Prólogo

Numa conversa completamente franca, via WhatsApp, sendo terminantemente proibido o envio de conteúdo pornográfico, até por ter menores de idade como membros, falava-se sobre o São João do Dom Bosco — colégio particular em que um deles estudava:

[Hoje, 16h35]
: A festa será dia 19 às 19h. Vcs têm q comprar as senhas com antecedência! ;)
[16h36]
: Colégio de privilegiado é sempre mais caro. Estão achando q eu cago dinheiro?
Jefferson: A tem uma senha sobrando. Quem é seu amigo há mais tempo? Isto mesmo: eu.
: Na vdd, vc e o . Não dá pra dar metade a cada um. E, só por ter me chamado de , vc estaria fora! (emoji revirando os olhos)
está digitando...
[16h38]
Jefferson: é o único apelido disponível. Quem manda ter um nome pequeno, criatura?
: Meu nome é pequeno justamente pra não precisar de apelidos (emoji de sono) Tenho q voltar a estudar. Ah, o preço é 30 conto! Bjo!
: R$ 30???
Jefferson: Doeu, hein?!

conhecia desde os 12 anos de idade, quando ele morou por uns meses no seu prédio no centro de Nova Formosa, cidade pertencente ao município de Campestre, a cerca de 300 km. Ele vivia no apartamento de cima, no sétimo andar, com o pai, após o divórcio dos pais. Achando que seria temporário, preferiu ir e ficar com o progenitor, descobrindo, então, que não voltariam a ser uma família. Na época, tinha uns 14, 15 anos. Retornando a Campestre, perderam o contato. Cresceram separados, até que, há dois anos, voltando à cidade natal da garota, ele a reencontrou. Foram duas semanas desconfortáveis com o pai, o cachorro, sua madrasta e o meio-irmão. Por ter descoberto a existência desse meio-irmão, nunca mais quis saber de Nova Formosa. Na última vez, no entanto, salvou o número do celular de e começaram a trocar uma ideia raramente — não tinham muito o que falar, desde que não se viram outra vez, depois das férias de inverno, e o garoto ingressou na faculdade, tendo seus horários bagunçados, a partir daí. Mas ela, secretamente, tinha tanto a lhe dizer, que nem sabia por onde iniciar.
Mudando-se, finalmente, para Campestre, um ano mais tarde, a fim de estudar no Dom Bosco, por ter ganhado a bolsa de estudos, conheceu Jefferson, que era monitor de Filosofia para os primeiros anos do Ensino Médio, estando ele no último. Desfrutando da facilidade de aprendizado e, tecnicamente, “roubando” as alunas dele, principalmente, as mais bonitinhas, fizeram amizade, como aqui possuem até hoje, provocando, fraternalmente, um ao outro. Ele nunca esqueceu o quão desenrolada ela era e a chamava de Alan propositalmente.
O grupo de amigos foi formado aos poucos, crescendo com o passar dos anos, e o grupo no Whats veio por iniciativa da Virna, tímida e a mais tranquila entre eles, quando viajou para Nova Formosa.
A rede por lá não costuma ser eficiente.
Virna mora no condomínio de casas em que o pai de Jefferson é síndico e é prima distante de Luana, que está no Canadá. As famílias de ambos são amicíssimas e, por isso, acabaram virando grandes amigos.
O grupo não se restringe apenas a esses quatro, entretanto. Outros quatro virão, no decorrer da história, e falarão por si.



Capítulo 1

— Eu tô lascada! Você não sabe a confusão que minha cabeça está! — confessou a Virna, sentadas na varanda da casa desta, no condomínio.
— O que foi, menina? — perguntou de forma branda, sem alterar nenhum nervo. A tranquilidade que Virna emanava contagiava quem estivesse ao redor e, exatamente por tal equilíbrio emocional, os amigos recorriam a ela para conversarem sobre, praticamente, qualquer assunto.
— O ... — Desolada, suspirou, sendo puxada para o ombro magro de Virna. — Ele é o problema.
— O garoto tá pegando no seu pé?
— Ele não é mais um garoto. Já fez 20 no início do ano. Acho que isso é o problema.
— Dele ou seu? Em minha concepção, o está perfeitamente conformado. Nem entrou na crise precoce.
— É aquilo , tu sabe... Não mudou.
Virna acariciou sua cabeça.
— Ele mal tem noção.
— Não é cego.
— Mas você nunca deixou explícito. Eu, por exemplo, não notaria se não fosse me dito.
afastou-se.
— Ele tá namorando, agora. Vai ficar para a próxima vez.
— E se essa próxima não vir?
— Aí vou chorar em posição fetal. — Sorriu, triste. — Respeito o namoro dele. Não vou estragar seja lá o que ele tem com a fulana. E você?
— Tô namorando meu curso. Medicina Veterinária faz eu me apaixonar todo dia. — Viu-a revirar os olhos. — Só tenho 19 anos, querida, e um mundo a ser explorado.
— O Jeff tá no condomínio? — Olhou para as ruas e casas.
A residência do pai de Jefferson, onde ele morava com a madrasta e o meio-irmão desde que tinha cinco anos e sua mãe faleceu, localizava-se a uma curta distância da casa de Virna — questão de menos de um quarteirão —, numa propriedade de andar com um jardim impecavelmente conservado.
— Não sei.
— Você não tá preocupada com o sumiço dele?
— Ele só desapareceu por umas doze horas. Não dá pra chamar a polícia. — Deu de ombros.
a observou.
— Eu estaria surtada.
— Não obrigo ninguém a me dar satisfação. Ele não é meu filho. O Jeff vai vir quando estiver em casa. Sempre passa aqui à noite.
— Liguei para a Selena, e ela tá vindo da academia.
— As gêmeas estão a influenciando muito, após estarem se formando. A Sel só tem 16 anos!
— Ela é espevitada e imperativa, mas, cá entre nós, possui mais juízo que as irmãs, graças a Deus!
O celular de Virna vibrou.

[Hoje, 17h58]
Otávio: Ei, pessoal!
: (emoji dos olhos)
Otávio: Só tem tu?
Otávio: Os outros podem dar o ar da graça, q eu sei q tão visualizando!
[18h00]
Jefferson: Q é, Popai?
Selena: O Otávio só quer chamar atenção (emoji revirando os olhos) Cara pálida, honre seu tamanho!
Jefferson: \o/
[18h02]
Otávio: As garrinhas da gatinha siamesa nem coçam
Otávio: #chupaessaSelena
Jefferson: Aposto q os arranhões fazem um estrago.
Jefferson: Sel é o perigo
: (emoji dos olhos)
Selena: Palhaços!

riu, lendo a conversa do grupo pelo celular da amiga devido o seu estar descarregado.
— Cheguei! — Selena atravessou o trajeto sobre a grama, vestindo um short jeans e uma camiseta larga com estampa de números. — Troquei de roupa no carro e tomei banho, se não, vocês sentiriam a catinga.
levantou-se para abraçá-la, e Virna acompanhou.
— Gatinha siamesa perigosa tá cheirosa.
— É o efeito do perfume. — Riu. — O que tem pra comer?
Virna não se importava com os modos, ou a falta deles, e a espontaneidade de Selena, que, de tamanho, atingia seu ombro. Segurou-a pela mão, guiando-a para dentro da casa, enquanto ia atrás, em busca de biscoitos.
Tiravam presunto e queijo da geladeira, e Virna passava margarina nos pães, quando alguém bateu na porta dupla com vidros fumê da sala.
A figura alta e um tanto larga nos membros superiores apareceu no campo de visão das três.
— Entra, menino! Tu é de casa! — recordou Virna a Jefferson, que fechou a porta atrás de si por causa dos mosquitos.
Uma terrível desvantagem de viver em condomínios, principalmente, nesta localização e, aparentemente, em todos da cidade, era o novo habitat dos mosquitos e muriçocas.
— Boa noite! Eu tô é bem! Só tem gata aqui... — Sua boca carnuda se curvou, dando um beijo no rosto de Virna. Ele bagunçou o cabelo de , que revirou os olhos teatralmente, e beijou a cabeça de Selena.
— Meu amigo, você chegou na melhor hora! — disse .
— A mais inapropriada também. — Jefferson achou graça. — Mas eu já jantei. Meus pais saíram, e meu irmão tá sozinho. Tenho que tomar conta dele, então nem posso demorar.
— Poxa! — murmurou Virna. — Você iria me contar aquela história do seu amigo.
— Ah, é... — Esfregou a cabeça. — Você tá curiosa, mas acho que ele já se resolveu.
Selena deu uma mordida no sanduíche e apanhou o prato, dirigindo-se à mesa redonda no outro lado do balcão.
sentou-se na banqueta.
— Vocês vão para o São João do meu colégio? É semana que vem. Tô participando da quadrilha do terceirão.
— Assistirei de camarote.
— É sábado, né? — Virna questionou. — Tenho uma prova na segunda e, francamente, detesto festas noturnas. Só de pensar, meus pés doem.
— Tu dorme cedo.
— Não é isso, é que me sinto deslocada nessas festas, sejam quais forem. — Ofereceu um pedaço a Jefferson, que recusou.
— A Sel vai? — ele perguntou alto para que a morena, concentrada na tela do celular e mastigando, escutasse.
— Claro! — Ela ergueu os olhos rapidamente para os dele. — Não perco nem festa de criança!
— Misericórdia! — Virna reproduziu, fazendo-a rir. — Pergunta no grupo se todos irão.

[Hoje, 18h46]
Selena: Todo mundo vai pro SJ, né?
Otávio está digitando...
: Todo mundo é mta gente
: Dá não
[18h47]
Otávio: pra prefeito!
Selena: Vocês cansam meus dedos (emoji bocejando)
Jefferson: Sel, eu vou!

Selena desviou a atenção da janela da conversa, notando os dedos de Jefferson digitarem rapidamente, até que ele piscou para ela e guardou no bolso o celular.

[18h50]
Otávio: Tô mais liso q meu cabelo D:
Selena: Seu cabelo é ondulado.
Otávio: Então... Meu estado tá crítico.
Otávio: A tem uma senha, pelo que sei... Deveria sortear entre a gente.
[18h53]
Selena: Se eu fosse ela, vendia.
Otávio: Não dá palpite!
: Concordo!
Selena: Baba ovo!

ria descontroladamente da piada de Jefferson quando Selena desconectou o wifi e levantou-se com o prato, andando para a pia.
— Qual é a graça?
— Um aluno do Jeff.
— Você dá aulas?
— De reforço. Para todas as séries, História e Filosofia, e assuntos específicos, depende. Às vezes, não tenho tempo de ensinar e relembrar todo o macete. Organizo as aulas por planilha, tanto as daqui como as da faculdade.
— História é legal. Filosofia é legal. Eu prefiro exatas. — Enxugou as mãos.
Virna guardou o pacote de pão integral e limpou o balcão.
— Prefiro Biologia.
— E eu prefiro dormir — encerrou . — Falando nisso, tá na minha hora. Amanhã ainda é dia de acordar cedo. — Buscou a bolsa de colo no sofá.
— Minha prima chegará este mês do Canadá, sem conhecer ninguém da nova turma dela, então, se não for pedir muito, gostaria que a enturmássemos.
De boas!
— Adiciona no nosso grupo. Ela deve ser bem legal, pra você gostar dela. — Selena disse.
— Farei isso daqui a pouco.
Jefferson bocejou.
— O sono da tá me contagiando... Vou indo, meninas! — Beijou a cabeça de cada uma, com seu braço ao redor, e se foi.
se despediu e o seguiu.
Virna foi buscar o celular para por a prima no grupo.



Capítulo 2

Virna adicionou 87 99875 ----

O toque de notificação chamou atenção da maioria dos integrantes do grupo sem nome que se preze:

[Ontem, 21h01]
Otávio: Quem é?
: A prima da V.
: É bonita?
[21h04]
: Nunca vi, só ouço falar
Selena: , ela não é mulher da sua laia #sorrynotsorry
: Ih! Qual é, Selesapa?! Tenho namorada, maluca. Fica pro Ota.
Selena: Shrek!
Virna: (emoji dos olhos)
: A moça aí não tá curtindo esse 1% de ousadia pra cima da prima dela, vissem?
: (emoji tapando os olhos)
[21h50]
Jefferson: Ela vem importada do Canadá, meu povo! É r$ca!
Isac: Ela quem?

A garota que estava a caminho chegou apenas duas semanas depois, num voo fretado pelo governo estadual, com mais alguns alunos da turma das línguas inglesas e espanholas, voltando de países como Nova Zelândia, Chile e Canadá.
Após seis meses fora, estudando no High School, Luana Diniz estava em Campestre.
Matriculada para o último semestre no Val Campestre, tomou conhecimento de que Virna, sua parente materna, cursava Medicina Veterinária na UniCa. Os tios, a mãe e uma de suas melhores amigas, Maria Giulia, foram buscá-la no aeroporto, segurando um cartaz enorme de boas-vindas. O cabelo louro, de fios dourados sempre tão firmemente presos, estava solto e atravessando as costas. Vestida com um moletom amarelo do projeto, maior que seu tamanho, correu para ser abraçada pelos familiares, cheios de saudade e orgulho.
— Você me parece uma nova Luana, minha filha!
— E sou, mainha! A gente cresce, morando fora, sozinho... Aprende a se virar! É uma experiência incrível!
Virna a abraçou apertado.
— Não queria mais vir, não?
— Sinceramente, não. — Sorriu, sendo agarrada por uma Giulia emocionada. — Oi, Gigita! Como está a Laurinha?

***


— Ela puxou assunto comigo... A . Achei bem engraçado. É simpática! — Luana dizia, sentada sobre a cama do próprio quarto, mantendo as malas abertas no chão.
Iria descansar primeiro, já que o fuso a exaustou e, mais tarde, com a mãe, guardaria os pertences e mostraria o que deu para comprar na cidade mais o que a host family enviou para ela.
— Eu te adicionei no grupo — tornou a falar Virna. — Meus amigos são assim. Eles meio que a conhecem e já consideram como membro. Somos diferentes, mas nos suportamos.
— Entendi. — A loura se jogou com os braços abertos no colchão. — Não tô com sono, mas fiicarei igual uma sonâmbula se não dormir agora.
— Estarei em casa quando você acordar. — Virna beijou sua bochecha. — Até logo!

[Duas semanas atrás, 10h30]
Jefferson: A prima da V. O nome dela é Luana, eu acho (emoji pensativo)
Virna está digitando...
: Ainda isso?
Virna: É Luana.
[11h30]
Selena: Cuidado com o que vcs falam! Ela tá no grupo!
Otávio: Selena, presta atenção na aula! Vou aí falar pro seu professor!
Selena: Aula VAGA, cara pálida!

Quando Luana acordou, meio desorientada, além de abrir os olhos, obviamente, o primeiro ato foi tatear o criado-mudo, à procura do iPhone, que deixou no modo avião, e acessar o WhatsApp, conferindo o que falavam nos grupos e nas janelas privadas. Surpreendeu-se e teve preguiça de ler todas as trezentas e tantas mensagens de um deles, clicando no debaixo:

[Hoje, 9h00]
Virna enviou um áudio
: Confirmado!
Selena: Ela estuda no Val, né? Será que eu a vi ano passado?
Virna está digitando...
87 99875 ---- Luana Diniz: Estudo. Oi!
Virna: A Lu estuda lá desde o 6° ano. Ela é amiga da amiga das suas irmãs.
Selena: Sério? Então já a vi lá. Bem-vinda de volta!
87 99875 ---- Luana Diniz: Valeu!
[9h15]
Isac: É a Luana do The Nacionais?
87 99875 ---- Luana Diniz: Fui, um dia.

Luana travou a tela e levantou-se. Após sair do banheiro, chamou a mãe e agachou-se para desfazer as malas.

No resto da semana, se readaptando ao colégio e ao antigo cotidiano, tentou fazer amizades, mas notou que não levava jeito para isso, o que era esquisito, já que, até o ano passado, conseguiu agilmente novos amigos quando Giulia se rebelou. Lembrava-se de Elineide, só que a menina saiu do Val, infelizmente. Pelo menos, Giulia estava em sua sala, sem dramas. Enquanto aos demais, Selena a conheceu pessoalmente e a encheu de elogios no grupo, apesar de Otávio ter sido um pouco mais resistente nesse início de relacionamento. Dois intervalos se encontrando e sentando os três na mesma fileira do auditório, tornou-se mais receptivo e até cogitou alguns apelidos para a loura.
— Chamavam-na de lourinha, Lulu, Luluzinha... — Ia enumerando Giulia.
— Você se importa?
Luana arqueou a sobrancelha.
— Tente me chamar pra você ver! — gracejou com uma expressão séria que o manteve calado.
Mas por um segundo, apenas.
— Lourinha me parece bom. — Sorriu com notável prazer. — O que você acha, rapunzel?
Luana foi para cima dele, segurando seu pescoço, na brincadeira.
— Acho que você é uma versão pior que o Isac.
— Tu o conhece?
— Conheci um ano passado. Estávamos na mesma banda de garagem. Nem faço ideia onde aquele menino se meteu... Ainda bem!
— Sinto estragar seu ânimo, mas o louro rabugento é nosso amigo. Ele contou que fez parte de uma banda no Ensino Médio, e ela acabou com o fim do semestre. Cada um foi para um canto e perderam o contato. Chamava-se The Nacionais.
— Mentira.
— Sério! O Isac é parado e o mais ausente no grupo, mas é ele, o guitarrista.
— O que ele faz da vida agora?
— Cursa Arquitetura na UniCa.
Luana abriu e fechou a boca.
— Você parece apavorada. — Liberou um risinho. — Relaxa! Ele tá mais responsa e menos atentado. Na verdade, possui uma versão dócil com as meninas: Selena; Virna e .
— Não estou me importando. O Isac representa parte do passado do The Nacionais e só. Ele que não venha com pedras pra cima de mim!
Otávio e Selena trocaram olhares.
— Esquisito, porque ele nunca tocou em seu nome com a gente. Acho que é só isso, mesmo.
— Ótimo. — Luana suspirou, aliviada por ter sido esquecida. — Vamos ao refeitório.

***


Virna brincava com sua poodle peluda, na varanda da casa, o cabelo acobreado preso num coque e o óculos de armação redonda sobre o nariz. A pele alva era coberta por pintinhas e sinais marrons, sem sardas, pois, na realidade, pintava o cabelo quando a cor perdia o brilho e o tom desejado. A cor natural era coberta por duas caixas de tinta.
— Ei, ruiva! — chamou Jefferson, distante, com dois copos da Starbucks e a bolsa de alça transversal. Usava camisa, de mangas dobradas nos cotovelos, para dar aula. Provavelmente, retornava da faculdade.
— Oi — respondeu e sorriu —, professor!
A cadela começou a latir e a abanar o rabo, indo e vindo atrás de Jefferson.
— Para você. — Entregou um dos copos térmicos a amiga. — Daqui a pouco, vestirei minha versão de professor, mesmo. Vou dar aula de reforço a dois meninos do 8° ano. Nessa faixa etária, nem estão concentrados nos estudos.
— Paciência de Jó!
— De todos eles, tá doido! — Sentou-se no chão, apoiando o peso do corpo na pilastra. — Mas eu gosto de partilhar conhecimento, tu sabe. É gratificante ver um deles aprendendo... Mais que tirando nota alta. Isso é mérito.
Virna assentiu.
— Vai pra casa descansar. As meninas dormirão aqui.
— Festa do pijama e aquelas frescuras de falar sobre maquiagem, queimando o filme dos caras?
— Não, é pra enturmar a Luana. Ela tá meio gringa.
— Tô ligado. — Terminou o frapuccino. — Mais tarde, passo aqui, então. — Levantou-se, dando um beijo na bochecha dela. — Acho que as mulheres deveriam fazer que nem você e mostrar mais a nuca. Tem algo de atraente nisso... — comentou, antes de seguir o trajeto pela grama.

Neste fim de tarde, após ter estudado, iniciado os trabalhos da faculdade, e a secretária do lar arrumar a casa, Virna recebeu as amigas. Os pais haviam ido a uma inauguração de uma empresa aliada, e elas estavam sozinhas, com a casa inteira disponível, porém se contentaram em ligar o DVD no quarto da ruiva e assistir a novela na sala, acomodadas nos sofás. Fecharam as portas e janelas, devido aos mosquitos, e mantinham a atenção no último capítulo. Selena acessava a internet e assistia, enquanto Luana mordia a unha do dedo mindinho, e Virna, junto com , comentavam e mandavam a outra calar a boca.
No final da cena decisiva, o latido da cadela atrapalhou, então perceberam que havia alguém na porta, esperando.
levantou-se para destrancar a fechadura.
— Jeff, animal, você atrapalhou o suspense! — reclamou, voltando a se sentar com uma almofada sobre as pernas.
— Selvagem ou domesticado? — Virna questionou, ajeitando o óculos.
— Em condomínios, não se criam animais selvagens.
Jefferson sentou-se ao lado de .
— Vou deitar minhas pernas em cima de você.
— Como sou um bom amigo e não guardo nenhuma mágoa, deita aqui... — Pôs a almofada sobre o colo. — .
lhe deu um tapa, afundando a cabeça na almofada e sentindo, minutos depois, seus dedos acariciarem o couro cabeludo.
— Ah, ela chega amansou!
— Cafuné é tiro e queda. — Selena disse. — Apelão!
— Sel, se você quiser, é só pedir.
— Estala os dedos que ele vai.
— Vocês querem me usar. — Jefferson levantou-se abruptamente, andando até a cozinha americana.
mandou um beijinho para ele.
— O Jeff vai ficar e assistir ao filme com a gente? — Virna perguntou quando a novela acabou.
— Se for enredo água com açúcar, não.
— É uma comédia.
— Acho melhor eu ir embora, se não, acaba sendo meio impróprio eu no seu quarto.
— Podemos assistir aqui, ué! Buscarei o DVD. — Dirigiu-se agilmente ao quarto.
— Mas não faço cafuné em nenhuma, já aviso! — Jefferson brincou, sentando-se no tapete, o corpo apoiado no sofá em que deitara.

O decorrer do filme rodava sem maiores imprevistos, tanto no roteiro como no ambiente em que os cinco assistiam, rindo e falando alguma piadinha sobre as cenas. Em meio a isto, Virna deitou-se no tapete, pondo os braços atrás da cabeça, e Jefferson sacudiu o pé, tocando o braço dela, que ergueu a cabeça.
— Vem aqui. — Alcançou uma almofada e colocou sobre o colo, em que Virna se acomodou.
— Se eu não conhecesse esses dois como conheço, diria que são um casal. — Selena falou a Luana, que observou a ruiva e o moreno.
— Eles são apenas amigos?
— Apenas.
— Cala a boca, Selena! — pediu, lançando uma almofada contra a garota, que derrubou o celular entre as pernas.



Capítulo 3

O sábado se iniciou com uma reposição de aula esquecida por Selena, que desistiu da ideia de faltar, correu para se arrumar e pegar a bolsa. De havaianas, amarrou o cabelo num “rabo de cavalo” e fechou a porta dupla da casa de Virna. Provavelmente, não passava das sete horas e o silêncio se estendia por todo o condomínio. Bocejou, esperou o ônibus, entrou e, após algumas voltas, desembarcou, sonolenta, na cidade universitária.
A aula era de História. Justamente, a História, no meio de um fim de semana, com um professor infeliz, que faltava aula constantemente e colocava as questões mais sangrentas já vistas!
Com os braços cruzados, sentada e faminta, alternava os olhares semicerrados da lousa para o professor e do professor para o pacote verde sobre a mesa — as provas feitas há duas semanas.
Engoliu em seco.
— Somente entregarei ao final da aula. Quem for embora antes, receberá na segunda.
Ela deslizou o corpo na cadeira, apoiando o rosto no braço.
Droga!
— Aviso que os resultados não foram satisfatórios — notificou, virado de costas. — Podem e devem melhorar.
— Qual é, professor?! Você falta mais que dá aula! Grande conselheiro, não? Hipocrisia deveria ser crime!
— Olha aqui, todas as minhas faltas e, repetindo, todas, foram devidamente justificadas! — Gesticulou, encarando a garota que falou.
— Até a que o senhor passou o dia no shopping? Suponho que gastando o pouco dinheiro que um professor ganha... — um aluno refutou, de calça rasgada e perna dobrada. — Não entrarei no mérito do dinheiro ser seu, mas a aula é um direito nosso. E, se você falta aula para passear no shopping, então peça logo pra gente não vir e esqueça seu salário de educador, porque, isso, você não é!
— Não vou discutir contigo, colega. Professor fala, e aluno se cala!
— E se caga! — um menino complementou, risonho.
— Não tenho medo de professor. Não vim para desrespeitar um que cumpre sua função. Porém, vou atrás dos meus direitos com os dessa sua conduta... Decepcionante.
— Se falar mais alguma coisa, sai da minha sala.
O garoto pegou o caderno e a caneta, e se dirigiu à porta.
— Vou falando, até que minha voz chegue à diretoria. A quem nos escute. Ela não vai se calar! — E foi.
O professor retornou a atenção à lousa, murmurando algo sobre petulância e idiotice.
No final da aula, quarenta minutos em seguida, devolveu as provas, e Selena saiu da sala, desorientada. A nota havia sido como quando não se tem nem noção do que o assunto da matéria quer dizer; absolutamente, nada. E em provas objetivas era difícil enrolar.
O celular vibrou no bolso quando ela sentou-se no banco do ônibus.

[Ontem, 00h00]
enviou uma imagem
[Hoje, 08h05]
Isac: (emoji dos olhos)
Otávio: Apaga q dá tempo! O Jeff vai te matar!
[08h15]
Selena: #Jeffirna
: Digo é nada. E digo mais: só digo isso.
Selena está digitando...
Otávio: Entendo q é uma brincadeira, mas, sei lá...
Selena: Não sabe brincar, não sai do útero!
: Gente, não esquenta! É claro q essa foto é inocente!

No trajeto, o aparelho vibrou mais algumas vezes.

[08h20]
Jefferson: (emoji tapando os olhos)
Jefferson: Tô sabendo qual é a sua, Alan. Vamos ter uma conversinha.
Jefferson: Confesso q fiquei mais preocupado em ter saído dormindo com baba escorrendo pela boca. Aí seria a sua morte e a minha tb.
: É por isso que sou seu fã! Sempre com humor!
Selena: Jeff, preciso da sua ajuda!!!!!
[08h22]
Jefferson: Já sei q é grave. O q tu aprontou?
Selena está digitando...
: Sel, onde vc tá?
Jefferson: Ela não tá na casa da Virna?
Selena: Me lasquei em História!
Selena: Tô dentro do ônibus, voltando pra casa. Tive reposição hj.
Jefferson: Tenta relaxar. Agora, é o momento de recuperar a nota. Posso te ajudar com aulas de reforço. Quer começar qdo?
[08h26]
Selena: Segunda!

Silenciou o aparelho e fechou os olhos.

***


— Você o que?
escutava Virna perguntar o óbvio: “Que raios de foto era aquela enviada para o grupo?’’. Demonstrava uma intimidade maior que a partilhada entre Virna e Jefferson.
— É você e o Jeff. — A mais nova deu de ombros, dobrando o lençol em que dormiu no quarto dela. — O Jefferson nem fez tempestade. Ele se preocupou mais em ter saído com baba.
Virna abriu e fechou a boca.
— Jeff é meu melhor amigo.
assentiu, virada de lado.
— E você é a dele. Ele vive aqui. Foi só uma brincadeira, V.
— É que me incomoda o fato de acharem que Jeff e eu temos que, obrigatoriamente, sentir ou querer algo, além da amizade, porque somos grandes amigos. Isso não é regra. Existe amizade entre sexo oposto. Não me sinto atraída por ele, e nem ele por mim.
— Concordo. Sou amiga dos meninos e, nem por isso, sinto atração por um deles.
— Mas você gosta do...
— Calada! — pediu assim que Luana entrou no quarto, retornando do banheiro, com seu cabelo amarrado.
— Não quis interromper... — A loura bocejou. — Podem continuar.
— É besteira! — explicou. — No sábado que vem haverá churrasco do aniversário do Ota. Será lá na Associação dos Moradores do Bairro Loteamento Nova Iorque. Vocês irão, não é?
— Se a Virna for...
— Eu vou.
— E na sexta haverá o São João do meu colégio.
— Vamos tomar café com meus pais, agora — disse Virna, parando na porta. — Juro que não mordem e são bem legais.
— Conheço meus tios desde pirralha.
— Admito que, às vezes, fico sem jeito. — falou, seguindo-as pelo corredor estreito. — Devem achar que não tenho casa e vivo filando bóia¹ aqui, o que é quase verdade.
— Sente-se e fique calma. Gostam de você.
— Eu também gosto deles. — Olhou para além do corredor. — Onde eles estão? — perguntou num sussurro.
Luana riu baixinho e sentou-se.
— Vindo.

Na segunda-feira, todos retornaram à habitual rotina: Virna e Isac frequentavam a UniCa; Jefferson e a UCA; Otávio, Selena e Luana o Val Campestre; e , o Dom Bosco. Reuniriam-se na sexta-feira e no sábado, e, com isso, conseguiriam apresentar Luana aos demais e rever os outros.
— Sel, calma! — pediu Otávio, pondo a mão em seu ombro, num gesto estranhamente carinhoso. — O Jeff garantiu que te ajudará.
— Mainha quer até me proibir de ir às festas desta semana. Como sobreviverei?
— Dramatiza mais que tá pouco.
Luana deteve-se perto deles, que a olharam.
— Seu cabelo é maravilhoso. — Selena disse, tocando os fios dourados.
— Valeu! — Sorriu, sem graça. — Oi.
— Oi. — Otávio respondeu. — Por que tu me olhando assim?
— Do que você gosta?
— Ah, meu aniversário. Gosto de ganhar presente.
Selena lhe deu um tapinha na testa.
— De artigos nerds.
— Ele é um idiota, mas é nerdão, mesmo.
— Gatinha siamesa, fica na sua!
— Já sei o que comprar.
— Vou dar minha presença de presente. Olha que honra! — Selena falou.
Otávio cruzou os braços e arqueou a sobrancelha.
— Pode gastar dinheiro comigo, pão dura!

***


Às 15h30, descendo do carro em frente ao condomínio, Selena caminhou devagar e cabisbaixa para a casa de Jefferson, que ficava no final da rua de Virna. Não passou pela da ruiva porque ela tinha curso de Inglês às segundas. Chegando à calçada da residência de andar, com portas e janelas de vidros, um balanço de couro e estofado no jardim, a grama recém-molhada e a roseira no canteiro, Selena enviou uma mensagem para Jefferson.
O carro do pai dele não estava na garagem aberta.
Minutos depois, a porta de correr foi puxada, e Jefferson, de bermuda e camiseta gasta, a chamou.
— É assim que os professores dão aulas particulares?
Os lábios dele se curvaram para cima.
— Eu, sim, mas só porque é uma amiga. — Afastou o corpo para ela passar.
— Seus pais saíram?
— Estão trabalhando. O Igor tá no quarto.
— Onde estudaremos?
— Vem. — Levou-a a um corredor curto, entrando numa sala, que servia como escritório improvisado. — Só vou buscar um livro foda sobre o assunto. — Deixaram o escritório, andando até uma porta lateral no final.
Jefferson abriu.
Havia uma mesa retangular de madeira pousada no outro lado do quintal, onde continha a churrasqueira, e cadeiras ao redor. Uma lousa de pincel chumbada na parede, com post-its, e uma caneca cheia de lápis, canetas e artigos de escrita.
— Sente-se e me passe seu caderno, prova, qualquer coisa que tenha anotado.
Selena bocejou.
— Só de pensar, bocejei.
— Sairá daqui com tudo na cabeça. Terá que estudar em casa, obviamente, mas sana todas as suas dúvidas nesta aula.
— Tá legal, teacher.
Jefferson empurrou a cadeira para frente, na ponta, e abriu o livro pego no escritório.
— Por que História?
— Porque fui fisgado por essa matéria cheia de desdobramentos e reviravoltas. É como estar num túnel do tempo. História é...
— Chato. — Deslizou o caderno pela mesa. — Vamos revisar a Primeira Guerra.
— Certo. Quais sãos suas dúvidas?
Meia hora depois, e Selena já estava sentindo o cérebro ferver. Era informação demais para um único dia e ainda faltava mais meia hora. Começou a batucar os dedos na mesa, enquanto Jefferson explicava com gestos.
— Podemos dar uma pausa?
Ele suspirou, balançando a cabeça.
— Sei que você não gosta da matéria, e torna-se mais difícil acompanhar o ritmo, mas precisa estudar uma hora deste assunto, para absorver, e revisar em casa.
— Ah, vou pagar essas aulas... Você não tem obrigação nenhuma de perder tempo comigo.
— Acontece que gosto de gastar tempo ensinando. Não é necessário me pagar. Receba como um presente fora de hora de um amigo.
— Mainha não concorda.
— Então pegamos esse dinheiro e compramos besteira. Aí a gente passa na casa da V.
— Agora?
— Não, quando a aula acabar. Tá quase terminando. Foco, Sel!
Deixa eu fazer uma pergunta... — Pigarreou. — Você e a Virna já tiveram algum rolo?
Jefferson franziu a testa.
— Engraçado que ninguém nunca perguntou isso. A gente não dava motivo. Tá na cara?
— Então é verdade?
— Não. — Sorriu. — A Virna é minha amiga há anos. Melhor amiga, tá ligada? De saber meus segredos e me dar conselhos... Ela me escuta. Mas nunca a olhei diferente. É muito transparente o que sinto.
— Entendi. Vai, continua a explicação. Eu tenho outra dúvida.
— Sobre o que?
— O que você disse no início da aula.
— Sel!

¹Filar bóia é aproveitar-se de um grau de parentesco ou amizade com um certo indivíduo ou família para visitá-los em pleno horário de refeição



Capítulo 4

(Clique aqui para abrir a música do capítulo. Sugiro que escute!)

O Dom Bosco estava enfeitado com bandeirolas coloridas de uma pilastra à outra, barracas espalhadas com comidas juninas, fogos de artifício e uma fila razoável de gente vestida com roupas xadrez, botas, jeans, para comprar as fichas. No meio da organização, mesas próximas ao espaço em frente ao palco, utilizado para as apresentações dos alunos.
A última turma do primário terminava de se apresentar quando o grupo se reuniu num ponto de encontro na entrada. não estava lá por ter ido atrás dos colegas de classe para alcançar seu par. Otávio e observavam ao redor, distraídos com o número de pessoas, e o mais novo pediu que estivessem bem perto do local da apresentação porque não queria perder. Jefferson avisou que filmaria. Selena e Virna riam de algum comentário malicioso de Selena sobre a quantidade de meninos bonitos no colégio particular e elogiou a maquiagem deslumbrante da ruiva. Luana chegou atrasada, mas não se importou, já que a maioria também se atrasou, e abraçou a prima. Depois, foi abraçada por Jefferson, Otávio e , sentindo-se estranha e acolhida por tanto contato físico.
O último a ir foi Isac, que apareceu com uma camiseta xadrez azul, o que, para quem o conhecia, era como forçá-lo a usar algo contra seu próprio estilo. No entanto, tinham que admitir que ele estava presença. O cabelo louro aparado e os poucos músculos realçados pela firmeza da manga. Cumprimentou cada um, sendo abraçado pelas amigas e recebendo apertos de mãos dos rapazes, até que se deteve em Luana, e ela, por força do hábito resgatado das profundezas da memória, arqueou a sobrancelha. Esperou que dissesse algo, fizesse qualquer comentário indiscreto, porém Isac apenas maneou a cabeça e se afastou.
A vez dos terceiros anos demorou a vir. Os amigos se deslocaram pela festa, comprando comida e fogos, e os rapazes — Otávio e Isac — soltavam, juntos com outras pessoas com caixas. Quando foi anunciado a hora da quadrilha dos terceiros anos, os pais e alunos que assistiam se afastaram, formando um círculo maior, que coubessem os 150 formandos. A quadrilha começava em fileiras, com pares, e a canção ditando as ações dos “casais de matutos”, como arrastar o seu par quando ele está bêbado e caindo, e vice-versa, dançando forró, mudando de par por um minuto e correndo, de braços dados, atrás de outros pares. Assim que finalizou, jogaram os chapéus de palha dos homens para o céu e gritaram, abraçando-se em rodas.
sorria, pintada com bolinhas pretas nas bochechas por cima do blush, o cabelo amarrado com dois laços de cada lado, um vestido de retalhos e os calçados de couro, vindo ao encontro dos amigos.
Jefferson tirou uma foto sua ao lado de Virna.
Otávio não parava de analisá-la.
— O Ota fez questão de estarmos bem na frente. — disse. — O cara é ninja! Enfiou-se entre os pais e assistiu no melhor ângulo.
— Valeu, Otinha! — sorriu. — Onde a Selena está?
A banda contratada pelo colégio para animar a noite tocou a primeira canção: 'Xote da Alegria', do Falamansa.
— Ali ela! — Virna avistou a adolescente dentro da barraca do beijo. — Ma-lu-ca!
— Bora comprar uma ficha — sugeriu Otávio — pra tirar “onda”. No mesmo segundo, ela sai dali!
— Vamos! — Isac concordou e os dois seguiram para a tesouraria.
Jefferson e Virna caminharam para a barraca, detendo-se na ponta.
— Sel, vai chover bocas pra você beijar. — Virna avisou o óbvio.
A garota segurava uma placa de papelão com o desenho de uma boca.
— É só um selinho de papel.
— Para que isso?
— Estou esperando alguém.
— Terá que beijar um monte de meninos para conseguir o “beijo encantado”.
— É só um beijo, Sel. — Jefferson complementou.
— É o beijo do garoto que eu gosto.
Virna foi chamada por Luana e acabou deixando os dois.
— Você me acha maluca?
— Admiro sua coragem. Os adolescentes são meio inconsequentes, mas é somente um beijo de papel. Não vejo problema.
— Quer um beijinho? — Brincou. — Para agradecer pelas aulas.
Jefferson sorriu.
— Não é necessário. No dia em que me beijarem em forma de pagamento, renunciarei minha vida amorosa.
— Ah, é! Você é um cara difícil. Deve ser por isso que não pega ninguém.
Ele semicerrou os olhos.
— Eu diria que sou seletivo e, por isso, não aceito qualquer uma. Não que você seja... Enfim.
— Era brincadeira.
Jefferson assentiu.
O primeiro garoto entregou a ficha a uma moça, que se deteve ao lado dela, e aproximou-se de Selena, inclinando o pescoço para alcançar os lábios da menina. Como um pré-adolescente ansioso por seu primeiro beijo.
Selena suspirou e encostou a boca de papel nos lábios dele, que pressionou mais para que durasse, mas ela se afastou.
Jefferson assistia àquilo com os braços cruzados, cético. Essa atitude dela era boba. Se queria um beijo do garoto que gostava, mais simples seria ir beijá-lo.
Teoricamente.
— Achei que fosse desenrolada.
— Tô beijando desconhecidos. Isso não é desenrolar o suficiente para você?
— Mas não é de verdade.
— Se fosse, eu não estaria aqui. Sabe lá se essas bocas visitaram um dentista...
Uma risadinha baixa escapou de Jefferson.
— Tem razão.
— Vai entrar na fila?
— Eu tô bem aqui.
— A minha amiga tá de olho em você.
— Não me lembro da última vez que visitei um dentista.
Selena revirou os olhos.
— Frouxo.
— Isso não funciona comigo. Diz logo que você tá curiosa para saber como é meu beijo.
— Minha amiga tá — explicou —, não eu. Viajou, hein!
— Tudo bem.
Selena chamou a menina, que se levantou e aproximou-se deles.
— Hum... Ele quer te beijar.
— Para você, dou sem ficha. — Ergueu a boca de papel, ficando na ponta dos pés e curvando o pescoço.
Jefferson afastou os lábios pressionados.
— Valeu! — Olhou para Selena, que bocejou. — Satisfeita?
— Ela é quem deveria estar. Ou você não dá conta do recado? — perguntou inocentemente.
Jefferson comprimiu os lábios e, o quão rápido respirou, a mão segurou sua nuca e a boca estava sobre a dela, firme e quente.
Sem papel, impedimento, por segundos que duraram centésimos, já que ele as separou.
— Eu não deveria ter feito isso. Foi mal, Sel. — Caminhou para onde Virna estava com Otávio.

Longe dali, o ritmo do forró influenciava os casais, que dançavam na pista, e pigarreou, em pé, ao lado de . Ele viu Virna, Otávio e Jefferson vindo de outra direção. Jefferson chamou Virna para dançar, e Luana parou na rodinha, comendo mungunzá.
O correio elegante, tradição das festas juninas, foi anunciado por um professor, que, após a música, subiu no palco e iniciou os recados enviados por alunos para outros alunos e/ou acompanhantes:
Bruna, do 7ª A, vem dançar o arrocha comigo, sua linda!
Otávio riu com .
Paulinha, do 2ª ano, tem um caba frouxo do meu lado te esperando.
Esta é pra Luana Diniz, a lourinha dos meus sonhos: "Dança comigo?"
Luana se empertigou, os olhos arregalados. Otávio e olharam para ela.
— Quem foi o idiota? — perguntou, brava.
— Pode ser outra. — Otávio explicou, dando de ombros.
A loura fitou Isac, que estava calado.
— Mereço... — Caminhou até ele. — Foi você! Tu me chamavas de “lourinha” para me irritar!
Isac franziu a testa.
— Eu nem me lembrava disso.
— Energúmeno!
— Você é louca! Bizarro achar que eu enviaria um correio logo para você.
— Então deve ter o mínimo de amor à vida.
— Calma, Maria Bonita! O seu Lampião não é o Isac. — disse.
— Ele é o único que me chamava assim.
— É só uma dança.
— Eu não danço!
— Por que não sabe dançar? — Otávio questionou.
— Também — respondeu baixinho, indo ao lado da morena.
— Vamos dançar nós duas. Os homens daqui são lentos demais... — notificou a ela em voz baixa.
se pronunciou:
— Tenho namorada.
— Eu não. — Otávio disse. — Danço contigo.
— Vou com a Lu. Obrigada, Otinha. — segurou a mão de Luana e a levou à pista.
As duas dançavam desengonçadas por causa da loura não saber mover os quadris.
— Você deveria tê-la puxado.
Otávio suspirou.
— Ela me chama de inha. O que faço?
— Vai lá.
Ele ficou pensativo.
— Mas a Lu ficará sozinha.
hesitou.
— Eu danço com a loura.
Os dois se dirigiram à pista, em meios aos casais, quando começou a tocar 'Xote dos Milagres', do Falamansa, e Otávio ergueu a mão para , que, relutante, aproximou-se dele, entrelaçando uma mão na sua, a outra em seu ombro, movendo-se de um lado ao outro. Virou a cabeça, observando as risadas dos dois amigos, que tentavam manter sincronia, porém Luana pisava nos pés de .
— É dois pra lá e dois pra cá.
Luana respirou fundo, movimentando-se junto com ele, que achava graça.
— Cansei, Otinha. — Afastou-se , e o garoto balançou a cabeça, perdendo o contato. — Dança com a Lu.
— Tu vai ficar só?
— Vou comer alguma coisa.
— Tá bom. — Deu um beijo em sua têmpora. — , deixa que eu me entendo com a loura.
— Pois não. — olhou para , confuso. — Troca de casais?
— Acho que sim.
— Sabe dançar, né?
— Vou te mostrar como é que se dança. — Segurou seu pulso, andando para o lado, e respirou fundo discretamente. Temia que o aperto no peito a sufocasse a ponto de declarar os sintomas do que sentia: o coração disparado, pulsando com vigor reforçado, e as mãos suadas seriam uns deles.
— Tô esperando. — sorriu, tocando suavemente a base de suas costas e aproximando o corpo mais alto do dela. — Está bem aí?
assentiu, posicionando a mão em seu ombro e embriagando-se com seu cheiro gostoso.
— Estou.
A música mudou. Ele a rodou uma, duas vezes, fazendo-a rir, e a trouxe para perto novamente. Estavam se divertindo e, na cabeça de , era fraternal; tanto quanto, para , fraterno seria pouco. Isso acendia uma chama de esperança e inflamava os sentidos.
— Não sabia que tu dançavas, até te ver por as meninas no chinelo — comentou em seu ouvido e olhou para ela.
se perdeu no seu olhar.
— Aprendi com meu pai.
Dançaram mais um pouco, quando a canção chegou ao fim. As mãos dela ainda tocavam seus ombros cobertos, e os dedos dele em suas costas folgaram, mas a segurava, pois não aparentava cansaço.
— Confesso que tô com os pés doendo já... — inventou uma desculpa.
Ela envolveu seu pescoço com os braços.
— O que foi?
— Eu só... Você nunca mais foi a Nova Formosa. Senti sua falta.
— Deus do céu! — Retribuiu o abraço. — Sabe que não ando lá há anos. Mas tu moras aqui e pode me ver quando quiser. Manda uma mensagem que eu irei até você.
— Vai ficar cansado de tanto me visitar! — Sorriu.
— Você é uma garota sensacional... — Pigarreou. — E não são somente palavras minhas.
— Quem mais me bajula?
— Tanta gente... — desconversou. — O Jeff, por exemplo.
— O Jeff “bajula” a Sel, porque ela é a caçula do grupo.
— O Ota.
— O Otinha quase não fala comigo.
— É porque ele não sabe lidar com isso...
— O quê?
— Com você. É melhor procurarmos os outros.
— Fiquei confusa.
— Também tô.
deu de ombros e deixou um beijo terno em seu rosto, na bochecha, e outro, que escapou involuntariamente no cantinho da boca.
— Você não vem?



Capítulo 5

Jefferson esperava pacientemente o horário em que Selena chegaria à sua casa. Batucava os dedos sobre a mesa de madeira, descendo a barra de rolagem do celular, e entortava a cabeça para ver se alguém o chamava na porta. Agiria como se, absolutamente, nenhum beijo tivesse sido dado.
— A menina tá aqui fora! — Escutou a voz de Igor na sala.
Jefferson levantou-se e seguiu para dentro da casa, abrindo a porta para Selena, que mantinha a mão na alça da bolsa.
— Demorou, hein! — ela reclamou.
— Foi mal, Sel. Entra.
A garota passou por ele, deixando o rastro do perfume, o qual Jefferson inalou, sentindo-se sufocado. Mas era muito bom.
— Engraçado... Isso de “foi mal” foi a mesma desculpa que você me deu ontem. — Sentou-se numa cadeira, pousando a bolsa sobre a mesa.
Desconfortável, ele esfregou a cabeça.
— Em relação ao que fiz, desculpa, de verdade. Achei que não tocaríamos no assunto.
— Porque é normal beijar uma garota na festa. Não é normal se for uma amiga. — Arqueou a sobrancelha.
— E ter 16 anos de idade. Sinto-me como um pedófilo. — Esboçou uma careta. — Vamos falar da Primeira Guerra. Estudou em casa?
— Sim, teacher.

[Hoje, 17h03]
: (emoji dos olhos)
Selena: Tô de ressaca e ainda tive aula com o Jeff
: Tu nem bebeu.
Selena: Colocaram álcool no refri, então. Minha cabeça dói.
[Hoje, 17h06]
: (emoji bocejando)
: Não vi nenhum, depois que voltei da pista. Organizaram direitinho e todo mundo transou?
Selena: (emoji revirando os olhos)
Selena: Esse menino fumou.
Jefferson está digitando...
: Vdd. A gente só encontrou a Lu e o Isac.
Jefferson: Eu estava apresentando uns amigos que encontrei a V.
Selena: Beijei tanta boca q a seca me deixou.
: Safada!
Jefferson: (emoji dos olhos)
Selena: A Lu recebeu uma cantada do correio elegante. #LuTo
: ?
[Hoje, 17h08]
Selena: Team Lu e o matuto.
Jefferson: """"lourinha""""
: (emoji pensativo) O Isac sumiu.
Jefferson: Pois é.
[Hoje, 17h20]
Luana: Vocês me trollaram, certeza!

Aquela semana pós-São João se passou, e as férias se aproximavam. Desde a última sexta-feira, Otávio ficou e permaneceu ausente no grupo. Visualizou apenas um comentário de Virna sobre seu aniversário no sábado, mas não se manifestou. Precisava absorver o fato de ter visto algo e estar incomodado com aquilo. No colégio, ignorou as investidas graciosas de Selena, Luana e focou apenas nos estudos. Os amigos notaram sua indiferença, um dia antes do churrasco, quando Selena perguntou o que havia acontecido com o Ota:

[Hoje, 13h]
: Ele tá mal?
Selena: Tá todo estranho. Nem bate papo com a gente no intervalo.
Luana: Desde o SJ. Perguntamos o motivo, mas ele desconversou.

O sábado chegou, e o churrasco teve que acontecer porque os preparativos estavam sendo feitos há dias. Otávio recebeu o pessoal, alguns familiares e amigos, na Associação de Moradores do Bairro Loteamento Nova Iorque, com veste casual e um sorriso descontraído nos lábios. Era seu aniversário de 18 anos, afinal! Deveria agir com mais naturalidade e resolver os impasses entre seus dois amigos.
— Tá sumido, fi de égua! — Jefferson deu um tapinha nas costas dele, abraçando-o. — Parabéns, irmão!
— Valeu!
Virna, Luana e Selena o abraçaram individualmente, enchendo seu rosto com beijos, e lhe entregou uma caixa de tamanho médio, abraçando-o apertado.
— Te amo, irmão.
Otávio bateu em suas costas, os olhos grudados na figura de com um vestido e o sorriso bonito.
— Tenho que trocar uma ideia contigo. Você tá confundindo... — alertou, virando-se de lado e avistando .
— Feliz Aniversário, Otinha! — Ela sorriu ainda mais e abraçou o garoto, que fechou os olhos e conteve a respiração, como se fosse abuso o que fazia consigo. — Saiu das fraldas.
Ele riu baixinho.
— Qual é, ?! Eu lá tenho cara de bebê?
— Sinceramente?
— Esquece. — Beijou sua bochecha. — Obrigado pelo presente.
— Mas ainda não te dei.
— Você ter vindo foi um.
Ela assentiu.
Otávio balançou a sacola com laço e abriu, retirando um brinco de dentro.
— Este é maneiro. Obrigado!
O decorrer do churrasco ocorreu com vários jovens numa mesa comprida, almoçando e rindo. As piadinhas atingindo um ou outro amigo, que poderia formar casal, teve início quando Selena lembrou que Luana recebeu um correio elegante, e Otávio confessou que a ideia foi dele, por causa das briguinhas idiotas de Luana e Isac no passado, a “rixa” decretada entre olhares, foras e silêncio. Falaram sobre os beijos de Selena em desconhecidos, ocultando o que nem possuíam conhecimento — o beijo que Jefferson deu nela — e, provavelmente, nunca seria dito. Não significou algo, além de erro, impulso e arrependimento.
— Sel é danada. — Virna falou a Jefferson.
Ele maneou a cabeça.
— Um dia, quieta o facho.
— Adolescentes...
Otávio terminou de comer e observou . O olhar de encontrou o seu.
— Volto já! — levantou-se. — , vem comigo.
A garota estranhou e concordou. Em seguida, Otávio deixou a mesa e um monte de pensamentos confusos.
parou de andar somente quando estava sob a sombra de uma mangueira, em que havia um banco de madeira. Preferiu continuar em pé, mas instruiu a garota a se sentar.
— O que vocês aprontaram? — perguntou, vendo Otávio ficar ao lado de , aparentemente, tranquilo, a não ser pelas mãos inquietas.
Por dentro, Otávio sofria calado o nervosismo das reviravoltas que isso teria, trazendo à tona o que apenas percebeu uma vez e acabou admitindo.
— Estou limpo. — Ergueu as mãos.
, eu quero que diga ao Ota o que realmente aconteceu entre a gente na sexta. Nos beijamos?
A menina sentiu o ar escapar e o rosto esquentar.
— Não. O que o Otinha tem a ver?
— Está vendo? Não sou fura-olho. — Cruzou os braços, chateado.
— Do que estão falando? Que história é essa?
— O Ota vai explicar a você. Não é assunto meu. Deixarei vocês sozinhos. — Bateu no ombro do amigo e retornou à mesa.
desviou o olhar da figura de costas e capturou os lábios presos por dentes, de Otávio, já que ele fitava o chão.
O silêncio se estendeu, até, finalmente, ser rompido:
— Eu não planejava dizer agora. Achei que teria mais tempo... Droga. — Engoliu em seco. — Era algo sem nenhuma pretensão de virar realidade, pra ser sincero, mas gostaria de ter essa chance. , eu me... Sou muito apaixonado por você.
— Ai, meu Deus! — pronunciou. — Caramba!
Ele sorriu.
— Não surta.
— Eu tô surtada! — interrompeu-o. — Meu amigo está apaixonado por mim. Logo você!
— Por que “logo eu”? — Soou ofendido. — Não demonstro, mas tenho um coração que pulsa.
— Obviamente. Desculpa!
— Isso não foi premeditado, mas chegaria a hora em que me sufocaria, até o ponto de eu não conseguir olhar pra você, então não diz nada. Absorve, primeiro. Pensa...
Ela, que havia pousado o rosto entre as mãos, suspirou lentamente.
— Não enxergo além da amizade entre a gente. É improvável ultrapassá-la. Terei que pensar, mesmo. Meu cérebro tá inventando mil e um foras.
— Cérebro malvado.
levantou-se e aproximou-se dele.
— Guardarei seus sentimentos com zelo. É o que posso oferecer agora e, talvez, num outro dia. Estou gostando de alguém, e ele ocupa todo espaço...
— Entendi. Acontece.
— Agora, dê-me um abraço. — Apertou-o com firmeza. — Não tenho nenhum conselho, mas sei o que tu sente, e é uma droga.

***


— E aí?
— Ela me deu um sutil fora. — Otávio bebericou a fanta laranja, tentando provar que estava conformado a . Sabia que demoraria um bocado para que ficasse e desencanasse de vez da paixão que sentia por .
— É tudo tão passageiro, cara, que, daqui a pouco, tu vai estar com outra na cabeça.
— Será? Espero. Não mereço sofrer por quem não me quer.
— Exatamente. Há um bando de mulher esperando uma chance contigo e, se não aparecer alguém, é porque a certa, a ideal para você, tá procurando o ideal dela e, um dia, vocês se esbarram... Sem neura e pressa.
— Eu tô bem... — Maneou a cabeça. — Mal. Mas ficarei bem. Tenho saúde.
sorriu.
— O que ela disse? Que vocês eram amigos e só? Não daria certo?
— Ela tá a fim de outra pessoa. — Estalou a língua. — É o que a impede. Acredito que não surja atração porque me vê apenas como o cara que acaba de “sair das fraldas”.
Otinha.
— Preciso deixar minha barba crescer... Vai que fogem por conta da minha aparência inocente...
— É nada. Tenho barba e, nem por isso, tô cercado. — Coçou os pelos por fazer espalhados no rosto. — Bora curtir, porque amar tá foda!

Selena virou o copo com uísque entre os lábios, experimentando o líquido e detestando o gosto. Não conseguia imaginar o porquê daquilo ter fãs.
Uma mão retirou o copo dos seus dedos e posou sobre a mesa.
— Nem mais uma gota! — reclamou Virna. — Você é de menor, maluca! Onde arranjou isto?
— Os tios do Otávio trouxeram. — respondeu pela menina, que movimentava os braços acima da cabeça ao som da música.
Jefferson passava por trás, segurando uma taça pela metade, quando o corpo de Selena tropeçou no seu, virada para frente.
Ela sorriu, meio débil, e olhou para o rapaz, que a segurava.
— Você tá tonta?
— Não, eu tô legal... — Fechou os olhos. — Efeito do uísque.
— Estava tomando uísque? Sel, quanto você bebeu?
— Um shot. Deixe-me.
Virna lhe deu água.
— Não tô com sede. Parem de me tratar como criança! Tenho quase 17! Sei o que tô fazendo! Vocês não são meus pais!
— Não é essa a impressão que tá dando! — refutou Jefferson ao mesmo tempo que Virna. — Somos seus amigos e queremos o seu bem. É óbvio que você tem noção do que faz, mas não das consequências que traz. Se reclamar, ligarei para seus pais, e eles virão te buscar! — mentiu. — Não vou deixar que você se afogue em bebida.
— Dane-se! — Afastou-se, tornando a movimentar os braços.
Jefferson revirou os olhos.
— Que menina teimosa!
— Aí é dor de cabeça! Ela tá tentando mostrar o que não é.
— Também tenho essa sensação de chamar atenção, mas a Sel é teimosa por natureza. — Virna acrescentou. — Ficarei de olho nela.

Através da visão periférica, Luana teve a estranha sensação de estar sendo observada. Virou o rosto, encontrando o olhar ágil e cauteloso de Isac, que estava sentado, sozinho, com um copo de refrigerante. Ele abaixou a cabeça, fitando o copo por vários segundos, até erguer o olhar outra vez para ela e vê-la analisando-o ainda. Incomodado com todas as prováveis silenciosas indagações, arqueou a sobrancelha. Acreditava que nunca mais a veria, depois do intercâmbio para o Canadá. Luana possuía uma personalidade objetiva e centrada, o que, às vezes, lhe causou constrangimento durante os ensaios e esbarrões no ano passado. Pigarreou, visualizando e Otávio sentarem com ele.
Não a analisou mais.



Capítulo 6

Por vezes, Selena tentou animar Otávio, que estava cabisbaixo, com os braços cruzados, apoiado numa pilastra do corredor do Val Campestre.
A última aula dele fora usada para uma prova, e a dela havia sido vaga.
— Por que tu não vai embora? Tá de bobeira aqui.
— Você tá irreconhecível nesta manhã. Não tem nenhuma das suas corriqueiras chatices?
— Tô sem saco.
— É doença?
— Não. — Suspirou, coçando a sobrancelha com o dedo mindinho. — Acordei com um “humor dos diabos”, sabe? Li essa expressão em algum livro da minha irmã.
— O negócio tá feio para o seu lado. O que houve? Não vai me contar?
— Conheço o tamanho da sua língua. — Fez uma careta ao ver o seu semblante interpretar num contexto errado. — Não dessa forma, é claro. Sei que, provavelmente, não aguentará guardar segredo, até porque esse é o tipo de segredo que envolve outras pessoas, o que o torna sigiloso.
Selena observava-o, cética. Estreitou os olhos e entortou a boca.
— Não consigo pensar em nenhum segredo cabuloso. Se quiser, obviamente, não contarei e... — Foi interrompida.
— Passou. Estou melhor que ontem. — Sorriu para firmar. — Não se preocupe. Logo voltarei a pegar no seu pé.
— Por favor, fique assim. — Deu um tapinha em seu rosto. — Com menos cara de derrota, porque tu é maior que isso.
Otávio esboçou um sorriso pequeno, quase imperceptível.
— Fofinha.
Selena revirou os olhos, seguindo pelo corredor e sendo detida pela mão dele, que a puxou. De lado, sentiu os braços de Otávio a envolverem, sem jeito.
— Corrigindo: gatinha siamesa.

O grupo no WhatsApp interagiu pouquíssimas vezes, sendo questionado e recebendo notificações de Jefferson e Luana, mas eles entenderam que os amigos estavam ocupados com suas vidas “reais” e problemas, parando de cobrar. O último encontro fora na Associação, há cerca de dois meses, quando, enfim, conseguiram programar uma reunião casual, dados os compromissos e negligências. Agora, Isac não era o único ausente e, sim, Otávio, e , além de Virna, que nada tinha a declarar, fora a timidez. A desculpa esfarrapada de Otávio, na verdade, foi uma afirmação verdadeira: “Tô me adaptando ao novo celular”, pois ganhara um de aniversário do pai, o modelo Galaxy S6, apesar do motivo de adaptação ter outra finalidade. até enviou um emoji, que virou sua marca registrada, o dos olhos, e nada disse. estava ocupada demais com as provas e fim do semestre, já que faltavam apenas alguns dias para as férias e, ainda assim, a segunda etapa não havia sido concluída em seu colégio.
Na terça-feira, antes das férias de inverno, Selena faltaria a aula particular com Jefferson e a aula do colégio para viajar, porém a viagem acabou sendo adiada. Enviou para ele uma mensagem rápida, como “Hj não dá!”. Quando descobriu que iria somente sexta à noite, enviou outra, tipo, “Tô chegando aí! Abre a porta!”, sendo que o rapaz estava estudando e resolvendo seus trabalhos da faculdade.
Puto e esfregando a cabeça, Jefferson esperou que ela tocasse a campainha para atendê-la.
Não funcionava conforme às vontades ditadas por Selena. Ela era a aluna quase de recuperação, e ele, o professor voluntário, que tinha provas da monitoria para planejar, trabalho para começar e finalizar, aulas de outros alunos e ensinar a uma que optou por viajar, mesmo estando com dificuldades na matéria.
— Mil desculpas! — Selena disse quando o visualizou com um óculos de grau sobre o nariz, grande o suficiente para cobrir parte das maçãs do rosto. — Avisei que viria. É que os planos mudaram...
Jefferson lhe deu passagem, em silêncio.
— Estou muito ferrada?
— Você ter avisado foi apenas sua obrigação. Não sou pago para te dar aula e nem quero o seu dinheiro, mas, se faz um combinado comigo e muda de ideia minutos antes, depois volta atrás quando tô estudando, porque tenho um monte de afazeres, é... Complicado. — Subiu o óculos, que, analisando de perto, ela percebeu ser o do modelo de Virna e não sabia que Jefferson usava um. — Não quero ser grosseiro e aceito o pedido de desculpa, mas que não volte a se repetir. Falo sério, Sel! — Tornou a se sentar na cadeira diante do notebook ligado. — Tu tem que esperar um pouco, tá? Tô enviando um arquivo para um amigo e terminando o slide de um trabalho.
Selena abriu e fechou a boca. Por fim, decidiu não falar nada, com razão. Sentou-se na cadeira ao lado da sua e retirou a bolsa do ombro, pondo sobre a mesa. Deslizou o zíper e pegou o caderno.
— Seu óculos é igual ao da V — comentou e surpreendeu-se com a própria voz saindo meio rouca devido ao silêncio inicial. — Não sabia que usava.
— Às vezes. Tenho vista cansada. Já usei aos 13, e ele quebrou. Desta vez, dormindo tarde e acordando cedo, comecei a sentir dores, aí a V me emprestou o dela, que tem pouco grau, até o meu chegar à ótica.
— A V é míope, não?
— Bem pouco, pelo que soube. Essas lentes me auxiliam na leitura, principalmente, na madrugada.
Selena virou as páginas do livro.
— Estudei em casa. Não vai ter tanto trabalho comigo.
— Que ótimo. — Olhou para ela, em seguida. — Para nós dois. Você ter revisado o assunto facilita o tempo gasto para voltar ao que já estudamos. E, hoje, infelizmente, tá puxado. — Liberou um bocejo.
Ela concordou.
— Quer me dar uma aula, enquanto termino isto? Fale sobre o que você sabe, com detalhes, sem pescar.
— Ok. — Pigarreou. — Entre 1871 e 1914, a sociedade europeia, liberal e capitalista passou por uma das fases de maior prosperidade...

discou o número de Virna enquanto voltava a pé da biblioteca municipal. Iria à casa da ruiva para conversar. Não que a distância fosse curta, mas faria um esforço maior para alongar o trajeto e pegaria um ônibus na volta. Assim que Virna atendeu, desabafou sobre tudo o que vinha a incomodando; cada pensamento e palavra, sendo insuficiente para aniquilar a ansiedade. A ruiva disse que estava sozinha e que poderiam jantar juntas.
— Ele tá estranho comigo... Meio que ignorando a minha existência... — reclamou, choramingando, enquanto os braços magros e alvos a seguravam contra o corpo alto. — Não sei mais o que fazer.
— Sabe. É exatamente o que você tá pensando e cogitou logo quando sentiu pela primeira vez. — Largou-a. — Tem tacos. Gosta?
— Amo! — sorriu. — Você não imagina o que rolou... No aniversário do Otávio...
— Sem apelidos? — Abriu o armário e apanhou uma tábua. Depois, pegou uma faca no faqueiro.
— Acho que ele se sente como um bebê quando o chamo assim.
— O Ota tem 18 anos e é um rapaz bonito.
— Eu sei, mas, tipo, nada a ver! — Pigarreou. — Ele é apaixonado por mim.
Virna parou de cortar os tacos e a olhou, incrédula, por alguns minutos.
— Deu merda... Tu não é apaixonada por ele, e o é amigo dele. É por isso que, talvez, o André tenha mudado o modo como te tratava.
— Cogitei essa possibilidade, mas é ridícula. Entendo que são amigos, porém e eu nos conhecemos há mais tempo. Não é justo que nos afastemos por causa disso.
— Amiga, ele nem tem noção de nada e já está assim... Imagina se soubesse! Além de que, o namora, e a namorada é ciumenta e tá arriada¹. Pelo menos, posta no Facebook.
— O Otávio preferiu me ignorar também. Isso prova a idade mental dos dois.
— Tenho que discordar. Se eu me declarasse para alguém, principalmente, para um amigo, e ele me desse um fora, é compreensível que eu me afastasse para tentar superar.
— Isso foi egoísta da minha parte — admitiu, sentando-se na banqueta. — Entendo o Otávio.
— O Jeff e a Sel estão na porta.
virou a cabeça, avistando os amigos, e desceu do banco para abrir a porta. O garoto a prendeu num abraço, e Selena passou por eles, dando um beijo na bochecha de Virna.
— Estávamos estudando.
— Ele é um bom professor?
— Muito paciente... Parece até um ser etéreo.
Jefferson soltou uma risada baixa.
— Imagino anjos da época renascentistas e, apesar de não ter cabelo cacheado e louro, agradeço o elogio.
— Para lidar com uma Selena, realmente, é necessário paciência! — disse.
— Ih! Vocês estão de que lado? Eu, hein! Tenho que ir embora. Foi bom vê-las! Beijos! — Andou até a porta.
Jefferson sentou-se no lugar em que estava sentada antes.
— Quais as novidades?
— Nenhuma. — Virna respondeu. — Eu acho.
franziu a testa para a amiga.
— Nenhuma.
— Você desapareceu, Alan. O que aconteceu contigo, e Otávio, afinal? Aquele monte de desculpas não convenceram.
— Não preciso dar desculpas. Estou atolada de provas.
— Tô cozinhando tacos. Janta conosco?
— Aceito. — Jefferson levantou-se. — Quer ajuda?

***


Próximo do fim de semana, primeiro dia de férias, Luana, Selena e Otávio deixavam o colégio, caminhando para o ponto de ônibus, onde, de lá, iriam direto ao Country Club — novo clube aquático recém-aberto nos arredores de Campestre, na direção leste, BR de Nova Formosa. No Country, alugaram um chalé para dormir e, no dia seguinte, haveria um “regue” de conhecidos do Otávio e do Isac, que acabaram convidando o restante do grupo. Jefferson pegaria carona com o pai e levaria Virna, mas chegariam tarde, já que ambos estavam na faculdade. resolveria a ida com a namorada e, depois, enviaria uma confirmação. titubeou, entretanto, terminou sendo vencida pela vontade de relaxar. A semana de provas finalmente se foi e arrumaria as malas para visitar a família em Nova Formosa.
— Acho que não foi uma boa ideia eu ter vindo... — insinuou Luana, carregando uma mochila e a bolsa de lado. — O Isac é um panaca.
— Ele tá sendo bem gentil contigo. — Selena defendeu-o. — Vocês são amigos agora. Pelo menos, fazem parte do nosso círculo social. Tentem se tolerar. Descobrirão tanto ponto interessante no outro.
— O que Luana e Isac têm em comum? Exceto pela dose de bipolaridade. — Otávio alfinetou distraidamente.
Luana lhe deu um tapa fraco, e o garoto tocou a região avermelhada.
— Tá vendo?
— Ai, vamos à piscina? Colocamos as coisas no chalé e seguimos para a área de lazer. — Selena sugeriu, mudando de assunto.
Detiveram-se na tesouraria para mostrar o cartão de sócio de Otávio e providenciar dois de visitantes para Selena e Luana, que pousaram para as fotos de identificação. Apanhando as carteiras de identidade e os cartões de acesso, andaram em direção à catraca supervisionada por um funcionário e seguiram pelo trajeto de pedras entre sombras de árvores, cheiro de terra molhada e grama. Avistavam, distantes, a grade que separava a área das piscinas e deram a volta para encontrarem a dos chalés.
Selena destrancou a porta do sétimo, que era de andar.
— Põe o biquíni, Lu! — Jogou a bolsa no sofá de dois assentos perto da escada, no canto da parede, e subiu o óculos de sol.
— Eu já vesti minha sunga branca... — Otávio alertou como quem não quer nada, checando o estado do chalé.
— Ainda bem que tu fica dentro d'água. Ninguém merece essa visão de amigo.
— Qual é?! Muita menina estaria surtando com esse privilégio, e você tá dispensando?!
Selena amarrou a canga no quadril e desistiu de tirar a blusa na frente dele. Otávio jogou a toalha no ombro e roubou seu óculos por um instante enquanto saía para o jardim deserto.
— Ah, não, cara pálida, pode devolver! Essa luz vai me cegar! — chiou, gritando, em seguida, o nome de Luana, que desceu a escada num trote. — Amei seu biquíni!
— Valeu! — A loura sorriu, sem graça. Usava um coberto de florzinhas.
Ao passarem por outra catraca, entregando os cartões de identificação a um funcionário, atravessaram o piso da primeira piscina, com um cogumelo de chuveiro no meio, ao lado das mesas, e desceram uma rampa, até alcançarem a parte da grama e a piscina das crianças, que era usada por adultos, bem estratégica com vários animais em forma de escorregadores, e o maior, dando a ideia de uma “cachoeira”, em formato largo, levando três lances de escada para chegar ao topo.
Puseram os pertences numa mesa coberta por um guarda-sol à beira da piscina e Selena retirou a blusa rapidamente, correndo os três para esse tal escorregador.
O celular deles vibraram/tocaram ao mesmo tempo.

[Hoje, 11h30]
Jefferson: Alguém quer carona para o Country? No carro cabe mais gente!
Isac: Vou com uns colegas só amanhã.
[11h35]
Jefferson: Selena, Ota e Alan?! Confirmados?
Isac: Eles racharam o táxi... Ideia da Sel. A essa hora, estão se queimando no sol.
Jefferson: Blz, então
Isac: Falta a loi
Isac: Luana*. N sei se ela tá com eles.
: Oi!
[11h39]
Jefferson: Alan, vai mesmo pro Country? Tem carona.
: Quero! A Luana deve estar lá.
Jefferson: Tb acho. Alan, esteja na casa da V, ou venha aqui, em casa, pq, hj, meu pai tá correndo contra o tempo, às 13h, 13h30...
Isac: Eu não tô preocupado.
: Combinado, Jeff! Isac, paz!
Jefferson: (emoji pensativo)
: (emoji dos olhos)
: Hihihihi
[11h43]
Jefferson: Essa risada é aquela endiabada, né? Sempre achei q fosse o "hehe".
: Tb. Bom saber! Hihihi
Jefferson: (emoji dando risada)
: Uso pq acho engraçadinha.
Isac: (emoji revirando os olhos)
Isac: A menina já é louca, e vcs atiçam! Eu não disse nada. N deem risada, não! Vão caçar o q fazer!

Quando retornou da piscina, pisando no solo, e buscou o celular dentro da bolsa de Selena, Luana leu a conversa, franzindo a testa. Selena e Otávio se empurravam, na brincadeira, voltando também, até que Selena o derrubou na piscina e começou a rir.
— Minhas costas estão coçando... Tem algo pinicando nelas. — Ele estava mais corado, os olhos meio irritados, e a pele, queimada, indo retocar o protetor solar e dando uma pausa para almoçar. — Que bosta!
— Vem! Eu espalho em você, cara preta. — Tocou os dedos em suas costas nuas com cuidado. — Pálido, você não é mais, por uns dias. Era o que queria?
— Menos ficar ardido.
— Lu, olha pra mim.
A loura desviou a atenção da tela do iPhone.
— Ela tá vermelha também. Parecem dois tomates!
— Eu devo estar feito um salmão. — Olhou para o próprio braço, os pelos louros. O rosto estava tingido de regiões mais avermelhadas, como um rubor natural, mas, na realidade, quase uma insolação. — Pedi ao garçom que nos servisse. O Jeff tá vindo às 13h com a e a V.
— E os outros?
— O Isac vem amanhã quando estivermos indo à chácara, e o não confirmou.

***


Ao anoitecer, comendo e beliscando a comida japonesa — ação realizada pelo estado desfavorável de Otávio, que estava com dor no estômago por ter exagerado no peixe grelhado, e sendo diagnosticado, entretanto, com a famosa diarreia por Selena, que até preparou um chá com os ingredientes levados pelo Jefferson —, reunidos ao redor da mesinha de centro da sala, com um sentado no sofá, outro no chão, apoiado no encosto, atacando a barca, disseram:
— Bem oportuno brincarmos de Verdade ou Consequência a essa hora. — Selena sugeriu.
Jefferson limpou os lábios, a sobrancelha arqueada.
— Isso não vai funcionar. — Virna argumentou.
— Não tem graça quando não existe a chance de perder o BV. Quem de nós ainda é boca virgem? — Otávio vagou o olhar por cada amigo, averiguando.
— Ota, cala a boca. — Jefferson pediu.
— Ué! Tem alguém se entregando, Brasil?! — Deixou uma risada incrédula escapar.
— Ele teve uma namoradinha na época do colegial.
— Sei...
Luana pigarreou, e toda atenção se voltou a ela.
— Vamos jogar futebol.



Capítulo 7

O jogo não aconteceu, porque a) na visão de Otávio, Selena era uma chata; e b) Virna estava com medo do escuro e do jardim deserto no lado de fora do chalé. Portanto, permaneceram sentados, terminando de jantar e trocando ideias.
Durante a manhã, o despertador diário de Jefferson tocou, acordando-o, e ele chamou os outros, balançando seus corpos espalhados pela sala. Ambos se arrumaram em cerca de cinco minutos para cada, dividindo o único banheiro, e deixaram o chalé antes do meio-dia. Na portaria do Country Club, uma S10 cabine dupla esperava-os. Isac botou a cabeça para fora, no banco do passageiro, e pediu que subissem. Se alguém preferisse, entrasse no carro.
Os quatros subiram, sentando-se na elevação e na borda da caçamba.
Enquanto seguiam viagem, cantavam clássicos.
A chácara Nascente do Sol ficava a uns 80 km do clube. Quando o carro foi estacionado, desceram, observando com contemplação a natureza ao redor. Havia animais distantes, encercados, e uma casa grande com paredes amarelas e objetos de decoração rústicos. Ao pisaram na varanda, e alguém abrir a porta, o toque suave de sinos no teto soou.
— Olá! Eu sou a Drika! — Estendeu a mão a Jefferson, o mais próximo da garota de 1,70 m, vestida com calça skinny, botas de cano curto e uma blusa rendada, com o cabelo castanho claro preso numa trança de raiz. — Fiquem à vontade!
Se não estivesse perdidamente apaixonado por , ainda, Otávio poderia se perder naquela garota de olhos castanhos expressivos, pois, dadas às circunstâncias, faria qualquer coisa para esquecer a amiga.
Jefferson maneou a cabeça para os amigos e atravessou a porta logo atrás da moça.
Virna segurou seu braço.
— Este é o quarto de hóspedes, e vocês podem tirar um cochilo quando quiserem. — Apontou para a porta fechada dentre muitas. — Ali é a copa, e o café da manhã está servido.
Eles agradeceram e entraram no cômodo com uma mesa comprida e farta. Não haviam cadeiras, o que Isac explicou, em seguida, que ficavam no lado de trás, com vista para a piscina e o campo de futebol.
— Podemos jogar? — Luana questionou.
Isac respondeu que sim, sem verbalizar, contrariado.
Servindo-se, cada um saiu da copa e sentou-se à mesa de canto. As aves cantavam ao sul, e o sol de uma manhã fresca iluminava o cabelo de Drika e de , que Otávio, silenciosamente, achou espetacular.
— O “regue” começará no fim da tarde quando uns amigos meus vierem. O também virá com a namorada. — Isac avisou. — A Drika, aliás, é prima da maioria dos caras e irmã do aniversariante, que tá dormindo na cidade. A gente se conheceu na faculdade. Não foi?
A garota assentiu e mostrou um sorriso.
— Cursamos Arquitetura juntos. Ela me trocou por Relações Internacionais. Humanoide! — Fez uma careta discreta.
Examigo! — Retribuiu o gesto. — Vamos jogar bola daqui a pouco. Estão a fim? O Isac combinou.
— Mas essa vira casaca não queria.
Os sentados, tomando café, acharam a interação íntima e continuaram sem nada declarar.
— Aceito jogar, se eu for a goleira. — Luana rompeu o silêncio, de repente, e Isac olhou para ela, sufocando um riso.
Manteve-se desacreditado.
— Não nos responsabilizamos por danos físicos.

***


Separaram-se, com mais gente, em dois times — cada com seis jogadores — e tiraram cara/coroa para decidir quem iniciava com a posse de bola e o lado do campo. Isac e Jefferson disputaram, e o louro ganhou, escolhendo o outro lado. Seu time caminhou para as posições demarcadas, e o time de Jefferson também. Luana era a goleira deles, mesmo tendo sido induzida a trocar de posição com um garoto porque as boladas não seriam amenizadas.
— Se homem pode agarrar uma bola, mulher também pode, e não sou nem um pouco delicada! — argumentou. — Tenho espírito de goleira.
Curvada à frente do gol, as mãos sobre as coxas, balançando, hora e outra, os braços, para alcançar a altura das traves, gritou para que fossem aos seus postos e pediu que jogassem duro, pois tinha sede de vitória.
Ninguém debochava de graça da sua defesa.
Não um louro desbotado, debochado e debiloide. Todos os piores adjetivos em D, criados exclusivamente para o capitão do time adversário:
Isac. Quatro palavras e uma concordância: otário.
Quando o apito de Drika soou, o jogo começou.
fez errado em ter ido suavemente para cima do jogador, porque ele não se importava em ter uma menina tentando roubar a bola. Na verdade, esse detalhe o provocou a ter mais vontade de driblar e passar para seu amigo, que se deu ao luxo desagradável de rir. E ficou com a mão na testa, tapando o sol e observando-os irem longe.
Selena mordeu o lábio, brava, enfiando a perna no meio do monte de vai e vem de pés, e acertou o passe para trás, tendo sorte de Jefferson estar ali, esperando, e rapidamente tocar para Otávio, de pernas ágeis. Logo, arremessou um chute mais longo, pedindo que estivessem perto do gol. Alguém pegou a bola com os peitos, desceu para perna, caindo no pé e chutando para Jefferson, que chutou para o gol.
Isac defendeu.
Luana cruzou os braços atrás da cabeça, chamando .
— Abre teu olho!
O goleiro lançou a bola para longe, e um jogador do time tocou, lutando contra Jefferson, que tomou, passando para um colega.
respirava fundo, tentando, aparentemente, entender a dinâmica do jogo. Posou as mãos na cintura e correu atrás da bola, em vão. Por sua vez, Selena dava uma rasteira braba num jogador, e ele sentiu a dor atingir seu tornozelo.
— É falta! — disseram.
Drika ergueu o cartão amarelo.
— Bora! — Luana gritou.
Mais alguns minutos de jogo, trocando duas vezes os jogadores, foi substituída por , e o primeiro tempo encerrou.
— 2×0. — Isac bebeu água da garrafa.
— De virada é mais gostoso, patinho! — Selena alertou.
— Quero ver por meninas no seu time. Isso é injusto! A força é menor! — Otávio reclamou, suado, limpando a testa na toalha. — Cê louco.
— Quer jogar, linda? — perguntou à namorada, que negou.
— Tá bom. A Cris e a Jana jogam no nosso time. Acabaram de chegar. Mas, de resto, continua. Aguentem perder! É natural na vida, por que não seria no jogo? — Isac andou de costas em direção ao gol. — Que o segundo tempo comece!
Todos posicionados, Drika apitou.
A bola foi tocada, pés tentaram roubá-la, numa disputa acirrada sob o sol escaldante e gritos de ambos os lados. As novas jogadoras davam gritinhos ao conseguirem pegá-la e eram melhores que , na corrida e na estratégia.
O jogo parou.
— Vem, Sel, a vai voltar! — Drika avisou.
A morena revirou os olhos e bateu a mão na da amiga, que correu para o meio do campo.
— Ei! Seu lugar é ali, centroavante! — lembrou, apontando. — Respira. Você tá vermelha.
Realmente estava. Não o rubor devido ao calor, nem vergonha por ter sido corrigida da função óbvia e a posição que recebera, até por e, sim, pelo fôlego escasso.
— Eu tô bem.
Ele maneou a cabeça, trotando para aquecer.
Drika tornou a apitar.
Quando piscou, a bola já estava girando no ar e duas pessoas esperavam para tê-la nos pés, enquanto olhava para ela como se estivesse admirando, o que explicava a lentidão em agir sob pressão. Sob os olhares sem intenções de e todo o resto. Involuntariamente, as pernas correram, e forçou o movimento frenético, para alcançá-la, mesmo ciente de que haveria uma colisão. E poderia ser terrível.
No meio do caminho, todavia, torceu o pé e ficou tonta. A dor paralisou sua perna.
Olhares direcionaram a atenção ao seu corpo mole, a visão dela sumindo, até cair sobre o gramado e tentar respirar.
foi o primeiro a parar atrás de si, de joelhos, tocando sua cabeça.
— O que você tem? Está roxa.
Otávio se deteve à sua frente. Selena, Jefferson, Luana, Virna e os outros também.
— Droga! Ela não tá conseguindo respirar! Levanta ela! — Virna pediu num tom de ordem, desesperada. — O que houve, amiga?
— Minha bom... — Soltou a mão de Selena, que viu Jefferson e correram para pegar a bombinha na sua bolsa.
— Você tem asma?! — Selena exclamou, incrédula, e os rapazes puseram no colo e a levaram às pressas em direção aos dois, que vinham em velocidade semelhante.
— Tu podia ter morrido! — Otávio chiou, bravo, e tapou os olhos com as mãos.
Virna balançou a cabeça.
— Minha nossa.
entregou a , que sugou o ar, o tom arroxeado desaparecendo.
— É melhor levá-la ao hospital? — Otávio perguntou, claramente preocupado.
— Eu tô bem.
— Foi o que tu me disse antes e veja no que deu... — refutou . — Acho que não é necessário.
— Você costuma ter crises?
— Raramente. — Tossiu algumas vezes. — Ai...
— Tá sentindo a dor no pé? Parece que torceu... — o garoto que a carregava quis saber.
— Agora, sim.
— Nem peça pra ir ao chão porque vou te deixar sentada.
Virna cruzou os braços.
— Isso foi um ato... Você é uma idiota.
Selena parou ao seu lado.
— Idiota ao quadrado. Foi uma irresponsabilidade! Não sabíamos que tinha asma, e você não deveria estar jogando!
— Você poderia ter morrido.
— Calma, gente! Eu tô bem melhor! Meus pulmões estão recebendo ar. Só preciso de um banho e cama.
— Caramba! — Virna afastou-se com raiva.
Selena agachou-se.
— Ela tá puta, e nunca a vi assim. Vai ter que fazer voz de arrependida e cara de cadela sem dono, mas, nunca, jamais repita isso. — Levantou-se. — Ainda dizem que eu sou a maluca.
— Vamos à varanda.

***


Depois de passarem o dia na varanda, revezando com as horas embaixo de uma árvore, tocando violão, tinha o pé imobilizado, já que o pai do aniversariante, que, inclusive, era um rapaz fino, mas legal, cuidou.
— Você tá bem?
Virou a cabeça, o cabelo emaranhado sobre a canga de Selena, e assentiu para . O semblante sereno dele contrastava com as rugas de preocupação quando ela estava desmaiando.
— Não sinto meu pé, mas, fora isso, sim. — Tentou sorrir.
A relação deles estava estranha. Desde que Otávio se declarou, a tratava de modo quase indiferente, até esta manhã. Evitava estar tão próximo, porque o amigo imaginou ter visto uma interação absurda entre eles no São João, mas não aconteceu nada. E não aconteceria, em sua cabeça.
, gostaria de perguntar uma coisa... Tá martelando na minha cabeça há um tempo... Você está apaixonada pelo Logan?
Logan era o vizinho dela em Nova Formosa; da Marinha, 31 anos, noivo.
— Não.
— Então... Nada. Quando dois não querem, não ficam juntos.
— Está se referindo a Otávio e eu?
— Sim.
— Eu sou apaixonada por outra pessoa. Não cabe mais um.
Era a primeira vez que falava abertamente sobre isso a alguém que não fosse Virna e, principalmente, a ele. Nas entrelinhas, o amor estava no ar. A mensagem havia sido dada. Ela havia feito o que Virna sugeriu e nem funcionou.
fechou os olhos e suspirou.
— Não é pelo Logan?
— Não, .
— Certo.

Dentro da casa, guardando o violão na capa e pondo no canto do quarto de hóspedes, Luana viu a figura de Isac adormecida na cama, os braços e pernas afastadas, e os fios loiros do cabelo cobrindo a testa.
Aquilo lhe deu uma ideia atrevida, tanto quanto a ideia lhe causou prazer.
Andou para o banheiro do quarto, buscando uma pasta de dente. Chamou Selena, que chamou Drika, e as três espalharam pasta nos rostos de quem estava dormindo no lado de fora e nos quartos destrancados.

Mais tarde, bem mais, quando o sol se punha no horizonte, e assistia junto com sua namorada e outro casal, o pessoal foi acordando — primeiro, Jefferson, que posou a mão diretamente na bochecha e sentiu a textura endurecida. Esboçou uma careta, sem entender o que diacho era aquilo, até sentir o cheiro de creme dental.
começou a rir alto, despertando Virna. Ela olhou para o amigo e riu também, mas, por pouco minutos, porque Jefferson aconselhou que se olhasse no espelho.
A ruiva murchou.
— É obra da Sel.
— Quem duvida?
— Mas ela tá dormindo, não? — perguntou.
— Deve estar se escondendo, e é bom que esteja, pois tive uma ideia.

Quando Isac acordou, bocejando, se virou na cama, conferindo o horário no celular, depois ergueu o corpo, ainda sentado, e esfregou o rosto. Sentiu somente elevações na face e caminhou para o banheiro para analisar.
Todo branco.
As bochechas estavam pintadas e endurecidas. Na testa havia sido escrito algo ilegível.
Que merda era aquilo?
— Selena.
O louro a encontrou folheando uma revista e, sem fazer barulho, andou por trás dela, pousando as mãos com creme dental em seu rosto.
— Tá gelado! — ela chiou. — Ah! Poxa, Isac!
— Chumbo trocado não dói. Tu foi lá me atentar.
— Tenho mais o que fazer!
— Foi a Luana. — Drika disse.
— Que? — Estranhou. — Aquela menina estava... O que ela tá pensando?
— Qual é o seu problema com a Luana, afinal?
— Nenhum, além dela ter pintado minha cara. — Revirou os olhos, ríspido. Andou até a porta e abriu, à procura de Luana, que estava ao longe, jogando bola.
Drika se deteve ao seu lado.
— Está lá há horas.
— Era só o que me faltava. — Pisou na terra, arrumando o cabelo com os dedos, numa tentativa frustrada que só bagunçou mais. Determinado, apertou a pasta na mão e guardou no bolso.
A loura treinava embaixadinhas com os dois pés, concentrada, quando escutou a grama sendo esmagada e elevou o olhar para os seus.
— É uma nova estátua? Que talento... Do artista.
Isac arqueou a sobrancelha.
— Qual é o seu problema? Achei que me detestasse.
— Você é quem me detesta.
— Talvez seja. — Deu de ombros. — Tu é chata, complicada e egocêntrica. Acaso não se lembra de quando íamos aos ensaios do The Nacionais e você mantinha a pose de intocável?
Percebeu apenas depois o que havia dito.
— Eu tentava te ajudar, mas você é arrogante demais para aceitar que eu, uma garota, saiba mais que seu cérebro limitado. Sua bipolaridade é frustrante!
— É isso que te torna... — A voz sumiu. Balançou a cabeça. — Acha engraçado isto? — Apontou para a face. — Prepare-se!
— Não seja ridículo!
— Recado tá dado. — Deu as costas, voltando a casa.



Capítulo 8

— Não faço ideia do que seja este assunto.
Jefferson tirou o óculos e coçou o olho direito.
— Previsível.
— Teve uma noite ruim?
— Não, é que preciso de um tempo quando acordo e ainda tenho que correr para a faculdade... — Checou o horário. — Leia enquanto preparo um café. Quer?
— Por favor.
Ele levantou-se e atravessou uma porta lateral.
Retornando, minutos depois, trouxe uma bandeja com bule, xícaras e vasilha de vidro com biscoitos.
— Não sinto fome pela manhã. — Selena comentou. — Obrigada.
— Nem eu. — Mordeu o biscoito. — Mas, se eu não por algo no estômago, sentirei dor de cabeça. Posso começar o questionário? Sua prova é amanhã.
Há mais de quinze dias estudavam os assuntos cobrados na prova de História, logo quando o recesso — “férias” de duas semanas — terminou. Jefferson preferiu ficar em casa e viajar no fim do ano para Cabo Frio, no estado do Rio de Janeiro, onde morava seu irmão mais velho casado e a família materna. Selena quis sair da zona interior do estado, mas, sem grana, tornou-se inviável.
— Pode.

Otávio alongou o corpo, estralando os dedos, e assobiou para Luana, sentada com a melhor amiga no pátio do Val Campestre.
— Oi — chamou, sorrindo —, lourinha! Eita! Loura. O “inha” já é do Isac. Ele veio primeiro.
Luana, que se levantava para ser abraçada, sentou-se novamente.
— Vá se catar, Otinha!
Otávio riu baixo e deu um beijo em sua cabeça.
— Bom te ver de novo.
— É recíproco.
— Vocês já podem se casar — disse Giulia, compenetrada.
Ambos trocaram olhares assustados.
— A gente não daria certo.
— Concordo. Até porque o Ota gosta de outra pessoa.
— Como tu sabe? — ele questionou, surpreendido.
— Amigo, observo tu-do. Pouca coisa está fora do meu radar.
Se liga, Ota! A Lu não brinca em serviço! — Com um tapinha em seu ombro, Selena sorriu para ele.
— Quem te chamou, Selfiane? Você viu as selfies dela nas férias? — Riu. — Meteu bala na gente.
— Arrasou nossos corações!
— Estou ficando sem graça. — Ela tapou o rosto. — Vejo vocês no intervalo!

encontrou Virna na biblioteca da UniCa, onde ela estudava, sentou-se à sua frente e esperou que notasse a presença inesperada.
Virna ergueu os olhos e franziu a testa.
— O que tá fazendo aqui? Perdeu o caminho pra UCA?
— Minha namorada tá trocando uns livros. O que está estudando? Desculpa atrapalhar.
— Estatística I.
— E achou que se livraria das exatas...
— Pois é! Essa Matemática não me deixa em paz! — Bufou, segurando um papel rabiscado.
— Milagres acadêmicos ocorrem na UniCa: a biblioteca tá vazia e, melhor, silenciosa. Daria tudo pra viver esta realidade utópica.
Virna sorriu.
, o dramático.
— É sério! Dá vontade de trancar a porta da biblioteca e me isolar lá dentro.
— Você apanharia.
— Provavelmente, mas seria um sonho realizado.
— Mora nos alojamentos da faculdade, não é?
— Eles não oferecem, infelizmente. Moro com meus pais. Parece até que não somos amigos. Sabemos pouco sobre o outro.
— É verdade.
Virna era muito, ultrapassando a capacidade de entendimento de um ser humano com QI abaixo da média popular, tímida. Porém, conseguia administrar e desenvolver a coragem durante as apresentações acadêmicas.
— Não vou te alugar mais... — Iria se levantar para permitir que ela continuasse a estudar.
— Eu só tô tentando terminar este relatório. É chatinho. Mas pode ficar, se quiser. Soube que sua namorada é ciumenta.
maneou a cabeça para os dois lados.
— É... Mega cuidadosa.

***


Enquanto Selena tentava arranjar uma pretendente para Otávio, em meio às poucas opções no colégio, e Luana tirava sarro das suas expressões faciais que beiravam à incredulidade e a irritação, e Virna descobriam algumas manias e hábitos em comum. Ele concluiu que uma pessoa tímida perdia contato com novas pessoas. Entretanto, quem estava ali, como ele, conhecendo-a com toda a boa vontade de ser conhecida que Virna oferecia e, há um dia, não tinha isso, perdia infinitamente mais, pois Virna era uma criatura generosa, honesta e tão simplesmente ela.
No colégio, Otávio deteve a animação desnecessária de Selena:
— Cansei. Não tô a fim de sair com uma garota aleatória pra fins de esquecimento.
— Aposto que essa é mais legal que a outra.
— Acontece que não estou interessado. Se essa menina se envolver, serão dois desafortunados em busca do que nenhum poderá oferecer. Entende?
— Tive uma ideia... De louco... Mas é uma ideia. — Luana disse abruptamente.
— Qual seria?
— Amanhã, vocês verão.

[Hoje, 11h55]
Jefferson: Sel, tu deixou seu caderno com frases da Inês em casa.
: Alô, alô, graças a Deus!
Selena: Tá fazendo um jogo comigo, garoto?
Selena: TODOS os meus rascunhos estão nele! Droga!
Jefferson: Se eu não estiver em casa, fala com o Igor!
Selena: Ok
[12h00]
Isac: A Drika tava me dizendo q encontraram um brinco no colchão do quarto de hóspedes e q a empregada a lembrou ontem. É mal de mulher esquecer as coisas?
: (Dedo do meio)
Selena: É não, é mal meu e de quem esqueceu.
: É q somos muito ocupadas, tendo uma vida fora (mão pintado as unhas)
Virna: A Lu estava com um brinco. Não sei se ela tirou...
Isac: Ah.
[12h12]
Selena: É da Lu, sim. Onde ela pega?
Isac: Tá comigo. Na minha casa.
Selena: Ela não vai atravessar a cidade pra ir à sua casa.
Isac: Sou eu quem não vai sair da minha casa pra entregar esse brinco cafona.
[12h20]
Luana: Mais respeito com meu brinco, seu otário!
Luana: Sel, pega pra mim!
Luana: Esse cara é ridículo!
Otávio: Loura, eu pego!

recebeu uma ligação de , no final do dia, e quase enfartou. Inesperado e imprevisível, como ele era. Perguntava sobre tudo e, de igual forma, nada de relevante. O assunto evitado foi a cidade natal e disse sentir falta dos dias de verão por lá, quando tinham 12 e 15 anos. Nas entrelinhas, sentia sua falta, e esse fato valeu o dia de m*rda dela.
Certamente, o resto da semana também.



Capítulo 9

PROCURA-SE UMA NAMORADA.
Tel p/ contato: 87 98815 ----


— Genial!
Luana sorriu para Selena, que elogiou o folheto escrito em negrito colado na parede do primeiro corredor e ao lado da porta do terceiro ano em que Otávio estudava.
— Ninguém me viu colar. O número é de um chip novo, e o Ota é quem, obviamente, receberá ligações e/ou mensagens.
— Vocês querem acabar com a minha reputação?! — ele disse assim que leu o que estava escrito. Parou perto de Selena e olhou para Luana. — Não.
— Avisei que seria uma ideia de louco, mas você não tem nada a perder. Os candidatos é quem irão atrás. Se surgir alguém legal, você escolhe se quer conhecê-lo.
Selena tocou seu ombro.
— Vai, Ota.
— Tudo bem. Mas não garanto nenhum encontro às cegas. Meu limite é esse. E de quem é o número?
— Seu. — Entregou-lhe o chip. — Para que nenhuma pessoa desconfie. Somente nós três sabemos disso e morre aqui.
— Claro.
— Vi uma menina anotando o número no celular. Se for zoeira ou não, provavelmente, você descobrirá mais tarde.

Havia uma padaria, a algumas quadras do Val Campestre, onde os clientes faziam parte da classe A. Todavia, os próprios alunos do Val frequentavam no início do mês. Estudando relativamente próximos, Virna e Isac combinaram de ir embora juntos, passando na padaria para lanchar. Encontraram três criaturas sentadas numa mesa fora do estabelecimento, rindo alto: Luana; Otávio e Selena.
Isac observava Luana como quem olha o objeto de ódio e sente certo ódio de si por não ter cem por cento de certeza do que mais existia neste ato. Contrariado, avisou a Virna que iria entrar e comprar pão de queijo. A ruiva assentiu, pedindo que comprasse para ela, e sentou-se com os amigos.
— O Ota tá querendo arranjar uma namorada — dedurou Selena, arrependendo-se, no instante seguinte, quando a viu contrair o cenho.
Otávio apertou o nariz com o polegar e o indicador.
— Que bom...?
— É... — desconversou. — Então, tu já soltando as garrinhas?
— O quê?
— Você e... O Isac.
Virna riu, com direito a uma gargalhada escandalosa, que chamou atenção de Isac, retornando de dentro da padaria com dois embrulhos em dois pratos.
— Palhaça! — Recebeu o salgado, cessando a risada. — Obrigada. Quanto eu te devo?
— Esquece isso. — Fitou a cadeira vaga perto de Luana e olhou ao redor, à procura de outra mesa desocupada. Encontrou uma. — Vou me sentar ali, beleza?
— Tá.
— O Isac é muito ausente e estranho. — Selena alfinetou, sugando o suco. — Cheio de frescura.
— Deixe-o, Sel. É que ele não se sente confortável...
— ...Quando eu tô no mesmo ambiente. — Luana revirou os olhos, impaciente. — É uma donzela fazendo cena. Mereço!
— A loura não perdoa. — Otávio disse. — Vocês dois são um caso a ser estudado.
— Exatamente.
— Não quero falar dele. — Levantou-se, e Virna arregalou os olhos. Pegou a mochila. — Para mim, já deu. Vou comprar doce.
Isac desviou o olhar quando ela passou pelo trajeto da entrada.
— O que é isto? — Virna conferiu o folheto que Luana deixou cair da mochila.
Selena paralisou, e Otávio ficou vermelho.
— O que diz nele?
— “Procura-se uma namorada”.
— Ah, é que a Lu achou no colégio. Alguém tá na seca do Saara.
Otávio arqueou a sobrancelha, ofendido.
— Por que ela guardaria isto?
— Deve estar interessada.
— Entendi. — Deu de ombros, beliscando o pão de queijo.
Isac veio à mesa deles com a mochila no ombro.
— V, eu tô indo... Você vem?
— Mas já?
— É que preciso resolver umas coisas.
Selena pigarreou forte.
— Então tá. Vamos! Tchau, gente! Vão me visitar. Meus pais passam mais tempo na rua, e fico de bobeira. Jantem comigo!
— Sinceramente, não recuso comida. Se eu fosse você, pensaria duas vezes, antes de me convidar. — Selena falou.
— Comida não é problema. — Pôs a bolsa no ombro. — Até qualquer dia!

***


Jefferson sentou-se no degrau da varanda da casa de Virna, naquele fim de tarde, esperando-a atendê-lo. Com um fone no ouvido e digitando no celular, alheio a movimentação na rua, avistou a ruiva atravessar o caminho de pedras sobre a grama, seus traços faciais cansados.
— Há quanto tempo está aí?
— Não muito. — Ele suspirou. — Tá quase anoitecendo... Onde tu se meteu?
— Padaria, supermercado e, agora, aqui. Encontrei os meninos na Trigo&Cia e vim com o Isac. Está com problemas?
— Mais ou menos.
Ela esboçou um sorriso pequeno e o abraçou apertado.
— Diga.
— Antes, abra a mente. É meio constrangedor para um cara como eu. Faz quase dois meses.
— Está sendo dramático ou querendo me assustar?
— Eu tô ficando louco. Às vezes, acho que poderia tentar, investir nisso, e me repreendo pelo simples ato de pensar assim. Aconteceu. É passado. Mas não sai da minha cabeça. Não quando a vejo, praticamente, todos os dias.
— Espera um minuto.
— A gente ficou. Foi uma vez e no São João. A barraca do beijo. Ela me provocou, na brincadeira, e eu cedi.
— Você beijou a Sel? Por que está contado agora?
— Porque, sei lá, me incomodei e... Queria uma opinião de outra pessoa... Alguém que dissesse que não tô errado, que fosse franca.
— Que te desse a certeza de que mais um beijo não faria mal aos dois? Você quer ouvir isso, meu amigo, mas não é o que direi.
Ele esfregou a cabeça, acanhado. De repente, as palavras se confundiram e morreram no fundo da garganta, o constrangimento o tomou e a coragem se esvaiu.
— Não é o fim do mundo, Jeff, porém um beijo envolve sentimento, e vocês são amigos.
— Fiquei mais preocupado com a idade dela.
— No entanto, não há motivo que os condene. Só toma cuidado com você e com ela. Essa história pode terminar mal para ambos. Ela é menor de idade, teimosa e audaciosa. Você tem 21, é reservado, sensível, extremamente cauteloso e intenso. Como gasolina que ateia o fogo.
— Não vamos namorar. Eu não quero usar a Sel para arranjar uns beijos. Pensei em todas as possibilidades e concluí que não daria certo. Ela é meu oposto e só tem 16. — Mordeu o lábio, conformado.
Virna o trouxe para um abraço.
— Sabe, nunca cogitei os dois como um casal, mas seria bonitinho, de verdade. Você é bem mais alto, e a Sel é pequena... Teria que se curvar todo para alcançá-la.
Jefferson sorriu nasalado.
— Sim.

corria para pegar o ônibus, e o veículo se foi. Controlou-se para não xingar e sentou-se no banco do ponto próximo à sua escola. Pôs os fones no ouvido e apoiou a cabeça no aço.
— Ei! — alguém gritou de dentro de um carro vermelho. — !
A garota avistou a figura de no banco do motorista.
O sorriso se abriu.
— Oi! — Ela levantou-se, caminhando para a porta. Deste ângulo, conseguiu enxergar que o banco do passageiro estava ocupado pela namorada dele, de cabelo loiro acinzentado. — Ah, olá.
— Oi, lindinha!
— Entra. Deixo você em casa! — disse , os olhos escuros fitando os dela com compaixão.
— Obrigada.
A casa de sua namorada localizava-se mais perto do Dom Bosco, no centro da cidade, então a mais velha foi a primeira a ir embora. Com um selinho, que preferiu encarar a tela apagada do celular, saiu do veículo e fechou a porta.
ofereceu o lugar. demorou um minuto inteiro para agir — passar por cima do banco.
Desembaraçou o cabelo, tirando os fios do rosto, e ele acelerou.
— Tá tudo bem contigo?
— Está. — Amassou o lábio inferior, distraída. Olhou para ele concentrado no semáforo. — De quem é este carro?
— Da minha mãe. Ela comprou há uma semana. Nem quis arrancar o plástico! — comentou e sorriu nasalado. — Achou que fosse meu? — Apoiou o cotovelo na borda da porta.
— Nem tem onde cair morto.
fingiu estar ofendido, mas não replicou, apenas mudou a estação da rádio.
— Então, alguma novidade?
— Recebi o roteiro das provas. — Mostrou-lhe uma careta.
— Ganhei uma bolsa da monitoria.
— Parabéns!
— É, pagar minhas contas, antes que mainha me bote pra fora.
— Ela nunca faria isso com o filho único.
— Eu não disse, mas ela quer outro filho.
arregalou os olhos.
— Bizarro, eu sei. Já tem 40. Garantiu a mim que engravidaria somente se fosse um acidente.
— Outro meio-irmão.
Os dedos dele pressionaram o volante involuntariamente.
— Não tenho irmãos. Sou filho único de um casal. Essa é a árvore genealógica.
— Respeito sua opinião — contrapôs —, só que você sabe que eu sei que é mentira.
se manteve calado, até o restante do trajeto.
— Espero que entenda que minha intenção é fazer você perceber que a realidade é outra. — Ela rompeu o silêncio quando estacionaram em frente ao seu prédio.
— Se tu puder sair... Tô atrasado para o curso.
concordou, abrindo a porta.
— Pare de fugir. Aceitar o inevitável dói menos. Garanto!



Capítulo 10

Oi. — Otávio leu o que um admirador secreto enviou. — Notei que a pessoa digitou e apagou. Não respondi porque estava meio absorto com o fato de alguém ter realmente levado a sério.
— É para levar. A finalidade é essa. — Paciente, Luana refrizou. — Qual é o número?
— Não é conhecido. DDD de Celeste.
— Alguém da cidade vizinha.
— Fala com essa pessoa agora. — Selena sugeriu, sentada à mesa do refeitório.
— O que eu escrevo? — Pigarreou. — Não vou puxar assunto com um estranho. Isso é um nível de loucura absurdo.
— Otávio, o sensato.
Oi.
Selena mudou de posição para ler:

(74 98100 ----): Oi.
Otávio está digitando...

— Ota!

Otávio: Quem é vc?
(74 98100 ----): Eu sou eu.
Otávio: Mulher ou homem?
(74 98100 ----): Mulher
Otávio: Ainda bem! Vc tem 50% de chance comigo.

Selena riu.

(74 98100 ----): Talvez eu seja menos generosa, e vc tenha uns 25%.
Otávio: Engraçado... Quem tá à procura de uma namorada sou eu (por livre espontânea pressão)
(74 98100 ----): Acontece q devemos nos conhecer primeiro, obviamente. Qtos anos vc tem?
Otávio: 19.

— Não mente para a garota.
— Completo 19 em janeiro, ué!

(74 98100 ----): Vc é novo
Otávio: Tu é velha?
(74 98100 ----): Não.
Otávio: Então, é de Celeste...
(74 98100 ----): Mas moro em Campestre.

O sinal tocou.

Otávio: Vou salvar seu número. Preciso ir pra aula. Até breve!
(74 98100 ----): Até!

— Otávio tem uma admiradora secreta.

***


Luana nunca havia visitado o prédio novo da Universidade de Campestre recém-reformado, pois não tinha motivo especial para tanto e nem curiosidade suficiente que a levasse àquelas paredes de ladrilhos brancos e azuis. Nenhuma intenção de admirar a fachada do nome e se imaginar estudando nele. Não. Ainda não decidira o curso pelo qual optaria e, provavelmente, não seria um dos ministrados no campus. Entretanto, nesta manhã, lembrou-se do ano passado e de como as reviravoltas a fizeram crescer. O Ensino Médio a guiou do ódio ao amor e a tolerância a algumas matérias, e professores, estreitou laços de vidas e desfez outros, que, apesar da distância e das eventualidades que o futuro a reservava, guardaria cada um na memória, provando o carinho que nutria por tê-los vivenciado. Os nomes e características se perderiam em meio às novas situações, mas algumas manias e momentos permaneceriam marcados como parte de sua história até o hoje.
— Luana! Ei, menina, sai do meio da passagem!
Ela acordou para o presente.
— Jeff!
Jefferson sorriu.
— Pensando na morte da bezerra?
— Na minha.
Ele franziu a testa.
— Tá com os dias contados?
— Não!
— O que você está procurando? Ou quem está querendo ver? Algum calouro/veterano?
Luana piscou.
— Lembrei que faltam menos de seis meses para terminar este ano... O colégio... O tempo voa.
— Somos tão jovens.
— Em determinados aspectos, acredito que não temos todo o tempo do mundo.
— Eu também. Mas nunca é tarde para testar essa teoria. Não vê os idosos sendo alfabetizados depois de 60 anos de vida? Mães que geraram filhos cedo e abandonaram os estudos retornando à escola? Existe uma criança dentro da gente. Legal sermos humildes como ela.
— Menos tão inocentes. O mundo está corrompido.
— De fato. — Tocou seu cabelo, distraído, e Luana afastou a cabeça.
— Ninguém mexe nele. É meu direito.
Jefferson riu.
— Desculpa. Vai ficar aqui?
— Vou voltar.
— A Sel veio?
— Sim. Quer que lhe dê algum recado?
— Não é necessário. — Entortou a boca. — Eu a verei mais tarde.
— Então nos falamos outra hora.

Secretamente, Otávio estava curioso e desconfiado — das próprias amigas —, pelo fato de elas gostarem de tirar sarro dele. O número não parava de piscar em sua mente, notificando-o de que existia alguém à sua espera, querendo conhecê-lo. A questão primordial era se ele queria conhecer quem estava do outro lado, em algum lugar, escondida, digitando as respostas e fazendo perguntas sobre sua vida. Poderia ser uma conhecida, uma garota que o viu uma vez e ficou encantada por algum motivo particular, ou uma de suas amigas, para testá-lo. Havia dito que não queria ninguém e nem estava interessado em conhecer gente nova. Porém, queria, urgentemente, esquecer . Então, deitado sobre a cama do quarto, digitava uma pergunta simples para a “admiradora”:

Otávio: Eu te conheço?

E, na mesma hora, apagou. Como ela poderia conhecê-lo, se não sabia de quem se tratava? Aleatoriamente, por outro motivo particular, anotou o número colado na parede do colégio e salvou. Repentinamente, sentiu o desejo de ter um namorado. Como ele não tinha. No entanto, se fosse por tal propósito, deveria ser claro nos pré-requisitos.
Quais?

Otávio: Não me importo mto com sua aparência. Vc pode estar fora dos padrões de beleza que a sociedade impõe e ser linda.

Abaixou a mão e pensou no que escrevera. Fazia sentido, para si.

(74 98100 ----): Q bom pq estou
(74 98100 ----): Vc faz?

Surpreso com a agilidade da resposta enviada em poucos minutos, cogitou a possibilidade de ela estar desocupada ou reservando um tempinho para respondê-lo.

Otávio: Não. Vc trabalha?
(74 98100 ----): Vou começar a estagiar no semestre q vem. Tô cogitando estudar numa faculdade particular, mas, pra isso, obviamente, terei q me dedicar às matérias chatinhas do ensino médio :(
(74 98100 ----): Tipo, agora, q tô almoçando
Otávio: Lembrei q tenho q esquentar a comida.
Otávio: Vc estuda na UCA? Qual é a sua idade?
(74 98100 ----): Não. Farei 20 em dezembro.
Otávio: Tá procurando um namorado por meios extremos... Pq?
(74 98100 ----): Não tô procurando um namoro, só achei q seria uma boa ideia entrar em contato... O folheto me chamou atenção... Por nenhum motivo em particular. Talvez, bem, sua coragem. Gostaria de ser um pouco mais corajosa.
Otávio: Mas vc é! Nem sabe quem sou.
Otávio: Tá querendo alguém q te “leia”, né?
(74 98100 ----): Minha vida é um livro aberto. Tô cercada de amigos, então não sou carente, mas, às vezes, me sinto sozinha. Entende? É uma sensação esquisita. Aprendi a me acostumar na marra.
Otávio está digitando...
(74 98100 ----): Me fale um pouco sobre vc.
Otávio: Tenho poucos amigos, mas esses são essenciais pro meu crescimento. Eles me transmitem algo edificante, e isso é a chave de uma amizade saudável. Tô muito filósofo hj!
(74 98100 ----): Hahaha
Otávio: Gosto de bife acebolado com batata frita, não sei andar de bicicleta, quero saltar de paraquedas antes dos 20 e visitar as muralhas chinesas.
(74 98100 ----): Poxa! Tô tentando virar vegetariana.
Otávio: Comer muita folha (emoji fazendo careta) Tu deve ser magrela.
(74 98100 ----): Sou alta, tô bem.
Otávio: Tb sou
Otávio: Primeiro ponto em comum...
(74 98100 ----): Tenho q ir estudar agora.

Enquanto um “resolvia” sua vida amorosa, outros dois iriam embarcar nesse mar de des(ilu)sões dos afortunados — Jefferson não planejava tomar iniciativa, nem atitude alguma, somente receberia Selena como uma aluna e daria a aula. Em seguida, iria à casa de Virna e, talvez, se culpasse por ser medroso. Na verdade, cogitou um plano B, até o momento em que viu Selena à sua frente, na porta, com as mechas lisas do cabelo molhadas, moldando seu rosto pequeno e delicado, o gloss nos lábios. Nesta tarde, Selena usava short jeans desfiado e uma sapatilha de camurça, especialmente bonita. O seu cheiro invadiu o corredor, enquanto caminhavam lentamente por ele, chegando à área coberta de estudos.
Ali, morreu qualquer tentativa de efetivar seja lá o que fosse.
— Você está bem? — ela perguntou, dobrando a perna e puxando o caderno da bolsa, o olhar atento à sua face.
Jefferson mordeu o lábio.
— Não... Não sei. — Esfregou a cabeça. — E você?
— Tô bem empolgada para o novo assunto. — Abriu um sorriso genuíno e o levou a pigarrear com força.
— Preciso beber água. — Ergueu-se de vez, dirigindo-se à cozinha na porta lateral. Depois, retornou, trazendo uma garrafa para ela. — Então, e o garoto que você é a fim... Como estão?
A menina surpreendeu-se com a questão de caráter pessoal, mas respondeu, de qualquer forma:
— Não estamos. É como diz a música: a fila andou. Ele fez muito doce. E, para um cara fazer doce, é porque realmente está desinteressado. Mas isso não é problema meu. O Jorge é bundão, e não tenho paciência com gente que não assume que quer.
Jefferson tornou a morder o lábio inferior com menos força e subiu o óculos com a ponta do dedo indicador.
— Você é um perigo — acabou dizendo, parte para quebrar o silêncio, e a outra, por estar há tanto tempo em seus pensamentos ocultos.
Garotas dessa idade lhe ofereciam duas alternativas com sua vinda: entravam na sua vida, abrindo portas e janelas, bagunçando tudo e enlouquecendo-o, ou não entravam e o enlouquecia. Pior até. Tendo-a, conseguiria amenizar o sofrimento de não ter.
Selena estava envolta de fios néons invisíveis onde piscavam: FIQUE LONGE DESTA MALUCA!
Ela é adolescente.
De 16.
No meio do Ensino Médio, aprendendo a lidar com a vida, ainda.
— Jeff?
— Oi? — Tentou sorrir, fitando os olhos castanhos de Selena, que levantou o livro aberto. — Viajei aqui. Qual é o assunto?
— Você tá mesmo bem? Quer me dizer alguma coisa?
— Coisa alguma — disse, simplesmente. — Eu tô confuso.
— Posso te ajudar?
— É aí que tá: você, não. — Encostou-se na cadeira. — Não é nada pessoal...
— Quando você estiver pronto, a gente começa.
Para que?
— Para estudar, é claro. — Tornou a esfregar a cabeça e respirou profundamente, como quem “limpa” as vias respiratórias e recebe um alívio. Ciente das especulações de Selena, arrastou a cadeira para frente e buscou uma canetinha na caneca. — Leu o capítulo?
— Li. — Sorriu, orgulhosa de seu trabalho concluído com êxito. — Ah, a Lu avisou que você estava me procurando pela manhã.
— Era besteira.
— Se é, então conta.
— Você não entenderia e, provavelmente, riria. Estou confuso em relação a isso. Prometo que, assim que eu tiver plena convicção, é a você que contarei.
— Não a V?
— Ela saberá depois.
— Certo. Mudemos de assunto.
Estudaram pelo resto da tarde, passando do horário e não indo visitar a ruiva, pois os planos mudaram quando engataram uma conversa sobre seus “dois mundos”.



Capítulo 11

— Sol e Lua, venham aqui.
Selena e Luana olharam para Otávio.
— Que?
— Sel e Lu.
— Selena e Luana, faz cinco dias que estou conversando com a garota e descobri apenas três pontos em comum: é alta; estuda e gosta de carne, apesar de tentar virar vegetariana. Além disso, tem uma babá aos 19 anos. Quem é que tem uma babá nessa idade?
— Essa garota.
— Ela não está interessada em mim. Quer apenas um novo amigo para desabafar sobre como está indo na faculdade, os caras que não se aproximam e nem dão sinais, e de como, mesmo que dessem, não saberia compreender porque não está à procura de um caso.
— Ela deve ser nerd. — Luana concluiu. — Combina com você.
— Me parece mais uma daquelas criaturas que vivem dentro de casa, acessando a internet ou cavando a própria cova. Descobri que evita praia quando viaja com a família, é sedentária e ganhou um gato, que briga com sua cadela.
— Ela é legal?
— A gente interagiu muito, ontem à noite, mas, sei lá, me sinto cada vez mais distante de descobrir quem é e se, um dia, vai querer me ver. Ah! Outros dois números entraram em contato. Um falou comigo numa boa e o nome dela começa com I. A outra, nada de responder.
— Você está levando a sério.
— Acostumei a ter gente disputando minha atenção. Faz bem para o ego. — Deu de ombros. — Dia 9 é aniversário da Sel. Tu sabia?
— 17 anos. — Selena estendeu as unhas pintadas de rosa.
— Mas não haverá festa.
— Só uma ida à pizzaria, que a V tá tentando organizar.
Otávio sorriu, omitindo detalhes sobre esse tal estabelecimento. Pediu a Luana para esperar quando o sinal tocou.
— A V tá tramando uma comemoração na casa dela na segunda-feira. A gente tá organizando em conjunto o necessário e tudo o mais, então, se puder, ela possui uma lista de materiais faltosos. Amanhã pedirei ao Jeff para trazer.
— Combinado.

***


A comemoração partiu de Jefferson quando lembrou-se, por Virna, do aniversário de Selena. Não que isso interferisse diretamente no caso delicado deles — ela continuaria menor de idade por mais um ano. Independentemente da distância entre os números que representavam suas idades, não conseguiria simplesmente ignorar esse detalhe primordial, pois, para Jefferson e, provavelmente, para os pais de Selena, importava. Ele gostava da Sel, antes de se descobrir interessado de um novo jeito, e eram amigos. Como amigo, faria essa festinha para que a data não passasse em branco.
— Amigos, né? — Virna insinuou, ocupada com a cordinha sendo amarrada nos balões, que formavam uma flor. — Você é inteligente.
— Achei que não visse como uma opção ruim eu... — Foi interrompido enquanto apregava as letras do nome dela com durex na parede.
— Tirando as minhas incertezas, não vejo. Porém, você é quem deve ter absoluta certeza do que fará. Não dá para brincar com os sentimentos alheios e nem com os nossos.
— Droga. — Sacudiu o dedo queimado pela cola. — Tem gente na porta. É o Isac.
— Falar na Sel atrai sua distração. Curioso! — Sorriu, antes de abrir a porta de correr para que Isac entrasse com uma sacola grande. — O que tem aí?
— Você sabe, minha mãe é do tipo que se previne e manda tudo o que tiver com o tema 'aniversário' em casa. — Deu de ombros, pondo a sacola aberta no chão. Visualizou Jefferson de costas, colando, e o tanto de letras que faltavam. — Como tô de bobeira, vou ajudar o Jeff.
Virna agachou-se em frente à sacola e foi retirando os objetos. Escutou a porta ser aberta, um pé pisar no piso da sala e a voz manhosa de Selena:
— É para mim?
Três pares de olhos a fitaram, assustados e surpresos.
— Quem te chamou? — Isac perguntou.
— A Luana. Ela disse “Vá às 18h, e eu estarei lá”. Não está aqui, e eu vim mais cedo porque tenho um compromisso.
Virna levantou-se lentamente.
— Não é o que você tá pensando.
De repente, Jefferson começou a rir, e Isac olhou para ele, acompanhando-o em seguida.
A frustração havia deixado Virna sem reação.
— Talvez seja. Deveria ter chegado mais tarde... — Bufou e aproximou-se para abraçá-la. — Parabéns, maluca!
Selena a envolveu, esboçando um sorriso.
— Obrigada, V! Não quis atrapalhar. Se eu desconfiasse, nem teria aparecido antes da hora. Estraguei minha própria festa surpresa!
Suspirando e sumindo com os resquícios da risada, Jefferson desceu do banquinho de madeira e andou até Selena, abraçando-a quando esteve perto o suficiente.
— Feliz 17° Aniversário, Sel! — disse baixinho a ela. — Aproveite o restante da adolescência.
Selena apertou os dedos em sua blusa e soltou-o depois.
— Obrigada, Jeff! Aproveitarei, começando por hoje.
— O que tem hoje? — Virna questionou, terminando de separar os objetos sobre a mesa.
Em cima do balcão havia algumas caixas de docinhos e salgados.
— Vou sair com um garoto do meu cursinho. Nós rodaremos pela cidade. Se eu soubesse desta festinha, teria marcado para outro dia.
Jefferson levou um balde de água fria ao escutar aquilo.
— E o Jorge? — perguntou, sem freio.
— É um bundão. Muito, muito, muito obrigada pela intenção! Sério! Vocês são demais! Agradeço a Deus por ter nos agrupado!
Isac a ergueu nos braços.
— Nós demoramos uma eternidade para arrumar tudo, e tu vai sair com um cara.
— Tô de olho nele há algumas semanas. Não posso perder a oportunidade. — Viu-o beijar sua cabeça. — Tchau!
Ao sair, esbarrou em Luana, e na varanda.
— Sel, louca, era às 18h! — Luana reclamou, ficando vermelha pela careta de repreensão de Isac dentro da sala.
Notoriamente, ele a culpava por ter estragado a festa surpresa.
— Tenho um encontro. Ele é gato.
riu, apertando-a entre os braços.
— Feliz Aniversário!
— Obrigada.
— Parabéns, Sel! — desejou , pondo o braço em seu ombro. — Juízo!
— Isso, maluca! Juízo! — Luana refrizou. — Vamos comer seu bolo.
— Guardem para mim, hein.
A festa teve continuidade, independentemente da ausência da aniversariante. Compraram comida, bebida, e o resto ficou por conta dos convidados: o grupo de amigos do WhatsApp, Luana, , Jefferson, Isac, Virna e Otávio.
Havia música também, mesmo em volume baixo para os vizinhos não reclamarem.
ria com Isac e Otávio. Luana e acessavam a internet no quarto de Virna, enquanto a ruiva sentava-se ao lado de um Jefferson solitário, fingindo concentração no programa chato da TV.
— E aí? — perguntou, balançando a taça de refrigerante com vodka e gelo.
Ele maneou a cabeça, sem prestar atenção.
— Jeff — chamou.
— O quê? — Virou a cabeça. — Meu refri acabou.
— Você não me parece bem.
— Estou, de verdade. Tô só um pouco frustrado por ter meus planos descendo pelo ralo...
— Fazia parte admitir que tá a fim da aniversariante? — fez a pergunta num tom contido para que ninguém, ainda que não estivessem olhando para eles, escutasse.
— Não estou.
Virna revirou os olhos.
— Você é mais corajoso que essa versão resistente. Nunca escondeu o que sentia por nenhuma garota.
— Mas nunca estive cogitando a possibilidade de me interessar por uma adolescente. De 16.
— 17 — corrigiu imediatamente.
Jefferson descansou no encosto do sofá, o braço com o copo repousado sobre o apoio.
— Até parece que, nesse caso, se cogita alguma coisa. Claro que não. É uma questão de piscar o olho e acontecer. Você não se preveniu.
— Onde eu fui me meter?
— Espero que a Selena não quebre seu coração desmantelado.
— Não tem perigo... — falou, incerto. — Ela não está nele.
— Ainda.
Tarde da noite, o que era para se encaminhar para o fim da festa, apenas levou-os a se acomodarem confortavelmente nas poltronas alinhadas na varanda fresca para jogarem conversa fora.
Como acordava cedo e, habitualmente, dormia antes que a maioria dos jovens de 20 anos, levantou-se de supetão, espreguiçando-se, e desejou um sono agradável a todos.
— Tu vens comigo? — perguntou a , sentada ao lado de Luana, e ela afirmou, erguendo o corpo e deixando o copo vazio na mesinha de centro.
Virna cochilava com a cabeça inclinada no ombro de Jefferson, que também se encontrava sonolento.
Muito desperto, Otávio direcionou o olhar de para e vice-versa.
— Vocês irão sozinhos?
o olhou como se a pergunta fosse estranhamente desnecessária.
— Se ninguém mais for, sim. — Alcançou a chave do carro e a carteira, guardando a última no bolso frontal, enquanto se despedia de Luana e acenava timidamente para Otávio.
— Acho que meus pais se esqueceram de mim — ele disse, visualizando a tela acesa do celular. Travou o aparelho e levantou-se. — Tem problema eu ir?
— Não. — deu de ombros.
— Ota, eu te dou carona. — Luana sugeriu. — A rota para a casa do é mais longa. Minha casa fica na zona leste.
— Certo... — Contrariado, sentou-se novamente. Pôs uma perna sobre a outra, os braços sendo cruzados.
— Boa noite!
Percorrendo o trajeto de ambos com o olhar, Luana se virou para Otávio.
— Impressão minha, ou você não queria que eles fossem sozinhos?
— Não me importo.
— O tem namorada, e a gosta de um garoto do colégio. Se eles tivessem algo, nós saberíamos.
— Ou poderiam esconder... É a vida pessoal deles, afinal — discordou, relutante.
O pigarro forçado atrás dos dois chamou atenção. Isac acabou aparecendo no campo de visão, iluminado pela luz do poste na rua.
— Estão formando mil teorias sobre o que não diz respeito a vocês. — Lembrou-lhes, com tom de sermão, encarando a figura encolhida e rígida de Otávio no sofá.
— Você é um cara bem incomodado com o que fazemos. — Luana falou calmamente.
Isac abaixou o olhar e, ao erguê-lo, fitou Jefferson e Virna dormindo.
— Você possui esse dom de tentar ditar as regras, comandar as ações de terceiros... Se mete onde não é chamada. — Revirou os olhos.
— Para você, sou a intocável, autoritária, esnobe, e isso, e aquilo. A verdade é que eu sou bem resolvida com minha personalidade completamente divergente do que você criou para me definir. Infelizmente, não dá para desconstruir esse seu conceito porque você é prepotente demais para revê-lo.
O louro virou a cabeça, o par de olhos perfurando seu rosto, o maxilar rígido e as narinas infladas.
— Tu é uma criança precoce. Espertinha para pouca idade. Me irrita o fato de que essa mesma criança queira mandar em algo.
— Você nunca superará o término de um clico como o do The Nacionais, o crescimento pessoal de todos os integrantes e o fato de eu ter sido como uma pedra em seu sapato, sendo que pouquíssimas vezes consegui mais que uma palavra brusca quando meu intuito foi te ajudar. E veja só: não cobro; culpo ou tento te atingir com desculpas. Confesso que, às vezes, penso que é por saudade que você não me deixa em paz! — Respirou resignadamente, enquanto ele e, aparentemente, Otávio, absorviam as palavras ditas no calor do momento, de uma mente que se desanuviou após tantas confessas.
Demasiadamente calado, até pelo som da respiração pesada, que estava presa por longos minutos, Isac resolveu, enfim, quebrar o silêncio desconfortável:
— Minha intenção de te repreender não é guiada pela nostalgia e tampouco pelos seus pitis.
— Agora, eu também sou patricinha?
— É mimada. Criança precoce e mimada! Quantos anos você tem? 15?
— Ela tem 17. — Otávio decidiu intervir para que a discussão não se aflorasse. — Lavem roupa suja outra hora. Vocês não conseguirão dormir depois dessa.
— Não perco uma noite de sono por causa disso. — Isac deslizou a mão pela calça e a enfiou dentro do bolso, apanhando seu celular. — Quer carona, Ota?
— Não. O padrasto da Lu está a caminho.

Dentro do carro, voltando para casa, já diante da rua correta, estacionou o veículo em frente ao prédio vermelho e branco onde morava.
Notando a garota enrolar para tirar o cinto e sair, girou a chave, desligando o motor.
— O que foi? Quer me dizer algo? — Virou a cabeça para observar sua linguagem facial hesitante.
mordia o lábio.
— Quero que saiba que estou muito... Feliz em te ter como amigo. Pensei até que não seríamos como no inverno em Nova Formosa. — Tratou de desenvolver mais a frase: — Sei que evita tocar naquela ferida, porque, mesmo após tantos anos sem voltar à minha cidade, está aberta, e não cicatrizará se não permitir que a dor seja sentida. Seu pai não te trocou quando você tinha 15 anos, apenas dividiu a atenção com o novo filho. É estranho se deparar com um cara da sua idade tendo esse tipo de problema, mas, se existe um, não fugimos dele. A gente enfrenta.
coçou os olhos.
— Por que insiste nisso?
— Quero que enxergue o erro.
— Isso não vai funcionar. Ele escolheu a nova família, e eu fiquei com a minha mãe. Você não entende porque seus pais não são divorciados e raramente brigam. Mas, acredite, os meus também eram assim, só que, um dia, quando retornou do trabalho, ele decidiu que estava farto da gente e quis ir.
O zumbido tomou posse do interior do carro.
— Tive que ser a minha própria figura paterna, enquanto mainha se desdobrava para ser os dois. Aquele foi o último inverno que o vi ou falei com ele. Ele ligou nos próximos cinco, seis anos. Quando atendi, uma única vez, apenas escutei sua voz irritante. — ligou o veículo. — Tu me testa e mexe onde não é chamada, mas sinto que, apenas às vezes, é necessário.
— Você pode me acordar quando quiser conversar mais... Gosto de ouvir as pessoas.
— Obrigado.
curvou o corpo, alcançando sua bochecha com os lábios demoradamente, num ato impensado e que queimou seu rosto de vergonha.
— Até amanhã!



Capítulo 12

Quando Otávio disse algo simples, como “Você sumiu”, à menina com quem conversava faz duas semanas, não obteve retorno. Antes, enviou uma pergunta ousada: “Se eu me jogar da ladeira, rola ou não rola?”, e ela desapareceu. Não respondeu, mas visualizou, e parou de perguntar quaisquer coisas sobre sua vida, tratando-o como se fosse um completo estranho.
De certa forma, Otávio era.
Entretanto, a frieza dela o chateou, pois estava gostando daquilo: ter alguém esperando-o. Alguém que, em sua cabeça, ansiava por trocar uma ideia, da mesma maneira que ele se acostumou àquilo. À garota virtual. À personalidade cativante e todo o resto.
Deveria ser sincero com consigo.
Não estava, ainda, interessado romanticamente nela. Não havia paixão e amor, somente uma faísca que atrai... E incendeia. Talvez, conhecendo-se pessoalmente, ouvindo a voz, sentindo o toque e o cheiro, ela se apagasse rapidamente. Poderia perdurar por uma semana, um mês e perder o fôlego em algum momento.
— Não enviou uma foto de perfil? — Selena questionou, desinteressada.
Houve uma festa na noite anterior, a qual marcou presença com as irmãs gêmeas.
— Não. Suspeito que seja loira. Não como a Luana, natural, tá ligada?
— Você assustou a garota, e ela fugiu.
— Fui direto.
— Desencana.
— Não me apego mais — mentiu, suspirando. — A gente só perde tempo.
— Valeu a experiência?
— Sim, foi bem maneiro.

apressou o passo para tentar alcançar a ruiva, que, sem que ele soubesse, se esquivava de sua presença.
Virna entrou num dos corredores entre as estantes da biblioteca da UniCa, posicionou-se diante de uma delas e ergueu o braço para pegar um exemplar vermelho.
A mão ágil de tirou o livro mais rápido e lhe entregou.
— Oi.
Ela maneou a cabeça, folheando as páginas.
— V, a gente tem que conversar.
— Escuta. Não temos, não. Você veio com sua namorada? Fique com ela, então. — Começou a se afastar, sendo impedida, e suspirou.
— Quero explicar o que foi dito ontem. Você deve estar confusa.
— Esquece.
— Não. — Tocou suavemente seus ombros, vendo-a ir para trás. — Tu tem esse direito, e eu te respeito, mas não vou a lugar algum.
— Você tá namorando há dois anos, é meu amigo e me diz que tá confuso com as mudanças do nosso relacionamento? Não existe mudança aqui. Não saltamos um degrau. Não há absolutamente nada entre nós. Você é o objeto de amor de outras pessoas.
Ele entortou o pescoço.
— Outras?
— Outra — corrigiu. — A sua namorada, é claro.
O erro não passou despercebido e nem foi explicado. ficou pensativo, por um instante.
— Virna, acidentes ocorrem. Posso estar num relacionamento e me apaixonar por outra pessoa.
— Você não está apaixonado por mim.
— Não estou, mas sinto que... Não consigo te ver com os mesmos olhos. Tu me mostrou ser muito mais que essa capa de timidez que te cobre. É espontânea, divertida, engraçada e...
— Estou aqui, neste papel, há tanto tempo, e você notou agora? , não dificulta! — pediu. As entranhas se contorciam por estar numa posição de extremo desconforto. Lidar com sentimentos não correspondidos e infundados era muito para si. — Faça esse favor a nós. Tudo bem?
— Não dá. Desculpa! — Fitou o chão e, depois, seus olhos suplicantes. — Parar de responder minhas mensagens vai me fazer querer ainda mais.
— Considerarei como assédio.
— Sabe que eu não tentaria algo contra sua vontade.
— Na verdade, não sei — respondeu, rude, propositalmente. — Deixe-me em paz!

***


Lendo um livro sobre o ano de 1800, deitado no sofá, Jefferson, com a perna dobrada e o braço atrás da cabeça, escutou a porta ser aberta e perguntou quem era, então viu a figura pequena, de cabelo longo, aparecer ao lado de seu irmão. Rapidamente, ergueu o corpo e abaixou o livro.
— Nós remarcamos a aula para amanhã, Sel. — Lembrou-lhe, e ela assentiu. — O que te traz aqui? Não quero parecer rude...
— Não está. — Olhou para Igor, que entendeu o pedido mudo e saiu da sala. — É que recebi a última nota e foi... 9,75!
O número veio com um grito agudo que atingiu os ouvidos de Jefferson e quase o deixou surdo por um minuto inteiro.
O rapaz acabou sorrindo e levantou-se com os braços abertos para envolver a menor.
— Eu sabia que não poderia ser menos que isso. Acredito no seu potencial! — Beijou-a na têmpora. — Parabéns!
— Obrigada, Jeff.
Ele se afastou um pouco para contemplar a áurea de satisfação que a preenchia e ficou perto o suficiente para que Selena conseguisse sentir o calor que emanava do seu corpo alto e moreno.
Ela abriu a bolsa e buscou a prova dobrada em duas partes.
— O professor carrasco disse que o sistema, provavelmente, arredondaria. — Entregou-lhe com notável prazer. — Suas aulas são milagrosas.
— Não. Seu esforço é que fez a diferença. Tu é capaz de ter um boletim com um monte de 10 em História e nas demais matérias, até porque não há distrações em casa.
— Eu não concordaria com essa última frase, mas não convém entrar numa discussão.
Cético, Jefferson arqueou a sobrancelha.
— Você tá me confundindo todo — admitiu a ela.
— Acostuma.

desceu na casa de Virna, que voltava, andando pela rota da esquina, com a cadela.
Era uma noite quente do meio de agosto.
— Boa noite, ruiva! — Sorriu. — Como está a Lola?
— Bem, né, filhota? — Acariciou a cabeça da cadela, que abanava o rabo. — Você está feliz.
— Acho que tô a um passo de finalmente me declarar. Sabe, sinto que a hora certa tá me incomodando... Como o fato do não ter ideia ou fingir que não vê que sou louca... — Prestou atenção no tom rosado nas bochechas de Virna, o que explicava que havia algo errado. — O que é?
— O quê? — Alcançou a amiga e a abraçou de lado, caminhando, juntas, para dentro da casa. — Tem certeza de que quer que o saiba?
— Pensei muito a respeito e sim. Por quê? Uma vez, você sugeriu o mesmo.
— Mas faz meses. — Abriu a geladeira e pegou uma jarra com água, oferecendo a . — Age conforme for melhor pra você. É sensato seguir nosso cérebro.
observou o fundo do copo de vidro cheio de água.
— Não sei. Agora, não tenho mais tanta certeza. — Bebeu um gole. — Caramba!
Virna tocou sua mão sobre o balcão.
— Então acalme-se e espere mais um pouco.



Capítulo 13

[Hoje, 10h30]
(74 98100 ----): Me enrolei com alguns trabalhos da facul. Não tá fácil segurar este fim de semestre!

O celular de Otávio vibrou na mesa em que Selena e Luana estavam sentadas, durante o intervalo. O garoto deixou o aparelho enviando um arquivo para Selena.
As duas trocaram olhares desconfiados com a mensagem no Whats. A sua conta no aplicativo não tinha senha.
— Uma espiadinha não mata.
— Sel, é invasão de privacidade! — Luana contrapôs, tentada a ceder e aniquilar a curiosidade.
— É do DDD de Celeste.

Otávio: Ah, oi! Achei q vc tinha enjoado da nossa conversa. Tô tendo que me desdobrar em vários pra atender todas as exigências do último ano. Não é fácil, mesmo!
(74 98100 ----): Vc me entende.
Otávio: Incomoda se eu pedir pra por uma foto no perfil? É q a curiosidade me corrói qdo imagino com quem tô conversando há semanas.
(74 98100 ----) está digitando...
(74 98100 ----): Não. Digo, se eu gostasse de tirar fotos.
Otávio: Poxa!
(74 98100 ----): Tenho uma velha guardada nos meus arquivos. Um minuto!

— Olha o Ota vindo! — Luana alertou, e Selena apagou as mensagens atuais, travando o celular.
Otávio arrumou o cabelo, sentando-se na cadeira vaga anexada à mesa de aço.
— Faltam quantos minutos para finalizar?
— Uns cinco.
Ele tocou o celular, acendendo a tela, e destravou. A notificação da nova mensagem com uma foto chamou sua atenção.
— Ela é realmente loira.
— Deixa a gente ver a foto dela. — Selena posicionou-se atrás de Otávio, colocando a cabeça sobre seu ombro.
A imagem era de uma garota de cabelo fino, grande e loiro claro, com as sobrancelhas pintadas e os olhos verdes.
— É fake.
Fake? Ela é gata.
— É fake — insistiu. — Pesquisa no Google.
— Época da família fake no falecido Orkut. — Luana recordou. — Essa foto parece muito. Até acredito que a fake era minha e se chamava Rachel.
— Por que ela me enviaria uma foto fake? A troco de que?
— Sei lá!

Otávio: Desculpa a indelicadeza, mas é vc de vdd?
(74 98100 ----): Sim (emoji tapando os olhos) Como vc me imaginava? Essa foto é bem velha... De uns três anos atrás!
Otávio: Loira, mas sem olhos verdes e diferente.
Otávio: Vc disse q não fazia parte do padrão de beleza da sociedade.
(74 98100 ----): Não faço. Engordei 15 kg e nunca mais consegui me manter magra. Tô com umas papas no rosto e uns pneuzinhos na barriga.
(74 98100 ----): Ainda gostaria de me conhecer assim?
Otávio está digitando...
Otávio: Vc tá blefando.
(74 98100 ----): Essa é sua falta de resposta?
(74 98100 ----): Q decepção!
Otávio: É por isso q se esconde numa conversa virtual? Conhecendo gente através de números aleatórios?
(74 98100 ----): Uma vez, expliquei meus motivos. Não preciso q vc entenda. Tu tens gordofobia.
Otávio: Não! Calma! Eu não ligo! Só esclarece muito sobre vc. Qual é o seu nome? Pq nunca me fala?
(74 98100 ----): Vc tb nunca falou o seu.
Otávio: Meu nome é Otávio.
(74 98100 ----): Prazer, Otávio. O meu é Vivian.

— Vivian como diminutivo de Viviana? — Selena questionou em voz alta.
— Não. Talvez seja apenas Vivian.
— É — concordou Luana.

Otávio: Então, Vivian, eu e vc no cinema: rola ou não rola?
Vivian: Menos perigoso q vc se jogar da ladeira hahaha! Pode ser no shopping, mas na praça de alimentação. Estarei de óculos e com um lenço na cabeça.
Otávio: Nesse sábado?
Vivian: Marcado.

fechou os olhos e permitiu que os pensamentos fluíssem para qualquer ocasião pretérita — a conversa tida com a respeito da família de seu pai, Nova Formosa e o que vinha nascendo em seu peito relacionado a Virna... Ao que mudou entre eles.
Quando a encontrou na Universidade Federal de Campestre, dentro da biblioteca, semanas atrás, descobriram mil coisas em comum: por exemplo, aos 10 anos, virou “vegan” e parou no hospital ao ter uma infecção. Virna tentou ser vegan e vegetariana duas vezes, mas se rendeu ao sabor suculento da carne. Eram amigos há muitos anos, porém, com o círculo grande de amizade, mantinham suas afinidades com os outros. Desde aquela manhã, ele a chamou no Whats, numa janela privada, e enviou um meme que a fez rir. A partir daí, tornaram-se ausentes no grupo aberto e focaram no dos dois.
insinuou que estava balançado e que o namoro não o transbordava como no início, quando era gostoso a convivência e a cumplicidade que tinha com a namorada, então Virna o aconselhou a mudar a rotina e a tentar, porque acreditava que ele ainda gostava dela o suficiente para isso. Mas não queria fingir que se importava como antes, que faria qualquer loucura pela namorada e que não existia a mínima chance de estar atraído por Virna.
Virna correu. Em todos os sentidos da palavra.
Imediatamente, recusou as investidas, ignorando suas indiretas, e desviava de assunto constantemente, a fim de que fosse definitivo. Sem êxito, notando que tornava mais claro, mesmo com um pé atrás, parou de respondê-lo e fingiu não ter vivido a dar esperanças despretenciosas a ele.
O silêncio durou três dias contados, até que, farto, foi à UniCa para falar com ela e esclarecer; pedir desculpa, talvez, caso fosse muito constrangedor para a timidez que a envolvia. No entanto, Virna mostrou-se arisca e ríspida, o que o chocou.
“Você é o objeto de amor de outras pessoas”.
Outras.
Que outras?
Sua namorada — a primeira.
Provavelmente.
X — a(o) segunda(o).
— O X da questão. O maldito X empata! Bosta de Matemática! Nunca funcionou no amor! — Lançou a almofada na porta.

***


Jefferson conhecia Virna pelo avesso. A intimidade que possuíam lhe fornecia a certeza de que algo estava errado e tirava seu sono da tarde, pois ela cochilava à tarde quando podia, e ele aproveitou a folga das aulas de reforço para vê-la.
Virna estava esticada na poltrona da varanda, com os pés delicados sobre a mesinha e o celular na mão.
— Os dedos dos seus pés são um atentado a visão! — gracejou, inclinando o corpo para alcançar sua cabeça, e sentou-se na poltrona do lado.
— Tô lascada.
— Por que, ruiva?
— Eu me meti num rolo... — Choramingou, mordendo o lábio. — Não posso contar a história toda porque não me pertence, mas divido o meu envolvimento nela: o ... Ele tá atraído.
Jefferson curvou-se, pondo os braços sobre as pernas.
— Por você?
— Sim — lamentou. — Logo por mim! Com tanta garota aí, “dando sopa”, solteira, sem conhecê-lo...
— Tu tem tudo isso e é bem bonita — deu ênfase. — Esse autoconhecimento de que alguém possa se atrair por você massageia o ego.
— Jeff!
— A parte de ser o é o que ofusca o resto.
— Exatamente. Sem ousar por outra pessoa no meio...
— Que outra?
— É sigilo.
— Eu conheço?
— Não sei.
Jefferson abraçou uma almofada.
— Os três estão lascados. E ele ainda tem namorada.
— Nem me lembre.
— Qual é o seu grau de afinidade com essa terceira pessoa?
— Somos amigos, como eu e o . Não gosto do , tu sabe. Ele não combina comigo e nem faz meu tipo.
— Você deixou isso claro?
— Praticamente, desenhei na minha testa que não sou/estou a fim dele.
— Ruiva, não tenho muito no que intervir, até porque, mais enrolado que eu, agora, só dois de mim, mas conta comigo. — Segurou sua mão e apertou. — Tamo junto!
Virna sorriu.
— Obrigada.



Capítulo 14

(Clique aqui para abrir a música do capítulo. Sugiro que escute!)

decidiu juntar as economias e entrar na academia para eliminar os malditos flancos. Consultou o endereço de onde Selena malhava e pagou a primeira mensalidade, começando, então, a série de exercícios. Não estava acostumada a intensidade, a pegar peso e o fôlego necessário, o que a cansou rápido.
— Você tá quase no pique. — Tentou Selena, para animá-la. — É assim na primeira semana: todo o seu corpo vai doer e implorar para parar de movimentá-lo.
— Estou sentindo na pele. — Bebeu água da garrafinha. — Vai embora a pé?
— Vida de estudante não é fácil. — Selena saiu da academia e caminhou por dois quarteirões, com ela em seu encalço. — O carro do meu pai tá na oficina, e minhas irmãs estão no salão com mainha. O bairro da Virna é pra lá. O condomínio não está longe.
— Você sempre vai?
— Não. — Subiu na calçada. — A V gosta de receber visitas, né? Porque fica quase o tempo todo sozinha.
— Bem entendo como é a sensação.
— Um saco!
As duas atravessaram o portão, que se abriu, após a identificação delas na portaria, e seguiram pela rua paralela às casas, até a residência sem muro, de telhado baixo e cor amarela.
— V?! — Selena chamou.
Demorou um pouco para que Virna atendesse a porta.
— Oi, flores! — Sorriu, cobrindo os ombros nus com uma coberta escura. — na academia... Quem diria?!
— Tenho que perder uns quilinhos. — Ela sentou-se no chão.
Selena pediu para ir ao banheiro, enquanto permaneciam no lado de fora.
— Está tudo bem?
— Por que não estaria? — respondeu.
— Você tá calada demais para quem te conhece há anos.
— É que... Estou cansada. Minha energia foi gastada totalmente na academia. Quero cair na cama e “capotar”.
Selena retornou.
— Quais as novidades? Faz uma semana que não te vejo.
— Nenhuma.
— Sairemos na sexta?
— Acho que viajarei novamente com meus pais para uma conferência em que todos os filhos, os mais dedicados, irão.
— Ok, senhorita eu-sou-dedicada. Onde está a Lola?
— Dormindo no meu quarto.
levantou-se.
— Aquele não é o Isac?
— É — confirmou Selena, avistando o louro de calça jeans escura e camiseta de uma banda ao lado de uma moça. — Será a tal da Drika?
— Ela mora na chácara. Deve ser alguma peguete dele — discordou Virna —, o que é estranho, já que nunca soube de nenhuma fulaninha com o Isac.
— Porque ele é discreto.
— Extremamente. Você a conhece?
— Não — disse Virna. — Nunca vi a garota aqui. Não sou de me socializar com os vizinhos também.
O veículo onde Isac entrou se foi.
— Ei, Jeff! — a ruiva saldou o moreno alto.
— Olá! — Ele beijou sua bochecha e a de . Olhou para Selena, que fingia mexer no celular como se tivesse um conteúdo mais interessante. — Não vai falar comigo?
Selena ergueu o olhar, encontrando os olhos escuros analisando seu rosto.
— Oi.
— Tudo bom? — Sorriu.
Virna rodeou os ombros de Jefferson e posou a cabeça nele.
— Nós já nos falamos, hoje. Você não enjoa?
— Não.
— Deveriam ter feito aula extra.
encarava os três.
— Ok — falou Selena. — Nós vimos o Isac há pouco...
— Ele foi à minha casa. Saiu com aquela... Como é mesmo o nome daquela magrinha, V?
— Ela é uma falsa magra. Se for a da última rua, é Zoe.
— Essa mesmo.
Selena mudou o peso do corpo de uma perna para a outra.
— Eu vou embora.
— Vou contigo — avisou , e Jefferson tirou o braço de Virna dos seus ombros, colocando seu braço sobre os ombros dela.
— Tu gelada.
— Pronto. — Abraçou-o pela cintura, cobrindo-o com a coberta.
Selena e despediram-se deles.
— Querem carona? O carro tá na garagem. — Jefferson ofereceu.
— Queremos.
— ...Não — contrapôs Selena. — Fiquem aí, de casalzinho, que a gente vai para não atrapalhar.
Jefferson riu nasalado, e Virna tapou a face dele.
— Então tá. Beijos!
— Tchau.

***


Vendo Luana aparecer em seu campo de visão, atravessando o corredor largo onde as salas estavam, no dia seguinte, Otávio acenou.
— Bom dia, Otinha! — Ela sorriu, segurando as alças da mochila.
— Esse apelido me causou trauma.
Ota — corrigiu, achando graça —, o que você quer?
— A moça furou comigo. Avisou que não iria mais e que poderíamos nos conhecer nesse sábado.
— O que há de errado nisso?
— E se ela não for e me fizer de palhaço?
— Aí algum circo te contratará. Perde o encontro, mas não o emprego. Prioridades!
Otávio revirou os olhos.
— Loura, chispa!
Luana lhe deu um tapinha na cabeça e andou até a primeira porta, que era a da sua turma do terceiro ano.

Mais tarde, Selena encontrou-se com os dois amigos e, juntos, assistiram a uma palestra apresentada por veteranos da UCA. Ao final, foram dispensados, e os três, com Maria Giulia, melhor amiga de Luana, caminharam para a grade, deixando o colégio para trás.
— Haverá uma social na casa do Isac — avisou Otávio, lendo o convite no grupo do Whats, com uma mão tapando a luz do sol na tela do celular. — É que ele se mudou... Tá morando perto da faculdade. Voltou a receber a bolsa.
Luana se empertigou.
— Festinha besta, onde, provavelmente, não poderemos nem abrir a geladeira ou sentar na privada.
— Você senta? — Selena perguntou.
— É um exemplo, ô! — Bagunçou seu cabelo.
— Acho que você tem um conceito ultrapassado a respeito dele, e ele de você, porque, para mim, é caso mal resolvido.
— Sempre achei! — argumentou Selena. — É bem visível, pra falar a verdade. O Isac é gente como a gente, legal, descontraído, focado... E tu não nenhuma dessas qualidades nele.
— Aprenderam a enxergar apenas os defeitos do outro e exaltar ódio.
Luana piscou os olhos.
— Vocês passaram todo esse tempo numa análise profunda entre minha relação, ou a falta dela, com aquele otário?
Selena trocou olhares com Otávio.
— Foi sem querer e superficialmente. Se parássemos para ir a fundo, descobriríamos a raiz de tanta intriga.
— Com certeza!
Me poupe, se poupem, nos poupem! Não quero ir à casa do Isac.

Eis que ela foi; resmungando, atrasada, forçada por Selena, que fez questão de buscá-la, mas apareceu no apartamento de um prédio de dez andares localizado entre repúblicas, quitinetes e casas de apoio no centro da cidade. Quando abriram a porta, as duas viram a atenção de Jefferson, Otávio e sobre elas — ou si, devido ao vestido —, sentados no primeiro sofá da sala.
Quem estava na porta era Isac e ele comprimiu os lábios ao notar Luana ali.
— Entrem — pediu educadamente, segurando um copo cheio de líquido com gás. — Achei que não viesse, Sel.
Selena o abraçou, e Isac envolveu um braço ao seu redor, o canto da boca se curvando. Era a primeira vez que Luana se lembrava de tê-lo visto sorrindo.
Espontaneamente, Isac não sorria, apenas revelava sua natureza insensível.
— Alugou faz tempo?
— Um mês, acredito eu. — Virou-se para trás, visualizando o cômodo espaçoso. — Estava cogitando morar com alguém, para dividir as despesas, e até fechei com um amigo, mas ele acabou trancando a faculdade porque ficou indeciso com o curso.
— Entendi. Vem, Lu! — chamou a loura, que prestava demasiada atenção nos quadros em preto e branco da parede do corredor. — Apartamento bacana.
— Obrigado.
Os amigos as cumprimentaram, e elas se serviram com bebidas e petiscos. Estavam, também, além dos outros amigos de Isac, e Virna, que conversavam.
Os olhares de secavam Virna, discretos e impacientes, cogitando arrastá-la para um local vazio e fazê-la tratá-lo decentemente; ou seja, como o tratava antes. Mesmo que não fosse o que queria, seria mais agradável que tê-la ignorando-o.
Jefferson pigarreou e levantou-se repentinamente.
— V, vem comigo.
Virna parou de falar e ergueu-se lentamente, sem entender.
— Oi — disse Luana a , tomando o lugar de Virna, que acompanhou Jefferson. — Festinha sem graça.
— Para de implicar com o dono da festa, ou ele vai te expulsar.
— Ah, é! Dele, espero qualquer atitude... Até me expulsar porque não curti a sua cara.
— Pessoal, um minuto. — Isac tocou a colher no copo de vidro, no intuito de chamar atenção. — É... De coração, obrigado por terem marcado presença! De alguma forma, vocês foram importantes nesta conquista de morar sozinho e, finalmente, me livrar da burocracia da UniCa.
Escutando alguns assobios, Isac sentou-se ao lado de Otávio, pescando a comida na mesinha de centro dada pelo pai, esticou as pernas e sorriu outra vez para algo que Selena dizia a eles.
— Põe uma música aí, Drika! — pediram, e a garota apertou o play no aparelho de som.
'Oh my gosh', do Usher, começou a tocar.
movimentava os braços, sentada, notando o grupinho de pessoas fazerem igual; em pé, sentados, encostados em móveis.
Luana saiu de fininho, à procura do banheiro. Encontrou duas portas num segundo corredor, mais estreito que o hall de entrada, e a primeira estava trancada, então girou a maçaneta da segunda, e ela se abriu.
Havia uma cama de solteiro, com um guarda-roupa, escrivaninha, papel de parede de shows de bandas em aleatório e o mais impressionante: o nome 'The Nacionais' gravado embaixo. Estava no quarto de Isac, que a detestava. A colcha da cama clamava para que se enroscasse nela e descansasse os pés. Suspirou, rapidamente, deixando o cômodo intacto e fechando a porta. Olhou para baixo, virando-se em direção ao banheiro, e esbarrou no próprio Isac, com seus olhos indagando o motivo de ter entrado em seu quarto e invadido um espaço especialmente pessoal.
A expressão séria dele calou as palavras na sua garganta.
— Por acaso, colocou um rato no meu quarto?
— Não.
— Estou com menos receio de entrar nele agora. — Analisou, nesta curta distância, seu rosto suavemente maquiado. — É muita cara de pau ter vindo à minha casa sem ter sido convidada. E muita pretensão sua crer que eu não me importaria de ter você aqui.
Luana paralisou, a cor vermelha de constrangimento tingindo seu pescoço e face, mas sendo dificilmente contida. Não ofereceria a ele o prazer de vê-la ruborizar.
— Estou de saída. Não piso mais os pés aqui! — notificou. — Fique tranquilo. Foi por livre espontânea pressão.
Isac maneou a cabeça, em concordância.
— Você era uma pedra no meu sapato. Na “época” do TN.
— O que fiz para deixar de ser?
— Eu troquei o sapato. É claro que não fez nada. Porque tem os desejos em torno do seu umbigo, como se nos resumíssemos ao que você quer.
— Não vou ficar e escutar suas acusações infundadas, frutos da ignorância.
Luana se virou de costas e começou a andar, quando sentiu o toque gelado da mão de Isac detê-la.
— O banheiro tá vago.
Ela o afastou, continuando o trajeto. Em meio ao percurso curto, parou em frente à parede que separava a lavanderia, onde Virna e Jefferson ainda conversavam:
— Se ele beber, eu levo tu embora — disse Jefferson, com as mãos apoiadas na máquina de lavar roupa.
Virna cruzou os braços.
— Era só o que me faltava!
— É verdade. — Suspirou e sorriu. — Veja por este ângulo: é o .
— Outra pessoa está apaixonada por ele, não eu.
Luana chegou a conclusão de que se apaixonar era cair de um precipício onde seria tudo ou nada.
Voltou a andar, retornando à sala.
— O casal Jeffirna tá demorando... Foram tirar o atraso de todo esse tempo de romance encubado... — comentou Selena, e Otávio virou o copo entre os lábios.
— Por que não tira a prova?
— Estão apenas conversando — explicou Luana, sentando-se com os dois.
— Onde você estava?
— Procurando um banheiro... — Avistou Isac perto de Drika.
— Você se trancou no banheiro com o Isac?
— Não.
— Mais fácil o Isac trancá-la lá dentro. Se bem que ele não suporta ficar no mesmo ambiente que a Lu.
— Ele me expulsou da festa, como previ. — Ergueu-se. — É um otário.
Selena arregalou os olhos.
— Resolvo isso rapidinho.
— Que bosta! O Isac foi infeliz em ter dito pra você ir embora. Fica com a gente.
— É tudo dele e pra ele. Meio ridículo eu participar disso. Tchau!
— Mas, Lu! — Selena chamou.
Luana bateu a porta e apertou o botão de subir do elevador, cogitando descer a escada, porém, sem coragem suficiente para enfrentar tantos degraus. Quando o elevador chegou ao terceiro, a porta do apartamento atrás de si se abriu e Drika apareceu.
— Oi, Luana! — cumprimentou-a cordialmente. Depois, sorriu de alguma piadinha interna recordada. — A lourinha.
Luana a fulminou com o olhar.
— Graças a Deus! — Entrou no elevador, e Drika veio também.
Drika retocava o batom vinho.
— O Isac me contou sobre ter pedido que se retirasse do apê dele. Foi meio por alto, por causa da música, mas percebi que falou por impulso. Dificilmente, age assim. No colégio, era aparentemente rancoroso, mas possui um coração do tamanho do mundo e o dedicou à banda de vocês. Então, quando você interferia no momento dele, ele se retraía e bloqueava sentimentos bons em relação à sua figura. Acredito que seja besteira.
Luana se virou de lado.
— Poupe-se de bancar a advogada. Obrigada. — Retirou-se do elevador, já diante do térreo.



Capítulo 15

Os corredores do shopping estavam razoavelmente vazios, contudo, a praça de alimentação se encontrava cheia e barulhenta; principalmente, pelo dia da semana escolhido para um encontro casual.
Por exemplo, o de Otávio e a moça do celular: Vivian.
Sendo honesto, ele marcou e teve um encontro há alguns dias com uma nova admiradora, em que rolou um beijinho de consolo iniciado pela garota, o que Otávio se perguntou se deveria ter consentido.
Parecia precipitado.
Agora, às 14h em ponto, checando o relógio de pulso pela segunda vez desde que chegou, esperava que, neste encontro, fosse conforme o que realmente desejava e que ela não se atrasasse.

Otávio: Vc chegou?
Vivian (admiradora #01): Tô comprando ovomaltine agora. Onde vc tá?
Otávio está digitando...
Otávio: Na praça de alimentação.
Vivian (admiradora #01): Eu tô me afastando do quiosque e indo aí. Tem um laço vermelho na minha cabeça e seguro um copo.
Otávio: Tá, tô sentado em frente ao cinema. Quer assistir a um filme?

Estava completamente ansioso e um pouco nervoso, já que não fazia ideia de como seria o processo de conhecer, gostar e... O número dela já havia salvo. Limpou as mãos na calça, observando ao redor.

Vivian (admiradora #01): Vamos nos ver primeiro.

Otávio bloqueou a tela e ergueu o olhar novamente, tenso, analisando um corpo esguio, de saia comprida, alto e com um laço bonito sobre o cabelo penteado de lado, expondo o pescoço alvo, caminhando firmemente com um copo. A garota conduzia uma bolsa de couro marrom e procurava com o olhar alguém que a procurava também.
Encarando sua face maquiada e sendo encarado de volta, Otávio levantou-se devagar.
Ela era a Vivian?
— Você?
A garota parou de frente para ele.
— Otávio?
Otávio balançou a cabeça, impressionado. Abriu a galeria de fotos e mostrou a suposta imagem dela, que não fazia jus ao cabelo vermelho, acobreado, ruivo, menos louro.
— Caramba!
Paralisada, Virna abriu e fechou a boca.
— Como isso foi acontecer? — ele perguntou, abraçando-a. — Senta. Estamos aqui, bora desenrolar essa história. Tu achou o número e quis se candidatar à minha namorada, sem saber que era eu. Por quê?
Ela sentou-se.
— Porque, como expliquei em uma das mensagens, queria conversar com alguém que não me conhecesse antes ou há muito tempo. Você me conhece há anos!
— Na verdade, não. Eu te conheci durante essas duas semanas e pude ter noção de quem você é. Estou surpreso, pois nunca imaginei que se arriscasse assim.
— Situações de desespero pedem... Não — gracejou. — É que a carência me afetou. Deve ter sido isso.
— Tô com muitas dúvidas. Por que Vivian?
— É simples: mais próximo de “Virna”.
— Você achou o número onde?
— No panfleto que a Lu deixou cair na padaria.

—...Quando eu tô no mesmo ambiente. — Luana revirou os olhos, impaciente. — É uma donzela fazendo cena. Mereço!
— A loura não perdoa. — Otávio disse.
— Vocês dois são um caso a ser estudado.
— Exatamente.
— Não quero falar dele. — Levantou-se, e Virna arregalou os olhos. Pegou a mochila. — Para mim, já deu. Vou comprar doce.
Isac desviou o olhar quando ela passou pelo trajeto da entrada.
— O que é isto? — Virna conferiu o folheto que Luana deixou cair da mochila.
Selena paralisou, e Otávio ficou vermelho.
— O que diz nele?
— “Procura-se uma namorada”.
— Ah, é que a Lu achou no colégio. Alguém tá na seca do Saara.


— Ah! — Pensou por um instante. — Você não se esqueceu do papel enquanto não sanava a curiosidade... Faz sentido. Qual é a probabilidade disso acontecer duas vezes?
— Tanto azar que não cabe numa conta.
— Gostei das nossas conversas. Pelo menos, não perdi tempo.
— É... — Virna se encostou na cadeira. — Vamos assistir ao filme ou você vai fugir da ruiva?
Otávio sorriu.
— Eu pago.

***


Selena tocou novamente a campanhia de Jefferson, mas ele não atendeu.
O irmão dele desceu, correndo, a escada e abriu a porta.
— O Jeff tá na piscina. A área de lazer é seguindo à sua direita.
Selena sentiu o ânimo se esvair. O sol escaldante de Campestre e ela esperando o folgado do Jefferson.
— Obrigada.
Retornou ao trajeto de vinda, pela calçada, atravessando jardins de distintos tamanhos e gastos, até alcançar a esquina do condomínio e dobrar à direita. Andou para a área de lazer, a fachada azul escuro e o muro em quadrados abertos, entrando onde Jefferson estava mergulhando para a outra ponta da piscina comprida.
Havia roupas sobre a mesa de ping-pong e chinelos no chão.
O chuveiro retangular estava ligado, enchendo a piscina, quando Jefferson voltou e emergiu.
Ele penteou os fios do cabelo com os dedos e tirou o excesso de água dos olhos, encontrando Selena com os braços cruzados afastada da borda.
— Sel?
— Achei que fosse dia de revisão.
Jefferson lamentou, tomando impulso e apoiando o corpo nos braços flexionados.
— Não me lembro de ter estipulado o horário. Errei. Desculpa!
— Tudo bem. Você poderia ter me chamado para nadar... Eu nem reclamaria.
— Vem com roupa. Não tem problema.
— Só tenho esta — discordou, indo ao salão. Dali, conseguiu ver Isac e Zoe conversando com intimidade enquanto ele mantinha seu rosto entre as mãos.
O moreno, agilmente, saiu da piscina, de bermuda, esticando o corpo alto e sinuoso, até a toalha; enrolou sobre os ombros, calçou as havaianas e chamou Selena.
— O Isac namora essa Zoe? — ela perguntou no lado de fora.
— Parece que sim. Estão se conhecendo, pelo menos.
— Você tá segurando vela para o casal...
— Tô não. Ele veio com ela, não comigo. Foi quase uma coincidência. Então, o que vai fazer neste sábado?
— Mais tarde, tu quer dizer, nada. Por incrível que pareça, hoje, vou apenas ficar em casa, porque não há nenhuma novidade.
— O Igor locou uns filmes com meu pai. Gosto da ação de ir, pegar o DVD e locar, apesar de ter internet em casa. Eles vão assistir no quarto e, se você quiser, podemos assistir na sala, depois da nossa aula.
— Vai ter pipoca?
— Vai.
— Então... E suco?
— Também. — Achou graça.
— Sendo assim, como você insiste, pode ser.

Virna comia pipoca e bebericava o refrigerante, distraída, mesmo encarando o telão na sala do cinema. Ao seu lado, Otávio estava deitado de qualquer jeito na poltrona, afundando a mão no saco de pipoca e atento à cena do filme.
Ela olhou para ele e suspirou.
— V?
— Oi?
— Por que tá olhando pra mim? Tá perdendo o filme.
— É que... — A voz sumiu. — É muito estranho esta situação. Estamos num encontro.
— É, mas ele deixou de ser romântico quando nos vimos. — Riu baixinho. — Não se preocupe. Eu não tô chateado.
— Mesmo sendo um Otávio, não imaginei que fosse você. Quero dizer, olhe pra você! Não é difícil arranjar uma namorada.
Desta vez, Otávio olhou para ela.
— Ah, tu não imagina o quanto! Mas não estou desesperado. Eu gostava de uma garota, só que ela me enxergava apenas como amigo. Acho que desencanei.
A proximidade deles, enquanto conversavam em voz baixa, esquecendo-se do filme, fez com que Virna se perguntasse se, em outro contexto, seria menos agradável que este, ainda que, teoricamente, não parecesse certo. Afinal, Otávio é/estava apaixonado pela sua melhor amiga.
Ela virou a cabeça e permaneceu o restante do filme em silêncio, tal como o garoto, que comentava em alguma cena.
No final, quando o telão se apagou, antes de acenderam as luzes, naquela fração de segundos, Virna inclinou o pescoço e, sem respirar, encostou os lábios nos dele.

Na casa de Jefferson, a aula acabou, e os dois — professor e aluna — ficaram sentados, navegando na internet; cada um no próprio celular, então Jefferson bloqueou a tela, guardou as canetas na caneca e levantou-se.
— Vamos à sala. Seus pais virão te buscar?
— Enviei uma mensagem, dizendo que vou demorar um pouquinho. Mainha entendeu.
— Tu tem uma relação bacana com ela, né?
— É minha melhor amiga. A pessoa mais importante da minha vida. Falo tudo, ou o que vem à mente, sobre mim. Ela me conhece.
— É muito bom ter esse relacionamento aberto com os pais. Eles são o nosso porto seguro. — Entrou na cozinha, e Selena veio atrás. — Pode ir à frente.
A garota sentou-se no sofá, aproveitando a maciez, e conversou com as amigas do cursinho e no grupo de estudos. Enquanto digitava com rapidez, Jefferson entrou na sala com um balde de pipoca e uma jarra com suco. Disse que iria pegar os copos e que os DVDs estavam no rack.
— 'Ponte para Terabitia'. — Selena leu o nome. — Ai, meu Deus! Assisti este filme há anos!
— Ele estava guardado numa caixa com fitas cassetes, para você ter noção de há quanto tempo existe.
— Bora assistir?!
— É o que dá por uma menininha pra escolher! — caçoou, sentando-se no sofá. — Coloca para rodar.
Selena acabou sentando-se no mesmo sofá e cruzando as pernas.
O filme teve início e ambos silenciaram para assistir. Enquanto o casal de amigos, Jessie e Laslie, se conheciam, Jefferson estava muito ciente da presença de Selena no sofá, separados por um balde de pipoca.
Ele afastou a mão e esticou o braço atrás dela.
— Você tá bem? — Selena perguntou.
— Eu tô ótimo, e você?
— Esse filme me deixa chorosa.
Jefferson assentiu.
— Jeff?
— Que?
— Nada, não.
Ele a olhou.
— Fala.
— Você e a Virna são só amigos? Pode dizer. Desabafa comigo.
Jefferson sorriu.
— Mas eu já disse. V e eu somos carne e unha, sabe? Essa definição das mulheres. Por que tá desconfiada?
— Não quero me meter na sua vida pessoal, mas observo o que está ao meu redor. Vocês não combinam, porém têm... Intimidade.
— Ok. — Deu pause no filme. — Falta uma coisa chamada química entre nós. Não somos atraídos pelo outro dessa maneira. Confesso que não seria impossível de acontecer, tanto termos isso e ficarmos por causa disso, mas, como não temos, nossa relação é baseada na amizade. Eu e ela falamos sobre nossos interesses em alguém. Por exemplo, estou interessado numa garota, e a V sabe quem é.
Selena respirou lentamente, seus olhos traindo-a por observarem a curva sinuosa da boca carnuda dele.
— Claro que tu não vai me contar.
— Olha que eu conto. Ocultar isso tá me dando mais dor de cabeça que enfrentar o que sinto.
— Então confessa.
— Não sei se é uma boa ideia... Se você guardaria segredo... Não me leve a mal, Sel, mas tu poderias nem olhar na minha cara depois. E não pretendo me distanciar de você.
Selena abaixou a cabeça.
— É a .
— Você sabe que não.
— Há quanto tempo está interessado nessa pessoa?
— Desde o São João.
— Jeff...
— Lembro-me bem do beijo que dei nela... Não saiu da minha cabeça por vários dias — relatou, sentindo alívio por ter sido claro. — Você não saiu da minha mente.
Selena levantou-se.
— Não precisa correr — disse. — Eu não tô cobrando nada. Apenas fui honesto.
— Tenho que ir. Não vou me precipitar. Você é meu amigo. A gente se vê na segunda-feira! — Pegou a bolsa no chão, calçou as sapatilhas e escapuliu.

Na saída do shopping, Otávio podia sentir o toque dos lábios de Virna sobre os seus, o cheiro e a doçura dela. E, acuada, ela andava um pouco atrás de si.
— V, por que me beijou?
— Porque você não me beijaria se eu pedisse. Eu tinha que provar que foi real o que aconteceu durante as nossas conversas.
— Ainda sou apaixonado por outra garota.
— Eu sei, Otávio. Foi um beijo.
— Um beijo mexe conosco.
— Certo. — Preferiu não tecer comentários. — Vou indo. Tchau!
— Tchau. — Beijou sua bochecha.



Capítulo 16

Finalmente, setembro deu o ar da graça, e o grupo no WhatsApp voltou a ser movimentado:

[Hoje, 07h00]
: (emoji dos olhos)
Jefferson: Ei, cara! (emoji bocejando)
Luana: Bom dia, gente!
Virna: Dia.

Dois dias após os últimos acontecimentos, Virna tratou de esconder o que havia acontecido no encontro e que tivera um para e Jefferson. Esqueceu-se fracassadamente quando, na segunda-feira, viu , e todo o sábado a estapeou. Durante a primeira semana do mês, Selena até fugiu de algumas aulas de reforço, remarcando. Na verdade, os três primeiros dias foram por ter estado gripada e por tentar estudar sozinha, já que, provavelmente, teria que suspender essas aulas na casa de Jefferson. No entanto, como sua personalidade não permitia que se acanhasse, foi à casa dele na tarde passada.
— Ah, sei quem você é... É a Selena. — Cumprimentou-a Igor, dando espaço para que entrasse. — Meu irmão tá se arrumando. Você já sabe o caminho para o quintal, mas pode esperar na sala.
— Espero lá fora, mesmo. Obrigada.
Não demorou para que Jefferson aparecesse, o cabelo úmido, uma camisa e calça jeans, para pegar o notebook.
Surpreendeu-se ao ver Selena sentada.
— Nunca sei o que esperar de você. — Guardou o notebook na bolsa transversal. — Não imaginei que viria hoje. Tu vens faltando nossas aulas a semana inteira.
— Fiquei gripada.
— O motivo foi realmente esse?
— Sim — respondeu com convicção. — Se não quero ter caso com o professor, ele ainda me ensinará, não é?
Jefferson conferiu os bolsos.
— Não quero ter um caso contigo.
— Mas, e se eu quiser ter um com você, mudaria de ideia?
— Sel, você é doidinha. — Sorriu. — “Caso” é um termo descompromissado e baixo. Não combina com você.
— Você não tá cooperando. — Revirou os olhos teatralmente.
— Tu ciente do que me diz? Porque sou do tipo que se apega aos contextos.
— Está de saída?
— Faculdade. Podemos resolver isso quando eu voltar? Venha à noite pra cá ou pra casa da V, caso seus pais briguem.
— A V não tem que ser plano de fundo.
Jefferson aproximou-se dela e beijou sua testa.
— Eu te dou carona até em casa.

***


Luana fechou a porta da biblioteca municipal e esbarrou num rapaz, pedindo desculpa. Virou-se para seguir adiante quando a figura de Drika se materializou.
Vindo do corredor do lado, Isac parou perto dela.
— Oi, Luana.
Forçadamente, Luana sorriu.
— O Isac tem algo a falar.
— Tenho? — A expressão fechada tornou-se carrancuda. — Não existe nada a ser dito a esta criatura.
— A criatura possui nome de batismo, energúmeno! Você consegue se superar a cada dia. — Esboçou uma careta e deu um passo, no intuito de ir, porém Drika a deteve.
— Vocês poderiam ser mais clichês, assim ficaria fácil de calcular a próxima ação, mas, não, nasceram para se estranhar como gato e rato.
— Seu amigo é um cachorro, mesmo.
— Vamos, Drika. A Zoe tá me esperando. — Puxou seu pulso, dando de ombros.
“Quem é Zoe?”, a memória traiçoeira de Luana se agitou. Então Isac tinha um problema exclusivo com ela e não com o fato de ter sido frustrado no passado, dito por Du.
Falando em Eduardo, sentia sua falta. Ele era muito divertido, carinhoso, leal e compreensivo.
— Você me garantiu que falaria aquilo! — refutou Drika para Isac.
Impaciente, ele suspirou.
— Não devo nada a você, e nem você a mim — disse a Luana e olhou para Drika. — Ela não morreu porque foi pedida para se retirar da minha casa.
— Olha, Isac, nós nos devemos respeito. É básico para conviver em sociedade. Se você não me suporta, e eu te suporto menos ainda, beleza, desde que haja isso. Não precisa me pedir desculpa sob pressão, porque agir assim só termina em furada. Drika, valeu por tentar ajudar, mas fica na sua. Eu vou nessa!

resolvia seu relacionamento com a namorada da seguinte forma: terminando-o. Estava menos confuso e ter parado de conversar com Virna serviu para por todos os prós e contras numa balança e pesar o que realmente importava nesta fase da sua vida. Manter um relacionamento com alguém que via mais como amiga e companheira, sem espaço e resquício do que tinham no início, não era o que buscava. Não pretendia magoar a namorada e nem fingir que continuava tudo nos conformes, por isso, preferiu ser franco e romper o compromisso.
— Você encontrará um cara que a ame do avesso e que se doe por inteiro — foram suas palavras.
Melhor que “Não é você, sou eu”. Neste caso, era ele. A mulher com que namorou durante dois anos e meio era ótima e “incrível” para o padrão do de dois anos e meio atrás. Este novo , o de 20 anos, tentando se firmar no mundo, acabou sendo traído pelo próprio coração e virando os olhos para uma ruiva, sendo que nunca se interessou por ruivas. Gostou de ter vivido com sua ex, mas, agora, queria dividir planos com outra pessoa.
O problema era que essa outra não o levava a sério.
— Dá uma carona! — pediu a Jefferson, esperando-o sentado no banco de concreto do lado de fora do prédio da UCA. — Tô sem saco para esperar ônibus.
— Vem!
Ele se arrastou até o carro e se acomodou no banco do passageiro. Quando já estavam na esquina da rua, a estação de rádio começou a tocar Jorge e Mateus:

Eu já fiz de tudo pra te convencer
Mandei rosas vermelhas lindas pra você
Falei de amor, fiz uma canção
A lua se foi, nem vi o sol chegar
Acreditei que o tempo não ia passar
Foi ilusão


— Meu irmão, tira isso.
Enquanto houver razões, eu não vou desistir. Se for pra eu chorar, quero chorar por ti... — Jefferson cantarolou, batendo a mão no volante. — Arriou!
— Estamos os dois, então. — Desligou o rádio. — Saí dessa e voltei.
— Está de olho em quem? — Jogou verde.
— A pior que eu poderia ter me amarrado.
Jefferson deu risada.
— Virna.
— A ruiva. Ela é gatinha, né? Mas não me leva a sério.
— Porque você não é lá de confiança.
— Até tu?
— Quer um conselho? A V é minha amiga, e eu não gostaria de vê-la sofrer. Ilusão é foda! Você nem deve estar apaixonado, então vá com calma.
Só que não lhe deu ouvidos. Entrou por um e saiu pelo outro. Pediu para ficar na casa dele, já que sua mãe daria plantão no hospital. Adentrando o condomínio, avistou a casa de Virna e teve vontade de ir vê-la.
— O Igor tá na sala, meu pai tá no escritório, e minha mãedrasta tá cozinhando. Ela cozinha muito bem. — Destrancou a porta da casa. — Entra aí. Vou à casa da V mais tarde. Tenho que acertar umas coisas.
— Vou também. E aí, Igão?! — falou com o irmão de 12 anos do Jefferson.

Eles demoraram a ir à casa de Virna porque Jefferson tornou o trabalho de banhar e vestir qualquer roupa quente um processo vagaroso. Desceu, antes do jantar, e , por insistência de sua madrasta, já comia com Igor. Quando Jefferson sentou-se juntamente com pai, disse que iria logo à casa de Virna e que se encontrariam depois.
Ele caminhou, convicto, até a residência de muro amarelo, o vento frio chicoteando seu corpo e causando arrepios, sob o céu nublado no meio de setembro.
Selena havia acabado de entrar na casa quando ele alcançou o jardim, e Virna estava terminando uma ligação, em pé, no piso da varanda.
respirou profundamente, aproximando-se da ruiva, que franziu a testa. Moveu a mão, tomando seu celular, a ligação finalizada, e olhou por tempo indeterminado para o rosto de Virna.
— Estou livre agora.
Ela abriu e fechou a boca.
— Você é louco. — Pegou o aparelho, afastando-se. — Dois anos e meio jogados fora.
— Não me arrependo de ter vivido esses anos com ela, mas não me satisfazia mais.
— Isso não muda absolutamente nada entre você e eu! — Olhou para trás, para dentro da casa.
— Muda meu estado familiar e a remota possibilidade de avançarmos.
Virna caiu na risada.
— Não seja ridículo! Eu não te dei falsas esperanças! Tive o maior cuidado para não fazer isso! — falou em voz baixa. — Por favor, pare.
— É isso que eu sou?
— É como está se comportando.
Selena saiu pela porta aberta quando Jefferson parou, apoiado nela, e ambos foram se sentar numa das poltronas sob baixa claridade.
— Fique, se manter a boca fechada.
— V, não faz assim. — Tocou seu cabelo. — Você é solteira, e eu também. Qual é o problema?
— Falta química.
— Posso fazer umas misturas e bolar uma fórmula. — Sorriu. — Deixa eu te mostrar como... — Agarrou seu cabelo na nuca, curvando o pescoço e cobrindo os lábios dela com os seus.
Bruscamente, o barulho de talheres quebrando se fez ouvir na varanda.
As mãos de paralisaram, os pés entre cacos de vidro, e os olhos, dilatados. O aperto no peito a sufocou a ponto de mantê-la sem reação, até que os dois rostos, que antes estavam grudados, respirando contra o outro, olharam para ela. Com isso, voltou para dentro, para lavar as mãos, absorta, e calçar as rasteirinhas.
— Você se cortou? — Era Selena perguntando, preocupada.
, o beijo deles foi tão chocante pra você quanto pra mim? — Jefferson gracejou. — Você está bem?
A voz embargada sumiu, as cordas vocais tecendo um nó, seu peito doendo e a vontade de gritar querendo se manifestar. Queria chorar também. E correr.
— Leve-me embora, Jeff, por favor! Senti uma pontada na cabeça.
— Claro! Vou pegar o carro em casa.
— Irei com você — avisou, e Selena se despediu dela.
, eu posso explicar... — disse Virna, segurando sua mão, que ela sacudiu, ríspida.
— Finja que eu morri.



Capítulo 17

saiu do grupo.

Teve quem achou chocante e sem o menor motivo para tanto, pois, simplesmente, não sabia da noite anterior ou não entendia o que era ser apunhalada pelas costas.
Em casa, deitada no sofá de dois assentos, ou no meio de uma aula maçante de Línguas, nesta manhã, pelo menos, se questionava o grau de pilantragem, sacanagem e falsidade de Virna. Afinal, Virna, herdeira da empresa de tecnologia avançada da cidade, era sua melhor amiga desde que se mudou para Campestre. Nela, encontrou o porto seguro: uma irmã mais velha com dom para ouvir e aconselhar. Uma psicóloga particular. O que era irônico, se aplicasse a falta de segurança — e caráter — nas próprias sugestões ao ter contato íntimo com alguém que gostava como mulher. Tipo, muito! Mais do que gostaria! Provavelmente, relevaria a memória fotográfica do beijo. Não de imediato, mas era o que sobrava quando não domava o coração e nem tomava as rédeas da situação.
Lembrava-se do dia em que Virna quis que esperasse para contar a o que sentia por ele, sua linguagem corporal conflitante.
Praguejou esse dia e congelou para que, ali, pudesse enfiar a mão em seu cabelo pintado e arrancar fio por fio; nem que levasse o resto da noite, o fim do dia ou a semana inteira.
Acalmaria o ânimo, por ora!
Contudo, o que fez foi se esparramar no sofá e ouvir canções antigas.
Nada de Pablo.
Talvez, só quando caiu no sono.

***


Parados no jardim da casa de Virna, ontem, e Virna se olhavam como se procurasse por a culpa no outro — um tinha a resposta de ter sido induzido pela personalidade cativante, o que não era justificativa para tal iniciativa, e o outro queria apenas atrasar o relógio por meia hora. Meia e uma amizade perdida. Mais meia e iria embora à força com marcas na pele.
— Você perdeu o juízo?! Sem noção! — Empurrou-o pelo peito. — Vá embora, ! Não se atreva a aparecer aqui!
Sem entender, tentou tocar sua mão.
— O que eu perdi? Meu raciocínio não acompanhou.
— A falta de vergonha nesta cara. — Deu tapinhas leves no rosto do rapaz. — Agora, vá.
Selena atravessou a varanda e se deteve ao lado da ruiva.
— A reação da foi o que nomeamos de rejeição. Nunca parei para analisá-los como um casal. Tu e o ... Nada a ver.
— A não vai querer me ouvir.
— Amanhã, ela mudará de opinião.
— Impossível! — choramingou. — Não quando se trata do .
— Não estou entendendo. O é nosso amigo.
gosta dele há anos!


Otávio soube do que rolou na casa da Virna, por Luana. Até este minuto, Luana e Selena não tinham a menor suspeita de que Vivian era Virna o tempo todo e de que, graças à falta de atenção de Luana, ela anotou o número. Nem perguntaram sobre o encontro.
— É, a V e o ficaram — repetiu Luana. — Eu não estava lá, mas a Sel assistiu.
Selena estava absorta com mensagens no celular — uma janela privada no WhatsApp.
— Acorda, Sel!
— Tô bem conectada, querido! — disse e posou o aparelho sobre a mesa. — Aconteceu como a Lu falou: eles ficaram; a entrou em choque; e o Jeff a levou embora. Não teve surto ou qualquer coisa do gênero. O porquê que a terminou assim não nos diz respeito.
— De fato, não — concordou Luana. — Que bizarro.
Perdido em questionamentos, Otávio optou por não dar tanta importância ao assunto porque remetia e seu amor platônico por ela. Bem, paixão. Não ardia como antes, mas estava aceso, resistindo numa chama fraca dentro dele.
De qualquer forma, começou:
— Descobri quem era Vivian. Qual é a cor do seu cabelo. Seu nome de batismo é Virna Campelo.
— Porra!
— E aí?
— Eu não sabia como me portar diante da situação. Foi uma “saia justa”. Não sei se fiquei decepcionado ou aliviado por ser ela. Poderia ser uma garota chata e esquisita. Porém, ao mesmo tempo, outra garota tão legal quanto a Virna se mostrou poderia estar lá comigo, dividindo a pipoca e pedindo para me ver outra vez... Alguém que não fosse minha amiga.
— Não sabia que a V tem babá.
— Nem eu.
— Ocorreu tudo bem? — Selena perguntou.
— É... — Ocultou o detalhe de Virna tê-lo beijado de surpresa. Não havia parado para pensar nisso. — Normal.
— É o que você esperava, né? Que fosse, no mínimo, normal.
— Normalidade é uma ilusão — alertou Luana —, mas é o mais perto de “quase isso” ou “acho que sim”.
— Quase isso, Luana.

***


De manhã cedo, Virna tentou, a qualquer custo, falar com ; como esta não possuía residencial em casa, o jeito era lotar sua lista de chamadas perdidas, o que a irritaria e a faria desligar o celular, provavelmente, tacando-o contra a parede.
Não chegaria àquele nível de estupidez.
Preferiu ligar no dia seguinte, pois sabia que estaria nervosa e sensível, ou seja, esquiva e irredutível. Logo, tentou adormecer.
Foi à faculdade, saiu ao meio-dia e sentou-se ao redor de um quiosque em frente com uma colega de turma.
Discou o número de novamente.
O número que você ligou está fora de área ou desligado.
O número que você ligou não atende no momento e não possui caixa postal. Por favor, tente mais tarde.

Virna encerrou a chamada.
— Tenta o Whats — a colega instruiu.
— É... — Ela me bloqueou. Minha melhor amiga me bloqueou. Você sabe o que isso significa? Merda. — Não consigo falar com ela.
— É sua amiga? Que pena.
— Foi um mal entendido. — Colocou a mecha solta do cabelo atrás da orelha e levantou-se, segurando a bolsa. — Vou indo... Beijos!

bloqueou e Virna no WhatsApp, até que, em algum momento, pudesse assimilar que não seria o fim do mundo ter uma paixão platônica. Somente o fim de uma amizade de anos — duas, aliás. Quando, se acontecesse, se adaptasse ao fato dos dois namorarem, atualizando o status do Facebook, poderia pensar em perdoar o punhal de Virna. Porém, jamais voltariam a ser amigas. No mínimo, estranhas.
Pôs o celular no silencioso, depois de ligar, e viu as chamadas perdidas dela. Revirou os olhos, deixando o aparelho de lado.
A campainha do apartamento tocou.
Com uma barra de cereal na boca, caminhou descalça para a porta e conferiu pelo olho mágico quem era.
— Selena Gomez?
Selena sorriu e rolou os olhos.
— Versão queimada. Linda, né?
— O que a trouxe à minha humilde moradia? Entra.
Selena trancou a porta e caminhou para o sofá, enquanto jogava o pacote na lixeira da cozinha.
— Você está bem?
— Tô me recuperando.
— Imaginei que não. — Abriu a bolsa. — Saiu do grupo...
— Ele estava parado, mesmo. Nem sinto falta.
— A V não tem culpa do tê-la beijado. Ele a agarrou.
— Que os dois se comam!
— Seja razoável.
— Não quero ser razoável! — contrapôs. — A imagem não será apagada. A minha melhor amiga ficou com o cara que eu gosto, e ela sabe disso!
Selena levantou-se, aproximando-se de , e segurou suas mãos.
— Você admitiu para mim.
— Escapuliu.
— A V me contou que o estava cantando-a. Vocês terão que conversar a respeito e se resolverem. Escute-a.
— Não dá! — Balançou a cabeça. — Quero distância da Virna.
A campainha tocou novamente e, desta vez, Selena foi quem atendeu, sem olhar no olho mágico.
— Visita pra você.
chegou à frente, visualizando Virna corada e suada com a bolsa da faculdade.
— Esqueci o quão longe este prédio é... — Ela respirou fundo.
— Vá embora, Virna!
Selena parou ao lado da ruiva.
— Você tramou este encontro! — acusou Selena. — Vaca!
— Não me agradeça porque não foi eu quem chamou a V, mas quem impedirá a V de ir.
Virna olhou para , que olhava para os próprios pés, e Selena seguiu para a cozinha para pegar água.
— Pode não acreditar em mim e estar morrendo de ódio, é seu direito, mas não me prive de ter minha reputação zelada. Não sou essa ruiva má e sacana. A gente se conhece há quanto tempo? Sabe que eu nunca furei seus olhos ou me interessei por algum cara que você dizia estar a fim. Se bem que, nesses dois anos, existe apenas o . Não tô interessada nele. Apoio o casal e torço para que fiquem juntos. Ele vem dando em cima de mim há semanas; por mensagens privadas e encontros planejados na minha faculdade, mas eu não faço parte disso e sempre fui clara que entre nós é amizade. Perdão se te magoei, ocultando isso. É que achei que fosse coisa da minha mente criativa. Não fomos longe, pois, assim que notei qual era a dele, sumi. Então ele apareceu na minha casa ontem e...
— Você não se esquivou.
— Eu não esperava! Foi rápido demais! Quando caí em mim, você havia derrubado a xícara.
— A mais cara! — ressaltou Selena, de dentro da cozinha.
Virna quase sorriu, tensa demais para completar a ação.
— É muita descoberta para absorver.
— Eu sei. Vai me perdoar?
— O gosta de você.
— Não, ele gosta de novidade. É diferente!
— Vá embora.
Virna concordou, bebendo a água oferecida por Selena e retirando-se em seguida.
— Sel, me deixa sozinha.
— Ok. — Abraçou seu corpo, e sorriu com os lábios fechados. — Tô com o celular na mão.



Capítulo 18

O outono chegou — estação favorita de —, e as relações continuavam frias como se estivessem no inverno. Tentando seguir em frente e superar , ela não manteve contato com o grupo e nem cogitou ir aos encontros que fariam, acrescentando o último da semana passada. Isac estava realmente curtindo juntar todo mundo para uma social; para quebrar a rotina, principalmente. Igual a , Luana não marcou presença, por ter orgulho próprio e não suportar estar sob o mesmo teto que Isac. Era engraçado pensar neles, na concepção da morena, porque havia um sinal enrustido de que não se tratava de intolerância. As aulas de Jefferson e Selena foram suspensas, pois o garoto teve suspeita de Dengue e ficou isolado por quinze dias, que, para Selena, foram os piores quinzes dias da sua vida; tanto acadêmica quanto amorosa.
Sim, eles estavam se resolvendo, ou resolvidos, em relação ao outro.
Não, não rolou beijo.
Oi, amiga... — dizia Selena, meio fora de si, no apartamento de Isac, sábado passado. — Estou ligando para saber como você iiistá. Sei que é uma droga se apaixonar, mas também sei que é inevitável. Se a gente parar pra pensar, ou você se isola numa bolha, ou se prepara, porque, mesmo atenta, acontece.
A bolha poderia ser furada! — alguém acrescentou com voz ao alcance.
deduziu ser de um desconhecido.
É o que estou querendo dizer: não há escapatória.
Alô?! — outra voz indagou ao fundo. Mais uma conhecida. — É a ?
Otávio estava alterado.
É a minha amiga. Ninguém, e eu repito, ninguém mexe com ela. Não sem sair ileso. Isso serve pra você, Ota.
Ela foi quem mexeu comigo primeiro, ô! — Aparentemente, bagunçou o cabelo de Selena, já que a garota deu um gritinho com a boca perto do celular.
afastou o aparelho do ouvido. Graças a Isac, as festas dele rolavam à tarde, o que, nesta tarde, foi uma boa ideia; caso contrário, seria acordada na madrugada ou pela manhãzinha.
Por fim, a ligação caiu, então pôs no silencioso e retomou a série na Netflix.

***


Jefferson estava bem. Razoavelmente bem. Em sua concepção, com saúde e cansado. Enfrentar quinze dias de cama não contribuiu para seu descanso — com ênfase no psicológico — de maneira alguma, pois, enquanto deitado, dormia demais, ou de menos, e pensava muito, sem parar, mais que o apropriado e bem mais do que gostaria. Às vezes, em lapsos, febril, Igor comentou que ele chamava o nome de Selena. Daí, Selena tornou-se o motivo inapropriado de ser pensado. E Igor prometeu provocá-lo quando estivesse recuperado dos sintomas da doença.
— Ó as ideias do moleque... — Tossiu seco, erguendo o corpo quente para se encostar na cabeceira.
Alguém esperava para entrar, em pé, diante da porta.
— Ei. — Selena adentrou o quarto de Jefferson pela primeira vez e sorriu para ele. Acanhada, não teve como prestar atenção nos móveis e detalhes essenciais que remetessem à sua personalidade ativa. — Tudo bem?
Ele soltou um ruído do fundo da garganta.
— É uma pergunta boba, mas baseada em noção. Você pode estar melhor que ontem e pior que amanhã. Afinal, eu não entraria no seu quarto, se não estivesse.
— Não é contagioso. — Acalmou-a. A mão direita posou sobre sua mão desocupada, tocando os dedos nela, para senti-la; não a textura, mas a presença viva de Selena. Foi um ato involuntário. — Ah, tu tem medo.
— Tenho mais medo de te passar outra doença, porque sua imunidade está baixa, que contrair — explicou, afastando-se da cama por um segundo para arrastar uma cadeira. O toque se perdeu, e Jefferson recolheu a mão. — O que você tá comendo?
— Sopa de legumes.
O silêncio se tornou inconveniente a ponto de Igor ligar a TV. Algumas perguntas tinham de ser feitas, mas nenhum deles estava, ali, preparado para verbalizá-las.
— Não imaginei, em todos os meus monólogos, que sua visita seria assim...
— De que forma esperava me ver?
— Do jeito que está, vestida, é claro, mas com suas gracinhas. Você não está sendo você agora. Não comigo. Eu quero rir disso.
— De mim?
— Do quão espontânea tu é.
— Então farei o que senti vontade desde a minha entrada. — Levantou-se rapidamente, e o coração de Jefferson se contraiu. Aproximou-se mais da cama de casal e apanhou sua tigela com sopa. Emergiu a colher cheia, guiando-a com destreza aos lábios fechados dele.
Jefferson estava mudo. Com o coração ameaçando saltar da boca, expelido por entre os dentes, preferiu mantê-la segura.
— Não seja um menino mal criado. Vamos, abra.
— Ainda bem que tu não... — Foi interrompido por uma colher dentro de sua boca, o caldo salgado e morno sendo degustado pelas papilas. — Você ainda vai me matar.
— Ao contrário de você, tô sendo uma boa enfermeira. Nem cobrarei hora extra. Por que eu te mataria?
— Porque você é um perigo.

Otávio marcou outro encontro; desta vez, com a segunda admiradora — moça do colégio, menor de idade, bolsista e com pais compreensivos. No shopping, até à noite, se achariam em meio ao estilo alternativo de outros adolescentes e jovens. Por incrível que pareça, descartou ir ao cinema. Aquilo, como um encontro, era para dar uns pegas, e seu intuito, primordialmente, seria ao contrário: conhecer. Concretizar o vínculo com a dita cuja. Porém, além disso, é claro, tinha muito de Virna, que o impedia. Bem mais de ter tido um encontro às cegas com sua amiga e ter curtido, e, sobretudo, do final desse último encontro. Se todos terminassem com um beijo, provavelmente, teria que eleger uma pelo gosto dela — ou por beijar melhor. Todavia, não era uma competição e nem havia candidatas à espera de sua escolha.
Estaria ele cogitando Virna como uma? O que achou do beijo dela?

Luana esbarrou, salvo por um estudante, no próprio ombro dele, quando viu a assombração de nome Isac na biblioteca municipal. Estava na entrada, com o celular na mão direita, o cabelo num “rabo de cavalo”, e o skate para cima, apoiado entre o chão e sua mão esquerda. Isac havia passado por eles, minutos atrás, sem ter certeza se a percebeu nesta posição. Não se importava de ter sido vista, porém gostaria que não fosse.
— Ora, ora... — A voz aguda de Drika chamou sua atenção. Ela se vestia graciosamente, como nos outros dias. — Vou começar a achar que você tá nos perseguindo... Eu e você-detesta-sabe-quem.
— Era só o que me faltava. — Revirou os olhos. — Dá um tempo! Frequento bibliotecas quando tô a fim de estudar, que nem vocês, hoje, e fazer trabalhos.
— O skate se transformará em livro? Cadê sua mochila?
— Eu não vim estudar. — Suspirou, tentada a ir, sem lhe dar explicações indevidas. A ideia tomou maior quantidade de vontade quando Isac veio por trás de Drika, à sua procura, notando, em seguida, a presença inquerida de Luana. A expressão facial tornou-se séria. — Você tá perdendo tempo comigo.
— Não é engraçado toparmos com ela duas vezes no mesmo lugar? Quando foi a última?
— O lugar é públi...
Interromperam Luana:
— A biblioteca é pública. Podemos ir e vir quando quisermos... Até mesmo em dias iguais! — respondeu com tom contrariado reforçado para encobrir profissionalmente a defesa inesperada e despretensiosa. — Agora, vem. Esquece esse meninão aí... Quero dizer, meninona. — Deu as costas.
Furiosa e recentida, Luana caminhou até ele e bateu em seu ombro com cautela fingida.
— Não posso andar de skate porque sou do sexo oposto ou porque você me julga incapaz de me manter em cima dele?
Isac a olhou por sobre o ombro, primeiro, antes de se virar. Era poucos centímetros mais alto.
— Nunca te impedi. Você está tomando dores infundadas. É tudo fruto da sua cabeça paranoica. Escute bem. Pode fazer isso? — Esperou uma resposta que não viria. — Acredito que você fique por mais de um segundo sobre seu skate e que até se movimente bem. Meu sexo oposto é capaz de trabalhar fora, na casa, edificar uma família, se embelezar e aumentar essa família. Além de andar de skate. Então, sim, Luana, acredito que você seja capaz de subir nele e não cair. Não de repente e nem na minha frente. Alguma dúvida?
Luana largou o skate.
— Você é um gay enrustido. Aposto com a Drika.
— Estou me sentindo ofendido. — Exagerou na voz afeminada propositalmente. — Não vou tentar atingir sua orientação. Você me parece alguém que... Anda de skate. — Virou-se e seguiu para onde Drika estava.
— Estúpido, estúpido, estúpido! Donzela estúpida! — Cuspiu, apanhou o skate e foi ao lado de fora pela entrada dos fundos, encontrar uns amigos.

***


Com o cabelo molhado e um pente entre as mechas, correu para abrir a porta, que, insistentemente, era batida por um ser estressado. Destrancou a fechadura e deparou-se com com o lábio inferior nos dentes e o olhar para os pés. Rapidamente, ele olhou para cima, para ela, e ambos ficaram parados, à espera do primeiro passo:
— Eu posso entrar?



Capítulo 19

— Posso voltar outra hora...
— O que você quer?
— Esclarecer algumas coisas — disse. — Para ser sincero, respostas. Uma conversa sem rodeios.
— Pode falar aqui.
— Tem razão. Mas achei que não iria querer que discutíssemos a relação no meio de um corredor. — Suspirou em seguida. — Somos amigos.
ainda estava estupefata para autorizar sua entrada, de modo que apenas maneou a cabeça e caminhou para a sala. Depois, entrou, fechando a porta.
— Você estava ocupada?
— Me arrumando. — Apanhou a almofada do chão. — Sente-se.
— Não pretendo demorar. Você sumiu. Todo mundo notou, mas ninguém comentou em aberto. Isso é bem estranho. Fizeram um pacto de silêncio, sem que eu soubesse. Aposto que a... Selena também não.
concordou.
— Foi logo após o episódio na casa da Virna. Tem haver com o que viu entre nós?
— Não.
— Ah. — Entortou a boca. — Depois daquele dia, pensei que perderia duas amigas por causa de um beijo. Essa ideia me apavorou.
— Fique calmo. Não perdeu a Virna.
O pontinho nos olhos dele tingiram uma coloração escura.
— Perdi você?
— Só perdemos o que é nosso.
— A Virna não é minha.
— E você é dela?
— Não. Ela não me quer. O beijo foi um ato impensado meu. Na verdade, planejei demais e acabou sendo de maneira diferente. Precipitada. Mas não me arrependo.
— Ok... — desconversou. — Estou viva, sobrecarregada de estudo e com preguiça...
— Que dó! — Sorriu, achando engraçado o rostinho cansado dela. Nem noção do porquê dessa expressão nela tinha. — Quer ajuda com alguma matéria?
— Dispenso.
— Beleza. Até logo? — Dirigiu-se à porta.
— Não sei.
Assim que bateu a porta, quis correr e dizer que era dele, e ele era seu, que relevaria o beijo e que poderiam tentar ser mais que amigos. Também quis quebrar algo. Porém, o que fez foi o ato de buscar o celular e enviar uma mensagem curta e clara: “Odeio gostar de você”.

[21h53 - Quatro horas depois]
: É tão ruim gostar de mim assim?
: “Assim” é.
: “Assim” como?
está digitando...
: Como vc gostava da sua namorada.
: (emoji rindo)
: Houveram fases. A última foi com carinho. Exatamente o q sinto por vc. É isso q vc sente por mim? Não é ruim.
: Experimente gostar de quem não gosta da gente.
: Mas eu gosto de vc! De verdade! Tu é como o sol no meu dia tempestuoso. Me acalmava sempre q as coisas estavam em pé de guerra em casa.
[22h01]
: (emoji revirando os olhos)
: Meu intuito de ir à sua casa foi o oposto do q estamos digitando aqui. Eu queria esclarecer qualquer dúvida.
Não tenho dúvidas. Vc tem? Onde vc tá agora? Com quem?
está digitando...
[22h13]
está digitando...
: ?
: Não mais. Vc desfez minha curiosidade mais cedo.
: Tá parecendo uma amiga ciumenta.
: Tô em casa. Acabei de chegar. Não deu pra responder antes por causa do trânsito. Vou banhar e cair na cama. Pronto?
[23h13]
: Falo sério.
: Vc tá acordado?

Luana gargalhou, com a pose presunçosa de Otávio, e o empurrou.
— Porque tem uma garota na sua não quer dizer que você seja cotado. Acorda!
— Quantos caras estão interessados em você?
— Nenhum. Isso não vem ao caso. Estamos falando do seu encontro.
— Ela me chamou pra sair de novo — afirmou. — Nós vamos ao Hiate.
— E você tá soltando fogos por dentro.
— Nem. — Guardou o celular no bolso. — Acredito que não me esqueci da outra garota.
— A V?
— Não, por quem eu estava doido. — Sorriu nasalado ao pensar nela: . — Agora, não sei se me aproximo da moça por interesse ou para acariciar meu ego ferido.
— Por que não sai com a outra? Essa tal de V... — sugeriu Giulia.
— Porque a Virna é uma amiga e só.
— Gostou de ter saído com ela?
— Temos afinidade.
— Então saia outra vez. Bem, vocês são amigos, se conhecem, têm algo em comum, o papo rola mais fácil, teoricamente, pelo menos, e foi testado no primeiro encontro. Ser amigo não inibiu a possibilidade de assistir filme juntos, andar pelo shopping, como um casal. Porque existem vários casais diferentes. O que quero dizer é que ser amigo, talvez, seja a solução e não um problema.
— Veja: casais são amigos... Ou deveriam ser! — acrescentou Luana.
— A Virna é mais velha, culta, já tá na universidade... Pode prejudicar nossa amizade.
— Fale com ela.

Jefferson se alongou no quintal, onde Selena o esperava para a primeira aula pós-doença. Esboçou um sorriso largo para ela, que teve o pescoço ruborizando, de um tom a outro rapidamente, conforme via seu sorriso, o corpo se mover para perto, os traços marcantes do rosto e que ele estava saudável agora, com a aparência revigorada.
— Este dia começou lindão... — falou Jefferson e sentou-se diante do notebook aberto. — Você me viu.
Selena revirou os olhos teatralmente.
— Você me viu e sorriu. Seu dia até iluminou, hein.
Ele não negou; pelo contrário, concordou com a cabeça, sorrindo novamente.
— Porque tu é linda.
— Acho que seu remédio possui efeito colateral inverso. — Ela deslizou o livro sobre a mesa.
Jefferson tocou sua mão com a palma quente e olhou em seus olhos.
— Nós estamos bem? Não precisamos falar sobre isso agora, se tiver com pressa para estudar, mas, se o estudo for a maneira de fugir do assunto, faça o favor de recobrar meu juízo. Você não sai da minha cabeça. — Respirou fundo. — Tô sendo muito ousado? Já usei outras palavras, só que é você. Você gosta de caras ousados.
Eu gosto é de você.
Jefferson sentiu sossego.
— Não é ousado, é sereno, centrado, inteligente, educado... Minha versão metade oposta, e eu gosto de você. Porque não tá tentando me mudar e nem vai se transformar para me conquistar. Isto é importante: respeitar o espaço e a personalidade de quem tá contigo. Se não gosta dele como ele é, então você não gosta, e isso fala muito sobre o seu relacionamento.
— Tu só tem 17, mesmo? — Brincou.
— Tenho 21 com cara de 17.
— Novinha.
— Estamos bem, Jeff.
— Que bom. — Apertou a mão na sua, e o polegar dela o acariciou.
— Ei — chamou, inclinando-se sobre o livro e encostando bem de leve os lábios nos seus; tão suave que Jefferson teve que lamber a região para sentir. — Vamos estudar, gatinho.

***


Pior do que gostar de alguém, e esse alguém não saber, é o alguém ficar sabendo e ignorar. Não tomar uma posição, fingir que não sabe e manipular, a partir disso, seus sentimentos, calculando as próprias ações. Para era terrível! Vasculhou toda a conversa de ontem, relendo e arrependendo-se de ter dito algo como “Eu odeio gostar de você”.
era extremamente cético? Bobo? Esperto? Calculista? Medroso?
Descartou a última característica.
Medrosos não agarram bocas que não pertencem a si e nem o querem.
Gostaria que fosse demasiadamente corajoso com ela.

[Hoje, 07h45]
Otávio: Tem alguém acordado aí?
Selena: o/
Jefferson: O q houve?
Luana: Ota, seu trouxa, tô ao seu lado! É óbvio que tô acordada!
Jefferson: (emoji rindo)
: Aaaaahhhh q preguiça do caramba!
Otávio: Deve ter bebido todas, manezão!
: Minha ex não larga do meu pé!
: Haja paciência!
Jefferson: Paciência é aquilo q eu forço qdo a Sel não desmarca as nossas aulas com antecedência? Tô dominando sá matéria.
Jefferson: Brincadeira, Sel!
Selena: Jeff, jeff...
: Oh-oh! Vai apanhar!
Jefferson: (emoji tapando os olhos)
Otávio: 6 são muito tagarelas a essa hora. Valha!
Selena: Vá dormir, seu trouxa!
Otávio: Vou assistir aula, gatinha siamesa, e vc? Nem apareceu hj...
Otávio: Hmmmm
Selena: (emoji bocejando)

encontrou um amigo do colégio no pátio e descobriu que ele gostava dela. Daí, parou para fazer uma análise: será que, antes, havia percebido e não se importou? Pois, não sendo recíproco, então nem se daria ao trabalho de avisá-lo. O que estava fazendo com ela não era o mesmo? Atitude deselegante — para embelezar a crueldade da ação — deles. Falta de consideração pelos sentimentos alheios; sentimentos bons direcionados a si. Custava agradecer? É por isso que algumas pessoas agradeciam.
Correção: esse garoto não era seu amigo e estava no 2ª ano. Entregou um papel para a amiga de lhe mostrar, com seu telefone, e disse que gostava dela agora — simples desta maneira.
— Diga que agradeço, mas não tenho interesse.



Capítulo 20

(Clique aqui para abrir a música do capítulo. Sugiro que escute!)

O elevador se abriu no andar correto; pelo menos, era o que Luana acreditava, tentando visualizar a memória fotográfica do local de quando esteve ali semanas atrás. Procurava um objeto de que sentira falta e que nunca mais emprestaria a Selena: seu pen drive, com pastas contendo imagens pessoais (nada obscenas ou sensuais) e os trabalhos escolares. Estava preocupada com as imagens. E essas imagens estavam com Isac — no apartamento dele —, o que a conduzia à terrível conclusão de que:
1. Ele pegou e viu;
2. Ele pegou, viu e escondeu;
3. Ele pegou, não viu, mas verá.
A melhor alternativa não apontava garantia de nada.
Por negligência dele, neste caso, a porta do apartamento estava encostada, e ela empurrou um pouco, devagar, pondo um lado da cabeça para dentro e averiguando o hall. Como não havia ninguém perto o suficiente, abriu mais a porta e ficou diante do corredor, estática. Entrar na casa de Isac, sem ele saber, era pior que entrar na casa dele com ele sabendo e lá. Ou, talvez, não fosse. Os dois pareciam ruins demais!
Andou até o final do corredor, a passos vagarosos, atenta à sua respiração e a qualquer barulho interno.
Selena alegou que o pen drive estava na beirada do sofá, na mesinha de centro ou perto do aparelho de som.
Não dava para montar uma estratégia eficaz.
Naturalmente, foi até o aparelho de som, curvou-se e não achou. Virou-se, o apartamento ainda silencioso, principalmente, a sala, e tateou a mesinha de centro com um monte de papéis espalhados. Em seguida, sentou-se com cuidado na ponta do sofá e enfiou a mão dentro dele.
Uma porta no segundo corredor, que levava ao banheiro, quarto e à lavanderia, se abriu. O coração de Luana palpitou muito rápido, e ela se empertigou no sofá. Sem reação, esperou a de Isac, para, depois, ter a sua. Se ele a mandasse embora, iria numa boa, com classe, mas somente após achar o pen drive. Se ele fosse educado e oferecesse ajuda, aí agradeceria.
Mas ninguém apareceu. Nenhuma voz. Apenas outra porta sendo aberta e fechada.
O silêncio pairando sobre o cômodo.
Tornou a procurar mais agilmente, desta vez. Puxou o assento para cima e achou o pen drive. Arrumou o cabelo com as mãos, o rosto rosado, e levantou-se.
A porta da rua foi aberta, e Isac entrou com várias sacolas de supermercado.
— Esse homem tem problema. — Isac leu o comunicado do síndico grudado na porta e a fechou atrás de si. Quando avistou Luana em pé, no meio da sua sala, não entendeu. — O que tu furtando na minha casa?
— É um poço de educação. Vou me afogar nele.
— Vem falar de educação quando invade meu apartamento... Cínica! — Caminhou para a cozinha e deixou as sacolas em qualquer canto que Luana não conseguiu ver. — O que você quer?
Luana já tentava abrir a porta, que ele trancou.
— Meu pen drive.
— Encontrou?
— Sim.
— Tá pensando em ir, agora que o pegou? Não faço desfeita com meus visitantes. Sente-se. Você não vai sair.
— Nem que eu tenha que quebrar sua porta — alertou, irritada —, sairei! Dê-me a chave. Não estou de brincadeira.
— Você foi quem entrou aqui.
— Dê-me a merda da chave!
Isac enfiou a mão no bolso da calça jeans preta.
— Vem buscar. — Deu as costas, começando a caminhar, quando sentiu um peso contra si, e tropeçou, caindo no chão.
Luana subiu em suas pernas, tateando as mãos nos bolsos, até que Isac se virou e se arrastou para trás.
— Louca!
— Você não sabe o quanto! — Avançou para cima dele, sem, de fato, ter que ficar sobre ele, para arrancar a chave. — Você é um babaca. — Respirou fundo, sentada. — Tem a mentalidade de um meninão.
Isac colocou o cabelo para trás, fitando-a à curta distância.
— Olha quem me derrubou no chão, feito uma lutadora de peso pesado.
— Cansei de te aturar. — Ergueu-se e caminhou para a porta. Esmurrou a madeira com força, gritando, até que a mão de Isac tapou sua boca, e ela o mordeu.
Ele xingou.
— Me sequestraram!
— Para, louca! — Empurrou-a contra a porta, de frente para si. Com metade da distância anterior desfeita, o espaço diminuiu entre os dois. — Esse síndico já é doente, e você dá motivo.
— Então abre a porta. Não quer se livrar de mim?
— Não — contrapôs —, agora.
— Como “não, agora”? Você não me suporta! Me expulsou do seu apartamento, quer acabar com minha paz...
— Porque tu acabou com a minha desde que éramos uma banda.
— Essa história de novo?
— É verdade! A pose de menina sabe-tudo me virou do avesso.
Luana franziu a testa, os olhos estreitos.
— Cansei desse joguinho. Brincar com sua bipolaridade não é engraçado.
— Então some da minha vida.
— Tô dizendo... Eu quero começar pela sua casa. — Estendeu a mão aberta. — A chave.
Isac colocou os braços entre o corpo de Luana e abaixou a cabeça. Ela permaneceu parada, aproveitando para puxar a chave e escapar dos seus braços. Destrancou a porta e, ao abrir, Isac a fechou com um tapa, segurando seu rosto nas mãos, com raiva de si, dela, vontade reprimida, sentimento confuso, ânsia, volúpia.
— Só vou... — Olhou para os lábios rosados. — Fazer isso. — E, antes que o beijo se concretizasse, Luana virou o rosto.
— Tu não vai conseguir fazer com que eu goste de você usando sua força e esse carinho falso. De você, espero apenas mimimi. — Afastou-se, quando ele folgou o toque em suas bochechas, e saiu.

Virna recebeu uma ligação de Jefferson, convidando-a para correr no calçadão da orla. Ele a via acuada e desanimada. Respondeu que pensaria no convite e a áurea alegre veio com uma mensagem inesperada:

[Hoje, 10h20]
Otávio: Ei, V, tdo bom? Lembrei-me de vc esses dias. Nunca me esqueço dos meus amigos, q fique claro, mas me lembrei especialmente de vc. Sei lá, deu vontade de repetir o nosso rolê. Pode ser em qualquer lugar...
Virna: Oi! Quer ir ao Centro de Convenções? Tá tendo uma feira internacional por lá.
Otávio: Ah, vc tá aí. Vamos, sim. Q dia/horas?
Virna: Começa sexta, pela manhã, e termina no domingo. Sexta não dá, nem domingo, então vamos sábado. Detalhe: pela manhã. Pfvr! Outro dia, vc me leva a algum lugar.
Otávio: Então haverá outro dia pra gente?
Virna: Pq não?
Otávio está digitando...
Otávio: Pq vc iria querer sair comigo?
Virna: Pq não?
Otávio: Tenho que ir pra aula. Abs!

Selena cruzou os braços, implicante, erguendo a sobrancelha para Jefferson, que usava o óculos de Virna e lia distraidamente o resumo feito pela mais nova.
— Por que ainda usa o óculos dela?
Jefferson a encarou.
— Porque a V me emprestou.
— Não há necessidade. Você pode comprar um.
— Se eu uso é porque há. Sel, achei que não iria querer que eu mudasse ou me mudar por estarmos juntos — comentou. — 'Juntos' é melhor que num relacionamento enrolado.
— Seu problema é a falta de compromisso entre a gente?
— Não. O seu é o ciúme?
— Não... — Pegou uma caneta rosa no estojo e voltou a escrever. — Tenho motivo?
— Nenhum.
— Vou sair com umas amigas... Para uma festa de aniversário.
— O que espera que eu diga? Faça o que sua consciência não se arrependa amanhã. E divirta-se com suas amigas.
— Você também nessa corrida...
Jefferson sorriu nasalado, deixando o resumo de lado e erguendo o braço para por sobre os ombros dela.
— Vem cá. — Beijou seus lábios uma vez. — Se a gente não se gostasse, não haveria razão para estarmos nisso, então não tem porquê ficarmos controlando, desconfiando, induzido o outro. Concorda comigo? — Beijou-a outra vez, firme e de olhos abertos. — Se eu te pedisse para não ir, você ficaria em casa?
— Depende da festa. Precisamos confiar no outro.
— Exatamente. Estamos de acordo, então. Confiar é a base. Agora, dê-me outro beijo, porque aquele foi tímido.
Selena riu, antes de cobrir os lábios dele com os seus.

releu a última mensagem de , dentro do carro, e se lembrou do que ela disse sobre seu pai:
— Quero que saiba que estou muito... Feliz em te ter como amigo. Pensei até que não seríamos como no inverno em Nova Formosa. — Tratou de desenvolver mais a frase: — Sei que evita tocar naquela ferida, porque, mesmo após tantos anos sem voltar à minha cidade, está aberta, e não cicatrizará se não permitir que a dor seja sentida. Seu pai não te trocou quando você tinha 15 anos, apenas dividiu a atenção com o novo filho. É estranho se deparar com um cara da sua idade tendo esse tipo de problema, mas, se existe um, não fugimos dele. A gente enfrenta.
Daí, socou o volante com demasiada força. Não chorou, desta vez. Considerava-se grande e anestesiado para tanto. O adolescente de 15 anos não era mais ele e, sim, uma lembrança dolorosa.
Ligou o veículo e atravessou as ruas para chegar ao prédio de .



Capítulo 21

não sabia o porquê estava em frente ao prédio de , com o celular na mão, como se esperasse que ela aparecesse na janela e o visse, descesse sem questionar e...
— Hum? — Atendeu a chamada inoportuna de Otávio. — Eu tô... Indo resolver um caso. Depois nos falamos, cara.
A chamada foi encerrada, e ele começou a planejar estratégias para convencer a ajudá-lo. Ela disse que o ajudaria. Por isso, nutria tamanho carinho pela adolescente.
O porteiro, a cada minuto, olhava para fora da guarita, para qualquer atitude suspeita sua.

[Hoje, 19h30]
: Tá de bobeira?
[Cinco segundos depois...]
: O q vc quer?
: Quero sua ajuda.
: Pra q exatamente?
: Desce, e eu te explico.

correu para a janela, o viu e desceu o mais rápido que o elevador conseguiu.
O porteiro destrancou a portaria automática.
— O que é?
— Quero enfrentar seja lá o que me espera naquela cidadezinha.
— Agora? Você tá chapado.
— Não. — Sorriu veemente. — Tô lúcido e disposto. Era o que me faltava.
— Vai pegar a estrada à noite?
— Irei com você, se você vier comigo.
As esperanças de se tornaram tão pequenas.
— Meus pais não gostam que eu pegue a estrada a essa hora, principalmente, para casa. A BR é perigosa.
— Agora, tá tranquilo — argumentou. — É uma viagem curta e nossa estadia será breve.
Ela balançou a cabeça.
— Você tá enganando quem de nós dois? Seu pai estará chegando do trabalho e cansado. Vozes serão exaltadas, haverá acusações, emoções à flor da pele... Hoje, não irei a nenhum lugar contigo.
Ele assentiu. Tinha uma carga de receio de não conseguir amanhã.
— Não se preocupe com o amanhã. Ele não nos pertence. Tudo se resolverá! — Beijou sua bochecha, num ato involuntário e natural. — Vá descansar.
Enquanto fechava a porta atrás de si, a viu seguir por um trajeto curto, até desaparecer. Observou além da rua, para, somente depois, entrar no carro e ir embora.

Virna ria de uma piada boba contada por Otávio, que caminhava ao seu lado, saindo do Centro de Convenções. Ela havia convidado-o para jantar em sua casa com a cadela.
— A cachorra? — o garoto repetiu.
— É, ela me faz companhia. — Sorriu. — E você não iria se soubesse que estaríamos sozinhos.
Otávio parou de andar.
— V, não...
— Eu sei que você gosta da . — Virou-se para ele, afastada, segurando a alça da bolsa. — Somos amigos, Ota.
— Pensei que estivesse confundindo. Posso ser sincero?
— Por favor.
— Não gosto mais dela como antes. Eu era abestalhado.
— Você ainda é.
Otávio fingiu estar ofendido.
— Vou me despedir agora e ir para casa.
— Você vem comigo. — Puxou sua mão.

Luana estava conectada na internet, navegando num chat, ao som de Sia, e recebeu uma solicitação de amizade de Drika no Facebook. Intrigada, aceitou. Dois minutos depois, Drika a chamou, convidando-a para seu aniversário na chácara. Ela e o grupo do Whats. Então Luana tirou print e colou na janela do grupo:

[Hoje, 19h30]
Luana: Quem vai???
Selena: Hum... Adoro uma fextenha! (emoji aplaudindo)
Jefferson: (emoji pensativo)
Jefferson está digitando...
Isac: Drika tem um círculo de amizades mto estranho, do tipo q convida gentalha.
Luana: Sel, tá ligada q tenho mais o que fazer, né? Aproveite por mim!
Jefferson: Poxa! Eu tb não vou (emoji chorando) Tenho duas provas na semana, mais uma logo na segunda, sem falar no seminário e aulas pra cobrir... Tá tenso!
Selena: =(((
Selena: Aproveitarei por vcs dois, lindos!
Otávio: (emoji dos olhos)
[19h39]
Otávio: SOS: Selena vai descer pra pista!
Selena: Não me adula, cara pálida! Aproveita e vá pegar uma corzinha, q é sol q te falta! (emoji soltando um beijo com coração)
Jefferson: Sel se aquietou.
Otávio: Aí tem!

Através de Selena, ficou sabendo da festa de aniversário da amiga de Isac na chácara próxima ao Country Club. Completamente ciente de que e Virna estariam nela, desconsiderou a remota possibilidade de ir e focou nos estudos, só que, em meio à rotina, acabou se recordando da noite em que visitou seu prédio, pediu que descesse e a convidou para irem a Nova Formosa juntos.
A fala morreu, os pensamentos estacionaram e o coração bombeou sangue numa velocidade perigosa. Conseguiu se recompor para responder com o mínimo de sensatez, recusando a oferta. Tinha certeza de que ele não a faria novamente, mas, se falecessem naquela noite, não haveriam noites futuras para viver ao lado dele.
E essa linha de raciocínio estava ficando meio obsessiva, se você conseguisse escutar a voz dos desejos mudos dela.
— Concentre-se, ! — disse a si, retomando os cálculos de Matemática numa folha de papel.
Demorou menos de segundos para que perdesse a atenção na atividade quando o celular apitou, notificando as novas mensagens no WhatsApp:

[19h39]
Otávio: SOS: Selena vai descer pra pista!
Selena: Não enche, cara pálida! Aproveita e vá pegar uma corzinha, q é sol q te falta! (emoji soltando um beijo com coração)
Jefferson: Sel se aquietou.
Otávio: Aí tem!
[Hoje, 15h00]
Luana adicionou 87 99654----
Selena: A RAINHA DO GRUPO VOLTOU!
87 99654---- saiu

***


Selena adentrou o jardim da casa de Jefferson, encontrando Igor e uma menina conversando, sentados na rede.
Desencostaram as mãos quando notaram sua presença.
— O meu irmão tá lá dentro, no quarto — disse, no intuito de fazê-la ir de imediato, sem graça.
Selena sorriu, concordando e atravessando a área. Abriu a porta, fechando-a em seguida e caminhando até a escada. Subiu de dois em dois degraus, alcançando o piso do primeiro andar, e seguiu pelo corredor vazio e de cores claras.
— Procurando alguém?
Assustou-se ao ouvir a voz de Jefferson, que secava o cabelo com uma toalha, vestindo roupas folgadas.
— Que susto, Jeff! — Deu um tapinha em seu ombro, enquanto ele ria. — Seus pais estão em casa?
— Bem aí do lado. — Maneou a cabeça. — Por quê?
— O que sua mãe diria se me visse na porta do quarto do filho dela?
— “Tudo bom, Selena? E os estudos?”.
Selena revirou os olhos.
— Ela não me veria como um exemplo de nora...
— Sel, acho que preciso fazer você pensar em outras coisas, não é? — Moveu a cabeça para perto da sua, o rosto quase tocando o seu, e umedeceu o lábio. — Minha mãe vai gostar de você, porque ela ama quem gosta da nossa família.
Selena olhava para a boca carnuda de Jefferson, importando-se menos com qualquer coisa que não fosse a aproximação deles após dias sem contato. Do cheiro de perfume, xampu e pasta de dente.
— Eu sei...
— Sabe? — Sorriu, sua voz baixa.
A porta do quarto ao lado se abriu, e Selena empurrou Jefferson para dentro do quarto dele, fechando a porta rapidamente.
Por via das dúvidas, girou a chave na fechadura.
De tão ligeiro, Jefferson ficou parado no meio do cômodo, olhando para a figura envergonhada de Selena. Depois, se deu conta de que estavam somente os dois novamente, mas, desta vez, os dois em seu quarto — seu espaço pessoal, território —, o que se tornou muito primitivo.
Embaraçado, aproximou-se dela.
— Estão aqui fora — ela sussurrou.
— É minha mãe, Sel. Não morde, não.
— E eu lá sei? — Brincou.
A senhora bateu levemente na porta.
— Jefferson?
— Tudo certo.
Escutando os passos de saltos se afastarem, até nenhum ruído ocasionar, Selena suspirou, sorrindo feito boba. Porque a atitude efetuada fora bem boba, do tipo que ela não faria. Talvez por ser a mãe de Jefferson, estar na casa dele, dentro do quarto pela segunda vez.
— Sabe, meu pai gostou de você. Disse que tenho ótimas amigas. Você foi uma das poucas que vieram me visitar e ele aprovou.
— Ele julgou pelo visual? — Olhou para baixo, conferindo a própria veste.
— Não, o seu jeito “Selena, a melhor nora” de ser — zombou. — É engraçado te ver preocupada com o que os outros estão achando...
— São seus pais. Preciso ser aprovada.
— Tu já foi aprovada por mim, e isso basta. Não é um nível que precise subir pra me ganhar, pois você já me tem. Meus pais são compreensivos em relação com quem eu saio, sabe? E bastante amorosos. Eles vão te abraçar e dirão que tu é sortuda. É tudo.
Selena formou um sorriso, aproximando-se do rapaz. Puxou a barra da sua camiseta, elevando-se na ponta dos pés para que suas bocas se nivelassem. Tocou a dele.
E ele tocou a sua.
De novo e mais uma vez.
Até que aprofundaram num beijo carinhoso e cheio de expectativa recém-nascida.

Na segunda-feira, esbarrou em Virna no corredor da faculdade, mas ela se esquivou e saiu andando com a amiga. Em seguida, deparou-se com a ex e teve que demonstrar educação ao ouvi-la por minutos que viraram uma hora. A mulher dizia que sentia falta, que estava bem, que havia conseguido adiantar uma matéria, que viajaria para o exterior no final do ano e que, se ele quisesse, poderiam passar uma borracha e embarcarem juntos. Então , relutantemente, recusou e pediu licença.
Havia visto Virna na cantina da UniCa.
Sorrateiramente, como quem não queria nada, andou para perto, parando próximo.
— V, será que a gente pode trocar uma ideia?
Os olhos de Virna perfurariam até sua alma, com o modo o qual olhava para ele, a postura rígida.
— Faça-me o favor de não me perseguir. Não somos amigos se você não entende que existe um limite que não será ultrapassado.
— Respeito sua posição. Não tô aqui pra falar sobre ou exigir algo. Quero apenas tentar compreender o que, de fato, está acontecendo. Você sabe de alguma coisa que eu não faço ideia, e me irrita que todos os meus “amigos” — disse, gesticulando aspas com os dedos — do grupo saibam, menos eu!
A amiga de Virna abriu e fechou a boca.
— Virna, eu irei atrás do pessoal. Vejo você daqui a pouco! Não se esquece do trabalho!
— Ah, não, é rápido! — Sorriu com os lábios fechados, virando-se, posteriormente, para . — Do que você suspeita? Do que desconfia exatamente?
não esperava que fosse tão direta.
— Para falar a verdade, imagino algo meio sem noção e idiota, como...
— Como...? — insistiu.
— Ciúme. Sentem ciúme de mim e você juntos. Isso é besteira!
— Também acho. Porém, não cabe a nós julgarmos os ciumentos.
— Quem é que sente ciúme, deixou de falar contigo, ficou ressentida...?
— Você sabe quem. Era só perguntar a si. Ela não fala comigo há semanas! Voltou a falar com você?
— Nunca deixou, eu acho. — Olhou para o lado. — Ah, droga! — Posou a testa na mão. — Puts! Logo ela...
— Ela é carinhosa, inteligente, gente boa, gata...
— Menor de idade, amiga de infância, menos atraente... Quero dizer, não me atraio pelo estilo dela. Não me sinto atraído pela .
— Existe um problemão.
— Tá muito na minha?
Virna suspirou.
— Vá perguntar a ela.



Capítulo 22 - parte I

(Clique aqui para abrir a música do capítulo. Sugiro que escute!)

A chácara tinha cheiro de terra molhada, café e bolo de laranja. Sabor de pedaço do “paraíso” tropical. As árvores altas, coqueiros espalhados, sombra debaixo da mangueira, redes amarradas, violão e sanfona, e um monte de gente para aproveitar.
Selena estava decepcionada pelo movimento ameno e a cara da festa de aniversário de Drika, que ela pensava ser descolada. Lado a lado com Jefferson, que a provocava por ter perdido a aposta feita durante o trajeto, bufou, inconformada, descansando a cabeça em seu ombro.
Ele afastou a mecha do seu cabelo da bochecha, abaixando a cabeça para vê-la.
— Ei — chamou —, nada de chororô.
Selena sorriu, virando o rosto.
— Com você do lado, não há tempo pra lágrimas.
— Então me beije.
Ela o beijou, segurando sua face.

Ali perto, Otávio caminhava com as mãos enfiadas nos bolsos frontais da bermuda, observando Virna abraçando Drika e sorrindo. Desviou o olhar para a figura loura, de sardas imperceptíveis, se visto desta distância, cabelo amarrado de qualquer jeito e uma dose de receio misturado com tédio.
— Lua, tédio é o que você menos sentirá quando o Isac notar sua presença.
— Vim preparada. Ele que não mexa com que está quieta. Insuportável!
Otávio riu baixinho.
— Vou ficar contigo.
— Obrigada.
Virna virou, olhando para eles, e acenou.
Otávio acenou de volta.
— É impressão ou você tá dando uma chance?
— Tô curtindo o momento, a V... Ela é... Cara, é o que preciso, mais do que quero e bem mais do que esperava que fosse. É incrível quando você passa a enxergar uma pessoa de outra forma e tudo nela acaba chamando atenção. Não estamos ficando, nem nada, mas temos conversado muito. Eu não tô pronto para sugerir que sou o cara que V iria querer. É como se eu me tachasse o pica das galáxias. Ela está mais à frente...
— Isso é desculpa para a V cansar e ir procurar outro. Não invente.
— Não é fácil.
— Você tá complicando!
— Bem, talvez, hipoteticamente, se tiver razão, o que me diz sobre o Isac e esse interesse disfarçado?
— O Isac me detesta, e o que sinto por ele é tão somente multiplicado pelo infinito do que ele sente por mim.
— Então, provavelmente, é por isso que vejo os coraçõezinhos estourando ao redor de vocês quando se encontram. É mágico!
— Cara, vá comprar seu óculos! — Empurrou-o de leve. — Corações de gelo, só se forem!

resolveu passar no prédio de , antes de pegar a estrada para a chácara, e convidá-la. A morena recusou e alegou indisposição. Apesar disso, insistiu, interfonando para seu apartamento, até que ela desceu, sem liberar sua entrada.
— Oi.
— Vem comigo. Será divertido.
— É o que a maioria diz. No fim, acabo sentada, gorda e de saco cheio.
— Tô pedindo por favor.
— Não força.
— Tudo bem. — Despenteou o cabelo. — Estou a fim de ir a Nova Formosa agora. Tá cedo, a estrada é longa, então preciso sair logo. Você vem, por favor?
— É um assunto seu.
— Que você me motivou a resolver. Se fosse por mim, eu não iria, de verdade! Não teria coragem e vontade de rever a família do meu pai.
— É a sua família também.
— Não considero.
— Ok.
— E...?
— Eu vou. Um minuto.

***


Isac abraçou Drika e seus olhos notaram a lourisse de Luana com Otávio, Virna e Selena. Sentiu Drika desfazer o abraço, afastando-se, e esboçou um sorriso de canto, meio forçado, lhe entregando o presente.
— Faça bom proveito, peste!
— Obrigada, doce de pessoa! — Beijou sua bochecha. — Para de olhar tanto para lá porque tá muito explícito o seu partido anti-Luana. É capaz da oposição vir protestar e arruinar minha festa.
— Não seja dramática. Sabe que minha aversão por ela transparece quando ela tá ao meu lado. Se ficar na dela, não me importo.
— Ela não te provoca.
— Estar aqui é uma provocação.
— Você tem problemas sérios.
— Luana é meu problema. A presença dela, na verdade.
— Acredito que a ausência seja a solução...
— Perfeita.
— Ou o agravamento. De qualquer forma, fica na sua.
Isac revirou os olhos.
— Feliz Aniversário!

Dali a dois minutos, ou menos, lá estava Isac, sentado sob a mangueira, com o violão no colo, dedilhando distraidamente — quem o visse de longe, pois, logo quando percebeu que Luana vinha nesta direção, começou a cantar. Cantar para espantar sua presença, como se fosse um fantasma.
Que mulher ruim! Jogou minhas coisa fora! Disse que, em sua cama, eu não durmo mais, não. A casa é minha, você que vá embora. Já pra saia da sua mãe e deixa meu colchão...

Era final de dezembro.
2013 estava prestes a acabar.
O ciclo do colegial teve fim.
Ali, na garagem de Miguel, onde viveram durante este último ano, entre ensaios, risadas, intrigas e despedidas, o grupo virou um time, que virou uma banda, e se chamaram The Nacionais. Foram convidados para tocarem na festa da cidade pelo prefeito. Então, na sexta à noite, reunidos dentro dos “bastidores ”, abraçaram-se e fizeram uma oração, antes de subir no palco. Depois da sexta, o povo só escutaria especulações sobre os garotos.
Aonde iriam?
Cada um seguiu seu rumo.
— Ei, Isac! Cadê a Luana? — Du perguntou, inocentemente leigo em relação ao paradeiro da colega de banda. — Você não a trancou no banheiro, né?
Isac revirou os olhos.
— Tá no Canadá. Nem vi a sombra dela, hoje, graças a Deus! — Apanhou as baquetas para entregar a Pedro Lucas, que estava do lado de fora com o restante.
Du deu um tapinha leve em sua bochecha.
— Deixa de ser chato, caba!
Isac o empurrou, dando de ombros. Saiu dali, encontrando os outros e, juntos, seguiram para fora, para subirem e darem um show.
Luana sorria para algo que contavam a ela pela tela do tablet. Então Isac se viu soltando um suspiro, mesmo ciente de que, se a loura não estivesse presente, começariam sem ela. Não precisavam falar com a dita cuja.
— Luana, dá próxima vez, ainda que não tenha, vou te trancar no banheiro, garota! — Du reclamou. — Fiquei procurando você feito doido! Até o Isac me ajudou!
Isac fez uma careta.
— Ajudei a cruzar os braços! — falou alto para que escutassem.
— Claro, tu serve apenas pra isso.
Luana riu com a mão sobre a boca.
— Gente, não quero atrapalhá-los. Vão lá e arrebentem! Ficarei assistindo direto de Vancouver. Vocês estão com muita moral, hein! Beijo!
— O Isac tá mandando um de língua — confessou Du, em tom baixo e afastado para que apenas ela conseguisse ouvir. — Entendeu?
Luana revirou os olhos.
— Eduardo Leigher, tu não vale nada!
— Quem não vale é o Isac, safado que fica enviando beijo obsceno via Skype! — Riu. — O show tem que começar. Depois nos falamos, lourinha!
— Quem música vocês tocarão?
— Mulher de Fases.


Isac voltou ao presente quando Jefferson deitou-se na rede, chamando-o. Em seguida, Selena se juntou a ele.
— Parou de tocar por quê?
— Nada, não.
— Lembrou-se da Zoe? — questionou Selena, atrevida.
— Foi — mentiu.
Luana ajudava a servir os salgados aos amigos, oferecendo, em determinado momento, a Isac, que não se deu ao trabalho de agradecer.
— Vamos jogar “Quem sou eu?” — Selena sugeriu.
Jefferson olhou para ela, franzindo a testa.
— É uma brincadeira nova?
— É, gatinho — disse baixinho, e ele sorriu. — É o seguinte: cada um vai falar acontecimentos verídicos que provem traços da personalidade da pessoa, invalidando características físicas, no intuito de que o outro descubra quem é. Para isso, que fique justo, faremos um sorteio de nomes.
— Eu super topo! — falou Drika, com um copo com cerveja na mão. — O Isac é o mais óbvio.
— Veremos.
Sorteio feito, todos com os papéis em mãos, o primeiro a construir uma cena foi Jefferson, que pensou bastante, até pigarrear e iniciar:
— Uma vez, numa viagem — dizia, sabendo do detalhe de que nem todos tinham noção da vida alheia —, eu liguei para essa pessoa, e ela estava dormindo, então continuei discando o número, até que resolvessem me atender. Daí, com a voz grogue, percebi que o fuso horário havia mudado. Essa pessoa me xingou de tudo que é nome! Quem sou eu?
— Partindo do fato de que essa pessoa dormia e foi acordada assim, pode ter sido com qualquer um. — Selena comentou. — Vale lembrar que, se a pessoa sabe que é ela, não admite.
— Posso dar uma colher de chá?
— Não, gatinho.
— Acho que é a Luana.
— Eu nem conhecia a Lu — contrapôs Jefferson para Otávio. — Perdeu sua chance de permanecer calado.
— Hum... É eu? — Isac perguntou.
— Eu já te liguei?
— Não me lembro.
— É o Ota! Certeza! Por pouco tempo de convivência, acredito que ele faria isso... — alternou Luana, acertando. — Bem, já que sou a próxima, me recordo a sensação que tive ao ver que eu teria contato com essa pessoa... Faz parte do nosso grupo. Quem sou eu?
— Selena! — Jefferson e Otávio falaram ao mesmo tempo.
— Não, é o Jeff.
— Eu? Nossa! Foi uma sensação boa, né?
— Claro. — Riu. — Você já participou. Agora, é outro.
— Minha vez. — Virna decidiu. — Hum... Tivemos encontros, jantamos juntos, é uma pessoa que determinou que não existe outra mulher em sua vida, além da mãe, e que é uma das minhas pessoas favoritas no mundo. Quem sou eu?
Selena, Luana e Otávio trocaram olhares.
— Eita!
— É a Sel. — Luana disse. — Sem problemas.
— Na verdade... É, é a Sel. Seria óbvio, mas não consegui elaborar bem. — Terminou abraçada por Selena, que encheu sua face de beijos. — Você é bem teimosinha também, mas nunca jantamos juntas. Precisamos mudar isso.
— É a vez da Sel.
— A gente se encontrou algumas vezes e, numa dessas, achei que fosse diferente, um pouco igual a mim. Me enganei. Temos muito e, ao mesmo tempo, nada em comum. Quem sou eu?
— Puts! Que difícil!
— Luana, Isac ou Drika?
— Luana!
— É a Drika.
— É a aniversariante, mesmo.
— Tá. Bem, houve um jogo de futebol e, nesse jogo, achei que fosse rolar algo a mais, além de bolas na trave. Torci por uma bola na rede, um gol, uma jogada certa, mas essa pessoa é muito cabeça dura. Além disso, é nova na região. Quem sou eu?
— É nova... É a Lu!
Luana olhava para Isac, que, internamente constrangido, encarava Drika com indagações que poderiam ser palpáveis de tão explícitas.
— Ah, uma rua imaginária...
— Deixe-me explicar: a “região” é uma metáfora.
O silêncio caiu sobre eles. O canto dos pássaros rompia eventualmente.
— Entendi.
Luana cogitou se levantar, mas Isac foi mais rápido e saiu, entrando, a passos pesados, na casa.
— Ele é novo. Tem que amadurecer ainda.



Capítulo 22 - parte II

Isac não obteve coragem suficiente de olhar para Luana, nem estar no mesmo local, pois sentia que ela o olhava também; desta vez, não apenas com repugnância refletida nas íris, mas especulação, como se ele fosse um ser oco. O que não era uma verdade absoluta, apesar de, até o presente momento, direcionar a falta de sentimentos bons à garota. À espreita, interagindo apenas com os amigos da faculdade, mantinha a atenção no líquido vermelho em seu copo e na conversa sem nexo de um colega de turma.
— Hora de cortar o bolo, galera!
Os convidados caminharam para o outro lado da casa, cercando a varanda dos fundos, onde a mesa com o bolo de três andares estava posta.
— O primeiro pedaço — anunciou Drika, meio alterada, afundando a faca no bolo de doce de leite — é do meu... É do Isac delícia. Quer dizer, isto aqui é uma delícia. — Lambeu o dedo.
Isac aproximou-se, retirando o prato de sua mão, e Drika o abraçou. Beijou sua bochecha e o cantinho dos lábios, o que fez o garoto estranhar.
— Valeu!
Ele saiu, indo à sala e acomodando-se no sofá.

Atravessando a placa de Nova Formosa, após horas de viagem, depois de atacar o pacote de cheetos comprado por na loja de conveniência, limpava a boca e os dedos, e terminava o refrigerante, enquanto ele procurava a via mais rápida para irem até o bairro em que moraram anos atrás.
Ela sugou com o canudo e olhou de lado para ele.
— Você tá bem?
— Um pouco nervoso. — Abaixou o volume da rádio. — Para falar a verdade, muito. Você me conhece. Não sou um exemplo de gente que enfrenta problemas. Meio que tenho a tendência a fugir.
— Assusta-se com facilidade.
— Relacionamentos são complicados... Principalmente, os que têm início torto.
ajeitou-se no banco, averiguando as mensagens recebidas há três horas, quando estava na estrada, dos pais.
— Tenho que visitá-los. — Notou visualizando o celular. — Estão preocupados.
— Será que pode ser quando eu sair de casa?
Calados, seguiram até a rua e a frente da residência de muro alto, primeiro andar e cerca elétrica; notoriamente, mudada em relação às lembranças de .
A casa de continuava intacta.
Depois que foram embora, a cidade sofreu uma inundação da barragem, que teve suas comportas abertas, e renascia. Os poucos prédios terminaram sendo desocupados.
estacionou o carro a metros afastado.
— Não tô pronto. — Desligou-o, mas não puxou a chave.
— Dará tudo certo.
— Não, ele é um babaca! Continua sendo um! Me trocou, trocou minha mãe e...
Você foi embora daqui. Ele não te expulsou. Sabe disso, ! Escuta! — Retirou o cinto, colocando-se de frente para o rapaz. — Vá até lá e tenta consertar as coisas. Conversa com seu pai, conheça o seu irmão, senta e responda as perguntas dele... Assim, após isso, volte e iremos embora. Nunca mais precisará vir de novo.
— Não quero e não preciso fazer isso. Estar aqui é perca de tempo. — Girou a chave. — Põe o cinto.
não acreditava nisso, na falta de atitude, então abriu a porta e bateu.
! — chamou. — , entra no carro!
— Eu visitarei os meus pais! — Atravessava a rua asfaltada, subindo na calçada e andando para a casa azul.
buzinou e socou o volante.
Arrependeu-se quando os cachorros da casa da frente começaram a latir e a porta da garagem se abriu, revelando uma criança com uma bola embaixo do pé.

***


O amigo de Isac aproveitou a brecha para se aproximar das garotas que conversavam em meio às risadas. Selena e Luana comentavam sobre Drika estar bêbada e cometer gafes, mas, sendo em sua própria festa, tinha um desconto.
— Oi, pra vocês! — cumprimentou, segurando um capeta¹ com álcool.
Luana o olhou com discreta aversão.
— Olá! — Selena sorriu. — Algum problema?
— Não, não, só estava pensando no porquê duas gatas estão sozinhas...
— Opção. — Luana cortou. — Não precisamos ter companhia masculina, a nossa nos basta.
— É verdade, mas — explicava Selena, que recebeu um olhar de reprovação de Luana — não me importo e até gosto de interagir com garotos.
— Bem, também gosto de interagir com meu sexo oposto. Vocês são a oitava maravi...
Isac pigarreou, dando um tapinha amistoso no amigo.
— Ele tá perturbando?
— Não, ele é legal. — Selena falou. — Bem bonitinho.
Luana segurou os ombros da amiga, retirando o copo de sua mão, por precaução.
— Na verdade, seu amigo é inconveniente. Nós atraímos pessoas iguais a gente, né? Deve ser por isso que vocês são amigos. Vem, Sel! Vamos embora!
Isac a viu ir, calado, com um desaforo que engoliu travado na garganta. Virou-se para o garoto e suspirou, afastando-se.

Com a mão dentro da calça, Jefferson conversava e observava Selena andar cambaleante com Luana, que a guiava para dentro da casa. A mais nova sentou-se no sofá, encostando a cabeça no estofado macio e fechando os olhos.
— Eu tô bem.
Jefferson apareceu, em silêncio, na porta.
— Sel?
— Sem sermão, gatinho.
— Você bebeu metade da garrafa que o cara oferecia?
— E vou vomitá-la lá, então não tem problema. — Brincou. — Eu tô bem. Não sou fraca. Consigo bater o recorde de qualquer um desses caras.
— Não acredito que você bebeu.
— Ah, qual é?! Sabe que bebo, saio pra festas, gosto de dançar...
O tom de voz dele tinha uma nota de chateação, crítica e surpresa.
Luana captou. Selena, não.
— Eu sei que você bebeu naquele dia, que estava tentando chamar atenção, que pode até gostar, mas também sei que é menor de idade, irresponsável e inconsequente. Resumindo, tu é uma adolescente que tá tentando experimentar de quase tudo, achando que vai conseguir provar algo ou encontrar seu lugar no mundo. Está pulando etapas.
— Beleza, pai. Não prometo não fazer de novo, mas maneirar na dose.
— Sel, isso não é brincadeira! Tô falando sério contigo!
— E eu tô escutando, mas você não manda em mim, nem meu namorado é... Deixa eu curtir em paz!
Jefferson cruzou os braços.
Mais do que namorado, era um amigo. Independentemente de não ser seu namorado, apenas um rolo, continuavam ligados.
— Não sou, mas gostar já é o suficiente pra cuidar de você. É por isso que, enquanto estiver perto de mim, não permitirei que beba na minha frente. Se quiser beber em outro lugar, não impedirei, mas, se eu souber ou ver, não deixarei. Quando você for maior de idade, pode até cair... O problema é seu.
— Jeff...
— Tá tudo bem comigo. Com você é que não está.
— Ei, gata! E aí?! — O amigo de Isac se materializou perto deles, preocupado superficialmente com Selena, que sorriu com os lábios fechados, grogue. — Você tem um fígado bom.
— Que papo furado! — Jefferson comentou baixo, virando-se para fora e deixando a casa.

estava em frente ao portão aberto, encarando a figura pequena do garoto com a bola embaixo do pé e sendo encarado de volta. Como se ele fosse “seu eu” aos 10 anos de idade. Pareciam-se, exceto pelo cabelo liso, que já não mais o tinha, preto, o tom da pele semelhante, olhos e nariz. Chegava a ser impressionante a aparência que tinha com a idade dele.
— Quem é você?
Assustado com a voz infantil, mordeu o lábio, visualizou o carro, tentado a ir, mas olhou para o garotinho.
— Eu sou o...
. Alexandre . — O pai deles, em pé na área da casa, com uma bolsa de couro transversal, gravata e terno, não continha a emoção em revê-lo. — Meu filho. Meu e de Helena.
— Não fale o nome dela — pediu, carrancudo — em vão. Não ouse tocar no nome da minha mãe!
— Sinto muito. Claro que não falarei, se isso te incomoda. — Sorriu, limpando o cantinho dos olhos, deslumbrado. — Natalie!
— Você é meu irmão?
— Não.
— Entre, , por favor — o pai pediu.
— Já estou dentro e desconfortável o bastante aqui. — Suspirou. — Vim porque... Não... Escute. Tenho uma amiga que acha que vir seria uma ideia boa, a solução para tanto remorso que, sem ter consciência, guardei durante todos esses anos. Ela acredita que mágoas passadas são um atraso de vida, e faz sentido.
— Entendo. Concordo demais com sua amiga.
— Pois é! Então cá estou. — Ergueu os braços. — Voltei.
— Natalie, é o ! — avisou à esposa.
— Olá, Alexandre!
— Apenas .
— Precisamos conversar sobre tudo. Foram muitos anos negligenciados.
— Jogados no lixo.
— Com certeza! — o pai concordou. — Prometo te escutar e peço que me escute. Se veio até a nossa casa, é porque permitiu que todas as conclusões que tirou ficassem do lado de fora. Agora, é a hora da verdade.
— Sim, mas esse moleque não é meu irmão.

¹Capeta é uma bebida feita com nescau/nesquik, leite condensado e guaraná, com gelo.



Capítulo 23

(Clique aqui para abrir a música do capítulo. Sugiro que escute!)

alternava as estações da rádio, até parar numa música do Jota Quest. Inclinou o corpo, acomodou-se no banco e esperou. De repente, a outra porta do carro se abriu e entrou.
Ele demorou a raciocinar, limpando os olhos e chorando mais um bocado, até segurar o volante e tocar a testa nele. Respirou fundo e olhou para ela. Notou, pela primeira vez, sua presença.
: letras e um amor maior que ele.
Como dizia a música.
— Como você entrou? — perguntou, tentando acalmar os ânimos, e a voz saiu embargada.
— Você não ativou o alarme.
— Merda. Eu poderia ter sido roubado. Iríamos embora como?
— Você dormiria na casa do seu pai, no quarto do seu irmão.
chorou mais, de afundar o rosto nas mãos e soluçar. Daí, sentiu os braços de envolverem seu corpo, o seu calor protegendo-o, e a segurança que o ato transmitia o fez querer se aninhar nela e dormir ali. Nem que fosse por um minuto inteiro.
— Ele tem 10 anos. É tão obediente, educado e doce... O oposto do que fui. — Riu baixinho contra seu colo. — Dei muito trabalho. Até hoje, dou. Como podemos ser irmãos?
sorriu, adorando tocar as mechas grossas e escuras do seu cabelo, os dedos acariciando o couro cabeludo, sentindo o cheiro dele e o frio na barriga.
— Quer realmente que eu te explique?
— Não. — Fungou e sentiu-se constrangido. — Desculpa por isso; ter te trazido, colocado nisso e coberto com todos os meus medos.
— Você está se desfazendo, e eu precisava estar aqui para te ajudar, se fosse muito duro.
— Por quê? — A voz veio abafada. — Por que precisa? Sou todo errado, defeituoso, medroso, nunca faço o que é necessário.
— Fez hoje. Dá para anular um defeito? Seja menos rígido com você. — Beijou sua cabeça, a têmpora e afastou o cabelo da testa, tocando os lábios nela demoradamente, de olhos fechados.
Pra saber se é amor, quero um amor maior que eu... — cantava na mente.
Eu quero ficar junto, mas sozinho só não é possível. É preciso amar direito, um amor de qualquer jeito. Ser amor a qualquer hora, ser amor de corpo inteiro. Um amor de dentro pra fora, amor que eu desconheço.
Quero um amor maior... Amor maior que eu... — cantou para si, para que se acalmasse completamente. Abraçou o corpo de . — Tá sentindo isso?
— O quê?
— Fome.
riu.
— Eu tô sentindo tanta coisa, que é difícil assimilar fome de que.
ergueu o rosto, as sobrancelhas arqueadas.
O sorrisinho se estendeu.
— Mesmo eu estando deprê, você não me dá descanso.
— Eu não conto a ninguém.
Ele tocou suavemente a bochecha dela, e ela sentiu os pelos eriçarem.
— Obrigado por ser assim, disposta, bondosa, amiga... — dizia, atento às respostas faciais de , e a viu desanimar. — Você é mega importante pra mim. Mesmo que eu seja lerdo e dê prioridade a quem não merece, você continua tendo seu espaço reservado. Quero te dizer que você é linda. Eu nunca disse.
— Obrigada. — Suspirou, olhando para seus lábios e olhos.
curvou a cabeça, buscando sua boca, e posou a dele entre seus lábios. A pressão suave preencheu o coração de , que quis puxá-lo, se deitar sob ele e ser beijada com volúpia.
O rapaz finalizou o beijo, desgrudando os lábios e vendo-a de olhos ainda fechados.
Quando ela abriu, sorriu.
pensou que o mundo seria mais divertido e apaixonado se existissem outros s iguais a este.

***


Desde o dia anterior, depois de tomar um banho ao chegar pela madrugada, Jefferson seguiu pela rua do condomínio e parou em frente à casa de Virna, que estava acordada por ter ido mais cedo para casa, brincando com a cadela na varanda.
Ela tinha a aparência revitalizada. Nem parecia com alguém de ressaca.
— Ei, ruiva! — Sentou-se na borda da mesinha, virado de frente para ela. — Eu tô o caco.
— Vá dormir.
— Dormi e acordei com dor de cabeça. Aqui tem remédio?
Ela se inclinou, alcançando sua cabeça com as mãos, e tocou-o nas têmporas, massageando suavemente.
— É uma técnica.
— Desde quando tu sabe fazer massagem?
— Faço na Lola.
Jefferson olhou para a cadela.
— Mais bem tratada que eu.
Virna riu fraco.
— Lola tem vida de madame.
— Eu tenho de homem sofrido.
— Como você está com a Sel? — Levantou-se, entrando na casa, e Jefferson foi atrás, para buscar o remédio.
— Ela vive de acordo com o que acha certo, e eu também.
— Estão bem com isso?
— Não. — Sentou-se na banqueta. — A gente discutiu, ontem, na festa. A Sel é bem complicada de lidar quando bebe. Eu não consigo.
— Sel é adolescente. Muitos têm a “vantagem”, digamos assim, de culpar a idade, a fase e são complexos, metem os pés pelas mãos. Eu sou muito adolescente, às vezes.
— Penso nisso bastante. — Amassou um lábio no outro. — Não sei o que será da gente. Os opostos costumam se repelir também.
— Jeff, não se precipita. Você gosta dela. Tipo, pra car*lho, que eu sei, então toma uns calmantes antes.
Jefferson sorria.
— Tá andando muito com o Otávio.
— É força de expressão. — Ficou vermelha, mas ele não comentou a respeito. — Engole dois comprimidos.

Mais tarde, Selena enviou uma mensagem, assim que despertou, para Jefferson:

[Hoje, 16h00]
Selena: Não vou dizer q me lembro de mta coisa, pq mta coisa tá embaçada na minha mente, MAS, se fiz algo de errado, por desencargo de consciência, peço desculpa. Não quero brigar contigo.
[16h20]
Jefferson está digitando...
Jefferson: Nem eu.
Selena: Onde vc tá?
Selena: Estamos bem?
Jefferson: Precisamos conversar.
Selena: Onde vc tá???
Jefferson: Tô em casa. Acabei de chegar com a V. Ela vai jantar aqui.
Selena: Vc briga cmg e corre pros braços da V?
[16h35]
Jefferson: (emoji revirando os olhos)
Jefferson: Não, Selena, eu não corri pros braços da minha amiga. Ela é como uma irmã de criação, tu sabe! Se eu quisesse a V, então eu estaria com ela e não com vc!
Jefferson: Seu ciúme tá te deixando cega.
Selena: (emoji pensativo)
Selena: Eu quero te ver.
Jefferson: Amanhã na aula.

Isac não esperava, nesta tardezinha, quando iria sair com os amigos, receber um comunicado especial — um e-mail com o assunto 'The Nacionais'.
Era de uma fã, de alguma cidade do interior, que queria que tocassem em seu aniversário; que ele fosse seu “príncipe” na festa de debutante e tocasse por uma hora.
Isac leu o valor do cachê e até tossiu, de tanto espanto.
Tinha 48 horas para dar uma resposta.



Capítulo 24

havia deixado em casa, segura e menos sã devido ao beijo recebido no carro. Não trocaram nenhum outro e, precipitadamente, ela tentou trazê-lo, arrastá-lo para dentro do apartamento, contudo, consciente de quem era, ali, apaixonada, não ultrapassaria essa linha.
Ainda que tivesse permissão para fazê-lo.
— São apenas beijos meus que guardei e quero entregá-los a você. — Sorria docemente.
Ele recusou, balançando a cabeça, a mão sendo segurada.
— Falarei com você mais tarde. Vá dormir. Eu te ligo. — Demonstrou com a outra mão, em forma de telefone, no ouvido. — Tranca a porta.
— Tudo bem. Vá com Deus!
— Amém!

Isac não estudava na UCA, porém, às vezes, ia até lá para badernar, ou, melhor explicando, encontrar os amigos no campus. Neste dia, não teve vontade de ir, nem de assistir aula. Estava farto! Como quando acordamos de mau humor e tudo à nossa volta irrita. Até a voz do porteiro do prédio, que o cumprimentava diariamente, parecia puxar assunto de propósito justamente nesta manhã. Teve que perder as duas primeiras aulas para poder estudar para as três provas da semana. A casa estava uma bagunça, o quarto também, o banheiro fedia, e ele precisava fazer a barba — arrancar os pelinhos finos, que não chamavam atenção por ser tão pequenos —, além de se alimentar. Nunca tinha perdido o controle da organização, mas isso quando morava com mainha. Agora, devia jogar a roupa suja na máquina, lavar os pratos e deixar as tarefas mais nojentas para o amigo, já que era dia dele e a faxineira não vinha.
Arrumou uma mochila para guardar o essencial para a festa de aniversário da fã do The Nacionais, um pôster com todos da banda e apanhou o case da guitarra, que comprou seminova. Colocou tudo no canto e resolveu retornar à sala, sentar e responder o e-mail da aniversariante.
Nele, entretanto, como fã, ela tinha noção de que eles haviam se separado e cada um seguiu uma carreira distinta, bem como o combinado. Levando em conta esse detalhe, pedia que fosse a banda, ou seja, todos os integrantes, mas também pedia que, caso realmente não fosse possível, levasse, ao menos, um para tocarem juntos.
Quem mais, se não Luana, que voltou do Canadá?

***


Atenderam a porta para Selena, que atravessou o corredor sozinha, sem ser questionada, e foi à cozinha.
Encontrou Jefferson e Virna rindo.
Era tarde, turno habitual dos estudos dos dois.
— Selena, amiga, senta! — sugeriu Virna, com o celular numa mão e batatas Ruffles na outra. — O Jeff estava te esperando.
— Me esperando?
— É, maluca! Vocês têm aula... — Olhou para Jefferson, que olhava para Selena.
“Não posso te dar aula, hj, Sel. Desculpa! A matéria apertou e tá sugando até a raiz do meu cérebro!” — leu o que ele enviou mais cedo na janela privada.
Virna sorria.
— Isso é algo que o Jefferson diria, de certeza.
— Ele disse. Tá aqui. — Ergueu o aparelho. — A matéria a ser estudada se chama Virna? É essa a desculpa?
Jefferson conferiu o relógio na parede.
— Nosso horário já passou. Não sou seu professor agora, então não pode me cobrar nenhuma explicação.
Calada, Virna levantou-se devagar, despedindo-se de ambos e deixando a cozinha.
Este era um momento deles.
— Estou falando contigo.
— Tô ouvindo. — Avisei que viria, hoje, para te ver, não por causa de estudo. Você a convidou antes ou realmente me dispensou pra ficar com sua amiguinha?
Jefferson suspirou.
— Esse ciúme besta não combina com a Selena que eu conheço.
— Se isso foi um teste, achei que não existissem fases e que não tivesse virado um joguinho.
— Não é nada disso. A V apareceu, e eu a deixei entrar.
— A V sempre tá no meio! Ali, observando, pronta pra dar em cima!
— A V apareceu antes de você entrar na minha vida. Ela é minha amiga, e eu não abro mão.
Selena abriu e fechou a boca.
— Não quero brigar. Tu é a última pessoa com quem eu brigaria. Preservo a gente. Mas não pensei que daria trabalho, que fosse pesado e que me fizesse repensar se tomei a decisão certa. Eu gosto de você. É verdade. Todo mundo que me vê falando, olhando, conversando e até discutindo contigo sabe que gosto muito de estar com você. Só que, Sel, eu gosto mais de mim.
Como um soco no estômago, de perder o fôlego, Selena não soube o que dizer. Não queria que fosse um embate de palavras que ferissem o ego, uma disputa acirrada de quem contra-atacava mais, xingava, batia, até terminarem tudo — que não tinha nome —, para se arrependerem depois.
— Também gosto mais de mim, é claro.
Jefferson levantou-se, rodeando a mesa, e tocou seus pulsos, até as mãos encaixarem na outra.
— Gostar mais da gente é o mínimo de amor próprio que devemos ter. Se eu não gostasse o suficiente de mim, como dedicaria o excesso a você? Você me faz acreditar que felicidade é ter uma porção de amor dentro de nós que serve pra nos aquecer. Não quis soar grosseiro. A V é uma amiga, e você é...
Selena o observou.
— Sou o que?
— A garota que eu gosto.
— Você tá chateado por causa da festa?
— Confesso que fiquei e, por isso, a V veio. Converso sobre essas coisas com ela. Ter uma amiga dá pra aprender a lidar com o gênio feminino pra tentar te entender. Você é adolescente, mete os pés pelas mãos, e sou meio velho para pouca idade. Este sou eu. Vou puxar sua orelha, te beijarei, ensinarei o que você pedir e aprenderei contigo. Relação é uma via de mão dupla, né? Só não quero que pule etapas. Não envolve apenas tu quando bebe, mas seus pais e a mim, que sei que é errado, entende?
Ela maneou a cabeça.
— Não quero alguém me regulando.
— Mas, Sel...
— Meus pais têm essa função, por natureza. Você é o cara que eu gosto também, tô conhecendo, e tá tão bom assim, não é? Para que estragar com cobranças?
— Entendeu o que eu disse?
— Entendi que você tá agindo como um irmão mais velho. Nós somos apenas amigos coloridos... É... — Viu-o rir, descrente. — Não temos nada sólido.
— Selena, tu realmente tem consciência do que tá me falando? Não fico com mais alguém e acredito que você também não quando não está bêbada, e isso é o que importa.
— Eu não sei o que está acontecendo. Na real, nunca estive num relacionamento sério. Nunca. Então não adianta cobrar porque posso teimar, bater o pé e ficar sobrecarregada. Talvez...
— Talvez o que? — Cruzou os braços, inexpressivo.
— Talvez a gente não sirva realmente pra fazer isso. A quem estamos querendo enganar?
Jefferson levou as mãos à cabeça, passando por entre as mechas.
— A diferença entre nós dois, a mais pertinente, que poderia e tá nos prejudicando, é que eu sei o que quero, e você, Selena, sabe?
Selena tinha 17 anos recém-completados e, ainda que demonstrasse “extrema” segurança acerca dos mais variados âmbitos da vida, durante o final da adolescência, planejava explorá-la com mais pressa, amar, beijar, sair; sozinha, com amigos, familiares, sem ter quem freá-la num rompante, sem ditarem as regras de um relacionamento — aparentemente — sério e sem atingir o outro, a não ser a si.
Se Selena soubesse como seria ter uma DR (discussão de relacionamento), com certeza, não estaria em uma.
Essa pergunta poderia ser feita em cinco ou seis anos... Quando estivesse, provavelmente, terminando uma graduação, pois nem disso sabia.
Como explicar ao cara que você é a fim que não está pronta para continuar de rolo, esquentando seus braços, beijando-o frequentemente e se apegando cada vez mais? Parecia, na escrita, tudo certo. E estava, se não fosse a seriedade que aquilo tomaria, eventualmente, e o medo que sentia disso — de querer, secretamente, o que Jefferson oferecia, mesmo que parte de si negasse ferozmente.
— Não, eu não sei.



Capítulo 25

Nem em seus piores pesadelos, Isac poderia sonhar em ter que chamar Luana numa janela privada e correr atrás de sua atenção por míseros segundos. Seria como naqueles filmes de terror, em que, geralmente, o protagonista acorda ofegante. Ao contrário disso, estava nervoso. Nunca conversaram sobre qualquer assunto que não fosse o passado da banda, ainda que o motivo para falar com ela, agora, envolvesse esse também.
Deitou-se sobre o travesseiro, afundando o rosto nele, e destravou a tela do celular.

[Hoje, por volta de uma e meia]
87 99561----: (emoji dos olhos)
Luana visualizou, mas não respondeu.
87 99561---- está digitando...
87 99561----: Eu sei q vc viu, mas tá me dando uma aula de “como ignorar alguém’’, só q, antes de me bloquear, vou dizer o pq tô te atrapalhando: basicamente, uma garota, q se diz fã do TN, resolveu me alugar pra dançar com ela e tocar na festa. Porém, ela quer outro membro. Só tenho, indiretamente, contato contigo, então... O cachê é o q me moveu a te chamar. Dá pra ter noção da quantia?
[O mais tardar possível depois...]
Luana: Não tô interessada.
87 99561----: Vc não quer o dinheiro? Tudo bem. Eu fico com tudo.
Luana: Vc tá atrapalhando meus esquemas! São duas fucking horas da manhã!!!!!
87 99561----: Vc tá acordada a essa hora, então não vem descontar seu humor dos diabos em mim!
87 99561----: Puts! Comé q uma pessoa nasce UMA vez e sai do útero assim?
Luana: Às vezes, eu me esqueço de q tô respondendo uma criONÇA. Hora de bb estar na cama, Isac! Vá encher o saco do seu pai!
87 99561----: Vou confirmar sua ida, lourinha.
Luana: EU VOU CONFIRMAR É A SUA IDA AO INFERNO, sem passagem de volta! Adeus!
Desbloquear 87 99561---- para enviar a mensagem?

***


acordou alegre, esperançosa e com vontade de sorrir sem parar. Tocou os lábios, numa tentativa inútil de relembrar o peso do toque e o gosto da boca de .
Ele a beijou, finalmente.
Apenas manteve-se quieta, esperando uma reação. Nada como um beijo. Nem passou pela sua cabeça que ele a beijaria, dadas às circunstâncias. E, por ter sido beijada, agora, sentia-se confusa. Em alguma ligação na engrenagem do seu cérebro, havia um alerta de que, apesar de ter sido uma cena bonita, poderia não passar disso. Poderia ter sido pelos motivos errados. Por caridade, pena, emoção... Poderia ser por tudo, exceto reciprocidade.
Então a alegria vacilou, e a esperança enfraqueceu.

Selena encontrou os amigos no colégio e sentou-se no banco em que os dois estavam, sentindo-se péssima.
— Bom dia, Selena! — Otávio acabou gritando, e a adolescente tapou o ouvido, lhe dando um tapa no braço. — O que é que há?
— Preciso de férias.
— Ah, eu também! Não vejo a hora de me livrar da escola!
— A vida é mais dura que o Val... — comentou Luana.
— Quem me conhece sabe que gosto de andar sozinha, mas a experiência de ir acompanhada foi interessante.
— Do que tu falando?
— Ota, vá passear. O assunto aqui não é liberado para opiniões masculinas. — Luana pediu.
— Nossa! Boa sorte, Sel! — Ele se levantou, saindo em seguida.
Luana virou o corpo para Selena e esperou sua atenção, antes de iniciar a frase:
— Você tá apaixonada?
— Não.
— Percebeu que andar com alguém pode ser mais divertido quando se tem outra companhia bacana?
— Mais ou menos. Eu já imaginava que o Jeff fosse essa companhia, mas não que ele mexesse comigo.
— Continue.
— Não tô preparada pra encarar um relacionamento.
— Ele te propôs um?
— Insinuou que estávamos num relacionamento sério. Não beijei ninguém, além dele, por falta de oportunidade. Qual é?! Não ficaria amarrada a um cara!
— Você pode mentir pra mim, mas não dá pra enganar a si. Gosta dele.
— Eu não esperava que fosse assim, desse jeito... Que eu me apegasse, entende? A gente ficou junto, sem ninguém no meio, e as coisas ficaram sérias. Não consegui me situar. O Jeff me cobra, e não quero perder minha identidade. Mudar para agradar. Precisamos ceder, mas a questão é que não estou a fim. Nossas diferenças, no início, revelaram o que teríamos que superar, só que não dá pra enganar a nós, como você disse. Somos o oposto do outro. Ninguém quer abrir mão de algo.
— Sinceramente, acho que há um pouco de medo nisso. Você não precisa se justificar. — Ergueu as mãos. — O seu caso me lembra do amor platônico dos meus amigos no ano passado. Miguetrix¹. Eu era a maior shipper! Acho que nasci pra ser terapeuta de casal não assumido. Preciso esfregar nas fuças de mais gente o óbvio. Eles ficaram juntos e estão namorando até hoje.
Selena sorriu.
— Amo finais felizes! Romances me deixam carente.
— Você ama romance? Este mundo tá de cabeça pra baixo!
Selena a empurrou.
— Dá vontade de ter alguém pra chamar de “seu”.
— Não sou muito fã, então minha opinião não vale... Sabe o que realmente acho? Que você tá inventando desculpa para o seu medo. Ao mesmo tempo que dar um nome ao relacionamento de vocês te assusta, excita.
— Será?
— Liga pra ele.

***


Jefferson ligou para , que postou no grupo se alguém queria carona neste dia, e duas almas ansiosas disseram que “Sim, nós queremos!”:
Selena e .
Quando Selena invadiu o estacionamento da UCA, Jefferson, que guardava os pertences no banco de trás, olhou para sua figura aproximando-se com uma bolsa de colo e uma pasta na cabeça. Dali, conseguiu enxergar nitidamente seu olhar apreensivo, mesmo não tendo como decifrá-lo. Sentiu que poderia cometer uma ação que entregasse o estado surpreso em vê-la e, por isso, preferiu não arriscar, fechando a porta e apoiando-se na do motorista, à espera de .
— Oi.
Ele demorou a responder, sem perceber, de fato, que a pergunta foi direcionada a si, o único universitário presente no estacionamento.
Não esperava que Selena agisse naturalmente.
— Oi, Selena.
— Não sou mais a Sel? — Observava-o, mas Jefferson estava virado de lado.
— Foi mal a demora, meus amigos! — chegou, ofegante. — Podemos ir.
Aproveitando a deixa, Jefferson entrou no carro, e Selena abriu a porta de trás.
Durante o trajeto, uma canção ressoava pela rádio, e os olhares de Selena foram de encontro aos fugazes de Jefferson pelo espelho frontal.
— Sel, tu sabendo da festa no sábado? — perguntou , descendo a barra de rolagem do celular, no banco do carona. — O primeiro lote tá em conta. Serão cinco atrações.
— Nem vi ainda. Minhas irmãs irão, provavelmente.
— Eu tô pensando em ir... Se quiser carona, é só avisar!
— Tá certo.
— E você, Jeff? Depois não diga que não chamei.
Jefferson girou o volante, prestando atenção demasiada no lado de fora.
— Não curto essas festas. Para mim, open só se for de água.
cantarolou o refrão de uma música.
— Muito bem! Tem que poupar o fígado!
— Eu tento poupar o meu, mas ele não quer ser poupado! — gracejou Selena. — Não bebo cerveja, bebo água.
— Não que seja da minha conta, mas toma juízo, Sel, que tu é menor de idade!
Selena olhou para Jefferson, que, sem querer, encontrou seus olhos.
— Olha quem tá aí! — Jefferson sorriu para , parada no meio-fio em frente ao colégio, pacientemente, à espera.
Ela pulou para dentro do carro, cumprimentando Selena com um abraço rápido. estendeu a mão, e a segurou, sentindo os dedos dele a envolverem como um cobertor.
Jefferson tocou a sua duas vezes, aberta e fechada.
— Como foi a aula, criança?
— Estou prestes a me formar, Jeff! Dá um desconto!
— Estamos bem de amizades, né, ?
— Elas são sensa! Não troco nenhuma por novas.
Selena apertou suas bochechas.
— Lindão!
— O tá soltinho... Eita, peula! Tomou o que?
— Chá de coragem. Sábado que me aguarde!
— O que tem no sábado? — perguntou.
— Festa na Ribeira — respondeu Selena.
A adolescente afundou as costas no banco, sentindo-se enjoada.
— Dá para desenrolar lá. — Jefferson disse. — Vou deixar a primeiro, depois tu e a Selena.
— Por mim, tudo bem — concordou .
Eis que, enquanto deixava um e, em seguida, outro, o que não foi proposital Selena ser a última, desde que esta morava longe, restaram somente os dois dentro do veículo em movimento.
Selena havia passado para o banco do carona e fingia estar entretida com o iPhone.
— Você tá com raiva?
Jefferson sentiu alívio pelo silêncio desconfortável ter sido rompido.
— Por que eu estaria?
— Faltei aula hoje.
— Ah, é... — disse distraidamente. — Nem notei sua ausência, pra falar a verdade.
Rapidamente, Selena analisou seu rosto e desviou a atenção.
— Desculpa ter furado. Acabei me esquecendo.
— Sem problema. Gostaria que tu se empenhasse mais. Não estarei disponível pra sempre.
O pânico e a incerteza domaram Selena, em medidas distintas.
— Vai me substituir? — Tentou um gracejo.
— O que eu disse foi um toque. Andei pensando em várias coisas, e meu irmão será pai, então vou visitá-lo assim que o semestre acabar.
— Hum...
— Tenho que te falar que, sobre nossa última conversa, entendi. Finalmente, fiz o que tu quis tanto. Me coloquei em seu lugar e caiu a ficha de que você não me deve nada. Respeito sua escolha de viver como queira. Nutro muito carinho por você, de verdade!
— Também nutro carinho por você, Jeff — respondeu baixinho.
Selena esperava que ele fosse insistir, agir conforme imaginava que alguém que gostasse de outro alguém faria. Entretanto, era exatamente o que Jefferson fizera. Respeitando sua vontade e levando em consideração sua escolha, demonstrava isso.
Jefferson gostava de Selena por nenhum motivo em particular.
Pena que este cara não dava certo com esta moça.
Não aqui, nem agora.
— Que bom, porque eu gostaria de propor aulas todos os dias.... Usar o máximo de tempo disponível pra estudarmos. Você não quer pegar recuperação nas férias, não é?
— Deus me livre!
— Pois bem, amanhã, às 15h, esteja na minha casa. Não se atrase!

¹Miguetrix é o nome do shipper dado ao casal formado por Miguel e Beatrix, protagonistas do primeiro livro (Enrolados).



Capítulo 26

[Ontem, 00h00]
Virna: ...São duas seletivas.
Otávio: Vc vai se dar bem, V! Rlx!
Virna: Será?
Otávio está digitando...
Virna: Pq o nível das provas é alto!
Otávio: Claro! Sei do seu esforço e potencial. Tá meio óbvio q vc vai passar...
Virna: (emoji revirando os olhos)
[00h09]
Virna: Não é assim. Se fosse, eu estaria BEM menos tensa!
Otávio: Sossega!
Virna: Bem q achei q conversar ctg me acalmaria. Obg, Ota! Vc é sensa!
Otávio: Sensa é o wpp, q nos conecta
Virna: Tenho q dormir agora.
Otávio: Vá. Vá, sim. Depois, me fala como foi lá, viu? Boa sorte, V! Vai dar tudo certooo! Beijo!
Virna: Beijo!

O sábado teve gostinho de “quero mais” para os festeiros, como e Selena. Ao lado das irmãs gêmeas, Selena caminhava pela calçada, bêbada e rindo à toa. Atrás delas, com amigos e o braço sobre os ombros de uma garota de top, acompanhava-os a passos vagarosos, depois de uma noite frenética ao som de bandas aleatórias. Passava das três da matina, e tudo o que ele queria era emendar a noite na manhã e cair na cama da moça. Não estava completamente lúcido, mas não sentia sono.
— Vamos lá pra casa? — sugeriu baixo, quase num sussurro, colando a boca em seu ouvido.
A garota abriu um pequeno sorriso, arrepiada.
— Vamos cada um pra própria casa — respondeu. — Eu te ligo mais tarde.
— Jura?
Não esperava que ligasse.
— Tô dizendo...
— Eu acredito. — Balançou a cabeça, virando seu rosto com uma mão. — Tchau! — E lhe deu um beijo, o qual as crianças deveriam tapar os olhos.

A rampa de skate parecia terrivelmente perigosa, para as mães de alguns pré-adolescentes, na praça perto da biblioteca municipal. No caso dos adolescentes, eles que se virassem se ralassem o joelho! E, no caso de Luana, ela era uma das garotas que andavam por lá àquela hora.
A loura desceu a rampa com cautela, equipada com sua proteção.
Um dos garotos assobiou, contente e um pouco deslumbrado com a moça loura que pusera muito marmanjo no chinelo.
Ele tinha a aparência esteriotipada de um skatista.
O cabelo longuinho chamou atenção de Luana, que colocou o skate embaixo do braço ao terminar o salto. Via o menino se aproximar sorrateiramente, mas não se importou.
— Ei, cara! Você arrebentou! — disse, entusiasmado. — Nossa! Tô besta! Era difícil, depois da minha irmã, alguma menina praticar assim.
— Estou vendo várias aqui.
— Bem, não como vocês duas.
— Sua irmã parou de andar?
Os olhos esverdeados se tornaram hesitantes.
— Faz tempo.
— Imagino que tenha sido muito boa.
— Sem dúvidas! — afirmou tão espontaneamente que Luana sorriu discretamente, do tipo que não revela os dentes. — Não quero me gabar e nem colocá-la num pedestal, mas ela foi a rainha da porra toda... Disso tudo! — Gesticulou, abrindo um sorriso no final, que iluminou seu rosto, a covinha no cantinho esquerdo e os olhos. — Prazer! Sou o Jake. — Estendeu a mão enluvada. — Você não tem frescura, né?
Luana demorou a agir, e ele puxou a luva, estendendo a palma aberta novamente.
Ela não tinha frescura alguma, só que Jake não a conhecia.
— Sou Luana.

***


Nos dias que se arrastaram, nada de anormal aconteceu na vida de cada um desses estudantes. A mesmice, às vezes, machuca... Enjoa, irrita e entedia. Pior que isso, é o machucado que deixa não avançar. A falta que a atitude do outro faz.
necessitava avançar no relacionamento com .
Ela o queria, o amava e, dele, tinha apenas a amizade.
Precisava dizer tudo isso pessoalmente. Pensando nisso, enviou uma mensagem para que ele a encontrasse, na segunda-feira, na praça em frente ao seu prédio. Não planejou um discurso.
Em momentos como esse, o coração falava por si. E os olhos. Ah... Os olhos entregavam qualquer dor.

Luana tomou um susto e deu um grito ao entrar no Val Campestre e atravessar o corredor dos terceiros anos. Correu, em seguida, para abraçar a figura do jovem em pé em frente à sua sala. Pulou em cima dele, agarrando seu corpo magro.
Do jeitinho que se lembrava!
— Eduardo!
Eduardo a abraçou com a mesma intensidade.
— Senti saudade, lourinha!
— Du! Caramba! Tu bem! — Afastou o rosto, sendo colocada no chão. — Olhe pra você... Parece a versão da Olívia Palito, mas tá ótimo!
Eduardo riu, bagunçando seu cabelo com vontade para provocá-la num nível hard. Mal sabia que nem isso a deixava “puta” como somente Isac conseguia.
— Emagreci pra burro, depois que entrei em Engenharia, loura. Mas tô saudável, então tá tudo certo comigo. E como você tá?
— Alegre. Você veio me ver!
— Quem disse?
— Ué! Você tá morando fora...
— Tá bom. Parte é por causa dessa sua lourice, sim, mas não completamente. Vim porque minha namorada estuda aqui.
— Namo... O quê? — Franziu a testa.
— Surpresa? Qual é?! Eu sou discreto!
— Honestamente, achei que você fosse gay.
— Só se for meu irmão gêmeo.
— Senti sua falta, de verdade!
— Eu sei. — Deu de ombros, recebendo um tapa fraco. — Ai, loura! Vá com calma! Minha namorada vai te pegar na saída.
— Lasquei-me!
— Então, soube que o Isac tá estudando na UCA. Não sei por que fiquei chocado com a aprovação dele. Apesar de ter sido um aluno abaixo da média, é inteligente.
Luana revirou os olhos impacientemente.
— Não tô a fim de debater o rendimento dele. Por favor, não termine.
— Pera, pera! Vocês se reencontraram? A rixa não acabou?
— O cara é obsessivo com a ideia de ter sido sabotado por mim. Tô dizendo! Muito louco! Ele não superou o fim da banda.
— Você conseguiu? Me ensina. Não, eu não pretendo me esquecer da gente. Afinal, quem conheceu e conseguiu esquecer o The Nacionais?
— Foi bom enquanto durou.
— Foi lindo.
— É. — Abraçou-o novamente, antes de se movimentarem, aproveitando a aula vaga. — Quanto tempo ficará em Campestre?
— Sabe que eu não sei? Estamos de greve.

[Hoje, 17h30]
: Vc quer me encontrar agora?
: Não, tô na aula de sapateado. Daqui a meia hora, na pracinha, pode ser?
: Tá legal.



Capítulo 27

(Clique aqui para abrir a música do capítulo. Sugiro que escute!)

Todo mundo iria sair para comemorar a chegada de Eduardo à cidade. O próprio Eduardo estava indeciso em relação a ir porque não tinha o costume de frequentar esses locais de interação. Conheceu Otávio e Selena, e ambos gostaram um do outro logo de cara.
Sabendo que Eduardo ficaria por mais tempo em Campestre, Selena armou uma recepção como quem não estava a fim de reunir os amigos em meio aos impasses que aconteceram.
Há meses, não se viam.

[Hoje, 14h30]
Selena: TÁ TODO MUNDO INTIMADO A SAIR HJ!
Otávio: O nosso amigo Du tá em Campestre e nós vamos levá-lo pro barzinho na Orla.
: Quem é esse sujeito?
Selena: Eduardo Leigher, o cara mais fofo q eu conheci!
Otávio: Ele é gente boa.
Selena: E engraçado!
Otávio: Ah, calma aí! Mal chegou e já roubou minha posição?!
Selena: Vc tenta ser engraçado, a diferença é essa.
Otávio: Nossa relação acabou.
: Ele não é páreo pra gente, Ota! Certeza! Sel é a maior baba-ovo de gente da cidade grande! #estamosdeolho
Selena: Migo, não precisa ficar com ciuminho, pq meu coração é igual de mãe: sempre cabe mais um. Mas quem não for será arrancado!
Jefferson: Qual barzinho?
Otávio: Indo pro Hiate há um.
: Tô lgd!
Otávio: A V pediu pra dizer q vai
Selena: A vai? Lu, Isac...?
Isac: Vou chegar mais tarde, mas apareço por lá (emoji dos dedos)
[14h45]
Luana: Claro, né?!

Então foi assim que lá estava o grupo do WhatsApp saindo das telas dos celulares e reunindo-se ao redor de uma mesa redonda no lado de fora do estabelecimento.
Menos Virna, Isac e .
— Quem é vivo sempre aparece! — comemorou Selena ao ver Virna chegar.
A ruiva sorriu e sentou-se ao lado de Otávio, que lhe deu espaço.
— Boa noite, gente!
Todos viraram os rostos para a figura de vestido e salto alto.
— Boa noite! — repetiu, segurando sua bolsa carteira. — Estão bem?
— OLHA ELA! — sem querer, Selena falou alto. — Diva! Maravilhosa! ! Quem diria?! — Levantou-se para abraçá-la. — Pensei que não viria. Você me enganou direitinho.
sorria.
— Decidi de última hora. Por que eu perderia um encontro com meus amigos?
— Por que, né? — Afastou-se, puxando sua mão e guiando-a para a cadeira. — Já que estamos todos aqui, deixa eu apresentar o Du a vocês que chegaram agora. O nome de batismo é Eduardo, mas a gente chama até de Olívia Palito, sem problemas.
— Ih! Alá! Não posso dar intimidade. — Riu Eduardo com a namorada. — Lourinha, me defenda. Tu tem que me dar moral!
Isac tirou os olhos do copo com refrigerante, levando-os até a face risonha de Luana. Depois, tornou a fitar o líquido, como se fosse mais interessante.
“Lourinha” era um apelido que ele inventou primeiro.
— Você já tem idade pra se virar sozinho... Porque até beijo na boca tá dando...
Eduardo estreitou o olhar para ela.
— Olha que eu te deduro em público!
acabou sentando-se entre Otávio e Selena. Ao lado de Selena, seguia Eduardo, a namorada, Luana, Jefferson, , Isac e Virna.
Otávio, nem ao menos, se intimidou com a presença conflitante de , que o cumprimentou brevemente com um aceno. Na verdade, se incomodou um pouco com o fato de estarem distantes como amigos, perderem o contato e nem falarem um com o outro mais... Por causa de um dilema inevitável chamado “Eu não sou a fim de você”. Coisas desse tipo aconteciam desde sempre. Com ele, poderia ter sido diferente.
Poderia...

Não foi.
Estava bem. As mãos roçava nas de Virna, que, propositalmente, posou as próprias sobre o colo.
Algo mudou.
Tentado a ir com calma, desta vez, queria apenas segurar a mão dela e não deixá-la de escanteio.
Alterou sua percepção de que não estava mais apaixonado pela garota ao seu lado esquerdo. Nem ao lado direito. Mas isso não demoraria a acontecer.
Engraçado como, ontem, estar ali causaria um rebuliço em si, de mãos suadas, coração acelerado e frio na barriga. Agora, nada o atingiu.
Essa foi a mudança.
— Ota, vamos dançar? — chamou Virna, levantando-se.
— Só se for agora!

Em determinado momento da noite, após as risadas histéricas, conversas calorosas, descontraindo-se, ficou sozinha na mesa.
Dentro do barzinho, no andar de cima, havia uma boate. Os amigos estavam dançando nela. Luana foi arrastada por Eduardo, enquanto Selena saiu primeiro e chamou os outros.
Olhou para frente, para o rapaz à mesa com o celular nas mãos, e levantou-se, disposta a ir.
que ficasse sozinho!
Ergueu os braços, movimentou-se de um lado ao outro com Selena, deixando que a conversa que teve mais cedo ficasse na praça... Em qualquer lugar que não perturbasse sua paz.
Longe dos olhos e do coração.
Dentro dali, soube que este ano poderia acabar e estaria satisfeita com seu progresso — em quase todos os âmbitos da vida.
Faltava um.
Virna e Otávio ficaram em seu campo de visão.
O beijo que deram, como se achassem que estavam no breu absoluto, escondidos, serviu como solavanco.
Virna realmente não mentiu quando disse que não era a fim de , que não a magoaria e que ele apenas procurava “novidade”.
Soube disso quando terminaram de conversar.
Antes, ela estava cega demais para perceber qualquer velha notícia.

***


Jefferson deixou o banheiro e viu Selena descer a escada, cambaleante, tarde da noite.
Luana a guiava até o carro de no estacionamento. Por sua vez, trocava telefone com uma mulher.
— Eu me pergunto como te deixaram beber... — dizia Jefferson, de braços cruzados.
— O Du comprou, e a Sel queixou dele.
— Tô indo embora.
— Leva a Sel! — pediu. — O não vai agora.
— Não sou babá. — Seguiu para o outro carro.
— Jeff!
— Ela me paga! — Voltou, apoiando o corpo de Selena no seu e levando-a ao veículo.
Dentro dele, Selena perguntou:
— Posso pagar com meu corpo nu?
— Cala a boca. — Jefferson girou a chave, manobrou e foram embora.

No fim da noite, e Otávio saíram abraçados de lado, conversando na linguagem dos homens, com Virna na frente, enquanto Luana, Eduardo e sua namorada os acompanhavam atrás.
Os três iriam no carro de Du.
— Você não gosta mais dela? — perguntou baixo ao amigo.
— Não, pô, desencanei. Ela gosta de alguém que não gosta dela. Não é assim?
coçou a cabeça.
— Você e a V formam um casal bacana. Felicidades!
— Obrigado.
— Tenho que te falar que o cara que a gosta não a merece.
— É você? — Virou o rosto.
— Ota, juro que eu iria dizer, mesmo que nada tenha acontecido entre a gente.
— Nada mesmo? Vocês não ficaram?
— Tá, uma vez. Havíamos ido a Nova Formosa, eu me resolvi com minha família paterna... Foi uma fraqueza. Isso nem se repetirá, se depender de mim.
Otávio virou o rosto, assimilando em silêncio.
— Desde o início, tu soube que eu era apaixonado pela ... Que até me declarei. Nunca fiz isso pra nenhuma outra garota. Mas não consigo me importar mais porque não tô nem aí. Ela gosta é de você. Quem teve a vantagem?
assentiu.
— Não vou iniciar um relacionamento com ela.
— Não?
— Os papéis só inverteram.

Jefferson notou Selena fechar os olhos e dormir, enquanto seguiam pelas ruas de Campestre.
— Sel, acorda! Não vou te pegar nos braços! — Balançou seu corpo encolhido.
— Ai! — ela reclamou, de olhos fechados.
— Chegamos.
— Eu já estava acordada, ô!
— Então pode abrir a porta e sair. Estamos na porta da sua casa.
— Meus pais não estão aí.
— Tu tem a chave.
— Eu a esqueci. Minhas irmãs foram dormir na casa de uma amiga...
— Pula o muro.
— Se você pular e abrir a porta, eu fico na área...
Jefferson desligou o motor.
— Você tá de brincadeira?!
— Não, eu voltaria com a Lu e dormiria na casa dela, mas você quis me levar...
— A Luana pediu. É bem diferente. Por mim, você...
Selena tirou o cinto.
— ...Vai sair?
— Quer que eu vomite no seu carro? — Bateu a porta, andando até a calçada, e sentou-se. Inclinou o corpo, e os fluídos a deixaram zonza.
Jefferson esperou pacientemente, até que Selena retornou e pôs o cinto.
— Por favor, Jeff, não me deixa aqui sozinha.
— Por que não? — Era uma pergunta boba desde que tinha consciência e jamais a deixaria ali, indefesa.
— Tenho medo do escuro.

***


A porta da casa foi aberta, e Jefferson pediu que ela fizesse silêncio e subisse a escada, sem cometer nenhum dano, para não acordar ninguém. Trancou a fechadura, enquanto Selena rastejava-se, e, então, a alcançou, levando-a para cima com segurança.
Dentro do quarto dele, Jefferson inclinou a poltrona, jogando travesseiros nela, e Selena continuou parada no meio do cômodo.
— Vai ficar aí ou vai tirar esse fedor de cachaça?
— Eu não sei.
— Vou te levar ao chuveiro.
— Não!
— Não grita, Sel! Vai entrar com roupa e tudo.
— Tá.
Jefferson ajudou a amarrar seu cabelo quando ela tentou e a não se afogar debaixo do chuveiro sem molhar a cabeça.
— Meu cabelo tá suado.
— Ele não transpira.
Selena olhou para Jefferson e revirou os olhos, o sorriso abrindo no cantinho dos lábios.
— Piadinha fail.
— Como você nunca namorou?
— Quem disse?
— Já?
— Tive um rolo com uma menina mais enrolada que duas Selenas.
— Não curti. Achei ofensivo.
Jefferson sorriu.
— Se a gente ligar o secador agora, que é da minha mãe, ela não nos deixará dormir, até sanar todas as perguntas.
— Entendi. — Selena lavou o rosto, esfregando o sabonete nas bochechas.
Ele fechou o box e se virou de costas para lhe dar intimidade. Depois, estendeu a toalha, e Selena desligou o chuveiro.
— Posso dormir na poltrona.
— Não, eu me viro nela. — Deixou que ela se trocasse no banheiro, com uma calcinha carregada na bolsa e a camisa dele, que cobria completamente sua bunda.
Quando Selena saiu, Jefferson estava com uma toalha no ombro, esperando sua vez de usar.
Meia hora depois, deitados cada um em seu lugar, Selena começou a rir feito uma bobona.
— Isso é coisa de bêbado? — ele perguntou abafado.
— Deve ser um dos estágios.
— Você é maluca.
— E você é um fofinho.
— Dorme na minha cama e ainda me chama de “fofinho”... Tô anotando essa zoeira aí.
Selena ergueu a cabeça e afundou o nariz na coberta.
— Ainda tem seu cheiro.
— Sel, vá dormir!
— Melhor que qualquer sabão em pó — disse distraidamente e tão baixo que não esperava que ele ouvisse.
Pelo visto, não tinha noção das ondas sonoras.
Jefferson não manifestou nenhuma reação, mas ficou acordado por tempo o suficiente, até escutar os roncos de Selena.
Por fim, adormeceu.



Capítulo 28

Eduardo foi embora. Luana sentiu a dor da sua ausência. Selena e Otávio também. Os três foram para casa a pé, atravessando pistas e seguindo em linha reta.
Faltava pouco mais de dois meses para os dois mais velhos se formarem.
— Você pegou a V! — Selena acusou.
— Eu? Não tô pegando nem resfriado... — Otávio deu risada.
— O que foi aquilo na festa?
— Não me lembro.
— Deixa de migué! Estão assim há quanto tempo?
— Duas semanas — admitiu. — Agora, o que é que você tem com o Jeff? Eu vi os olhares! Até voltaram sozinhos. Não sabia que o Jeff gosta de por chupeta...
Selena o estapeou.
Me respeita, que sou apenas um ano mais nova que você!
— Brincadeira, Sel. Vocês estão namorando?
— Somos só amigos.
Luana pigarreou.
— O que é, lourinha? — provocou Otávio. — Quer que a gente te pergunte se a sua noite e a do Isac terminaram no zero a zero?
— Se depender dos dois, não rola nem aperto de mão.
— Na verdade, o Isac disse que a Luana que é difícil.
Luana revirou os olhos.
— Otávio, para de mentir.
— Não resisti. Vocês são uma comédia, mas sejam um pouco mais clichês. Nós, que assistimos, agradeceríamos.
— Não quero absolutamente nada com aquele loiro de araque. Preciso desenhar?
— Tudo bem. — Selena levantou os braços. — Isso te irrita, então paramos. Relaxa!

***


Na noite do barzinho, esqueceu a cópia da chave de casa com , que, surpreendentemente, não viu isso como pretexto para encontrá-lo. Somente quis realizar uma boa ação, devolvendo o que não lhe pertencia. Interfonou para o andar dele, e liberaram sua entrada. Subiu os quatro andares pela escada e tocou a campainha.
Dois minutos depois, um rapaz a atendeu:
— Você é a moça que interfonou, né? O tá lá dentro.
— Sim. Ele sabe que eu vim?
— Não. — Balançou a cabeça. — Acho que nem sabe que eu tô aqui. O cara se trancou. Tá ocupado. Quer entrar?
ponderou, terminando por aceitar. Passou por ele, que cheirava bem demais, e sentou-se no sofá.
O apartamento em que morava era pequeno e tinha cara de casa de família. Viviam ele e sua mãe, que trabalhava como enfermeira e, consequentemente, passava o dia fora.
— Você é amiga dele? — o rapaz perguntou, sacando o celular do bolso.
— De Nova Formosa.
— Chegou de viagem hoje?
— Não, moro aqui, atualmente.
A porta do quarto de , a primeira do corredor, foi aberta, e uma moça com roupas de malhar saiu, agarrada a ele, os braços ao redor do seu pescoço e um sorrisinho.
não quis decifrá-lo.
Então, esse tempo todo, ele estava trancado com uma mulher.
Onde apertava para voltar a cena e não ter vindo ao seu apartamento?
— Não fura comigo, senão, eu te mato! — Ela deu uma mordida no lábio inferior dele que achou que arrancaria um pedaço.
— Relaxa. — largou seu corpo, acompanhando seu caminhado desenvolto. Os olhos se erguerem, até notarem, enfim, sentada em seu sofá. — ?
Ela levantou-se.
— Não sabia que eu tinha visita. — Encarou, carrancudo, o amigo, que deu de ombros. — O que houve?
— Você se esqueceu da chave.
— Ah! Veio até aqui pra me entregar? Valeu! Mesmo!
— É, então, vou indo... Tchau! — Ela deu meia volta, passando novamente pelo sujeito desconhecido.
!
O coração perdeu uma ou duas batidas.
— Quer carona?
— Não precisa. Pegarei o ônibus e descerei lá perto de casa.
— Tem certeza?
— Sim. Tchau!
— A gente se vê! — Acenou. Virou-se para o amigo. — Droga!
— O que foi?
— Toda vez que eu a vejo, sinto que tô fazendo merda, cometendo um crime...
— Que tipo de crime?
— Roubar o coração de uma pessoa e não ter como libertá-lo.
O amigo permaneceu calado. E riu.
— Você tá muito fresco.

Descendo a escada rapidamente, sentia-se ofegante. Segurava o corrimão com todos os dedos apertando-o demasiadamente, até sentir que a tontura a derrubaria. Parou nos últimos degraus e sentou-se.
Estava sem ar.
Sem bombinha.
A visão tornou-se turva e, em câmera lenta, a paisagem escureceu.

***


Luana, Jefferson, Selena e Otávio pegaram o celular e abriram a janela do grupo.

[Hoje, 16h30]
Virna: A ALANA TÁ NO PRONTO-SOCORRO!
Virna está digitando...
Otávio: O Q?
Jefferson: (vários emojis assustados)
Selena: Como vc diz isso assim???? O q aconteceu? Em qual?
Virna: Esperava q eu embelezasse o fato de ela estar hospitalizada? Não faz sentido!
Virna: tá em observação no da matriz!
Virna: A mãe dela me ligou. Meus tios vieram às pressas de Nova Formosa. Isso aconteceu mais cedo. Ela desmaiou na escada, alguém socorreu... Foi o maior auê! Tô indo pra lá agora! O leito é o 2! Se vcs forem, nos revezamos!
Selena: É claro q iremos!
Jefferson: Tô terminando de dar aula e tb irei!
Otávio: Onde foi isso?
Virna: Não sei.
Luana: Gente, tô chocada!
Isac: Nossa, cara! Vou dar uma passada, depois que me liberarem aqui.

A mãe de posou a mão sobre a testa quente da filha, que voltava ao estado normal lentamente, respirando com inalador. Deitada na maca do pronto-socorro, abriu os olhos, após descansar, e se emocionou junto com a mãe.
— Você me fez passar pelos quarenta e cinco minutos mais angustiantes da minha vida. Olha que possuo 17 anos de histórias para contar! Nunca senti o medo que tive hoje quando te vi desacordada.
— Estou bem... Desculpa!
— O que aconteceu de verdade? O me contou a versão dele, mas ele não sofreu como você e não tem acesso aos seus pensamentos. Quero ouvir da minha filha o que ocasionou isso. Você caiu?
— Não, mãe, senti uma tontura, falta de ar... Crise asmática.
— Descendo rápido a escada ?
— Isso... Praticamente, corri.
— Oxe! Eu te conheço.
— A senhora sabe o que quero dizer...
— Não faço ideia do tamanho do que você sente, pra falar a verdade. Faz tempo que não sou mais adolescente.
— Preciso me afastar... Quero organizar meus sentimentos. Ele tá aqui?
— No corredor. Quer que eu lhe peça para entrar?
— Não, senti sua falta. A senhora é mais importante.
Ela sorriu e segurou sua mão.
— Olha, ele me disse que pretende reatar o namoro. Estava confuso, porque se sentiu atraído por outra pessoa, e isso atrapalhou a relação. Não deu certo e, refletindo, concluiu que gosta mesmo da namorada.
— Falou por quê?
— Perguntei como andava sua vida.
virou o rosto.
— Não é o fim do mundo. Tenho 40 anos e sobrevivi a isso. A vida não acaba porque esse amor não foi correspondido ou não teve tempo e a atenção merecida.
— Quero ir pra casa.
— Vamos conhecer garotos novos, da sua idade, ou um pouquinho mais velhos, e cuidar da sua saúde.
— Vai me apresentá-los? Não queime meu filme, por favor! Já basta meu pai.
— Faz parte de ser mãe.
— Amo te ter como mãe.
— Você é a mulher da minha vida, garota!

Virna, Selena, Jefferson, Luana e Otávio entraram rapidamente no quarto. A ruiva e a morena agarraram seu corpo, sem se importarem se a machucaria.
Virna se deu conta de que estavam brigadas e se afastou.
— Vem, Lu!
Luana atravessou o quarto e a abraçou. Os meninos se juntaram ao redor.
— Desculpe-me! — disse Virna em voz baixa. — Se eu te magoei, nunca foi minha intenção.
— Sou eu quem te deve perdão por ter sido tonta a ponto de duvidar da sua postura.
Virna estava emocionada.
— Amo você, amiga!
— O momento tá propício pra derramar lágrimas, mas quero dar uma pausa e saber como é que você caiu. Conta tudo. — Selena pediu.
Isac abriu a porta, e os olhares voaram para ele, que enrugou a testa, segurando uma orquídea.
— Hã... Oi?
Luana cruzou os braços.
— Eu cheguei atrasado, como sempre, mas me deem um desconto. Tentei.
— Fica frio, Isac! Ninguém vai arrancar seu pescoço... A não ser a Luana. — Otávio provocou. — Escapou.
— Medo! — foi a primeira palavra dita por Isac que Luana arriscou sorrir, de forma discreta, sem que nenhum deles visse.
— Preciso falar uma coisa! — disse Virna, de repente. — Chama o .
se fez presente.
— Vocês são os melhores amigos do mundo!



Capítulo 29

(Clique aqui para abrir a música do capítulo. Sugiro que escute!)

Nervoso era seu nome do meio.
Isac nunca imaginou que se apresentaria em público um dia, quanto mais cantar e tocar sozinho para uns cem convidados! Não era como se fosse músico ou fizesse disso sua profissão. Arquitetura e Urbanismo o preenchia a ponto de ter essa satisfação pessoal. A música era uma válvula. Estar ali, com a guitarra vermelha pendurada no corpo e os dedos suando, fazia parte de um hobby chamado ganhar dinheiro.
Tá, ele não era tão ambicioso assim.
Cantar o divertia, acalmava e o deixava num estado de leveza profunda. Além disso, a experiência de ser o “príncipe” de uma debutante seria única.
Se os pais dela o conhecessem, provavelmente, perderiam o encanto, pois, aparentemente, era sério, não esboçava sorrisos à toa e gostava de ficar concentrado; principalmente, antes de fazer qualquer tarefa que exigisse um nível de atenção elevado.
— Qual é a música? — repetiu para si a pergunta que, ingenuamente, imaginou ter feito.
— Estou falando com você, loiro de araque.
Isac vacilou, virando o rosto e analisando a postura descontraída de Luana, que mantinha o cabelo longo solto, a alça da guitarra azul embaixo do braço e sobre o ombro.
Ele olhou para frente e tornou a fitá-la nos olhos.
— O que...?
— Cala boca, que eu sei que você tá comemorando por dentro. Não vai pagar mico, ao menos.
— Convencida. — Balançou a cabeça.
— Eu sou a resolução do seu problema. Você não tinha que trazer outro integrante?
— A troco de que tu resolveu me ajudar?
— Vocês são Luana e Isac do The Nacionais, certo? — Um coroa aproximou-se, vestido de terno, interrompendo-os.
Então Luana notou a veste de Isac, e ele prestou atenção na sua, averiguando com o olhar de cima a baixo, de propósito.
O garoto usava colete, e ela estava com um vestido e sapatenis.
— Somos. — Isac respondeu. — Podemos subir?
— Acredito que tenham acertado a música com a minha filha.
— É uma do Counting Crows.
All Star? — Luana perguntou.
— Não, é... — Pigarreou. — É bem broxante.
Luana saiu na frente, deixando-o para trás, quando o pai da debutante anunciou a participação da dupla.
— Boa noite, senhoras e senhores, e senhoritas! — Luana sorriu. — Cantaremos especialmente para a princesa desta noite. Convido-os a ficarem de pé e aproveitarem a festa.
Isac dedilhou as cordas suavemente, checando com o baterista, e Luana esperou sua vez.
So she said what's the problem, baby (Então ela disse qual é o problema, querida). — Alcançou o microfone. — What's the problem, I don't know (Qual é o problema, eu não sei). Well, maybe, I'm in love (love) (Bem, talvez, eu esteja apaixonado). Think about it every time (Penso nisso o tempo todo). I think about it (Eu penso nisso). Can't stop thinking 'bout it (Não consigo parar de pensar).
Luana não esperava que fosse essa canção e, para prosseguir, tornou-se complicado. Demorou a raciocinar, até que Isac olhou para ela, para que continuasse:
How much longer will it take to cure this? (Quanto tempo mais levará para curar isso?). Just to cure it, cause I can't ignore it if it's love (love) (Apenas para curar isso, pois eu não consigo ignorar isso se for amor). Makes me wanna turn around and face me, but I don't know nothing 'bout love (Faz com que eu me vire e me encara, mas eu não sei nada sobre amor).
Ooh! — Os dois juntaram as vozes.
Come on, come on (Venha, venha). Turn a little faster (Vire um pouco mais rápido). Come on, come on (Venha, venha). The world will follow after (O mundo virá logo atrás). Come on, come on (Venha, venha). Cause everybody's after love (Pois todos estão procurando amor).

Em um horário específico, os quinze pares se juntaram, e Isac acompanhou a debutante, segurando sua mão, num gesto gentil. Luana, acuada, riu baixinho de sua pose falsamente profissional. Seria muita pretensão da sua parte achar que Isac tentou alguma vez dançar valsa em casa para não pisar no vestido da aniversariante e que soubesse sequer dar uns passinhos elegantes.
Ele estava tenso, porém driblava o receio de errar com a expectativa menor que a da moça com quem dançava, de que, se finalizassem a valsa em pé, seria triunfal.
De um lado ao outro, girando pouquíssimas vezes, atento aos olhares sobre os dois, sabia que, dentre os convidados, o pai da adolescente estava.
E se ela tentasse beijá-lo? Haveria problema pra ele? Caso rejeitasse, seria pior?
Essas dúvidas tomaram conta do seu cérebro, mas foram sanadas quando, enfim, a valsa chegou ao fim.
Estava terminada a noite, para si.
Hora do príncipe voltar a ser plebeu.

***


— Ei! Quero o meu dinheiro!
Isac atravessou as portas de entrada do local da festa. Enfiou as mãos no bolso, dobrando os dedos devido ao frio noturno, e se dirigiu a moto estacionada do outro lado da rua.
— Você abriu mão dele. Desistiu de vir, apareceu de surpresa, então não ganha nada.
Luana colocou as mãos nos quadris.
Me pague a metade do cachê, seu golpista!
Isac riu, sem se comover. Apanhou o capacete.
— Para que não volte pra casa chorando, aqui. — Pegou o envelope e lhe entregou. — Faça bom proveito.
Ela abriu e conferiu as cédulas.
— Não confia em mim?
— Essa pergunta é um deboche?
— Pagamento feito, tenha uma boa noite. — Ligou a moto, acelerando para esquentar o motor.
Luana afastou-se pelo caminho oposto, andando, e guardou o envelope dentro da roupa.
— Aonde você vai?
— Embora.
— A pé?
— Vou pegar um ônibus.
— A essa hora?
— Não, amanhã de manhã. Dormirei na rua, hoje.
Ele suspirou, alcançando-a.
— Tem medo de moto?
— Tenho mais de pegar ônibus à noite e sozinha. Você pode ser qualquer coisa, menos tarado.
— Então tá esperando o que pra subir?
— Sério?
— Sobe logo, antes que eu mude de ideia.

A moto foi estacionada no meio-fio de um estabelecimento com um fluxo ameno de clientes.
Luana demorou a se mexer e, finalmente, saltou.
— Uma pizzaria? O que espera que eu faça pra pagar essa bondade? Não sou trouxa e...
— Você não se cansa? Caramba! Não quero nada de você. Me contento com pizza.
— Não tô reclamando. Pelo contrário, achei digno ter pensando que eu estaria com fome! — gracejou, acompanhando-o.
— Vamos nos sentar lá dentro.
Eles se acomodaram numa mesa e Luana checou ao redor, enquanto Isac conferia o cardápio do rodízio.
— Rodízio, mesmo?
— Sim.
— Não vá arregar. Quero ver se você aguenta.
— Eu não queria te espantar, mas como por nós dois.
Isac arqueou a sobrancelha.
— Misericórdia!

Isac mordia o terceiro pedaço de pizza, enquanto Luana terminava de mastigar o quinto e não demonstrava que pararia nele. Ele a encarava, às vezes, quando a garota mantinha a cabeça baixa e, simplesmente, percebia que não era de todo ruim dividir uma mesa com ela porque Luana trazia cor à noite fria de fim de ano. Dava risada, umas gargalhadas altas, mas falava baixo e tirava sarro do placar de ambos. Nem se importava em engordar, comia muito e estava bem assim.
— Nem acredito que estes dois idiotas estão jantando juntos — ela comentou, de repente.
— Quer falar sobre isso?
— O quê?
— O porquê estamos aqui.
Luana esperou cortar a fatia, até responder:
— Porque sentimos fome.

***


— Não precisa inventar um discurso bonitinho pra me adular. Conheço minhas limitações.
Luana se virou para ele.
— Tô falando sério.
— Por que você me elogiaria?
— Talvez, pelo mesmo motivo que tu me trouxe aqui.
— Tudo se resume à pizza?
— Eu te elogiei porque você tocou bem. Qual é o problema? “Isac, tu é um besta, e sua apresentação foi um desastre!”, tá legal?
— Bem o seu gênio dizer isso.
Luana estava estupefata.
— Depois, a problemática sou eu. Achei que pudéssemos tentar ser amigos, mas, é claro, me falta paciência para aturar sua bipolaridade. Na boa, sabe o que eu acho? Você é um cara inseguro. Não ria, é verdade! Se não fosse, não pegaria no meu pé porque tentei te ajudar a aprimorar uma falha sua ou fiz algum comentário inoportuno. Até mesmo alguém pode ter feito, e você acabou direcionando a culpa a mim, tentando uma represália por ter se tornado este cara. — Apontou para ele, que ficou calado. — Sinto raiva de quem tem medo. Por incrível que pareça, não sinto de você.
— Você me acusa de insegurança, mas não passa de uma garota de 17 anos que acha que a porra do mundo gira em torno do seu umbigo! — desabafou, zangado. — É fácil direcionar nossas frustrações a quem abre essa brecha. Tu se mete em tudo. Sabe de tudo. É melhor que todo mundo. Quer uma posição de destaque? O que você quer, afinal?
Luana manteve o rosto em riste, para não ser traída pelas próprias ações duramente controladas e o estrago das palavras ferinas.
— A garota que mais dá conselho não tem um pra si? Eu lhe dou: cuida da sua vida.
Rápido demais, a mão estapeou uma bochecha dele.
Isac fechou os olhos.
— Por que fez isso?
— Você mereceu.
— Então posso fazer qualquer coisa contigo porque acho que você merece?
Ele abriu os olhos. Visualizando os dedos, viu que dois estavam machados com sangue.
O anel dela provocou um pequeno corte no canto da boca.
— Que você volte pra casa com essa questão na cabeça. Outro cara poderia revidar. Além de eu não ser um tarado, não bato em ninguém, ou perco a razão. — Deu as costas, subiu na moto, pôs o capacete e se foi.



Capítulo 30

Final de novembro

— Vou fazer uma coisa que eu sempre quis. — Luana pegou os livros dentro da sala.
Otávio e Selena esperaram, sem entender.
— PASSEI! — E jogou os benditos para cima.
Gostando de uma bagunça, Otávio aproveitou para lançar a própria mochila também.
— Chupa, Selena!
— Qual é?!
— Engraçado que a Sel — dizia Luana, enquanto catava os livros do chão — pegou recuperação na matéria que ela mais se dedicou no decorrer do ano: História.
— O que eu tenho a leve suspeita de que foi para ter mais aulas com o Jeff.
— O professor se esqueceu de por a nota do trabalho no sistema. O Jeff vai viajar.
— Qual é o esquema? Você vai com ele?
Selena revirou os olhos.
— Otávio, me erra.
— Vai sentir saudade.
Luana sorriu e abraçou Selena.
— Não chora. Ele volta.
— Até tu?
— Claro!

Com a chegada das férias, a formatura e a festa, aproveitou para viajar para Nova Formosa, depois que sua mãe passou cerca de duas semanas com ela. Aprovada desde a terceira unidade, não esperaria até a formatura, mas voltaria para receber o diploma. Desde o dia da pizzaria, Luana e Isac não se falavam. Isac a evitava, não olhava em seus olhos e se retirava quando a via num dos raros encontros entre amigos. Luana sabia que o tapa na cara dele foi o cúmulo e reconhecia seu erro. Otávio e Virna começaram a namorar e completariam um mês na semana seguinte. reatou o relacionamento com a ex e, se a traía, por ser atraído por uma nova ruiva, ninguém do círculo da atual sabia. Passaria o Natal com a família paterna. Jefferson viajaria quando todas as notas fossem postadas para a casa do irmão em Cabo Frio e, talvez, ficasse por lá o resto do mês de dezembro e retornasse no final das férias, no ano seguinte.

Luana tomou um susto ao ver Drika subir no ônibus em que estava e, se não fosse o suficiente, sentar ao seu lado, mesmo tendo bancos vazios.
— Estão oficialmente de férias, lourinha? — perguntou, sem olhar para ela.
Luana não respondeu.
— Tô tirando uma com a sua cara. Não sou chata que nem o Isac. Falando nele...
— Dê-me licença. — Ela se levantou com a mochila no ombro, esperando que Drika virasse o corpo para poder passar.
— O Isac não perdeu nenhuma cadeira. Possui uma inteligência arrogante, mas é uma pessoa que não esfrega seus feitos. Vai a uma ilha, mês que vem, depois da última nota, com a família e uns amigos.
— E daí?
— Eu me lembro de que, no dia seguinte à festa de 15 anos da fã de vocês, ele apareceu com um corte na boca. Estava inchado. Isac garantiu que foi um bicho que o queimou. Então descobri que você também foi àquela festa. Por isso, ele ficou carrancudo pelo resto do dia. Acabei arrancando dele que vocês brigaram após uma noite legal. Disse que a noite de vocês foi “legal”. Parem o ônibus que eu quero descer! Você é abestalhada?! Como fez aquilo?
Luana sentiu vontade de estapear a face daquela criatura também.
A TPM chegou.
— Quer que eu te mostre?
Drika afastou o rosto.
— Isac deve ser mesmo irredutível... Arrogante, chato, impiedoso, irado, idiota, inseguro...
— Pare — pediu, olhando a rua pela janela aberta. — Ele não é tudo isso.
— Tudo não significa que não seja um pouco de alguma dessas características.
Luana suspirou.
— O coitado nem está aqui pra se defender.
— Não é o que você faz sempre?
— Nunca meti o pau nele quando estava distante. Tanto é que lhe dei um tapa quando nos encontramos.
— Você é violenta.
— Cuide da sua vida.
Drika riu.
— Exatamente o que o Isac falou que pediu a você. Chato, né?
— Afinal, qual é o propósito desta conversinha?
— Para falar a verdade, passar o tempo. Eu me sinto enjoada indo de ônibus.
— Hum...
— Bem, tchau, Luana! Durma por nós duas, por favor! — Drika se levantou quando o ônibus parou em seu ponto.
Luana sacudiu a cabeça e desceu no ponto seguinte, entre outros passageiros que lotaram o corredor.
Caminhou pela avenida principal, atravessou três ruas, até chegar à farmácia. Havia uma igreja e uma praça em frente. Comprou chicletes sem açúcar e um xarope. Em seguida, seguiu caminho.
— Não! — Correu para ajudar o menino que seria forçado a subir a rampa. — Vocês endoidaram?!
— Tia Lua, vamo treinar, hoje?
— Mais tarde. Quero ver todos vocês amanhã na Cohab, tá legal? É o dia das competições.
— Beleza! A gente não ia jogar ele, não, era brincadeira.
— Assustaram o colega a troco de que? Nós somos uma equipe e, portanto, trabalhamos juntos. Vejo vocês depois do almoço. Circulando!
Luana havia criado um projeto sem fins lucrativos que ajudava crianças, pré-adolescentes e alguns adolescentes, em quantidade pequena, a ficar longe da zona de perigo: álcool; drogas; prostituição e violência. Andava de skate há algum tempo, daí, vendo um deles brincarem, percebeu que poderia dar certo se reunisse todos com o mesmo propósito.
Eles queriam competir, e ela queria, mais que entretê-los, focá-los em algo que gerasse um interesse constante.
A ideia foi inicialmente projetada ao desembarcar do Canadá.
Até agora, obtiveram bons resultados.

***


[Dia seguinte, 09h38]
Luana: Ei, gente! Tdb? Hj é o dia do campeonato de skate dos bairros. Pré-etapa para a competição entre cidades. É como um teste... Se conseguirmos uma boa colocação, passaremos pra fase seguinte. Eu treino uma reca de garotos de 10 a 15 anos. Estaremos, às 14h, na Cohab. O torneio terá início às 15h. Quem puder, pfvrzão, dá essa força! (emojis de braços)
[09h40]
Otávio: Q bacana! Desde qdo? É um projeto social? Como vc nunca falou sobre?
Virna: Pq não colocaram pro sábado? Sacanagem!
Virna: Tenho aula nesse horário :(
Luana: É um projeto chamado Skate BRA, q eu inventei há pouco tempo, sem fins lucrativos, com o propósito de ajudar. V, é pq estamos de férias!
Otávio: Menos a Selena #chupaessaSel
Otávio: Amor, tu tb não tá, mas vou te poupar hj, relaxe!
Virna: hahahaha obg
Virna: Até pq, ai de vc se não poupasse!
Otávio:(emoji dos olhos)
Luana: O amor é mto doce... Minha nossa!
Luana: Vou ter diabete
Isac: Doce envelhece.
Otávio: Isac e seus comentários científicos.
Virna: Isac é ótimo... Surge do nada!
Selena: Cara pálida, eu sei q vc não vive sem mim, mas tá ficando feio pq sua namorada tá aqui
Otávio: Quer esperar pra qdo a V sair? Eita!
Luana: #estamosdeolho
Selena: Nossa, Luana, e eu q pensei q vc fosse minha friend
Selena: Tô decepcionada.
Virna: #estamosdeolho
Virna: Explica essa frase ambígua aí, perilena
Otávio: "Perilena"
Otávio: Sel tem um alerta vermelho na testa, mas apenas o Jeff é capaz de despertá-lo #salveoguerreiro
Selena: Vcs tão atirando pra todo canto! Tirem o meu da reta!
Virna: Ainda quero uma explicação.
Selena: Só tu mesmo pra agarrar esse boy. Respondi?
Luana: HAHAHAHAHA
Luana: "Otinha"
Selena: Kd a ?
Virna: Não cutuquem a ferida do meu namorado! Q isso?!
Otávio: Estou me retirando.
Jefferson: Conversam demais! Tá doido!
Luana: Tô esperando o momento em q a Sel vai pedir pra sair.
Selena: E eu lá sou mulher de arredar o pé?
Luana: Bixa, a senhora é dextruidora!
Virna: Qdo eu crescer, quero ser q nem vc!
Jefferson: Tenho q reler tudo pra entender? Sério?
Luana: Só o início. O resto é mero detalhe.
Jefferson: Ah, bom. Vou tentar ir, sim, Lu, só não prometo. Hj tá meio corrido. Pra vc ter uma ideia, desconectarei agora pq meu aluno chegou.
Virna: Sel????
Luana: Saiu de fininho. Estrategista! Bixa, a senhora arredou!
Virna: Vou estudar, então. Bjo, Lu! Boa sorte!
Luana: Valeu!

O campeonato começou.
A equipe de Luana era formada por cinco garotos. Aquela modalidade não seguia as regras oficiais do esporte. Na verdade, tornou-se menos profissional, apesar do tamanho da rampa ser mais alto que o esperado, e os votos foram computados por uma bancada de júris.
Jake estava lá.
O garoto tinha um nome americano e, aparentemente, idade suficiente para julgar, e isso intrigou Luana.
— Quantos anos você tem? — ela perguntou quando ele fez uma ronda pelo local, atrás de amigos.
— 19, por quê?
— Tá na bancada.
— Ah, mais uma encucada com isso. Meu pai é presidente do comitê dos torneios interestaduais, por isso, eu, como seu representante, assumo seu lugar. Mas não é definitivo, até porque compito nas nacionais, e não levo em consideração minhas relações pessoais. É tudo técnico.
— Espero que seja mesmo.
— Você tá duvidando? — Cruzou os braços, com os lábios erguidos. — Ganhei o título de “Rei dos Skatistas Marrentos”, pois, de alguma forma, provei que consegui superar todos os outros. Temos essa pré-inclinação por andarmos de skate. Isso não faz sentido, né? Esse povo tem problema em pensar. É uma pena.
— Pior quando julgam por eu ser garota e andar de skate; principalmente, se virar profissão. Além do esporte em si, nossa capacidade em superar vocês.
— O que eu quis dizer, depois do preconceito, é que, se me esforço pra ser marrento, você, cara, consegue com muita facilidade. O pessoal precisa te conhecer.
Luana ficou vermelha.
— Não, vim aqui por causa dos meus meninos.
— Tudo bem. Vem comigo? O campeonato não para.

Na hora de voltar, o campeonato havia dado uma pausa de cinco minutos. Jake deixou Luana no canto e subiu a escada para falar com o coordenador. Ele o notificou de que era hora de darem uma amostra. Daí, Jake desceu, animado, e contou a Luana.
— Quer vir? Temos muitos skates reserva.
— Não sei... É gente demais...
— Não se preocupe com o público, apenas foque nas curvas para não cair.
Luana ponderou.
— Juntos?
— Isso.
— Então tá. — E suspirou.

A descida de Jake foi segura. Enquanto deslizava as rodas do skate pelo piso da rampa, Luana observava, com os dedos segurando o seu, um pé apoiado sobre, na borda. O coração agitado ameaçava saltar da boca se ela não descesse imediatamente dali.
Quem disse que seria pela escada?
Luana desceu a rampa de vez, e seu corpo teve uma descarga de adrenalina intercalada com um momento pequeno e muito ligeiro de alívio — não mais rápido que os movimentos dados na pista de madeira e formato em U. Passou pelas curvas, indo ao outro lado da rampa, e subiu, virando o corpo e descendo em seguida.
Essa era a modalidade Radical.
Os participantes não praticavam nesta etapa, mas a do chão, sem objetos, chamada Freestyle.
Jake manobrava com maestria, levando o público aos gritos. Parou no topo da rampa e esperou Luana subir.
Luana o alcançou e sorriu. Porém, não havia terminado.
Jake segurou sua mão e maneou a cabeça para lhe dar segurança do que fariam em seguida. Puxou um pouquinho os dedos dela e desceu, levando-a com ele, depois a soltou rapidamente e cada um seguiu um percurso. Na primeira volta, passou com o skate ao lado dela, sobre a rampa, o corpo inclinado num ângulo massa.
Luana o seguiu e, juntos, foram subindo a rampa, mas o skate da garota não alcançou o topo, acabando por retornar com ela. E, pega de surpresa, Luana caiu, deslizando pela pista.
As mãos pararam no joelho.
No mesmo instante, Jake agachou-se ao seu lado.
— Torceu o pé?
— Bati meu joelho. — A expressão de agonia em seu rosto rosado a entregou de qualquer forma. — Merda.
— Respira. Vamos te levar ao pronto-atendimento, beleza? São essas tendas do lado de lá. Cuidarão do seu joelho. — Aproximou-se, abaixando na altura em que ela estava sentada e tomando seu corpo para si, depois se levantou com Luana em seus braços.

Sentada sobre uma maca embaixo de uma tenda, Luana murmurava algo sobre “Salvem a minha perna, por favor!”, e Jake, de braços cruzados, tentou acalmá-la. Posicionou seu boné na cabeça dela, com a aba para trás, e afastou-se num passo.
— Tia Lua, tu bem? — uma das crianças perguntou.
— Tá doendo muito?
— A senhora vai poder nos treinar?
— O Skate BRA vai acabar?
Jake riu.
— Acalmem-se, meninos! — Luana sorriu. — Tô bem melhor, o projeto não acabou e continuo sendo responsável por vocês.
— Amiga, que queda feia foi aquela? — Selena questionou, preocupada. — Sofri contigo.
— Tá doendo pra caramba — sussurrou —, mas não quero assustá-los.
— Entendo. Darei uma voltinha com eles.
— Valeu!
Jake olhou para Luana.
— Você é famosinha.
— Não, eu tenho amigos. É diferente.
— Que bom. Vou buscar algo pra comer. Quer o que?
— Água sem gás, por favor.
Quando ele saiu, o fisioterapeuta deu uma pausa no exercício e foi atrás de gazes. Luana pensou que filmaram a queda e postaram nas redes sociais.
— A TV local nem estava aqui pra cobrir a queda mais besta que eu já assisti na vida.
Ela assustou-se ao escutar a voz de Isac.
— Tá bem? Nem deve ter sido grave.
— O que você tá fazendo?
— Alguém pediu apoio moral, e eu vim, apesar de não ter dado certo, dadas às circunstâncias.
Luana revirou os olhos.
— Está tudo no lugar? — Parou sob a tenda, próximo a ela, numa distância em que poderia facilmente tocá-la.
— Meu joelho dói.
— Só o joelho?
— Acha pouco?
— Não, acho ótimo. Poderia ter sido pior, assim como evitado... Começando por não descer a rampa.
— Vá dar uma voltinha e vê se encontra a Sel.
— Vou ficar aqui, parado, caso tu invente de pular da maca e caia.
Luana olhou para Isac e desviou o olhar, incrédula.
— Para sua informação, já tenho um enfermeiro, e ele vem ali.
Isac encarou o sujeito com roupas largas e uma garrafa d'água, até Jake entregá-la a Luana, que agradeceu.
Jake fitou Isac.
— Algum problema comigo?
— Não.
— Ele é seu namorado?
— É um amigo.
Jake assentiu, encostando-se na maca. Luana ofereceu a água.
— Acho que tem alguém me chamando. Volto daqui a pouco. Não sai daqui.
— Criarei asas.
Isac começou a rir, de cabeça baixa.
— Para de zombar do garoto.
— Não sou de implicar, apenas observo, mas ele é muito óbvio. Tá na cara que está a fim de você.
— Ao menos, ele demonstra — alfinetou distraidamente — e mantém chances reais.
— É um guerreiro.
A almofada bateu em seu rosto.
— Sai daqui.
— Já disse, lou..., disse que ficarei aqui pra que você não resolva pular de outro lugar.
Nem parecia desconsertado pelo incidente.
— Calado, você é um poeta.

***


não havia superado o término de todo um planejamento futuro com o cara que gostava. Não quando estava enfurnada dentro de casa, sendo mimada pelos pais e cortando contato que envolvesse , algo com que, neste momento, não se sentia pronta para voltar a ter.
Enxugou as mãos e navegou pelas redes sociais no notebook ligado sobre o balcão. Abriu um site de relacionamentos, em que as conversas eram aleatórias e não necessitava cadastro, o qual acessava quando entediada ou chateada. Precisava conversa com alguém, conhecer o problema do outro e, assim, se sentiria útil. Não procurava um relacionamento, apenas passatempo virtual, nem esperava preencher um primeiro amor com uma primeira atração entre telas. Longe disso!

Estranho: M ou H?
Você: M. Meu nome é Vic, tenho 17 anos, moro no interior do estado e quero te conhecer.
Estranho: Vc pretende me raptar?
Estranho: Brincadeira! Meu nome é Giulieta, tenho sua idade e sou de SP. Bem, tb quero me conhecer. Ultimamente, ando atraindo vários probleminhas, se comparados com os da minha irmã mais velha, e minha mãe diz que "tudo ficará bem". Mas qdo? Essa dúvida é cruel!
Você: O que realmente aconteceu?
Estranho: O cara q minha melhor amiga ama gosta de mim. O cara q eu gosto tb. Pq não fico com ele? Tenho namorado.
Você: Termina!
Estranho: Eu gosto dele.
Você: Mindfuck.
Estranho: Meio que esperava essa resposta. No meu caso, meu relacionamento é bem saudável. Ele me trata super bem, e eu me apeguei a isso.
Você: Então vc não gosta dele, mas do que ele te proporciona.
Você: Vc é jovem! Apesar de ele ser maravilhoso, talvez não seja pra vc. Não q vc não mereça alguém assim, mas é q o q vc sente de vdd é bem mais maravilhoso, então fica com quem vc ama.
Estranho: Penso mto no fato de estar me enganando e enganando os três, pois o q gosta de mim acha q dou esperanças, o q eu gosto e retribui vive se declarando, e o meu namorado é quieto e cuida da gente.
Você: Vc tá confusa.
Estranho: Tô, mas sinto que, de algum jeito, sei o q quero e o q preciso agora. Mas tb penso em longo prazo. Imagino q não demorará para q eu tome uma decisão.
Você: Não saberei qual for, mas espero q sua razão te guie. Fui brincar de escutar meu coração, e ele se partiu.
Estranho: Quem nunca?
Você: Quem nunca?
Estranho: Eu já, milhares de vezes! Nunca aprendo, e meu coração tá acostumado. Espero q seja a primeira e última vez q eu parta os deles.
Você: Só tenho olhos pra um cara, mas ele fechou os deles pra mim, tal como seu coração. E, sem penetrar o coração, ou me enxergar diferente, não sente o q sinto.
Estranho: Vc tá desapegando?
Você: Sim.
Estranho: Segundo meus cálculos, demorará em torno de um mês, no mínimo, se não mantiver contato. Distrai sua mente com outras coisas. Lê um livro, dorme até tarde, conhece gente nova, liga pra alguém q não seja ele. Vai, boba! Somos muito novas pra deter os passos da vida por UM dos amores que virão. Olha, pode nem ser um cara! Pode ser um desses livros, um gato, uma amizade, o café da padaria da esquina da minha rua, qq coisa q não se resuma a alguém. Vc não estará sozinha e, sim, solteira. Ser solteira é bom. Tô namorando pq um desses amores me alcançou. Melhor solteira q infeliz. E digo mais: não precisa viver isso agora. Não força, se não, não tem a mesma graça.
Eu: Obg!
Estranho: Adorei conhecer um pouquinho de vc. Tenho que ir! Bjo!

Nesta reviravolta, concluiu o que custava a entender: ser solteira é bom. É necessário. Você se conhecerá, amará a si e, então, estará pronta para direcionar esse sentimento a alguém através do autoconhecimento de que não estar num relacionamento amoroso não diminui sua segurança, nem quem você é, apenas te liberta a estar com alguém porque quer, não porque precisa.
Ela não precisava que a quisesse, queria, mas, como ele não a quis, precisava se querer mais.
E praticar todo o aprendizado.
Depois de conhecer mais gente como a gente.



Capítulo 31

(Clique aqui para abrir a música do capítulo. Sugiro que escute!)

Meados de outubro

[Hoje, um segundo atrás]
: Tô aqui!

o encontrou sentado com o corpo curvado, navegando na internet, e disperso. Haviam poucas pessoas ao redor porque os meninos que jogavam bola no campinho foram embora cedo.
O dia estava propício para uma reviravolta.
Ele notou sua presença logo, quando a adolescente chegou perto o suficiente do banco, ergueu a cabeça e, mesmo que uma partezinha dentro de doesse, ela sentiu vontade de lhe mostrar seu sorriso, pois era improvável que não dedicasse o melhor a este cara.
O “mundo” dela se resumia àquele curto espaço de tempo em que os dois estavam lado a lado, como em tantas outras ocasiões, mas juntos — próximos emocionalmente. Finalmente, houve o toque de corações, embora não a junção deles.
— Oi. — beijou sua bochecha corada.
— Ei.
— O que foi? Não tá tudo bem, né?
Ela balançou a cabeça.
— Quer me contar agora ou prefere ficar em silêncio? Eu te dou todo o meu tempo.
sorriu com tristeza.
— Só um minuto.
virou o rosto, concentrado no celular em mãos, enquanto ela tentava se manter sob controle.
— Você sabe o que vim fazer aqui. Não é tão cego a esse ponto.
— Para falar a verdade, eu não...
— Por favor, não pense que sou uma idiota. Pare de fingir que não sabe que gosto de você! — Olhou para ele. — Isso é pior que receber um “não”. É como se estivesse me esnobando.
...
— Deixe-me terminar de falar! Faz tempo que quero te dizer algumas coisas. Cansei de me esconder atrás de Virna, de mensagens, de você. Nossa viagem não representou nada que não fosse a reconciliação da sua família. Não foi um pretexto para eu tentar te seduzir, sendo a garotinha disponível, amiga conselheira..., esses títulos depreciativos. — Mordeu o lábio. — Foi um gesto amoroso. Eu amo você, . — Viu os olhos dele dilatarem diante do tamanho da declaração. — Antes de qualquer coisa, te amo, porque somos amigos. Ir foi minha demonstração de que confio em você.
cruzou as mãos.
— Diz o que você quiser.
— Isso resumiu todos os maus entendidos do semestre. Na verdade, desses anos. — Enfiou as mãos entre as mechas do cabelo escuro.
— Eu pretendia contar antes, mas não tive coragem.
— Nem sei o que... — Abaixou a cabeça.
— Não é o fim do mundo. Tenho 17 e sei. A vida não acaba porque esse amor não foi correspondido ou não teve tempo e a atenção merecida.
sorria. Virou-se de lado, segurando a mão dela entre as suas.
— Você é linda. Não fingi que não vi isso. Afinal, quando você olhava pra mim do seu jeito, eu só tinha olhos pra você.
posou a outra mão sobre as deles.
— Infelizmente, não posso mentir pra nós dois. Não quero quebrar sua confiança em mim. Sou um cara que juntou seus pedaços e colou, após aquela viagem. Nunca serei como ontem. Não sei como estarei amanhã. Mas escolho ser este hoje. Escolho ser honesto contigo e afirmar que não consigo retribuir o que você sente. Para mim, você ainda é a de anos atrás, que me escutava, mesmo diante do meu silêncio, e me fazia sorrir. Não consegui desassociar aquela imagem a esta que toco aqui. — Firmou as mãos nas suas. — Não encontrei em mim o que você busca.
assentiu.
— Aposto que aparecerá alguém “certo” na “hora certa”. Enquanto isso, seguimos em frente. — Beijou suas mãos.

Final de novembro

— Pronto, Luana, você está liberada! — a enfermeira avisou, terminando de engessar sua perna.
— Já que, agora, tenho certeza de que você não consegue cometer nenhum dano, vou embora. — Isac levantou-se, e Luana abriu a boca. — Quer me pedir algo?
Ela bufou.
— Pode ir. Eu deixo.
Isac começou a se afastar. Daí, Luana tateou os bolsos, à procura do celular, mas não encontrou. Tinha que ir atrás de Selena ou de Jake. Posou a perna no chão, e a enfermeira lhe entregou muletas.
Vagarosamente, percorreu os primeiros dez metros, sem saber aonde estava indo.
— Aí é o banheiro masculino! — uma skatista avisou.
Luana parou na mesma hora. Entrou na porta ao lado. Quando saiu, Isac estava encostado na parede, dando tapinhas no relógio preto de pulso.
— Toda essa demora pra mijar?
— Você contou?
— Claro que não. — Fez uma careta. — Vai embora agora?
— Tenho que achar os meninos.
— Hum...
— Que?
— Acho que ficarei por aqui também...
— Não preciso de um segurança.
— Se tentarem pisar no seu pé, ou roubarem suas muletas, juro que não farei nada.
Luana revirou os olhos e ambos andaram.
Ele assumiu um ritmo devagar para acompanhá-la.
— Desculpa pelo tapa. Eu me exaltei.
— A Drika disse que te pegaria no ônibus.
Luana lembrou-se da conversa das duas.
— Tô de férias, agora.
Isac sorriu.
O sorriso sincero, que mostrava seus dentes e uma covinha, era bonito demais para alguém não notar, já que, para ela, sempre foi a linha fina nos lábios.
— Por que estamos nos dando bem? Conversamos como quem não tem rixa.
— Você acha que temos isso?
— Tínhamos.
— Bem, ainda possuo uma aversão a gente metida pra car*lho.
— Eu não sou isso que você acha. Que droga, Isac! Será que você não acerta uma? — Aumentou o tom.
— Se o que penso ao seu respeito já não fosse o bastante, tu me revela seu histerismo.
— Você atiça o que há de pior em mim.
Isac olhou para todos os cantos e rostos, até fitar o da sua frente.
— Por que está sendo decente comigo?
— Hã? Eu sou um cara legal. Ao menos, tento ser com todos, exceto com você. E, antes que resolva me dar outro tapa, é porque não consegui. Eu tentei.
— Você me expulsou do seu apartamento, vivia me dando patada, fez questão de tornar público sua aversão e diz que tentou?
— Tentei — garantiu. — Minha intenção não era te machucar, mas afastar. Queria você bem longe.
— Bipolar!
— Tá, isso não vai dar em nada. Vamos continuar procurando.

***


Selena olhou para um, depois para o outro e, então, franziu a testa.
— Onde vocês estavam?
— No banheiro — respondeu Luana, olhando de esgueira para Isac ao seu lado.
Ele a encarou, indagando silenciosamente seu ceticismo.
Ah!, o Isac ficou na porta.
— Na porta, hum?
— Tá me estranhando, Selena?
— Estranho seria se vocês estivessem lá dentro.
— Eu fiquei no corredor — replicou Isac, calmo.
— Esperando a Lu? Por quê?
— É, por quê? — Luana cruzou os braços com dificuldade.
Isac suspirou.
— Sei lá. Estava tentando ajudá-la. Sempre acharam que eu era rude com a Luana.
— Ainda acho, pra falar a verdade — disse Selena. — Você terá que ralar muito para mudar nossa visão.
Luana olhou para baixo.
— Não será um problema.

Jefferson terminava de se despedir de um aluno quando viu Selena sentada na rede do jardim de sua casa, segurando um papel dobrado.
— Oi?! — Ele sentou-se ao seu lado, e a rede afundou, chamando atenção de Selena.
— Peguei recuperação em História — explicou imediatamente sua ida —, acredita?
Jefferson abriu e fechou a boca.
— Mas a gente estudou todos os assuntos, provas... Tu até tirou 9,75.
— O professor não me deu a nota do trabalho. Ele quer me ferrar! Se eu for para o Conselho, não passarei de ano.
— Calma. Cadê sua última prova?
— Tá aqui. — Buscou as notas dentro da bolsa.
Jefferson virou seu rosto suavemente para conferir o que imaginava, mas sem esperar que, de fato, estivesse molhado.
— Por que está chorando?
— Vou reprovar, Jefferson!
Ele não conseguiu não sorrir.
— Você vai fechar.
— Realmente, pegarei a prova, fecharei e entregarei ao professor.
— Sempre passei direto na escola e corro o risco de pegar DP este ano na faculdade. A tendência é essa. Leva no aprendizado. Pelo menos, você passa realmente sabendo do assunto.
— Você encontra um motivo a favor em meio a tantos contras, e isso é uma característica sua que admiro demais. Divide comigo?
Jefferson encostou a testa na sua. Ficaram quietos, assim, e ele desdobrou o papel.
— Definitivamente, você não é de humanas.
Selena afastou-se, rindo fraco.
— Eu sou de cansadas.
— Nem me fala isso que até durmo... Tô cansadão!
— Voltarei outra hora.
Ele segurou sua mão, escorregando os dedos para dentro dos seus.
— Meio que o sono me abandonou quando tu se fez presente.
— Isso tem um duplo significado?
— Só se você tivesse um para mim e não tem. Resumidamente, você é meu sol.
Selena deitou a cabeça em seu peito.
— Vai me dar aula?
— Não dá mais para atrapalhar seu desempenho. Você não aprendeu História comigo, e isso, confesso, me deixou duvidoso.
— Em minha defesa, a culpa é sua. — Ergueu a cabeça. — Tá, de mim, que me deixei distrair por tantos detalhes no meu presente, pertinho, que focar no passado de uma guerra que não me diz respeito foi tedioso.
Jefferson devolveu o boletim.
— Quais?
Selena guardou.
— Tudo em você.

[Hoje, por volta da meia-noite]
Isac: Tudo certo?
Isac: Eu sei q vc visualizou, Luana.
Isac: Vou imaginar q vc caiu da cama e, por isso, não tá me respondendo.
Isac está digitando...
Luana: Meu joelho está engessado. Nada mudou.
Isac: Eu tô tentando, tá legal?
Luana: (emoji pensativo)
Isac: Arrumar essa bagunça. Se pudessem me ver, diriam q um furacão me visitou, e essa catástrofe tem nome conhecido.
Mensagem não enviada.
Isac: Chamar sua atenção.
Luana: Era só dizer: "Ei, Luana, não conseguirei dormir, enquanto vc não me der sinal de vida!", q eu demoraria menos a responder, juro!
Isac: (emoji chateado)
Isac: Vc é dessas q faz charme
Isac: Obrigado por avisar!
Isac: N preciso me ocupar com meninas assim.
Luana: "Metidas pra car*lho"?
Isac: Foca apenas nas frases em q eu xingo, né? Solto um palavrão por força de expressão.
Luana: Qdo vc me enquadra, sim
Isac: Eu te achava metida.
Luana: Eu achava TANTA coisa ao seu respeito q vc se sentiria ofendido até o fim da sua existência.
Isac: Alguma sofreu alteração?
Luana: Sim... Mas acrescentei outras, então compensou.
Isac: (emoji pensativo)
Luana: #descubra
Isac: Tô pouco fodendo pra isso.
Luana: Língua porca, vá lavar a boca e dormir! É o melhor q tu faz!
Isac: Para de me dar ordens!
Luana: Então fique acordado. Eu vou dormir.
Isac: Q garota chata! Tbm vou!



Capítulo 32

(Clique aqui para abrir a música do capítulo. Sugiro que escute!)

Duas semanas depois...

— Mainha, por favor!
Selena estava sentada no sofá da sala de casa, e suas duas irmãs estavam em pé, perto da mãe, na expectativa.
— Você ficou de recuperação. Não vai, não! Fim de papo! E sem celular! — Apontou para a mesinha de centro.
Emburrada, Selena deixou o aparelho sobre o vidro e se retirou.
A prova havia sido aplicada no início da semana e, agora, soube que as irmãs realmente passariam as férias fora, antes de se mudarem para a capital, onde morariam durante o ensino superior. Selena não via a hora de sair de casa. Porém, sabia que seria igualzinho, tirando a responsabilidade dobrada, pois, no restante, continuaria à mercê dos depósitos mensais de sua mãe.

Otávio procurou em diversas lojas, no centro, o presente perfeito para dar a Virna, de aniversário de namoro. Em uma de suas saídas das lojas, esbarrou em Isac, que vinha de cabeça baixa, conversando pelo celular.
— Olha por onde anda, meu irmão!
O louro parou e gesticulou com a mão para que o esperasse encerrar a chamada.
— Era a Zoe?
— Que Zoe o que! Era meu pai. Estamos nos programando pra viajar em dezembro. Falta pouco.
— Estrangeiro?
— Não, uma ilha no litoral. É bom demais! Quer ir?
— Cabe mais dois?
Isac sorriu.
— Arriou.
— Você não viu nada. Ela já me apresentou à família, fez jantar, almoço... Só faltou eu dormir lá e emendar o café. O pai dela é formal.
— Quer dizer grosso?
— Ele vive fora, e não sei se foi com a minha cara, mas me receberam muito bem. A V diz que é a primeira impressão... Não devo me preocupar.
— Eu me preocuparia. — Isac riu fraco. — Um sogro desses assusta qualquer ser despeitado.
Otávio olhou para a sacola de uma perfumaria segurada pela sua mão esquerda.
— Vai fazer o que agora?
— Tenho que buscar minha mãe, a Drika e iremos almoçar em algum lugar.
— Eu iria te chamar para nos encontrarmos com o Jeff, porque ele tá por aqui com a madrasta e o irmão. Viajará, hoje, para o sudeste.
— Liga para o cara. Só não posso demorar.
— Cadê o ?
— Esse sumiu. Voltou com a ex e se esqueceu das amizades.
— É o que chamo de “mulher sanguessuga”. Se deixar, suga até a alma do coitado!
— Pena que é dela que ele gosta.
— Pobre da .
— Eles tiveram algo?
Àquela altura, já estavam dentro do carro do pai de Isac, em movimento.
— Ficaram, mas desandou. O ... Tu conhece a peça, já sabe o final, e ele nunca a viu como uma possibilidade, tá entendendo? É triste. Ela merece conhecer um sujeito que valha a pena.
— O é bacana, mas meio avoado.
— Como estão você e a Luana?
Isac quase bateu o carro com a hipótese.
— Como é?
— Perguntei se estão bem, não necessariamente juntos.
— Eu tô ótimo. Ela, não sei. Sabe que não mantemos contato. Luana é metidinha...
— Metida? Mas nem morta! Lu é uma das pessoas menos egocêntricas que eu conheço! Ela é maravilhosa, com todo o respeito. Amo a Luana de paixão, mesmo!
Isac o olhou rapidamente.
— Você tem uma quedinha por ela?
— Não tive tempo — revelou com pesar teatral. — Quando pisquei, já estava me envolvendo com a Virna. Mas, se eu voltar à história, tenho que agradecê-la pela ideia do número, por ter me incentivado a sair com a V, até ter deixado cair o papel na padaria. Ele mudou a minha vida. Enfim. É uma garota que vale a pena.
— Será? Tá exaltando a menina.
— O que você acha?
— Não tenho opinião formada sobre. Para mim, até ontem, ela nem existia.
— Será? — retrucou.
— Se eu não demonstrei direito, falha a minha. Eu quis atingi-la todas as vezes em que a encontrei. Era necessário e natural. Agora, parece sem razão. Nos demos bem quando falamos a mesma língua.
— Estudando a língua da lourinha, Isac?
— O respeito mútuo é a nossa linguagem, seu pervertido!
Otávio riu, e seu celular tocou.
— É a V.
— Não toque nesse assunto.

***


chegou de viagem para o dia da formatura. Colaria grau e festejaria com os familiares e amigos. Depois, retornaria a Nova Formosa para as festas de fim de ano e esperaria o resultado do Enem. Pretendia cursar Odontologia na UniCa.
Que as notas de corte estivessem ao seu favor!
— Começará cedo no auditório! — a mãe avisou. — Iremos ao salão, agora, tá? Seu pai nos buscará mais tarde.
— Deixo o vestido sobre a cama?
— É, se não, não dá tempo!

Jefferson se encontrou com os amigos mais cedo e teve tempo de desejar boas festas. No final da tarde, embarcaria para Cabo Frio sozinho e não pretendia retornar tão cedo. Queria conhecer a cidade, o Rio, algumas cariocas — meio que aconteceria por intermédio de seu irmão — e ver a possibilidade de fazer sua pós por lá.
Aspirar novos ares seria revitalizante.
— Então você não volta? — Isac havia perguntado.
— Claro que volto, ou perco minha matrícula. Faltam uns semestres pra terminar ainda. Só pensei que poderia ser uma boa ideia fazer minha pós no Rio... Passou pela minha cabeça. Não sei.
— Cara, se existe a possibilidade, segue seu rumo.
— Nós apoiamos nosso professor. — Otávio lhe deu tapinhas nas costas.
— Valeu! — Ele abraçou ambos. — Não deixem o grupo morrer.

Luana seguiu um esquema de fazer menos tarefas existentes nas férias e contentou-se em ficar deitada na cama, enfiada nas cobertas, assistindo a Netflix. Já era a segunda temporada de uma segunda série numa lista de vinte e cinco.
Alguém apostaria que ela não assistiria a todas?
Desde o campeonato, em que não se classificaram, muito se falavam nas redes sobre isso.
Havia aberto mão da “Aula da Saudade”, colação de grau e, talvez, não fosse à festa paga pela mãe, que batia insistentemente na porta a cada minuto. Estava sem saco para se despedir de alguém, porque, da escola, deu “adeus!” desde o término das provas. Tinha poucos amigos nela, como Maria Giulia, Selena, Otávio e dois alunos do terceiro ano B, apesar de ser dar bem com a maioria.
Otávio e Giulia iriam à festa. Ela, até o presente momento, não.
— Luana Diniz, levante sua bunda agora e vamos ao salão! — Da porta, sua mãe reclamava com o mesmo discurso anterior. — Eu paguei caro pela festa, e você a quis! Mudou de ideia? Deixe para mudar depois! Não me faça guardar o controle da TV!
Luana enfiou o rosto no travesseiro e suspirou.
— Já vou!

[Hoje, 11h30]
Selena: Ninguém me deu uma senha!!!
Virna: São poucas, miga :(
Selena: Só pq vc tem namorado formando...
Luana: Sel, tem uma aqui! Deixe de fazer barraco! Tô sem vontade de ir, pra falar a vdd, mas mainha pagou.
Virna: Pq??? Será bem legal!
Selena: Luana é de veneta
: Oi, gente!
Selena: Diva <3 Miga, cê tá em CP?
: Tô, sim. Vim ao salão com mainha. Sairei daqui às 17h, quase em cima da hora.
Luana: Não arranjei vestido (emoji pensativo) Conhecendo minha mãe, ela deve ter alugado um. Se umeno couber em mim, tô com sorte. Ser bonitinho é lucro.
Selena: Mainha sabe do q eu não gosto.
Luana: A minha finge não saber pra q eu use o que ela gosta.
Virna: Vestido pra convidada é super tranquilo de encontrar e dá pra comprar.
Selena: R$ca!
Luana: Tenho que ir (emoji chorando) Vou passar a tarde inteira sendo torturada no salão. Alguém me salva!
Selena: Vai disputar mtos corações na festa! Se eu fosse fulaninho, ficava de olho! Como não sou, dou o conselho! #assumelogoessebabado
Virna: Melhor hash! Hahahaha
: Quem é?
Selena: #descubra
Virna: #mimacher
Luana: #mesequestra
Selena: (emoji surpreso)
Selena: Como assim??? O q eu perdi?
Luana: Não quero ir à festa
Luana: Só isso
Virna: (emoji pensativo)
Selena: Miga, ele nunca mais vai querer te devolver.
Virna: Sem dinheiro pro resgate, sem liberdade.
Selena: Tu será a escrava dele
Virna: Uma dona de casa explorada
Selena: Vi duplo sentido nisso
Virna: Só duplo? Tá cheio!
Selena: Cuidado com o q vc pede, Lu!
Luana: Estamos falando de quem?
Selena: #descubra
Virna: Luana se faz de besta, mas, de besta, não tem nada!
Selena: #abreteuolho
Virna: #olhaofulaninhonafesta
Selena: Afinal, ele tem senha?
Virna: Dê uma a ele, Lu!
Luana: Ele quem?
Virna: Luana tá cansando minha beleza
Selena: Miga, cê quer q eu jogue na roda?
Virna: Põe o nome no ventilador!
: Gente, fiquei um pouco, mto confusa
Virna: Muita calma nessa hora!
: Quem é o fulaninho?
Selena: Miga, é aquele lá!
: Ah, Sel, não me lembro
[11h55]
: Socorroooo!
: HAHAHAHAHAHA
: Não acredito no q meus olhos leram
Virna: Shhh!
Selena: A Lu já arredou o pé há mto tempo, e vcs ficam falando nisso. Eu, hein! Tô vendo essa falsidade aí!
Virna: Sel é zoeira
Selena: Desde q eu nasci :)

***


A colação de grau ocorreu no auditório da faculdade, que era usado pelos estudantes do Val Campestre. Lotado, o local foi organizado para receber familiares e alunos vestidos a caráter, que se dirigiam aos degraus do palco, subiam, recebiam o diploma entregue pela diretora — alguns abraçavam, outros tiravam foto, ou apenas davam um aperto de mão, num gesto de “Eu não preciso mais ver essa cara de quem chupou limão e não gostou amanhã, nem ano que vem!”, e desciam pelo outro lado, como Otávio fez.
Ao lado da sogra, Virna tirava fotos dele e assobiava.
Luana não estava em lugar algum.
Otávio procurou com o olhar por ela, mas não a encontrou. Sabia que não viria, porém logo iriam ao local da festa.
— A Lu tá atrasada.
— Nós a veremos na festa. Acho que ela foi direto pra lá.

Fora do auditório, o breu em alguns corredores, por se noite, exalavam o silêncio. Ouviam-se murmúrios vindos somente da entrada do local onde estavam reunidos. Em um dos corredores mal iluminados, Luana caminhava lentamente, como se fosse uma princesa perdida, com seu saltos finos, vestido longo da cor vinho e de renda, e penteado trançado, deixando parte do colo à mostra e metade do cabelo solto. Seus cílios tinham uma camada de rímel, e em seus lábios, batom. As bochechas estavam menos rosadas e mais destacadas, as sombras nas pálpebras pintavam seu olhar inocente, e tudo em si irradiava segurança.
Não era de todo ruim estar assim, sentindo-se mais bonita.
Sinceramente, de coração, não sentiria falta deste lugar.
Talvez, mais tarde, quando o ano novo chegasse, o peso do vestibular, o resultado, a vida universitária e mil responsabilidades trouxessem uma nostálgia do colégio.
— Você está... Até perdi a fala!
Luana se virou para Selena, que a abraçou.
— Arrasou o coração do fulaninho!
— Ele não merece ter o coração arrasado por mim.
— Claro que não. Você é uma beldade de 1,70 m, tem mais é quer por o coração dele pra malhar!
Luana riu.
— Sel, você foi meu maior presente.
— Ainda bem que Giulia não é ciumenta.
— Achavam que nós éramos um casal, então ela controlou o ciúme, e tá tudo certo.
— Hora de irmos festejar. — Segurou sua mão e, juntas, seguiram. No final, encontraram Giulia, e Luana estendeu a outra mão, que ela agarrou.

[Hoje, 19h45]
Jefferson: Tá todo mundo ocupado?
: Pelo visto, os outros, sim
: É dia da formatura
: Q foi?
Jefferson: Meu voo atrasou. Tô retado!
: Vixe!
Virna enviou uma foto
: Povo bunitu
Jefferson: Ota tá com cara de "Agora, eu deixei de ser Otinha, porra!"
Jefferson: hahahahahaha
: Se vc não me quis ontem, qdo eu era Otinha, não me queira agr q sou Ota, formado no terceiro ano do ensino médio.
Jefferson: O cara tem diploma do colegial. Ensino Médio completo. Só sucessooo!
Virna: Não tô entendendo essa acidez
Virna: Olhem aqui!
Virna: Quem pode zoar meu namorado sou eu
: Fiquei com medo da fúria de uma mulher brava!
: Oloko
Jefferson: V conhece!
Jefferson: Queria deixar claro e autenticado q Ota é parceiro e nosso mascote
: #omascotecresceu #omascostInhaseformou #vaichover #éhoje #hojeodiplomanãoescapa
Virna enviou um vídeo
Jefferson: já fez o favor de legendar tudo.
: Mais ou menos
: Esse vídeo tá pouco explicativo (emoji pensativo)
Jefferson: Otávio, Otávio...
: Quem diria?!
Virna: Em minha defesa, minha namorada nem se importou /Otávio
: "Em minha defesa"
Jefferson: Tá todo mundo aí?
Virna: Todo mundo: eu; Otávio; Sel e Luana, apenas
Jefferson: Peça a Sel pra me responder, faça essa caridade!
Virna: Okay!

[Hoje, 21h01]
Selena enviou um áudio
Jefferson: Pq não disse q tinha ruído? O pessoal me olhou com uma cara...
Selena: Desgurpii
Selena: Corredor maldito
Selena: Corretor*! Nossa!
Selena: Cê entende
Jefferson: Para de beber
Selena: Eu parei! Aqui é o efeito do q bebiii!
Selena: Tô com vontade de vomitar
Jefferson: Sel, eu tô indo a Cabo Frio sossegado. Por favor, não me preocupa.
Selena: Não foi minha intenção
Selena: Desgurpi
Selena: Desculpe
Jefferson: A próposito, vc furou comigo!
Selena enviou um áudio
Jefferson: De consolo, envia áudio bêbada
Selena: Jeffinho, eu iriiiaaa, sério! Fiquei de castigo! Pra minha mãe, sofro + qdo não posso te ver (emoji tapando os olhos)
Selena: Cê tá no aeroporto?
Jefferson: Tô.
Selena: Eu tô na festa da Lu. Ela me deu uma senha. Tá tocando J&M!
Jefferson: Q música?
Selena enviou um áudio
Jefferson: hahahahahahahahaha
Jefferson: Sua voz tá horríííveeel
Jefferson: "Desgurpi" a sinceridade
Selena: Poxa, Jeff!
Selena: Magoou!
Jefferson enviou um aúdio
Selena: Canta pra mim!
Jefferson: Não.
Selena: Canta, Jeffinhooo!
[21h30]
Jefferson: Meu voo foi cancelado =(
Selena enviou uma imagem
(Era uma cesta levada por vários balões coloridos)
Jefferson: Isso é alegria?
Selena: #descubra
Jefferson: Maldade.
Selena: Vc tá vindo?
Jefferson: Tô indo pra casa. Acabei de pegar minha mala. Vá aproveitar sua festa, mas chega de beber, né? Conheça seu limite.
Selena: Vc me conhece melhor q eu
Selena: Tô indo te ver
Jefferson: Não, Sel, não vem.
Selena: Pq?
Jefferson: Eu não quero recriar expectativas. É difícil, pra mim, mesmo q tu custe a acreditar. Essa situação de ver num dia, ficar perto... Isso influência meus pensamentos. Não quero q tu venhas, se for pra ir embora logo. A gente não dá certo. Tu tá meio alterada. Eu não deveria estar falando sobre isso agora.
Selena: Vc tá sendo sincero?
Jefferson: Alguma vez não fui?
Selena: Ao menos, tenho sua amizade, né?
Jefferson: Sim, e, como bom amigo, digo q aproveite a festa! :)

Luana estava abraçada à Giulia, cantando a plenos pulmões 'Pescador de Ilusões', do O Rappa, entre a galera. Uma roda se formou no meio e os alunos começaram a girar, pulando, e a cantar:

Valeu a pena, ê ê
Valeu a pena, ê ê
Sou pescador de ilusões


— Cadê minha sobrinha? Vou pegá-la! — disse Luana, corada e suada, retornando à mesa de Giulia com ela, ambas descalças como a maioria.
— Encontramos vocês! — Otávio abraçou as duas, seguido de Virna. — Meu Deus! Descobri, hoje, que tenho alma de velho!
As garotas riram.
— Olha a filhota da Gigita! — falou Luana, apresentando Laura Sauorise. — Tá com um aninho.
— Linda!
— Posso pegar? — Otávio pediu, e Giulia balançou a cabeça.
Ele a trouxe aos seus braços com tanto cuidado.
— Amo crianças.
— Eu também — disse sugestivamente Virna, e Otávio sorriu.
— Que bom, porque, se depender da minha inclinação parterna, teremos seis.
— Ele muda de ideia quando trocar a fralda pela primeira vez. — Giulia refutou.
— Isso são planos para um futuro bem distante, né, amor?
— Com certeza!
Luana afastou-se um pouco para buscar uma bebida e avistou uma figura conhecida, distante, com duas mulheres. Essa pessoa não estava bebendo nada e se despediu delas, aproximando-se da entrada dos banheiros.
Ela o seguiu.
Acabou esperando num sofá no salão de fotografias.
Os rapazes e moças saíam das portas dos banheiros e, após um tempinho, Isac apareceu.
Duas vezes na vida, Luana o viu vestido formalmente, mesmo que, para os padrões de Isac, o “formal” tivesse que ser despadronizado e adaptado a alguma mudança que o deixava atraente com essas roupas.
— O que você tá fazendo aqui?
Ele assustou-se ao vê-la de supetão.
— Avisa quando for aparecer... — Posou a mão sobre o peito.
— Idiota.
— Você não desce do pedestal, não é? Acredita realmente que esta festa é apenas sua? Que apenas você tem o direito de trazer convidado?
— Juro que, se eu tivesse uma bebida agora, tacaria na sua cara.
— Tu deve ter um amor e ódio pelo meu rostinho bonito, né?
— Bonito ficou quando meu anel fez um estrago.
— O estrago foi reparado. Nem pra fazer o trabalho direito você serve. Toda vez que eu cogitar ser civilizado contigo, colocarei meu capacete.
Luana não disse mais nada, e Isac começou a se afastar.
— Ei! Eu não terminei!
Sem lhe dar ouvidos, o garoto atravessou o canto da pista de dança cheia, pelo breu, indo em direção aos chalés.
A festa estava acontecendo no Country Club.
Isac caminhava com as mãos dentro dos bolsos, vestindo colete e os três primeiros botões da camisa preta abertos. Sentia vontade de voltar, enfiar a mão no cabelo dela e fazer o que quisesse. O que seu instinto insistia.
Luana iria deixá-lo com fios brancos antes do tempo.
Escutou passos irritados na grama; passos estes que não eram seus. Não havia ninguém ao redor, os chalés localizavam-se na descida da ladeira, e seria ligeiro fugir da louca de cabelo louro, que vinha atrás. No entanto, não foi o que fez.
— Está pensando em se jogar e acabar com a festa da gente? — ela reclamou, zangada por um motivo extraterrestre, porque era a única conclusão a que ele chegou.
— Não tô pensando em absolutamente nada.
— O que está fazendo neste lugar?
— Tô tentado a ir dormir. Nem tu conseguindo me despertar para mais uma discussão sem graça.
— Nenhuma discussão deveria ser engraçada.
Isac desceu umas léguas.
— O ato de discutir, não, mas o que procede dele.
— Que droga você tá querendo me dizer com isso? Por que, simplesmente, não é direto?
— Não tenho o que dizer.
Ele desceu mais um bocado, enquanto Luana refazia o trajeto. A grama pinicava seu tornozelo, e ela queria gritar. Mas quem gritou foi ele, que pisou em falso e rolou ladeira abaixo.
Luana olhou para trás e correu para ver o que havia acontecido.
— Tão branquelo que nem consegue camuflar.
Desceu a ladeira, agachou-se para tocar sua testa e ver se tinha machucado, depois estendeu a mão.
— Não faz charme — disse.
— Isso são minhas costelas quebradas.
Luana suspirou.
— Você nem está chorando. Não deve estar doendo.
Isac inclinou o corpo.
— Se você for pra área da saúde, eu direi que, como médica, tu será uma ótima sadomasoquista.
— Obrigada.
Ele se levantou e abriu o restante dos botões do colete. Pouco iluminado, Luana desviou o olhar, ainda que Isac estivesse vestido.
— Não vou ficar pelado. Quero checar minhas costas também. Tu pode me ajudar nisso?
— Você tem dois braços, graças a Deus.
Ele concordou, desabotoando, então, a camisa, sem retirá-la do corpo. Seu torso pálido, liso e bonito ficou em evidência.
— Isso é atentado ao pudor.
— Não pretendo tirar a calça, fique tranquila. — Virou-se para frente e deitou-se. O corpo esticado sobre a grama, seminu; cada detalhe, firmeza, até o movimento lento da respiração dele detiveram a atenção de Luana, que não parava de olhar. — Olha, mas faz alguma coisa... Só não arranca pedaço.
Luana se viu agachando novamente.
— O que você quer que eu faça?
— Realmente?
— Não.
Isac sorriu, sentindo dor. Os dois ficaram calados.
— Eu quero um beijo — falou baixinho. Foi a primeira vez que deu voz ao que, de fato, quis, teimando em mentir.
Luana perguntou, incerta:
— Você bateu a cabeça?
— Não, mas quero um beijo seu — afirmou.
— Você não está machucado... Tirou a camisa para tentar me seduzir! — Balançou a cabeça, estupefata. — Abestalhado!
— Consegui?
— Não, mas é uma visão... — Não teve palavras. — Tá com saúde.
Isac gargalhou e sentiu umas pontadas nas costelas.
— Tô sentindo dor, de verdade, só não como falei.
— Podemos ir, então.
— Ainda não. Eu quero um beijo. — Ergueu o tronco, sentado de frente para ela. — Disse para eu ser direto. Não há como ser mais que isso. Estou pedindo porque é melhor levar um fora que um tapa na cara.
Luana mordeu o lábio.
— Mas...
— Mas?
— Nunca pensei que fosse isso.
— Nem eu. Acabo de descobrir que quero que você me beije para que eu possa te beijar sem ser estapeado.
Luana levantou-se um pouco, sentando-se sobre as pernas dobradas em seguida.
— Não sei se é uma boa ideia.
— Por quê?
— Você tem fama de acusar as garotas e tirar conclusões precipitadas.
— Na verdade, sou um doce com elas e, por isso, são minhas amigas.
— E me tem como inimiga.
— Não, acabou. Sem rixa, nem probleminha mal resolvido. Por que não podemos ser normais por um tempo?
— Podemos tentar.
Isac olhou em seus olhos, até que, constrangida, Luana fitou a boca dele.
— Você já — ele perguntou — ficou com alguém?
— Claro.
— Qual o problema?
— Não sei.
— Luana, fazendo a tímida, é uma comédia inédita.
— Não me sinto confortável beijando você. Beijo é uma troca intíma, e isso que estamos construindo é novo. Se você me beijasse antes, eu até poderia ceder, mas não agiria igual depois.
— Entendo e respeito.
Luana aproximou-se um pouquinho, visto que estavam perto, ajoelhada, e abraçou-o pelos ombros.
Surpreso, Isac tocou suas costas, aspirando o cheiro de loção de ameixa nela.
Ela afastou o rosto, analisando a face do garoto e os próprios dedos, que seguravam os dois lados da camisa dele, abotoando. Depois, levantou-se.
Isac apanhou o colete e a seguiu.
— Você tá descalça. — Ficou ao seu lado, erguendo-a no colo.
Luana chiou.
— Não precisa me agradecer.

Capítulo 33 - parte I

(Clique aqui para abrir a música do capítulo. Sugiro que escute!)

A formatura de teve um pouco mais de luxo que a de seus amigos da escola pública. Colou grau e participou da festa com um entusiasmo recém-adquirido. Na manhã seguinte, voltou a Nova Formosa. Só viria outra vez após o resultado do Enem.

As gêmeas já haviam arrumado as malas para a viagem, e Selena queria muitíssimo ir. Em casa, com dor de cabeça, esperou a mãe chegar do trabalho para pedir novamente.
— Minha resposta continua sendo não, não e não! — a genitora avisou logo, antes que ela sequer falasse. — Voltou mais tarde que o combinado e vomitando. Vi a Saíra saindo do seu quarto pela manhã. Você me prometeu que se comportaria e que nada de bebida álcoolica! Confiei em você, Selena! Se não posso mais contar com sua palavra, não tem porquê te dar outro voto. Alguém que não cuida de si com a liberdade que ofereço, cuidará com liberdade na rua?
— Exagerou, mesmo! Quase entrou em coma alcóolico! — disse Saíra, com o sermão. — Pai vai ter uma conversinha contigo. Tu lascada!
— Eu vou sair. — Selena levantou-se.
Sua mãe apontou o dedo para o sofá, e ela sentou-se.
— Mainha, manda essa pilantra vazar! A senhora dá muita ousadia a essa gêmea desnaturada!
— Eu sou maior de idade, bebê! Chora mais!
— Saíra, fica quieta! Maior de idade ou não, quem manda nesta casa somos eu e o seu pai. Enquanto estiveram morando sob nosso teto, seguem as regras. Alguma dúvida?
— Quando eu crescer, quero ser que nem a senhora! — comentou Saíse.
— Puxa-saco! — Selena jogou a almofada nela, que rebateu.

Longe dali, Otávio e Virna dormiam na sala de um dos chalés, sobre um colchão e travesseiros. Ele mantinha o braço sobre o corpo dela, de frente para o seu, ambos com as roupas da festa. Ao redor, a família de Otávio descansava, espalhados, também.
Do lado de fora, o som havia sido desligado às 5h, e o sol já nascia quando alguns formandos regressavam aos chalés. Permaneceu na festa, até virar o dia, quem alugou um para passar a noite. Dentre esses ex-alunos, Luana caminhava pela grama com as alças dos saltos na mão e, ao seu lado, com olheiras e eletrizado, estava Isac, que custava a ir dormir.
Pararam no topo da ladeira, onde Isac levou a queda na noite passada.
Luana começou a rir.
Apesar de achar incomum alguém sorrir àquela hora, Isac se virou para ela e bagunçou mais seu cabelo despenteado, esperando que isso fizesse com que parasse. Entretanto, Luana bagunçou o dele, que se curvou, tentando escapar de sua mão.
— Você é um caso a ser estudado — repentinamente, ela disse.
— Sou a prova de que gente como você, complicada, também tem um par.
Luana socou seu ombro, sem força.
— Você é a prova de que idiotas também se... Dão bem quando tentam.
— Eu me dei bem porque tive meia hora da sua presença? — Cruzou os braços.
— Você passou a noite na minha cola. É meio óbvio que sim. Não sou de dar mole a qualquer um.
— Mole? Explica que eu não entendi direito.
— É que você ainda é um idiota. — Desceu a ladeira, e Isac viu algumas pessoas rolando, enquanto mantinha-se parado.

***


Antes, curtia todas as fotos de no Facebook e no Instagram. Agora, elas não chamavam sua atenção, conseguia ver os efeitos das edições e nem lia os comentários das “amigas” dele. percebeu isso, porque sempre recebia notificação, achando de boa, já que eram amigos. Hoje, essa atitude da falta de curtidas significava que estava superando-o, ou tentando, mas que custaria perder o contato, por tempo indeterminado, até que, enfim, pudesse tocá-lo, abraçá-lo, sentir seu cheiro e vê-lo, sem sentir nada. Nada do que sentiu outrora. Como Otávio fez com ela. Como o outro garoto que gostava dela — e ainda gosta, ao que parece —, provavelmente, tenta fazer.

[Hoje]
Otávio: Sel, passou?
Selena: [Mensagem automática]: Tô de férias. Não me perturbe com perguntas sobre a prova ou o resultado. Agradeço a compressão!
Otávio: (emoji revirando os olhos)
Otávio: O Jeff te ensinou?
Selena: Sim, por chantagem emocional, mas menos de um cap
Otávio: Claro, né?! Ele preferiu estudar o resto do capítulo 25: "A exploração territorial da boca de Selena com a língua". De preferência, a dele.
Virna: O capítulo descreve que ele furtou toda a saliva e adquiriu umas naftas desagradáveis.
Otávio: Hahahahahahaha
Otávio: Por isso q sou casado com essa mulher
Otávio: Te amo!
Virna: hahaha amo vc, amor!
Selena: "EM MINHA DEFESA", foi sem concentimento. Não me responsabilizo pelas secreções encontradas q causaram tal estado.
Otávio: "Sem concentimento"
Otávio: Imperador Jeff apareça.
Jefferson: O imperador, em sua defesa, contra-argumenta com uma relíquia chamada "voz da Selena bêba" em áudio salvo em sua conversas. Lá, ela afirma q preferiria fazer qq coisa a estudar História.
Selena: Calúnia!
Virna: Como advogata da Sel, peço que exponha essa prova de sua defesa.
Jefferson: Olha q eu posto
Selena: Eu estava fora de mim! Não me lembro de ter dito isso! E não foi no dia em q estudamos, seu palhaço!
Selena: Minha advogada? Tô lascada!
Virna: hahahaha tá nada pq eu sei q vc é a donzela, e o Jeff é o lenhador
Otávio: Meu cliente sempre deixou claro que Selena é "perigosa".
Otávio: Isso é autoexplicativo, não?
Otávio: Mais fácil a Sel atacar, e o Jeff se defender
Jefferson: Tb não é assim...
Otávio: Me demito.
Virna: Jeff tá se declarando suspeito
Otávio: Assim não dá pra te defender, amigo
Selena: Ninguém reclamou depois.
Virna: (emoji dos olhos)
Jefferson: (emoji dos olhos)
Jefferson: Eu não faço nada que a Sel não queira.
Selena: Sabemos, gatinho :)

Isac esperou Luana ir buscar o diploma e o histórico escolar, no dia seguinte, em frente ao prédio do colégio, ainda que estivesse de férias e pudesse, com isso, estar em casa, jogando, assistindo filme — era viciado — ou dormindo. Qualquer atividade, menos estar ali, agasalhado, passeando os dedos nas mechas despenteadas do cabelo longuinho, desde a última vez que passou a máquina, e coçando o olho. Sentado à mesa no quiosque do outro lado da via, bebia coca-cola como se fosse água, roia o dedo mindinho, às vezes, e digitava no celular.
Daí, distraído, Luana apareceu na grade e, ao olhar para ela, suas entranhas se manifestaram.
O que ele estava fazendo lá?

[Hoje, 09h01]
Isac: Dá "oi".

Luana tirou o celular da bolsinha no ombro, encostada no paredão.

[Hoje, 09h05]
Luana: Oi.
Isac: Olha pra frente, agora, e dá oi.

O olhar de Luana se ergueu de imediato.

[Hoje, 09h10]
Luana: (emoji pensativo)
Isac: N tá vendo?
Luana: Um branquelo sentado? Sim
Isac: Vc não reclamou da minha cor qdo me viu sem camisa
Luana: Eu iria, mas me esqueci
Isac: (emoji pensativo)
Isac: Tá, vem me dá oi.
Luana: Não, tô esperando meu padrasto.
Isac: Então eu vou aí.
Luana: NÃO!
Isac: ?
Luana: Se ele nos ver juntos, fará um monte de perguntas.
Isac: Eu as respondo.
Luana: Piorou!
Luana: Será homicídio social.
Isac: (emoji revirando os olhos)
Isac: Eu tô indo aí
Luana: Isac!
Isac: Tô me levantando agora. Vou pagar a coca e atravessar a rua.
Luana: Meu ônibus tá vindo.
Isac: Se vc correr, eu te alcanço.
Luana: O q vc quer comigo?
Isac: Um minuto e verá.

Ele se virou para pagar a bebida ao dono do quiosque e deixou o local, atravessando a rua larga, até alcançar o pavimento. Depois, esperou um carro passar e atravessou a outra via.
— Dá a você um oi.
Luana balançou a cabeça, achando-o uma farsa. Aquele não parecia ser o Isac de cada dia.
— Que oi preguiçoso.
— Mas tu encontras defeito em tudo o que faço ou digo. Assim, vou falir as ideias.
— Tá, agora que você fez o que queria, vá embora.
Isac sentiu-se profundamente ofendido.
— Meu padrasto é chatinho. Vive pegando no meu pé... — explicou.
— Aqui é a porta da faculdade. Não tenho o que temer e não devo nada a ele. Estamos conversando.
Luana calou-se.
Deixa eu te ver mais tarde, então — ele pediu, para quebrar o silêncio.
— Fala sério!
— Eu sou um cara sério. Deixa eu te ver. Nós podemos nos encontrar na biblioteca municipal.
— Não.
Ele mordeu o lábio.
— Viajarei amanhã para uma ilha no litoral. Voltarei próximo ao Natal. É...
— Eu também vou viajar — disse, inabalada. — Minha tia me chamou. Ela mora no Ceará.
— Que bom.
— Ótimo.
Isac olhou para a mesma região que ela olhava.
— Você mudou sua impressão em relação a mim?
— Por que isso importa?
— É minha reputação.
— Por que importa a você o que penso ao seu respeito?
— Você importa. Essa é a resposta da sua dúvida. Espero saber o que tu acha, o que quer, tudo...
— Por isso está aqui no Val?
— Também.
Luana virou a cabeça.
— Também?
— Antes de viajar, queria ver como você está.
— Você não quer mijar em volta para marcar seu território?
— Achei que nossa rixa tivesse sido desfeita.
— É bom dar voz às provocações, elas ganham atenção redobrada.
— Ah, é? Aquele carro é o do seu padrasto? — Apontou para um que vinha da esquina, entrando na rua da cidade universitária.
— Nada de gracinha.
— Só vou dá oi a ele. Falta de educação a minha não cumprimentá-lo.
— Que intimidade é essa? Nem te conheço! — resmungou, andando até o meio-fio. — Tchau.
— Esteja na biblioteca às 15h. Se você não aparecer — avisava, caminhando de costas —, vou encontrar seu endereço e enviar flores.
— Você não teria essa coragem.
— Quer esperar e ver? Beijo.

***


— Eu gosto muito, muito, muito dele.
— Mas não o quer.
— Quero demais! Isso me irrita! Eu não me apegava a garoto nenhum, poxa!
A mãe de Selena posou o queixo na mão, sentadas à mesa da sala de jantar. Selena havia interrompido as contas da genitora para abrir seu coração.
— Você está crescendo, meu amor.
— Quero ser criança de novo.
— Somente nascendo outra vez.
— O Jeff tá embarcando para o Rio, hoje. Vai conhecer uma carioca menos enrolada e perceber que realmente sou nova demais.
— Você é nova demais pra beber, é verdade, mas não para amar — refutou num tom crítico. — Não tenho nenhuma objeção em relação às suas dúvidas, porém não posso respondê-las por você, porque, independentemente do que eu diga e conte o que faria, alguma situação similar, só você sabe o que sente. O grau, o estágio e o que te impede. Eu te conheço e sinto menos da metade das suas inquietações, por isso, sano, dou apoio e te deixo livre para se resolver. É até onde irei. O resto é com você.
— Nós somos diferentes em, praticamente, tudo. Ele tem 21, e eu, 17...
— Casei-me com seu pai quando tínhamos 25 e 31 anos. Não vejo como sendo um empecilho desde que ele seja, pelo menos, metade do homem que seu pai é. Que leve sua vontade em consideração e te respeite como ser e como mulher.
— O Jefferson é politicamente correto. Essa é a melhor característica que encontro. Ele se autodefine como esboço para os rapazes que estão crescendo, como seu irmão, e fonte de constrangimento para os que são desonestos em tudo o que fazem. Não que esteja se gabando, mas é meio olhar e enxergar que o Jeff é cópia rara. Não o único, o essencial. Ele me faz querer ser mil vezes melhor do que já sou. Se eu estivesse lá, onde ele tá, estaria sorrindo sem parar, porque somos abestalhados e temos nossas piadinhas internas. Ai, mainha, o que eu faço? Socorro!
— Se isso não for paixão, tá bem parecido.

Otávio estava sentado, tocando o mármore frio da bancada da casa de Virna, que cozinhava algo para eles jantarem. Até quis ajudar, mas ela dispensou, alegando ser uma terapia, então garantiu que lavaria a louça.
— Você se lembra do dia em que eu te pedi em namoro? — perguntou, de repente, escutando o volume baixo vindo da TV na sala.
— Foi tipo “V, se você não aceitar me namorar, juro que não me declaro mais pra nenhuma garota, que saco!” — Riu, de lado, na borda do fogão.
— Ei! Não teve esse drama! — Afundou o rosto nas mãos. — Foi romântico desde a fala gaguejada até o beijo. Aliás, nosso primeiro depois do namoro. Você é mó gaiata!
— O que vale é a memória! Rende muitas risadas! Você foi extremamente fofo e, se eu já não estivesse na sua, acabaria ficando na hora.
Otávio sorriu com os rosto entre as mãos.
— Se você não aceitasse, eu seria traumatizado por gostar de quem já gosta de alguém.
Virna beijou seus lábios, inclinada no balcão.
— O nosso encaixe é duplo.
— Ele é perfeito.
— A comida vai queimar! — Afastou-se rapidamente. — Então, faculdade de Medicina?
— Perto de casa. Aprendeu a cozinhar com quem?
— Com a cozinheira que tínhamos quando eu era menor. Ela me ensinava a preparar têmperos e pingava o caldo na minha palma para eu provar e dar minha nota.
— Você cresceu e assumiu a cozinha...
— Gosto de cozinhar e passo a maior parte do tempo sozinha, ainda que uma faxineira venha todos os dias.
— Eu sei fingir bem. Às vezes, quando tô com muita fome, sai gostoso.
Virna desligou o fogão.
— Aqui, mesmo que você não esteja, fica bom.
— Me ganhou pela barriga.
— Só?
— E por esse cabelo vermelho.
Virna ponderou.
— Ainda não me satisfiz.
— Hum... Por ser companheira, bem-humorada e doce. Permitiu que eu derrubasse suas barreiras, tal como fez comigo.
— É verdade. Vamos comer! Se tiver passado do ponto, diz que tá no ponto e deixa pra falar a verdade depois.
Otávio se levantou e sentou-se à mesa.
— O cheiro tá no ponto.
— É sério!
— Tudo bem, V, relaxa!

Luana não sabia, mas à tarde, neste dia, a biblioteca municipal estava fechando mais cedo. Às 15h30, encerrariam as atividades. Com o cabelo solto e short, sentou-se no chafariz de dentro, apoiando o peso dos ombros nos braços.
Ela não estava ali por causa das flores que o garoto “ameaçou” enviar, caso não aparecesse no horário estipulado, mas porque Isac iria viajar e, por incrível que pareça, queria vê-lo de novo. Vê-lo e abraçá-lo mais um pouquinho. Enterrar os dedos em seu cabelo macio, aparentemente, pelo menos, e estacionar o tempo... Para que ninguém observasse o que faziam, como se fosse crime demonstrar afeto em público.
Pior que, entre os dois, se enquadrava nisso.
— Você veio.
Luana levantou a cabeça ao ouvir a voz suavemente rouca e grave de Isac, que havia trocado de roupa e estava com as madeixas úmidas, escurecendo a cor natural.
— A biblioteca vai fechar daqui a pouco. O que você tá tramando?
— Não faço a menor ideia do que tu falando.
— Então tá. — Ela começou a se afastar com passos ritmados, mas uma mão em seu pulso os deteve.
— Não é um encontro romântico, tá legal? Fica tranquila. Você não se dá bem com nada do que faço, e até entendo, mas, ao menos, não vá embora agora. Nós vamos entrar, sentar e olhar para cara do outro.
Luana irritou-se ainda mais.
— Quando digo que tu é complicada, quero dizer que exageraram na dose. É cem vezes mais que a média!
— Não vou ficar para ouvir suas piadinhas!
— Parei. — Ergueu os braços. — Vamos entrar em silêncio, ok?
— Vai logo!
Isac sentou-se a uma mesa no canto da parede, localizada no fundo da biblioteca, e cumpriu, até então, o que sugerira: “Vamos entrar, sentar e olhar para a cara do outro”. Por sua vez, Luana acomodou-se na cadeira à sua frente e esperou o circo ter fim.
— Isso é sério? — questionou, irritada.
— Eu sou um cara sério, te avisei. — Deu um sorrisinho. — Achava que eu traria o que? Flores? Vela? Comida? Você bem que gostaria que tivesse pizza aqui, né?
Luana revirou os olhos.
— Então seu desejo é uma “ordem”. — Puxou o zíper da mochila que carregava e, de dentro, tirou um castiçal de três velas, velas, fósforo, pratos de tamanho pequeno intactos, talheres e guardanapos, e ligou para um número.
Ela estava impressionada com o tanto de objetos na mochila.
— O que isso significa?
— Ok... Pode vir. Beleza! Até! — Desligou o aparelho. — Hã, isto, Luana, é um encontro. Nem preciso entitulá-lo porque acredito que tenha aversão a encontros românticos. Mas é à luz do dia e de velas também, para não perder o tradicionalismo.
— Hum... O que comeremos?
— Fanta uva e... Está vindo.
Um entregador de pizza adentrou o espaço fechado da biblioteca. Poucas pessoas que ali estavam observavam, sem entender, comentando entre si ou filmando.
A verdade era que Isac meio que combinou com a bibliotecária de fazer isso, sem atrapalhar ninguém. E, se não fosse apenas tal detalhe, o fato da biblioteca estar fechando antes do horário habitual proporcionaria que ficassem sozinhos em algum momento em que Luana não poderia fugir.
— Pizza? — Ela riu baixo.
— Nós nos demos bem quando falamos outra língua: conversar enquanto comemos. E, da última vez, deu certo com pizza.
— Conversamos zero assuntos e comemos sem parar.
— Mas foi gostoso.
— Literalmente. — Estava vermelha pelo episódio que viviam diante de tantos espectadores.
Isac pagou ao entregador, e ele posou umas flores arrancadas do jardim na mesa.
O cheiro penetrou as narinas de Luana.
— Eu me esqueci de pegá-las e pedi pra ele trazer. Você tem alergia?
— Não.
— Tá. Eu te sirvo.
Luana não fez nenhum comentário sobre o sabor, textura, ideia, clima, permanecendo beliscando a fatia, enquanto Isac tentava agradá-la e começar um assunto aleatório.
O pessoal, que já estava avisado sobre o encerramento, aos poucos, enquanto aproximava o horário, saíam. De costas, Luana não notou nada mais diferente. Já Isac, via a sala esvaziar e, secretamente, sentia receio do que ela faria.
Até que restaram apenas os dois.
Luana despertou somente quando a recepcionista fechou a porta e trancou. O som chamou sua atenção. Ela se ergueu abruptamente, derrubando a cadeira, e correu para a porta, batendo consecutivas vezes em seguida. Porém, a funcionária já havia deixado o prédio.
A garota iniciou os gritos.
Isac arregalou os olhos e levantou-se devagar, aproximando-se.
— Que droga! — Luana exasperou, tateando o short, à procura do celular. — Odeio encontros e bibliotecas!
— Desculpa.
— Vai me dizer que está ofendido agora? — debochou. — Cadê meu celular?
Isac olhou para a mesa.
— Não sei.
— Dê-me o seu.
— Não tenho crédito.
— Ligarei para minha mãe acobrar.

[Hoje, 15h35]
Isac: Estamos presos!
Otávio: (emojis surpresos)
Selena: Na delegacia?
Isac: Não, na biblioteca municipal.
Otávio: Vc e quem?
Isac: Eu e o Isac
Isac: Eu, Luana
Selena: Vão tirar o BV, finalmente?
Otávio: Sel é inocente...
Isac: Prefiro beijar um mendigo
Otávio: O Isac já visitou um dentista, alguma vez na vida, e foi recente
Selena: Além disso, serviria somente se fosse um mendigato
Isac: Minha boca não é pra todo mundo!
Selena: Só os vipsacs têm senha
Otávio: hahahaha Sel tira umas q nossa
Isac: A questão não é quem é beijável, mas como sair daqui!!!
Selena: Miga, nãooo sei! =(
Selena: Vou ligar pra prefeitura!
Isac: Mainha decidiu dar uma de sumida e não atender a porcaria do cel!
Jefferson: HAHAHAHAHAHAHA
Jefferson: Desculpa, Lu!
Jefferson: Tô imaginando a cara do Isac no mesmo lugar q vc...
Jefferson: E sozinhos.
Otávio: Ele não tentou te matar, não?
Otávio: Tenho pra mim que, se o Isac estiver quieto, é pq tá gostando de ser refém junto com a Lua
Selena: É o q penso, Ota
Jefferson: Uééé
Jefferson: Explica isso pq não captei
Jefferson: Era mais amor q ódio? (emoji pensativo)
Otávio: Mais tensão q qq outra coisa
Selena: O ódio virou amor.
Otávio: O ódio se fez passivo, e o amor, ativo.
Jefferson: Melhor resolução.
Selena: O ódio se fez passivo, e o amor, ativo.
Jefferson: (emoji da lua cinza)
Otávio: Ela não tá repreendendo
Selena: Lu, tá viva?
Otávio: Será q eu me enganei?
Isac: O Isac quer tomar o celular
Isac: Até agora, sim
Isac: Diga nada, só observo essas teorias conspirando...
Selena: A favor do amor! :)

Isac estava curvado, de braços cruzados, apoiado numa das mesas.
Luana travou a tela e lhe entregou o celular.
— Pera aí! Você tá muito tranquilo, para quem tá trancando dentro de um lugar público. Nem manifestou uma reação ao acontecido. Isac, não me diz que tem sugestão sua nisso.
— Tá.
— Tem?
— Tu pediu para que eu não falasse.
Luana aproximou-se tanto dele, que invadiu seu espaço pessoal, e ele ficou tenso.
A loura segurou seu pescoço com as duas mãos.
— Quais são as suas últimas palavras antes de eu te matar?

Capítulo 33 - parte II

O coração de Isac já havia disparado, sem ouvir a voz dela externar aquilo. A aproximação da dona de todas as manifestações existentes e guardadas em si fora o suficiente.
A oposição anti-Luana não fez uma coligação com o partido de maior número de seguidores (seus pensamentos), apenas sucumbiu a frente partidária (o coração de Isac), desfez seus protestos e permitiu que os muros fossem derrubados, destruídos, extintos, para que, enfim, houvesse democracia e todos os sentimentos pudessem ter voz.
— Eu estou apaixonado por você.
As pupilas de Luana dilataram, e a expressou facial amansou, em conjunto com o toque das mãos, que perderam força. As palavras surgiram e exerceram domínio sobre ela, tal como oferecer doce para domar a fera.
Ela se afastou.
— Hein?
— Tu quer me fazer repetir isso até se convencer? — perguntou, calmo. — Porque estou apaixonado por você, lourinha complicada.
— “Lourinha complicada”? — disse num tom jocoso. — Eu?
Isac tirou seu cabelo do rosto.
— Tá vendo? Você é.
— Olha aqui, não ligo para o que você acha ao meu respeito, ao contrário de você, que lambe o chão que piso!
Isac ergueu o corpo maior que o seu e, se não tivesse aprendido, em partes, a entender a garota à sua frente e conhecê-la, diria que, além de ter sido proposital, para atingi-lo, fosse verídico.
Estava apaixonado, mas não doente ao ponto de se permitir virar um cachorro e acatar ordens, se conformar com restos e tapar os olhos.
Aquilo, num outro momento, irritaria.
— Você quer ir embora?
Luana se perdeu na mudança brusca de assunto.
— Imediatamente!
— Então vai. — Apontou para a porta.
— Estamos trancados! Eu tentei abrir!
Ele enfiou a mão no bolso.
— Aqui está a chave. — Ofereceu, retirando-a. Esperou que lhe desse as costas e caminhasse até a porta, e, diante disso, andou em direção à mesa, apanhando sua mochila do chão para guardar os objetos trazidos.
Luana vacilou enquanto alcançava a fechadura. Não acreditava que ele estivesse abrindo mão e desistindo.
Isac entregou não apenas um pedaço de metal lapidado, mas o seu direito de sair na hora que quisesse, tipo, imediatamente.
— Não foi ainda por quê?
— Porque você quer que eu vá, então não vou mais.
— Perdeu sua infância?
— Perdi foi minha paciência com você.
Isac fechou a mochila e pôs nas costas. Depois, desapareceu por detrás das estantes de livros.
Luana contou quanto tempo ele passou num corredor, até que chamou seu nome.
— Tô aqui!
— O que tá fazendo? — questionou, já o tendo em sua visão.
— Se tô numa biblioteca, vou ler alguma coisa...
— Hum...
— É mentira. Tenho uma lista de livros que um amigo me passou para ajudar no próximo semestre. Eu sei que há dois aqui.
Luana se encostou na prateleira do outro lado e derrubou uns.
— Tá esperando alguém nos prender por ter “invadido”? É exatamente o que pensarão da gente. Que viemos porque o motel tá caro e queríamos nos pegar.
Luana deu uma ”livrada” na cabeça dele, que ria antes e resmungou depois:
— Tô tirando onda, louca!
— Não me pegaria com você em canto nenhum, quem dirá num local público!
— Bem... — Pareceu achar um intermédio capaz de explanar as possibilidades. — Em canto nenhum não quer dizer sob hipótese alguma. E, até agora, estamos completamente sozinhos.
— Não mudei de ideia.
— Você é mole.
Luana revirou os olhos.
— Safado.
— Você atiça o que há em mim — parafraseou uma frase dita por ela. — Se é pior ou melhor, vai depender do ponto de vista.

— Não sou isso que você acha. Que droga, Isac! Será que você não acerta uma? — Aumentou o tom.
— Se o que penso ao seu respeito já não fosse o bastante, tu me revela seu histerismo.
— Você atiça o que há de pior em mim.


Luana retornou, e Isac veio pelo outro corredor e sentou-se no chão. Buscou o celular, acessando a internet.
— Por que você não vai embora? Não curto garotos que grudam.
— Não tô a fim.
Ela colocou as mãos na cintura e se virou de lado.
— Para de olhar para as minhas pernas.
Lentamente, Isac ergueu o olhar, percorrendo cada centímetro de pele desnuda, até a elevação da bunda.
— Eu não estava olhando antes, mas você chamou minha atenção. — Dobrou a perna. — O que eu faço com você, Luana?
— Olha, só não arranca pedaço. — Foi a sua vez de parafraseá-lo. — E baba. — Uma risadinha escapou. — É o que você disse.

— Não pretendo tirar a calça, fique tranquila. — Virou-se para frente e deitou-se. O corpo esticado sobre a grama, seminu; cada detalhe, firmeza, até o movimento lento da respiração dele detiveram a atenção de Luana, que não parava de olhar. — Olha, mas faz alguma coisa... Só não arranca pedaço.

— Espera aí! Eu não disse isso! — Isac franziu a testa. — Disse que fizesse alguma coisa. Naquele contexto, era me ajudar.
— Olha, mas faz alguma coisa, aqui e agora, Isac.
— O que você quer...?
— Vem aqui.
Os dois ficaram diante do outro.
— Agora, beija meus pés. — Esperou sua reação. — É brincadeira.
— Eu vou beijar é sua boca.
Luana moveu o corpo dele para o lado, as mãos em seu abdômen, encostando-o na prateleira. Aproximou-se, até estar entre suas pernas abertas e, por ser alta, tinha o único trabalho de tocar seus lábios.
Deslizou o nariz no dele e, como tanto quis, enterrou os dedos em seu cabelo, a partir da nuca, o que causou nele arrepios.
Isac olhava em seus olhos, levando as próprias mãos à sua cintura.
— Vai me beijar mesmo, ou isto é para me atiçar?
— Quem diria que Isac Newton iria querer beijo meu.
— Newton uma ova — murmurou com sua voz de menino emburrado.
— Não funciona quando estalar os dedos.
— E eu num sei? — Suspirou, afastando a cabeça e entortando. — É por isso que tu me tem, mesmo recusando.
— Não vou me arriscar com alguém instável. Você precisa ter certeza de que não vai mudar de ideia de repente ou me ofender de graça.
— Foram palavras da boca pra fora — falou outra vez o que ela já sabia, num tom arrependido — ditas no calor do momento. Estava frustrado por, tu sabe, gostar, mais do que eu cogitaria, de você. Nunca tive que lidar com alguém que mexesse comigo e me causasse sofrimento, sendo indiferente.
— É novidade para nós dois gostarmos de outra pessoa assim.
— Eu quero você e não vou te deixar escapar desta vez. Estou... — Mordeu o lábio, o que capturou a atenção demasiada de Luana na pressão avermelhada da região. — Conformado. Serei a minha versão que você merece ter.
— Será?
Me ajuda.
Luana esboçou um sorriso.
— Sem ofensas para sempre. E, a partir de hoje, temos o trato de esperar o melhor do outro, suportando os defeitos e exaltando as qualidades. Promete?
— Com sua boca perto da minha, prometo o que você quiser. — Sorriu. — Daremos certo.
Luana diminuiu a distância e tocou os lábios nos dele, que nem foram tímidos e se abriram para encontrar sua língua. Uma mão deixou a cintura e posou na base das costas, trazendo-a para e contra si, numa pressão de dois corpos, barriga com barriga, seios e torso, que o deixou zonzo. O cheiro de Luana na sua roupa, o gosto nos lábios e o toque na pele, no cabelo, em cada região o consumia.
Estar apaixonado intensificava as ações e reações.
Ergueu-a e virou-os.
Alguns livros caíram e um deles bateu em sua cabeça.
Luana riu fraco, desgrudando os lábios.
— A gente tem que ir. — Ela recobrou a sensatez.
Isac beijou o cantinho da sua boca.
— Estamos trancados...
— Mas e a chave?
— É do apê.
Luana o empurrou, sem força.
— Brincadeira, lourinha.
Ela o agarrou outra vez, segurando seu rosto, e movimentou os lábios sobre os seus.
Isac prendeu o lábio inferior dela.
As batidas na porta da biblioteca interromperam o momento do “casal”, que se empertigou.
Escutaram alguém chamando por Luana.
A paz acabou.

***


No Aeroporto Nacional de Campestre, Jefferson jogava no PSP do irmão, sentados, e o pai, com óculos de grau, observava ora o movimento, ora o jogo. Tinha certo receio do filho embarcar para o Rio e não voltar. Por isso, manteve uma passagem extra, para caso ele perdesse o voo, mudasse de ideia ou fosse convencido a ficar pelo irmão.
Jefferson era o seu caçula dos dois filhos que teve com a falecida esposa. O mais velho era casado e estava prestes a se tornar pai. E ele, avô de um menino.
Aparentemente, criar meninos era uma especialidade da sua família.
— Você perdeu, Jeff! É a minha vez! — o irmão o lembrou.
Jefferson devolveu o PSP, tirou o celular do bolso para checar o horário e guardou. Dali, não viu, mas três jovens atravessavam o aeroporto, carregando duas malas grandes cada. Cabiam duas da sua.
Agasalhadas, sentaram-se nos bancos.
O cabelo de duas delas era parecido, mas não tinha o mesmo tamanho, e o da terceira era o maior.
— Selena, não demore, porque nosso voo sai daqui a pouco!
— Eu só vou cumprimentá-lo. — Ela andou até os demais bancos, detendo-se perto da família de Jefferson. — Jeff.
Jefferson olhou para ela.
— Ué! — disse, levantando-se para abraçá-la. — Vai aonde?
— Rio de Janeiro com minhas irmãs.
Ele sorriu.
— Rio? Sério? Será que a gente pega o mesmo voo?
— Não sei.
— Mas tu não estava de castigo?
— Tive uma conversa de mulher para mulher com mainha. Ela me entendeu. Pedi perdão pelas besteiras que fiz, como encher o rabo de cachaça. — Essa foi explicada baixinho para que somente ele ouvisse.
— Entendi. — Analisou seu rosto adolescente sem espinhas. — Rio?
— É, mas ficarei em São Paulo, porque visitarei uns parentes.
— Vou te apresentar ao meu pai. — Tocou seu ombro, guiando-a. — Pai, é a Selena.
— Lembro-me de você. Amiga dele, né? — O senhor estendeu o braço, e Selena apertou sua mão.
— É...
— Quem sabe, o que Campestre separou, nessa viagem, o Rio não une... — sugeriu Jefferson.
— Eu acho possível.
— Acha?
Selena pegou sua mão, pediu licença e o levou a um canto.
— Nós já discutimos a relação e não quero ficar longe de você. A gente se gosta, nos fazemos bem, e isso basta.
— Está me dizendo que quer tentar?
— Quero tentar de novo.
Jefferson abriu os braços, e ela se aconchegou.

(Clique aqui para abrir a música da cena. Sugiro que escute!)

— Tem uma música que eu dedicaria a você — sussurrou Jefferson no seu ouvido.
Estavam dentro do avião, sentados lado a lado, pois Selena conseguiu trocar de assento com uma senhorinha muito simpática que não quis atrapalhá-los.
Era noite e ambos dividiam os fones de ouvido.
Jefferson abriu a palma da mão, e Selena escorregou os dedos, entrelaçando nos seus.
— Você me pediu para cantar, naquele dia, mas eu sabia que você estava bêbada e nem se lembraria. — Afastou seu cabelo da bochecha, pondo atrás da orelha. — Lembro que te vi caminhar... Já havia um brilho no olhar. E, junto com um sorriso seu, o teu olhar vem de encontro ao meu. E o meu dia se fez mais feliz, mesmo sem você perto de mim... Mesmo longe de mim. Eu fico o tempo todo a imaginar o que fazer quando te encontrar, mas, se eu fizer, o que vai dizer? Será que é capaz de entender? Mesmo se não for, eu vou tentar. Vou fazer você me notar. Por isso, eu vim aqui te dizer: me namora, pois quando eu saio, sei que você chora e fica em casa, só contando as horas, reclama só do tempo que demora. Abre os braços, vem e me namora. — Selena mantinha os olhos fechados. — Eu quero dar vazão ao sentimento, mostrar que é lindo o que eu sinto por dentro. Beleza essa que eu te canto agora. Abre os braços, vem e me namora.
Selena beijou-o bem suavemente.
Jefferson posou o nariz em seu pescoço e, nesta posição, com Selena pondo a cabeça sobre a sua, relaxaram, escutando música.

(Clique aqui para abrir a música da cena. Sugiro que escute!)

Em terra firme, se arrumava para apresentação do sapateado e, depois, pasmem!, iria ao Arrastapé, pois começou o ano dançando e terminaria no mesmo ritmo.
Mexendo-se, seguindo, conhecendo.
Deste último, levaria uma lição:
foi seu primeiro amor, mas não seria o único (levando em consideração todas as definições).
Das amizades:
Escutar o que eles têm a dizer para não julgar em falso.
Nossos amigos são pessoas com quem nos identificamos, cativamos e escolhemos para caminhar conosco, proporcionando uma experiência leve.
Das brigas:
Correr para o abraço.
Da escola:
Ter absorvido não apenas o conteúdo do vestibular, mas a essência do ser que vive em sociedade. Crescer como pessoa, aprender com troca de ideias e evoluir.
Um dos rapazes novos do evento aproximou-se do grupo de meninas que havia acabado de chegar ao local. Convidou uma delas, a amiga de , de Nova Formosa, para dançar.
sentou-se.
Ofereceram-se para pagar uma bebida, porém isso significaria que teria que, provavelmente, em troca, lhe dar atenção.
Não vendia sua companhia.
Demorou até que alguém, por quem se interessasse visualmente, se aproximasse.
Quando ele chegou e a chamou para dançar a música que mais falava de si aos 17, anotou mais um aprendizado:
Eu sou a mulher da minha vida.

***


Luana escapou do carro da mãe só para ir até Isac e dizer que o veria novamente quando ele retornasse das férias de quinze dias, pois, além da viagem, estava de castigo durante esse período.
— Castigo? — Isac se chateou.
— Melhor que ela sair puxando meu cabelo na frente de todo mundo.
— Luana, entra no carro, agora! — a mãe ordenou em tom descontrolado.
— Tchau. — Ele não sabia como se despedir exatamente. Beijava, abraçava...? — Voltarei bronzeado. Não vai mais reclamar da minha cor.
— Luana!
— Passa muito protetor, ou, ao invés de bronzeado, virá todo sapecado. — Virou-se para a mãe. — Tô indo!
— Pode deixar. Vou me cuidar, tá bom? — Decidiu, por impulso, com os minutos cronometrados, se despedir, beijando sua cabeça. — Cuide-se também.
— Volta logo!

[Hoje, semanas depois]
Luana adicionou 87 99591 ----
Luana mudou o nome do grupo para "Desconect@dos"

Selena: Quem é?
Otávio: (emoji dos olhos)
Luana: Apresente-se, jovem!
87 99591 ---- Jake Tamashiro: Sou o Jake, novo aluno da UCA. Skatista, hétero, 19 anos.
Otávio: Jake, um aviso: daqui, a única solteira é a .
Otávio: (acho q ainda é)
: Sou, mas não tô interessada.
87 99591 ---- Jake Tamashiro: Nem eu.
87 99591 ---- Jake Tamashiro: Sem ofensas, é claro.
Otávio: Ih! Olha a marra do cara!
Luana: O Jake é legal qdo não é marrento
87 99591 ---- Jake Tamashiro: Pô, galera, nada a ver!
Jefferson: Em nome de todos do grupo Desconect@dos, bem-vindo ao semestre de 2015!
Luana: Que o grupo te renda mtas trecíficas!
87 99591 ---- Jake Tamashiro: Valeu, lourinha!
Isac: Todos, menos eu
Isac: (emoji sorrindo)
Isac: Zoando.

Epílogo

[Hoje, tarde de sábado]
Isac: Kd vc?
Isac: Já são mais de 15h. Tu vai ter q voltar antes das 18h.
[Dez minutos depois...]
Isac: N vem mais.
Luana: Então tá. Tô chamando o elevador.
Isac: Q?

O garoto largou o celular no sofá da sala do seu apartamento e correu para fora, para o corredor, desacreditado, apesar do ritmo ágil.
— Para esse elevador! — pediu.
Luana cruzou os braços.
— Você demorou.
— Hum...
— E eu fiquei preocupado, né? A gente combina de se ver e tu nem me responde no Whats.
Luana estava parada.
— Não vai entrar?
— Tô esperando o elevador subir. Faltam 8, 7, 6... — dizia. — Andares.
Isac não se afobou, por incrível que pareça, mas temeu.
— O que fiz de errado?
— Nada, não.
— “Você terá que descobrir sozinho” — explicou a provável mensagem subliminar por trás a si.
Não possuía um conhecimento prévio de um número alto de garotas, porém tinha, mais ou menos, o de Luana, que valia por todas as outras, porque ela, aparentemente, obtinha inclinação à infinitas facetas. Talvez por estar crescendo. Ainda que não desse a mínima importância e não demonstrasse interesse em assuntos triviais, como a maioria, em determinadas ocasiões, Luana não conseguia disfarçar as influências e a natureza, levando-o a enfrentar indagações e a crer que ela era realmente complicada, mas feita com maestria.
— Vou te esperar lá dentro — avisou, dando de ombros, para se impor, não tendo certeza do agir dela, pois Luana era louca, mesmo —, e ai de você se não aparecer!
Luana abriu e fechou a boca.
Não era ele quem dava a última palavra, nem ultimatos!
As portas do elevador se abriram.
— Merece uns tapas esse louro de araque! — comentou alto, suspirando e decidindo por entrar no apartamento, e fechou a porta.
— Uns beijos também por ser trouxa ao te esperar, largado.
A voz de menino emburrado interpretada por Isac, agora, não tocava o coração dela, exceto em momentos românticos.
— Você é carente.
Ele não refutou e permaneceram no cômodo, afastados e distraídos com os próprios celulares, como se estarem sozinhos, pelo resto da tarde, depois do feriado e do castigo, não tendo resistido e ouvido a voz do outro por ligações intermináveis nas madrugadas, fosse interessante.
Luana queria cobrir o coração com um cobertor quando Isac, num timbre rouco, baixinho, quase sussurrando, se dispunha a cantar o refrão de alguma canção velha, das paradas, apenas para ela.
Tá aí algo que nunca cogitaria: apaixonar-se e sentir as entranhas acalentaram com sua voz.
— Por que estamos brigados? — Rompeu o silêncio enfadonho.
— Porque somos um casal de chatos.
— Não estávamos brigando, mas discutindo a relação.
— Na verdade, perdendo tempo.
Luana concordou, quieta, e atravessou a sala, diminuindo a distância entre os dois, até o sofá.
— Oi.
Ele se deu por vencido.
— Você demorou.
— Desculpa.
— Vou te liberar só depois das seis. Cobro o atraso e o migué. Desculpas aceitas, a partir daí.
— Em algum momento, terei que ir.
— Eu sei. — Inclinou a cabeça, beijando sua bochecha e, depois, de pertinho, olho no olho, com ela tocando o nariz sobre o seu, ele a beijou. De início, como quem reconhece o local, para, em seguida, aterrissar.
Tornou-se uma batalha boba de qual deles não queria parar, nem respirar e pensar em terminar a discussão idiota. A pressão comedida ficou mais suave, e Isac sorriu na sua boca, o que, para ambos, em situações adversas, não era mais raro.
— Não tem como te deixar ir às seis.
Luana tocou os pelinhos e as mechas de cabelo da sua nuca.
— Eu não quero ir.
— Fica, então. — Encostou a testa na dela. — Empresto minha cama.
— Safado!
— Nem tive pensamentos impróprios, sério! Deita no sofá, no tapete, no teto... Onde quiser.
— Entendi o que “estar de peito aberto” significa agora.
Isac envolveu seu corpo com os braços, trazendo-a para si e apoiando as costas nas almofadas do sofá. Abraçava-a, sentindo o seu cheiro.
— Tenho que ir ao banheiro — ela confessou.
— Vá. Vou pedir japa.
— Chega de pizza, né? — Riu, retirando-se do cômodo.
Isac buscou o celular, digitando o número do restaurante, e fez o pedido.
— Lu, vem aqui! — chamou.
— O que é? — Ela entrou novamente na sala e sentou-se ao seu lado, à vontade.
— Assiste esse vídeo.
Em determinada hora, a cabeça de Luana pendia sobre o peito de Isac, enquanto ele terminava de assistir sozinho.
A campainha tocou, levando-o a tentar sair da posição, sem acordá-la, porém a própria despertou. Ainda assim, Isac a guiou para o quarto dele para que pudesse dormir confortavelmente.
Depois, foi atender o entregador.

***


Quando Luana abriu os olhos era 17h58. Não acreditou que caiu no sono enquanto poderia ter aproveitado o final da tarde com seu motivo de virar a noite acordada. E, pensando nisso, só estava compensando o sono acumulado. Desde que se formou, vinha sendo “escravizada” em casa pela mãe, que a tratava como doméstica. Sem contar que havia começado a frequentar o centro de cosméticos e estética que sua mãe inaugurou como sócia, passando a trabalhar por meio-expediente, de segunda à sexta. Sábado deveria ser o dia de folga, ao menos, depois do almoço, no entanto, fora escalada.
O emprego, independentemente da maturidade adquirida, serviu como lição e não necessariamente castigo, já que ganhava um salário.
Com preguiça de se erguer, mas tendo que fazê-lo, levantou-se, notando Isac tocando a guitarra, sentado no tapete, enquanto rabiscava um caderno em cima da mesinha de centro com o lápis.
— Boa noite... — desejou, sonolenta.
— É tarde ainda. — Ele sorriu, percorrendo com o olhar o trajeto dela, até vê-la se sentar ao seu lado, o cabelo desgrenhado, bochechas marcadas e olhos semiabertos.
Luana percebeu a análise e, apressadamente, como quem não queria nada, enfiou os dedos no emaranhado de mechas louras, arrumando-os.
— Hum... Então, o que você tá escrevendo?
— Música.
— Sério?
— Tô tentando compor.
— Deixa o coração falar — opinou.
— Tá aí... Boa! Deixa o coração falar. — Anotou, e ela arregalou os olhos, revirando-os. — Vou ver se encaixa. Não terminarei antes do final do ano e nem deixarei tu ler, até lá. Na verdade, tô com isso há um tempinho...
— Entendi. Juro que não pegarei escondido, nem farei chantagem barata.
— Ah, você pensou em bisbilhotar!
— Não, só... Brincadeira, louro.
— Genes de galegos e branquelos... — comentou, pensativo. — Dá pirralhos parecidos.
— Tenho primos mais parecidos comigo que com os próprios pais.
— Legal.
— Pois é! — Luana levantou-se. — Quando é que você vai me alimentar?
— A barca tá lá na cozinha, esperando.

Usando o hashi, Isac comia, concentrado nela, enquanto ela prestava atenção na comida, exigindo de si não errar e derrubar o peixe cru do prato. Atrapalhada, fingia ser mestre nisso.
Antes, Luana não estaria preocupada.
— Come com garfo — ele sugeriu.
— Come você. Eu sei me virar com estes pauzinhos, ô!
Isac virou a cabeça, a boca cheia.
— Uhum.
Luana ficou vermelha feito uma cereja.
— Para de monitorar o movimento da minha boca.
— Tá com vergonha de mim? Tu nem ligava pra isso.
— Isac, eu nunca namorei, tá legal? Seja compreensivo. Tô me acostumando à ideia. É estranho.
— Não sabia que você é minha namorada.
Ela o fulminou com o olhar.
— Também nunca tive um relacionamento sério, se quer saber. Mas eu já me adaptei com pensar mais vezes que o saudável em alguém, sem ser eu, ter vontade de ligar um milhão de vezes, mas se controlando pra não te sufocar, gastar crédito, botar crédito, por causa da operadora diferente, quando tu no meio do mato, gravar áudios, ainda que eu esteja quase sem voz devido a uma gripe, se importar... Isso me surpreende até hoje, tomar as dores, ter vontade de largar tudo pra te ver, guardar foto, mudar o status do Facebook, ser criativo, marcar seu cheiro como o meu perfume favorito, ouvir sua voz me acalmar, sentir seu corpo pertinho, receber cafuné, escrever declarações diferentes pra não abusar... Tá, nunca fiz isso, porque sou moderno e componho canções, sonhar acordado contigo... Resumindo: tornar-se um abestalhado. Mas um abestalhado com a loura mais maravilhosa do mundo.
Luana se desfez num sorriso tímido e grato.
— Isso é golpe emocional! Ainda voltarei pra casa.
— Vou te trancar aqui e, desta vez, tu vai me pedir pra ficar.
— Depois do love e de encher a barriga, é lógico.
— E de mim, claro, que sou parte dessa soma. A mais gostosa, aliás!
— Vou preparar um sanduíche de Isac pra dar minha nota.
— Engraçadinha.
Ela moveu o sushi, feliz da vida, e curvou-se para alcançar sua bochecha pálida.
— Você tá se superando.

Isac e Luana estavam jogando UNO na mesinha de centro, mas desonestamente, pois um dos dois roubava.
— Ah, não! De novo?
Ele riu do resmungo quando ela catou mais quatro cartas.
— Você tá me roubando!
— Não, não, tu perdendo.
— Que tô perdendo, eu sei, e que você tá muito piadista também.
— Qual é?! Não dá pra não rir do seu desespero!
— Quem é que tá desesperado aqui? — Sorriu maleficamente, averiguando as cartas em mãos. — Quando eu jogo é pra ganhar. — Posou várias cartas sobre o montinho. — Pegue mais catorze. — Ergueu-se, inclinando o corpo na mesinha. — Chupa essa, morzão!
— Morzão... — Isac riu, balançando a cabeça. — Se perder, tem meu ombro pra chorar.
Luana perdeu, porém não chorou. Com dignidade, levantou-se, conferindo o relógio do celular e indo ao banheiro, antes de calçar a sapatilha vermelha, sob a visão de Isac.
— Por que tão cedo?
— Mainha já enviou mil emojis no Whats. Daqui a pouco, bate aqui. Tenho que voltar de busão e são oito horas.
— Minha sogra é empata — reclamou em voz baixa. — Quero dizer, tá tentando nos manter afastados. Sou um cara decente.
— Que me trancou numa biblioteca pública. Ótima impressão você deixou.
— Ela já foi jovem — refutou, notando a besteira dita. — Você entendeu.
— Para de culpar a idade. Culpa suas ideias.
— Criatividade de estudante de Arquitetura com veia artística, numa fase confusa, dá nisso.
— Tô indo.
— E eu?
— Você fica.
— Quando volta?
— Em breve. Darei uma escapada, após o expediente.
Isac ponderou.
— E se tu pedisse pra ficar até mais tarde? Mais um pouco. Umas duas horas...
— O que faríamos em duas horas?
— Dá pra jogar outra partida de UNO.
— Não tô a fim de jogar.
— Nem eu.
Luana olhou para o celular e digitou o número da sua mãe. Na expectativa, Isac aguardou, com o rosto apoiado nas mãos.
Aquele rostinho de garoto ansioso a fez se virar para poder expor os argumentos à mãe.
— Minha mãe nunca foi boa em argumentar comigo, pois ela sabe que sou obediente — explicou ao desligar.
— E agora?
— Banho. Tô horrível!
— Discordo.
— Você tá apaixonado. — Revirou os olhos.
— Tô mesmo. Falando em banho, traz roupas pra cá e deixa no meu guarda-roupa.
— Aí mainha dobra o castigo.
Isac se levantou, pegou o celular dela, guardou no bolso e a ergueu, colocando o peso do seu corpo no ombro e levando-a ao quarto.
— Eu iria por livre e espontânea vontade.
Ele a pôs na cama, devolveu o celular e deitou-se ao seu lado com o braço sustentando a cabeça.
Luana abriu a janela da conversa deles:

[Ontem, 1h25]
Isac: Pintar o cabelo?
Isac: (emoji pensativo)
Isac: Já q tu quer minha sincera opinião, seu cabelo é sua marca. Se bem que, pra mim, é seu jeito, pq não é fácil
Luana: (emoji revirando os olhos)
Isac: Gosto do quão loiro, hidratado e macio ele é.
Isac: Papo calcinha
Isac: ...
Luana: "Isac: Gosto do quão loiro, hidratado e macio ele é". É sério?
Isac: N
Isac: Pera
Isac: Deixa eu explicar direito
Isac: É q não ligo mto pra isso. De vdd, como eles são, não. Agora, a cor... Vc é loura de nascença. Linda, aliás!
Luana: Sei não
Luana: Acho q vou aderir
Luana: Tu gosta de morenas?
Isac: Gosto.
Luana: Isac!!!
Isac:
Isac: Gosto de vc de toda cor
Luana: (emoji dos olhos)
Isac: Na dúvida, não faz
Luana: Mas eu quero
Isac: (emoji revirando os olhos)

— Impaciente!
— Eu até que conduzi bem a situação.
— Você me ignorou.
Você parou de falar.
Isac virou o celular dela um pouco.
— Nossa!
— O quê?
— Salvei seu nome com coração e tudo, e o meu continua igual.
Luana riu.
— Quem mandou ter esse nome?
— Põe aí outra coisa.
— Por exemplo...?
— Um emoji.
— Espera. — Editou. — “Morzão”.
— Aff.
— “Isac <3”.
— Melhorou.
— Sabe, é engraçado como, abaixando a guarda, começamos a gostar do outro.
— Eu não cogitaria te receber em minha casa e, muito menos, te beijar. Era um escroto, idiota.
— Você era bem bipolar, na verdade.
— Agora, vê que posso ser gentil, legal, simpático, até.
— Simpático... É.
Ele mordeu sua bochecha e beijou.
— Você é fofo. E bonitinho.
— Lourinha, tu vai pagar com a sua língua...
— Só na expressão?
— Na minha boca.
Na sala, o celular dele começou a tocar e na tela acesa aparecia o nome do pai. A canção da chamada era a gravação de um trecho da composição:
“Permiti meu coração falar ao seu, livre, que tá te esperando, pronto pra te receber. Ôo, Luana, deixa eu te conhecer...”

Fim




Nota da autora: (13/02/2018) Mais uma finalizada pra conta!
Que alívio! Tô com as costas doendo, enxergando quase nada, o pescoço travado, mas os dedinhos ansiosos não param de digitar. É, mores, vida de escritora não é um mar de rosas! Eu quis concluir num prazo, mas acabei excedendo e, por isso, tão eu e meus sintomas aqui. Quem liga, depois que se termina uma obra?
Engraçado escrever esta nota porque faz muito tempo que a história tá finalizada nos meus arquivos pessoais, sério! A gente até tenta postar, sempre, mas nem sempre dá/deu, né? Finalmente, vou falar o que é a novidade: novo livro no universo de Desconect@dos/Enrolados vem aí (Tudo Errado)! Faz as continhas e veja que são três histórias, sim, porque um é pouco, dois é bom e três é o que? Demais!
Ao concluir essa obra, percebi que não foi suficiente, a não ser pra essa cambada da primeira fic, mas não para os próximos, e eles estão chegando! Tá todo mundo preparado, no aguardo, só esperando a autora que vos escreve postar! Vamos falar de preconceito? É necessário. Cola em mim, então, que é pei, pei, pei na certa!
COMENTEM SEM CESSAR, porque quero surtar por causa desses casais, tipo, o Isac e a Luana, principalmente, até pelo fato de eu não ter dado um nome ao shipper. Aceito sugestões! Ah, tô com tanta coisa na cabeça a respeito dessas obras (spin-offs, por ex.), que 6 nem imaginam com quem!
Vamos conversando mais.
Gratidão por acompanharem o enredo, comentarem e abraçarem essa história. Quando vocês fizeram isso, eu senti o abraço daqui. :')
6 são lindas, e eu não me canso de dizer!

Beijos,
Ray.

P.S. Anotem o nome 'Tudo Errado' no bloco de notas e não esqueçam!!!!!!




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