Capítulo 1
– , eu preciso que você, pelo amor de Deus, me decepcione. – finalmente largou o notebook e se sentou ao lado do amigo.
Ou melhor, amigo colorido.
– Como é? – ele franziu a testa, sem entender nada, e ela riu.
– Eu não consigo escrever uma cena em especial e eu preciso que você me decepcione pra eu ter um pouquinho de inspiração – explicou.
, que estava jogando no celular até aquele momento, deixou o aparelho de lado e puxou o queixo de Bri.
– Como você quer que eu faça isso com a minha melhor amiga?
– Não sei, use os dotes naturais dos homens de serem decepcionantes. – deu de ombros. – Me surpreenda.
e se conheceram há alguns meses, quando ambos tinham acabado de sair de um relacionamento e se encontraram em uma festa de aniversário.
Vamos encher a cara? Vamos.
E, no meio do álcool, surgiu uma afinidade que nenhum dos dois esperava, concordando tanto na questão de que não vou namorar de novo quanto na questão de Deus me livre me apegar tão cedo. E aquela festa foi realmente um marco histórico, que resultou não só em uma amizade, mas uma colorida.
Sem sentimentos ou relacionamento sério.
Era a única regra que impôs ao sugerir aquele tipo de amizade. Mas, claro, depois do assunto sexo surgir e do quanto já estavam em abstinência.
, jogador do . , escritora.
Então, ficou combinado assim, se pegar sem se apegar, maravilha. Até que um “dorme lá em casa” saiu da boca de um, “fica mais um pouco” da boca de outro. Então as noites juntos passaram a ficar frequentes, um já tinha no outro um confidente e tanto, e ambos já sabiam o óbvio: fodeu. Mas não estava ali quem iria falar sobre isso primeiro.
E pensava exatamente nisso quando criou um personagem todo inspirado no amigo. Enquanto mantinha aquela discussão em stand by, pensou em fazer dele um apoio importante para a principal, que estava se recuperando de um término.
Mesmo que o fim dela, na sua história, era se descobrir muito melhor sozinha. O que matava lentamente a veia romântica da própria autora, mas ela precisava daquilo, era um desfecho mil vezes mais satisfatório, que seria a confirmação de todos os dilemas tratados durante o livro. No epílogo, alguns anos à frente, quem sabe sua personagem não se apaixonaria novamente?
Até que, uma semana depois de desistir de lutar consigo mesma e ter deixado aquela briga para quando estivesse realmente inspirada, algo estranho aconteceu. Ela queria muito cozinhar em uma noite qualquer de quinta-feira, desceu os contatos e mandou o convite para algumas amigas, massa e vinho era um ótimo programa. Mas todas estavam ocupadas, então acabou caindo na conversa de de novo.
Mandou a mensagem e não obteve nenhuma resposta, decidindo por fim fazer a janta para si mesma e ligar a Netflix.
Tinha sido uma noite agradável apesar da falta de resposta do amigo, que era a única coisa que a incomodava, porque aquilo não era comum, sobre as amigas que estavam sempre ocupadas já estava até acostumada. Mas a resposta ainda não tinha vindo no dia seguinte e começou a ficar preocupada, mandando, depois do almoço, uma mensagem que dizia claramente “onde caralhos você se meteu? Eu fico preocupada!”.
Sem resposta mais uma vez, suspirou, já estava ficando brava com e só piorou quando, horas depois, ele postou um igstory marcando um amigo brasileiro do time, no qual ouvia uma música em uma língua que ela sequer entendia. Revirou os olhos e jogou o celular longe, ele não tinha tempo para mandar uma mísera mensagem dizendo que estava vivo, mas tinha para ouvir música e postar na rede social.
Ela pegou o notebook já com uma cena em mente, a inspiração que tinha sido esquecida estava voltando, porém, a campainha de seu apartamento tocou e franziu a testa, porque literalmente não esperava por nada e nem ninguém. Apareceu na sala pensando que fosse a vizinha pedindo algum tempero, porque ela era dessas, mas abriu a porta, dando de cara nada mais, nada menos do que com o número 37 do .
tinha um cacto em mãos, um olhar de cachorro que caiu da mudança e uma sacola jazia no chão ao seu lado. No entanto, não ficou analisando muito a cena, porque logo fechou a porta na cara dele, o que não foi uma ação bem sucedida, porque ele impediu, segurando a mesma com uma das mãos.
– Desculpa. – pediu, antes de qualquer outra coisa. – Mas eu trouxe um cacto novo e eu quero, sim, uma foto sua com ele e um sorriso lindo de meu-Deus-eu-amo-cactos, trouxe também pipoca, coca-cola e Thor: Ragnarok.
– Qual é a porra do seu problema? – ela cruzou os braços. – Isso tudo por que você fez alguma merda ou por que é incapaz de digitar uma mensagem pra dizer “oi, , você é insuportável, mas eu tô vivo e eu te amo”?
riu, levando aquilo como uma permissão para entrar, enquanto a mulher ainda o encarava como se ele fosse um trapaceiro, bandido e assassino.
– Eu já pedi desculpa pela minha incapacidade de te mandar uma mensagem dizendo que te amo. – deixou um beijo na testa dela, ainda sorrindo.
– Nada novo sob o sol, né?! – deu de ombros, pegando o filme da sacola e indo para a sala, durante o tempo em que estourava as pipocas e servia os copos de refrigerante.
já tinha colocado o filme e deixado pausado, quando o amigo apareceu com os potes de pipoca e os copos em seguida.
– Aqui, madame. – entregou o copo na mão dela e sentou ao seu lado, esperando ela dar o play.
A verdade era que estava louca para ver aquele filme, tentou prestar atenção mesmo que não o fizesse, porque uma hora estava tenso e, na outra, deixava beijos em seu ombro. Ela deu pause no que parecia ser o meio do filme e olhou para a cara de pau de , tentando interpretar o que estava acontecendo com ele.
– ? – chamou a sua atenção, analisando a testa franzida e a expressão divertida que tinha desaparecido.
O que não fazia sentido já que estavam assistindo a um filme que tecnicamente era engraçado.
– O que aconteceu? – perguntou e ele respirou fundo.
– Você promete que não vai ficar brava comigo?
– Mais do que já estou?
– Ok, eu mereço. – ajeitou a posição que estava. – Hm, é que a gente só conversou sobre nós uma vez e depois não decidimos o que exatamente somos, porque os sentimentos mudam, Bri, e…
– E…? – incentivou quando ele parou de falar, nervosa pelo que estava por vir.
– Eu não sei direito como lidar com isso, mas fui a uma festa ontem e fiquei com uma garota. – disse de uma vez e arregalou os olhos.
– Ah. – foi tudo o que conseguiu dizer. – Por isso o cacto, o filme, a pipoca e a coca-cola. Sabia que tinha uma explicação mais lógica.
– Desculpa, eu…
– Tudo bem, . Como você mesmo disse, a gente não tem nada, então… Não falamos nada sobre exclusividade e tá tudo bem.
Ele continuou encarando os olhos dela, esperando por qualquer sinal de que ela estivesse decepcionada e nada aconteceu. desviou o olhar e deu play no filme, se jogando para o outro lado do sofá.
No fim, não foi ao filme que assistiu aquela noite, ele assistiu de camarote todos os muros da melhor amiga se erguendo contra ele e aquilo o deixou arrasado, porque ela estava certa quando disse que ele a amava.
O filme terminou e colocou outro, trocando comentários sobre os filmes e nada mais. Ela dormiu antes que o segundo terminasse e colocou um cobertor em cima dela antes de ir embora, mas não sem deixar um bilhete dizendo que havia uma carta dentro da sacola que ele tinha deixado na cozinha. era boa em seguir algumas regras e ele esperava que seguisse aquela: só abrir a carta depois que ela escrevesse a maldita cena da briga.
acordou na manhã seguinte e achou o bilhete, achou a carta quando foi à cozinha fazer o seu chá e comer alguma coisa, mas logo pegou o notebook porque a inspiração que precisava tinha vindo. De um jeito que a fazia se sentir péssima, não tinha o direito de ter ficado chateada e muito menos ter ficado tão sem jeito com daquela maneira. Mas, depois de quase 20 páginas escritas em uma manhã, uma epifania a atingiu. Ela queria, sim, exclusividade e o fato de ele ter ficado com uma mulher cujo nome não era o dela a matava.
Ela o adorava por inteiro, era totalmente apaixonada pelo equilíbrio daquela áurea de bonzinho com um pouco de perigo que ele exibia.
Suspirou pesadamente quando terminou a cena que estava empacada fazia tempo, pegando a carta em cima da bancada e a abrindo. Tirou uma folha de caderno de lá com a caligrafia maravilhosa de .
“Você promete que não vai ficar ainda mais brava comigo?” era a primeira frase e ela sorriu triste.
Já faz um tempo que você me pediu para que eu a decepcionasse e eu não consegui parar de pensar em como eu faria isso. Não queria te decepcionar, chatear e nem magoar, mas as suas reclamações sobre uma coisinha chamada prazo estavam ficando frequentes e eu pensei que teria que tomar coragem para te ajudar logo.
Desculpa, desculpa mesmo, mas eu menti. Não fui em merda de festa nenhuma e muito menos pensei em beijar outra boca que não fosse a sua. Você deve estar me odiando agora e, como você sempre diz, tá tudo bem. Eu aceitei o fardo e suas consequências, fiz isso pelo bem da arte.
Mas você me perdoa, ? Manda aquela mensagem dizendo que está viva e que sou a pessoa mais incrível da sua vida, porque eu… Acabei de me perder aqui, mas eu te amo.
terminou de ler com lágrimas nos olhos, querendo socar e beijá-lo ao mesmo tempo. Porque era tudo loucura demais e, no fim, certo demais. Ela releu aquele eu te amo cheio de significado e pegou o celular, tirando uma foto com o cacto, mostrando o sorriso de meu-Deus-eu-amo-cactos e as lágrimas de meu-Deus-eu-amo--.
Mas aquilo não pareceu ser o suficiente, então pegou o casaco e saiu de casa com o pijama mesmo, dirigindo até a casa do amigo e passando um pouco de vergonha por andar daquela forma. Ela, no entanto, não podia ligar menos.
Chegou à frente da porta dele e apertou a campainha, percebendo que tinha esquecido o celular em casa com a correria. Queria saber o que ele tinha respondido, porém estar ali tinha que servir.
Ele abriu a porta, com o celular em mãos e olheiras fundas, abrindo a boca sem reação quando exibiu o celular para ela. sorriu ao ver aquela foto com o cacto e depois olhou para ele, encarou intensamente aqueles olhos.
– O que você ia responder? – perguntou quando ele a analisou de cima para baixo.
– Belo figurino. – elogiou.
– Não mude de assunto.
– Você não aceita uma xícara de café? – ele abriu espaço para que ela entrasse em seu apartamento e obedeceu.
, ainda em silêncio, foi até a cozinha e serviu café para ela, mesmo que ela não fosse muito fã da bebida.
sentou de frente para ele, assoprou o líquido antes de tomar um gole e ele fez o mesmo, antes de soltar um suspiro.
– Você escreveu a cena?
– Escrevi, só falta finalizar agora. – respondeu.
– Eu vou ser o primeiro da fila quando esse livro for lançado. – sorriu.
– Claro que vai ser. – ela piscou. – Você ainda não respondeu minha pergunta.
– Você leu a carta?
– ... – disse como se estivesse brigando com o bonito e ele riu.
– Eu ia responder isso.
– Ah. – ela balançou a cabeça em entendimento. – Eu li.
– E qual a sua resposta?
– Vim aqui pessoalmente para isso.
deu a volta no balcão, se aproximando de , quando ele deixou a caneca de lado e a puxou pela cintura. Quando os lábios de ambos se encontraram, o beijo foi quente e tinha gosto de café, mas do tipo que não reclamaria e não precisou pedir por mais, porque ele a deu. Naquela manhã ele deu muito mais. Ele deu tudo de si e, quando ela sussurrou aquelas três palavrinhas em seu ouvido, era óbvio que ela também lhe daria tudo.
– Obrigada – ela disse –, é o mínimo que posso fazer por você depois de tudo isso, mas...
– Shhh, depois... – murmurou, a pegando no colo e a levando para o quarto.
Porque agora ele que estava inspirado, mas em outras coisas.