se dedicar às aulas de condicionamento físico, aula que as princesas não tinham permissão de frequentar.
— Quer que eu te carregue no colo, princesa? Posso te dar um beijo como recompensa no final. Antoni flertou, sussurrando próximo à ela. Os dois ainda estavam parados, aguardando os objetos na bolsa, e pensavam em como amarrar em si para não perder durante a corrida.
— Que horror, garoto! Cordella se irritou, o empurrando. Se chegar perto de mim de novo… — Ela tentou ameaçar, mas ele a interrompeu.
Vai fazer o que, princesinha? Deixar seu sapato para trás para me fazer correr atrás de você? — Ele provocou, fazendo referência ao conto de sua mãe. Tantos adversários bons aqui, e me colocaram para competir com você. — Antoni desdenhou, e aquilo foi o suficiente para os olhos de Cordella se encherem de ódio.
Você está certo. Então acho que eu deveria desistir logo, não é? Pode ir, não vou participar dessa atividade. — Fingiu um tom entristecido, mas o príncipe não notou que era apenas um pequeno teatro.
— O que é isso, não desista tão fácil, princesa. Anda, vou te dar alguns minutos de vantagem. Pode ir na frente. Antoni continuava provocativo, e Cordella teve de reunir todas as suas forças para não agredi-lo e perder sua razão.
Não, eu já me decidi. Não vou mais participar. Pode ir. Boa sorte! Disse ela, virando-se para o lado oposto e sentando-se na grama do campo.
Tanto faz… O aprendiz deu de ombros, e começou a correr na direção da prova.
Assim que ele pulou a primeira mureta, assustou-se com a presença de Cordella ao seu lado. Como ela havia conseguido alcançá-lo? Não houve tempo para perguntas, apenas notou o sorriso de escárnio estampando o rosto da descendente de Cinderela, e o filho de Gaston precisou engolir o próprio orgulho e continuar a correr. Estava cada vez mais difícil acompanhá-la, que somou sua inteligência com sua disciplina corporal e usou uma vareta para lhe ajudar nos saltos. Pulava os obstáculos cada vez mais rápido e com mais facilidade, e logo Antoni já estava para trás. Cordella errou ao olhar para trás, e acabou tropeçando e machucando o tornozelo que ainda não havia se recuperado totalmente da queda durante a dança da cadeira. O nervosismo dificultou para que levantasse, e dessa forma o adversário a estava alcançando. Emmeline, um pouco distante, observava a cena e ficou extremamente apreensiva pela melhor amiga.
Mesmo com dor, Cordella levantou e usou a comprida vara para lhe ajudar a caminhar até o último muro, o mais alto de todos. Houve dificuldade para escalar, mas ainda assim se saiu melhor do que o concorrente. Por fim, o corpo sarado de Antoni não passava de pose para agradar a si mesmo e encher os olhos das garotas, porque não estava nem perto de ter o quase impecável condicionamento físico da herdeira de Cinderela. Com maestria, ela desceu o muro primeiro, marcando o ponto para sua equipe. Entregou a bolsa para o próximo competir de sua equipe, e Antoni fez o mesmo alguns minutos depois.
Muito bom, Antoni. Nota 2. Ella debochou, quando ele chegou ao solo.
— Surpreendente, princesa. — Disse o rapaz, a contragosto. As respirações de ambos eram ofegantes, e Cordella deu alguns passos para ficar mais próxima dele.
— “Tantos adversários bons aqui, e me colocaram para competir com você.” Cordella repetiu a fala dele, palavra por palavra, com o sorriso mais irônico que poderia ter, e foi procurar por ajuda para seu pé machucado, sendo recebida por Emmeline, que apesar de estar na equipe adversária, jamais deixaria a melhor amiga sem amparo.
O placar alterou novamente, mais um ponto para a Equipe Azul. A próxima atividade já havia começado, os dois competidores ao mesmo tempo. Korak, o filho de Tarzan, competia pela Azul, enquanto Vivianna, filha da Rainha Má, competia pela Amarela. A prova consistia em escalar algumas árvores, usando poderes, habilidade, cipós… Korak seria o vencedor, era o óbvio. Por qual motivo a Equipe Amarela havia escolhido Vivianna, então? Bem, suas artimanhas e lábia sempre a faziam conseguir o que queria. Não era um superpoder, apenas uma habilidade que adquiriu com a sabedoria e influência de sua mãe.
— Ai! Não vou conseguir fazer isso! — Reclamou Vivianna, chamando a atenção de Korak. O pobrezinho era bondoso, criado no meio dos gorilas com seus pais, carregava a ingenuidade e gentileza no coração gentil, assim como o pai.
— Ajuda a menina precisar? — Ofereceu, com toda a sua inocência. Sua fala esquisita devia-se ao fato de se comunicar com os gorilas por anos, e raramente fazer uso da Língua Comum. O pouco que sabia, havia sido ensinado por Jane, sua mãe. Vivianna, esperta como era, decidiu aproveitar da estupidez do rapaz e também de seu belo corpo.
Quero, por favor. — Continuou com seu pequeno teatro de coitadinha, e Korak caiu facilmente.
Com facilidade, o filho de Tarzan segurou Vivianna com apenas um braço e pediu que se segurasse. A esperta garota aproveitou para analisar com as próprias mãos os músculos bem definidos do rapaz, que não conseguia enxergar as segundas intenções da jovem, por mais óbvias que fossem. Quando a Equipe Amarela viu o que Vivianna fazia, comemorou a esperteza, enquanto a Equipe Azul gritava para que Korak a soltasse. Inutilmente, é claro, já que pela distância, o descendente jamais escutaria os companheiros de grupo.
Um cipó atrás do outro, os dois chegaram juntos e com muita rapidez até o final das árvores que haviam sido postas ali através de uma magia da varinha da Fada Azul. Iriam sumir logo que acabasse a gincana. Assim que pousaram, Korak largou os cipós e colocou a filha da Rainha Má no chão, sorrindo tão docemente para ela que teria amolecido o coração de qualquer um. Exceto, é claro, da desalmada e insensível filha da Evil Queen.
— Desculpe por isso, filho de Tarzan. Vivianna falou, sem se importar de lembrar o nome do rapaz. Mas leve como uma lição: nunca confie nos seus inimigos. — Ela disse antes de lhe chutar entre as pernas e sair correndo até a linha final daquela prova.
Korak abaixou-se no chão, sentindo muita dor e com extrema dificuldade de correr, o que deu uma grande vantagem à Vivianna. Alguns aprendizes tentaram protestar e o caos começou a se instaurar, mas alguns alunos ficaram mais concentrados em continuar torcendo por sua equipe.
A filha da Evil Queen chegou à próxima fase entregando a bolsa com os objetos que carregou em seu pescoço para a próxima participante. Marabella, filha biológica da Mama Gothel, que não era tão amada por não possuir os poderes de Rapunzel, pegou os objetos e correu para sua prova. Korak chegou um tempo depois, e do seu grupo a responsável pela próxima prova era Kalissa, a neta de Madame Min, que chegou para competir quando Marabella já havia começado, ou seja, estava em desvantagem.
Dessa vez, nenhuma delas precisou de esforço físico. Sentaram-se em uma cadeira, vendaram os seus olhos, e usariam os próprios pés para abrir a bolsa e descobrir quais eram os três objetos que estavam dentro. A disputa pareceu ser acirrada, visto que a filha de Gothel já havia iniciado a prova há alguns minutos, mas sendo neta de Madame Min e tendo sido criada pela mesma, Kalissa tinha suas esquisitices, e uma delas era preparar poções usando os próprios pés. Dessa forma, aquela era uma habilidade que lhe foi muito útil naquele momento. Kalissa acertou os três objetos antes que Marabella conseguisse descobrir o primeiro, então retirou a venda e correu para a próxima fase.
Kalissa recebeu um balão da Fada Madrinha, que precisava ser entregue ao próximo competidor de sua equipe. A próxima etapa consistia em descobrir a frase desembaralhando as letras. Assim que o membro da equipe recebia o balão, deveria estourá-lo. Com isso, o feitiço dentro do objeto se libertaria, e ficaria pairando no ar algumas letras soltas. O objetivo era colocá-las em ordem e formar uma frase. Nenhuma outra dica, apenas isso. Parecia complicado, e o tempo de vantagem era extremamente importante naquele momento. Infelizmente, tratava-se de Buck na equipe Azul, o filho do Lobo Mau que não era um bom exemplo de inteligência.
Marabella demorou um longo tempo para finalizar sua tarefa de descobrir os objetos com os pés, e assim que finalizou, correu para entregar o balão para Edwyn, o filho da Branca de Neve e irmão de Emmeline, que estava ali representando o Amarelo. Buck já havia descoberto algumas palavras, ou pelo menos achava que tinha. Fato é que estava longe de formar a frase completa e, para a sorte da equipe Azul, o príncipe já estava pensando em sua estratégia. É claro que seria uma frase longa, e certamente a Fada Azul escolheria alguma famosa. Tentou analisar as letras e pensar em diversas frases, e foi quando depois de analisar as possibilidades, conseguiu descobrir a sua.
— “Nosso destino vive dentro de nós. Você só precisa ser valente o bastante para vê-lo.” — Edwyn disse em voz alta, a frase do conto Valente, assim que encaixou as letras flutuantes em seus lugares certos. Sua equipe comemorou, e ele correu para finalizar a última parte da corrida.
Assim que a frase era colocada em ordem e lida em voz alta, as letras flutuantes tornavam-se, através de mágica, uma enorme e pesada bandeira da cor da equipe, a qual o herdeiro de Branca de Neve precisava entregar à princesa de cabelos ruivos. No meio da multidão, as fadas se distraíram vendo a alegria dos aprendizes. Alguns dos filhos de vilões já abraçavam os filhos dos mocinhos sem nem perceber. Esqueceram as brigas e os preconceitos, exatamente como foi a ideia inicial da Fada Madrinha. Aproveitando o pequeno deslize das fadas que monitoravam a gincana, Florence usou sua varinha para um feitiço de sussurro. Uma voz baixinha cochichou no ouvido de Buck a frase correta.
“Não posso voltar para ontem, porque lá eu era uma outra pessoa.” — O filho do Lobo Mau leu em voz alta, a frase do conto Alice no País das Maravilhas, chamando a atenção das fadas. Dessa forma, teve liberdade para correr até , que finalizaria a última etapa da corrida para sua equipe.
já corria com a bandeira, meio sem jeito pelo peso mas esforçando-se mais do que em qualquer outra aula que exigisse esforço físico. Não era uma boa atleta, mas usava bem as suas pernas para correr, e movida pelo orgulho e a raiva, corria ainda mais rápido do que o seu padrão. Infelizmente, o filho do Hook tinha longas pernas e a alcançou com certa facilidade. Os dois estavam chegando próximo ao círculo branco desenhado no chão, onde deveriam colocar suas bandeiras. Os outros aprendizes corriam atrás para ver quem chegaria primeiro.
A decepção veio quando perceberam que os dois chegaram ao mesmo tempo e as bandeiras haviam sido colocadas no mesmo momento. estava ofegante, sentindo o coração bater muito mais forte do que o normal, mas não conseguiu evitar de olhar para com o olhar irritado. O sorriso provocativo dele, enquanto estava igualmente ofegante, fez ela se estressar ainda mais.
Eu cheguei primeiro dessa vez. — falou assim que as fadas se aproximaram.
— Nada disso! Eu coloquei a bandeira antes. — Reclamou o pirata.
Crianças, sem briga! — Fada Madrinha falou, e revirou os olhos ao ouvir “crianças” para se referir a ele. Será que ela sabia que ele costumava saquear cidades e cortar gargantas? Vamos usar o nosso replay! Disse, animada.
Que replay? — e falaram juntos, com o cenho franzido, igualmente confusos.
As fadas se entreolharam, sorrindo e então sacudiram as suas varinhas ao mesmo momento, em perfeita sincronia. Usaram o feitiço do tempo para voltar alguns segundos. Funcionava como um controle remoto, onde você volta uma cena e assiste quantas vezes quiser, até em câmera lenta. Assistiram o que aconteceu como espectadoras, sem poder interagir com os outros presentes, exatamente como assistir a uma cena em um filme. Passaram o tempo no modo lento para observar quem havia chegado primeiro, e perceberam que por milésimos de segundos, havia um vencedor.
Eu adoro esse feitiço! — Fada Madrinha disse animada.
E parece que achamos quem venceu. — Fada Azul completou.
Mais um movimento em perfeita sincronia com as duas varinhas, e o feitiço se encerrou. Para os outros que não estavam incluídos no feitiço, os que ficaram no tempo presente, sentiram como se não tivesse passado um segundo sequer. Tudo voltou ao normal, e os outros aprendizes não sentiram diferença alguma.
Que replay? e repetiram, mas para eles era a primeira vez que falavam.
Usamos um feitiço do tempo. — A Fada Azul explicou, e a filha de Ariel logo entendeu. , por outro lado, não, mas preferiu não perguntar.
E afinal, quem marcou o ponto? Hook perguntou, impaciente, de braços cruzados.
As fadas se entreolharam com um sorriso no rosto, fazendo um pequeno mistério, antes de responder.

Capítulo 3

“Se seguir pegadas de um estranho, você vai aprender coisas que nunca soube, e mil surpresas vai achar ao seu redor.”
(Pocahontas)

chegou primeiro! Ponto para a Equipe Azul! — Fada Azul disse, ouvindo a gritaria em celebração dos outros ao fundo. cruzou os braços, irritado.
— Mas… — A Fada Madrinha interrompeu, e todos ficaram tensos. Só então notaram que o placar não havia subido e nem fogos de artifícios das cores da equipe pairavam no ar. Os moradores do Castigo não sabiam que isso iria acontecer, mas os de Grimadon sabiam muito bem. — Mesmo com esse ponto, a Equipe Azul fica com 10, e a Equipe Amarela tem 11 pontos, ou seja…
A explicação foi interrompida com os gritos animados da equipe. Sem mais o que fazer, o placar voltou a pairar no ar, e a Fada Azul lançou os fogos de artifício na cor amarela e aplaudiu suavemente a equipe. , por um momento, descruzou os braços, e era possível dizer que havia uma sombra sutil de um sorriso escondido debaixo daquela barba volumosa. Dessa vez, foi quem cruzou os braços e revirou os olhos, e ele jamais perderia essa oportunidade de provocar.
— Tanto esforço para nada… Deve estar se sentindo uma idiota. — disse, ao se aproximar, fazendo com que ela, só agora, notasse a presença dele.
— O importante é competir. — Repetiu o que sempre dizia, e verdadeiramente acreditava nisso. Mas não ali, naquela gincana. Não quando se tratava de perder para e seus amigos castigados. Eles nem deviam estar ali! — Que bom que você sentiu um pouquinho do gosto da vitória. Já que logo vai voltar pro Castigo e nunca mais vai poder participar. — devolveu a provocação, com um sorriso debochado que não parecia com ela.
— Eu torço para que isso seja logo. — Os dois continuavam a se alfinetar, enquanto ao fundo, os outros pareciam ter esquecido suas diferenças um pouco, e uma equipe comemorava e a outra se consolava. Menos eles dois. e pareciam ter uma rixa interna, e nenhum deles parecia querer ceder.
— Também espero. —
Ela devolveu, sentindo-o se aproximar para cochichar em seu ouvido.
— Porque é insuportável ficar perto dessa gentinha egocêntrica, como você.
— Você nem me conhece, seu idiota! —
Ao contrário dele, a ruiva não sussurrou. Qualquer um podia ouvi-los agora, se não estivessem tão empenhados em comemorar a vitória ou lamentar a perda. — Depois diz que nós julgamos vocês sem conhecer, mas vocês também fazem isso, seu…
! —
A princesa foi interrompida por uma voz conhecida. Virou-se para ver de quem se tratava, e a cara enraivecida cedeu para um sorriso bobo.
— Oi, Otto. — Ela cumprimentou o filho da Bela, que se aproximou dos dois. Naquele momento, ela nem se importava mais com ali. — Parabéns pela vitória!
— Eu também estou na equipe vencedora, princesa. —
disse, com aquele tom debochado ao citar o título de princesa que carregava. Ela nem o olhou, apenas revirou os olhos e continuou sorrindo para Otto.
— Estou interrompendo alguma coisa? Ou posso te roubar um pouquinho?
— É claro que pode! Não estou fazendo nada de interessante. Ou relevante. —
Olhou para , ao dizer, então entrelaçou o braço ao de Otto e saíram caminhando na direção oposta.
— Irmão! — Kiera e Donnie disseram juntos, animados, correndo até o mais velho e pulando em seu colo.
— Ei, calma aí! Quem tem superforça aqui é a Kiera! — Ele brincou, mas segurava os dois.
— Nós três ficamos na equipe vencedora, big bro. Tira essa cara de enterro e vamos comemorar. — A caçula disse, saltando do colo dele.
— Por que a cara de enterro, aliás? — Donnie perguntou, só agora reparando que, antes, o irmão parecia incomodado, irritado.
— Nada de importante. É só que me irrita estar aqui.
— Bom, talvez o seu humor melhore com uma festa. E com bebidas. —
Kiera disse.
— Isso se Merlin permitir. — Donnie acrescentou.
— Não seja pessimista, Donovar.
— Não me chama pelo nome! —
Ele reclamou. riu, abraçando os dois irmãos e caminhando ao lado deles, que discutiam como duas crianças.

Por fim, a insistência foi tanta que as fadas conseguiram convencer Merlin a liberar a festa no Lago Encantado. Os jovens, provavelmente, fariam de forma ilegal, e não era bom fechar os olhos para isso, já que agora tinham companhias que precisavam ficar de olho, então liberar foi a melhor solução. É claro que cheio de regras e horário para terminar, mas todos estavam tão empolgados com a socialização que não se importaram muito. O pessoal do Castigo teria um pouco de problemas em seguir regras, mas alguns estavam dispostos a tentar.
O Lado Encantado era um presente das fadas de Pixie Hollow para o Instituto. Suas águas eram verdes, cor de jade, e tinham o poder de cura de pequenos ferimentos e neutralização de alguns feitiços. No fundo, possuíam pérolas encantadas, muito raras de se achar, que podiam realizar o desejo de quem as encontrasse, desde que o desejo fosse puro e vindo do coração.
Ainda era cedo para dizer se havia sido um grande erro ou um grande acerto deixar a organização do evento nas mãos de Florence Blue, especialmente por ter pedido uma ajudinha com algo especial para a filha do Chapeleiro Maluco e o filho da Lebre Maluca. Ambos eram conhecidos por suas esquisitices e os alucinógenos, naturais ou não, que costumavam ter. De todos os tipos. Florence pediu um simples e sem muitos efeitos colaterais, apenas que pudesse deixar todos numa vibe boa, tão relaxados que não teriam intenções de brigar por nada. E ela bem sabia que qualquer coisa poderia ser motivo de briga entre os descendentes de vilões e de mocinhos.
Conforme chegavam e bebiam, os efeitos começavam, mas ninguém desconfiou. Socializavam como se nunca tivessem brigado horas antes, e até o momento, tudo parecia correr perfeitamente bem. Acenderam uma fogueira, contavam histórias e assavam marshmallows, outros jogavam beer pong, verdade ou desafio, até recriaram algumas brincadeiras que aconteceram na gincana. Podia-se ouvir conversas agradáveis e risadas sinceras, mas mesmo distante, Merlin daria um jeito de vigiar se estava tudo realmente bem.
O pessoal do Castigo conhecia um pouco sobre a Geografia de Ochadia, a parte onde eles não tinham acesso. Falavam sobre os vários reinos, e o motivo dos alunos ficarem no Castelo durante o ano letivo, já que alguns moravam em reinos muito distantes. Falavam sobre o que aprendiam no Instituto e de como tudo era muito rigoroso e bem dividido. Por outro lado, os Ochadianos conheciam com mais clareza a dura realidade da Ilha do Castigo. Entendiam que a divisão era muito mais cruel e injusta do que pensavam, e que eles não dormiam na Dark Side porque o local era pequeno e mal comportava os alunos durante as aulas. Além do mais, a Ilha do Castigo não era tão grande assim, diferente de Ochadia, que tinha tantos reinos que era impossível conhecer tudo em apenas um dia.
Nunca ouvi falar desse Fisherman. — Alguém do Castigo disse.
É porque o conto não é tão popular. Vocês nem devem ter o livro dele na biblioteca de vocês. — Um Ochadiano respondeu, agora sabendo como a biblioteca da Ilha do Castigo era limitada.
Até ano passado, a gente não tinha nem o livro da Cinderela. Acho que usaram para fumar baseado ou algo assim. — O rapaz confessou, e os dois riram.
Cordella e Emmeline passavam por ali e ouviram parte da conversa. As duas riram juntas, andando de mãos dadas, como boas melhores amigas que eram. Não falavam nada, apenas aproveitavam a companhia uma da outra, enquanto observavam os outros na festinha improvisada. Chase, o irmão de Cordella, estava por aí, bebendo e interagindo com o máximo de pessoas possível, para desespero de Eudora, sua namorada. Em um outro ponto da festa, o filho de Gaston e a filha da Rainha Má discutiam a relação deles, e de como ele estava sendo péssimo em olhar descaradamente e flertar com outras princesas.
Havia uma enorme roda de pessoas que brincavam do jogo da garrafa, Ochadianos e Castigados em uma harmonia estranhamente agradável. Kiera Hook foi sorteada pela garrafa para beijar Buck, mas ela se negou e preferiu sair da brincadeira. Os descendentes dos mocinhos não entenderam, já que o filho do Lobo Mau era bonitão e abriu um sorriso quando disseram que ele beijaria Kiera. Sorriso, esse, que murchou no mesmo instante em que a viu se levantar e se afastar. Alguns castigados sabiam bem o motivo. Kiera e Buck eram namorados e sempre pareceram muito apaixonados, até ele ser seduzido pela filha da Rainha Má, Vivianna, e trair a namorada, causando uma rixa eterna entre os Wolf e o Hook.
A própria Vivianna, impaciente, girou a garrafa e caiu justamente com quem ela queria. O beijo em foi quente, sensual, arrancando gritinhos animados e comentários de “vão para um quarto” dos outros que estavam na brincadeira. Lisbeth, entretanto, a irmã caçula de Vivianna, apenas se levantou e correu em outra direção para bem longe. Quando o beijo se encerrou, os dois puderam, enfim, ouvir os outros curiosos para saber porque Lisbeth havia saído chorando.
Ah, a minha irmã tem um crush no . Como se esse bonitão aqui fosse dar bola para a gorda! — Vivianna respondeu, com crueldade no tom de voz. Os castigados riram, os ochadianos ficaram perplexos em como ela era malvada com a própria irmã. , irritado com o deboche de Vivianna, levantou-se sem dizer nada, procurando por Lisbeth.
A filha caçula da Rainha Má já estava um pouco distante, limpando as lágrimas debaixo dos óculos e não percebeu quando esbarrou em . A ruiva se perdeu das amigas e caminhava pelo lugar à procura de uma delas.
D-desculpa, princesa. — Lisbeth se pronunciou, nervosa, de cabeça baixa.
Ei, está tudo bem? — Perguntou, genuinamente preocupada. Lisbeth ergueu o olhar, surpresa com a gentileza de .
— Não se preocupe, princesa.
Não precisa me chamar de princesa se não estamos em um evento real. Eu sou a .
Ah, me desculpe. Acho que não tenho boas referências de princesas.
Já conheceu uma princesa? — perguntou, surpresa.
Sim, no Castigo. A princesa Hyori, a minha irmã Vivianna.
A filha da Rainha de Copas e da Rainha Má? Elas não são princesas de verdade. Não aqui.
No Castigo, isso vale de alguma coisa.
Nesse caso, vale para você também, então? Você é filha da Rainha Má, não é? — Perguntou, inocentemente, e Lisbeth encolheu os ombros.
É, mas é que… Bom, a Vivianna é, claramente, a favorita da minha mãe. Por consequência, ela é a favorita de todos. Até do . — Sussurrou a última parte, e revirou os olhos.
Ah, é por causa desse bruto que você está chorando? — Perguntou, impaciente, e a outra concordou com a cabeça, enxugando uma lágrima. A ruiva suspirou fundo e se aproximou, segurando-a pelo queixo e erguendo seu rosto. Seja lá o que ele fez, tenho certeza que não vale suas lágrimas. Uma princesa linda como você não deveria se importar com o que um pirata sujo e fedido…
Falando de mim, princesa? — chegou, bem na hora, interrompendo e usando o “princesa” de forma debochada, como sempre. Lis, vem cá.
Deixa ela! — defendeu, como se o acusasse, sem nem saber o que aconteceu realmente.
Está tudo bem, . — Lisbeth se pronunciou. , ele é meu amigo.
Como assim? Você estava…
Não estava acontecendo nada. Eu chorei por culpa da minha irmã. — Lisbeth interrompeu, não deixou ela dizer que o choro era por conta de . A princesa franziu o cenho, confusa. Então não foi o pirata que a fez chorar?
Sua irmã é uma escrota, Lis. Manda ela para a casa do caralho e vamos voltar para a brincadeira, se divertir um pouco. — Grosseiro e rude até quando tentava ser legal, eram tantos palavrões que fizeram arregalar os olhos. A filha da Rainha Má riu baixinho com a reação da outra.
Assustada com os palavrões? Costuma ser pior. — Lis informou, rindo, e ainda parecia chocada.
Bom, pelo menos ele tenta ser legal. — disse, dando com os ombros.
Lisbeth era mais nova, doce e gentil, muito diferente de , que sempre a tratou como uma irmã mais nova. Não conseguia pensar em se envolver com ela, por ser um grande brutamontes que poderia facilmente magoá-la, e gostava da amizade da outra. Vivianna aproveitava-se da situação para fazer mais bullying com a irmã e dizer que não queria porque ela era gorda, enquanto Vivianna era magra, deslumbrante e linda. Tudo o que a Rainha Má apreciava. Lisbeth era insegura o suficiente para acreditar nisso, então apenas mantinha-se amiga do Hook.
PRINCESA CORAL! PRINCESA CORAL! — Ouviram a voz de Chelsea, correndo na direção deles.
Oi, princesa Chelsea. — A ruiva respondeu. Não costumava ser chamada de princesa fora de eventos reais, mas a mais nova adorava o título, então ela usava.
Esse é o Simon, meu novo amigo. Ele é do Castigo, mas ele é legal. — Lisbeth e acabaram rindo.
JAXON! — Agora era a voz de uma garotinha. Sage estava brava, chegou batendo os pés. Olha só quem está aqui! O traidor!
Para de bobeira, Sage! — Simon se defendeu.
O que aconteceu? — perguntou, massageando as têmporas, impaciente.
Esse traidor do Simon está de amizade com essa princesa boba e cor-de-rosa. — Sage disse e, acredite, ela estava pegando leve. Poderia usar palavras muito piores para se referir a Chelsea. Briga com ele, !
Deixa ele fazer amizade com quem quiser, Sage. — disse, parecendo sensato, sério. Afinal, nem todo mundo sabe escolher bem as amizades e se contentam com pouca coisa. — Ele acrescentou, rindo ironicamente, sendo acompanhado por Sage. Os dois fizeram um high-five, em comemoração.
Chelsea poderia dizer o mesmo de vocês. — rebateu, e logo parou de rir.
Sempre o tom de superioridade, não é, princesa? — Ele deu um passo na direção dela.
Foi você quem começou falando mal de nós.
Eu não citei nomes. Se você se ofendeu, é porque a carapuça serviu.
Você é um idiota! Eu não sei como é amiga dele, Lis.
Não mete a Lis nisso.
Você que não devia…
PAREM! — Sage gritou.
É, por favor, parem! — Simon pediu também.
Eu estava só implicando com a princesa cor-de-rosa. Vocês não precisam de toda essa palhaçada e discussão. — Sage admitiu. Todos ficaram em silêncio por alguns segundos, um momento quase constrangedor, onde ninguém sabia muito o que dizer.
Eu seria sua amiga, se você quisesse. — Chelsea disse, dando de ombros, casual. Sage revirou os olhos e suspirou.
— Ahh… Está bem! Posso fazer esse esforço. — Sage deu-se por rendida, e quando estavam prestes a voltar para mais perto do Lago Encantado, ela deu um grito que os assustou.
O que foi, Sage? — Simon perguntou, preocupado.
Aquele cervo tá encarando a gente! — Ela explicou, e riu. Do que tá rindo, sua idiota?
Não seja tão agressiva. — Simon repreendeu.
É apenas um dos Guardiões da Diegese. Eles vagam pela escola observando tudo, para garantir que nada saia dos eixos. Trabalham diretamente para Merlin e os Criadores.
Mas o tempo inteiro? Por que? — Simon, curioso, perguntou.
Nunca se sabe quando um conto pode surgir. Stephan, o filho da Aurora, acordou um dia achando que viveria um dia normal, durante a tarde recebeu a notícia que o filho da Malévola escapou, sequestrou sua irmã e ele precisou derrotar o vilão. — explicou.
Depois se casou e virou rei. Não é, ? — Chelsea perguntou, e ela assentiu.
Eles são humanos, como nós, mas se transformam em animais quando necessário. Fica mais fácil se camuflar. Também são feiticeiros. Não poderosos como Merlin, mas conseguem nos proteger.
Não conseguiram proteger a filha da Aurora do filho da Malévola. — provocou, e Lisbeth e o fitaram, de cara feia.
— Aliás, já sabem como ele escapou? Achei que era impossível sair da Fortaleza Proibida. — Lisbeth perguntou dessa vez. Os castigados não conheciam tantas coisas como os ochadianos, mas sabiam que os vilões mais perigosos eram trancafiados numa outra ilha, com um feitiço ainda mais poderoso do que o da Ilha do Castigo. Ninguém nunca escapou, nem a própria Malévola.
Não sabemos ainda, mas Merlin garantiu que estamos todos seguros.
Você é muito ingênua, princesa. — Foi Sage quem falou, mas o “princesa” não saiu de forma irônica, como dizia. O pirata riu, e cruzou os braços. Vamos voltar para a festa! — Ela completou, puxando o irmão e Chelsea pela mão e correram na direção dos outros.
Eu vou procurar a Kiera. — Lisbeth anunciou e partiu na frente.
e ficaram parados por um tempo, sem dizer nada, nem caminhar. O silêncio constrangedor de duas pessoas que se odiavam, sem realmente ter um bom motivo, como se tentassem pensar em algo para dizer e provocar o outro, já que era só isso que sabiam fazer um com o outro. Mas se manifestou, por fim, de outra forma.
Eu não sei o que a irmã da Lisbeth fez, mas foi legal da sua parte vir falar com ela. — Disse, à contragosto. Virou o rosto para ver o dele, que continuou fitando o pessoal próximo ao Lago. Mais alguns segundos de um silêncio constrangedor, e quando ela estava prestes a sair andando, ele respondeu.
Valeu. — Curto e grosso, então caminhou de volta para seu grupo de amigos. A ruiva suspirou, e partiu logo depois, para longe de onde ele e os amigos estavam, procurando pelas suas.

Como ordenado por Merlin, a festa deveria acabar antes da meia noite. Então, tal qual o feitiço da Fada Madrinha para Cinderela, todas as bebidas sumiram como num passe de mágica, pontualmente à meia noite. Aos sons de lamentos, todos foram se levantando e caminhando para onde deveriam ir. Ochadianos foram para o Castelo de Grimadon, despedindo-se pelo caminho dos castigados, que foram na direção do Expresso de Grimadon, o trem responsável por levá-los até a Hero Support, no centro de Happy Valley. Eles ainda nem tiveram a chance de conhecer o lugar direito.
Hoje o dia foi cheio de surpresas. — começou comentando, e as amigas concordaram. Eu até presenciei o Hook sendo legal com a Lisbeth.
Ah, mas o Donnie é um amor. — Emmeline disse.
Tô falando do . — A ruiva explicou e as amigas arregalaram os olhos.
Fica esperta com ele, .
Eu não quero ser amiga dele, nem nada. Só comentei o que vi. — Deu de ombros.
Mas se ele for gentil com você, acho que tudo bem. Não vejo problemas em sermos amigos do castigados. Até fiquei amiga da Hyori.
Filha da Rainha de Copas? — Cordella perguntou. Outra doida! Precisa ficar esperta com ela também, Emme. Acho que “amiga” é um termo muito forte. Você mal a conhece.
Continuaram a caminhar para dentro do palácio, indo em direção aos seus quartos. Cordella contou que se perdeu de Emmeline por um tempo porque foi levar Chase ao quarto, que havia bebido demais. Logo depois, Eudora chegou para cuidar do namorado, então a amiga já deveria estar no seu próprio, dormindo. As três se despediram, lembrando que tinham de combinar sobre a festa do pijama. Não deixaria esse imprevisto atrapalhar seus planos originais. Merlin continuava dizendo que todos deveriam agir naturalmente, pois estava tudo sob controle. Por mais que as únicas realmente desconfiadas fossem Eudora e Cordella, elas também não queriam parar suas vidas. Então, elas iriam tentar deixar a preocupação de lado por um tempo e aproveitar a noite com as amigas, dali uns dias. Afinal, nada de ruim acontece para os mocinhos, não é?

Merlin entrou na sala, onde os outros membros da Ordem já estavam em seus devidos lugares. Com um feitiço de abafamento, garantiu que ninguém os escutava do outro lado da porta. O assunto era mais sério do que se podia imaginar. Suspirou fundo, antes de virar para cumprimentar os seus amigos, que também tinham expressões preocupadas. Embora estivessem passando tranquilidade para os aprendizes, eles sabiam que a realidade era mais perigosa do que deixavam transparecer. E nenhum deles gostava de lidar com forças ocultas que desconheciam por completo.
Não descobrimos o nome do feitiço. — Um dos Grimm falou, direto, sem rodeios.
Nem Merlin conhece? — Fada Madrinha perguntou, preocupada como sempre. A Fada Azul mantinha uma expressão serena, como se ouvisse e analisasse toda a situação e o que era dito.
Parece um feitiço novo. Nunca foi visto antes. — Merlin explicou, a voz rouca de um idoso. O homem ficou de ir investigar na Ilha. Não pude ficar muito tempo.
Aquele fogo esverdeado… — Fada Azul começou, sempre com a voz serena. O formato do fogo lembrando um dragão ou uma serpente enorme… Parece coisa da Malévola.
Malévola segue presa na Fortaleza Proibida. — Albert Grimm garantiu. Haviam checado, foi a primeira que verificaram, a primeira suspeita.
Então é certo de que o responsável é um dos herdeiros, e não seus pais?
Investigamos com alguns alunos e parece que ninguém sabe de que parte da Ilha o fogo começou, mas era pequeno e foi aumentando. Por isso alguns conseguiram fugir, outros não. — Ernst Grimm explicou.
Agora tomou a ilha inteira. — Merlin continuou. Tentei diversos feitiços, mas nenhum funcionava. Eu mal consegui me proteger. É uma chama de calor insuportável, toma a forma de um animal e procura qualquer criatura viva para atacar.
É um fogo vivo? — Fada Madrinha perguntou, o coração acelerado.
Ainda não sei dizer. — Merlin disse.
Ou lançaram o feitiço e saíram, ou há alguém na ilha controlando o feitiço. — O Gênio se manifestou. — Alguém imune ao fogo. — Levou a mão ao queixo, como se tentasse se lembrar de algo.
Merlin ficou em silêncio, e aquela era a sua resposta. Eles se entreolharam, como se buscassem as palavras certas, mas nada parecia bom o suficiente para ser dito. Nada que pudesse tranquilizar os outros. Iriam precisar procurar nos livros que ficavam na Biblioteca Secreta, que só os membros da Ordem de Merlin sabiam onde estava. Lá, continham livros de contos esquecidos, grimórios e bestiários sobre feitiços e criaturas que nenhum dos alunos podia sonhar que existia. Talvez achassem alguma resposta. Naquele momento, não conseguiam se lembrar de algum vilão de um conto que fosse tão poderoso e mexesse com aquele tipo de encantamento.
E não é só isso. — Merlin decidiu dizer. Suspirou, como se criasse coragem para revelar. Um homem, que estava no fundo da sala, na sombra, encostado na parede, veio para a luz e começou a falar. Alto, forte, a voz grossa e imponente.
Encontramos um portal. Na Sala Precisa. — O homem era um dos mais antigos Guardiões da Diegese, que também estavam ajudando na investigação.
Como assim? Que espécie de portal? — Gênio perguntou.
Uma passagem direto para a Ilha do Castigo. — O homem falou. Todos ficaram em silêncio por alguns segundos, mas ele logo prosseguiu. Não conseguimos identificar quem o abriu, mas sabemos que foi aberta do lado de cá, em Grimadon. E isso só pode significar uma coisa…
Há um traidor entre nós. — A Fada Madrinha concluiu.


Continua...



Nota da autora: VOLTEI! Espero que ainda tenha alguém aí interessado na história dessa sereia e desse pirata. Os outros personagens ganharão contos que vão ser escritos separadamente para que esse aqui foque na filha da Ariel e no filho do Gancho. Enfim, espero que gostem e considerem deixar um comentário. Beijos!



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