Capítulo Único
Eu não sentia nem um mínimo resquício de pressão nos meus ouvidos. Até mesmo a minha respiração estava normal, e aquilo era novidade na minha vida.
Duarte Nogueira nunca havia conseguido estar em um pouso de avião que não a causasse enormes crises de tonteira e náuseas. Mas, dentro daquele jato particular, tudo parecia perfeito.
Finalmente entendi o porquê dos ricos estarem sempre tão glamurosos: nem o risco de vomitar dentro de um avião comercial eles corriam. Aquela cabine pressurizada parecia ter sido construída pela NASA.
Respirei fundo, olhando pela janela. Estávamos no aeroporto Santos Dumond, como Adão me havia instruído antes de decolarmos. Iríamos ao Rio de Janeiro para uma comemoração da sua empresa.
Adão Brites Arraiga era um dos maiores empresários do ramo de construções do estado de Minas Gerais. A Arraiga, construtora que levava o seu próprio sobrenome, era a responsável pelos empreendimentos de luxo da cidade de Belo Horizonte e região metropolitana, além de ter filiais nos estados do Rio e São Paulo.
E como eu fui parar dentro do Embraer Phenom 300 – cujo modelo de jato executivo eu só sabia, pois lera o nome encravado perto do vaso sanitário – de uma pessoa assim tão importante? Bom, é uma longa história que, inclusive, envolve a criação de outra história. Confuso? Não mais do que o meu caminho até aqui.
Acontece que eu, além de uma mortal estudante de Fisioterapia, também costumo me aventurar como escritora. Não que eu tenha tido algum trabalho publicado além de textos autônomos na internet ou alguma vez passado do vigésimo capítulo de alguma obra. Mas, dessa vez, seria diferente.
Eu estava decidida.
Iria finalmente publicar meu primeiro livro. Tracei uma meta de um ano para escrevê-lo. Eu tinha toda a inspiração necessária, e as cenas não paravam de se repetir na minha mente, uma atrás da outra. Até mesmo as chaves de diálogos já estavam prontas. Era como se na minha cabeça eu já conseguisse segurar o livro físico e autografa-lo para a minha melhor amiga.
A história seria simples, à sombra do maior clichê de todos os tempos: a prostituição. Tema delicado me exigiria muito estudo. Eu não queria falar sobre a prostituição crua, a prostituição banal, e sim a prostituição de luxo. Queria ir a fundo, queria pesquisar o tema para não romantiza-lo demais. Queria tratar da realidade.
E então, num sábado à tarde, sentada no sofá do pequeno apartamento que eu dividia com minha amiga nos arredores da faculdade, me surgiu a ideia perfeita. Mais especificamente vinda de Laura. Eu escrevia freneticamente no meu caderno de ideias, enquanto Laura rolava a sua página do Instagram e curtia todas as fotos de forma automatizada. Até que ela parou, e eu pude perceber pelo canto do olho.
― Ei, , vê só isso daqui ― me chamou a atenção, aproximando-se. Mirei a tela do seu celular, e ali havia a foto de uma conhecida da faculdade de biquíni num mar indescritivelmente azul.
― Bonita a foto ― comentei ― Onde é?
― Em Mykonos, na Grécia.
― Uau... ― balbuciei ― Enquanto isso, estamos aqui nesse calor de trinta graus. A vida é meio injusta às vezes... ― comentei, rindo.
― A gente liga o ventilador e fica de boas ― Laura riu ― Mas o que eu quero dizer não é isso... Eu quero te fazer um questionamento.
― Sim...
― Você conhece a Camila, certo?
― A da foto? Sim...
― Desde que ela entrou na faculdade, toda maltrapilha, com a mochila rasgada ― Laura completou e eu assenti com a cabeça ― Então... Como ela consegue sustentar esse estilo de vida em menos de um ano e meio?
Encarei a foto, sem saber direito onde ela queria chegar.
― Não entendi ― disse, por fim.
― , ela não tem dinheiro pra ir pra Grécia. Nem pra Amsterdã, nem pra Paris, nem pra Barcelona, como mostraram as postagens dela nos últimos dias! ― Laura exclamou ― Ou, pelo menos, ela não demonstra ter! Olha bem a foto do quarto dela ― Laura abre o Instagram da garota e procura por uma foto em que ela posa na frente de um espelho e é possível ver o restante do quarto ― Quando uma pessoa que tem dinheiro pra fazer uma Eurotour e se hospedar em hotéis cinco estrelas, não vai ter dinheiro para colocar uma maçaneta na porta? ― Aponta para o detalhe na foto em que a porta do quarto, um pouco caída aos pedaços, está sem maçaneta ― Ou não vai ter um teto de tijolos? ― aponta para o teto de um material que recordava plástico. Talvez fosse forro de PVC. Eu jamais saberia.
Balanço a cabeça negativamente, finalmente entendendo o ponto de Laura.
― Você está cheia de preconceitos ― comentei, tentando manter o nível de sensatez daquele diálogo ― Talvez ela tenha arranjado um namorado rico... Nunca saberemos...
― É, , exatamente! Eu ouvi uns boatos na faculdade...
― Que boatos? ― Instantaneamente me interessei pelo assunto. As fofocas da faculdade eram o motivo de eu pisar naquele campus diariamente. Afinal de contas, eu amava ouvir histórias e teorias da conspiração.
― Estão comentando por aí que ela agora está trabalhando como acompanhante de luxo... Por isso tantas viagens caras e estilo de vida luxuoso...
Minha boca se abriu em um O perfeito.
Eu precisava da Camila. Com urgência!
― Eu preciso falar com ela! ― exclamei.
― Como assim? ― Laura se assustou.
― Eu preciso conversar com ela. Preciso saber sobre essa história!
― Lógico que não, ! É só fofoca... Você não aborda uma pessoa e pergunta se ela trabalha como acompanhante de luxo! ― Laura riu ― Tem todo um processo de anonimato por trás disso, ainda mais ela que está começando por agora! Ela precisa manter a integridade dos clientes.
― E como você sabe disso tudo? ― Indaguei curiosa.
― Porque eu já conversei com garotas que trabalham assim. Várias.
― É mesmo? E por que nunca me contou?
― Porque você nunca perguntou ― ela riu ― Mas eu sei bastante coisa... Por que está tão interessada? Tá afim de fazer umas viagens também?
― Claro ― rolei os olhos ― Eu estou escrevendo um livro, você sabe ― levantei o caderninho e bati o dedo nele ― O tema central da história é a prostituição de luxo... Eu queria muito conversar pessoalmente com alguém que entenda do assunto, que viva isso.
Laura me encarou, pensativa.
― Eu tenho uma sugestão melhor para você ― sorriu.
Uni as sobrancelhas, intrigada.
― Você pode entrar nesse mundo. Olha, uma das moças que eu conheci um dia lá no Clube Chalezinho comentou comigo sobre um aplicativo que elas utilizam. Só as de luxo. Chama-se Auxilium. Você precisa de uma aprovação prévia, tipo uma avaliação de perfil para saber se você se enquadra no perfil de luxo, e então ele funciona como um Tinder...
― Você jura?!
― Por que eu mentiria para você? ― ela riu ― Aí, dentro do aplicativo, você seleciona seus clientes, que também já tiveram os perfis aprovados. E, se ele gostar de você de volta, vocês têm uma combinação e podem conversar por chat. É tudo muito discreto e praticamente anônimo até você se encontrar com o cliente, caso vocês se encontrem. Ou você pode apenas ser “mimada” por um desses clientes.
Respirei fundo, tentando absorver aquelas informações. Parecia a alternativa perfeita para que eu estudasse os meus personagens. Eu não iria apenas conversar com alguém que entendesse do assunto, como estaria inserida dentro daquele mundo. Eu seria minha própria personagem, criaria o seu perfil através das minhas próprias experiências e da minha própria visão... Eu passaria pela sensação do primeiro contato com um cliente, das negociações.
Não precisava necessariamente sair com algum deles, podia apenas usufruir do privilégio de estar dentro do aplicativo e estudar os mecanismos de ação. Afinal de contas, eu tinha um bom perfil. Fazia o padrão jovem mulher de vinte e um anos, universitária, de cabelos longos e lisos e corpo comum. Tinha boas fotos, inclusive algumas profissionais. Não seria de todo tão difícil conseguir uma aprovação no aplicativo.
Laura me olhou intrigada.
― O que foi? ― perguntei.
― Você vai mesmo baixar esse aplicativo? ― perguntou, mordendo a unha.
― Claro! ― tirei o celular do bolso e desbloqueei a tela.
― Deixa eu te ajudar a criar o seu perfil, então! Por favor! ― Laura avançou para mais perto de mim, e eu a acompanhei numa risada longa.
Eu pulei de cabeça na ideia.
Preenchemos juntas um perfil com uma descrição interessante. Eu precisava chamar a atenção de uma forma ou de outra, precisava atrair os homens. Precisava fazer com que eles tivessem o mínimo de interesse por mim, e isso, talvez, significava incorporar a maior e mais lucrativa instituição do mundo: o machismo.
Eu precisava estar perfeitamente moldada dentro do padrão social machista. Como faria isso? Me mostraria frágil. Meiga. Disposta a “crescer” com um homem, afinal de contas, eles amam reestruturar o discurso de que à frente de um grande homem sempre tem uma grande mulher – se matando para estar com ele e dar certa manutenção nessa posição de grande homem. Não existiriam os tais grandes, se uma mulher não o apoiasse e garantisse a certeza de que ele é mesmo grande.
Enquanto terminava meu perfil, refleti o quanto o mundo é uma merda. Eu estava disposta a passar por aquilo por um período já pré-determinado na minha vida? Sim, com certeza. Mas também existiam pessoas que se sujeitavam a situações assim por mero prazer, por vontade. Se rebaixar a um gênero, pois ao fazer isso, isso te garante certo status social. No caso, na alta sociedade. Afinal de contas, o dinheiro conserta tudo e dá todo tipo de solução na nossa vida – e esse me parecia um mecanismo muito simples de enriquecimento.
“Como você classifica os seus gostos” era uma das perguntas. As respostas:
- Simples.
- Ambiciosos.
- Luxuosos.
E eu, sem querer, lia: “o quanto você quer receber para se sujeitar a este papel?” por mais que essas não fossem especificamente as palavras ali.
Respirei fundo e continuei. Ambiciosa, obviamente. Se eu estava ali para jogar, era para jogar o meu jogo. Para ir atrás das minhas respostas.
Laura me ajudou a selecionar as minhas melhores fotos, que não mostrassem muito meu rosto, inclusive. Nunca se sabe qual colega da faculdade você vai encontrar no aplicativo – mesmo que as mulheres não tenham acesso ao perfil de outras mulheres, apenas os homens. De toda forma, eu poderia conseguir algum “cliente” que estudasse na mesma universidade. É sempre bom ser precavida.
As semanas passaram monótonas, entre alguns likes e convites para mensagens privadas. Tentei conversar com os caras, mas eles queriam que eu falasse com eles pelo WhatsApp e eu sempre mantive o pé atrás com esse fator. Afinal de contas, gente com tanto dinheiro pode muito bem pagar para rastrear um número e descobrirem até mesmo onde eu moro. Eu nunca confiei em humanos, menos ainda em homens, e não era dessa vez que iria confiar. Quando já estava quase desistindo da ideia de vivenciar esse mundo e desinstalando o aplicativo, recebi, no meio da aula de citologia, uma notificação. O celular vibrou sobre a minha perna com um texto na tela que dizia “nova mensagem”. Rolei os olhos, jurando a mim mesma deletar de vez o aplicativo caso fosse um novo convite para o WhatsApp.
“MrAdamDominator” era o usuário do sujeito. Eu não pude deixar de rir, disfarçadamente, para não ser pega usando o telefone em sala de aula. Cutuquei Laura com o cotovelo, que se sentava ao meu lado, concentrada nos slides do professor, e assim que ela me olhou, mostrei a tela do telefone por baixo da mesa.
Laura levou uma das mãos à boca para segurar a risada. Os nomes eram realmente a melhor parte do aplicativo.
― Eu adoro esse pessoal bilíngue ― ela sussurrou ― Eles devem achar que colocando os nomes em inglês as coisas vão ficar menos óbvias...
―Homens são ridículos mesmo ― rolei os olhos. Abri a mensagem e me espantei com o conteúdo que passava longe de ser meu número particular.
MrAdamDominator: Bom dia, gostei muito do seu perfil. Gostaria de conversar? Conte-me sobre você. Qual sua história?
Engoli em seco, pensando no quão suspeita aquela mensagem me parecia. Mas, afinal de contas, o que eu queria? Quando me pediam meu número, eu me assustava e já na defensiva os ignorava, porém quando tentavam falar comigo, eu fazia igual? O que diabos eu queria, então?
Encarei o quadro e o professor, pensando numa resposta. Qual era a minha história? Eu sabia muito bem contar as histórias dos outros. Mas a minha... Eu não sabia nem por onde começar.
Maduno: Bom dia. Eu não tenho uma história, ainda vou escrevê-la. E você? Qual sua história?
Hesitei por alguns segundos antes de enviar a mensagem. Eu queria mesmo levar aquilo adiante?
Tudo pelo meu livro.
Tudo.
E como se o universo quisesse que eu seguisse mesmo com aquele projeto – interpretei como um sinal de que o livro, quando pronto, seria um sucesso – tudo correu bem. Eu e o mistérios MrAdamDominator conversamos por longas horas sobre vários assuntos, nos quais eu às vezes precisei ir ao Google dar uma pesquisada pra não falar abobrinhas, e embarcamos numa longa jornada de conexões. Parecíamos ter tudo em comum, mesmo com tantos anos de diferença – ele alegou ter 58 anos de idade. Foram várias semanas trocando mensagem pelo aplicativo, cheios de experiências interessantes e ensinamentos. Tive os primeiros contatos com uma parte do mundo que eu não conhecia: as viagens, os vinhos, os restaurantes, as aventuras... Eu jamais havia saído do sudeste, então podia admitir que não conhecia muito do mundo. Meu ápice de aventura havia sido subir as escadas do Cristo Redentor alguns anos atrás ou andar pela multidão de gente da 25 de março em São Paulo. Já aquele homem, não. Ele havia percorrido cada país da America do Sul e da Europa ocidental. Aventurara-se pela África e pela Ásia. Falava sobre os Estados Unidos e o Canadá como se fosse um morador dali. Contava como era a neve, como eram as águas azuis do Caribe, como era ofegante a respiração na Cordilheira dos Andes ou as brisas frescas das Maldivas.
E eu estava ali para ouvir as suas histórias. Elas me interessavam. Todos os dias passava a maior parte do meu tempo grudada no celular, fazendo perguntas e lendo textos gigantescos sobre, por exemplo, o dia em que ele ficou preso numa nevasca em Nova York. Acordava e olhava o celular, esperando pelas mensagens do senhor que eu, finalmente, descobrira que se chamava Adão.
Adão me contou sua história: 58 anos, divorciado, três filhos. Morava em Nova Lima. Dono da maior empresa de engenharia do estado de Minas Gerais. Tinha um cachorro chamado Charles e um gato chamado Letícia – escolhidos por seus filhos. Estava à espera do primeiro neto, filho de sua filha mais velha. Ela estudava medicina no exterior, o filho do meio estudava Filosofia em São Paulo e o mais novo estudava Engenharia Civil em Belo Horizonte, onde morava com a mãe – mas, curiosamente, se recusava a conversar com o pai.
Eu sabia o suficiente sobre aquela família. Sempre me pegava com o desejo de saber mais, de fazer mais perguntas sobre a trama, principalmente sobre o filho mais novo, mas me segurava. Iria entrar em detalhes sobre sua vida? Claro. Porém, pouco a pouco. Eu precisava ter cautela para não perder para sempre meu primeiro cliente. Minha primeira cobaia.
Em todos os dias que se passaram, eu percebi que ele parecia precisar de alguém para conversar. Aquele, aparentemente, era o seu problema: ele não tinha ninguém para desabafar. Provavelmente ninguém que não o julgasse. E, no fim das contas, uníamos o útil ao agradável: ele desabafava e eu o estudava.
Certo dia, ele me perguntou se poderia me presentear, pois havia acabado de chegar de uma viagem ao exterior e lembrou-se de mim. Tive certo medo no início, mas acabei aceitando. Para que eu não passasse o meu endereço, ele pediu que um de seus motoristas levasse para mim em um shopping. O encontrei em um corredor, e fui recebida com três sacolas. As recebi e fui para casa, curiosa para abrir os presentes.
― Você vai me matar do coração se não abrir logo isso ― implorava Laura, me cercando no quarto. Ela não iria arredar o pé enquanto eu não abrisse os presentes.
― E se for uma bomba?
― Ele não teria coragem de matar a única pessoa que tem saco para ouvir os problemas dele ― Laura rolou os olhos.
― Eu mereço ir para o céu ― comentei.
― Com essas três sacolas você já está no céu ― ela comentou ― Você percebe que metade do PIB de Belo Horizonte está em cima da sua cama?
Ri do comentário.
― Eu nunca ouvi falar nessas marcas ― dei de ombros, lendo a menor das sacolas, onde estava escrito Swarovski.
― É porque somos pobres ― Laura balançou a cabeça negativamente ― Apenas abra isso logo. Eu sou cardíaca, você não pode fazer isso comigo!
― Tá bom, Laura, vou abrir essa daqui ― resolvi começar pela sacola que já estava em minhas mãos, a menor.
Dentro dela havia uma caixa de tamanho médio, cinza, com a marca cromada. Abri a caixa lentamente, quase ficando cega ao ver o quanto brilhavam as pedras daquele conjunto de brincos e colar que estava lá dentro.
Encarei Laura, que também estava estarrecida. Imagino que se houvesse um espelho entre nós, eu veria as minhas feições exatamente iguais às dela naquele instante.
― Caralho! ― exclamei ― Eu não tenho nem lugar pra ir com isso!
― Meu amor se você não tiver você arranja! ― Laura estendeu as mãos, e eu a entreguei a caixa. Certamente ela ficaria sem enxergar bem pelas próximas duas semanas, assim como eu, após tanta luz refletida em nossos olhos.
― Eu não sei se tenho coragem de abrir as outras ― comentei.
― Abre a Miu Miu ― ela apontou.
― Eu nem sei o que significa isso!
― É uma marca de sapatos. Anda, abre! ― ela insistiu.
Abri a sacola, e retirei de dentro uma caixa. Ao abri-la, me deparei com o par de sandálias de salto mais lindo que eu já havia visto na vida. Eram pretas, de tiras finas com cristais, e com um salto médio. Laura deu um pulo da cama, levando consigo um dos pés da sandália.
― Eu não acredito nisso! ― praticamente gritou ― Eu vou baixar esse aplicativo!
Gargalhei alto da sua reação.
― Se quiser pode ficar para você ― dei de ombros ― É bonito, mas com certeza ele deve me enviar mais depois.
― Não, de forma alguma. Ele deve querer que você use isso em algum evento, é melhor manter intacto no armário até ser convidada para acompanha-lo ― Laura voltou a sandália para a caixa cuidadosamente ― Vamos, só falta uma! Abre logo ou eu vou passar mal.
― Não sei se estou preparada.
― Você nasceu preparada para ganhar presentes ― ela segurou a sacola na minha frente, e eu a peguei.
― Essa marca eu conheço, já vi uns perfumes ― comentei, ao ler Dolce&Gabbana escrito.
― É só que isso é uma sacola muito grande para um perfume. Nós, que somos pobres, compramos os perfumes e dividimos de dez vezes no cartão de crédito. Os ricos compram as roupas e bolsas da marca ― Laura rolou os olhos ― Espero que sejam os dois!
Ri, enquanto tirava de dentro outra caixa. Ao abri-la, tirei de dentro o vestido feito com o tecido mais macio que eu já tocara na vida. A meu ver me parecia o vestido mais simples do universo, exceto pelo tecido nobre e a estampa forte. O coloquei à frente do corpo, mostrando-o a uma Laura de queixo caído, e reparei finalmente em seu formato. Era curto, aparentemente até o meio das minhas coxas, de alças finas e com um decote médio. O corte parecia perfeitamente acinturado.
― Se você reparar bem, os três presentes combinam ― comentou Laura, finalmente.
― Ele vai me convidar para sair ― concluí.
― Deus queira que sim! ― ela riu.
― Olha, tem outra coisa aqui ― reparei dentro da caixa do vestido um papel. Um bilhete, escrito à mão.
“Espero que tenha gostado dos presentes. Os escolhi a dedo para que você estivesse linda ao me acompanhar numa festa com meus sócios no Rio de Janeiro, neste fim de semana. Sua presença é especial para mim. Adão”.
E daquela maneira foi feito. Eu havia sido comprada, literalmente, numa espécie de escambo pós-moderno. Recebia presentes e dava as caras como sua acompanhante. Até que ponto eu estava disposta a dar o braço a torcer por uma atrocidade daquelas?
Bom, os degraus que eu descia do avião em direção ao carro que nos esperava na pista do aeroporto pareciam responder por mim. Eu havia, finalmente, cedido e aceitado a viagem ao Rio de Janeiro. Antes de sair de casa, jurei para mim mesma e para Laura que não seria nada demais. Que eu não faria nada demais. Afinal, eu só havia conhecido o Adão por fotos do aplicativo. Nem mesmo pelo WhatsApp havíamos conversado. A minha única segurança naquela loucura toda era a possibilidade de enviar minha localização para Laura, que havia tirado o dia para ficar de olho em seu celular e me enviar mensagens a cada meia hora perguntando sobre meu estado de saúde e integridade.
À medida que eu descia, dada a mão a Adão, concentrada em não cair com aqueles saltos – os tais Miu Miu que eu havia ganhado de presente – eu repetia em minha cabeça “, você está passando dos limites. O combinado era apenas estudar o cliente”. Que merda eu estava fazendo há mais de 700 km de distância da minha casa na companhia de um homem podre de rico e disfarçadamente arrogante?
Sim, isso mesmo, arrogante. Mas não comigo. Era muito sutil a maneira como ele demonstrava um ar de superioridade ao conversar com seus funcionários. O modo como ele falava comigo era doce, ele parecia querer a todo custo me agradar – afinal, creio que esse era exatamente o seu fetiche. Mas o tratamento que ele dava aos outros e, principalmente, aos seus funcionários, me faziam querer meter um soco bem no meio do olho dele. Sim, um murro muito bem calculado. Eu engolia em seco todas as vezes que ele dava uma má resposta a alguém perto de mim, e contava até dez enquanto repetia o mantra “você só está aqui por um projeto que é maior do que todo esse desgaste”.
E olha que só havíamos passado menos de duas horas juntos.
Seria um longo dia.
― Alguma vez na vida você já andou em um iate? ― ele perguntou, direcionando-se a mim.
― Na verdade, não... ― respondi, um pouco sem graça. Ele levou minha mão até sua boca e a beijou delicadamente.
― É um prazer ser o provedor da sua primeira vez ― ele sorriu, antes de estender o braço sinalizando para que eu embarcasse no carro que nos aguardava.
Tentei ignorar o duplo sentido daquela frase e a forma como aquele homem começava a me irritar. Entrei no veículo, absorvendo todo o frescor daquele ar condicionado, muito diferente do calor que fazia do lado de fora. Os bancos eram confortáveis e o clima agradável. Todo aquele sacrifício começava finalmente a valer a pena. Eu iria suportar. Apenas por um dia. Apenas para estudar aquele homem.
Eu não precisava fazer nada que não quisesse, e ele sabia bem. Eu também tinha na bolsa um spray de pimenta que comprara clandestinamente no centro da cidade. Estava tudo sob controle.
“Poucas horas, . Poucas horas” eu pensava.
Todo o enjoo que não senti no avião, parecia estar dando sinal de vida dentro daquele barco.
Deus do céu, como eu fui parar ali? Quando foi que Duarte se submeteu a uma situação daquelas? Nunca havia pisado nem em uma canoa, quanto mais em um iate. Não existiam sistemas modernos o suficiente naquela embarcação que me poupassem de uma linda jogada em alto mar.
Eu estava isolada naquele fundo, longe das pessoas e da música, enquanto me pendurava na borda do iate e vomitava em jatos na direção do mar. Sentia-me fraca, humilhada. Afinal de contas o que eu estava fazendo mesmo?
Respirava fundo entre cada espasmo involuntário do meu corpo. Já havia botado pra fora todo o meu almoço - que pena daqueles camarões tão grandes e apetitosos que comi - e as bebidas consumidas. Milhares de reais convertidos em champanhes e destilados importados afundando em alto mar.
Limpei a boca pela enésima vez com as costas da mão e voltei a respirar ofegantemente. Era o meu fim. Apertei o coque dos cabelos e me dispus a observar as águas calmas e o reflexo que os raios de sol desenhavam sobre ela.
Talvez aquela crise fosse uma mistura do vai e vem da embarcação com a figura insuportável do senhor Adão. Céus, tava pra nascer no mundo uma pessoa mais insuportável que ele. Ganancioso, egocêntrico. Como eu nunca percebi, pelas mensagens, que ele era daquele jeito? Ele parecia tão interessante, com conteúdo, e minhas expectativas haviam caído por terra – ou por água? – nas primeiras horas que passei ao lado dele. Eu queria voltar no tempo e desistir desde o início. Eu queria ter devolvido aquele vestido Dolce&Gabanna maravilhoso que naquele instante estava sujo de vômito. Queria nunca ter colocado os pés naquele jato ou naquele barco.
Eu queria nunca ter tido aquela ideia praquele livro. Estava me custando muito caro.
Enquanto me autocensurava mentalmente, pude notar pelo canto do olho um vulto se aproximar. Segurei-me pro alguns segundos antes de averiguar de quem se tratava, talvez tentando em convencer de que aquela não era a maior vergonha da minha vida – apesar de que no fundo eu sabia que era sim a maior delas.
Ergui os olhos com a respiração prendida, e relaxei ao perceber que não se tratava de Adão. Ele era a última pessoa que eu gostaria de ver naquele instante, visto que fora um dos principais causadores de todo aquele enojo pelo qual eu passava.
E, de repente, meu coração pareceu parar de bater no peito ao reconhecer aquele rosto à minha frente. Senti uma nova onda de enjoo e lancei o rosto para fora do barco outra vez.
O rapaz se aproximou rapidamente e me segurou pelos ombros enquanto eu vomitava.
― Você está bem? ― perguntou.
― O que você acha?! ― Contestei, em meio a uma breve pausa nos espasmos estomacais.
― Desculpe, é a força do hábito. Há algo que eu possa fazer por você? ― perguntou, aparentemente tentando melhorar a situação.
Respirei fundo e limpei a boca, erguendo o rosto outra vez.
Era ele sim. Ele mesmo.
Arraiga.
Eu quis me dar um soco na própria testa ao perceber o óbvio: Arraiga era parente de Adão Arraiga. Com toda certeza do universo! Os dois não compartilhavam o mesmo sobrenome – e agora a mesma embarcação – à toa.
― Então...? ― ele insistiu.
Pisquei algumas vezes, voltando à Terra. Céus, como eu podia ser tão estúpida? E como ele podia agir como se nunca me conhecesse na vida?
― Eu acho que não ― respondi, finalmente.
― Se quiser posso te trazer uma água...
― Se você puder me trazer um copo d’água com uma colher de açúcar e um punhado de sal, eu ficarei agradecida ― me escorei na borda do barco e passei a mão pelos cabelos que já escapavam do coque.
― Eu já volto ― o rapaz disparou na direção da cozinha.
Céus, como podia Arraiga estar no mesmo lugar que eu? Seria o meu fim.
Saquei o celular de dentro do sutiã, e desbloqueei a tela, tentando não me enjoar ao fixar o olhar nas mensagens. Procurei o número de Laura.
14:34: Perigo
14:34: Arraiga está aqui
14:34: Vem me buscar pelo amor de Deus
14:35: Ele acabou de me ver vomitando as minhas tripas!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Laura 14:36: PUTA QUE PARIU
Laura 14:36: VOCÊ TÁ ZOANDO COMIGO?!!!!!!!!!!!!!!
14:36: EU QUERIA ESTAR
Laura 14:37: ELES TÊM O MESMO SOBRENOME
14:37: ISSO ERA MEIO ÓBVIO
14:37: EU SOU BURRA PRA CARALHO
14:38: ME MATA, LAURA
Laura 14:39: CALMA!!
Laura 14:39: Como ele mesmo demonstrou aquele dia, ele provavelmente não lembra de você
14:40: Não interessa!!!!!!
Laura 14:41: Finge que também não conhece ele
14h41min: Eu não consigo
Laura 14:42: Ele deve estar bêbado como aquele dia
14:42: Eu duvido
14:42: Ele me pareceu muito lúcido
Laura 14:43: Então ele realmente não deve lembrar
Laura 14:43: Amiga...................................... aproveita
Laura 14:43: Mas e o Adão??? Será que é pai dele?????
14:44: Ligando os pontos, pode ser que seja
14:44: O único filho dele que mora em BH tem a mesma idade que o
14:44: E estuda engenharia civil
14:44: Só pode ser ele
Laura 14:45: Mas ele não era o filho que não falava com o pai?
Laura 14:45: O que ele estaria fazendo aí?
14:45: Olha eu não sei se quero descobrir
Laura 14:46: Você vai descobrir!!!!
Laura 14:46: Aproveita e usa esse cara novamente
14:46: Não, Laura
14:46: Aquilo nunca aconteceu
14:46: Não tem essa de novamente
Laura 14:47: Claro que não...
14:47: Laura
Laura 14:47:
14:47: Ai ele ta vindo
Laura 14:48: Não vomita em cima dele!!!
― Acho que essa quantidade tá boa, né? ― ele perguntou, estendendo um copo gigantesco em minha direção.
O segurei e levei à boca, dando um pequeno gole e fazendo uma leve careta ao engolir.
― Está ótimo ― respondi.
― Você vai ficar bem?
― Sim ― apontei o queixo na direção do copo ― obrigada.
― Bom, eu sou o ― ele disse. Me parecia simpático até demais ― Se você quiser, posso chamar um médico para você...
― Não precisa. Eu vou ficar bem com isso.
― Qual o seu nome?
― .
― Ah, a ... Estavam falando sobre você.
― Quem?
― Meu pai e os sócios. Mas fica calma, eram apenas elogios ― ele deu de ombros.
― Como assim? O que disseram?
― Que você era inteligente. E jovem.
Senti as bochechas queimarem.
― Bom... ― balbuciei.
― Também começaram a te comparar com todas as minhas ex-namoradas. No caso, você era melhor que todas elas ― ele riu ― O meu pai adora fazer isso.
― Isso o que?
― Me colocar para baixo com as conquistas dele ― ele sorriu.
Perguntei-me por uns instantes qual era o motivo daquele assunto. Ele queria me elogiar? Ou desabafar? Eu tinha um novo cliente?
― Espera, quem é seu pai?
Ele pareceu se espantar um pouco com a pergunta. Como se eu fosse obrigada a saber de tudo.
Bom, por partes eu sabia, mas não sobre os detalhes. Eu não via rostos.
― Adão. O dono dessa festinha em alto mar ― ele sorriu outra vez.
― Ah! Você é o filho do Adão! ― fingi surpresa. Na verdade não precisei fingir muito, pois estava realmente surpresa com o fato de que o filho do Adão era especificamente Arraiga, o cara com quem eu tinha tido a melhor transa da minha vida no dia da minha calourada na faculdade e que depois nunca mais olhou na minha cara e preferiu fingir que eu não existia ou que não me conhecia.
Exatamente como estava fazendo naquele instante.
― Sim, sou. .
― O filho mais novo ― comentei.
― Ah, então você sabe...
― Sim, eu sei que você tem outros dois irmãos mais velhos. Eles não moram em Belo Horizonte. ― o respondi.
― Parece que meu pai andou te dando bons detalhes da vida dele.
― Você não faz ideia ― rolei os olhos.
― Como assim?
― Conversamos, ora bolas... Somos bons amigos.
― Bom, a maneira como ele tem te apresentado para os sócios, não é apenas como “amigos” ― ele fez aspas com os dedos.
― ... ― respirei fundo, levantando-me do chão. Eu estava mesmo disposta a falar aquilo?
Bom, já estava tudo perdido mesmo. Eu já estava com asco de Adão mesmo. Eu já havia me humilhado o suficiente mesmo.
― Você quer saber a verdade?
― Qual delas?
― Bom, então isso quer dizer que uma parte você já sabe. Agora eu vou te contar a outra ― sorri, gentilmente.
Ele pareceu interessado. Mas não de uma forma ruim: ele parecia realmente interessado em saber a minha verdade.
― Sou todos ouvidos.
― Você quer sair daqui?
― Você já está bem do estômago?
― Sim ― estendi o copo ― estou melhor. Acho que eu precisava de alguém para conversar sobre qualquer coisa que não fosse dinheiro e ações para me distrair e não enjoar ― sorri com o canto da boca.
― Estou muito interessado em conversar sobre qualquer coisa que não seja essa empresa de merda ― ele esticou a mão para me ajudar a me levantar.
Após passar pelo banheiro de uma das suítes e escovar os dentes, encontrei no corredor e caminhamos em direção a uma das cabines internas do iate, onde ficava a sala de estar. Havia ali algumas pessoas sentadas, que conversavam sob a música que tocava alta. Encontramos duas brechas num dos sofás e nos sentamos.
― Aqui dentro balança menos e você sente menos enjoos ― ele comentou.
― Ah! Eu não sabia... Nunca estive em um desses antes.
― Esse é alugado, não se espante, eu também nunca estive. O que ele tem é menor, não caberia toda essa gente. Meu pai e seus sócios o alugaram para dar essa festa. Parece que a moda entre o pessoal rico agora é dar festas em embarcações para fazer as pessoas ficarem bêbadas e vomitarem bastante ― ele riu.
― Parece que funcionou comigo. Não a parte de ficar bêbada, porque eu não tive nem a chance de tentar ― dei de ombros.
― Você se poupou de um vexame. Fique tranquila ― ele sorriu ― Então... O que tem para me contar de interessante? Como conheceu o meu pai?
― Na verdade eu quero saber o que você já sabe...
― Eu sei que você é como todas as outras que já apareceram ao lado dele. Jovem, bonita, com um vestido caro e joias caras. Você já tem minha resposta? Ou quer que eu diga em alto e bom som?
― Já tenho a sua resposta. E sim, por partes você tem razão ― eu sorri, e ele pareceu se espantar com a minha sinceridade ― Por que você veio falar comigo?
― Porque vi que você estava mal, e eu sabia que ninguém iria te ajudar. Meu pai descarta automaticamente todas as garotas que o fazem passar por algum tipo de vergonha perto dos sócios... Então eu meio que te salvei antes que ele desse um escândalo.
― Você acha que ele daria?
― Quanto tempo você passou com o meu pai, mesmo?
― Poucas horas.
― Então você ainda não sabe nem metade do que ele é capaz.
― Você fala como se ele fosse a pior pessoa do mundo.
― Mas ele é ― riu ― Não me leve a mal. Eu sei que você está apenas trabalhando. Mas, porra, esse cara é um merda. Você não podia ter escolhido outro?
― Ele me pareceu uma ótima pessoa nos últimos dois meses em que conversamos.
― Espera, vocês conversam há dois meses?
― Sim...
― Ele deve estar te pagando uma nota para você o suportar tanto assim!
― Como eu disse, ele parecia completamente diferente antes. Eu só o conheço pessoalmente há poucas horas. E, só pra completar, não estou fazendo isso pelo dinheiro.
― Como assim?
― Eu não recebo. Não sou acompanhante, nem prostituta. Eu sou estudante. Estou aqui por uma pesquisa.
arregalou os olhos, espantado.
― Então você comprou esse vestido e esses sapatos com o seu próprio dinheiro?
― Não. Eu ganhei do seu pai, junto com o convite para acompanha-lo nesse evento. E aceitei, obviamente, afinal estou fazendo uma pesquisa...
― Então ele te pagou. Com os presentes.
― Sim, basicamente. Essa é a ideia. Vamos lá, deixa eu te contar. Eu conheci o seu pai por um aplicativo que se chama Auxilium. É basicamente uma rede social que une pessoas, como um Tinder. Porém, são pessoas dispostas a sustentarem uma garota que precisa ser sustentada. Tudo feito por debaixo dos panos, anonimamente. Parece que alguns homens são doentes o suficiente para terem fetiche em gastar dinheiro com presentes que custam milhões para mulheres desconhecidas.
piscou algumas vezes, atônito.
― E a sua pesquisa então é ganhar presentes de homens ricos?
― Não ― eu ri ― Eu estou escrevendo um livro sobre a prostituição de luxo. Sou escritora. E surgiu a oportunidade de ter esse aplicativo, que não é a prostituição, mas que me insere nesse mundo de luxo. Eu descobri, em minhas pesquisas, inclusive, que o primeiro contato com a prostituição de luxo é feito através dessa conexão com homens que gostam de presentear mulheres.
― Você é maluca ― ele comentou ainda assustado.
― Sim. Eu faço tudo pelo meu projeto, e literalmente pulei de cabeça nessa oportunidade. Pode ser que nunca mais na vida eu consiga essa experiência ― dei de ombros.
― Eu sinto muito por você, por ter tido esse primeiro contato com um cara tão babaca quanto Adão Arraiga ― suspirou antes de sorrir para mim com o canto da boca.
― Eu acho que estou sobrevivendo. Mas e você? Por que não conversa com o seu pai como os seus outros dois irmãos?
― Porque eles são uns vendidos de merda. Eles não aceitam serem privados da vida de princesa que o meu pai dá a eles. Já eu preferi vencer na vida por outros meios.
― O que quer dizer com isso?
― Olha, não é que eu não use meus privilégios. Eu até uso, afinal, se não usasse, não estaria aqui agora. Infelizmente o meu pai precisa fazer o possível para conviver comigo, porque eu sou o único filho que segue a mesma profissão dele e sou o único capaz de trabalhar com ele na empresa e dar continuidade quando ele se aposentar. Você deve saber o que os outros dois fazem ― eu balancei a cabeça positivamente ― Então eu me agarrei à oportunidade que tinha. Eu sou estagiário na empresa, porque, afinal de contas, eu precisava de um estágio para me formar. Mas eu não vou ser promovido para um cargo alto, a menos que eu faça um bom trabalho. Essa é minha tarefa. Eu usei o empurrão inicial que meu pai podia me dar, mas o resto eu faço por conta própria. Tanto que estou tentando uma transferência para a sede de São Paulo assim que me formar, para estar longe dele quando tiver que ser promovido ou coisa parecida. Para que a decisão não parta dele. Ele até tenta me agradar com um monte de coisas, hoje, por exemplo, ele me trouxe aqui para me apresentar aos sócios dele, apresentar com orgulho o filhinho que está se formando na faculdade. Eu só vim, pois, provavelmente, um desses sócios será meu futuro chefe, e o meu problema é exclusivamente com o meu pai e não com eles...
Escutei atentamente todo o desabafo.
A família Arraiga parecia precisar urgentemente de um psicólogo. Primeiro o pai, depois o filho, me lotavam com lamentos e decepções.
Mas, da mesma forma como era interessante escutar a Adão, era também interessante escutar a . Ele parecia completar todas as lacunas que haviam ficado abertas nos meus intermináveis diálogos com Adão. trazia para mim informações novas, dava novas caras aos personagens daquela novela.
― Enfim... O meu pai é uma péssima pessoa e eu só convivo com ele pelo meu emprego. Apenas. Não faço questão nenhuma de estar com ele depois do que ele fez com a nossa família.
― E o que foi?
― Já que você precisa ser avisada do quanto ele é um merda, eu vou te dizer. Ele traiu a minha mãe com todas as mulheres que você puder imaginar. Ele mantinha uma mulher em cada estado, quiçá em cada país. Ele teve a sorte de não fazer mais herdeiros por conta da vasectomia, senão, uma hora dessas, eu teria no mínimo uns quinze irmãos espalhados por aí. Ele fez isso durante mais de dez anos, até que minha mãe descobrisse e passasse por essa humilhação. Você provavelmente não sabe como é a alta sociedade da cidade, mas a gente participava dela, e minha mãe foi completamente destroçada pelas outras pessoas. Eu não podia aceitar ver ela daquela maneira, escutar as pessoas falando tudo aquilo sobre ela, jogando a culpa nela por “não ser uma esposa boa o suficiente para não precisar ser traída” quando no fim das contas a culpa era única e exclusivamente desse traste que não foi capaz de honrar o seu casamento. Até na escola eu sofri por isso. ― ele encarou o copo de água que eu segurava, e então direcionou seu olhar para mim ― Então, , eu sei que você é uma boa menina. Eu sei que você quer muito fazer essa pesquisa e está botando a cara à tapa para fazer tudo isso, e eu te admiro pela sua coragem, mas o meu conselho é que você se afaste desse homem o mais rápido que você puder. Senão você vai ser mais uma das moças que ele usou, e eu te garanto que ele vai fazer contigo exatamente o que fez com todas as outras: vai te descartar. Porque ele é assim. Ele é conhecido entre os amigos por estar todos os meses com uma nova moça, cada vez mais jovem e mais atraente, usa-la e depois fingir que nada nunca aconteceu. Pelo menos as outras recebem muito dinheiro por isso. Mas você parece não estar recebendo nada... Respirei fundo, tentando controlar as lágrimas que se acumulavam em meus olhos. Eu não estava triste por passar por aquela situação. Não, de jeito nenhum, era uma situação extremamente enriquecedora para o meu projeto e, até aquele ponto, seguia dentro das minhas expectativas.
Mas ouvir aquele relato pelas palavras daquele rapaz, que contou tudo com os ombros caídos e a cabeça baixa, me cortava o coração. Eu conseguia sentir, no tom da sua voz, toda a raiva e toda a tristeza que ele sentia com relação à sua família.
Sem falar no ódio que crescia dentro de mim do homem que eu estava acompanhando. Adão era uma pessoa sem escrúpulos, asquerosa. Fazer tudo aquilo com tantas mulheres, e, principalmente, com sua esposa e sua família mostravam o quanto o caráter dele era baixo e podre.
Acreditei que se eu passasse mais vinte e quatro horas naquele barco eu sairia de lá infectada pelo vírus da arrogância e da falta de noção. Olhando ao redor, percebi que a maioria das pessoas eram daquela forma: arrogantes. Mal olhavam umas para as outras, e pareciam a todo tempo estarem competindo sobre quem se vestia melhor ou tinha as coisas mais caras.
Eu precisava sair dali.
ergueu os olhos em minha direção, e eu pude notar o quanto eram bonitos. Tinham um verde tão, mas tão forte, que pareciam ter sido pintados à mão. Eu me lembrava muito bem daquelas orbes, e meu coração se apertou no instante em que a sua lembrança me veio à mente. E, logo em seguida, algo muito mais forte do que meu coração: meu corpo ferveu ao se recordar da mirada que ele me dava enquanto me tinha em seus braços. Respirei fundo, tentando controlar meus pensamentos.
― Desculpe pelo desabafo. Agora que percebi que passei dos limites ― ele riu.
― Não, de forma alguma. Foi bom escutar. Você me mostrou uma parte dessa história que ainda estava mal esclarecida.
― Fico feliz por ter contribuído de alguma forma.
― Bom, eu infelizmente preciso ficar aqui até a hora de voltarmos para Belo Horizonte. Você tem alguém te acompanhando? ― Eu parecia não controlar as palavras que saíam da minha boca.
― Não, estou completamente sozinho ― ele sorriu com o canto da boca ― Só vim para ser apresentado aos sócios mesmo, e isso já aconteceu.
Engoli em seco, tentando garantir que meu corpo estivesse 100% recuperado do baque dos enjoos. Eu já não sentia mais o barco balançar, e tinha razão, do lado de dentro parecia até que eu estava em terra firme. Respirei fundo, encarando-o mais uma vez.
Pela minha cabeça passava certa ideia de vingança, talvez para poder compartilhar com Laura depois. Mas, ao mesmo tempo, a lucidez e a segurança de que ele realmente parecia não se lembrar de mim, e realmente poderia estar muito bêbado na noite em que estivemos juntos. E eu podia usufruir desse fato: eu era uma pessoa nova para ele.
Eu tinha vontade de prova-lo mais uma vez.
E podia fazer com que ele tivesse vontade de provar-me “pela primeira vez”.
Todo o asco que eu sentia por seu pai se reuniu em mim a ponto de ajudar-me a tomar a decisão de chutar o pau da barraca e investir no que estava na minha frente.
Afinal, eu saí de casa decidida a não me envolver com meu cliente. Mas não estipulei regra nenhuma sobre outros homens. Eu iria investir naquela possibilidade.
Passamos as próximas duas horas que se seguiram conversando sobre variados assuntos, e, a todo tempo, trocávamos alguns olhares que cruzavam um pouco os limites da amizade para algo mais além. Ele respondia animadamente a cada investida que eu dava, então eu estava segura de que estávamos prestes a chegar ao ponto que mais me interessava.
― Você quer sair daqui? ― ele perguntou como se lesse meus pensamentos.
Respirei fundo e sorri.
― Para onde você quer ir?
― Depende do que você quer fazer ― ele se aproximou de mim, para falar mais baixo ― Você pode me pedir o que quiser.
Senti um arrepio percorrer o meu corpo. Sim, eu estava disposta a pular todos os sinais vermelhos naquele instante. Não sabia se era o mais correto a fazer: mas era o que eu queria.
― O quanto você vai me julgar pelas minhas atitudes hoje? ― sussurrei, certificando-me de que o terreno estava seguro.
― Nada. Eu não vou te julgar. Eu não quero fazer nada que te ponha numa situação vulnerável. Você faz apenas o que estiver com vontade, e eu sigo a sua onda ― ele sorriu, e eu percebi perfeitamente o que ele quis dizer com aquilo.
Era meu chamado. Levantei-me do sofá e estendi a mão, olhando-o fundo nos olhos. Ele sorriu enquanto se levantava e me apertava os dedos com firmeza. Caminhei em direção ao corredor, e ele apertou o passo, ficando à minha frente e me puxando rápido por entre aqueles labirintos.
― Finalmente estamos sozinhos ― ele sussurrou ofegante antes de prensar-me contra a parede e beijar-me de forma calorosa.
Eu recebi aquele beijo como nenhum outro. O mínimo contato dos seus lábios com os meus me agitava o sangue, e a maneira como ele me beijava me fazia questionar a gravidade terrestre. Meu corpo estava pegando fogo, e o sinal mais óbvio de todo aquele incêndio apontava por entre as minhas pernas, onde pulsava de forma quase dolorosa. Como quem sabia exatamente tudo o que eu sentia e estava disposto a me torturar um pouco mais, levou uma das mãos até a minha nuca, apertando nosso beijo, enquanto a outra passeava pela minha cintura e me puxava para mais perto do corpo dele – exatamente como fizera na primeira vez em que nos beijamos, há alguns anos. Minhas mãos foram de imediato abraçar os ombros dele, pois eu sabia que não seria capaz de me manter de pé por muito tempo.
Cada movimento que ele fazia era previsível, pois eu já vivera aquela cena antes.
O seu corpo era a brasa que eu já conhecia. A cada toque, um flamejo sobre minha pele me recordava dos momentos que passamos juntos.
Eu nunca fui romântica ou coisa parecida. Na verdade, era bem aquariana, daquelas que nunca dão o braço a torcer por qualquer detalhe romântico. Porém, ao notar aqueles lábios vermelhos separando-se dos meus, e aquele par de olhos me observando, enquanto sua respiração se mantinha sincronizada com a minha, eu não resisti. Eu me deixei levar por cada encanto e cada mínimo detalhe daquele momento, que me faziam questionar se eram a realidade ou se tratavam apenas de uma mera brincadeira do universo comigo. A qualquer instante eu abriria os olhos e estaria na minha cama. Ou a qualquer instante eu abriria os olhos e estaria de volta ao passado.
Eu preferia me agarrar ao último fio de esperança de que, pelo menos nas sensações, eu estaria de volta no tempo. Àquela noite em que eu estive, pela primeira vez, nos braços de Arraiga.
Suspirei disposta a fazer com que ele se lembrasse do que passamos. Ou, pelo menos, abrisse mão do jogo que fazia ao fingir que o fato de estarmos quase arrancando nossas roupas era completamente inédito na sua vida.
Eu queria tomar as rédeas a partir dali, mas ele foi muito mais rápido que eu ao me erguer do chão com as mãos atrás das minhas coxas, fazendo com que eu involuntariamente laçasse o seu tronco com minhas pernas. As cruzei em suas costas e sorri, ao notar que ele gradativamente começava a caminhar em direção a uma das portas do corredor. Suas mãos escorregaram sobre minha pele e agarrou minha bunda de forma ousada, me descompassando a respiração ao sentir seu toque sobre minha tez desnuda debaixo do vestido.
Sem dizer palavra alguma, abriu a porta e a fechou com um chute após passar por ela. Levou-me até a cama que ficava próxima a uma pequena janela, e pousou meu corpo sobre os lençóis macios. Após ir à porta para trancá-la, ele voltou, olhando-me penetrantemente nos olhos. E eu senti todos os meus músculos se desfalecerem ao perceber todas as faíscas que saiam das suas orbes em direção às minhas. E, assim que ele me tocou, impondo seu corpo sobre o meu, as tais faíscas me fizeram perceber cada pelo meu se arrepiar de forma instantânea. Se ele queria me mostrar o quão disposto estava, o fez corretamente. Pude sentir a pressão que o zíper da sua calça, que parecia estar prestes a se romper, fazia entre as minhas coxas. Ele estava nitidamente excitado e o fato de sentir toda sua excitação tão próxima à minha intimidade me fazia querer avançar todos os sinais e ir direto ao ponto que me interessava. Mas eu conhecia , eu sabia o que ele seria capaz de fazer comigo até chegarmos lá.
E eu mal podia esperar.
Como se eu pudesse prever todos os seus passos, ele ergueu uma das mãos enquanto a outra o mantinha apoiado sobre o colchão, e a levou até os meus cabelos que se espalhavam ao redor de mim, e os afastou da minha nuca. O toque das pontas dos seus dedos frios sobre minha pele fez com que eu fechasse os olhos, extasiada. Desenhei em minha mente todos os movimentos que ele fazia, imaginando suas feições a cada toque que ele me dava. Sua mão então segurou com firmeza minha nuca, e eu senti de súbito seus lábios roçando sobre os meus. O busquei para um beijo, mas ele se afastou, tateando levemente nossas bocas, o que me atiçou o desejo de sentir outra vez o seu gosto. Como se lesse meus pensamentos, agarrou minha cintura com a mão que antes segurava minha nuca, arqueando meu corpo, e me tocou os lábios. Eu fui com muita, muita sede ao pote, e nossas línguas se entrelaçaram de forma ritmada por longos minutos, enquanto respirávamos pesadamente entre o beijo e nossos corpos se moviam milimetricamente sincronizados. Ele então tateou minhas coxas, levantando a barra do meu vestido, e em instantes eu trajava apenas minha calcinha de renda. Ele me encarou, e sorriu antes de se aproximar de mim outra vez, bombardeando meu pescoço com incontáveis beijos suaves e que, ao mesmo tempo, faziam questão de demonstrar toda sua avidez. Eu o arranquei a camisa enquanto sentia sua boca sobre mim.
Ele se demorou sobre meus ombros, antes de percorrer meus seios e pousar ali por longos minutos. Me chupava o bico enrijecido de um seio enquanto massageava o outro suavemente, fazendo-me delirar de tesão. Sem muitas delongas, ele finalmente partiu para o ponto em que parecia saber ser minha passagem para o ápice. Afastou minhas pernas, brandamente, antes de beijar cada centímetro da parte interna das minhas coxas. Chegou com beijos à minha virilha e mordiscou a minha calcinha, puxando-a com a ponta dos dentes e soltando-a de volta ao encontro da minha pele. Gemi, ainda mais forte que antes, esperando que ele terminasse de se livrar daquela peça. Ele delicadamente segurou suas laterais, deslizando-os perna abaixo e a jogou em um canto qualquer. A partir daquele instante, ele parecia ter certa pressa em chegar à minha intimidade, mas antes de tocar os lábios sobre ela, deslizou o dedo indicador desde o meu ventre até a pele da minha vulva, e finalmente fazendo o caminho em que ela se partia em dois lábios e atropelando meu clitóris com a ponta do dedo. Meus músculos se retraíram rapidamente com o pico de prazer instantâneo ao ser atingida, e ele sorriu satisfeito, me olhando nos olhos antes de abaixar-se e finalmente tocar os lábios sobre o meu sexo, onde o tempo praticamente parou.
Ele me chupada longa e concentradamente, e a cada hábil movimento de sua língua sobre meu clitóris, eu me sentia voando ao céu e retornando à terra. Minhas pernas começavam a tremer sem que eu tivesse controle algum sobre isso, e eu procurava um apoio, encontrando os lençóis sob minhas mãos, e os agarrava com força, como se dependesse deles para viver. Minhas pernas se fechavam ao redor de sua cabeça, e ele, com maestria, afastava outra vez minhas coxas, colaborando para que eu arqueasse ainda mais o meu quadril. Eu perdi completamente a noção de tudo que acontecia ao meu redor, e me concentrava no prazer que aquele rapaz me provia. Gemia, sem a pretensão de controlar a vontade de esboçar a ele o quanto ele me dava prazer.
Ele então parou, ao me perceber gemer cada vez mais descompassada, e me encarou, olhando fixamente em meus olhos.
― Esse gosto... Esse som... ― Comentou com a voz baixa, enquanto tomava fôlego ― ...
Eu sorri, e antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele abaixou-se outra vez, voltando a me torturar deliciosamente com sua língua que brincava sobre minha intimidade molhada. Dessa vez muito mais voraz, ele parecia estar disposto a me fazer chegar ao meu limite. Agarrei-me aos lençóis novamente, e percebi que ele insistia no ponto que me fazia perder mais ainda o controle sobre a forma como minha perna tremia. Era ali.
Como se já me conhecesse, ele insistiu um pouco mais, de forma ritmada, e eu não controlei mais meu corpo, que espasmou cada músculo sem que eu pudesse pará-los, e eu me contorci na cama antes de perder todas as minhas forças.
Com a respiração descompassada, encarei o teto, sentindo-me flutuar sobre uma nuvem.
― Esse gosto é inesquecível ― ele comentou, tampando minha visão com seu rosto. Percebi toda a sinceridade em seus olhos e sorri tímida, tombando a cabeça para o lado. Ele segurou meu queixo, voltando minha atenção para ele, e me olhou com firmeza nos olhos ― Eu tentei te procurar de todas as formas. Mas eu simplesmente não me lembrava do seu rosto. Só... Disso. ― ele sorriu antes de me beijar os lábios delicadamente ― Como você pôde desaparecer daquela forma? ― questionou, encarando-me outra vez.
― Quem desapareceu foi você ― comentei, antes de devolvê-lo outro beijo, que trocamos em meio a sorrisos.
Então aquilo significava que ele havia se lembrado. Significava que aquela não era nossa primeira vez. E, também, me parecia significar que ele estava disposto a fazê-la melhor que a primeira, pela forma como acelerou o nosso beijo e me segurou o corpo com força, parecendo ter medo de que eu escapasse a qualquer momento. Ele me trazia para perto quase fazendo com que nossos corpos se fundissem em um só. Apalpei, então, seu tronco, escorrendo as unhas pelo seu peito desnudo e pelos músculos do seu abdome que timidamente apareciam sob sua pele. Finalmente cheguei ao seu jeans, e de forma rápida e certeira o abri, esgueirando minha mão por entre sua cueca e sentindo seu pênis ereto dentro da minha mão. Suspirei entre nosso beijo ao imagina-lo dentro de mim, e o apertei vigorosamente, acariciando-o em seguida.
apartou nosso beijo entre gemidos e se afastou de mim, para livrar-se de sua calça. Tirou do bolso a carteira e de dentro dela uma pequena cartela de preservativos, jogando-a sobre a cama, e enfim voltou sua atenção a mim.
Eu engatinhei sobre a cama, e ao chegar próxima à beirada, me apoiei sobre meus joelhos, erguendo o corpo. O beijei outra vez antes de firmemente girar seus ombros e senta-lo sobre a cama. Ele observava cada movimento meu silenciosamente, e o ambiente eram preenchidos por sua respiração pesada e descompassada.
Coloquei-me de pé e parei à sua frente, apoiando minhas duas mãos sobre seus ombros e projetando meu corpo em direção ao dele. Suas mãos agarraram os meus seios que se balançavam no ar e ele fechou os olhos com força ao aperta-los levemente. Eu sorri, e finalmente me abaixei, ajoelhando-me à altura do seu quadril, e me agarrei ao seu membro grande e grosso que pulsava ereto à altura dos meus olhos. Minha boca salivava para toca-lo, e assim o fiz com a ponta dos lábios sobre a cabeça rosada e lisa. Atritei levemente meu lábio inferior sobre ela, e colocando a língua para fora a toquei, molhando-a com minha saliva, enquanto minha mão o segurava firme pela base. Ele respirou fundo e gemeu alto assim que eu o lambi outra vez antes de levar sua cabeça por inteira para dentro da minha boca. À medida que eu o engolia um pouco mais, minha mão acompanhava meus movimentos, e então gradativamente eu o suguei, levando-o fundo junto ao céu da minha boca e trazendo-o de volta para fora. Permaneci daquela maneira, às vezes acariciando-o com a língua, às vezes chupando-o com pressão, às vezes chupando-o de forma delicada, e sempre acompanhando os movimentos que fazia com a minha mão. A maneira como ele gemia me instigava a permanecer daquela maneira até que ele se esvaziasse dentro de mim, mas ao senti-lo quase atingir seu ápice, também o senti segurando meus ombros e me puxando para cima. O soltei, e olhei em seus olhos, instigada.
― Não quero desperdiçar esse momento sozinho ― ele sorriu enquanto tateava a cama atrás do preservativo. Ao encontra-lo, o abriu e o posicionou sobre seu membro enquanto eu o observava, e então me puxou pela cintura, fazendo-me praticamente cair sobre seu corpo.
Ajeitei minhas pernas ao redor das suas e então sentei delicadamente sobre seu colo, prendendo a respiração e sentindo-o me invadir morosamente, até que estivesse por completo dentro de mim. Finalmente a soltei em um gemido, e ele me acompanhou. Soltou minha cintura e apoiou as mãos atrás do corpo, projetando o quadril mais para cima e me dando o sinal livre para ditar os movimentos. E então, sem conseguir controlar a minha vontade, me segurei em seus ombros e deixei com que meu prazer ditasse a velocidade e a intensidade com que eu subia e abaixava meu ventre, sentindo-o entrar e sair de dentro da minha intimidade. Foram longos minutos num movimento de vai e vem ameno, até que o meu tesão me dominasse e tomasse conta dos meus movimentos, fazendo com que eu aumentasse a intensidade com que sentava e rebolava sobre seu pênis. Sentia aos poucos meu ápice se aproximar, e ele, que já estava prestes a explodir antes de me penetrar, parecia estar cada vez mais perto de perder o controle da situação. Eu não queria fazê-lo esperar, queria vê-lo se desfazer por completo dentro de mim, então aumentei a pressão com que rebolava sobre ele, e olhei em seus olhos. Ele, ao me perceber encarando-o com tanta intensidade, soltou os braços da cama e se aproximou de mim, rodeando a minha cintura com seus braços fortes e me ajudou a atingir a intensidade perfeita para fazê-lo se acabar. Com um gemido forte e gotas de suor escorrendo por entre seus cabelos bagunçados na testa, o seu corpo se enrijeceu, e eu o percebi perder seus sentidos dentro de mim. Respirei fundo, tentando absorver toda aquela informação, e sorri assim que ele abriu os olhos e me mirou outra vez.
Ele então sorriu junto a mim, e me abraçou, trazendo meu corpo para ainda mais perto do dele. Arfávamos juntos, buscando o ar que nos faltava, e nenhum parecia sentir a necessidade de dizer nada. Nossos olhares nos entregavam completamente. Estávamos repletos do prazer um do outro naquele instante.
Longos minutos se passaram até que recuperássemos nossa energia e pudéssemos nos vestir outra vez. Precisávamos voltar à festa, antes que notassem a nossa falta.
― O que vai acontecer daqui pra frente?
― Não sei. Só sei que não quero te deixar sumir da minha vida outra vez ― ele sorriu, ao abrir a porta para mim.
Eu sorri, levando uma mecha de cabelo para trás da orelha, e ele apoiou sua grande mão sobre minha lombar, dando-me segurança ao caminharmos juntos pelo corredor.
E eu encarei, ao chegarmos do lado de fora da embarcação, com o resto da sanidade que ainda me restava, Adão, que conversava num canto com seus sócios. Ele então me olhou com o canto do olho, e parecia querer dizer muita coisa com aquele olhar.
Eu sorri, acenando com a cabeça, e fingindo que nada havia acontecido. Ele não iria perguntar, eu tinha certeza. também não iria me entregar.
Eu só precisava me portar o restante daquela festa, entrar naquele jatinho e voltar para Belo Horizonte, onde eu poderia decidir o que fazer dali pra frente.
E, se no fim das contas, toda a verdade caísse no viés do conhecimento de todos os envolvidos naquela trama, eu não me importaria.
Afinal de contas, eu não estava ali pelo dinheiro, e sabia muito bem disso.
Duarte Nogueira nunca havia conseguido estar em um pouso de avião que não a causasse enormes crises de tonteira e náuseas. Mas, dentro daquele jato particular, tudo parecia perfeito.
Finalmente entendi o porquê dos ricos estarem sempre tão glamurosos: nem o risco de vomitar dentro de um avião comercial eles corriam. Aquela cabine pressurizada parecia ter sido construída pela NASA.
Respirei fundo, olhando pela janela. Estávamos no aeroporto Santos Dumond, como Adão me havia instruído antes de decolarmos. Iríamos ao Rio de Janeiro para uma comemoração da sua empresa.
Adão Brites Arraiga era um dos maiores empresários do ramo de construções do estado de Minas Gerais. A Arraiga, construtora que levava o seu próprio sobrenome, era a responsável pelos empreendimentos de luxo da cidade de Belo Horizonte e região metropolitana, além de ter filiais nos estados do Rio e São Paulo.
E como eu fui parar dentro do Embraer Phenom 300 – cujo modelo de jato executivo eu só sabia, pois lera o nome encravado perto do vaso sanitário – de uma pessoa assim tão importante? Bom, é uma longa história que, inclusive, envolve a criação de outra história. Confuso? Não mais do que o meu caminho até aqui.
Acontece que eu, além de uma mortal estudante de Fisioterapia, também costumo me aventurar como escritora. Não que eu tenha tido algum trabalho publicado além de textos autônomos na internet ou alguma vez passado do vigésimo capítulo de alguma obra. Mas, dessa vez, seria diferente.
Eu estava decidida.
Iria finalmente publicar meu primeiro livro. Tracei uma meta de um ano para escrevê-lo. Eu tinha toda a inspiração necessária, e as cenas não paravam de se repetir na minha mente, uma atrás da outra. Até mesmo as chaves de diálogos já estavam prontas. Era como se na minha cabeça eu já conseguisse segurar o livro físico e autografa-lo para a minha melhor amiga.
A história seria simples, à sombra do maior clichê de todos os tempos: a prostituição. Tema delicado me exigiria muito estudo. Eu não queria falar sobre a prostituição crua, a prostituição banal, e sim a prostituição de luxo. Queria ir a fundo, queria pesquisar o tema para não romantiza-lo demais. Queria tratar da realidade.
E então, num sábado à tarde, sentada no sofá do pequeno apartamento que eu dividia com minha amiga nos arredores da faculdade, me surgiu a ideia perfeita. Mais especificamente vinda de Laura. Eu escrevia freneticamente no meu caderno de ideias, enquanto Laura rolava a sua página do Instagram e curtia todas as fotos de forma automatizada. Até que ela parou, e eu pude perceber pelo canto do olho.
― Ei, , vê só isso daqui ― me chamou a atenção, aproximando-se. Mirei a tela do seu celular, e ali havia a foto de uma conhecida da faculdade de biquíni num mar indescritivelmente azul.
― Bonita a foto ― comentei ― Onde é?
― Em Mykonos, na Grécia.
― Uau... ― balbuciei ― Enquanto isso, estamos aqui nesse calor de trinta graus. A vida é meio injusta às vezes... ― comentei, rindo.
― A gente liga o ventilador e fica de boas ― Laura riu ― Mas o que eu quero dizer não é isso... Eu quero te fazer um questionamento.
― Sim...
― Você conhece a Camila, certo?
― A da foto? Sim...
― Desde que ela entrou na faculdade, toda maltrapilha, com a mochila rasgada ― Laura completou e eu assenti com a cabeça ― Então... Como ela consegue sustentar esse estilo de vida em menos de um ano e meio?
Encarei a foto, sem saber direito onde ela queria chegar.
― Não entendi ― disse, por fim.
― , ela não tem dinheiro pra ir pra Grécia. Nem pra Amsterdã, nem pra Paris, nem pra Barcelona, como mostraram as postagens dela nos últimos dias! ― Laura exclamou ― Ou, pelo menos, ela não demonstra ter! Olha bem a foto do quarto dela ― Laura abre o Instagram da garota e procura por uma foto em que ela posa na frente de um espelho e é possível ver o restante do quarto ― Quando uma pessoa que tem dinheiro pra fazer uma Eurotour e se hospedar em hotéis cinco estrelas, não vai ter dinheiro para colocar uma maçaneta na porta? ― Aponta para o detalhe na foto em que a porta do quarto, um pouco caída aos pedaços, está sem maçaneta ― Ou não vai ter um teto de tijolos? ― aponta para o teto de um material que recordava plástico. Talvez fosse forro de PVC. Eu jamais saberia.
Balanço a cabeça negativamente, finalmente entendendo o ponto de Laura.
― Você está cheia de preconceitos ― comentei, tentando manter o nível de sensatez daquele diálogo ― Talvez ela tenha arranjado um namorado rico... Nunca saberemos...
― É, , exatamente! Eu ouvi uns boatos na faculdade...
― Que boatos? ― Instantaneamente me interessei pelo assunto. As fofocas da faculdade eram o motivo de eu pisar naquele campus diariamente. Afinal de contas, eu amava ouvir histórias e teorias da conspiração.
― Estão comentando por aí que ela agora está trabalhando como acompanhante de luxo... Por isso tantas viagens caras e estilo de vida luxuoso...
Minha boca se abriu em um O perfeito.
Eu precisava da Camila. Com urgência!
― Eu preciso falar com ela! ― exclamei.
― Como assim? ― Laura se assustou.
― Eu preciso conversar com ela. Preciso saber sobre essa história!
― Lógico que não, ! É só fofoca... Você não aborda uma pessoa e pergunta se ela trabalha como acompanhante de luxo! ― Laura riu ― Tem todo um processo de anonimato por trás disso, ainda mais ela que está começando por agora! Ela precisa manter a integridade dos clientes.
― E como você sabe disso tudo? ― Indaguei curiosa.
― Porque eu já conversei com garotas que trabalham assim. Várias.
― É mesmo? E por que nunca me contou?
― Porque você nunca perguntou ― ela riu ― Mas eu sei bastante coisa... Por que está tão interessada? Tá afim de fazer umas viagens também?
― Claro ― rolei os olhos ― Eu estou escrevendo um livro, você sabe ― levantei o caderninho e bati o dedo nele ― O tema central da história é a prostituição de luxo... Eu queria muito conversar pessoalmente com alguém que entenda do assunto, que viva isso.
Laura me encarou, pensativa.
― Eu tenho uma sugestão melhor para você ― sorriu.
Uni as sobrancelhas, intrigada.
― Você pode entrar nesse mundo. Olha, uma das moças que eu conheci um dia lá no Clube Chalezinho comentou comigo sobre um aplicativo que elas utilizam. Só as de luxo. Chama-se Auxilium. Você precisa de uma aprovação prévia, tipo uma avaliação de perfil para saber se você se enquadra no perfil de luxo, e então ele funciona como um Tinder...
― Você jura?!
― Por que eu mentiria para você? ― ela riu ― Aí, dentro do aplicativo, você seleciona seus clientes, que também já tiveram os perfis aprovados. E, se ele gostar de você de volta, vocês têm uma combinação e podem conversar por chat. É tudo muito discreto e praticamente anônimo até você se encontrar com o cliente, caso vocês se encontrem. Ou você pode apenas ser “mimada” por um desses clientes.
Respirei fundo, tentando absorver aquelas informações. Parecia a alternativa perfeita para que eu estudasse os meus personagens. Eu não iria apenas conversar com alguém que entendesse do assunto, como estaria inserida dentro daquele mundo. Eu seria minha própria personagem, criaria o seu perfil através das minhas próprias experiências e da minha própria visão... Eu passaria pela sensação do primeiro contato com um cliente, das negociações.
Não precisava necessariamente sair com algum deles, podia apenas usufruir do privilégio de estar dentro do aplicativo e estudar os mecanismos de ação. Afinal de contas, eu tinha um bom perfil. Fazia o padrão jovem mulher de vinte e um anos, universitária, de cabelos longos e lisos e corpo comum. Tinha boas fotos, inclusive algumas profissionais. Não seria de todo tão difícil conseguir uma aprovação no aplicativo.
Laura me olhou intrigada.
― O que foi? ― perguntei.
― Você vai mesmo baixar esse aplicativo? ― perguntou, mordendo a unha.
― Claro! ― tirei o celular do bolso e desbloqueei a tela.
― Deixa eu te ajudar a criar o seu perfil, então! Por favor! ― Laura avançou para mais perto de mim, e eu a acompanhei numa risada longa.
Eu pulei de cabeça na ideia.
Preenchemos juntas um perfil com uma descrição interessante. Eu precisava chamar a atenção de uma forma ou de outra, precisava atrair os homens. Precisava fazer com que eles tivessem o mínimo de interesse por mim, e isso, talvez, significava incorporar a maior e mais lucrativa instituição do mundo: o machismo.
Eu precisava estar perfeitamente moldada dentro do padrão social machista. Como faria isso? Me mostraria frágil. Meiga. Disposta a “crescer” com um homem, afinal de contas, eles amam reestruturar o discurso de que à frente de um grande homem sempre tem uma grande mulher – se matando para estar com ele e dar certa manutenção nessa posição de grande homem. Não existiriam os tais grandes, se uma mulher não o apoiasse e garantisse a certeza de que ele é mesmo grande.
Enquanto terminava meu perfil, refleti o quanto o mundo é uma merda. Eu estava disposta a passar por aquilo por um período já pré-determinado na minha vida? Sim, com certeza. Mas também existiam pessoas que se sujeitavam a situações assim por mero prazer, por vontade. Se rebaixar a um gênero, pois ao fazer isso, isso te garante certo status social. No caso, na alta sociedade. Afinal de contas, o dinheiro conserta tudo e dá todo tipo de solução na nossa vida – e esse me parecia um mecanismo muito simples de enriquecimento.
“Como você classifica os seus gostos” era uma das perguntas. As respostas:
- Simples.
- Ambiciosos.
- Luxuosos.
E eu, sem querer, lia: “o quanto você quer receber para se sujeitar a este papel?” por mais que essas não fossem especificamente as palavras ali.
Respirei fundo e continuei. Ambiciosa, obviamente. Se eu estava ali para jogar, era para jogar o meu jogo. Para ir atrás das minhas respostas.
Laura me ajudou a selecionar as minhas melhores fotos, que não mostrassem muito meu rosto, inclusive. Nunca se sabe qual colega da faculdade você vai encontrar no aplicativo – mesmo que as mulheres não tenham acesso ao perfil de outras mulheres, apenas os homens. De toda forma, eu poderia conseguir algum “cliente” que estudasse na mesma universidade. É sempre bom ser precavida.
As semanas passaram monótonas, entre alguns likes e convites para mensagens privadas. Tentei conversar com os caras, mas eles queriam que eu falasse com eles pelo WhatsApp e eu sempre mantive o pé atrás com esse fator. Afinal de contas, gente com tanto dinheiro pode muito bem pagar para rastrear um número e descobrirem até mesmo onde eu moro. Eu nunca confiei em humanos, menos ainda em homens, e não era dessa vez que iria confiar. Quando já estava quase desistindo da ideia de vivenciar esse mundo e desinstalando o aplicativo, recebi, no meio da aula de citologia, uma notificação. O celular vibrou sobre a minha perna com um texto na tela que dizia “nova mensagem”. Rolei os olhos, jurando a mim mesma deletar de vez o aplicativo caso fosse um novo convite para o WhatsApp.
“MrAdamDominator” era o usuário do sujeito. Eu não pude deixar de rir, disfarçadamente, para não ser pega usando o telefone em sala de aula. Cutuquei Laura com o cotovelo, que se sentava ao meu lado, concentrada nos slides do professor, e assim que ela me olhou, mostrei a tela do telefone por baixo da mesa.
Laura levou uma das mãos à boca para segurar a risada. Os nomes eram realmente a melhor parte do aplicativo.
― Eu adoro esse pessoal bilíngue ― ela sussurrou ― Eles devem achar que colocando os nomes em inglês as coisas vão ficar menos óbvias...
―Homens são ridículos mesmo ― rolei os olhos. Abri a mensagem e me espantei com o conteúdo que passava longe de ser meu número particular.
MrAdamDominator: Bom dia, gostei muito do seu perfil. Gostaria de conversar? Conte-me sobre você. Qual sua história?
Engoli em seco, pensando no quão suspeita aquela mensagem me parecia. Mas, afinal de contas, o que eu queria? Quando me pediam meu número, eu me assustava e já na defensiva os ignorava, porém quando tentavam falar comigo, eu fazia igual? O que diabos eu queria, então?
Encarei o quadro e o professor, pensando numa resposta. Qual era a minha história? Eu sabia muito bem contar as histórias dos outros. Mas a minha... Eu não sabia nem por onde começar.
Maduno: Bom dia. Eu não tenho uma história, ainda vou escrevê-la. E você? Qual sua história?
Hesitei por alguns segundos antes de enviar a mensagem. Eu queria mesmo levar aquilo adiante?
Tudo pelo meu livro.
Tudo.
E como se o universo quisesse que eu seguisse mesmo com aquele projeto – interpretei como um sinal de que o livro, quando pronto, seria um sucesso – tudo correu bem. Eu e o mistérios MrAdamDominator conversamos por longas horas sobre vários assuntos, nos quais eu às vezes precisei ir ao Google dar uma pesquisada pra não falar abobrinhas, e embarcamos numa longa jornada de conexões. Parecíamos ter tudo em comum, mesmo com tantos anos de diferença – ele alegou ter 58 anos de idade. Foram várias semanas trocando mensagem pelo aplicativo, cheios de experiências interessantes e ensinamentos. Tive os primeiros contatos com uma parte do mundo que eu não conhecia: as viagens, os vinhos, os restaurantes, as aventuras... Eu jamais havia saído do sudeste, então podia admitir que não conhecia muito do mundo. Meu ápice de aventura havia sido subir as escadas do Cristo Redentor alguns anos atrás ou andar pela multidão de gente da 25 de março em São Paulo. Já aquele homem, não. Ele havia percorrido cada país da America do Sul e da Europa ocidental. Aventurara-se pela África e pela Ásia. Falava sobre os Estados Unidos e o Canadá como se fosse um morador dali. Contava como era a neve, como eram as águas azuis do Caribe, como era ofegante a respiração na Cordilheira dos Andes ou as brisas frescas das Maldivas.
E eu estava ali para ouvir as suas histórias. Elas me interessavam. Todos os dias passava a maior parte do meu tempo grudada no celular, fazendo perguntas e lendo textos gigantescos sobre, por exemplo, o dia em que ele ficou preso numa nevasca em Nova York. Acordava e olhava o celular, esperando pelas mensagens do senhor que eu, finalmente, descobrira que se chamava Adão.
Adão me contou sua história: 58 anos, divorciado, três filhos. Morava em Nova Lima. Dono da maior empresa de engenharia do estado de Minas Gerais. Tinha um cachorro chamado Charles e um gato chamado Letícia – escolhidos por seus filhos. Estava à espera do primeiro neto, filho de sua filha mais velha. Ela estudava medicina no exterior, o filho do meio estudava Filosofia em São Paulo e o mais novo estudava Engenharia Civil em Belo Horizonte, onde morava com a mãe – mas, curiosamente, se recusava a conversar com o pai.
Eu sabia o suficiente sobre aquela família. Sempre me pegava com o desejo de saber mais, de fazer mais perguntas sobre a trama, principalmente sobre o filho mais novo, mas me segurava. Iria entrar em detalhes sobre sua vida? Claro. Porém, pouco a pouco. Eu precisava ter cautela para não perder para sempre meu primeiro cliente. Minha primeira cobaia.
Em todos os dias que se passaram, eu percebi que ele parecia precisar de alguém para conversar. Aquele, aparentemente, era o seu problema: ele não tinha ninguém para desabafar. Provavelmente ninguém que não o julgasse. E, no fim das contas, uníamos o útil ao agradável: ele desabafava e eu o estudava.
Certo dia, ele me perguntou se poderia me presentear, pois havia acabado de chegar de uma viagem ao exterior e lembrou-se de mim. Tive certo medo no início, mas acabei aceitando. Para que eu não passasse o meu endereço, ele pediu que um de seus motoristas levasse para mim em um shopping. O encontrei em um corredor, e fui recebida com três sacolas. As recebi e fui para casa, curiosa para abrir os presentes.
― Você vai me matar do coração se não abrir logo isso ― implorava Laura, me cercando no quarto. Ela não iria arredar o pé enquanto eu não abrisse os presentes.
― E se for uma bomba?
― Ele não teria coragem de matar a única pessoa que tem saco para ouvir os problemas dele ― Laura rolou os olhos.
― Eu mereço ir para o céu ― comentei.
― Com essas três sacolas você já está no céu ― ela comentou ― Você percebe que metade do PIB de Belo Horizonte está em cima da sua cama?
Ri do comentário.
― Eu nunca ouvi falar nessas marcas ― dei de ombros, lendo a menor das sacolas, onde estava escrito Swarovski.
― É porque somos pobres ― Laura balançou a cabeça negativamente ― Apenas abra isso logo. Eu sou cardíaca, você não pode fazer isso comigo!
― Tá bom, Laura, vou abrir essa daqui ― resolvi começar pela sacola que já estava em minhas mãos, a menor.
Dentro dela havia uma caixa de tamanho médio, cinza, com a marca cromada. Abri a caixa lentamente, quase ficando cega ao ver o quanto brilhavam as pedras daquele conjunto de brincos e colar que estava lá dentro.
Encarei Laura, que também estava estarrecida. Imagino que se houvesse um espelho entre nós, eu veria as minhas feições exatamente iguais às dela naquele instante.
― Caralho! ― exclamei ― Eu não tenho nem lugar pra ir com isso!
― Meu amor se você não tiver você arranja! ― Laura estendeu as mãos, e eu a entreguei a caixa. Certamente ela ficaria sem enxergar bem pelas próximas duas semanas, assim como eu, após tanta luz refletida em nossos olhos.
― Eu não sei se tenho coragem de abrir as outras ― comentei.
― Abre a Miu Miu ― ela apontou.
― Eu nem sei o que significa isso!
― É uma marca de sapatos. Anda, abre! ― ela insistiu.
Abri a sacola, e retirei de dentro uma caixa. Ao abri-la, me deparei com o par de sandálias de salto mais lindo que eu já havia visto na vida. Eram pretas, de tiras finas com cristais, e com um salto médio. Laura deu um pulo da cama, levando consigo um dos pés da sandália.
― Eu não acredito nisso! ― praticamente gritou ― Eu vou baixar esse aplicativo!
Gargalhei alto da sua reação.
― Se quiser pode ficar para você ― dei de ombros ― É bonito, mas com certeza ele deve me enviar mais depois.
― Não, de forma alguma. Ele deve querer que você use isso em algum evento, é melhor manter intacto no armário até ser convidada para acompanha-lo ― Laura voltou a sandália para a caixa cuidadosamente ― Vamos, só falta uma! Abre logo ou eu vou passar mal.
― Não sei se estou preparada.
― Você nasceu preparada para ganhar presentes ― ela segurou a sacola na minha frente, e eu a peguei.
― Essa marca eu conheço, já vi uns perfumes ― comentei, ao ler Dolce&Gabbana escrito.
― É só que isso é uma sacola muito grande para um perfume. Nós, que somos pobres, compramos os perfumes e dividimos de dez vezes no cartão de crédito. Os ricos compram as roupas e bolsas da marca ― Laura rolou os olhos ― Espero que sejam os dois!
Ri, enquanto tirava de dentro outra caixa. Ao abri-la, tirei de dentro o vestido feito com o tecido mais macio que eu já tocara na vida. A meu ver me parecia o vestido mais simples do universo, exceto pelo tecido nobre e a estampa forte. O coloquei à frente do corpo, mostrando-o a uma Laura de queixo caído, e reparei finalmente em seu formato. Era curto, aparentemente até o meio das minhas coxas, de alças finas e com um decote médio. O corte parecia perfeitamente acinturado.
― Se você reparar bem, os três presentes combinam ― comentou Laura, finalmente.
― Ele vai me convidar para sair ― concluí.
― Deus queira que sim! ― ela riu.
― Olha, tem outra coisa aqui ― reparei dentro da caixa do vestido um papel. Um bilhete, escrito à mão.
“Espero que tenha gostado dos presentes. Os escolhi a dedo para que você estivesse linda ao me acompanhar numa festa com meus sócios no Rio de Janeiro, neste fim de semana. Sua presença é especial para mim. Adão”.
E daquela maneira foi feito. Eu havia sido comprada, literalmente, numa espécie de escambo pós-moderno. Recebia presentes e dava as caras como sua acompanhante. Até que ponto eu estava disposta a dar o braço a torcer por uma atrocidade daquelas?
Bom, os degraus que eu descia do avião em direção ao carro que nos esperava na pista do aeroporto pareciam responder por mim. Eu havia, finalmente, cedido e aceitado a viagem ao Rio de Janeiro. Antes de sair de casa, jurei para mim mesma e para Laura que não seria nada demais. Que eu não faria nada demais. Afinal, eu só havia conhecido o Adão por fotos do aplicativo. Nem mesmo pelo WhatsApp havíamos conversado. A minha única segurança naquela loucura toda era a possibilidade de enviar minha localização para Laura, que havia tirado o dia para ficar de olho em seu celular e me enviar mensagens a cada meia hora perguntando sobre meu estado de saúde e integridade.
À medida que eu descia, dada a mão a Adão, concentrada em não cair com aqueles saltos – os tais Miu Miu que eu havia ganhado de presente – eu repetia em minha cabeça “, você está passando dos limites. O combinado era apenas estudar o cliente”. Que merda eu estava fazendo há mais de 700 km de distância da minha casa na companhia de um homem podre de rico e disfarçadamente arrogante?
Sim, isso mesmo, arrogante. Mas não comigo. Era muito sutil a maneira como ele demonstrava um ar de superioridade ao conversar com seus funcionários. O modo como ele falava comigo era doce, ele parecia querer a todo custo me agradar – afinal, creio que esse era exatamente o seu fetiche. Mas o tratamento que ele dava aos outros e, principalmente, aos seus funcionários, me faziam querer meter um soco bem no meio do olho dele. Sim, um murro muito bem calculado. Eu engolia em seco todas as vezes que ele dava uma má resposta a alguém perto de mim, e contava até dez enquanto repetia o mantra “você só está aqui por um projeto que é maior do que todo esse desgaste”.
E olha que só havíamos passado menos de duas horas juntos.
Seria um longo dia.
― Alguma vez na vida você já andou em um iate? ― ele perguntou, direcionando-se a mim.
― Na verdade, não... ― respondi, um pouco sem graça. Ele levou minha mão até sua boca e a beijou delicadamente.
― É um prazer ser o provedor da sua primeira vez ― ele sorriu, antes de estender o braço sinalizando para que eu embarcasse no carro que nos aguardava.
Tentei ignorar o duplo sentido daquela frase e a forma como aquele homem começava a me irritar. Entrei no veículo, absorvendo todo o frescor daquele ar condicionado, muito diferente do calor que fazia do lado de fora. Os bancos eram confortáveis e o clima agradável. Todo aquele sacrifício começava finalmente a valer a pena. Eu iria suportar. Apenas por um dia. Apenas para estudar aquele homem.
Eu não precisava fazer nada que não quisesse, e ele sabia bem. Eu também tinha na bolsa um spray de pimenta que comprara clandestinamente no centro da cidade. Estava tudo sob controle.
“Poucas horas, . Poucas horas” eu pensava.
Todo o enjoo que não senti no avião, parecia estar dando sinal de vida dentro daquele barco.
Deus do céu, como eu fui parar ali? Quando foi que Duarte se submeteu a uma situação daquelas? Nunca havia pisado nem em uma canoa, quanto mais em um iate. Não existiam sistemas modernos o suficiente naquela embarcação que me poupassem de uma linda jogada em alto mar.
Eu estava isolada naquele fundo, longe das pessoas e da música, enquanto me pendurava na borda do iate e vomitava em jatos na direção do mar. Sentia-me fraca, humilhada. Afinal de contas o que eu estava fazendo mesmo?
Respirava fundo entre cada espasmo involuntário do meu corpo. Já havia botado pra fora todo o meu almoço - que pena daqueles camarões tão grandes e apetitosos que comi - e as bebidas consumidas. Milhares de reais convertidos em champanhes e destilados importados afundando em alto mar.
Limpei a boca pela enésima vez com as costas da mão e voltei a respirar ofegantemente. Era o meu fim. Apertei o coque dos cabelos e me dispus a observar as águas calmas e o reflexo que os raios de sol desenhavam sobre ela.
Talvez aquela crise fosse uma mistura do vai e vem da embarcação com a figura insuportável do senhor Adão. Céus, tava pra nascer no mundo uma pessoa mais insuportável que ele. Ganancioso, egocêntrico. Como eu nunca percebi, pelas mensagens, que ele era daquele jeito? Ele parecia tão interessante, com conteúdo, e minhas expectativas haviam caído por terra – ou por água? – nas primeiras horas que passei ao lado dele. Eu queria voltar no tempo e desistir desde o início. Eu queria ter devolvido aquele vestido Dolce&Gabanna maravilhoso que naquele instante estava sujo de vômito. Queria nunca ter colocado os pés naquele jato ou naquele barco.
Eu queria nunca ter tido aquela ideia praquele livro. Estava me custando muito caro.
Enquanto me autocensurava mentalmente, pude notar pelo canto do olho um vulto se aproximar. Segurei-me pro alguns segundos antes de averiguar de quem se tratava, talvez tentando em convencer de que aquela não era a maior vergonha da minha vida – apesar de que no fundo eu sabia que era sim a maior delas.
Ergui os olhos com a respiração prendida, e relaxei ao perceber que não se tratava de Adão. Ele era a última pessoa que eu gostaria de ver naquele instante, visto que fora um dos principais causadores de todo aquele enojo pelo qual eu passava.
E, de repente, meu coração pareceu parar de bater no peito ao reconhecer aquele rosto à minha frente. Senti uma nova onda de enjoo e lancei o rosto para fora do barco outra vez.
O rapaz se aproximou rapidamente e me segurou pelos ombros enquanto eu vomitava.
― Você está bem? ― perguntou.
― O que você acha?! ― Contestei, em meio a uma breve pausa nos espasmos estomacais.
― Desculpe, é a força do hábito. Há algo que eu possa fazer por você? ― perguntou, aparentemente tentando melhorar a situação.
Respirei fundo e limpei a boca, erguendo o rosto outra vez.
Era ele sim. Ele mesmo.
Arraiga.
Eu quis me dar um soco na própria testa ao perceber o óbvio: Arraiga era parente de Adão Arraiga. Com toda certeza do universo! Os dois não compartilhavam o mesmo sobrenome – e agora a mesma embarcação – à toa.
― Então...? ― ele insistiu.
Pisquei algumas vezes, voltando à Terra. Céus, como eu podia ser tão estúpida? E como ele podia agir como se nunca me conhecesse na vida?
― Eu acho que não ― respondi, finalmente.
― Se quiser posso te trazer uma água...
― Se você puder me trazer um copo d’água com uma colher de açúcar e um punhado de sal, eu ficarei agradecida ― me escorei na borda do barco e passei a mão pelos cabelos que já escapavam do coque.
― Eu já volto ― o rapaz disparou na direção da cozinha.
Céus, como podia Arraiga estar no mesmo lugar que eu? Seria o meu fim.
Saquei o celular de dentro do sutiã, e desbloqueei a tela, tentando não me enjoar ao fixar o olhar nas mensagens. Procurei o número de Laura.
14:34: Perigo
14:34: Arraiga está aqui
14:34: Vem me buscar pelo amor de Deus
14:35: Ele acabou de me ver vomitando as minhas tripas!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Laura 14:36: PUTA QUE PARIU
Laura 14:36: VOCÊ TÁ ZOANDO COMIGO?!!!!!!!!!!!!!!
14:36: EU QUERIA ESTAR
Laura 14:37: ELES TÊM O MESMO SOBRENOME
14:37: ISSO ERA MEIO ÓBVIO
14:37: EU SOU BURRA PRA CARALHO
14:38: ME MATA, LAURA
Laura 14:39: CALMA!!
Laura 14:39: Como ele mesmo demonstrou aquele dia, ele provavelmente não lembra de você
14:40: Não interessa!!!!!!
Laura 14:41: Finge que também não conhece ele
14h41min: Eu não consigo
Laura 14:42: Ele deve estar bêbado como aquele dia
14:42: Eu duvido
14:42: Ele me pareceu muito lúcido
Laura 14:43: Então ele realmente não deve lembrar
Laura 14:43: Amiga...................................... aproveita
Laura 14:43: Mas e o Adão??? Será que é pai dele?????
14:44: Ligando os pontos, pode ser que seja
14:44: O único filho dele que mora em BH tem a mesma idade que o
14:44: E estuda engenharia civil
14:44: Só pode ser ele
Laura 14:45: Mas ele não era o filho que não falava com o pai?
Laura 14:45: O que ele estaria fazendo aí?
14:45: Olha eu não sei se quero descobrir
Laura 14:46: Você vai descobrir!!!!
Laura 14:46: Aproveita e usa esse cara novamente
14:46: Não, Laura
14:46: Aquilo nunca aconteceu
14:46: Não tem essa de novamente
Laura 14:47: Claro que não...
14:47: Laura
Laura 14:47:
14:47: Ai ele ta vindo
Laura 14:48: Não vomita em cima dele!!!
― Acho que essa quantidade tá boa, né? ― ele perguntou, estendendo um copo gigantesco em minha direção.
O segurei e levei à boca, dando um pequeno gole e fazendo uma leve careta ao engolir.
― Está ótimo ― respondi.
― Você vai ficar bem?
― Sim ― apontei o queixo na direção do copo ― obrigada.
― Bom, eu sou o ― ele disse. Me parecia simpático até demais ― Se você quiser, posso chamar um médico para você...
― Não precisa. Eu vou ficar bem com isso.
― Qual o seu nome?
― .
― Ah, a ... Estavam falando sobre você.
― Quem?
― Meu pai e os sócios. Mas fica calma, eram apenas elogios ― ele deu de ombros.
― Como assim? O que disseram?
― Que você era inteligente. E jovem.
Senti as bochechas queimarem.
― Bom... ― balbuciei.
― Também começaram a te comparar com todas as minhas ex-namoradas. No caso, você era melhor que todas elas ― ele riu ― O meu pai adora fazer isso.
― Isso o que?
― Me colocar para baixo com as conquistas dele ― ele sorriu.
Perguntei-me por uns instantes qual era o motivo daquele assunto. Ele queria me elogiar? Ou desabafar? Eu tinha um novo cliente?
― Espera, quem é seu pai?
Ele pareceu se espantar um pouco com a pergunta. Como se eu fosse obrigada a saber de tudo.
Bom, por partes eu sabia, mas não sobre os detalhes. Eu não via rostos.
― Adão. O dono dessa festinha em alto mar ― ele sorriu outra vez.
― Ah! Você é o filho do Adão! ― fingi surpresa. Na verdade não precisei fingir muito, pois estava realmente surpresa com o fato de que o filho do Adão era especificamente Arraiga, o cara com quem eu tinha tido a melhor transa da minha vida no dia da minha calourada na faculdade e que depois nunca mais olhou na minha cara e preferiu fingir que eu não existia ou que não me conhecia.
Exatamente como estava fazendo naquele instante.
― Sim, sou. .
― O filho mais novo ― comentei.
― Ah, então você sabe...
― Sim, eu sei que você tem outros dois irmãos mais velhos. Eles não moram em Belo Horizonte. ― o respondi.
― Parece que meu pai andou te dando bons detalhes da vida dele.
― Você não faz ideia ― rolei os olhos.
― Como assim?
― Conversamos, ora bolas... Somos bons amigos.
― Bom, a maneira como ele tem te apresentado para os sócios, não é apenas como “amigos” ― ele fez aspas com os dedos.
― ... ― respirei fundo, levantando-me do chão. Eu estava mesmo disposta a falar aquilo?
Bom, já estava tudo perdido mesmo. Eu já estava com asco de Adão mesmo. Eu já havia me humilhado o suficiente mesmo.
― Você quer saber a verdade?
― Qual delas?
― Bom, então isso quer dizer que uma parte você já sabe. Agora eu vou te contar a outra ― sorri, gentilmente.
Ele pareceu interessado. Mas não de uma forma ruim: ele parecia realmente interessado em saber a minha verdade.
― Sou todos ouvidos.
― Você quer sair daqui?
― Você já está bem do estômago?
― Sim ― estendi o copo ― estou melhor. Acho que eu precisava de alguém para conversar sobre qualquer coisa que não fosse dinheiro e ações para me distrair e não enjoar ― sorri com o canto da boca.
― Estou muito interessado em conversar sobre qualquer coisa que não seja essa empresa de merda ― ele esticou a mão para me ajudar a me levantar.
Após passar pelo banheiro de uma das suítes e escovar os dentes, encontrei no corredor e caminhamos em direção a uma das cabines internas do iate, onde ficava a sala de estar. Havia ali algumas pessoas sentadas, que conversavam sob a música que tocava alta. Encontramos duas brechas num dos sofás e nos sentamos.
― Aqui dentro balança menos e você sente menos enjoos ― ele comentou.
― Ah! Eu não sabia... Nunca estive em um desses antes.
― Esse é alugado, não se espante, eu também nunca estive. O que ele tem é menor, não caberia toda essa gente. Meu pai e seus sócios o alugaram para dar essa festa. Parece que a moda entre o pessoal rico agora é dar festas em embarcações para fazer as pessoas ficarem bêbadas e vomitarem bastante ― ele riu.
― Parece que funcionou comigo. Não a parte de ficar bêbada, porque eu não tive nem a chance de tentar ― dei de ombros.
― Você se poupou de um vexame. Fique tranquila ― ele sorriu ― Então... O que tem para me contar de interessante? Como conheceu o meu pai?
― Na verdade eu quero saber o que você já sabe...
― Eu sei que você é como todas as outras que já apareceram ao lado dele. Jovem, bonita, com um vestido caro e joias caras. Você já tem minha resposta? Ou quer que eu diga em alto e bom som?
― Já tenho a sua resposta. E sim, por partes você tem razão ― eu sorri, e ele pareceu se espantar com a minha sinceridade ― Por que você veio falar comigo?
― Porque vi que você estava mal, e eu sabia que ninguém iria te ajudar. Meu pai descarta automaticamente todas as garotas que o fazem passar por algum tipo de vergonha perto dos sócios... Então eu meio que te salvei antes que ele desse um escândalo.
― Você acha que ele daria?
― Quanto tempo você passou com o meu pai, mesmo?
― Poucas horas.
― Então você ainda não sabe nem metade do que ele é capaz.
― Você fala como se ele fosse a pior pessoa do mundo.
― Mas ele é ― riu ― Não me leve a mal. Eu sei que você está apenas trabalhando. Mas, porra, esse cara é um merda. Você não podia ter escolhido outro?
― Ele me pareceu uma ótima pessoa nos últimos dois meses em que conversamos.
― Espera, vocês conversam há dois meses?
― Sim...
― Ele deve estar te pagando uma nota para você o suportar tanto assim!
― Como eu disse, ele parecia completamente diferente antes. Eu só o conheço pessoalmente há poucas horas. E, só pra completar, não estou fazendo isso pelo dinheiro.
― Como assim?
― Eu não recebo. Não sou acompanhante, nem prostituta. Eu sou estudante. Estou aqui por uma pesquisa.
arregalou os olhos, espantado.
― Então você comprou esse vestido e esses sapatos com o seu próprio dinheiro?
― Não. Eu ganhei do seu pai, junto com o convite para acompanha-lo nesse evento. E aceitei, obviamente, afinal estou fazendo uma pesquisa...
― Então ele te pagou. Com os presentes.
― Sim, basicamente. Essa é a ideia. Vamos lá, deixa eu te contar. Eu conheci o seu pai por um aplicativo que se chama Auxilium. É basicamente uma rede social que une pessoas, como um Tinder. Porém, são pessoas dispostas a sustentarem uma garota que precisa ser sustentada. Tudo feito por debaixo dos panos, anonimamente. Parece que alguns homens são doentes o suficiente para terem fetiche em gastar dinheiro com presentes que custam milhões para mulheres desconhecidas.
piscou algumas vezes, atônito.
― E a sua pesquisa então é ganhar presentes de homens ricos?
― Não ― eu ri ― Eu estou escrevendo um livro sobre a prostituição de luxo. Sou escritora. E surgiu a oportunidade de ter esse aplicativo, que não é a prostituição, mas que me insere nesse mundo de luxo. Eu descobri, em minhas pesquisas, inclusive, que o primeiro contato com a prostituição de luxo é feito através dessa conexão com homens que gostam de presentear mulheres.
― Você é maluca ― ele comentou ainda assustado.
― Sim. Eu faço tudo pelo meu projeto, e literalmente pulei de cabeça nessa oportunidade. Pode ser que nunca mais na vida eu consiga essa experiência ― dei de ombros.
― Eu sinto muito por você, por ter tido esse primeiro contato com um cara tão babaca quanto Adão Arraiga ― suspirou antes de sorrir para mim com o canto da boca.
― Eu acho que estou sobrevivendo. Mas e você? Por que não conversa com o seu pai como os seus outros dois irmãos?
― Porque eles são uns vendidos de merda. Eles não aceitam serem privados da vida de princesa que o meu pai dá a eles. Já eu preferi vencer na vida por outros meios.
― O que quer dizer com isso?
― Olha, não é que eu não use meus privilégios. Eu até uso, afinal, se não usasse, não estaria aqui agora. Infelizmente o meu pai precisa fazer o possível para conviver comigo, porque eu sou o único filho que segue a mesma profissão dele e sou o único capaz de trabalhar com ele na empresa e dar continuidade quando ele se aposentar. Você deve saber o que os outros dois fazem ― eu balancei a cabeça positivamente ― Então eu me agarrei à oportunidade que tinha. Eu sou estagiário na empresa, porque, afinal de contas, eu precisava de um estágio para me formar. Mas eu não vou ser promovido para um cargo alto, a menos que eu faça um bom trabalho. Essa é minha tarefa. Eu usei o empurrão inicial que meu pai podia me dar, mas o resto eu faço por conta própria. Tanto que estou tentando uma transferência para a sede de São Paulo assim que me formar, para estar longe dele quando tiver que ser promovido ou coisa parecida. Para que a decisão não parta dele. Ele até tenta me agradar com um monte de coisas, hoje, por exemplo, ele me trouxe aqui para me apresentar aos sócios dele, apresentar com orgulho o filhinho que está se formando na faculdade. Eu só vim, pois, provavelmente, um desses sócios será meu futuro chefe, e o meu problema é exclusivamente com o meu pai e não com eles...
Escutei atentamente todo o desabafo.
A família Arraiga parecia precisar urgentemente de um psicólogo. Primeiro o pai, depois o filho, me lotavam com lamentos e decepções.
Mas, da mesma forma como era interessante escutar a Adão, era também interessante escutar a . Ele parecia completar todas as lacunas que haviam ficado abertas nos meus intermináveis diálogos com Adão. trazia para mim informações novas, dava novas caras aos personagens daquela novela.
― Enfim... O meu pai é uma péssima pessoa e eu só convivo com ele pelo meu emprego. Apenas. Não faço questão nenhuma de estar com ele depois do que ele fez com a nossa família.
― E o que foi?
― Já que você precisa ser avisada do quanto ele é um merda, eu vou te dizer. Ele traiu a minha mãe com todas as mulheres que você puder imaginar. Ele mantinha uma mulher em cada estado, quiçá em cada país. Ele teve a sorte de não fazer mais herdeiros por conta da vasectomia, senão, uma hora dessas, eu teria no mínimo uns quinze irmãos espalhados por aí. Ele fez isso durante mais de dez anos, até que minha mãe descobrisse e passasse por essa humilhação. Você provavelmente não sabe como é a alta sociedade da cidade, mas a gente participava dela, e minha mãe foi completamente destroçada pelas outras pessoas. Eu não podia aceitar ver ela daquela maneira, escutar as pessoas falando tudo aquilo sobre ela, jogando a culpa nela por “não ser uma esposa boa o suficiente para não precisar ser traída” quando no fim das contas a culpa era única e exclusivamente desse traste que não foi capaz de honrar o seu casamento. Até na escola eu sofri por isso. ― ele encarou o copo de água que eu segurava, e então direcionou seu olhar para mim ― Então, , eu sei que você é uma boa menina. Eu sei que você quer muito fazer essa pesquisa e está botando a cara à tapa para fazer tudo isso, e eu te admiro pela sua coragem, mas o meu conselho é que você se afaste desse homem o mais rápido que você puder. Senão você vai ser mais uma das moças que ele usou, e eu te garanto que ele vai fazer contigo exatamente o que fez com todas as outras: vai te descartar. Porque ele é assim. Ele é conhecido entre os amigos por estar todos os meses com uma nova moça, cada vez mais jovem e mais atraente, usa-la e depois fingir que nada nunca aconteceu. Pelo menos as outras recebem muito dinheiro por isso. Mas você parece não estar recebendo nada... Respirei fundo, tentando controlar as lágrimas que se acumulavam em meus olhos. Eu não estava triste por passar por aquela situação. Não, de jeito nenhum, era uma situação extremamente enriquecedora para o meu projeto e, até aquele ponto, seguia dentro das minhas expectativas.
Mas ouvir aquele relato pelas palavras daquele rapaz, que contou tudo com os ombros caídos e a cabeça baixa, me cortava o coração. Eu conseguia sentir, no tom da sua voz, toda a raiva e toda a tristeza que ele sentia com relação à sua família.
Sem falar no ódio que crescia dentro de mim do homem que eu estava acompanhando. Adão era uma pessoa sem escrúpulos, asquerosa. Fazer tudo aquilo com tantas mulheres, e, principalmente, com sua esposa e sua família mostravam o quanto o caráter dele era baixo e podre.
Acreditei que se eu passasse mais vinte e quatro horas naquele barco eu sairia de lá infectada pelo vírus da arrogância e da falta de noção. Olhando ao redor, percebi que a maioria das pessoas eram daquela forma: arrogantes. Mal olhavam umas para as outras, e pareciam a todo tempo estarem competindo sobre quem se vestia melhor ou tinha as coisas mais caras.
Eu precisava sair dali.
ergueu os olhos em minha direção, e eu pude notar o quanto eram bonitos. Tinham um verde tão, mas tão forte, que pareciam ter sido pintados à mão. Eu me lembrava muito bem daquelas orbes, e meu coração se apertou no instante em que a sua lembrança me veio à mente. E, logo em seguida, algo muito mais forte do que meu coração: meu corpo ferveu ao se recordar da mirada que ele me dava enquanto me tinha em seus braços. Respirei fundo, tentando controlar meus pensamentos.
― Desculpe pelo desabafo. Agora que percebi que passei dos limites ― ele riu.
― Não, de forma alguma. Foi bom escutar. Você me mostrou uma parte dessa história que ainda estava mal esclarecida.
― Fico feliz por ter contribuído de alguma forma.
― Bom, eu infelizmente preciso ficar aqui até a hora de voltarmos para Belo Horizonte. Você tem alguém te acompanhando? ― Eu parecia não controlar as palavras que saíam da minha boca.
― Não, estou completamente sozinho ― ele sorriu com o canto da boca ― Só vim para ser apresentado aos sócios mesmo, e isso já aconteceu.
Engoli em seco, tentando garantir que meu corpo estivesse 100% recuperado do baque dos enjoos. Eu já não sentia mais o barco balançar, e tinha razão, do lado de dentro parecia até que eu estava em terra firme. Respirei fundo, encarando-o mais uma vez.
Pela minha cabeça passava certa ideia de vingança, talvez para poder compartilhar com Laura depois. Mas, ao mesmo tempo, a lucidez e a segurança de que ele realmente parecia não se lembrar de mim, e realmente poderia estar muito bêbado na noite em que estivemos juntos. E eu podia usufruir desse fato: eu era uma pessoa nova para ele.
Eu tinha vontade de prova-lo mais uma vez.
E podia fazer com que ele tivesse vontade de provar-me “pela primeira vez”.
Todo o asco que eu sentia por seu pai se reuniu em mim a ponto de ajudar-me a tomar a decisão de chutar o pau da barraca e investir no que estava na minha frente.
Afinal, eu saí de casa decidida a não me envolver com meu cliente. Mas não estipulei regra nenhuma sobre outros homens. Eu iria investir naquela possibilidade.
Passamos as próximas duas horas que se seguiram conversando sobre variados assuntos, e, a todo tempo, trocávamos alguns olhares que cruzavam um pouco os limites da amizade para algo mais além. Ele respondia animadamente a cada investida que eu dava, então eu estava segura de que estávamos prestes a chegar ao ponto que mais me interessava.
― Você quer sair daqui? ― ele perguntou como se lesse meus pensamentos.
Respirei fundo e sorri.
― Para onde você quer ir?
― Depende do que você quer fazer ― ele se aproximou de mim, para falar mais baixo ― Você pode me pedir o que quiser.
Senti um arrepio percorrer o meu corpo. Sim, eu estava disposta a pular todos os sinais vermelhos naquele instante. Não sabia se era o mais correto a fazer: mas era o que eu queria.
― O quanto você vai me julgar pelas minhas atitudes hoje? ― sussurrei, certificando-me de que o terreno estava seguro.
― Nada. Eu não vou te julgar. Eu não quero fazer nada que te ponha numa situação vulnerável. Você faz apenas o que estiver com vontade, e eu sigo a sua onda ― ele sorriu, e eu percebi perfeitamente o que ele quis dizer com aquilo.
Era meu chamado. Levantei-me do sofá e estendi a mão, olhando-o fundo nos olhos. Ele sorriu enquanto se levantava e me apertava os dedos com firmeza. Caminhei em direção ao corredor, e ele apertou o passo, ficando à minha frente e me puxando rápido por entre aqueles labirintos.
― Finalmente estamos sozinhos ― ele sussurrou ofegante antes de prensar-me contra a parede e beijar-me de forma calorosa.
Eu recebi aquele beijo como nenhum outro. O mínimo contato dos seus lábios com os meus me agitava o sangue, e a maneira como ele me beijava me fazia questionar a gravidade terrestre. Meu corpo estava pegando fogo, e o sinal mais óbvio de todo aquele incêndio apontava por entre as minhas pernas, onde pulsava de forma quase dolorosa. Como quem sabia exatamente tudo o que eu sentia e estava disposto a me torturar um pouco mais, levou uma das mãos até a minha nuca, apertando nosso beijo, enquanto a outra passeava pela minha cintura e me puxava para mais perto do corpo dele – exatamente como fizera na primeira vez em que nos beijamos, há alguns anos. Minhas mãos foram de imediato abraçar os ombros dele, pois eu sabia que não seria capaz de me manter de pé por muito tempo.
Cada movimento que ele fazia era previsível, pois eu já vivera aquela cena antes.
O seu corpo era a brasa que eu já conhecia. A cada toque, um flamejo sobre minha pele me recordava dos momentos que passamos juntos.
Eu nunca fui romântica ou coisa parecida. Na verdade, era bem aquariana, daquelas que nunca dão o braço a torcer por qualquer detalhe romântico. Porém, ao notar aqueles lábios vermelhos separando-se dos meus, e aquele par de olhos me observando, enquanto sua respiração se mantinha sincronizada com a minha, eu não resisti. Eu me deixei levar por cada encanto e cada mínimo detalhe daquele momento, que me faziam questionar se eram a realidade ou se tratavam apenas de uma mera brincadeira do universo comigo. A qualquer instante eu abriria os olhos e estaria na minha cama. Ou a qualquer instante eu abriria os olhos e estaria de volta ao passado.
Eu preferia me agarrar ao último fio de esperança de que, pelo menos nas sensações, eu estaria de volta no tempo. Àquela noite em que eu estive, pela primeira vez, nos braços de Arraiga.
Suspirei disposta a fazer com que ele se lembrasse do que passamos. Ou, pelo menos, abrisse mão do jogo que fazia ao fingir que o fato de estarmos quase arrancando nossas roupas era completamente inédito na sua vida.
Eu queria tomar as rédeas a partir dali, mas ele foi muito mais rápido que eu ao me erguer do chão com as mãos atrás das minhas coxas, fazendo com que eu involuntariamente laçasse o seu tronco com minhas pernas. As cruzei em suas costas e sorri, ao notar que ele gradativamente começava a caminhar em direção a uma das portas do corredor. Suas mãos escorregaram sobre minha pele e agarrou minha bunda de forma ousada, me descompassando a respiração ao sentir seu toque sobre minha tez desnuda debaixo do vestido.
Sem dizer palavra alguma, abriu a porta e a fechou com um chute após passar por ela. Levou-me até a cama que ficava próxima a uma pequena janela, e pousou meu corpo sobre os lençóis macios. Após ir à porta para trancá-la, ele voltou, olhando-me penetrantemente nos olhos. E eu senti todos os meus músculos se desfalecerem ao perceber todas as faíscas que saiam das suas orbes em direção às minhas. E, assim que ele me tocou, impondo seu corpo sobre o meu, as tais faíscas me fizeram perceber cada pelo meu se arrepiar de forma instantânea. Se ele queria me mostrar o quão disposto estava, o fez corretamente. Pude sentir a pressão que o zíper da sua calça, que parecia estar prestes a se romper, fazia entre as minhas coxas. Ele estava nitidamente excitado e o fato de sentir toda sua excitação tão próxima à minha intimidade me fazia querer avançar todos os sinais e ir direto ao ponto que me interessava. Mas eu conhecia , eu sabia o que ele seria capaz de fazer comigo até chegarmos lá.
E eu mal podia esperar.
Como se eu pudesse prever todos os seus passos, ele ergueu uma das mãos enquanto a outra o mantinha apoiado sobre o colchão, e a levou até os meus cabelos que se espalhavam ao redor de mim, e os afastou da minha nuca. O toque das pontas dos seus dedos frios sobre minha pele fez com que eu fechasse os olhos, extasiada. Desenhei em minha mente todos os movimentos que ele fazia, imaginando suas feições a cada toque que ele me dava. Sua mão então segurou com firmeza minha nuca, e eu senti de súbito seus lábios roçando sobre os meus. O busquei para um beijo, mas ele se afastou, tateando levemente nossas bocas, o que me atiçou o desejo de sentir outra vez o seu gosto. Como se lesse meus pensamentos, agarrou minha cintura com a mão que antes segurava minha nuca, arqueando meu corpo, e me tocou os lábios. Eu fui com muita, muita sede ao pote, e nossas línguas se entrelaçaram de forma ritmada por longos minutos, enquanto respirávamos pesadamente entre o beijo e nossos corpos se moviam milimetricamente sincronizados. Ele então tateou minhas coxas, levantando a barra do meu vestido, e em instantes eu trajava apenas minha calcinha de renda. Ele me encarou, e sorriu antes de se aproximar de mim outra vez, bombardeando meu pescoço com incontáveis beijos suaves e que, ao mesmo tempo, faziam questão de demonstrar toda sua avidez. Eu o arranquei a camisa enquanto sentia sua boca sobre mim.
Ele se demorou sobre meus ombros, antes de percorrer meus seios e pousar ali por longos minutos. Me chupava o bico enrijecido de um seio enquanto massageava o outro suavemente, fazendo-me delirar de tesão. Sem muitas delongas, ele finalmente partiu para o ponto em que parecia saber ser minha passagem para o ápice. Afastou minhas pernas, brandamente, antes de beijar cada centímetro da parte interna das minhas coxas. Chegou com beijos à minha virilha e mordiscou a minha calcinha, puxando-a com a ponta dos dentes e soltando-a de volta ao encontro da minha pele. Gemi, ainda mais forte que antes, esperando que ele terminasse de se livrar daquela peça. Ele delicadamente segurou suas laterais, deslizando-os perna abaixo e a jogou em um canto qualquer. A partir daquele instante, ele parecia ter certa pressa em chegar à minha intimidade, mas antes de tocar os lábios sobre ela, deslizou o dedo indicador desde o meu ventre até a pele da minha vulva, e finalmente fazendo o caminho em que ela se partia em dois lábios e atropelando meu clitóris com a ponta do dedo. Meus músculos se retraíram rapidamente com o pico de prazer instantâneo ao ser atingida, e ele sorriu satisfeito, me olhando nos olhos antes de abaixar-se e finalmente tocar os lábios sobre o meu sexo, onde o tempo praticamente parou.
Ele me chupada longa e concentradamente, e a cada hábil movimento de sua língua sobre meu clitóris, eu me sentia voando ao céu e retornando à terra. Minhas pernas começavam a tremer sem que eu tivesse controle algum sobre isso, e eu procurava um apoio, encontrando os lençóis sob minhas mãos, e os agarrava com força, como se dependesse deles para viver. Minhas pernas se fechavam ao redor de sua cabeça, e ele, com maestria, afastava outra vez minhas coxas, colaborando para que eu arqueasse ainda mais o meu quadril. Eu perdi completamente a noção de tudo que acontecia ao meu redor, e me concentrava no prazer que aquele rapaz me provia. Gemia, sem a pretensão de controlar a vontade de esboçar a ele o quanto ele me dava prazer.
Ele então parou, ao me perceber gemer cada vez mais descompassada, e me encarou, olhando fixamente em meus olhos.
― Esse gosto... Esse som... ― Comentou com a voz baixa, enquanto tomava fôlego ― ...
Eu sorri, e antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele abaixou-se outra vez, voltando a me torturar deliciosamente com sua língua que brincava sobre minha intimidade molhada. Dessa vez muito mais voraz, ele parecia estar disposto a me fazer chegar ao meu limite. Agarrei-me aos lençóis novamente, e percebi que ele insistia no ponto que me fazia perder mais ainda o controle sobre a forma como minha perna tremia. Era ali.
Como se já me conhecesse, ele insistiu um pouco mais, de forma ritmada, e eu não controlei mais meu corpo, que espasmou cada músculo sem que eu pudesse pará-los, e eu me contorci na cama antes de perder todas as minhas forças.
Com a respiração descompassada, encarei o teto, sentindo-me flutuar sobre uma nuvem.
― Esse gosto é inesquecível ― ele comentou, tampando minha visão com seu rosto. Percebi toda a sinceridade em seus olhos e sorri tímida, tombando a cabeça para o lado. Ele segurou meu queixo, voltando minha atenção para ele, e me olhou com firmeza nos olhos ― Eu tentei te procurar de todas as formas. Mas eu simplesmente não me lembrava do seu rosto. Só... Disso. ― ele sorriu antes de me beijar os lábios delicadamente ― Como você pôde desaparecer daquela forma? ― questionou, encarando-me outra vez.
― Quem desapareceu foi você ― comentei, antes de devolvê-lo outro beijo, que trocamos em meio a sorrisos.
Então aquilo significava que ele havia se lembrado. Significava que aquela não era nossa primeira vez. E, também, me parecia significar que ele estava disposto a fazê-la melhor que a primeira, pela forma como acelerou o nosso beijo e me segurou o corpo com força, parecendo ter medo de que eu escapasse a qualquer momento. Ele me trazia para perto quase fazendo com que nossos corpos se fundissem em um só. Apalpei, então, seu tronco, escorrendo as unhas pelo seu peito desnudo e pelos músculos do seu abdome que timidamente apareciam sob sua pele. Finalmente cheguei ao seu jeans, e de forma rápida e certeira o abri, esgueirando minha mão por entre sua cueca e sentindo seu pênis ereto dentro da minha mão. Suspirei entre nosso beijo ao imagina-lo dentro de mim, e o apertei vigorosamente, acariciando-o em seguida.
apartou nosso beijo entre gemidos e se afastou de mim, para livrar-se de sua calça. Tirou do bolso a carteira e de dentro dela uma pequena cartela de preservativos, jogando-a sobre a cama, e enfim voltou sua atenção a mim.
Eu engatinhei sobre a cama, e ao chegar próxima à beirada, me apoiei sobre meus joelhos, erguendo o corpo. O beijei outra vez antes de firmemente girar seus ombros e senta-lo sobre a cama. Ele observava cada movimento meu silenciosamente, e o ambiente eram preenchidos por sua respiração pesada e descompassada.
Coloquei-me de pé e parei à sua frente, apoiando minhas duas mãos sobre seus ombros e projetando meu corpo em direção ao dele. Suas mãos agarraram os meus seios que se balançavam no ar e ele fechou os olhos com força ao aperta-los levemente. Eu sorri, e finalmente me abaixei, ajoelhando-me à altura do seu quadril, e me agarrei ao seu membro grande e grosso que pulsava ereto à altura dos meus olhos. Minha boca salivava para toca-lo, e assim o fiz com a ponta dos lábios sobre a cabeça rosada e lisa. Atritei levemente meu lábio inferior sobre ela, e colocando a língua para fora a toquei, molhando-a com minha saliva, enquanto minha mão o segurava firme pela base. Ele respirou fundo e gemeu alto assim que eu o lambi outra vez antes de levar sua cabeça por inteira para dentro da minha boca. À medida que eu o engolia um pouco mais, minha mão acompanhava meus movimentos, e então gradativamente eu o suguei, levando-o fundo junto ao céu da minha boca e trazendo-o de volta para fora. Permaneci daquela maneira, às vezes acariciando-o com a língua, às vezes chupando-o com pressão, às vezes chupando-o de forma delicada, e sempre acompanhando os movimentos que fazia com a minha mão. A maneira como ele gemia me instigava a permanecer daquela maneira até que ele se esvaziasse dentro de mim, mas ao senti-lo quase atingir seu ápice, também o senti segurando meus ombros e me puxando para cima. O soltei, e olhei em seus olhos, instigada.
― Não quero desperdiçar esse momento sozinho ― ele sorriu enquanto tateava a cama atrás do preservativo. Ao encontra-lo, o abriu e o posicionou sobre seu membro enquanto eu o observava, e então me puxou pela cintura, fazendo-me praticamente cair sobre seu corpo.
Ajeitei minhas pernas ao redor das suas e então sentei delicadamente sobre seu colo, prendendo a respiração e sentindo-o me invadir morosamente, até que estivesse por completo dentro de mim. Finalmente a soltei em um gemido, e ele me acompanhou. Soltou minha cintura e apoiou as mãos atrás do corpo, projetando o quadril mais para cima e me dando o sinal livre para ditar os movimentos. E então, sem conseguir controlar a minha vontade, me segurei em seus ombros e deixei com que meu prazer ditasse a velocidade e a intensidade com que eu subia e abaixava meu ventre, sentindo-o entrar e sair de dentro da minha intimidade. Foram longos minutos num movimento de vai e vem ameno, até que o meu tesão me dominasse e tomasse conta dos meus movimentos, fazendo com que eu aumentasse a intensidade com que sentava e rebolava sobre seu pênis. Sentia aos poucos meu ápice se aproximar, e ele, que já estava prestes a explodir antes de me penetrar, parecia estar cada vez mais perto de perder o controle da situação. Eu não queria fazê-lo esperar, queria vê-lo se desfazer por completo dentro de mim, então aumentei a pressão com que rebolava sobre ele, e olhei em seus olhos. Ele, ao me perceber encarando-o com tanta intensidade, soltou os braços da cama e se aproximou de mim, rodeando a minha cintura com seus braços fortes e me ajudou a atingir a intensidade perfeita para fazê-lo se acabar. Com um gemido forte e gotas de suor escorrendo por entre seus cabelos bagunçados na testa, o seu corpo se enrijeceu, e eu o percebi perder seus sentidos dentro de mim. Respirei fundo, tentando absorver toda aquela informação, e sorri assim que ele abriu os olhos e me mirou outra vez.
Ele então sorriu junto a mim, e me abraçou, trazendo meu corpo para ainda mais perto do dele. Arfávamos juntos, buscando o ar que nos faltava, e nenhum parecia sentir a necessidade de dizer nada. Nossos olhares nos entregavam completamente. Estávamos repletos do prazer um do outro naquele instante.
Longos minutos se passaram até que recuperássemos nossa energia e pudéssemos nos vestir outra vez. Precisávamos voltar à festa, antes que notassem a nossa falta.
― O que vai acontecer daqui pra frente?
― Não sei. Só sei que não quero te deixar sumir da minha vida outra vez ― ele sorriu, ao abrir a porta para mim.
Eu sorri, levando uma mecha de cabelo para trás da orelha, e ele apoiou sua grande mão sobre minha lombar, dando-me segurança ao caminharmos juntos pelo corredor.
E eu encarei, ao chegarmos do lado de fora da embarcação, com o resto da sanidade que ainda me restava, Adão, que conversava num canto com seus sócios. Ele então me olhou com o canto do olho, e parecia querer dizer muita coisa com aquele olhar.
Eu sorri, acenando com a cabeça, e fingindo que nada havia acontecido. Ele não iria perguntar, eu tinha certeza. também não iria me entregar.
Eu só precisava me portar o restante daquela festa, entrar naquele jatinho e voltar para Belo Horizonte, onde eu poderia decidir o que fazer dali pra frente.
E, se no fim das contas, toda a verdade caísse no viés do conhecimento de todos os envolvidos naquela trama, eu não me importaria.
Afinal de contas, eu não estava ali pelo dinheiro, e sabia muito bem disso.