Desencontro

Finalizada em: 29/10/2017

Capítulo Único

Fechei a porta a minha frente, trancando-a em sequência. As lágrimas pesadas já caiam sem piedade, molhando todo o meu rosto e pescoço. Encostei levemente meu rosto na mesma e deixei com que o soluço que estava preso em minha garganta se fizesse livre.
Ele estava indo embora, de novo. Mais uma vez a história se repetia. Mais uma vez eu o deixava escapar por entre meus dedos, como areia fina e quente da praia em plena manhã ensolarada. Eu sentia seu corpo pressionando o outro lado da porta, como quem não quer ir embora, como quem não quer deixar tudo morrer outra vez.
Mas ele foi. Eu senti quando ele deixou a varanda de casa e foi para o carro. Eu ouvi quando ele deu partida no mesmo e rumou para bem longe do que antes chamávamos de casa, de lar. Meu coração, naquele momento, doía como se estivessem o arrancando à força daqui de dentro, mas ainda batia.
Fraco.
Mas batia.
Mas eu não queria que batesse. Eu não queria que batesse por que, a cada batida, eu lembrava do sorriso de , dos seus olhos me fitando profundamente, dos sorrisos que um dia foram direcionados somente a mim, de cada promessa de amor e de cada momento único que vivemos, como quando ele me pedira em casamento.
Agora era tudo um vácuo. Nada fazia muito sentido. Aquela casa, nosso quarto, nosso banheiro, cozinha, sala. Cada cômodo tinha uma história. Seu cheiro forte e amadeirado ainda estava presente em cada mínimo centímetro daquelas quatro paredes. Se eu fechasse os olhos ainda podia vê-lo na cozinha com um avental ridículo enquanto preparava nosso “almoço especial de domingo”.
Caminhei lentamente para o quarto, sentei-me a cama e encarei o único porta-retratos que restara ali dentro, já que eu fizera questão de quebrar todos os outros. Eu julgava aquela foto como a mais bonita que já tiramos. Estávamos saindo da igreja no dia do nosso casamento. Nossos olhares denunciavam tudo que estávamos sentindo naquele dia. Era um misto de felicidade, excitação, ansiedade, medo do mundo novo que enfrentaríamos dali em diante e... Paixão!
Segurei a foto rente ao meu rosto. Acariciei-a como se assim pudesse sentir tudo que senti naquele mágico dia. Nossos sorrisos e corpos se conectavam de uma maneira que ninguém nunca vira igual. Éramos o complemento um do outro, disso todos tinham certeza.
Quem era sem ?
Quem era sem ?
Dois estranhos. Completos estranhos, perdidos na imensidão do mundo, no universo paralelo de seus pensamentos, na complexidade de suas características pessoais. Tudo nos dois se completavam. Doía, não só em mim, mas nele também e isso era nítido, o quanto nós nos destruímos. O quanto fomos tóxicos um ao outro sem ao menos percebermos.
Era engraçado pensar no quanto tudo se perdeu em questão de dois meses.
Dois meses fora o suficiente para que toda uma relação de anos se perdesse, se intoxicasse. Dois meses e tudo que ambos construímos nessa união se perdeu por conta de ciúmes. De falta de tempo.
Eu já havia deixado que ele fosse embora uma vez, quando, lá atrás, ele decidira que não moraria mais em São Paulo, desistira da faculdade de medicina e eu não concordei. Não concordei porque tudo que tínhamos estava ali. Família, amigos, faculdade. Tudo que precisávamos tínhamos ali.
Eu o deixei partir por medo de sair da minha zona de conforto. Ele foi, mas eu fiquei. Ele foi e eu fiquei com saudades, fiquei arrependida, fiquei sem chão. Perdemo-nos por um ano, quando, num momento de insanidade total, eu comprara uma passagem para Minas Gerais e fizera toda a minha mudança para a sua casa, sem ao menos saber se ele tinha encontrado alguém ou não.
“O que faz aqui, ?” ouvi sua voz, perto demais para ser verdade. Levantei do chão do corredor de seu condomínio e o encarei.
“Não sei viver sem você, ” falei e suspirei pesadamente, ainda sustentando o seu olhar confuso.
“Mas e a sua faculdade? E seus pais?” aproximou-se e eu, por puro reflexo, dei um passo para trás.
“Eu posso... eu ainda posso transferir” falei rapidamente, não querendo entrar em detalhes sobre esse assunto, mesmo que ele já estivesse resolvido.
“E seus pais? Eles sabem que você veio?” e deu mais um passo, dessa vez, segurando em minhas mãos para que eu não fugisse.
“Há essa hora devem estar surtando pela loucura que eu fiz” soltei uma risada fraca, imaginando a cena do Sr. e Sra. surtando por chegar em casa e encontrar um bilhete apenas com “Mudei para Minas. Não se preocupem comigo, dou notícias assim que chegar. Amo vocês. Com amor, .”.
“Você é maluca, garota” ele riu, me fazendo rir com mais vontade dessa vez. Aproximou nossos corpos, fazendo-me sentir o calor característico que emanava de si, soltou minhas mãos e segurou meu rosto, fazendo com que eu o encarasse. Em seus olhos eu ainda enxergava todo o amor de um ano atrás, quando eu o vi entrar no corredor de embarque. Em seus olhos eu enxergava o meu lugar, era ali aonde eu pertencia.
encostou nossos lábios de uma maneira suave, mas decidida e com saudade. Segurei sua nuca, fiquei na ponta dos pés e aprofundei o beijo. Ah, aquele beijo... Tinha tanta coisa sendo posta ali. Toda a saudade, a angustia de ficarmos separados, a mágoa estava indo embora e a felicidade de estarmos juntos novamente estava chegando.
Nossa história recomeçou ali. Naquele beijo, na porta de seu apartamento.
Mas agora não restara mais nada daquele beijo, daquele recomeço. Tudo foi embora novamente, ele, o meu lar, meu coração. Meus sorrisos, pensamentos, sentimentos... levou tudo com ele a partir do momento que cruzou a porta da frente e entrou naquele carro.
Talvez, apenas talvez, um dia nós possamos nos reencontrar. Mais maduros, com o coração inteiro novamente. Dispostos a não ser como o mar, que leva e traz a areia, juntamente com conchas e pedregulhos. Que nós possamos nos tornar novos, constantes. Naquele momento esse era o meu único desejo.
Um reencontro de almas perdidas pela força do universo.


Fim!



Nota da autora: Sem nota.



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