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Duo


última atualização: 16/12/16





Capítulo 1

  Um estranho no lual

Olhei impaciente para o relógio sobre a mesinha. Ele estava me deixando mais nervosa do que se não estivesse ali e cada vez que eu voltava a encará-lo, uma leva de vários minutos já tinham se ido. Amanhã era o dia de início dos primeiros exames do semestre e o mínimo que eu precisava era ter uma boa noite de sono, mas algo não me deixava dormir e não era nervosismo. Eu simplesmente estava inquieta com algo.
“Alden, Alden, você precisa fazer algo”, disse a mim mesma. Resolvi sair da cama e ir até a cozinha para preparar um chá de camomila, uma bebida que eu detestava mas que era a única coisa que conseguia me ajudar em situações como esta. Do lado de fora, a noite estava quase muda, não fosse o som dos ventos que trombavam com as árvores e paredes das casas, mas não igual um sopro leve numa flauta, era mais como passarinhos desnorteados e suicidas.
Coloquei a chaleira para aquecer no fogão e me recostei na pia, visualizando as fórmulas de Física flutuando diante de mim. Sorri, lembrando do professor que ministrava a matéria. Um homenzinho baixo de bigode espesso e grisalho que tapava toda a boca. Em pouco tempo, os pensamentos se abriram para a escola e aquela cidade. Gracemills não era um lugar ruim de se morar. Com temperaturas geralmente moderadas, era, na maior parte do ano, mais frio que calor. Não havia construções altas, como prédios de vários andares, possibilitando belos panoramas das montanhas que nos cercavam, quase de qualquer ponto.
No entanto, este lugar não se molda a mim. Sinto-me incômoda só de me imaginar envelhecendo aqui. Tão desconfortável quanto um lindo sapato que não me cabe nos pés. Por isso quero me mandar daqui assim que terminar o ensino médio. Conhecer cidades novas, grandes o suficiente para que meu voo não termine em apenas dois bateres de asas.
A chaleira apitou insistente, como se me dissesse “acorda, menina! AInda falta muito para isso!”. Coloquei dois saquinhos de chá dentro da xícara e despejei água fervendo por cima, deixando-os em infusão enquanto eu subia a escada, sem nem me importar em adoçá-lo, pois assim, sem o gosto do açúcar, quase também não sentia o sabor da camomila.
Deitei em minha cama e tirei meus cabelos da frente do rosto, enrolando-os em um coque. Soprei calmamente o líquido quente dentro da xícara e tomei um pouquinho, com cuidado. Nesse instante, meu celular vibrou e eu o peguei.

E aí, bregona? N vai vir pra festa n?


Era Natália. Ela era uma ótima amiga, mas esquece de tudo por uma festa. Mesmo se o dia seguinte for de exames. Abri o aplicativo de mensagens e escrevi:

Estou vendo q amanhã n vou t encontrar na sala d aula. Além disso, que língua é essa? Já disse que eu não falo pandês, morena


Pouco depois de eu ter enviado o texto, o ícone de vídeo pipocou na tela com o sorriso muito aberto de Natália cobrindo quase o quadro inteiro da prévia. Os seus olhos, já naturalmente apertados, quase sumiram na imagem. Seus cabelos negros e ondulados estavam mais volumosos e lindos do que nunca. Toquei a tela do celular para assistir o vídeo.

– Lá vem você de novo com essa história de panda! Eu não fico com olheiras, sua boba! Os corretivos chiques que ganhei de minha mãe fazem milagres! Se mudar de idéia, me dê um toque que vamos aí te resgatar desse castelo depressivo pré-exame. Beijo!



O som da música ao fundo pareceu me dar mais ânimo ainda, tirando de vez as chances de eu conseguir dormir naquela hora. Olhei para o relógio, que marcava nove e meia da noite e depois para a xícara quente de um chá que eu não tinha nem um pouco de vontade em terminar. Então peguei o celular e apertei o botão de gravar e encenando uma expressão de piedade, disse:


– Ó, quem irá salvar uma donzela em apuros?

O vento frio entrava pelas frestas das janelas do carro enquanto seguíamos pela estrada. Diferente do que eu pensava, não íamos para a festa que Natália e os nossos outros amigos estavam. Fiquei feliz por ter me agasalhado mais quando ela disse entre saltos: “descobrimos um lual na floresta e precisamos mesmo ir!”. Não era difícil encontrar árvores em Gracemills, tampouco luais.
Após vários minutos pela estrada principal, o carro entrou por um caminho de terra, sendo cercado por árvores. O farol iluminava apenas alguns metros à frente o terreno irregular e logo o som alto de música começou a entrar pelos cantos das janelas do carro junto com o vento.
O carro parou em um local improvisado para estacionamento, junto a vários outros veículos, então descemos. Haviam pendurado em toda parte lamparinas de todo tipo, como se cada um tivesse trago a sua. Parecia que a escola inteira estava lá, havia inclusive pessoas que eu não me lembrava de conhecer e, pra uma cidade pequena, isso era até estranho. No centro de tudo, em uma clareira, fizeram uma grande fogueira para quem quisesse se aquecer.

– Alden, como eu te conheço, aqui está uma bebida para pessoas comportadas. Foi muito difícil achar isto por aqui, então aproveite.
– Ah, mas que gentileza – eu disse ironicamente pegando a garrafa de refrigerante das mãos de Natália.
– Ops, acho que não apresentei vocês. Alden, este é Frank, um amigo da cidade vizinha – disse-me ela, ficando de braços dados com ele, que era demasiadamente sensível para ser seu par. – Aliás, Elton está aqui. Por que não vai falar com ele?
– Já disse, Natália, o que acabou não tem chance de voltar – disse eu enfaticamente. Natália sorriu parecendo gostar do que eu disse e eu sabia o motivo. Ela era afim de mim. Já havia me confessado isso. Mas nunca rolou nada entre a gente, embora ela tenha tentado algumas vezes. Natália procurava esconder os ciúmes que tinha de mim com o Elton, mas não conseguia.

Elton era o meu ex-namorado. Um ex de vários meses, mas insistente. Ficamos juntos por pouco mais de um ano, quando eu descobri que estava me desgastando por algo que não era real. No último Natal, conversei com ele e terminei nosso relacionamento. No entanto, diferente do que eu achava, não foi nossa última conversa. Bom, não precisava realmente ser a última conversa, mas pelo menos sobre nós ou estarmos juntos era o que eu esperava que não fosse o centro do assunto. Tão breve quanto Natália me falou dele, Elton me viu de longe. Desviei o olhar tentando evitá-lo, mas ele já havia me visto e veio em minha direção. E se existia algo mais incômodo que ter que ver todos os dias um ex que ainda não desistiu da relação era ter que falar com ele.

– Olá, Al – disse ele em seu tom afável de voz. Um tom que era agradável, mas que com o tempo e com as insistências ficou irritante.
– Oi, Elton – eu disse com um sorriso amarelo, tentando ser o menos seca possível.
– Bacana te encontrar aqui no Lual. Estudou bastante para os exames de amanhã?

Era justamente isso que me irritava. Perguntas vazias, sem razão real de serem feitas, numa tentativa inútil de puxar conversa. E eu sabia bem onde iria levar aquilo. Elton não era um garoto desprovido de beleza. Um metro e oitenta, razoavelmente forte, cabelos quase raspados. Seu rosto tinha traços retos, lembravam até militares e seus olhos verdes claros eram um charme. Mas claro, não mais para mim. O encanto se foi e aquilo tudo não significava nada mais. Eu, de fato, nem mesmo me lembrava por que ou quando deixei de gostar dele ou me sentir atraída, apenas aconteceu e, pela boa pessoa que ele é, procuro não ser rude. Mas, geralmente, não tenho muito sucesso nisso...

– Elton, eu gostaria de pedir a você uma coisa.
– Pode dizer, Al.
– Eu preciso de espaço… Quando nós terminamos, era isso o que eu queria, espaço.
– Uou… Bom, entendi. Eu te dou um tempo se é o que você quer… – disse Elton, mas eu precisei interrompê-lo.
– Não, Elton. Eu não quero que você me dê um tempo. Eu quero que nos afastemos, que não nos falemos, que você não tente puxar conversa comigo. Acabou, é isso que você tem que entender. E essas suas tentativas de aproximação só pioram tudo. Não acontecerá novamente, nós não ficaremos juntos mais, nem mesmo por um dia.

Elton me olhou por algum tempo quieto e surpreso, sem saber o que dizer, então fez sinal positivo com a cabeça e se retirou. Meu coração ficou cortado e por pouco não o chamei para pedir desculpas, resisti porque era necessário. E ele desapareceu por entre as árvores.

– Nossa, o que aconteceu? – perguntou Natália se aproximando. – Elton estava branco como um defunto quando passou por mim.
– Ele descobriu que terminamos – respondi, tomando um gole do refrigerante que já começava a esquentar. Natália fez uma cara de confusa.
– Então tá – disse ela.
– Tem muitos que eu não conheço por aqui – disse eu, olhando ao redor, então vi um rapaz que me chamou a atenção. Ele era alto e apenas levemente forte, como se apenas as sombras o delineassem. Vestia apenas uma camisa preta e calça jeans escura, mas bem surrada. Um coturno calçava seus pés e ele se apoiava em uma árvore, segurando uma garrafa de cerveja na mão. Olhava fixo para a fogueira, provavelmente com o pensamento longe. Seu rosto era difícil de definir e não poderia dizer se era delicado ou de traços fortes, mas não era um garoto lindo, no máximo bonito. Tinha os cabelos curtos e muito pretos, assim como pareciam ser seus olhos.
– O que você tá olhando, Alden? – perguntou Natália.
– Aquele cara na árvore – respondi, apontando com a cabeça, mas sem tirar os olhos dele.
– Uau! Que lindo – disse ela, então soltou uma boa gargalhada e tomou a lata de refrigerante da minha mão e a chacoalhou. – Será que não tem nada aqui mesmo?
– Do que você está falando? – perguntei, tirando a lata da mão dela.
– Não tem ninguém naquela árvore, menina.
– Como não?
– O que está acontecendo? – o amigo de Natália se aproximou, trazendo para ela algum tipo de drink.
– Alden está sonhando com um príncipe encantado que está encostado naquela árvore – respondeu Natália e igualmente Frank pareceu não ver ninguém. Então eles saíram dando risadas.

Ou eles estavam brincando comigo, ou eu estava ficando louca, por isso parei uma garota que passava perto de mim e perguntei se ela conhecia aquele estranho, mas ela apenas me olhou com uma expressão muito esquisita e depois vomitou, quase me acertando. Então percebi que o rapaz olhava para mim fixamente. Eu também o encarei e ficamos assim por vários segundos até eu apontar o dedo em sua direção, irritada. Seu olhar fixo em mim se transformou em uma expressão de surpresa. Ele olhou para os lados, para ver se eu apontava para alguém próximo a ele, então eu balancei meu dedo, para indicar que era ele mesmo. Quando fiz isso, ele saiu da posição em que estava e soltou a garrafa de cerveja.
Naquele momento, fui em sua direção, mas ele virou-se e adentrou a floresta. Eu corri atrás para poder falar com ele e descobrir quem era. Podia até ser uma atitude irresponsável de minha parte, mas naquele momento a curiosidade foi maior.
Andei vários passos pela floresta escura, entre árvores e arbustos, mas inexplicavelmente ele havia desaparecido. Cessei meus passos e fiquei atenta por um momento. Apenas o som das folhas nas árvores e da música no lual ao longe podiam ser ouvidas. O desejo de encontrá-lo foi substituído por outro quando um arrepio cortou minha espinha de baixo a cima, e não se tratava de frio. Meu coração acelerou e um medo tomou conta de mim de tal forma que, quando dei por mim, já estava de volta à festa.

– Você está bem, Alden? Você tá branca – perguntou-me Natália quando finalmente a encontrei.
– Sim, eu estou – respondi, embora quisesse sair dali o mais rápido possível. Não poderia fazê-la me levar, tínhamos acabado de chegar. Respirei fundo e completei, sorrindo:
– Só quero me divertir antes de amanhã. Podemos?
– Claro! Pra começar, vamos trocar sua bebida para algo mais eficiente!

Continua...



Nota do autor: sem nota.




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