Capítulo I
– My Tears Ricochet
A sensação de estar a ser observada perseguia-me e era desconfortável. Era óbvio que estava a ser. As notícias espalhavam-se depressa, principalmente as más. Eles não me conheciam, mas conheciam a minha família… Ashford, o sobrenome, a tradição e agora o escândalo. Os meus pais estavam em queda e a vergonha parecia pesar nos meus ombros, embora não tivesse nada a ver com as ações deles. A cada olhar que me lançavam, sentia o julgamento no ar, tornando-se quase palpável. As expressões curiosas e, por vezes, de escárnio eram difíceis de ignorar. Cada vez que levantava o olhar, encontrava rostos que sussurravam ou desviavam os olhos rapidamente, mas o desconforto ficava. Sabia que me estavam a julgar.
O comboio tremia ligeiramente e eu esforçava-me por me focar na paisagem, usando-a como uma fuga silenciosa. Perder-me no movimento das árvores e colinas ajudava a esquecer, por momentos, a tensão. Até que ouvi uma voz delicada, um pouco séria, vinda da porta do compartimento.
- Desculpa, importas-te se me sentar aqui? Os outros lugares estão cheios.
Levei o meu olhar até à voz e vi uma rapariga com uma expressão tranquila. O cabelo castanho-escuro caía-lhe suavemente pelos ombros, destacando-se contra a sua pele clara e pálida. Mas o que mais me chamou à atenção foram os seus olhos verde-azulados, profundos e enigmáticos. Por um instante, hesitei, a sensação de desconforto ainda presente. Talvez ela também soubesse quem eu era, ou, pior ainda, talvez só quisesse ouvir de perto os rumores. Mas o seu olhar era sereno, por isso respirei fundo e respondi.
- Claro. – respondi. Ela sentou-se com uma postura impecável, colocando cuidadosamente uma pilha de livros ao lado. Observou-me por um instante, um leve sorriso surgiu nos seus lábios, mas os seus olhos nunca deixaram de ser intensos.
- Lyra, do sexto ano, Ravenclaw. – Foi direta, mas acolhedora. – E tu?
- Estou no sexto ano, mas sou nova, acabei de me transferir. – ela assentiu com o olhar atento.
-Vais gostar de Hogwarts. – O tom dela fez-me sentir, inesperadamente, à vontade. Lyra começou a contar-me sobre Hogwarts, descrevendo pormenores da sala comum de Ravenclaw e algumas das aulas mais interessantes com um entusiasmo moderado.
- Sabias que a nossa sala comum tem uma entrada sem senha? É uma charada. Às vezes, sinto-me como se estivesse num teste constante. A última pergunta foi sobre a cor do céu ao entardecer. Fiquei lá uns bons minutos a pensar. – Continuava a enaltecer Hogwarts. Lyra parecia relaxada, como se partilhar estes detalhes a fizesse brilhar com uma espécie de orgulho disfarçado.
- Imagino a pressão... e se não soubermos a resposta? Ficamos presas lá fora? – Brinquei, mas no fundo, era uma pergunta com curiosidade genuína. Lyra gargalhou.
- Sim! Uma ou duas vezes fiquei mesmo encurralada. Mas faz parte do charme da Ravenclaw!
A conversa com Lyra ajudou a passar o tempo e, quando, o comboio abrandou, ouviu-se um apito que me fez arrepiar com a ansiedade. Levantei-me, ajustando o uniforme e dei uma última olhadela pela janela. Lá fora, entre as sombras e as luzes que tremeluziam no nevoeiro, o castelo de Hogwarts erguia-se majestoso, envolto numa aura quase etérea. Era como se tivesse sido esculpido nas próprias pedras da montanha.
- Pronta? – perguntou Lyra, já com os seus livros guardados e com o capuz do casaco puxado, para se proteger do frio. Assenti, tentando controlar o nervosismo enquanto saíamos do compartimento. O corredor estava repleto de alunos a mexer-se em todas as direções, a cumprimentarem-se uns aos outros, enquanto carregavam os seus pertences. Ao sair do comboio o ar frio de Hogwarts atingiu-me e o som de uma voz forte ecoou na noite.
- Primeiranistas! Por aqui! – Um homem gigante de barba espessa e um sorriso acolhedor disse, enquanto segurava uma lanterna. Olhei surpresa com o seu tamanho e presença.
- Quem é? – perguntei a Lyra, curiosa.
- O Hagrid, o guardião das chaves e dos terrenos de Hogwarts.
Observei-o, intrigada, enquanto ele guiava os alunos mais novos. Tinha um ar gentil, apesar da aparência impressionante. À medida que seguíamos até às carruagens, percebi que estas eram puxadas por criaturas que eu já ouvira falar, mas que nunca tinha visto: os Thestrals. Eu sabia o que eram, sempre ouvi histórias delas e que só podiam ser vistas por aqueles que já tinham testemunhado a morte de alguém. Perguntei-me, então, se isso significava que ainda não tinha vivido algo suficientemente traumático para que pudesse ver a verdades por detrás destas criaturas.
- São thestrals. – disse Lyra, ao meu lado, como se me tivesse lido os pensamentos. – Só podem ser vistos por quem já presenciou a morte de alguém. Não te preocupes, é normal. Há muitos alunos aqui que nunca os viram. Estás bem assim. – Assenti com a cabeça, nunca tinha perdido ninguém próximo, não tinha visto a morte de perto. Enquanto subia para a carruagem ao lado de Lyra, olhei uma última vez para o espaço vazio, imaginando como seria ver esses seres. Eram como as sombras da vida, pensei, sempre presentes, mas ocultas até que o mundo nos forçasse a encarar o que não podemos evitar.
À medida que íamos caminhando pelos corredores de Hogwarts, a diferença de ambientes não passava despercebida. As paredes de pedra, os quadros antigos e as velas flutuantes não tinham o requinte e a classe de Beauxbatons. Aqui, o lugar, parecia mais robusto, mais cheio de história. Beauxbatons era impecável, como um conto de fadas sofisticado, com os seus jardins luxuosos. Hogwarts em comparação era… rústica.
- É diferente de Beauxbatons. – murmurei, quase sem pensar, as palavras escapando-me antes de as filtrar.
- Beauxbatons? – Lyra perguntou surpresa e curiosa. – Nunca conheci alguém que tenha estudado lá. Conta-me tudo! Como era? Deve ser super diferente daqui, não? – hesitei por um momento, ao pensar em Beauxbatons, senti uma leve pontada de nostalgia. Lembrei-me das fontes de mármore que adornavam os pátios e do aroma suave das flores que permeava o ar.
- Era diferente. – encolhi os ombros. – Mais organizado, tudo com uma certa elegância. Era como um conto de fadas, sabes? – fiz uma pausa. – Mas Hogwarts também é linda, a história aqui é viva em cada parede e isso Beauxbatons não tinha.
- Adorava ter conhecido Beauxbatons. – Lyra olhou-me com interesse. – O que te fez mudar?
- Não foi exatamente uma mudança por escolha. – Respondi. A minha voz soou mais controlada do que eu esperava. Ainda doía pensar nas razões que me trouxeram aqui, mas eu não queria que esse peso fosse partilhado. Não agora. Ela assentiu, introspetiva. Certamente, que percebeu que havia algo mais, mas por respeito ou por não querer pressionar, não perguntou mais.
À medida que nos aproximávamos do Grande Salão, o som de gargalhadas e o cheiro de comida enchiam o ar. Eu ainda não me sentia completamente parte daquele lugar. Mas talvez com o tempo, Hogwarts se tornasse mais familiar.
A porta abriu-se lentamente e o som da conversa foi imediatamente abafado. A visão do salão tomou-me por completa. O teto encantado que imitava o céu de cada dia era uma obra de arte por si só. As velas flutuantes lançavam uma luz suave sobre as longas mesas cheias de alunos. O ambiente estava impregnado com o cheiro de comida, risos e entusiasmo. O aroma de carne assada, pão fresco e tortas doces enchia o ar, e por um momento, o cheiro aqueceu-me por dentro, lembrando-me dos banquetes familiares que costumávamos fazer em casa. Mas aqui, o ambiente era mais... vivo. O Grande Salão parecia pulsar com vida, um coração onde todos os alunos eram as suas artérias.
O famoso Diretor Dumbledore, já estava levantado com o rosto iluminado pelo sorriso familiar, com os óculos ele olhou em volta, fazendo com que todos caíssem em silêncio imediato.
- Bem-vindos ao novo ano em Hogwarts! – a sua voz foi clara e acolhedora. – Este é sempre um momento especial, pois celebramos a chegada de novas mentes brilhantes que contribuirão para o legado desta escola. Como sempre, gostaríamos de lembrar que aqui, todos têm o seu valor e um papel a desempenhar. Espero que este ano seja repleto de descobertas e que possamos aprender, crescer e divertir. – Fez uma pausa. – Agora, sem mais delongas, vamos a uma parte de extrema importância: a escolha das casas! – ele deu um passo atrás e sentou-se outra vez, com um sorriso.
O Chapéu seletor foi colocado no banco e as primeiras seleções começaram. O processo era simples, mas para quem estava no meu lugar, era uma eternidade. Cada vez que um nome era chamado, o aluno avançava até ao chapéu, e eu observava cada reação com fascínio e ansiedade.
- Ashford! – O som do meu nome cortou o silêncio e todos os olhos se voltaram para mim. Senti cada olhar como um peso sobre os ombros, e, embora tentasse manter uma postura firme, o nervosismo apertava-me o peito.
Enquanto caminhava em direção ao banco onde o Chapéu Seletor aguardava, não conseguia afastar os murmúrios do passado. Os Ashford sempre foram conhecidos pela ambição e pela classe — qualidades que, segundo os meus pais, eram sinônimos da grandeza de Slytherin. Eles sempre acreditaram que o meu lugar seria lá, ao lado de gerações de bruxos que construíram o nome da nossa família. Mas Hogwarts tinha outras casas, outras histórias... e, secretamente, eu temia o que poderia acontecer se o chapéu escolhesse uma direção inesperada.
Subi ao banco e fechei os olhos enquanto o Chapéu Seletor tocava a minha cabeça.
– Ah, um nome conhecido, … Ashford! – a voz sussurrante do chapéu ressoou na minha mente. - Vejo que há ambição em ti, mas há algo mais. Uma vontade de se destacar e de encontrar o seu próprio caminho, independentemente do que os outros esperam. Muita curiosidade, mas também uma alma leal... e coragem para desafiar o que te impõem. - Senti uma tensão no peito ao ouvir as palavras do chapéu. Tudo aquilo era verdade. Eu queria encontrar o meu próprio caminho, mas uma parte de mim ainda temia o peso das expectativas da minha família. Quase prendi a respiração, à espera da decisão. – Slytherin poderia ser uma escolha natural… mas não, não é isso o que vejo. Em ti, a lealdade e o desejo de justiça brilham intensamente. – O chapéu fez uma pausa, como se estivesse a ponderar. - A tua casa será… HUFFLEPUFF!
Um coro de exclamações irrompeu da mesa de Hufflepuff, onde os alunos gritaram e aplaudiram de alegria, chamando-me com sorrisos calorosos. No entanto, enquanto olhava ao redor, percebi que não era esse o sentimento que dominava o resto do salão. Muitos rostos ficaram congelados em surpresa, alguns dos alunos de Slytherin até lançaram olhares furtivos e comentários murmurados, trocando sussurros disfarçados com os colegas.
Eu sabia o que significava para eles. Para todos, a notícia de uma Ashford em Hufflepuff parecia inesperada, talvez até uma contradição. No fundo, era uma sentença de desilusão para os meus pais. O peso do sobrenome ainda queimava no peito, e, apesar dos sorrisos de boas-vindas dos Hufflepuffs, eu sentia-me pequena, fora do meu próprio lugar.
Com o coração apertado, comecei a caminhar até à mesa de Hufflepuff, cada passo uma lembrança das expectativas que não tinha conseguido cumprir. Sabia que, para a minha família, Hufflepuff era sinónimo de fracasso, de mediocridade — valores que não tinham espaço no legado que tanto defendiam. Tudo o que eu queria era agradá-los, mas Hogwarts, ao que parecia, já tinha outros planos para mim.
Enquanto me sentava, ainda sentia os olhares em mim. Olhei instintivamente para Lyra, que estava sentada na mesa de Ravenclaw. Ela já estava a observar-me, e, ao cruzarmos o olhar, deu-me um pequeno sorriso encorajador. Aquele simples gesto fez-me sentir uma onda de conforto, algo que eu não esperava encontrar naquele lugar desconhecido.
Tentei concentrar-me na comida e na conversa ao meu redor. Os colegas de Hufflepuff eram simpáticos e acolhedores, e eu respondia com um sorriso tímido aqui e ali, mas, por dentro, ainda me sentia como uma estranha, uma intrusa neste novo mundo.
De repente, um arrepio percorreu-me a espinha. Foi como um instinto, algo que me fez levantar a cabeça e olhar ao redor. Não sabia ao certo o que estava a procurar, até que os meus olhos encontraram os dele.
Do outro lado do salão, à mesa de Slytherin, estava um rapaz que me observava com uma intensidade desconcertante. O rosto dele era sério, os traços marcantes, quase aristocráticos, e o cabelo escuro caía-lhe de forma ligeiramente desarrumada sobre a testa. Mas o que mais me chamou a atenção foram os olhos — profundos, escuros, quase hipnóticos. Parecia que ele conseguia ver mais do que o óbvio, como se estivesse a tentar decifrar algo escondido em mim, algo que nem eu sabia explicar.
Aquele olhar não era amigável, nem curioso no sentido comum. Havia algo frio e calculado na forma como ele me observava, e isso fez-me sentir vulnerável, exposta. Senti o coração acelerar, e desviei o olhar rapidamente, voltando a focar-me na comida, mas era inútil. O desconforto que aquele olhar me causara não desaparecia, como se o peso da presença dele continuasse a pairar sobre mim.
Quem seria ele? E por que estava a olhar para mim com tanta intensidade? Tentei afastar essas perguntas da minha mente, mas elas voltavam, insistentes, enquanto fingia prestar atenção na conversa ao meu redor.
Após o banquete, a chefe de equipa da Hufflepuff — a Professora Sprout — ergueu-se da mesa dos professores e reuniu os alunos novos. Era uma mulher robusta e de ar gentil, com bochechas coradas e um sorriso acolhedor, que me fez sentir um pouco mais tranquila.
- Venham, Hufflepuffs! Vamos mostrar-vos o caminho para a vossa casa. - anunciou a professora Sprout. Os alunos novos da Hufflepuff seguiram-na enquanto ela se dirigia aos corredores da escola, e eu tentava absorver cada detalhe do que via. O caminho era uma verdadeira aventura; passámos por um labirinto de corredores e escadas que pareciam infindáveis. Depois de descer alguns lances de escadas de pedra, começámos a caminhar ao nível do chão, e o ar ficou um pouco mais fresco.
- Estamos a chegar. - disse a professora Sprout, parando em frente a um conjunto de barris empilhados num nicho das paredes de pedra. Ela virou-se para nós, um sorriso divertido no rosto. – A sala comum de Hufflepuff tem uma entrada especial. - explicou, e fez uma pausa, como se estivesse a guardar o segredo por um breve momento. - Para entrar, batem com o dedo no segundo barril do meio, no ritmo de ‘Helga Hufflepuff.’ É um dos segredos que torna o nosso espaço especial.
Observámos enquanto a professora Sprout demonstrava, batendo com precisão nos barris. Quase imediatamente, o barril deslizou para o lado, revelando uma abertura ampla e baixa que dava acesso à nossa sala comum.
A entrada levou-nos a um espaço acolhedor e luminoso, muito diferente do que eu tinha imaginado. Era como entrar num jardim encantado — a sala comum de Hufflepuff estava decorada com plantas exuberantes que caiam do teto e adornavam as janelas, e havia um cheiro suave de ervas frescas no ar. Almofadas macias e poltronas confortáveis estavam dispostas ao redor de mesas de madeira, onde alguns alunos já se acomodavam, rindo e conversando. Pequenas lanternas pendiam das vigas, lançando uma luz dourada que preenchia o ambiente com uma sensação de calor e aconchego. O coração aqueceu-me com o acolhimento do espaço. Ali, parecia que todos eram bem-vindos, e por um momento, os meus receios começaram a dissipar-se.
A professora Sprout guiou-nos até aos dormitórios, e subimos uma escada de pedra em espiral que se abria para pequenos corredores que levavam aos quartos. Entrei no dormitório feminino, onde uma série de camas de dossel estavam dispostas ao longo da parede, cada uma com colchas confortáveis em tons de amarelo e preto.
Enquanto desfazia a minha mala, a absorver ainda o que tinha sido o primeiro dia, ouvi uma voz animada ao meu lado.
- És nova, não és? Eu sou a . - Virei-me e dei de caras com uma rapariga com longos e ondulados cabelos castanho-claros e com uns olhos cheios de curiosidade. A pele dela era levemente bronzeada e as suas bochechas rosadas davam-lhe um ar acessível.
- Sim, sou. Chamo-me .
- Bem-vinda à Hufflepuff, ! Vais adorar. Sabes que a nossa casa é a mais acolhedora de todas, não sabes? – ela aproximou-se de mim e começou a ajudar-me a desfazer as minhas coisas, sem sequer pedir permissão, mas o gesto foi tão natural que eu senti imediatamente o conforto da sua presença.
- Obrigada, .
- Acho que não podias estar em lugar melhor. - Ela continuou a falar sobre a casa com um orgulho evidente, e cada palavra dela fazia-me sentir um pouco mais à vontade, como se Hogwarts estivesse, finalmente, a parecer mais familiar.
Quando desfiz a minha mala, continuava a falar sobre os professores, as aulas e as suas próprias aventuras como Hufflepuff. A cada história que ela contava, o meu riso surgia mais facilmente, e a tensão dos ombros relaxava. De repente, apontou para uma das colchas com os emblemas da Hufflepuff .
- Aqui temos a tradição de bordar os nossos próprios nomes nelas. É uma coisa que nos une. Se quiseres, posso ajudar-te com o teu. O meu ainda está meio torto, mas é o meu! - Ri-me, imaginando o esforço e o orgulho de naqueles pequenos detalhes. Ela oferecia uma visão simples e honesta sobre Hogwarts, e era isso que tornava tudo tão genuíno.
- Ia adorar. – disse e sorriu.
O suave som de passos pelo dormitório fez-me abrir os olhos. A luz da manhã entrava timidamente pelas janelas e, por um instante, esqueci-me de onde estava.
- Finalmente, !! – Uma voz animada soou ao meu lado, com dificuldade, percebi , em pé, perto da minha cama. Estava já vestida com o uniforme impecável de Hufflepuff, o cabelo preso num rabo-de-cavalo desajeitado. – Estou à tua espera na sala comum, para depois irmos tomaar o pequeno-almoço. – Sorri, enquanto ela saía do dormitório. Levantei, tomei um duche rápido e vesti o uniforme. O símbolo de Hufflepuff bordado na capa lembrava-me das expectativas dos meus pais e de como este não era o destino que eles desejavam. Mesmo assim, havia algo de confortante na ideia de começar num lugar onde as pessoas me acolhiam. Assim que terminei de me arrumar, desci até à sala comum, onde estava á minha espera.
- Vamos! Quero garantir que conseguimos um bom lugar no Salão Principal. – Agarrou no meu braço.
Ao entrarmos no Salão Principal, fui imediatamente envolvida pelo som animado das conversas e o cheiro acolhedor da comida. As mesas estavam cobertas de pratos coloridos, e puxou-me para um dos bancos na mesa de Hufflepuff.
Eu servia-me de um pouco de pão e fruta quando um rosto, na mesa de Slytherin, chamou a minha atenção. Era ele. O rapaz que ontem à noite me lançara aquele olhar intenso e que deixara um rastro de inquietação em mim. Ele estava sentado mais distante, conversava casualmente com alguns colegas, o rosto sério, mas misterioso. Hoje, no entanto, ele não estava a olhar para mim. Porém, a sua presença continuava a ter um efeito estranho, quase magnético.
- Quem é? – Aproximei-me de e perguntei baixo, para que apenas ela ouvisse. seguiu o meu olhar até à mesa de Slytherin e revirou os olhos, como se já soubesse exatamente a quem me referia.
- Aquele é o . – disse com indiferença e desprezo. – Ele é… bem, toda a gente sabe que ele é arrogante e que tem a mania da superioridade.
- Arrogante? Como assim?
- Slytherin em estado puro. Ambicioso e prepotente. Se por acaso tiveres aulas com ele, vais perceber. – explicou, agarrando num pedaço de pão com mel e dando uma trinca. - A maioria das pessoas evita cruzar-se com ele, mas há quem se encante pela sua… sei lá, presença. Nunca o vi interessado em ninguém, mas parece que todos gostam de o observar.
A descrição dela deixava-me intrigada, mas antes que pudesse responder, o meu olhar cruzou-se novamente com o dele. tinha levantado os olhos do prato e, por um breve instante, olhava diretamente para mim. O meu corpo reagiu com um arrepio, e o calor da sala pareceu desaparecer por um segundo. Aqueles olhos tinham uma profundidade quase assustadora, como se me desafiassem a desvendar os seus segredos, mas ao mesmo tempo advertissem para ficar à distância.
Ele desviou o olhar de forma tão natural quanto o tinha lançado, voltando a conversar com os colegas como se nada tivesse acontecido, mas o impacto daquele momento permaneceu.
- Vês o que quero dizer? - sussurrou , percebendo o meu desconforto. - Ele pode ser muito intimidante. – Assenti em concordância.
Após o pequeno-almoço, segui pelos corredores até à nossa primeira aula de Defesa Contra as Artes Negras. A minha mente estava repleta de nervosismo e curiosidade, absorvendo cada detalhe ao redor e tentando controlar o coração acelerado.
Quando entrámos na sala de aula, reconheci um rosto familiar, Lyra, que estava a conversar com uma rapariga loira com o uniforme de Gryffindor. Assim que me viu, Lyra sorriu e fez-me sinal para me aproximar, parecendo genuinamente feliz em me ver.
- ! Que bom ver-te! – disse Lyra com um sorriso. Ao seu lado, a rapariga loira olhava-me com um interesse indisfarçado. - Esta é a Eloise Midgen. Eloise, esta é a . - Antes que pudesse responder, a rapariga, Eloise, deu-me um sorriso direto e falou sem rodeios.
- Eu sei quem tu és. Ashford de Beauxbatons. Acho que toda a escola ouviu falar de ti. - As palavras diretas dela fizeram-me parar por um momento, o rosto a aquecer ligeiramente.
- Parece que sim. – respondi, tentando não transparecer o desconforto.
- Os Ashford são conhecidos. Mas estou ansiosa para te conhecer. Nem sempre todos os rumores são verdeiros, certo? – Eloise disse com uma mistura de provocação e simpatia genuína. Lyra riu, intrometendo-se.
- Eloise, calma! A ainda está a tentar adaptar-se. – estava prestes a responder quando a professora Merrythought entrou na sala, pondo fim ao momento
Assim que a professora Merrythought entrou na sala, todos se calaram, e eu apressei a sentar-me ao lado de . A professora tinha uma presença calma e segura, que imediatamente inspirava confiança.
- Bom dia, alunos! - disse ela, num tom firme e acolhedor. - Hoje vamos começar com uma introdução ao feitiço Expelliarmus, um feitiço essencial para se defenderem de ameaças. - Tirei o caderno e comecei a anotar as instruções com toda a atenção, querendo garantir que absorvia tudo. A professora explicava a técnica de defesa com precisão, detalhando a importância da postura e do movimento da varinha. Enquanto ouvia, não consegui evitar que os meus olhos passeassem pela sala. Foi então que o vi. Estava na fila ao lado da minha, ligeiramente à frente, com a expressão séria e focada. Era ele, o rapaz que eu vira no Salão Principal, aquele que me causava arrepios sem sequer tentar. .
Ao lado dele estava outro rapaz de Slytherin, que tinha apontado antes como . Estavam ambos focados, mas exalava uma confiança inquietante, como se a aula fosse quase demasiado básica para ele. De alguma forma, o meu olhar voltou-se para ele, intrigada, antes de desviar rapidamente.
- Agora, quero que cada um de vocês pratique o movimento sozinho. - instruiu a professora, caminhando pela sala para observar os alunos, que se espalhavam, pela mesma.
Respirei fundo e levantei a varinha, determinada a concentrar-me. ao meu lado sorriu, encorajadora.
- Não te preocupes, vais conseguir. - Ela já dominava o feitiço com facilidade, e eu sentia a pressão a aumentar.
Levantei a varinha e tentei conjurar o feitiço, mas apenas uma faísca fraca emergiu da ponta. Mordi o lábio e tentei de novo, sentindo o rosto a aquecer quando o feitiço não resultou pela segunda vez. Foi então que uma voz suave e amistosa soou ao meu lado.
- Tens de relaxar o pulso e manter a varinha um pouco mais erguida. A prática ajuda, acredita. - Virei-me para o lado e encontrei o olhar de um rapaz de Slytherin, com uma expressão descontraída. Era , o mesmo que eu tinha visto ao lado de durante o pequeno-almoço e agora na aula.
- Obrigada. – murmurei, e senti o nervosismo suavizar um pouco. A simpatia dele era inesperada, ainda mais vindo de alguém da mesa de Slytherin. Fiz como ele sugeriu e, ao tentar novamente, o feitiço saiu mais forte, ainda que não perfeito.
Assim que a aula terminou, guardei rapidamente o caderno e a varinha. estava à minha espera na porta, e logo nos juntámos a Lyra e Eloise, que nos aguardavam do lado de fora, já envolvidas numa conversa animada.
- Acho que foi uma boa primeira aula. - disse Lyra. – E conseguiste dominar o feitiço no final, .
- Sim, mas também tive uma pequena ajuda. – admiti, lembrando-me do conselho de .
- Pois, eu reparei. – disse Eloise, num tom inconfundível. – O a ajudar-te. Um Slytherin, imagina! Cuidado, , porque eles nunca fazem nada sem um motivo oculto. - Ela gesticulou com as mãos, enfatizando cada palavra. - Não há um único Slytherin que preste, acredita em mim.
- Oh, vá lá, Eloise. Nem todos os Slytherins são assim tão terríveis. – disse após lançar uma gargalhada. Eloise revirou os olhos.
- Ok, mas eles têm sempre um plano escondido. O até pode parecer simpático, mas Slytherins são manipuladores. – Eu ri-me devido à intensidade com que Eloise contava as coisas.
- Achas mesmo assim tão maus? – perguntei, curiosa.
- Nem te passa pela cabeça.
- Eloise, és uma exagerada. – Lyra disse num tom leve. – Mas , se algum Slytherin te quiser ajudar, podes decidir por ti mesma se vale a pena. Nem todos são iguais.
Capítulo II
Saí da sala de Defesa Contra as Artes Negras ao lado de , mantendo o passo lento e calculado enquanto a multidão de alunos seguia pelos corredores. O sexto ano em Hogwarts representava um período crítico. Mais um passo no meu percurso, mais uma oportunidade de consolidar aquilo que eu já sabia ser inevitável: tornar-me alguém a quem todos olhassem com respeito.
Estar em Hogwarts, para mim, sempre fora mais do que o simples aprendizado das disciplinas ou o domínio da magia. Estas paredes de pedra são o palco perfeito para quem sabe como dominar cada peça e manter as variáveis sob controlo.
Cada rosto que passava ao meu redor era uma potencial vantagem ou uma ameaça a considerar. Alunos de todas as casas e linhagens, cada um com as suas pequenas ambições, tão limitadas comparadas com o que eu vislumbrava. Hogwarts não era apenas um lugar de ensino; era o local onde eu poderia testar, manipular e, talvez, encontrar algo que ainda desconhecesse.
Ao longo dos anos, criei um círculo de influência entre os meus colegas, uma rede sutil de relações que me servia bem. , ao meu lado, era um bom exemplo disso. Com uma natureza descontraída e acessível, ele era, em muitos aspetos, o meu oposto. Enquanto eu mantinha a minha distância e os meus segredos, era aberto, afável e, por vezes, até leviano. No entanto, ele era útil. A sua natureza despreocupada e o seu jeito simpático ofereciam-me uma cobertura conveniente, permitia-me observar sem ser notado, movendo-me entre as interações como um maestro a compor uma peça silenciosa.
Foi então que, ontem à noite, no meio do costumeiro jogo de peças e rostos, uma nova figura surgiu no tabuleiro: Ashford. Ela captou o meu olhar por uma, ou duas vezes. Olhar este apenas pela peculiaridade da sua presença. Filha de uma família de puro-sangue e com reputação, vinda de Beauxbatons, e… colocada em Hufflepuff? Algo ali não fazia sentido. As famílias antigas raramente fazem concessões, e transferências como esta são ainda mais raras. Então, o que a trouxe aqui? E mais do que isso, o que a manteve ali, numa casa que não parecia adequar-se ao prestígio da linhagem Ashford? A maioria dos alunos seguiria com as suas vidas sem questionar o que estava fora do seu alcance imediato. Mas eu não. Hogwarts tinha os seus segredos, e Ashford, uma variável inesperada, era agora algo que eu não pretendia ignorar.
Enquanto caminhávamos pelos corredores, ainda a pensar no que Ashford estava a fazer em Hogwarts, lancei um olhar de lado a . Ele mantinha a expressão despreocupada de sempre, e era exatamente essa natureza acessível que me incomodava, especialmente depois de o ver a ajudar na aula.
- . – disse, com um tom casual, mas suficientemente firme para captar a sua atenção. - Vejo que tomaste a liberdade de ajudar a nova aluna. A Hufflepuff.
- Sim, , certo? – lançou-me um olhar divertido, levantando uma sobrancelha com um sorriso despreocupado. - Pareceu-me que precisava de uma pequena orientação. O que foi? Achas que eu devia deixá-la a lutar sozinha?
- Ela não é propriamente uma das nossas. - Mantive a expressão neutra, mas as palavras saíram com uma leve rigidez. - Normalmente, não te vejo a oferecer ajuda sem um bom motivo. – encolheu os ombros.
- Bem, digamos que tenho um ponto fraco por novatas desamparadas. E ela parecia… interessante. – ele riu. Fiz uma pausa, mantendo o olhar fixo em frente enquanto processava a resposta dele. tinha a sua maneira de agir e era precisamente essa leveza que me irritava, mas que, por outro lado, me tornava conveniente ter alguém como ele ao meu lado.
- Interessante? – perguntei, mais para mim do que para ele. não via as pessoas como peças de um jogo; para ele, uma curiosidade era apenas isso. Mas para mim, a curiosidade era um sinal de algo potencialmente útil — ou perigoso.
Deixámos a conversa ali, e seguimos para as masmorras, onde a aula de Poções estava prestes a começar. Entrámos na sala do Professor Slughorn, que já estava a preparar os ingredientes para a aula, e escolhemos os nossos lugares habituais, um pouco mais afastados do centro. Era mais fácil observar a turma a partir dali.
Foi então que entrou com as três amigas, ocupando uma mesa próxima. Ela parecia focada em absorver o ambiente ao redor, com o rosto meio iluminado pela luz das poções ferventes. Mantive-me atento, ainda que de forma discreta, curioso sobre como se comportaria numa aula mais avançada.
A aula começou com o Professor Slughorn a explicar a complexidade da poção do dia: o Amortentia. Era a poção do amor mais poderosa do mundo, e a sala pareceu ganhar vida com murmúrios e risinhos abafados. Ele fez questão de ressaltar que a poção não cria sentimentos verdadeiros, apenas uma atração ilusória, uma lição que parecia intrigá-los ainda mais.
Enquanto ele distribuía ingredientes raros, o olhar de não desviava dos frascos e ervas dispostos à frente. Ela parecia estar a absorver cada detalhe com uma concentração admirável. Era quase como se a magia da poção estivesse já a funcionar, mas não pelos seus efeitos; parecia fascinada pela ciência oculta e a arte dos ingredientes.
Do meu lugar, observei tudo, atento a cada detalhe enquanto o Professor Slughorn se aproximava da mesa de . Ela estava claramente concentrada, o olhar fixo no caldeirão, o rosto iluminado pela luz prateada da poção. Até eu conseguia perceber que a sua Amortentia estava… quase perfeita, o que, claro, irritava-me. Há anos que eu liderava em Poções, e agora aquela aluna nova conseguia este nível de precisão?
- Minha querida, esta é… extraordinária! - Slughorn, inevitavelmente, ficou impressionado. Inclinado sobre o caldeirão de . - Há anos que não vejo um aluno preparar um Amortentia tão perfeito. A cor, o brilho… e esse aroma intenso, é exatamente como deve ser!
O murmúrio que percorreu a turma era insuportável. Eu senti uma onda de irritação misturada com frustração e, antes de perceber, já estava a intervir, falando alto o suficiente para todos ouvirem.
- Professor, está claro que é uma ótima poção, mas esse ligeiro brilho não é típico do Amortentia. Não será um sinal de que talvez o último ingrediente foi adicionado um pouco antes do tempo? - O silêncio na sala intensificou-se, e todos os olhares voltaram-se para , que mantinha uma expressão firme, mas era evidente que tentava processar o que eu dissera. Slughorn olhou de relance para o caldeirão dela, analisando a questão com atenção. Por um instante, o professor pareceu ponderar o meu comentário, mas acabou por soltar uma leve risada.
- Sempre atento, . De facto, há um leve brilho, mas nada que comprometa a eficácia da poção. Diria até que acrescenta um toque especial.
Ela não respondeu. Em vez disso, levantou o olhar com uma expressão de pura irritação contida. Os seus olhos, normalmente, serenos, ardiam agora com uma intensidade furiosa que parecia penetrar o ar. Esse momento de confronto silencioso trouxe-me uma satisfação peculiar. Ela não tinha caído na armadilha das palavras, mas o seu olhar furioso deixava claro que a minha pequena provocação a tinha afetado. E isso era tudo o que eu precisava para saber que estava no controlo. Sorri, um sorriso lento, deixando que percebesse que o meu ataque fora deliberado e que não me arrependia nem um pouco. Ao vê-la desviar o olhar e retomar a sua atenção para a poção, o meu sorriso cresceu ligeiramente. Se ela pensava que isso me iria intimidar, estava enganada.
lançou-me um olhar divertido assim que voltou a focar-se na poção, e eu percebi o pequeno sorriso que se formava no canto da sua boca. Ele inclinou-se para mim, mantendo a voz baixa, mas carregada de ironia.
- Foi uma bela ajuda, . - Fingi ignorá-lo, focando-me na poção à minha frente. – Sabes, normalmente não és de oferecer correções públicas. – Ele lançou-me um olhar de soslaio. – Tens uma rival à altura ou será que estou a ver coisas?
- Rival? – repeti a palavra com um toque de desprezo. – Apenas um ajuste necessário. Preciso de assegurar que a aula mantenha um certo padrão. – soltou um riso contido.
- Oh, claro, um favor nobre para todos nós. – Ele voltou a olhar para a poção dela. - Admito, é raro ver alguém tirar-te do sério, ainda que seja um bocadinho. - Continuei a mexer a poção, fingindo não perceber a insinuação.
- , não estou ‘incomodado.Simplesmente, gosto de corrigir o que precisa de ser corrigido.
- Claro, . – disse ele, com um sorriso astuto.
Ashford
Ao sair da aula de Poções, senti o rosto ainda ligeiramente quente. O comentário de , feito em voz alta para todos ouvirem, deixou-me desconcertada, e o sorriso frio dele, após, ecoava na minha mente. Elas estavam à minha volta, já em plena discussão sobre o episódio, enquanto caminhávamos pelos longos corredores.
- Ele tem uma mania de superioridade que nem se aguenta! – Eloise disse com um indignado. - Quem é que ele pensa que é, para fazer esse tipo de comentário na frente de toda a aula? A sério, , ele é um completo arrogante!
- Ele tem que ser sempre o melhor em tudo. Provavelmente achou que era uma boa oportunidade para mostrar isso a toda a turma. – Lyra acrescentou. - Mas se ele se deu ao trabalho de comentar, é porque percebeu que tu te saíste bem, . Talvez o incomodes um pouco. - Eu corei novamente, mas , que tinha estado calada até então, olhou-me com um ar intrigado.
- Na verdade, o que me surpreende é que ele se tenha dado ao trabalho de dizer alguma coisa… publicamente. O não é de interações ou comentários públicos nas aulas. Geralmente, ele mantém-se mais reservado.
- Por que achas que ele o fez? – perguntei e ela encolheu os ombros.
- Não sei. Mas ele repara em tudo. Se comentou, é porque, de alguma forma, tu captaste a atenção dele. Não quer dizer que seja algo bom… mas ele notou.
- , a sério, não deixes que ele te afete. – Eloise pediu.
- Se ele acha que pode intimidar-me só porque se deu ao trabalho de fazer um comentário em voz alta… então está muito enganado. – disse, ao lembrar-me do de superioridade dele.
Juntas, entrámos no Salão Principal, onde as longas mesas estavam já cheias de pratos e travessas com os mais variados alimentos. Sentei-me com na mesa de Hufflepuff, determinada a aproveitar o almoço e deixar fora dos meus pensamentos, pelo menos por agora. Conversávamos com alguns alunos inclusive, quando uma figura inesperada passou pela nossa mesa. , com o seu andar descontraído, aproximou-se o suficiente para ser notado por mim.
- Bom trabalho na aula de Poções, ! - disse ele, num tom casual, mas suficientemente audível. - Acho que conseguiste mais do que uma aprovação do professor. – Olhei para ele surpresa, mas antes que pudesse responder, ele continuou com um brilho de ironia nos olhos. - Não é todos os dias que alguém faz o falar em público. Parabéns! – acrescentou antes de se afastar em direção à mesa de Slytherin. Senti o olhar de fixo em mim, e a expressão no rosto dela era tudo menos divertida. Ela estreitou os olhos ligeiramente, como se tentasse processar o que acabara de acontecer.
- Que confianças é que ele tem? – perguntou, num tom baixo, claramente incomodada. - Se acham que podem descer aqui e provocar-te, têm outra coisa à espera. - Também não percebi a intenção. – segui com o olhar, vendo-o sentar-se ao lado de , como de habitual.
- Devem pensar que Hogwarts é o palco deles. – soltou um suspiro irritado, fazendo-me rir.
Enquanto continuava a olhar para a mesa de Slytherin, onde agora conversava com , senti uma onda de desconforto e incerteza. O comentário dele ainda ecoava na minha mente, carregado de uma ironia que não conseguia entender completamente. Era como se fosse um aviso ou um jogo em que eu nem sequer sabia as regras. Não gostava da ideia de estar debaixo do olhar deles, mas havia algo que me intrigava, algo que não queria admitir.
O resto do dia passou num misto de aulas e tentativas de me adaptar ao ambiente de Hogwarts. Cada sala tinha a sua própria atmosfera, cada disciplina um ritmo diferente, e cada professor uma peculiaridade que tornava tudo novo e ligeiramente desconcertante.
As aulas seguintes exigiram concentração, mas, entre uma troca de livros e uma pausa rápida nos corredores, não consegui afastar completamente o que acontecera durante o almoço. A presença de e continuava a pairar sobre mim, como uma sombra invisível, e sempre que os via de relance, sentia o meu peito apertar. Algo em mim sabia que aquele primeiro dia era apenas o começo de uma dinâmica que eu ainda não compreendia por completo.
continuou ao meu lado, sempre com um comentário animado ou uma observação sobre os outros alunos, ajudando-me a aliviar a tensão que parecia seguir-me desde a aula de Poções. Ela esforçava-se para me fazer rir e distrair, falando sobre as histórias de Hogwarts e alguns dos feitiços mais engraçados que vira em ação. A sua companhia era um alívio constante.
Quando finalmente chegámos ao final das aulas, senti o peso do dia a desvanecer-se ligeiramente. Caminhámos de volta para a sala comum de Hufflepuff, onde o ambiente acolhedor e as luzes suaves me deram uma sensação de paz inesperada. Era como um refúgio, longe de olhares curiosos e julgadores.
O ambiente da sala comum de Slytherin era envolto em sombras e em tons de verde e prata, refletindo a luz filtrada pelo lago. Acordar ali, rodeado por um silêncio frio, era algo que sempre apreciei. A maioria dos alunos ainda não se levantara, e este era um dos raros momentos em que o castelo oferecia uma calma ininterrupta.
Levantei-me e comecei a organizar-me para o dia, os movimentos controlados e meticulosos, como sempre. Quando saí para o corredor, encontrei-me com alguns alunos que já seguiam em direção ao Salão Principal. Entre eles, Vera Flint, que imediatamente acelerou o passo para me acompanhar. Conhecia bem aquele olhar que ela lançava na minha direção, um brilho que mantinha desde o nosso primeiro ano.
- Bom dia, . – disse ela, num tom suave, quase meticuloso, enquanto me oferecia um sorriso. Os seus olhos percorriam o meu rosto, estudando cada detalhe.
- Bom dia. – respondi, sem alterar o tom neutro da voz, continuando o caminho sem fazer questão de prolongar a interação. Vera, no entanto, não parecia deter-se por isso, e continuou ao meu lado.
- Estava a pensar… nas aulas de Ruínas Antigas, se pudesses ajudar-me com alguns detalhes. - Eu apenas acenei, sem me comprometer com uma resposta. Vera continuou a falar, como se o silêncio fosse um convite para a sua conversa. E, como sempre, ela encontrou um lugar próximo a mim quando nos sentámos para o pequeno-almoço no Salão Principal.
Eu continuava a ouvir o murmúrio constante de Vera ao meu lado, os elogios velados e as perguntas que insistia em lançar-me. Tentei manter-me alheio, focado em pensamentos aleatórios, até que se juntou a nós, com o seu sorriso descontraído e ar de quem estava sempre um passo à frente de todos.
- Bom dia, . Vera. - disse ele, enquanto se sentava. Logo a seguir, Selina Lestrange, a inseparável amiga de Vera, surgiu e ocupou o lugar ao lado dela.
Levei o pão à boca, quando ergui o olhar para a Mesa de Hufflepuff, encontrando , ao lado de , ouvindo atentamente o que ela dizia. Parecia absorvida na conversa, alheia ao burburinho em volta. Havia uma calma nela que me intrigava, uma espécie de concentração que não parecia afetada pela curiosidade que inevitavelmente suscitava.
- Estás a dar-lhe mais atenção do que ela merece, . Sinceramente, não consigo entender. Uma Hufflepuff... – Vera, que tinha seguido o meu olhar, comentou, soltando um suspiro. Revirei os olhos, sentindo a paciência a esgotar-se.
- Qual é o teu problema, Vera? – perguntei, num tom mais frio ainda do que o habitual. , ao meu lado, abafou uma risada, divertido com o desconforto evidente dela. Vera olhou-me, ligeiramente atónita.
- Só estou a dizer que o sobrenome Ashford tinha tanto potencial. Mas ela acaba em Hufflepuff… - murmurou com desprezo.
- Sim, a tradição dos Ashford merece mais do que alguém que acaba numa casa insignificante. - Selina, sempre em concordância com Vera, anuiu, lançando um olhar calculado para a mesa de Hufflepuff.
- É fascinante, não é? – não se conteve e riu alto, chamando a atenção de alguns. - Afinal, parece que a Ashford causa uma comoção maior do que esperávamos.
- Não percebo qual é que é a graça, . – Disse Vera irritada. – Só estou a constatar o óbvio.
- A graça, minha cara Vera, é ver como um simples nome e uma casa podem suscitar tanta frustração. – ele disse, com o seu sorriso despreocupado. – Curioso como te incomoda tanto.
- Não estou frustrada, apenas desiludida. Não faz sentido desperdiçar um bom nome. – Vera cerrou os lábios.
olhou para mim de soslaio, claramente à espera de uma reação minha, mas limitei-me a erguer o copo, ignorando a conversa. A verdade era que os comentários constantes de Vera e Selina tornavam-se um aborrecimento desnecessário, e a forma como falavam de soava ridícula. Ainda assim, deixei o assunto cair no vazio, sem dar mais atenção ao desconforto delas. Afinal, estava certo, a presença de causava uma comoção interessante.
A aula de Ruínas Antigas era uma das poucas em que conseguia manter a concentração completa, sem distrações. O professor, um homem de idade avançada e com um profundo respeito pela magia ancestral, conseguia cativar a atenção de quase todos, embora alguns alunos não tivessem o mesmo interesse.
Esta era a única aula que eu não tinha com , e Vera, aproveitou a oportunidade para deslizar para o lugar vazio ao meu lado, lançando-me um sorriso satisfeito. Suspirei internamente, mas mantive-me focado no pergaminho à minha frente, tomando apontamentos meticulosamente.
Durante a aula, Vera inclinava-se ocasionalmente na minha direção, sussurrando perguntas e observações sobre o conteúdo, embora notasse que o fazia mais para criar alguma proximidade do que por interesse genuíno.
Mantive o foco nos meus apontamentos, ignorando os tons insinuantes dela, até que o professor encerrou a aula. Assim que foi possível, arrumei os pergaminhos e saí rapidamente, não dando a Vera tempo para prolongar a conversa.
Mais tarde, no intervalo, encontrei-me com na ala oeste, como combinado ontem, onde o ambiente era mais calmo e afastado. Ele estava encostado a uma coluna, com o sorriso habitual e uma expressão intrigada, como se já soubesse o que eu ia dizer. Quando me aproximei, ele endireitou-se, cruzando os braços num gesto descontraído?
- Então, ? Como é que correu a última reunião do Slug Club? Imagino que o Slughorn esteja a preparar alguma nova coleção de talentos. – soltei um leve sorriso.
- O Slug Club é mais útil do que parece. O Slughorn é previsível nas suas intenções, mas o círculo que ele cultiva pode ser vantajoso. - Fiz uma pausa, lançando um olhar atento a . - Muitos dos seus preferidos vêm de linhagens e famílias influentes. Alianças silenciosas agora podem tornar-se poderosas mais tarde. - acenou lentamente, absorvendo as minhas palavras.
- Interessante. E quem são os alvos principais? Tens alguém em mente?
- Há alguns que podem ser úteis, pelo menos enquanto servem os meus interesses. Cormac McLaggen, por exemplo, é insuportável, mas a influência da família dele em certos círculos do Ministério pode ser vantajosa. Depois, há o Blaise Zabini… sangue-puro, bem posicionado. O Slughorn adora rodear-se de conexões como essas. – riu baixinho.
- Estás a construir uma rede, ?
- Estou a plantar as sementes certas. O Slug Club pode ser irritante, mas é vantajoso. Estares presente seria uma jogada inteligente. – Sugeri, num tom moderado. Tinha-me reunido com para o tentar convencer. arqueou a sobrancelha com uma expressão divertida.
- , sabes que esse tipo de “reuniões sociais”, não são exatamente a minha cena. Tens um talento especial para navegar nesse ambiente. Eu, por outro lado, prefiro um campo menos… diplomático. - Revirei os olhos ligeiramente, sem ocultar a irritação.
- Não se trata de diplomacia, . Trata-se de acesso. Slughorn abre portas, e o Slug Club é uma forma de conhecer as fraquezas e ambições de outros alunos. Conhecimento é poder, e saberes onde estás a pisar dá-te vantagem.
- Sim, mas fingir interesse por meia dúzia de herdeiros entediantes e ouvir o Slughorn a gabar-se de conexões com bruxos famosos? Prefiro evitar.
- Vês tudo demasiado simples. – insisti. - Não é só sobre ouvir Slughorn. É sobre fazer com que os outros pensem que estamos interessados neles, que somos aliados. Mesmo que estejas presente apenas para observar, isso basta.
- Não, . – marcou a posição. - Aprecio o teu raciocínio, mas o Slug Club simplesmente não é para mim. Prefiro um bom duelo a uma sala cheia de gente que se acha importante. – Suspirei, percebendo que não iria convencê-lo tão facilmente. era teimoso em manter-se afastado dessas intrigas sociais, algo que, em algumas situações, o tornava útil, mas neste caso apenas complicava as coisas. - Eu prefiro observar de longe, sem me misturar com os teus ‘futuros aliados. – riu.
Estava a meio de uma frase, ainda a tentar persuadir , quando o som de passos suaves ecoou pelo corredor. Ambos olhámos na direção do ruído e percebemos que Ashford estava parada, a olhar, de uma certa distância, parecendo incerta. O rosto dela revelava surpresa e desconforto, mas havia algo mais – uma curiosidade hesitante que a impedia de se afastar. soltou uma risada contida, cruzando os braços com um sorriso astuto.
- Ora, ora… parece que temos bisbilhoteiras em Hufflepuff. - disse ele, suficientemente alto para que ouvisse. Ela endireitou-se de imediato, visivelmente desconcertada.
- Procuravas algo, Ashford? - perguntei num calmo, mas a intensidade na voz não deixava dúvidas de que esperava uma resposta.
Ashford
Saí da aula de Astronomia, a minha opção de estudo, com o pensamento ainda preso nas constelações e nos alinhamentos celestes. Era uma das minhas disciplinas preferidas, onde me sentia livre para explorar o universo sem barreiras. Com a mente cheia de novas ideias, decidi que era o momento perfeito para passar pela biblioteca e procurar um livro que me ajudasse a aprofundar os estudos.
Enquanto caminhava pelos corredores, segui por uma passagem estreita, convencida de que me levaria diretamente ao andar certo para a biblioteca. Hogwarts era um labirinto de corredores e escadarias que mudavam inesperadamente, e, às vezes, o castelo parecia ter vontade própria, conduzindo-nos para direções imprevisíveis.
Passei por várias tapeçarias antigas e por um arco decorado com runas, até que comecei a ouvir vozes ao longe. Era um som abafado, mas intrigante, o suficiente para captar a minha atenção. Sem perceber que estava a afastar-me do caminho para a biblioteca, continuei a seguir o som, tentando ouvir mais claramente.
Quando finalmente consegui distinguir as palavras, parei junto a uma coluna, escondendo-me parcialmente. As vozes vinham de dois alunos e, embora não conseguisse vê-los completamente, reconheci uma das vozes imediatamente: . O tom dele era firme, e as palavras ecoavam no corredor com uma frieza controlada.
- Não se trata de diplomacia, . Trata-se de acesso. - dizia ele. – O Slughorn abre portas, e o Slug Club é uma forma de conhecer as fraquezas e ambições de outros alunos. Conhecimento é poder, e saberes onde estás a pisar dá-te vantagem.
Comecei a pensar sobre os outros alunos que Slughorn escolhera. Seriam todos parte de uma rede oculta, manobrada subtilmente? Sentia-me ao mesmo tempo fascinada e inquieta com a revelação. Enquanto o pensamento se formava, senti um arrepio. Estava a perceber que Hogwarts tinha várias camadas de influência e poder, e que sabia exatamente como movê-las a seu favor. Quando tentei processar todas essas ideias, o tom irônico de interrompeu os meus pensamentos.
- Ora, ora… parece que temos bisbilhoteiras em Hufflepuff. - disse ele, com um sorriso ligeiramente divertido. O meu coração disparou e senti o rosto a aquecer.
Endireitei-me, tentando esconder o embaraço. olhava para mim agora, os olhos fixos, intensos e calculadores. Ele não parecia nem irritado nem surpreso, apenas avaliador.
- Procuravas algo, Ashford? - A voz dele soou calma, mas com um toque de frieza que me deixou inquieta.
- A biblioteca. – disse secamente, tentando justificar a minha presença.
- A biblioteca, claro. – riu, claramente a divertir-se com o meu desconforto. – Mas encontraste algo bem mais interessante, não foi? - permaneceu em silêncio, o olhar fixo em mim como se esperasse uma explicação que eu não estava preparada para dar. A verdade era que não sabia o que responder; tinha sido apanhada a ouvir uma conversa que claramente não era destinada aos meus ouvidos.
- Mas se querem manter segredos, talvez devessem escolher um lugar mais isolado. – disse, mais firme do que eu esperava.
- Parece que a Hufflepuff tem um pouco de espinha dorsal. – olhou para , sorridente, que se manteve impassível, mas o brilho nos seus olhos escureceu ligeiramente. Ele deu um passo à frente, encurtando a distância entre nós, o que me fez sentir uma mistura de desconforto e desafio.
- Cuidado, Ashford. Nem todas as conversas são para quem não sabe o que fazer com o que ouve.
- O que é o Slug Club, afinal? – perguntei, sem hesitar, mantendo o meu olhar fixo no de . Percebi uma sombra de surpresa, nos olhos de . inclinou a cabeça, o olhar a estudar-me como se fosse uma peça de xadrez.
- Uma oportunidade. Para quem sabe aproveitar oportunidades.
- Vago. – respondi direta. Ele esboçou um sorriso sem emoção.
- Acredito que conheças bem o conceito. Afinal, a tua transferência para Hogwarts também é um pouco… sem sentido, não achas? - Fiz o possível para não reagir, mas senti o rosto aquecer ligeiramente.
- Talvez devas ter atenção à forma como falas, . Porque, ao contrário do que tu pensas, estou um passo à frente de ti. - Um brilho de surpresa cruzou brevemente o rosto de antes de ele recuperar a expressão controlada. , ao lado dele, arqueou uma sobrancelha, observando-me agora com um interesse renovado.
- Interessante. – ele murmurou. – Cuidado ao dares o passo em frente, nunca se sabe o que podes encontrar.
- Eu posso lidar com o que quer que encontre. A questão é se tu podes. - Sem esperar por uma resposta, mantive o meu rosto impassível, virei-me e comecei a afastar-me, deixando ambos a observar-me.
Afastei-me dos dois e quando virei o corredor e me vi sozinha, soltei um suspiro. Decidi concentrar-me na minha tarefa inicial, ir à biblioteca buscar o livro de astronomia para os meus estudos.
Assim que entrei na biblioteca, fui envolvida pelo silêncio e pelo cheiro familiar de pergaminhos e livros antigos. A conversa com estava ainda a ecoar na minha mente, deixando-me inquieta. Fui direto à secção de astronomia e encontrei o livro de que precisava. Decidida a investigar mais sobre o Slug Club, passei os olhos pelas prateleiras repletas de volumes antigos, procurando por qualquer título que pudesse mencionar clubes ou sociedades estudantis de Hogwarts. A pesquisa estava a ser frustrante até que um título quase impercetível chamou a minha atenção: As Marcas do Passado – Registos dos Primeiros Tempos de Hogwarts. Pousei a mão sobre a lombada envelhecida, hesitando. O título sugeria histórias e segredos antigos, e eu sabia que o Slug Club tinha raízes profundas. Talvez houvesse alguma menção ao clube, pensei.
Puxei o livro da estante e segurei-o, sentindo uma estranha vibração, quase como se o próprio livro emanasse uma energia antiga e poderosa. Peguei também noutros volumes relacionados, tentando manter o meu foco na tarefa inicial, mas a curiosidade que As Marcas do Passado despertava em mim era difícil de ignorar.
Quando a noite caiu em Hogwarts, apressei-me a voltar para o dormitório, sentindo uma urgência crescente a cada passo. O dia tinha sido longo, mas o livro que encontrei na biblioteca não saía da minha cabeça. Ao entrar no dormitório, encontrei o espaço silencioso, apenas com a luz das velas a tremeluzir nas paredes. Coloquei-me confortavelmente na minha cama e tirei o livro da mochila, abrindo-o de imediato.
– O que estás a fazer? – A voz de interrompeu o silêncio, e eu olhei para cima, vendo-a a aproximar-se da sua cama ao lado da minha, com um sorriso curioso. – Vais estudar a esta altura do período?
– Vou ler, apenas. – respondi, tentando parecer despreocupada enquanto puxava o livro um pouco mais para o meu colo, escondendo o título. A última coisa que queria era explicar a a estranha sensação de urgência que esse livro me causava. Mas ela, com os olhos ainda fixos em mim, não parecia convencida. Ela acabou por revirar os olhos e soltar um suspiro exagerado antes de se deitar.
– Está bem, está bem. Boa leitura, então!
Assim que a vi acomodar-se, abri o livro. As páginas, envelhecidas e ligeiramente amareladas, estavam cobertas de textos antigos e relatos sobre os primeiros dias de Hogwarts. O livro descrevia os alunos que aprenderam com os próprios fundadores – uma história que parecia perdida ou esquecida ao longo dos séculos.
Folheei as páginas com um cuidado reverente, até que uma delas, para minha surpresa, estava completamente em branco. Estranho, pensei, franzindo o sobrolho. Mas algo me dizia para não virar a página ainda. Passei a ponta dos dedos sobre o papel, e então, diante dos meus olhos, palavras começaram a formar-se, como se uma magia silenciosa se revelasse apenas para mim.
"Aquele que deseja guardar deve buscar o começo onde tudo foi dito e nada esquecido."
Li a frase lentamente, sentindo o peso das palavras a percorrer-me. Era um enigma, uma pista para algo maior, uma instrução que parecia ter sido deixada para quem ousasse procurar. Uma parte de mim sabia que seguir essas palavras significaria entrar numa jornada desconhecida e perigosa, mas a excitação venceu a cautela.
A frase desaparecera, mas as palavras continuavam a ecoar na minha mente. O começo onde tudo foi dito e nada esquecido? Não fazia ideia do que isso poderia significar. Conhecia pouco da história de Hogwarts para arriscar uma interpretação, e, sinceramente, não queria adiar essa busca.
A questão era: como começar? A melhor pessoa para me ajudar seria Lyra. Ela adorava história e tinha um conhecimento surpreendente sobre os cantos e mistérios de Hogwarts. Mas... como poderia pedir ajuda sem levantar suspeitas? Não podia mencionar o livro ou o que enigma poderia sugerir. Talvez pudesse falar com ela de forma casual, fingindo curiosidade sobre os locais históricos da escola. Lyra sabia que eu era nova em Hogwarts e provavelmente não estranharia se eu quisesse saber mais sobre o castelo e os lugares importantes. Sim, isso poderia funcionar.
Acabei por adormecer envolta de pensamentos e despertei na manhã seguinte, com a mesma urgência com que me tinha deitado na noite anterior, despachei-me acompanhada de e descemos para mais um pequeno-almoço.
Sentámo-nos à mesa, mas a minha mente ainda estava presa ao enigma do livro e à pergunta que planeava fazer a Lyra. Foi então que, ao levantar o olhar por acaso para a mesa de Slytherin, o vi. estava a olhar diretamente para mim. Ao perceber que o tinha apanhado em flagrante, ele abriu um sorriso, meio irónico, meio divertido, e acenou-me com a cabeça. Antes que eu pudesse reagir, ele soltou uma gargalhada silenciosa.
, que estava ao lado dele, olhou para com um ar de reprovação antes de desviar o olhar na minha direção. O seu rosto permaneceu impassível, mas o olhar intenso fez-me sentir um calafrio.
– O que foi isto? – a voz de tirou-me do transe, e eu sobressaltei ligeiramente, virando-me para ela com um sorriso nervoso.
– Ah... Nada – respondi, tentando disfarçar o calor que sentia nas bochechas.
- Não me pareceu nada – insistiu , estreitando os olhos e inclinando-se ligeiramente na minha direção. Soltei um suspiro. Sabia que, se não lhe dissesse alguma coisa, não iria largar o assunto.
– Ontem, quando estava a ir para a bliblioteca, apanhei-os a conversar em privado. – Tentei soar casual, mas percebi que tom da minha voz denunciava o meu nervosismo. – Estavam no corredor junto à Torre Oeste. Não era exatamente o lugar mais discreto, diga-se de passagem. – arqueou uma sobrancelha, claramente intrigada.
– E eles viram-te?
– Pois. – Dei um leve encolher de ombros, tentando desviar a tensão. olhou de soslaio para a mesa de Slytherin, onde continuava a rir e a conversar despreocupadamente com alguns colegas.
– Então, achas que estavam a tramar alguma coisa? – perguntou ela, com um brilho curioso nos olhos. Ponderei a pergunta. E decidi não abordar sobre o Slug Club. Já era o suficiente ter desconfiada da interação com e ; envolvê-la ainda mais só tornaria tudo mais complicado. Além disso, o Slug Club ainda era algo que eu mesma tentava entender, e partilhar informações incompletas só iria levantar mais perguntas.
– Não sei, . É provável que seja só mais uma daquelas conversas enigmáticas e arrogantes de Slytherin.
Ela continuou a observá-los por mais alguns segundos, o rosto mostrando um misto de desconfiança e curiosidade.
– Bom, seja o que for, espero que tenhas cuidado – disse ela finalmente, cruzando os braços. – não é de confiar, e … bem, ele é do tipo que joga xadrez com as pessoas como se fossem peças. - Assenti, agradecida pela preocupação de .
Ao sairmos do pequeno-almoço, encontramos Lyra e Eloise à porta do salão principal. Conversavam animadamente sobre a aula de Feitiços e sobre as tarefas que tinham que completar. Aproveitei a oportunidade para caminhar ao lado de Lyra, na esperança de encontrar um momento para iniciar as minhas perguntas sem levantar suspeitas.
– Lyra, preciso de uma ajuda tua. – comecei, com um tom casual. – Estive a pensar... como sou nova em Hogwarts, há ainda muita coisa que eu não conheço sobre a escola.
- O que queres saber? – respondeu, sempre disposta a partilhar o que sabia. Respirei fundo, escolhendo cuidadosamente as palavras.
– Estava a pensar... existe algum lugar que... sabes, onde tenha começado tudo? Algo que seja importante para a fundação de Hogwarts, como se fosse... o coração da escola? – perguntei, tentando dar ênfase apenas o suficiente para captar o interesse dela, mas sem revelar demasiado.
- Que específica. – Ela franziu o sobrolho, refletindo sobre a minha pergunta. Por um instante, temi ter dado informação demais, mas mantive o olhar casual, esperando que a minha curiosidade parecesse natural. Lyra inclinou a cabeça, pensativa.
– Bem... se estás a falar sobre a fundação de Hogwarts, existem alguns lugares que poderiam ser considerados especiais nesse sentido – respondeu, finalmente. – Talvez a Torre de Gryffindor, onde dizem que Godric Gryffindor passava muito tempo, ou até a Ala Oeste, onde há registos de que os fundadores se reuniam para discutir o futuro da escola. - Fez uma pausa, e eu mantive o silêncio, deixando que ela continuasse. - – Mas... agora que falas nisso, lembro-me de ouvir histórias sobre a Sala Precisa – disse, com um brilho nos olhos. – Não é exatamente o “coração” da escola, mas dizem que ela só aparece para quem realmente precisa dela. É um espaço misterioso, que se transforma de acordo com o que estás a procurar. Acho que se alguém quisesse guardar algo importante, seria um ótimo lugar.
A ideia intrigou-me. A Sala Precisa… talvez fosse exatamente o tipo de lugar onde segredos pudessem ser mantidos a salvo, invisíveis para todos, exceto para aqueles com uma intenção clara.
– Parece um lugar incrível – murmurei, deixando escapar um toque de entusiasmo genuíno. – Achas que ela realmente existe?
– Dizem que sim. É quase uma lenda entre os alunos – respondeu Lyra, dando de ombros. – Eu nunca a vi, mas conheço gente que jura que já esteve lá.
Assenti, guardando mentalmente a informação. Se a Sala Precisa era real, talvez fosse o próximo lugar a explorar.
Continua...
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