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Finalizada em: 13/07/2020

Capítulo Único


“When I said I hope you’re happy, didn’t mean it. Never thought you'd be so good at moving on. When I’m lying wide awake, you’re probably sleeping, and maybe what I’m thinking is wrong…”

Você parece tão feliz andando pela rua, não é, querido? — eu suspirei longamente enquanto o via parar de andar, surpreso, e até um pouco assustado eu diria — Você se esqueceu de quando disse que nesta vida você nunca poderia me esquecer? Você já me superou?
Ele tirou o telefone do ouvido enquanto virava o corpo para trás, me procurando por entre as pessoas apressadas que passavam por ele na calçada. O sorriso que ele carregava de orelha a orelha havia desaparecido, e o meu havia surgido. Tímido, ainda sem mostrar os dentes, eu finalmente consegui sorrir — mesmo que minimamente — depois de tanto tempo tendo apenas as lágrimas como companhia.
? — ele questionou ainda parado, enquanto algumas pessoas esbarravam nele e diziam coisas, nervosas por ele estar atrapalhando o trânsito — Quanto tempo! Eu nem sabia que você tinha o meu número novo!
— Surpreso, querido? Ah, mas por quê? Há alguns meses eu era a voz que você mais gostava de ouvir bem no início da manhã! As coisas mudam rápido, não é?
Ele engoliu seco e continuava me procurando, como se soubesse que eu estava por perto.
— Você precisa de alguma coisa? Aconteceu algo? — ele balançou a cabeça de um lado para o outro.
— Eu só queria te avisar que tem uma encomenda para você no escritório… Eu mesma mandei para lá!
Ele emudeceu do outro lado da linha, tirou o telefone da orelha e voltou a caminhar.
— Encomenda? Como assim? Eu não entendi… Olha, , estou quase chegando no escritório, eu te ligo depois, pode ser?
— Eu mesma ligo, , sem pressa! Só é importante que você não se esqueça de abrir a encomenda…
Eu o perdi de vista assim que ele terminou de subir a escadaria e adentrou o prédio onde trabalhava, eu não esperei que ele respondesse e desliguei a ligação.
havia sido meu primeiro e único namorado, assim como eu havia sido sua primeira (mas não única) namorada. Nos conhecemos no ensino médio, foi amor à primeira vista para ambos, ele estudava na sala em frente à minha, e eu me lembro perfeitamente da primeira vez que o vi chegar na escola. Ambos éramos novatos, mas eu tinha a sorte de ter entrado no ensino médio com as minhas amigas da época do ensino fundamental, então eu não teria que passar pela pressão de estar entrando num ciclo novo (o ensino médio, em suma) sozinha, o que já me aliviava bastante.
Mas , não… Ele era novo na cidade e novo na escola, portanto ele estava sozinho. Me lembro de sentir o coração palpitar dentro do peito quando nossos olhares se cruzaram no corredor que dava para a nossa sala. Ele estava parado, em pé, na porta de sua sala, e eu caminhava para adentrar a minha, que era bem em frente à dele. Eu senti as tão famosas borboletas no estômago quando, ao passar por ele, ele me fitou, sorrindo de canto, e balançou a cabeça, num discreto cumprimento.
Depois disso, minhas amigas e ele começaram a conversar, na porta da sala mesmo, e eu estava completamente sem jeito e sem coragem de me juntar a eles, eu preferi ficar dentro da sala. Mas pude ouvi-lo perguntar por mim a elas, e eu sorri, mordendo os lábios de excitação.
Já no intervalo, eu não consegui fugir de , e nós começamos a nos conhecer.
Lembro-me com exatidão do nosso primeiro beijo, embaixo de um flamboyant na rua da escola, os dois pareciam estar com tanta vontade que acabamos machucando os lábios um do outro. Eu balancei a cabeça negativamente ao me lembrar.
Dois dias depois, estávamos namorando; semanas depois eu já conhecia os pais de e ele os meus.
Fomos namorados por 3 anos (durante todo o ensino médio). Assim que entramos na faculdade (fizemos o mesmo curso, Engenharia), ele me pediu em casamento. Nós dois concordamos que o melhor seria nos formarmos e arrumarmos empregos na área para, aí sim, oficializarmos a união.
E assim fizemos, nos formarmos, arrumamos emprego, na mesma empresa inclusive, e meus pais nos deram um apartamento de presente, havíamos acabado de mobiliá-lo…
Já havia dado tempo de chegar à sua sala e abrir a encomenda? Peguei o telefone celular e disquei o número novo dele, que eu já havia decorado.
Chamou algumas vezes até cair na caixa postal, e o sorriso voltou a brotar em meus lábios. Isso era um bom sinal, provavelmente ele já havia visto a surpresinha que eu havia preparado.
Pedi ao garçom que me preparasse outro café expresso e que trouxesse croissants, eu daria o tempo de o garçom me trazer o pedido e ligaria novamente.
O sempre teve fobia de cobras, pois, quando ele era bem pequeno, teve uma experiência bem traumática com uma. A gente não costumava fazer passeios no campo, ou em chácaras, porque ele morria de medo de por ventura acabar encontrando alguma e passar mal.
Sempre tive esperanças que pudesse ajudá-lo a superar o trauma, da mesma forma que ele me ajudou com tantos problemas de personalidade que eu tinha.
Eu era muito tímida, a ponto de ter baixa autoestima e muitos problemas com ansiedade, e ele me ajudou a superar... Fazendo com que eu me tornasse uma mulher mais segura e confiante de mim mesma! Eu havia depositado em tudo o que eu tinha, e, mesmo sendo muito confiante, eu era completamente dependente dele emocionalmente.
A xícara ficou borrada de carmim assim que bebi um longo gole do meu café e o depositei novamente sobre a mesa.
Disquei o número de novamente, e esperei que chamasse mais uma vez.
— VOCÊ FICOU MALUCA, ? O QUE DEU EM VOCÊ, CARAMBA? — ele vociferou do outro lado da linha.
O sorriso se enlargueceu em meus lábios cor de carmim, e eu mordi um pedaço de croissant.
Ele prometeu coisas que sabia que não seria capaz de cumprir. Tirou meus pés do chão, sabendo que me deixaria cair.
— Gostou da surpresa, darling? — eu mastiguei o croissant — Pode dar o nome que você quiser a ela! Inclusive o meu!
Eu gargalhei, debochada. Fechei meus olhos imaginando a cena de chegando em sua mesa e fitando a caixa, curioso. Provavelmente ele relutou alguns minutos antes de abrir. Mas quando abriu deve ter se arrependido amargamente, ao ver a falsa coral enrolada na caixa, com a linguinha para fora…
Junto à cobra haviam centenas de fotos dele e da atual namoradinha que fiz questão de revelar, com um bilhete.

“Sabe quando sua própria voz não soa bem nos seus ouvidos, quando seu cabelo não te agrada, quando o cheiro do seu perfume não é bom o suficiente, quando tudo aquilo que você escreve dá vontade de atirar na lixeira, quando o seu próprio jeito parece te irritar? A cada dia que passa, eu sinto mais vontade de sair de mim. As coisas não são do mesmo jeito que eram antes. Você nem ia me reconhecer mais. Não que você me conhecesse há uns tempos atrás, mas tudo volta no fim. Eu guardei tudo dentro de mim e, embora eu tenha tentado, tudo desmoronou. O que isso significou pra mim será eventualmente uma lembrança. Eu tentei tanto e cheguei tão longe, mas, no fim, isso não tem mais importância… Vejo aquela vida linda nas fotos, vejo seus lábios me apagando… Você é tão bom com ela, é cruel! Sim, ela deveria estar me agradecendo! Quem vai tocar você como eu? Sim, me diga: quem? Quem pode fazer você se esquecer de mim? Há uma linha fina entre o amor e ódio, !”

— EU PODERIA TER MORRIDO, ! O que deu em você? Meu Deus!
— Morrer? Ah, não! Não, não, não, não! Não quero sua morte, querido, muito pelo contrário, quero você bem vivo para ver tudo o que eu vou fazer!

***


“So, baby, won’t you cry for me, cry for me? (Cry for me), say you’d d-d-die for me, die for me (oh, won’t you cry?) and, if you can’t, then maybe lie for me, lie for me. ‘Cause you haunt me when I’m dreamin’ and it’s time you know the feeling. So cry for me.”


Eu já sabia que provavelmente o número anterior que eu havia usado para ligar para estaria bloqueado, por isso mesmo eu havia comprado vários chips.
Coloquei o de número 2 no celular, tomei um gole do meu vinho, digitei e apertei enviar. Agora era só esperar....

“Por que você não chora? Lágrimas nos meus olhos, sim. E você está bem, você está bem! Como você pode ficar bem? Não, por que você não chora?”

Conforme o esperado, ele leu, mas não me respondeu. Esperei que o online sumisse e, pronto, a minha segunda encomenda provavelmente havia chegado. Fecheis os olhos e pude ouvir o barulho de uma campainha tocar. Esperei mais alguns minutos, quinze para ser mais exata, e o online virou digitando

… olha… Você precisa seguir a sua vida! Já procurou um psicólogo, ou psiquiatra? Você não está normal, primeiro a caixa com a cobra, agora essa caixa… Eu sei que sou uma bagunça para você, e que você ainda não aceitou o nosso fim, mas eu me preocupo com você, quer que eu vá ao médico com você?”

Meus olhos passaram pela mensagem, o sorriso brotou largo outra vez em meus lábios. Eu não estava louca, na verdade eu estava bem lúcida e eu sabia exatamente o que estava fazendo. Meus dedos logo começaram a digitar.

“Pensei em mudar de cidade, ir para bem longe. Fugir de mim mesma, para não me perder no vazio da minha mente, e encontrar você. Não me deparar com seu sorriso, nem cair nos seus abraços que sempre foram o meu lugar favorito. Queria eu me encontrar em algum canto, que não fosse nas esquinas da sua bagunça.”

Lido. Digitando.

“Sabe qual o problema em esquecer alguém? Muitas vezes nós não queremos esquecer. Queremos nos segurar a cada momento, cada memória, queremos que as fotografias se mexam e se transformem em realidade. Eu sei, não é fácil esquecer alguém que fez parte dos melhores momentos da sua vida. Estou naqueles momentos silenciosos em que pouca coisa parece fazer sentido. Mas eu sei de uma coisa, , precisamos seguir nossas vidas! Eu não te amo mais! E você provavelmente não me ama também, só está apegada ao fato de eu ter sido o primeiro...”

Uma pontada no meu peito. Digitando… Enviado.

“Foi amor porque eu te vi jogado nas cinzas e, mesmo em meio aos destroços, encontrei beleza nas tuas ruínas. Foi amor porque eu te guardei nas profundezas do meu peito com a delicadeza de quem guarda um segredo. Foi amor porque, mesmo sabendo o desastre que somos juntos, eu quis dançar com você e fazer do mundo o palco do nosso caos operatório. Foi amor, baby. E você também foi. O adeus é sempre amargo.”

Desliguei o celular, a primeira parte da minha vingança particular já estava cumprida. Amanhã seria a última…
Eu só queria assombrá-lo como ele me assombrava dia e noite, eu só queria fazê-lo pensar no término como eu pensava, nem que por uns instantes. Queria que ele sentisse um terço da dor e da amargura que eu senti por meses. Só assim eu conseguiria seguir minha vida sem me sentir presa ao passado.
Na segunda caixa, havia alguns recortes de tecido que formavam uma das camisas preferidas de , ele havia namorado aquela camisa por dias até conseguir comprá-la, com o dinheiro do estágio ainda. Eu sabia que ele tinha um apreço por ela e, como algumas coisas dele ainda estavam lá em casa, eu a picotei, com toda a raiva que existia em meu ser, coloquei na caixa e, junto com ela (ou o que restou dela), com fotografias de nós dois, como uma linha do tempo, fotos do ensino médio, fotos da faculdade e as mais recentes antes do término… e um bilhete claro:

“Não chegamos nem nos laços, quem dirá nos nós. Tortura é imaginar um futuro com alguém que nunca imaginou um presente com você.”

***


“I want you to cry for me, cry for me. Say you’d d-d-die for me, die for me. And if you can’t, then lie for me, lie for me. ‘Cause you haunt me when I’m dreamin’ and it’s time you know the feeling…”


O número chamou algumas vezes, até que com um suspiro ele atendeu.
? É você, não é? — eu permaneci em silêncio do outro lado, apenas respirando tranquilamente.
— Dessa vez, eu vou esperar você me ligar.
Desconectei a chamada e cruzei minhas pernas vislumbrando a vista da janela dele. Era um belo escritório o que ele e a namoradinha haviam construído.
Ouvi a porta atrás de mim abrir e então meu coração se agitou dentro da roupa, qual seria a reação dele?
— O que faz aqui, ? — ele soltou um suspiro pesado.
Eu passei a lingua em volta dos meus lábios e o assisti sentar-se em sua chiquérrima cadeira.
— Vim lhe dar os parabéns! — fiz minha melhor cara de chocada, com direito a mão no peito — Afinal de contas, quantos meses mesmo?
revirou os olhos e me fitou nos meus olhos. Senti minhas pernas formigarem e um fogo subir rumo ao meu coração.
! — ele passou as mãos pelos cabelos impecavelmente organizados, bagunçando-os — Você pensou no que eu disse ontem? É sério!
— Não vai abrir a caixa? Eu fiz com tanto carinho! Ah, eu mesma fiz! — mudei de assunto.
Ele voltou a suspirar pesadamente e eu sorri. As mãos dele deslizaram pela caixa por alguns minutos, até que ele finalmente a abriu.
Nossos olhos voltaram a fitar-se e eu ergui minha mão direita, fitei minhas belas unhas vermelhas.
— Gostou? É seu sabor favorito! A decoração eu me inspirei nos quadros de Van Gogh! Amarelo e azul, suas cores favoritas! Bom, costumavam ser quando você ainda era meu noivo! Agora que é noivo de outra, talvez seus gostos tenham mudado, então peço desculpas caso não esteja do seu… — ele me interrompeu.
— Por favor, ! Vá para casa! Você precisa de ajuda! Está ficando maluca!
— E você sabe de quem é a culpa, ? Só busque no seu subconsciente, tenho certeza que ele irá sussurrar no seu ouvido que a culpa é sua! Você terminou comigo enquanto já arrumava suas coisa para sair de casa! E sabe o que você me disse, ? Você se lembra?
, por favor! Não precisamos desta conversa novamente!
— Que conversa? Seu término comigo foi um monólogo, ! Você trocou de número, você nunca me procurou para saber como eu havia ficado com tudo isso! Você não me deixou falar aquele dia! A gente não teve essa conversa nunca, , você simplesmente disse que estava indo embora, que havia se cansado do nosso namoro, de toda a nossa rotina, que os nossos planos não eram mais os mesmos, que você queria mais e que havia conhecido outra pessoa que tinha hoje os mesmos planos que você, que não tinha me traído e jamais seria capaz de fazer isso “pelo carinho” — fiz aspas com os dedos — que nutria por nossa adolescência e que por esse motivo estava me deixando, para viver com ela, a vida que sempre quis! , você viveu todos esses anos uma mentira comigo? Porque foi somente nisso que eu consegui pensar nesses malditos três meses, que você mentiu esse tempo todo!
Eu ofeguei assim que consegui despejar tudo o que eu quis durante três meses e não pude.
— Do que iria adiantar você eu termos uma conversa? Nada do que você dissesse iria me fazer ficar!
— E por que diabos então você não terminou antes? Você me prendeu numa relação por anos sabendo que não iria ficar! Você foi egoísta!
— Não diga que eu fui egoísta, quando na verdade eu pensei o tempo todo só em você, !
— Não me venha com essa, ! Você teve várias oportunidades de ser homem o suficiente e terminar comigo de uma forma honesta e justa! Você esperou anos para fazer isso! Você não me deu a oportunidade de tentar entender o que estava acontecendo que de repente nossos planos ficaram tão diferentes assim! Não tente reverter a situação para sair de generoso! De bonzinho, de “ai, eu pensei mais em você do que em mim, fui o melhor namorado e noivo que pude, mesmo não conseguindo mais olhar na sua cara”!
— Acho que você já desabafou e disse tudo o que queria, não disse? Você pode agora, por favor, ir embora? Eu tenho uma reunião importante! — ele se levantou e caminhou rumo à porta e eu fiz o mesmo.
Nos olhamos nos olhos mais uma vez (e provavelmente pela última), eu senti as lágrimas se formarem em minha garganta, mas eu não daria esse gostinho a ele.
— Desejo um feliz três meses para vocês! Uma vida cheia de realizações para você, que seus planos se alinhem com os dela, para que você não precise fazer com ela o que fez comigo!
Passei pelo portal e, antes que ele fechasse a porta, disparei:
— Te desejo tudo de bom, menos amor! Amor comigo você teve, mas foi embora da mesma forma. De amor você não precisa.
Assim que adentrei o elevador, retirei o celular do bolso e digitei:

“Espero que ela goste do sabor e da decoração do bolo dela! E espero que isso não abale o amor tão forte e a conexão tão surreal que vocês tem! O bolo dela é de morango! Mas tem a massa de chocolate para suavizar a acidez do morango. Feliz três meses!”

Sai do elevador pisando firme com os saltos no chão, enquanto passava por ela, distraída observando com admiração o buquê de flores que ela carregava.
Balancei a cabeça em negativa, me lembrando de quantas vezes ele fez o mesmo comigo, e depositei o celular numa lixeira qualquer que estava na porta do escritório.
Espero que, ao vê-la chorar, ele então possa finalmente chorar por mim.


FIM.



Nota da autora: Sem nota.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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