Dancin’ Away With My Heart






Última atualização: 21/01/2017

Adolescência. A melhor época na vida de uma garota. É quando vivemos intensamente, agimos por impulso, fazemos um monte de loucuras e nos apaixonamos. Eu até que não posso reclamar da minha adolescência. Aprontei o que quis, experimentei o que tive vontade, bebi até cair, fiz amizades inesquecíveis, quebrei a cara inúmeras vezes e me apaixonei perdidamente por um dos caras mais bonitos e misteriosos do colégio.
Entretanto, como tudo na vida, uma hora essa fase de diversão passou e eu, , fui obrigada a crescer. Terminei o Ensino Médio em e fui aceita no curso de Design da Universidade de Ciências Aplicadas de . Deixei amigos, família e um namorado em para ir morar em . Durante um ano, a minha vida correu de forma tranquila, sem grandes novidades. Cursei dois períodos de Design, conheci gente nova e foi aí que eu tive que lidar com as primeiras mudanças. Meu pai, que é engenheiro químico com doutorado na área de Farmacologia, foi transferido para filial brasileira da Bayer e nós fomos obrigados a nos mudar. Não era o que eu queria, afinal, eu teria que deixar para trás amizades construídas ao longo de muitos anos e um relacionamento que havia se tornado uma parte de mim, mas no fim das contas não tive escolha. De malas prontas e uma transferência de faculdade em mãos, me despedi dos meus amigos e do cara que eu amava e fui, com a cara e a coragem, encarar esse desafio que a vida estava me impondo.
Hoje, dez anos após o fim do Ensino Médio e no auge dos meus vinte e nove anos, eu posso dizer que sou outra pessoa. Muito mais tranquila, responsável, decidida e com uma facilidade absurda em tomar decisões em situações de extrema pressão - características adquiridas ao longo dos sete anos à frente da grife de joias Echte Liebe. Dez anos se passaram e eu estou voltando pra casa pela primeira vez desde que eu fui embora. Confesso que estou morrendo de curiosidade a respeito de como estão todos os meus amigos, já que fiquei tanto tempo sem ter notícias deles. Para não dizer que perdi contato com todos, o único com quem eu falo até hoje é o Sven, meu melhor amigo desde sempre. Ele não fazia parte do grupinho de amigos da escola, pelo fato de ser dois anos mais velho que eu e ter terminado o ensino médio primeiro, mas é como se fosse o meu irmão mais velho. Mesmo estando longe, sempre esteve ao meu lado, me apoiando, me protegendo e me aconselhando. Sven Heins é um cara alto, magro, de cabelos loiros e olhos azuis. Não é considerado o mais bonito dos homens, mas pega mulher como ninguém e dificilmente está sozinho. Também é dono de um restaurante quatro estrelas em , o Beckenbauer, além de exímio cozinheiro.
Enfim, daqui a dois dias é o encontro dos ex-alunos da turma 301 do colégio Albert Einstein e eu estou ansiosa por esse encontro. Rever os antigos colegas de classe, saber o rumo que a vida de cada um tomou e me divertir é tudo o que eu preciso para esquecer um relacionamento fracassado que terminou por causa de uma traição do meu namorado. Tudo bem que eu tenho um gênio difícil e sou meio cabeça dura, mas o Felipe precisava me trair com a minha melhor amiga na minha cama? Foi por causa disso que eu deixei a minha sócia tomando conta da loja no Rio e decidi voltar para casa. Passar um tempo fora, curtindo a tranquilidade de e ainda rever pessoas que foram importantes na minha vida é tudo o que eu preciso para me reerguer novamente.
Minha chegada a foi bem tranquila. Meus pais foram me buscar no aeroporto e nós fomos para casa deles, onde os meus tios, minha irmã Heidi e o meu cunhado, Otto, me aguardavam. Fizemos uma pequena reunião familiar e eu aproveitei para matar a saudade dos meus pais. Desde que eles voltaram do Brasil cinco anos atrás, nós só nos vimos duas vezes pessoalmente, fora as vezes em que nos falamos pelo Skype.
Aproveitei esses dois dias para visitar alguns lugares da cidade, mudar a cor do cabelo - ele estava e eu o pintei de rosa - e criar algumas peças para coleção de verão. Claro que eu estava em casa para descansar, mas os passeios por serviram de inspiração para dar forma a algumas peças.

DOIS DIAS DEPOIS

Chegou o grande dia e eu não tive muito o que fazer. Acordei, fui até a casa da minha irmã, almocei com ela e à tarde encontrei o Sven. Era mais ou menos 16h quando cheguei ao Beckenbauer, e o meu melhor amigo me esperava com um sorriso no rosto.
- Puro osso! - disse, abraçando-o e o chamando por um apelido que usávamos desde criança.
- Pezão! - disse, rindo e retribuindo o gesto.
- Você de óculos? Que novidade é essa? - perguntei, me referindo aos óculos quadrados de armação preta no rosto dele.
- A idade tá chegando, né filha?
- Ah, para. Do jeito que você fala, até parece que tem sessenta anos e não trinta.
- Trinta e um. Ou esqueceu que o meu aniversário foi em Junho?
- Claro. Quinze de Junho. Típico geminiano que não sabe o que quer. - disse, e ele riu.
- Que cabelo é esse? Da última vez que eu te vi pelo Skype você estava com ele .
- Estava entediada com a mesma cara de sempre.
- Ficou ótima. Então, animada para festa de logo mais?
- Muito. Vai ser legal rever a galera e saber o que aconteceu com todo mundo.
- O único que você sabe que se deu bem é um certo jogador do e da seleção.
- Sim. , meu eterno namorado do Ensino Médio. - disse, suspirando.
- E você tá ansiosa por esse encontro?
- Bastante. Imagina passar nove anos longe de casa e descobrir que o cara por quem eu era apaixonada se transformou num dos maiores ídolos desse país?
- É, não deve ser fácil mesmo, mas você vai tirar de letra. Só acho uma pena eu ter que te acompanhar porque você não tem um namorado brasileiro bonitão para esfregar na cara da sociedade.
- Sério que você vai falar do Felipe hoje? Estragou a minha tarde. - disse, triste, ao lembrar do cara que quebrou meu coração.
- Você ainda gosta daquele babaca, né? - Sven perguntou e eu afirmei.
- Nós passamos quatro anos e meio juntos, dividimos um apartamento durante dois anos. Não vai ser de uma hora para outra que ele vai sair da minha cabeça, Heins.
- Vai passar, eu prometo. Nós vamos sair hoje, nos divertir e encher a cara como nos velhos tempos. Se dermos sorte, a Emma e a Alison estarão lá e curtirão com a gente. - disse, me abraçando, e nós mudamos de assunto, falando sobre banalidades.

Um tempo depois decidi ir para casa e me arrumar para o encontro dos ex-alunos. O Sven ia passar para me pegar às 21h e eu pretendia estar pronta no horário. Como no convite dizia que o traje era esporte fino, optei por uma saia lápis preta, camisa de botões preta e branca e sandália de salto médio preta. Os fios rosas estavam ondulados e soltos, e eu preferi uma maquiagem mais leve com sombra dourada, delineador, bastante rímel e um gloss cor de boca. Os brincos pequenos e anéis eram criações minhas e eu as exibia com orgulho - foram feitos especialmente para a ocasião. Enfim, me arrumei e fui para sala de estar, onde os meus pais, Heidi e Otto estavam reunidos.
- Nossa, , você tá tão linda. - mamãe foi a primeira a dizer.
- Tá mesmo. Isso é pro encontro de ex-alunos? - Heidi perguntou e eu achei que tava arrumada demais.
- Vocês acham que eu exagerei na produção? No convite tava dizendo que era traje esporte fino, mas eu não sabia direito o que vestir.
- Claro que não, tá linda assim.
- Você vai sozinha, filha? - papai perguntou.
- Não. O Sven tá vindo me buscar.
- Quem é esse Sven? Algum caso de uma semana da ? - Otto perguntou, rindo, e eu apenas rolei os olhos. Eu nunca gostei do Otto, mas desde que ele traiu a minha irmã com a secretária a nossa relação piorou.
- Não, amor. O Sven é o dono do Beckenbauer, aquele restaurante super disputado, que tem lista de espera de meses. - Heidi respondeu ao marido.
- Sei qual é. E desde quando vocês se conhecem, cunhada?
- Nós somos amigos de infância.
- Poxa, você bem que podia descolar umas reservas de graça pra gente, hein?
- Me poupe, Otto. Se você quer jantar no Beckenbauer, entre na fila.

Vinte minutos depois, a campainha tocou e eu fui atender. Era o meu melhor amigo, de terno cinza e camisa branca, sem gravata. Ele sorriu e me abraçou assim que abri a porta.
- Onde você pensa que vai vestida assim, Pezão? – perguntou, me olhando de cima a baixo.
- Vamos a festa de reencontro da turma, Puro osso.
- Você não vai atrás de mim com essa roupa.
- E eu posso saber o porquê?
- Tá parecendo que você vai a uma reunião com um fornecedor chato e não a uma festa onde o seu ex-namorado jogador de futebol vai estar presente.
- O que tem a ver uma coisa com a outra?
- Você quer ou não passar a impressão de ser uma mulher bem sucedida?
- Sim.
- Então vamos lá para cima que eu vou escolher a roupa certa para você. – disse e entrou em casa, cumprimentando a todos e indo em direção ao meu quarto. Lá, remexeu o guarda-roupa até encontrar algo que o agradasse. Escolheu um vestido preto, justo, na altura do joelho, com mangas azul marinho e estampa abstrata na parte da frente. Para completar, sandália preta de tiras e salto fino.
- Então, como estou?
- Agora sim você tá parecendo gente. De nada por salvar sua noite, ok? – disse e eu o abracei. Em seguida, saímos de casa.

O caminho até o Albert Einstein foi tranquilo e demorou aproximadamente quarenta minutos, já que a minha casa não era muito perto do colégio. Ao chegarmos, nos deparamos com a quadra da escola toda transformada. Havia uma estrutura metálica por toda a quadra, onde estavam as mesas. Do teto pendiam globos espelhados e luzes coloridas iluminavam todo o ambiente. Nas laterais, próximo às mesas, haviam quadros com fotos dos alunos. A maioria das mesas já estava ocupada e eu fui com o Sven atrás de uma vazia. No caminho, encontrei um ser de cabelos vermelhos cor de fogo e uma covinha que eu reconheceria mesmo que se passassem mil anos. Ela usava um vestido vermelho de renda com um blazer preto e ankle boots também pretas. Conversava animada com um rapaz negro e alto, que usava um blazer preto e calça branca. Próximo a eles estava uma garota de estatura mediana, cabelos e olhos castanhos, que falava ao telefone. Ela usava um vestido rosa na altura do joelho e scarpin nude de salto alto.
- Emma? - perguntei, e ela olhou pro lado.
- Meu Deus! ? É você? - perguntou, depois de algum tempo, e eu afirmei com a cabeça. - Cara, você mudou muito! Quase não a reconheci.
- Você também tá muito diferente.
- Menina, como estão as coisas? Quem é o bonitão ao seu lado? - perguntou, apontando o Heins com a cabeça.
- Não acredito que não tá me reconhecendo, Emma. - Sven disse, sorrindo.
- Não vai me dizer que esse é o mesmo Sven Heins magrelo que não largava do nosso pé e descolava entradas pras baladas mais legais de ?
- Eu mesmo.
- O tempo só te favoreceu, hein Puro Osso? - disse e puxou o rapaz negro pelo braço. - Deixa eu apresentar o Nick a vocês. Pessoal, esse é Nick Cameron, meu marido. Nick, esses são Sven Heins e . Eu estudei com a desde o pré-escolar até o Ensino Médio e o Sven é nosso amigo.
- Muito prazer. - Nick disse, apertando a minha mão e a do Sven.
- O prazer é meu. Aquela ali atrás é a Alison? - perguntei, me referindo à morena.
- É sim. Vem cá, vamos interromper a DR dela. - Emma disse e me puxou para onde a garota estava. Alison, quando me viu, desligou o telefone, fez um escândalo e a gente se abraçou.
Durante um tempo a conversa fluiu bem. Descobri que a Emma se formou em Medicina Veterinária e a Alison virou jornalista, escrevendo para uma revista de saúde e bem-estar; que a Alison terminou com o namorado naquela noite porque descobriu que ele era gay; que o Nick trabalhava na Bolsa de Valores e ele e a Emma tinham um filho pequeno chamado Liam. Também contei sobre a minha empresa no Brasil e as fiz prometer que passariam na minha casa no dia seguinte para pegar os pares de brincos que eu havia feito para elas, mas que na correria acabei esquecendo de levar.
Enfim, durante algum tempo as coisas seguiram de maneira tranquila. Entretanto, após uma hora e meia desde que cheguei, eis que o inesperado aconteceu. Estava dançando na pista de dança com a Emma e o Nick, enquanto o Sven e a Alison conversavam, quando ouvimos um burburinho no salão. Era ninguém mais, ninguém menos que chegando, acompanhado de .
- Claro que o ia chegar dessa maneira. - Emma disse, revirando os olhos.
- Ele não consegue não ser o centro das atenções. - Sven disse, com uma cara de tédio.
- Convenhamos que ele pode, né? O cara é um dos maiores ídolos do e foi o responsável pelo gol que deu o título ao time no último campeonato. - Nick disse e Emma o olhou de cara feia. - Que foi, Em? Se eu fosse ele, tava mesmo tirando a maior onda.
- E ainda veio acompanhado por , o melhor amigo lindo de morrer. Será que o tá solteiro? Tomara, né ? - Alison disse e eu continuei do jeito que estava, estática e sem tirar os olhos do jogador.
- ? ? Acorda! - Emma disse, me sacudindo.
- Que foi? - perguntei, balançando a cabeça, numa tentativa frustrada de desviar o olhar da perfeição que se encontrava à minha frente. estava mais bonito que nunca num terno azul marinho. O cabelo, normalmente bagunçado, estava impecavelmente arrumado e a barba por fazer - que antigamente ele detestava - davam a ele um charme todo especial.
- Limpa essa baba que tá escorrendo no canto da sua boca. - disse, rindo.
- Hã? Eu tô babando? - perguntei, levando a mão à boca.
- Claro que não, mas você devia disfarçar melhor essa cara de boba.
- Ai, gente, para. Eu não tô parecendo uma idiota, tô?
- Tá, mas a gente dá um desconto. Não é todo dia que uma tentação dessa resolve nos dar a honra de sua ilustre presença. - Alison disse e nós rimos.
adentrou o ginásio com o e a dupla foi cercada por ex-alunos e suas respectivas companhias. usava uma camisa azul bebê por baixo do terno preto. O cabelo estava milimetricamente arrumado num topete e ele sorria. Ambos tiraram fotos e deram autógrafos às pessoas que se aproximaram. Alguns falaram com eles como se fossem amigos de infância, enquanto outros faziam um monte de perguntas inconvenientes. Dona Gertruida, diretora do colégio, fez questão de recebê-los e encaminhá-los a uma mesa próxima de onde estávamos. Os dois conversaram com a senhora de sessenta anos por alguns minutos e logo foram liberados para curtir a festa. Ficaram lá, comendo e bebendo cerveja, observando o movimento da festa e provavelmente entediados. Ah, qual é? Os caras são jogadores do , frequentam as melhores festas. Com certeza um encontro de ex-alunos do Ensino Médio não era nada interessante perto do que eles estavam acostumados.
Continuei dançando por um tempo, até que Emma e Nick começaram a se pegar no meio da pista de dança e eu fui obrigada a voltar para mesa, sozinha, já que o Sven sumiu com a Alison. Ao chegar à mesa, sentei em uma das cadeiras e tirei o salto, que àquela altura do campeonato já estava me matando.
- Tem certos hábitos que nunca mudam, não é mesmo? - uma voz masculina disse atrás de mim.
- ? - disse, surpresa, me virando e encontrando-o parado com as mãos no bolso.
- Tudo bem, ?
- Tudo. E você?
- Tudo bem também. Posso me sentar aqui com você? O se engraçou pela neta da dona Gertruida e sabe-se Deus onde os dois estão agora.
- Claro. O Sven e a Alison fizeram a mesma coisa e me deixaram no meio da pista de dança segurando vela para Emma e pro Nick.
- Eu sei. Vi quando eles foram embora.
- Não me diga que o Sven foi embora e não me avisou? Argh, é a cara dele fazer isso! - disse, um pouco irritada. Meu melhor amigo me acompanha até a festa e vai embora sem ao menos me avisar?
- Na verdade, ele passou por aqui e pediu para te avisar que ele tava indo pra casa da Alison. Pediu desculpa por não te levar para casa, mas disse que era por um bom motivo.
- Ele pelo menos disse qual era esse motivo?
- Hum, algo como coração partido e namorado gay. Não entendi direito, já que ele falou rápido demais.
- Ok, acho que sei o que ele quis dizer. - disse, sorrindo, e um silêncio se instalou ali. Eu não sabia o que dizer, como agir. Tudo bem que eu estava diante do meu ex-namorado dos tempos de adolescência, mas a gente não se via há nove anos. Com certeza muita coisa mudou ao longo desse tempo.
- Então, como foi a vida durante quase uma década fora? - perguntou, depois de algum tempo.
- Bem agitada. Terminei a faculdade de Design no Rio de Janeiro, fiz especialização em Design de joias, ralei em algumas empresas do ramo e depois de algum tempo, acabei criando a minha grife de joias, Echte Liebe. No começo foi mega difícil. Tive que fazer um curso de gestão empresarial e aprendi na marra como as coisas funcionavam, mas aos poucos tudo foi se ajeitando. Hoje a minha grife não é a mais conhecida do país, mas eu produzo o suficiente para manter um padrão de vida bem confortável.
- Uau! Dona de uma joalheria? - perguntou, surpreso. - Achei que quisesse focar na parte do web design.
- Até estava nos meus planos, mas o design de joias me interessou bem mais.
- Interessante. E o marido, onde está? Não quis deixar os filhos com os seus pais e aproveitar essa noite com você?
- Marido? Filhos? Do que você tá falando?
- Do seu marido e dos seus filhos, ué.
- Eu não tenho um marido, .
- Como não tem? Não é possível que nenhum brasileiro tenha notado uma mulher tão linda quanto você.
- Um deles até me notou, mas depois achou uma brasileira bem mais interessante e endinheirada que eu e me traiu com ela.
- Nossa! Sério que ele te traiu?
- Sim. Eu tinha ido viajar e quando voltei, ele tava no meu apartamento com uma das minhas melhores amigas. Foi um golpe e tanto. - disse, triste, relembrando os dolorosos momentos.
- Que droga, hein? Mas pelo menos vocês não estavam noivos nem nada, né?
- Não. Nós morávamos juntos há dois anos, mas não tinha pretensão de oficializar a união tão cedo.
- E todo aquele plano de casar e ter filhos antes dos trinta?
- Foi por água abaixo, como você pode ver. Com o tempo a gente acaba se adaptando às circunstâncias da vida e desiste de objetivos que antes eram essenciais.
- Concordo.
- E você? O que tem feito além de ganhar vários títulos e ser um dos maiores ídolos do país?
- Nada demais. Só algumas campanhas para umas grifes esportivas e entrevistas. Agora é esperar essa janela de transferências acabar e se preparar para .
- Já sabem quem serão os adversários?
- Por enquanto não. Só vamos saber mais para frente, depois que fechar a janela de transferências.
- Tem alguma chance de vocês pegarem o ?
- Por enquanto acho que não. Por quê?
- Nada. É que se vocês se enfrentarem, não preciso nem dizer quem vai vencer a partida.
- Quem? - perguntou, rindo.
- É óbvio que o seu time vai ganhar.
- Eu sei que vai. Eles têm na equipe. - disse, soltando uma gargalhada gostosa.
- Meu Deus, continua o mesmo convencido de sempre! - disse, rindo também.
- Eu não. Estou apenas sendo realista.
- Então tá, né? - nisso, uma música lenta começou a tocar ao fundo, que eu reconheci como a música Always, do Bon Jovi. Aquela foi a música que nós dançamos no baile de formatura, onde tudo começou.
- Lembra dessa música? - perguntou.
- Claro que sim. Foi a música que nós dançamos na formatura, a última música lenta antes do DJ ir embora. - disse, sorrindo.
- Eu te chamei para dançar em cima da hora, a música já tinha começado e eu fui todo sem graça falar contigo. Tava muito nervoso, achando que você não ia aceitar dançar comigo porque era uma música lenta e nós éramos amigos.
- Óbvio que eu não ia recusar algo que eu esperei o ensino médio inteiro para acontecer. Você lembra que a gente parou bem embaixo daquele globo de espelhos que não parava de girar? Deus, achei que ia ficar tonta com tanto movimento, ou pior, que aquele globo ia cair em cima das nossas cabeças.
- Você, como sempre, sendo dramática. Ao invés de aproveitar o momento, ficou toda preocupada com uma bola que tava bem segura no teto.
- Ah, também não foi assim, né? Eu aproveitei bem aquela dança. Depois que o momento surto passou e eu voltei ao normal, encostei minha cabeça no seu ombro e fechei os olhos, pensando que aqueles minutos poderiam durar para sempre.
- Eu pensei a mesma coisa. Aquela noite foi tão especial que eu lembro de cada detalhe, e olha que eu não tenho boa memória.
- É? O que mais você lembra? - perguntei, sem tirar o bendito sorriso do rosto.
- Você tinha cacheado o cabelo e prendido tudo para um lado, me atrapalhando a ver o seu rosto. Eu coloquei os cachos para trás e você sorriu. Naquele momento eu não pude me conter e me inclinei para te beijar. Foi maravilhoso sentir o gosto do seu beijo, tão esperado depois de tantos anos.
- E o beijo correspondeu às expectativas?
- Foi muito melhor do que eu poderia imaginar. Nosso beijo encaixou tão perfeitamente que eu não consegui me afastar mais de você.
- Nem eu de você. Nós éramos o casal perfeito, não acha?
- Com certeza. Você sempre foi meio louquinha, desleixada com os estudos e aprendia com a maior facilidade, enquanto eu era o estudioso que precisava me dedicar para passar de ano. A gente se completava em tudo.
- Sim. Você me deu todo o apoio quando eu decidi estudar Design e eu te incentivei a correr atrás do seu sonho de ser jogador de futebol. Éramos o melhor time.
- Éramos o melhor time até você ter que se mudar pro Brasil e deixar a faculdade naquele verão de 2007. Acho que até aquele momento em que você me abraçou e me beijou pela última vez antes de entrar no avião, eu não tinha noção do quanto eu tava perdendo com a sua partida.
- Eu sabia exatamente o que tava perdendo, mas não tinha o que fazer. Eu até poderia ter ficado e me formado aqui mesmo, mas o meu pai argumentou que a empresa tava bancando tudo para ele no Brasil. Nós não teríamos gasto nenhum com hospedagem, alimentação, e o salário que eles pagavam para engenheiros estrangeiros era bem mais alto que o pago aos brasileiros. E outra, a vovó Margret, mãe do meu pai, tinha acabado de falecer, nós estávamos muito abalados com a perda dela e seria uma boa mudar de ares.
- Entendo. Você teve os seus motivos para ir embora e eu não tô questionando isso.
- Só me arrependo de uma coisa: Não ter mantido contato contigo depois que eu fui embora. Tudo bem que nós não seríamos os melhores amigos ou talvez tivéssemos nos afastado com o tempo, mas eu nunca deveria ter me afastado por completo.
- Você tem razão. Foi um grande erro.
- Sabe que de vez em quando eu ficava me perguntando onde você tava, o que tava fazendo, se lembrava da minha existência? Sei que é muita pretensão da minha parte imaginar que com todas as mulheres lindas que você tinha aos seus pés perderia tempo pensando em mim, mas no fundo era isso que eu acreditava. Acho que na minha cabeça você sempre seria aquele garoto lindo de dezoito anos por quem eu me apaixonei perdidamente.
- Pena que nós não podemos voltar no tempo.
- É mesmo. Talvez se não tivéssemos perdido contato, esse encontro seria diferente. Ficar nove anos sem ter notícias suas, acompanhando tudo pela televisão e pelos sites de esportes foi muito ruim. Tudo bem que na Copa do Mundo eu tava lá no Maracanã comemorando o título com vocês, mas não foi a mesma coisa.
- Se eu soubesse que você tava lá, juro que tinha dado um jeito de te ver.
- Acho que isso não teria acontecido, de qualquer forma.
- Por quê?
- Você tava cercado pelos seus companheiros de time e por toda a imprensa, não ia ser fácil me achar no meio da multidão. Além disso, a sua esposa não ia gostar de te ver me abraçando.
- É, você tem razão. Ela era meio ciumenta mesmo, ia falar um monte no meu ouvido depois. - disse, sorrindo meio triste.
- Aliás, sinto muito pela sua perda. Soube que ela faleceu em um acidente de carro logo após a Copa do Mundo e eu nem imagino a dor que você tá sentindo nesse momento.
- Tá tudo bem. Já faz três anos que a se foi e a saudade aos poucos não machuca mais.
- Quer falar sobre ela?
- Claro. O que você quer saber?
- Como ela era? Pelo que eu via, vocês eram muito grudados e ela parecia uma boa pessoa.
- Sim. A era uma excelente companheira. Me apoiava em todas as minhas decisões, tinha sempre os melhores conselhos e era linda. Só era meio ciumenta, mas nada muito fora do normal.
- Como vocês se conheceram?
- Ela era modelo e amiga de uma namorada do . Nós fomos apresentados no aniversário dele, em Janeiro de 2012, e acabamos ficando. Um mês e pouquinho depois assumimos o namoro e no início de 2013, mais precisamente em Março, nós nos casamos. Foi muito rápido, mas eu sentia que tava fazendo a coisa certa. Sabe quando você encontra alguém que é capaz de virar o seu mundo de cabeça para baixo e mesmo assim se sente confortável com isso? Foi o que aconteceu comigo e com a .
- Imagino. Vocês deviam ser muito apaixonados e formavam um belo casal. - disse, sorrindo triste, tentando me colocar na situação dele.
- Era o que todo mundo dizia, mas não vamos falar sobre isso. A se foi e nada vai trazer ela de volta. Calça essa sandália e vamos dançar o restinho da música, relembrando os velhos tempos. - disse, estendendo a mão para que fôssemos até a pista de dança. Fiz o que ele pediu e fomos ao local indicado.
Assim que chegamos, a música acabou e foi substituída por outra, Terrified, da Katharine McPhee com o Zachary Levi. Eu encostei o rosto no seu ombro e ele me abraçou. Nós nos movimentamos lentamente, para lá e pra cá, e eu senti o seu perfume - Allure Home Sport, da Chanel - favorito desde sempre. Fechei os olhos e aproveitei o momento, mais uma vez desejando que aqueles instantes não acabassem. Eu sabia que não seria fácil esse reencontro, tinha noção de tudo o que o havia passado nos últimos três anos por conta da morte da , mas uma parte de mim desejou que ele a esquecesse por alguns minutos e se concentrasse apenas em nós dois. Quando saí de casa para ir a essa festa, a única intenção era rever os meus amigos do Ensino Médio e me divertir com eles. É claro que eu sabia que existia a possibilidade do meu ex-namorado aparecer, mas eu não estava preparada para conversar com ele, muito menos esperava que terminássemos a noite dançando uma música que significa tanto para mim. Música que resumia bem o que eu sentia por ele na época em que namoramos.
Enfim, dançamos a música em silêncio, apenas sentindo as batidas do coração um do outro. Quando a canção terminou, tinha um sorriso no rosto e eu não sabia o que fazer.
- O que você acha da gente ir embora dessa festa? - perguntou e eu não soube o que responder de imediato.
- Ir embora para onde?
- Eu não disse anteriormente, mas o Sven pediu que eu te levasse para casa, já que ele foi pro apartamento da Alison.
- Não precisa se incomodar. Vou embora de táxi ou peço pro meu pai vir me buscar.
- Você não acha que tá velha demais para pegar carona com o seu pai? Além do mais, a essa hora ele deve estar dormindo. Não vamos acordar o senhor .
- Não precisa se incomodar, de verdade. Você deve ter coisas mais interessantes para fazer do que perder tempo me levando embora.
- Sinto muito, , mas eu prometi ao Heins que te deixaria em casa sã e salva.
- É que eu não queria ir para minha casa. Ainda tá cedo e se eu voltar para lá agora, vou pensar em um monte de besteiras e isso não vai me fazer bem.
- Não seja por isso. Já sei como resolver o seu problema.
- Sabe? Como?
- Segredo. Quando chegarmos ao nosso destino você saberá, mas para isso tem que vir comigo. Confia em mim?
- Confio. - disse e nos dirigimos à saída. Não encontrei a Emma e o Nick para me despedir, mas imaginei que tinham ido curtir a noite a sós.
Saímos do colégio por volta de uma e meia da manhã e eu imaginei que pegaríamos a estrada para fazenda do avô do , já que ele me levou lá algumas vezes, mas ele me surpreendeu ao fazer um trajeto totalmente desconhecido. Demoramos cerca de uma hora até chegarmos a um condomínio de luxo. parou o carro na guarita e o portão foi aberto, liberando nossa entrada. Por que eu não pensei que ele me traria para casa dele? Era óbvio o tempo inteiro, mas eu tava tão distraída que não percebi.
Finalmente, depois de cinco minutos andando pelo condomínio, paramos na frente de uma luxuosa casa de dois andares na cor branca. A fachada da casa era encantadora. No lado esquerdo, olhando de frente, víamos a garagem e a sacada do que parecia ser um quarto. No centro, um pé direito alto todo em vidro transparente, de onde se via dentro da residência. A porta branca nos levava ao interior da casa e era um charme à parte. No lado direito, um espaço aberto que parecia dar nos fundos da casa e uma sacada ainda maior que a do lado esquerdo completavam o visual.
- Bem vinda à minha humilde residência. - disse, sorrindo.
- Uau! Se essa é a sua humilde residência, quero nem ver como é a mansão.
- Boba. Vem, vou te mostrar o interior. - disse, me puxando para dentro do imóvel.
A parte interna da casa era tão bonita quanto a parte externa. A sala de TV e a sala de jantar eram integradas e a cozinha era estilo americana, com um balcão dividindo os dois ambientes. A escada que dava acesso ao andar de cima foi construída em formato caracol, e no centro dela, acompanhando seu formato, pendia um lustre do teto. O andar de cima era composto por um mezanino e quatro quartos, sendo todos suítes. me levou até o maior quarto e eu deduzi que aquele era o dele. O cômodo, todo decorado em cores sóbrias como cinza, preto e branco, abrigava uma cama king size, um closet cheio de roupas de marcas famosas e o banheiro, além de ter dois chuveiros, possuía uma banheira de hidromassagem. Tudo feito com extremo bom gosto. Agora, o que me chamou a atenção de verdade foi o espaço gourmet. Lá tinha uma churrasqueira e um forno de pizza feitos de tijolos; ao lado da churrasqueira um forno a gás com cinco bocas. Uma bancada de granito foi instalada na frente dos fornos, facilitando o manuseio dos alimentos; em volta dela havia alguns bancos e por toda a área, cadeiras de madeira. A piscina era cheia de curvas, fugindo do padrão quadrado ao qual estamos acostumados. Um detalhe bem interessante que eu observei foi a cascata da piscina, que pendia do teto de uma das laterais da casa.
- Então, o que achou da humilde residência?
- Maravilhosa!
- Só isso?
- O que mais você quer que eu fale?
- Não sei, talvez que eu sou muito idiota por morar numa casa desse tamanho sozinho?
- Você não é idiota, mas eu realmente não entendo porque uma casa enorme sendo que é só para você, ainda mais sabendo que você quase não tem tempo de usufruí-la.
- Isso é culpa do , que me convenceu a comprar uma casa no condomínio em que ele mora.
- Como assim?
- Assim que eu e a nos casamos, nós compramos um apartamento no centro da cidade. Nada muito grande, já que vivíamos viajando e quando estávamos em casa, pedíamos comida de algum restaurante. Ela tinha pavor de cozinhar e não gostava muito de receber os nossos amigos, então não fazia muito sentido ter um imóvel muito grande.
- Entendo.
- Quando ela morreu, eu fiquei muito abalado. Tudo naquele apartamento me lembrava ela, cada móvel, cada quadro, os utensílios da cozinha que nunca usávamos. Não conseguia me desfazer de nada dela, era a maneira que eu tinha de mantê-la perto de mim. Na época, eu me isolei de todo mundo, não queria falar com ninguém, meu rendimento nos gramados caiu consideravelmente e eu achei que fosse chegar ao fundo do poço. Graças a Deus eu tenho amigos que não desistiram de mim e me ajudaram a passar por isso sem me julgar. Eles me apoiaram, me deram força durante o período de luto e entenderam que eu precisava desse tempo para aceitar a situação. Quando estava quase completando um ano da morte da , o me contou que essa casa estava a venda e disse que se eu queria recomeçar, essa era a oportunidade perfeita. E assim foi.
- Que bom. Você fez uma ótima escolha.
- É, mas eu não te trouxe aqui para falar de casa nem da minha falecida esposa. Ela não está mais aqui e eu só posso guardar as boas lembranças do pouco tempo que tivemos.
- O que você sugere que nós façamos?
- Fiquei sabendo que você manda muito bem na cozinha. Isso é verdade?
- Mais ou menos.
- Que tal se você cozinhasse pra gente? Eu tô morrendo de fome, não comi quase nada no colégio.
- É uma boa ideia. O que você quer comer?
- Hum, não sei. Me surpreenda.
- Ok. Onde fica a sua despensa?
- Lá dentro. Primeira porta à direita depois da cozinha, mas antes, acho melhor você tirar essa roupa. Vai que você se suja preparando a nossa refeição?
- É melhor mesmo. - disse e nós subimos. me emprestou uma blusa e um short dele e eu prendi o cabelo num rabo de cavalo alto. Peguei os ingredientes para preparar um tomate recheado e fui para área externa da casa. Não demorou muito e ele apareceu, apenas de short, e eu não consegui tirar os olhos do seu corpo.
- Gostou dos meus músculos? - perguntou, sorrindo meio de lado.
- Como?
- Eu sei que esses anos de academia e futebol me fizeram bem. O de dez anos atrás não chega nem perto do de hoje.
- Nisso você tem razão, mas não vai se achando muito não. Tem muito jogador aí que te põe no chinelo.
- Nossa, muito obrigado pela consideração. - disse, fingindo-se de ofendido.
- Idiota. Agora para de falar e vem aqui me ajudar. Ou o bonitão achou que ia ficar só olhando enquanto eu ponho a mão na massa? - perguntei e ele prontamente assumiu o lugar ao meu lado na bancada.

Preparar o tomate recheado foi muito engraçado. O realmente não levava jeito para cozinha. Chorou um monte cortando cebola, quase cortou o dedo picando a salsinha e ao invés de cortar o presunto para rechear o tomate, comeu quase tudo. Enfim, depois de mais ou menos quarenta minutos, estávamos sentados na bancada comendo deliciosos tomates recheados preparados a quatro mãos. Ele fez algumas caipirinhas para acompanhar os tomates e nós aproveitamos para conversar um pouco mais sobre assuntos aleatórios, nada demais. O clima de descontração começou a mudar quando eu inventei de lavar a louça. Comecei a ensaboar os poucos utensílios usados enquanto cantava Pillowtalk, quando o chegou e me abraçou por trás, colocando a mão na minha cintura, me dando um beijo na orelha, que ele sabe que é o meu ponto fraco.
- Bem sugestiva essa música, não?
- Talvez. - disse, sorrindo.
- O que você acha de deixar essa louça de lado e fazer algo bem mais interessante?
- É? Tipo o que? - perguntei, secando as mãos e me virando para ele.
- Tipo isso. - ele disse, me beijando.
Beijar o após nove anos, depois de tudo que passamos durante esse período foi reconfortante, como voltar para casa após uma longa e difícil jornada. Nós não éramos os mesmos adolescentes de dez anos atrás, quando começamos a namorar; pelo contrário. Para chegar a esse momento, nossas vidas passaram por intensas transformações: Seguimos por caminhos completamente diferentes, conhecemos pessoas que marcaram nossa história, tivemos nossos altos e baixos, momentos de dificuldade nos tornaram pessoas melhores e mais equilibradas. No entanto, eu não podia negar que conforme o beijo evoluía para algo mais e as nossas roupas ficavam pelo caminho até o quarto, mais eu desejava que aquele momento durasse para sempre. Eu não sabia o que o futuro nos reservava, muito menos se voltaríamos a ser o casal perfeito de antigamente, mas eu estava disposta a arriscar. Por mais que eu ainda estivesse machucada por conta da traição do Felipe, a vida aparentemente estava me dando uma nova oportunidade e eu não a deixaria escapar. É como dizem por aí: O fim também significa um novo começo. Uma história termina para outra começar. Nesse caso, recomeçar. Seria um recomeço para nós dois e eu esperava que dessa vez fosse definitivo, afinal, o cara à minha frente era , e ele sempre estaria dançando com o meu coração.



Nota da autora: Sem nota.




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