Único
“ e eu brigamos, estou péssima. Posso ficar no seu apartamento essa noite?”
Leio a mensagem mais uma vez, tentando formular uma resposta. Com os dois minutos que se passaram talvez ela já esteja na frente da minha porta, e provavelmente já percebeu que eu não estou em casa. Droga, ela vai ficar chateada quando souber que ainda tenho um jantar. Provavelmente triste e precisando de companhia. Respiro fundo. Embora eu queira muito vê-la, não tenho nem um ano na empresa, não posso faltar a nenhum dos meus deveres. Se mantenha responsável, , responsável.
Olho pro celular mais uma vez. Vou dizer que sim, pode ficar no meu apartamento e pedirei desculpas, pois vou chegar no fim da noite. Vou desligar o celular e agir o resto da noite como uma adulta que lida perfeitamente com mensagens inesperadas.
— , se não sairmos em um minuto vamos perder a reserva. — É Jackson, meu quase chefe. Impaciente e provavelmente andando de um lado para o outro no corredor. — Eu juro que estou indo sem você.
Levanto apressada. Ele realmente iria sem mim? Pego minha bolsa que está em cima da mesa, convenientemente arrumada. Verifico a sala mais uma vez. Tudo em ordem. Olho o relógio. Droga, estou mesmo atrasada. Pego o celular pronta para sair.
Ah não, a mensagem.
"Sim, claro que pode. Você sabe onde ficam as chaves. Vou chegar tarde, tenho um jantar. Até mais."
Envio enquanto saio dali, repassando a frase algumas vezes. Jackson está no final do corredor quando saio. Correr até ele será uma péssima ideia com meus saltos finos. Pior ainda será perder o elevador. Corro assim mesmo, sem me impressionar com os ocasionais tropeços.
— Será que não podia me esperar mais cinco segundos? — Jack entra no elevador. O terno azul está impecável e, para variar, está usando gravata. Cinza e azul. Ótima escolha.
Jackson se apoia contra uma das paredes. Tranquilo e com um sorriso no rosto. Por acaso ele não estava me apressando um minuto antes?
— Se eu não tomasse uma atitude você passaria o resto da noite olhando pro seu telefone. Sério, , era uma mensagem do papa? — Sorrio, mas a piada de Jack só me lembra mais uma vez minha resposta, e, droga, tinha sido uma resposta horrível. Ainda assim pego o celular e o desligo.
Agir como uma adulta responsável. Isso não será problema.
Me viro para o espelho do elevador. Os trintas minutos em frente ao espelho do banheiro de funcionárias me caíram bem. O cabelo estava no lugar, o vestido preto impecável e a maquiagem como havia deixado. Respiro fundo para me livrar de qualquer instabilidade que sofri. Está tudo nos conformes.
— Sabe, se aceitar jantar comigo juro que não precisa ter pressa para nada. Pode responder quantas mensagens quiser. — Olho para Jackson através de seu reflexo. Seu sorriso é relaxado, um pouco tímido. Sempre adorei o jeito como sorri, é lindo, capaz de conquistar alguém apenas por estar ali, e Jackson... Bom, também não fica para trás. Seu cabelo castanho claro está longe de ser perfeitamente arrumado. As mechas soltas por vezes caem em sua testa e, quando o corte está por fazer, acabam atrapalhando seus olhos verdes. Jack é lindo, bem-sucedido, maduro e responsável e está chamando a mim para um jantar pela quinta vez. A pergunta, porém, nada causa em mim. Nem uma batida do coração descompassada, nem uma respiração perdida, ou agitação. Nem um porcento do que apenas uma mensagem fez comigo uns minutos antes.
Sorrio, tentando pedir desculpas através do gesto, e me viro para ele.
— Se me disser que será apenas um jantar entre amigos, eu aceitarei com prazer.
— Sabe que não quero ser só seu amigo — Ele abaixa a cabeça e coloca as mãos nos bolsos da calça. Mechas de cabelo cobrem seu rosto.
Suspiro. Era sempre a mesma coisa. Se não sinto nada por ele então por que me incomoda tanto dizer que não? Aliás, por que sempre me incomodou tanto dizer não a todos os garotos durante a vida?
Meu único sim me rendeu uma péssima noite de baile de formatura e um beijo roubado que considero o pior da minha vida.
Suspiro mais uma vez. Não é possível que eu seja tão bondosa a ponto de nunca querer magoar ninguém.
Plim. Salva pelo gongo. As portas do elevador se abrem no primeiro andar. Jackson me olha, esperando uma resposta. Não posso simplesmente dizer que não aceito, assim como não pretendo tocar nesse assunto dentro de um elevador.
Respiro fundo.
-Vamos, Jack.
***
A porta do elevador abre e sinto um alívio só de ouvir seu som. Os saltos já estavam me matando, o que me lembra de sempre usar saltos confortáveis em dias que serão longos. Além disso, quero muito chegar em casa. Ao que me lembro, e com certeza lembro muito bem, tenho lágrimas para enxugar e conselhos sobre relacionamentos para dar. A noite será longa.
Tiro os sapatos na hora em que meu celular finalmente liga, vibrando dentro da bolsa sendo acompanhado por bips de mensagens. Seguro os sapatos com uma das mãos, quase os derrubando, e pego o celular com a outra. Cinco mensagens, nenhuma ligação nem recado na caixa postal. Essa tinha sido fácil. Talvez eu mesma tivesse exagerado.
“Vai mesmo chegar tarde?”- Às 20:16
“Ok. Tem mesmo que ir nesse jantar???”- Às 20:17
“... por favor, não pode adiar isso?”- Às 20:20
“Tudo bem. Vou ficar aqui sozinha e completamente TRISTE”- Às 20:25
“Você realmente foi!!!” - Às 20:37
Cinco mensagens e foram o suficiente para me lembrar de que eu estou lidando com a rainha do drama. Se fosse qualquer outra pessoa eu não teria a mesma paciência.
O elevador abre mais uma vez. Meu andar, finalmente.
O incômodo nos pés não me impede de andar com pressa, mas, droga, eu não deveria parecer tão desesperada. Foram apenas dez dias sem vê-la, trocamos algumas mensagens e, três dias atrás, ela me ligou. Além de tudo, aquele não seria um encontro casual, ela está na minha casa por que estava triste e aquele era o lugar mais próximo no momento. Estava triste porque tinha brigado com o namorado, meu irmão, que mora dois andares acima.
Chego em frente à porta e coloco a chave na fechadura. Destrancada. Ótimo, além de conselhos amorosos também terei que passar um sermão sobre segurança. Entro no apartamento e largo os sapatos no chão antes de perceber o que acontece na minha frente.
— , ainda não se acalmou?
E lá está ela. Deitada no meu sofá, abraçando um travesseiro, que tenho certeza ser o meu. Com o nariz vermelhos e os olhos castanhos inchados. Droga, o que o fez?
Seu cabelo escuro está preso em um rabo de cavalo que mal chega abaixo dos ombros e ela está vestindo um baby doll azul. Em cima da mesa de centro meu saco de torradas está aberto e na televisão passam cenas de Cartas para Julieta. algumas vezes leva a mão até o rosto para secar as lágrimas que caem.
— Eu me acalmei meia hora atrás, mas voltei a chorar de tanta solidão. — Sua voz está afetada com o choro e o nariz com certeza entupido. Sorrio, deixando escapar uma risada. Mas que dramática! me acompanha, rindo entre o choro, seu senso de humor é infalível até consigo própria.
Deixo minha bolsa em cima de uma das cadeiras e vou até o sofá. Me sinto descansada só em andar descalça pelo carpete. Sento na ponta segurando seus pés no colo.
— Aconteceu alguma coisa séria? Quer que eu suba pra brigar com ele? — Ela sorri me olhando nos olhos. Se ajeita no sofá e se senta de frente para mim. Suas pernas esticadas de forma em que ainda consigo tocar seus pés. Pode estar como for, mas ainda está linda. Seu sorriso se desfaz quando começa a falar.
— Não precisa, , não foi nada demais. Apenas nós dois fazendo mais drama do que necessário. — A encaro e concordo. Com certeza acredito no que diz. Suas brigas quase sempre acontecem por conta de um exagero.
— Tudo bem, sabe que acredito. — Ela sorri mais uma vez. — Quer falar sobre isso?
— Sim. — Ela assente. — Mas antes disso — Seus pés me cutucam e seu rosto se contorce em uma quase careta — Tenho certeza de que está louca pra tomar um banho e trocar essa roupa. — Rio apoiando a cabeça no sofá. Ela me conhece bem. — Pode ir. — Ela faz um gesto com as mãos mandando que eu fosse. — Estarei bem aqui esperando.
Levanto sinceramente aliviada. Nem pode me fazer desistir de um banho quente depois de um dia longo.
— Só, por favor, não repita o banho que tomou no último feriado. — Suas mãos estão juntas enquanto fala e um biquinho surge nos seus lábios. Rio alto. Eu nunca vou ser esquecida disso. — Não sei se consigo esperar mais uma hora. — Sorrio e ela também. Já nem parece que passou a última hora chorando.
— Não se preocupe. — Passo por ela andando até o corredor.
Graças a Deus uma briga boba dessa vez. Ainda me lembro de quando e terminaram. Lembro das duas vezes. Foram necessárias cinco amigas e um dia inteiro para que sequer parasse de chorar. E , bom, encheu minha caixa de mensagens um dia após o término me pedindo para fazer mudar de ideia. Foi extremamente difícil me dividir entre dois.
Paro na porta do corredor me lembrando de algo que tinha esquecido.
— Ah, ? — Encaro parte de trás de sua cabeça. Seu rabo de cavalo balança e ela tira os olhos do celular para virar a cabeça e olhar para mim.
— Sim?
— Esqueceu de trancar a porta quando entrou. De novo. — Imagino o que essa frase vai causar. revira os olhos, como sempre faz quando falo do mesmo assunto. O gesto me irrita, como sempre. Irritou da primeira vez que o vi e rendeu um mês inteiro pensando que minha cunhada era a pessoa mais grossa que eu já tinha conhecido. E essa discussão, que já tínhamos repetido mais do que apenas algumas vezes, me irrita também. Ele não pode ceder nem mesmo na minha casa?
Me mantenho calma, porém. Argumentar com é sempre uma péssima ideia, ela pode debater com alguém por horas sem se cansar.
— Tenho certeza de que sabe que trabalha um ótimo porteiro nesse prédio. — Ela vira a cabeça e volto a encarar apenas seu rabo de cavalo bagunçado. Me viro e volto a andar para o corredor que me levará até minha suíte. Quando chego na porta no quarto ouço a voz abafada de .
— Eles não deixam qualquer um entrar! — Ela gritou para que eu pudesse escutar. Rio. Que determinada.
***
— Prontinho! — Chego na sala secando o cabelo com minha toalha.
A cena que vejo é o oposto do que vi quando entrei em casa. Trinta minutos são o suficiente para uma mudança no humor de . Não que eu esteja surpresa. Ela olha para mim e sorri. Está sentada, dessa vez longe do travesseiro. Meu coração bateu descompassado. Seu cabelo está solto, e cai até abaixo da clavícula. Uma respiração perdida. Seu rosto, mesmo que ainda vermelho, não me passa nenhum sinal de tristeza. Ela continua sorrindo.
Por acaso isso são borboletas na minha barriga?
Não é difícil que eu tire meu foco de , muito menos que eu adivinhe o que se passa em sua cabeça.
Meu pacote de torradas já não está mais na mesa de centro, ele deu lugar a minha garrafa de Château Mont caríssima que, até o momento, esperava tomar apenas em ocasiões importantes. com certeza não pensa como eu. Do lado da garrafa de vinho está a garrafa de vodca, com pouco mais de dois dedos do líquido, que sobrou do último happy hour que meus amigos organizaram. A televisão está desligada, mas no rádio está tocando Christina Aguilera.
Ah, sim, quer ficar bêbada em plena quinta feira a noite.
— Vamos logo com isso. — Ela levanta e anda até mim, visto que estou parada, digerindo a péssima ideia de para nossa noite. Digerindo que eu realmente estava propensa em aceita-la. Ela tira a toalha da minha mão e a joga em cima da bancada atrás de mim. — Me deixa derramar em você minhas lamentações sobre meu relacionamento completamente instável pra gente passar logo dessa parte e começar a beber como se não houvesse amanhã. — Ela segura minha mão e me leva até o sofá, onde jogo meu corpo, não exatamente sentada.
— A sua ideia é excelente, só seria péssimo se amanhã alguém tivesse que trabalhar de manhã. Ou se mais alguém tivesse aula na faculdade mais cedo ainda. — ri, já segurando a garrafa de vinho e o saca-rolhas.
— Se importa se eu abrir? — Ela aponta para o Château Mont. Faço que não com a cabeça, mas talvez me importe um pouco. — E eu não preciso mais ir a todas as aulas, , é pra isso que serve o último semestre. — Rio. Sempre imaginei que fosse o contrário.
Ela abre o vinho com tanta facilidade que a invejo. Duas taças estão em cima da mesinha e ela as serve. Uma ela entrega em minhas mãos, a outra ela segura e senta ao meu lado no sofá.
— E então? O que aconteceu dessa vez? — Não quero realmente tocar no assusto da briga, mas seu nariz vermelho me lembra que, o que quer que tenha acontecido, a havia magoado a suficiente. Levo a taça aos lábios enquanto espero sua resposta. O vinho é mesmo delicioso.
— Bom, por onde começo? — Um sorriso triste aparece por poucos segundos no seu rosto e ela o desfaz levando sua taça até os lábios. Sua expressão muda, virando quase uma cara de espanto. — ! Que vinho maravilhoso! — Sorrio. Ela leva taça a boca mais uma vez, dessa vez bebendo mais do que só um gole.
— Tem que ser, paguei 150 dólares pela garrafa. — A expressão de é impagável. Seus olhos se arregalam e ela literalmente espirra parte do vinho pela boca. Teria sido engraçado, e eu poderia rir, se meu olhar não tivesse ido direto para o carpete onde com certeza ficaria uma mancha. Ah não.
— Você por acaso conhece a existência das garrafas de 20 dólares? — Ela se levanta e segura a garrafa aberta nas mãos, lendo o nome no rótulo. — Seu emprego está pagando tão bem assim? — Não está. A garrafa foi parcelada em duas vezes no meu cartão de crédito, mas eu não vou entrar nesse assunto com ela.
Respiro fundo e bebo mais um gole do vinho. Uma adulta, .
— , senta logo nesse sofá e me conta o que aconteceu entre e você antes que eu a expulse daqui por manchar meu carpete. — Ela olha para o chão na direção onde tinha cuspido meu vinho caro. Ela com certeza imagina o quanto aquilo vai me incomodar.
se senta. Nunca usaria a palavra receosa para descreve-la em algum momento, mas talvez ela estivesse com um pouco de culpa. Ela bebe um gole da sua taça antes de recomeçar a falar.
— Bom, a verdade é que foi uma briga incrivelmente idiota. Consegui chegar a essa conclusão enquanto te esperava.
— Suas brigas sempre são sempre idiotas. Todas as três por semana. — Ela ri e eu a acompanho.
— Acredite ou não, o motivo foi que programa iríamos assistir na televisão do quarto. — Reviro os olhos. Claro que foi esse o motivo. — Estava passando aquele filme em que o casal sofre um acidente e seus espíritos se encontram antes de voltarem a vida, sabe? É tão lindo.
— Aham. — Na verdade não sei.
— Então... queria assistir futebol e queria que eu trocasse de canal. Obviamente não troquei. Ele ficou com raiva e eu comecei a discutir sobre ele nunca ceder às minhas preferências. — Mais um gole de vinho — E aí ele também começou a reclamar dizendo que faz de tudo por mim e eu nunca agradeço. Acredita nisso?
— , vocês dois precisam amadurecer. — Ela respira fundo e bebe o que resta de vinho na sua taça. — De qualquer forma sempre foi assim, não é? Sempre brigas por qualquer motivo... — ri pelo nariz e apoia a taça vazia em cima da mesa de centro. Imagino que ela vá se servir de mais vinho, mas ela apenas roda o dedo na boca na taça e volta a se apoiar no sofá, de mãos vazias. — O que importa é que vocês se amam. — A expressão de muda de forma tão sutil que eu não perceberia se estivesse olhando seu rosto.
— É... — Ela fixa seu olhar na garrafa em cima da mesa. Essa reação era incomum. A de sempre abriria o sorriso mais lindo que conheço e começaria a falar sobre todas as qualidades de que a deixavam tão apaixonada. Já ouvi a mesma coisa várias e várias vezes, o olhar de agora, porém, era novo.
— , não sente mais a mesma coisa pelo meu irmão? — Não sei se agradeço a Deus ou ao vinho pela coragem. De onde tirei uma pergunta dessas?
— Ah, , não quis dizer isso. — Ela levanta com pressa e respira fundo. Tudo bem, ela não quer falar sobre isso. — Por que não falamos sobre você, hã? — Um sorriso aparece no seu rosto, mas não tão sincero assim. pega a garrafa de vinho e enche sua taça mais uma vez. — Aliás, essa camisola azul te deixa maravilhosa.
***
— Everybody's watching her but she's looking at you, oh, oh
Levanto os braços e começo a mexer o corpo. Droga, por que é tão difícil dançar deitada no sofá? Eu devo estar ridícula.
Mas não paro.
não tem o mesmo problema. Gargalho da sua situação, nossa situação. Ela está cantando usando o controle da televisão como microfone. Seu corpo acompanha as batidas da música, mesmo que não muito bem. A garrafa vazia de Château Mont está no chão, ao lado da garrafa de vodca, que ela acabou de beber sozinha. As taças e copos que usamos também estão no chão, pois está em cima da minha mesa de centro dando seu show. Tem alguma chance de quebrar? Talvez seja mais fácil cair...
Ela olha para mim enquanto canta, e faz cara e bocas. Gargalho mais uma vez quando ela termina a música com uma pose. boceja e se espreguiça, mas não desce da mesa. A voz de Halsey começa e ela emenda mais uma dança, dessa vez não sabe a letra da música. Bocejo também. Desde quando meus olhos estão tão pesados?
Busco o celular que deixei em algum lugar no sofá. ainda está dançando, enrolando a língua tentando cantar o refrão. Acho meu telefone entre uma das almofadas e acendo a tela. Não acredito. 02:16 da manhã?
Levanto com mais pressa do que gostaria e vejo o mundo rodar. Apenas com algumas taças de vinho. Dessa vez ficar bêbada foi fácil.
— .
— Hum? — Ela olha para mim por um segundo e volta a fechar os olhos e balançar o corpo. Ah, não, não vou deixa-la passar o resto da madrugada assim.
— ! — Falo mais alto e atraio sua atenção. Ela não para de dançar, mas fixa seus olhos nos meus.
— Sim, ? — Ela diz com a voz completamente embolada. Se não tivesse a visto tantas vezes bêbada talvez não tivesse a entendido.
— Vamos dormir? Já está tarde e eu estou com sono.
— Ah, tudo bem. — Ela desce da mesinha, para alguns centímetros a minha frente e leva uma mão até meu cabelo. Seus dedos começam a enrolar as pontas. Meu coração bate forte. Muito forte. — Vou abaixar a música pra você dormir tranquila. — Sua voz, mesmo que ainda embargada, soa muito mais clara e consigo entender suas palavras. Ela sorri. Sorrio junto.
— Não. Você tem aulas pela manhã. Vamos as duas dormir agora. — Seu sorriso se abre mais um pouco. Seus dedos escorregam do meu cabelo e descem pelo meu braço. Acontece mágica em cada centímetro de pele que ela toca. Meu coração já não sabe mais como manter um só ritmo.
— Eu não vou às aulas da manhã. Não se preocupe com isso. — Por pouco não perco suas palavras por me concentrar apenas no seu toque. Respiro fundo. Não será a bebida que me fará fazer algo estúpido.
Recobro o controle da minha mente e assimilo as palavras de .
— Você vai sim. — Me afasto dela e quase prefiro não ter o feito.
Ando até o rádio e o desligo. As garrafas e taças podem esperar até amanhã. Quando me viro está sentada no sofá olhando para mim. Aparentemente ainda bastante acordada. Passo pelo sofá em direção ao corredor, mas ela não me acompanha. Paro para olha-la e ela já está me olhando de volta. Seus olhos me fazem perder uma respiração.
— Vou te esperar por mais cinco minutos. Se não aparecer venho aqui te buscar. — ri. — Pode apagar a luz quando for? — Ela mexe a cabeça dizendo que sim. Dou meia volta e entro no corredor.
— . -Viro para o som da sua voz. Agora sua cabeça está apoiada no sofá e ela está de olhos fechados.
— Sim? — Encosto na parede esperando que fale.
— Já disse o quanto está linda com essa camisola? — Meu coração retoma as batidas apressadas. E o que está acontecendo com meu estômago?
— Sim, e obrigada. — Ela mantém os olhos fechados e fica em silêncio por alguns segundos. Me afasto da parede e começo a andar.
— A cor combina com o azul dos seus olhos.
Não respondo. Não conseguiria sem entregar a reação que suas palavras causaram em mim. Entro no quarto e encosto a porta. Respiro fundo uma vez. Eu devo mesmo estar ficando louca. Respiro fundo mais uma vez. Que tipo de reação é essa? Mais um respiro. Por acaso sou uma adolescente?
Aja como uma adulta, .
Isso com certeza é culpa da bebida.
Ando até o banheiro com pressa. Preciso me recompor. Abro a bica e deixo a água fria cair pelas minhas mãos. Me concentro na temperatura em minhas mãos e não dou atenção ao burburinho que tomava conta de mim. Pego um pouco de água e molho meu rosto. Meu coração já está mais calmo. Repito o gesto. Eu estou bem.
Levanto o rosto e o espelho em minha frente me mostra uma que eu nunca tinha visto. O cabelo é o mesmo, apenas me lembra o gesto de minutos antes. Olheiras já aparecem de baixo dos meus olhos e eles estão diferentes. Esse brilho sempre esteve ali? Mesmo com a aparência cansada eu ainda pareço mais linda que antes.
O barulho da porta do quarto fechando me leva de volta a minha realidade. Saio do banheiro e está em pé próxima a cama. Ainda bem que não terei que buscá-la. Ela fixa seus olhos em mim assim que me vê.
— Vamos dormir? — As palavras saem da boca dela, mas poderiam ter sido ditas por mim. Ao invés de deitar se aproxima alguns passos. Droga, por que estou nervosa assim?
— Não quer tomar um banho antes? Você está bêbada, vai ajudar na ressaca amanhã. — Ela não responde, mas avança mais alguns passos. Sinto as batidas do meu coração se acelerarem. Isso está frequente demais para uma só noite. Sem muita consciência dou um passo para trás. ri e anda mais uma vez, agora parando bem à minha frente.
— Você cuidou tão bem de mim essa noite, . — Suas mãos tocam meus braços. Dou mais um passo para trás. Talvez até ela já consiga ouvir as batidas do meu coração, mas, mesmo que não consiga, minha respiração ofegante me trai, completamente descompassada. Ela se aproxima mais, seu corpo todo encontra com o meu. Suas pernas, barriga, seios, tudo está colado em mim. Suas mãos irradiam energia pura onde toca. Por um momento penso que vai me abraçar. Mas isso não acontece. Cada parte do meu corpo implora a mim que ceda ao toque de , e estou prestes a fazer isso, mas, pelo que ainda resta de racional em mim tento me afastar mais uma vez. Minhas costas, porém, encontram a porta do banheiro, fechada, sem ter aonde ir. Custo a admitir que gosto muito de ter encontrado aquele obstáculo. beija meu ombro. Minha pele poderia pegar fogo onde seus lábios tocaram. — Não só essa noite — Seu nariz caminha pelo meu corpo até meu pescoço e ela me beija ali. Ainda imóvel me arrepio. O que essa mulher está fazendo comigo? — Você sempre cuidou de mim como ninguém, sempre me ajudou... — beija cada centímetro de pele do meu até minha bochecha. Minha respiração releva toda minha euforia. Meu peito sobe e desce sinuosamente e minhas pernas por pouco não cedem. O que acontece no meu corpo, porém, não se compara ao que sinto dentro de mim. Meu estomago revira-se tanto quanto pode, meu coração está completamente desritmado e sinto um calor em cada canto da minha pele. Respiro fundo, quero tanto ceder...
— O que está fazendo, ? — Minha voz sai pouco mais alta que uma respiração, é apenas um sussurro. A respiração de tocava meu pescoço e tirou qualquer concentração que reuni para fazer a pergunta. Ainda toca, e ainda me distrai. Nem lembro mais porquê fiz essa pergunta estúpida. Ela beija minha orelha e passa língua ali. Um arrepio percorre meu corpo, eu me sinto extasiada.
— O que? Não está gostando? — Seu sussurro provoca meu ouvido e ela me beija mais uma vez. – Você é tão linda, . – Minha mente não pensa em mais nada além de cada centímetro do corpo de contra o meu, seus beijos no meu pescoço, sua mão que agora está alta em minhas coxas. Eu suspiro. Isso é realmente muito bom. dominou todos os meus sentidos com facilidade, e isso não me incomoda.
Fecho os olhos e respiro fundo. Quero sentir cada toque de seu corpo sem pensar em nada que nos rodeia. Não tenho chance de abrir os olhos novamente. Os lábios de tocam os meus e meu corpo entra em chamas. Sua língua brinca com meus lábios e eu os abro deixando que ela faça o que quer. Minhas mãos se movem e agarram a nuca de puxando-a para mais próximo ainda. Suas mãos respondem apertando minha cintura com força. Ouço um som, que mais me parece um gemido, mas não sei distinguir qual das duas o deixou escapar. Me concentro em seus toques. Nossas línguas brincam. Seu beijo é macio e com gosto de bebida. Meu corpo todo responde a seus estímulos. Eu realmente estou apaixonada por ela?
afasta seus lábios dos meus retornando para apenas mais um beijo rápido. Sinto falta quase imediatamente, mas seu rosto e todo seu corpo ainda está próximo a mim. Suas mãos se tornam o oposto das mãos fortes que me apertaram durante o beijo, agora elas acariciam minha cintura com calma. Abro os olhos e já está olhando para mim. Seus olhos fixos nos meus a apenas centímetros de distância. Nunca esquecerei essa imagem.
Respiro fundo. Toda minha euforia se esvai e dá lugar a uma tristeza. Eu devo estar ficando louca. Respiro fundo mais uma vez. ainda é minha cunhada.
Dói dizer as palavras que surgem na minha mente. se aproxima para me beijar mais uma vez, mas eu a interrompo.
— Vamos dormir, , por favor. — Ela para. Olha nos meus olhos. Se ficou decepcionada não demonstrou. Ainda com o rosto próximo ao meu ela assente e então se afasta.
Fico parada encostada na porta. A respiração voltando ao normal. Meu coração encontrando seu ritmo. Estou eufórica com o que aconteceu. Ainda não posso acreditar. Aquilo tinha mesmo acontecido? Se aconteceu, então por que estou tão triste agora?
se deita em um dos lados da minha cama. Será que ela se sente como eu? Droga, devia ter sido apenas a bebida a deixando confusa.
Abro a porta do banheiro e entro mais uma vez. No espelho uma muito mais linda do que a de antes. Cabelo desgrenhado. Camisola amarrotada. Lábios avermelhados que sorriem tristes.
Lavo o rosto com água fria. Preciso ir dormir.
***
Estou parada em frente ao meu bloco de notas com a caneta na mão. O banquinho em que estou sentada, bem em frente à bancada da cozinha, me incomoda e se torna desconfortável. Encosto a caneta no papel mais uma vez, mas nenhuma frase convincente surge na minha mente. Ainda duvido muito que deixar um bilhete na porta da geladeira seja a coisa certa a se fazer.
Levanto frustrada. Droga, não há certo ou errado. Nós estávamos bêbadas, completamente movidas pelo álcool, ela provavelmente nem vai se lembrar.
Guardo o bloquinho e a caneta. Vou acordá-la, pedir para que vá à faculdade. Não vamos trocar muitas palavras, pois tenho que ir ao trabalho. Vai ser completamente normal, como todas as outras vezes em que ela passou a noite no meu apartamento.
Entro no quarto absolutamente determinada a agir normalmente. Ando devagar evitando que os saltos façam muito barulho e chego na cama, sento na ponta, com virada para mim. Não é difícil acordá-la, balanço seu corpo uma vez e ela grunhi. Balanço outra vez e recebo um olhar, que se fecha logo em seguida.
— Vamos, , você tem aula. — A balanço mais uma vez. Preciso me lembrar de evitar deixar ficar bêbada no meio da semana. Recebo um sonoro "aaaa" como resposta.
— Estou morrendo de dor de cabeça, . — Sim, claro que está. Uma sessão de beijos não é a única surpresa que uma bebedeira reserva. Ela pega meu travesseiro que está bem ao seu lado e cobre a cabeça.
— Vou pegar um remédio e um copo d'água pra você, tudo bem? — Ela faz um som que se parece muito com um "uhum". Considero que foi o que disse. — Vai pra faculdade, não é? — Outro murmúrio, eu não conseguirei nada melhor que isso.
Saio do quarto e ainda está com o rosto coberto. Não posso ser babá dela, se não vai levantar então não há nada que eu possa fazer. Olho para o relógio no pulso. Só tenho mais alguns minutos. Demorar um pouco mais só para ficar com — e testar como age comigo — seria completamente imprudente, mas me sinto tentada a fazê-lo. Pego a cartela de remédio e encho um copo com água. Isso é o máximo que pode fazer, .
Quando chego no quarto já está sentada. O cobertor está jogado ao seu lado e ela abraça meu travesseiro. Me olha assim que entro no quarto, com tanta naturalidade que duvido que se lembre de qualquer coisa que tenha acontecido na noite passada. Não estaria me olhando de forma tão tranquila assim. Eu mesma estou concentrando cada parte do meu corpo em agir de forma indiferente àquele beijo. Parte da minha mente ainda me pedia para sentar na cama e começar a pedir desculpas por ter sido tão imprudente. Mas, de qualquer forma, não acho que seja tão boa atriz assim.
Sento na cama mais uma vez e lhe entrego primeiro o copo de água e então o remédio que tiro da cartela. Ela engole e bebe toda a água do copo com pressa. Seus olhos então com olheiras escuras e seu rosto ainda está amassado da noite de sono, nem um pouco parecida com a que me olhou a poucos centímetros de distância depois de um beijo, mas igualmente linda. Meu coração acelera. Acalme-se, . Ela me olha.
— Obrigada, , não sei o que seria de mim sem você. — sorri e se espreguiça.
-Não precisa me agradecer. — Levanto da cama, morrendo de vontade de voltar e passar o dia ali. Com ela. — Mas agora preciso ir. — Ela faz beicinho e encosta a cabeça na parede. Respiro fundo. Ainda tenho que ser responsável. — Tem pão no armário, caso queira fazer torradas, e frutas na geladeira. Quando sair deixe a chave no lugar de sempre. — Ela assente. – E tranque a porta! – Ela revira os olhos. Tudo como sempre.
Pego minha bolsa e paro em frente ao espelho. Saia vermelha no lugar, blusa branca impecável e cabelo preso em uma trança lateral. Minha aparência é o oposto dos meus sentimentos, que está absolutamente confuso. me olha através do meu reflexo, quando percebe que estou a olhando sorri.
— Está tão linda. Por acaso está tentando impressionar alguém no escritório? — Eu rio e balanço a cabeça negativamente. Estou tentando impressionar você. Vou até a porta, pronta para sair. — . — Me viro para . Seu sorriso sumiu e ela me olha nos olhos. — Quero conversar com você depois. — Meu coração acelera. Assinto e saio do quarto.
***
Às exatas 11:51 da manhã meu celular vibra em cima da mesa do meu escritório. Abandono a matéria que leio no meu notebook para olhar rapidamente em direção a ele. Eu teria ignorado e voltado ao trabalho se o nome de não estivesse no visor.
Pego o celular com mais pressa do que gostaria. Droga, pareço desesperada mais uma vez. É mais nervosismo do que qualquer outro sentimento, mas seria impossível não me sentir assim depois do que me disse. Será que ela falaria do beijo? Com certeza tinha achado um absurdo...
Desbloqueio a tela e abro sua mensagem.
", podemos nos encontrar na sua hora de almoço pra tomar um café?"
Ela quer conversar. Definitivamente não é apenas mais uma conversa casual, ou ela falaria por mensagem, como já fizemos diversas vezes. Além de tudo, não costuma me chamar pelo meu nome inteiro, dessa vez escreveu .
Com certeza é sobre o beijo.
Embora a ideia de um café no horário de almoço não seja nem um pouco agradável, eu respondo sim para sua mensagem.
Fecho o notebook. Ainda me restam alguns minutos de trabalho, mas minha mente não foca em mais nada. passou a me causar muitas reações desde aquele beijo.
***
Paro em frente a porta da cafeteria e respiro fundo. O pior que pode acontecer é me dizer a quão arrependida está. Talvez diga que foi algo estúpido. Nada que eu já não saiba. Abro a porta e um sino anuncia minha chegada, desejo imediatamente que ele não existisse. Olho para a direita sabendo exatamente onde encontrá-la. sempre escolhe a mesma mesa. A terceira mesa a direita do lado da janela. Ela está de costas, seu cabelo é levemente bagunçado e ela está usando uma camisa xadrez. Ela olha pela janela uma vez, talvez me procurando. Vou até sua mesa sem pressa, talvez eu esteja com medo da conversa que teremos, e meu corpo, inconscientemente, tenta adiar o máximo possível.
Passo por e sento a sua frente. Ela está com um copo de café na mão e em cima na mesa dois pratinhos, um com um pedaço de brownie inteiro, outro com o mesmo bolo, porém já com algumas garfadas. sorri ao me ver. Um sorriso simples, sem ao menos mostrar os dentes. Ela me empurra o prato com o brownie inteiro.
— Pedi pra você. — Ela mantém o mesmo sorriso e eu sorrio junto. Por favor, coração, é apenas um brownie, se acalme.
— Ah, obrigada, . — Ela mal espera que eu agradeça quando inicia sua próxima frase.
— Sei que prefere almoçar. Me desculpa mesmo. É que logo mais tenho aula, não posso demorar muito. — está estranha. Não está sorridente como sempre, mas tampouco está brava. O que será que ela quer?
— Tudo bem, não se preocupe. — Sua preocupação me faz sorrir enquanto falo, mas não me acompanha. Ah, o que está acontecendo? — Então... O que quer me falar? — Pego um pedaço de brownie na minha frente e coloco na boca. Faço de tudo para agir o mais despretensiosamente possível. , com certeza, não faz o mesmo, parece um pouco nervosa com a pergunta.
— Na verdade não é bem o que quero dizer, e sim o que quero perguntar... — Meu coração se agita, dessa vez de absoluto nervoso. Engulo o brownie com dificuldade e respiro fundo. Começo a pensar em respostas para a possível pergunta. Por que me beijou, ? Como pode trair seu irmão desse jeito, ? , por acaso sabe que abusou de mim enquanto eu estava bêbada?
— E o que quer perguntar? — Faço a pergunta, mas na verdade não quero saber a resposta. Nem o incrivelmente delicioso brownie que ganhei me distrai. olha para o copo do seu café por alguns segundos e volta seus olhos para os meus. Respira fundo antes de falar.
— O que exatamente nós fizemos na madrugada de hoje? — A pergunta me assusta. Como eu vou contar?
Tudo dentro de mim se agita. Encaro meu brownie por alguns segundos. Se ela não se lembra então como sabe que alguma coisa aconteceu?
— Está falando sobre ter dançado em cima da minha mesa de centro? — Tenho certeza de que não está, mas tenho que parecer descontraída.
— , tenho certeza de que sabe sobre o que eu estou falando. — Ela me olha, mas não retribuo o olhar, tiro os olhos da mesa e encaro os detalhes do fundo da cafeteria. Respiro fundo. Coragem, . Ela precisa saber.
Olho nos seus olhos, sem saber como começar.
— Bom...Hum... Antes de irmos dormir... Alguns minutos antes na verdade... Bom...Você se aproximou de mim e... Hum... Começou a me agradecer por eu ter te ajudado... De forma bem... Hã... Como posso dizer?... Física... Você me deu algumas... Hum... Carícias... E então... Bom... Talvez acabamos nos beijando. — Falo e desvio olhar de seus olhos, com medo da sua reação.
Respiro fundo. Preciso encara-la.
está com lábios comprimidos e expressão pensativa. Esperava que estivesse de alguma forma mais abalada, no entanto, a única que parece apavorada sou eu. Ela me olha pelo que parece uma eternidade.
— Me desculpa, . — Seu rosto agora me mostra todo o arrependimento que sente. Uma onda de tristeza me toca. Por acaso imaginei que de alguma forma ela tinha gostado do que fez? Eu estava tão extasiada que não pensei com clareza. Mas agora penso. Seu rosto me mostra tudo o que preciso saber. — Eu não tinha o direito de fazer isso dessa forma... Eu estava bêbada, deve ter sido terrível pra você...
Terrível? Eu ainda não posso imaginar algo que seja melhor que seu beijo.
Mas não digo isso em voz alta.
— Não se preocupe, , eu também estava bêbada, vamos deixar isso pra lá. — Eu com certeza não deixaria. Seu rosto passa de arrependimento para tristeza. Ela deve estar pensando em . Nem consigo imaginar como meu rosto está.
— Tudo bem. — Ela quase sussurra. — Vamos.
***
Entro no elevador do escritório pouco antes que a porta se feche. Mais duas mulheres estão ali e conversam entre si.
Me arrependo terrivelmente de não ter almoçado no escritório. O restaurante que comi — e também o mais perto que encontrei – me serviu uma salada borrachuda e cogumelos frios. Ainda sinto o gosto ruim mesmo após duas garrafinhas de água. Respiro fundo. Serviu de experiência.
Meu celular vibra dentro da bolsa e em seguida começa a tocar. Meu coração para por um segundo. Não, não deve ser ela.
Não vejo tem uma semana, desde o café com brownie e a conversa sobre o beijo. Prometemos uma a outra que o que aconteceu ficaria para trás e que nada entre nós mudaria, antes que ela tivesse que voltar para a faculdade. A promessa, porém, vinha sendo quebrada por nós desde então. Nenhuma mensagem ou telefonema, mas isso não me impedia de pensar que cada vez que meu telefone vibrasse seria com algum assunto para conversar.
Pego o telefone e a tela já está acesa. . Levo o celular até a orelha.
— Oi, . Algum problema?
— Alguns. — Ele ri — Mas não é por isso que estou te ligando. — Ufa. Me sinto culpada, mas fico verdadeiramente aliviada. Não imagino nada pior do que resolver algum problema agora.
— Então qual seria o motivo tão importante que me faz receber uma ligação do meu irmão caçula? — ri.
— Vai ter uma festa hoje de um amigo meu. Tenho um convite sobrando e pediu que fosse pra alguma amiga dela. Ela mencionou você. – Me mencionou? Droga, porque ela mesma não me ligou?
O elevador para no meu andar e desço. Me esquivo de algumas pessoas enquanto ando até minha sala.
— Hoje? — Recebo um "uhum" — Não sei, , talvez eu tenha algumas matérias pra revisar aqui na empresa e acabe ficando até tarde... — Quero ver . Quero muito ver . Mas não tenho certeza se reuni a coragem necessária.
— , por favor. Olha, se você não for a também não vai, e se a não vai então eu também não vou. Entende como a minha situação é complicada? — Sim, son, mas aposto que a minha é bem mais.
Entro na minha sala e respiro fundo.
— Eu prometo que vou pensar.
***
Saio do carro e já posso ouvir a música alta do lugar. Confiro mais uma vez a bolsa. Está tudo certo. Olho meu reflexo no vidro do carro. Azul realmente combina com meus olhos. Respiro fundo antes de começar a andar até a entrada, lugar onde, por mensagem, combinei de encontrar meu irmão e .
.
Seu nome faz borboletas surgirem no meu estomago.
Evitei pensar seu nome durante todo o dia. Como poderia trabalhar normalmente pensando que iria encontrá-la?
Quando cheguei em casa, porém, me permiti pensar em , e, principalmente, no que queria que pensasse quando me visse. Escolhi um vestido azul que revela minhas pernas e mantive o cabelo solto. A maquiagem pesada o suficiente para cobrir o cansaço de um dia inteiro de trabalho. Fiquei satisfeita com o resultado, agora, porém, estou nervosa. Os saltos estalam no chão e não demoro a encontrar o casal que estava procurando. Os dois conversam entre si. Mesmo de longe sei que ela está linda.
Me aproximo e ambos me notam. Meu irmão acena com a mão, ele não parece muito feliz. me olha. E então olha meu corpo. Meu corpo todo. Perco uma respiração. Ela volta para meus olhos, sorri e anda até mim antes de me abraçar. A abraço de volta rodeando os braços por sua cintura.
está de calça preta colada ao corpo. A blusa cinza acompanha um blazer na mesma cor da calça. Seu cabelo está quase bagunçado como sempre e o rosto sem maquiagem. O tênis a deixa mais baixa que eu.
Por que eu estava nervosa mesmo? Essa ainda é minha de sempre, a única diferença é que, depois do beijo, meu coração se agita cada vez mais.
***
A festa é, por pouco, mais interessante do que mais uma noite sozinha no meu apartamento. Faz o tipo balada com luzes, pista de dança e música alta. e eu trocamos apenas algumas palavras, pois, assim que entramos, , literalmente, gruda nela. parece não gostar, nem mesmo está muito feliz. Ambos parecem estar em um dia ruim. Deixo-os a vontade e não me importo de dançar sozinha as primeiras músicas.
Baby, this is what you came for
Fecho os olhos. Essa música nunca mais será a mesma.
Lightning strikes every time she moves
Penso em . Em cima da minha mesa de centro, de baby doll azul, quadris seguindo o ritmo da música, sua voz embolada...
And everybody's watching her
Seus beijos, suas mãos, sua respiração no meu pescoço, o beijo... Será que ela também pensa isso?
Abro os olhos para procura-la. Ela está a alguns passos de distância, algumas pessoas atrapalham que eu a veja completamente. Seu rosto está franzido e ela fala próxima a , que também não parece muito feliz. Ah não. Eles estão brigando?
se afasta de . Ele vira na direção oposta e caminha para longe dela, mas meu olhar não permanece nele por muito tempo. Olho para a mulher que estava ao seu lado. Ela me olha de volta. E sorri.
But she's looking at you, oh, oh
Seu quadril se move com a batida, dessa vez ainda melhor. Ela ainda me olha, ainda sorri, e anda até minha direção. Faço o mesmo sem fugir de seu olhar por nenhum segundo. Não me importo se meu coração acelera. Ou se perco alguma respiração. Só quero .
— Disso eu lembro. — Ela diz olhando nos meus olhos assim que nos encontramos. Suas mãos se apoiam nos meus ombros, ainda mantendo distância entre nós — Lembro muito bem. — E ela dança comigo até que a música acabe. Não duvido nem um pouco de que ela se lembra.
Não conto quantas músicas dançamos, na verdade, isso pouco me importa.
Paramos quando se aproxima de nós. Eu o vejo primeiro e sinalizo de sua presença, mas, depois da quase discussão, não tenho certeza de que quer falar com ela.
— Meninas, podem me acompanhar? Quero apresenta-las para uns amigos meus. — Ele passa o braço pela cintura de , que franze a testa e olha para ele. Não tenho chances de dizer um "tudo bem".
— Ah claro. E agora nós somos exposições que mostra a todos os seus amigos. — Ela fala completamente ríspida. — Viu, , como ele me trata? — tira o braço de de sua cintura com raiva. Ele a olha, sua expressão completamente confusa. Sinto pena dele. O que está fazendo?
— , só quero apresentar minha irmã e minha namorada para algumas pessoas. Meu Deus, qual o problema disso? — Ah, então é assim que começam suas brigas?
não parece realmente impressionado com o estresse repentino de , mas tampouco parece tranquilo. Droga, o que eu faço?
— Qual o problema disso, son? Qual o problema de você ter quase me obrigado a vir hoje? Qual o problema de tudo isso? — Algumas pessoas olharam para , tão confusas quanto eu. respira fundo, visivelmente irritado, mas conheço meu irmão, sei que ele não é tão inclinado a brigas em público como .
— Não vai me dizer nada? — Ela olha para ele, que se mantém em silêncio. Então me olha — Vamos embora, . — Ela segura meu braço meu braço e me puxa para seguir seus passos. Ah não. Esbarro em algumas pessoas pelo caminho.
Deixo que continue a me conduzir até estarmos fora do lugar. Nossos saltos ecoam mais alto longe do barulho.
Eu paro e solto meu braço de sua mão. Não penso em deixar o que aconteceu sem uma explicação. Nunca vi agir daquela forma com .
Ela para assim que deixa de sentir meu braço. Se mantém de costas por alguns segundos e então respira fundo antes de se virar para mim.
— Nós podemos ir pra sua casa, ? — Se não tivesse visto alguns minutos antes não diria que estava com raiva. Sinto um alívio. Lidar com irritada não é nem um pouco legal.
— , pode me explicar o que foi aquilo?
— Não foi nada. Vamos, . — Ela se vira e começa a andar. Ela realmente acha que vou deixar isso para lá?
— ! — Falo mais alto. Ela para e se vira para mim. Não está mais sorrindo e também não consigo decifrar seu rosto. Parece triste, mas esse não é o único sentimento que transpassa.
— TPM, . Estou de TPM. — Ela não me convence. sempre é tão transparente, é uma das coisas que mais gosto nela. Penso em responder, dizer que não acredito e exigir a verdade, mas, sinceramente, isso é entre e . Não preciso exigir nada.
me observa enquanto me mantenho em silêncio. Imagino que já saiba que não vou mais argumentar.
— Vamos. Nós conversamos melhor quando chegarmos no seu apartamento.
Não a respondo, mas começo a andar em direção ao meu carro. me segue.
O silêncio do caminho deu lugar a uma conversa onde apenas fala, assim que saímos do elevador no andar do meu apartamento.
— Na verdade eu não estava nem um pouco afim de ir àquela festa, sabe? O conhece tanta gente, assim é uma festa por semana. E ele quer sempre que eu vá porque quer que todos conheçam a namorada dele. Isso é tão chato. Você sabe que eu não sou fã de balada toda semana... — Chegamos à porta. Droga, onde estão minhas chaves?
— Se não queria ir então por que pediu que eu fosse? — Acho as chaves. está apoiada na parede do lado da porta e me olha enquanto abro a maçaneta. Entro e ela me segue.
Ainda sem responder passa os braços ao redor da minha cintura. Meu coração se agita por um segundo. Foco, . Seu corpo está colado em minhas costas. beija minha bochecha.
— Te chamei pra ter um incentivo pra ir. — Mais um beijo na bochecha. Um no ombro. Meu corpo responde imediatamente. Minha respiração desacelera, a pele onde ela me toca se esquenta, meu estômago se agita. Os beijos continuam. Ela espera alguns segundos entre um e outro. Ela está me testando?
Sei que está sóbria. Sei também que se lembra do que aconteceu há uma semana. Um beijo no meu pescoço. Dessa vez está consciente, me beija porque quer...
Mas eu também estou consciente, nem um pouco bêbada. é minha cunhada.
Respiro fundo e me afasto dela. Sinto falta dos seus toques imediatamente e meu coração reclama, mas não me importo. Preciso ser responsável. Me mantenho de costas.
— , o que está fazendo? — Falo alto e espero ter soado firme.
— O que? Estava te beijando, . — Respiro fundo. Com certeza sei que estava me beijando.
Me viro. O sorriso que brinca em seus lábios se desfaz assim que me olha. Não sei distinguir se está mais confusa ou triste.
— Não, . O que está fazendo? — Ela separa os lábios e respira fundo, mas não diz nada. — Você está ficando louca? — Não quero soar de forma rude, mas a expressão de me mostra que não consegui. Seu rosto não é mais confusão, apenas tristeza. Me arrependo.
— Se eu estou ficando louca? — Sua voz é baixa. Ela ri sem nenhum humor. — Talvez eu esteja louca mesmo. Não paro de pensar em você desde que nos beijamos.
Meu coração bate descompassado. Minha respiração pesa. Mil borboletas batem asas no meu estômago. Isso é tudo que queria ouvir, mas não dessa forma. Não com sendo a namorada do meu irmão. Fecho os olhos.
— Você nem lembra desse beijo. — Quero soar mais alto, mas falo pouco mais alto que um sussurro. Abro os olhos para olha-la. Seus olhos castanhos se prendem em mim.
— Talvez eu não lembre mesmo. Talvez todas as lembranças que eu tenha sejam dos sonhos que tive com você depois daquilo. — Meu coração se parte. Continua se partindo a cada segundo. Isso é mais do que eu queria ouvir. Meus olhos marejam, prestes a chorar. Fecho os olhos. Não sei quantas lagrimas caem.
— Você é minha cunhada, . — Não quero olhar seu rosto quando abro os olhos. Encaro o chão. As lágrimas ainda rolando. As borboletas se foram do estômago. Estão nos meus pulmões, me impedem de respirar e machucam.
— Não, . Eu e estamos mal, não consigo sequer passar uma noite com ele se só penso em você. Nós não vamos ficar muito mais tempo juntos. — Muito mais do que quero ouvir.
No meio da frase sua voz muda. Ela está chorando. Levanto os olhos e as lágrimas no seu rosto são reflexos das minhas.
— Mas ainda estão juntos, . Ainda estão! — Não quero falar alto, mas não controlo minha voz. Mais lágrimas.
— Você não... — Ela soluça — ... não gosta de mulheres? É isso? — Meu coração dói, quase insuportavelmente. Se você soubesse...
— , não consegue ver? O problema é você ser namorada do . Acha isso pouco? — Estou gritando. Isso a magoa. Me magoa ainda mais. Choro descontroladamente.
— Mas, ...
— Não, . — Eu a interrompo — é meu irmão e eu não vou traí-lo dessa forma.
— E eu? O que eu sou pra você?
Soluço. As lágrimas se intensificam e meu coração se parte, pois vou partir o dela.
— Você é só a namorada que ele me apresentou um ano atrás. — abaixa o rosto e suas lágrimas molham meu carpete. Fora de seu olhar me sinto livre para chorar livremente. Nunca imaginei que doeria tanto. Dói mais apenas saber que a fiz chorar dessa forma.
leva a mão ao rosto e seca algumas lágrimas. Vira de costas e continua em silêncio. Sua respiração é pesada e seu corpo soluça algumas vezes. Sei que ainda chora.
Ela dá um passo em direção a saída. Eu a interrompo.
— Não precisa voltar pra faculdade sozinha a essa hora. Pode dormir aqui.
Ela assente.
— Tudo bem. Só preciso de um cobertor. Posso dormir aqui no sofá.
Não sei o que responder. Não sei o que dizer que não seja um pedido de desculpas, ou uma declaração dizendo tudo o que sinto.
— E não se preocupe. Vou embora amanhã cedo.
Choro em silêncio.
— Tudo bem.
***
Meu celular desperta mais uma vez.
Sei que estou atrasada, mas meu corpo me implora que eu fique na cama. Vamos, , você tem trabalho. Desligo o despertador. Não quero acordar, levantar e passar mais um dia pensando em . Mais um dia pensando na última vez que nos vimos.
Lembrei dela antes de dormir. Seu sorriso, sua voz, seus beijos e toques, as palavras que me disse com tanto carinho. Ela sonhou comigo algumas vezes, disse que só pensava em mim... E então lembrei de suas lágrimas. Das minhas lágrimas. A forma como tentou me convencer a esquecer de . A dor excessiva que senti. Ao lembrar disso, mesmo depois de um mes, a dor voltou. E eu chorei mais uma vez.
Algumas poucas lágrimas se transformaram em um choro intenso com o passar da madrugada. Não sei que horas dormi, mas sei que ainda chorava quando isso aconteceu.
Como seria se eu tivesse dito a ela a verdade? Se não tivesse interrompido seus beijos?
Percebo que euero saber. Quero saber como é estar com , como é poder beija-la sem culpa. Quero saber como é ter apaixonada por mim. Só quero .
Abro os olhos disposta a levantar da cama. Não é dormindo o dia inteiro que descobrirei como é.
Sento na cama. Preciso fazer alguma coisa, qualquer coisa.
Ando para o banheiro. Vou tomar um banho. Me arrumar da melhor forma que conseguir. Quero estar linda, mas não para o trabalho e sim para .
— Alo? ? — Estou do lado de fora da porta do meu apartamento quando meu irmão me atende com voz de sono. Estou com pressa demais para me preocupar por ter o acordado.
— Droga, , o que foi? — Ando de um lado para o outro no corredor. Se acalma, . Vai dar tudo certo.
— A está aí com você?
— Não, , a e eu... — Não o deixo terminar de tanta euforia.
— Obrigada, . Você é fantástico. — E desligo.
Ela não estar com ele já é um bom sinal. Vai dar tudo certo.
Abro mais uma vez minha lista de contatos. A próxima pessoa para quem preciso ligar é Jack.
Disco seu número quando paro em frente ao elevador, as portas abrem em seguida.
Jack não demora a atender.
— ?
— Olá, Jack! Bom dia. Tudo bom? Espero que esteja de bom humor hoje. Como está? — Ele provavelmente percebe que estou nervosa, mas não quero soar muito agitada.
— Sim, estou de bom humor e sim, está tudo bem, e com você? Aconteceu alguma coisa? — Uma ponta de preocupação passa por sua voz. Quero dizer que está tudo bem comigo, que não é nada demais, mas estou com pressa.
— Está tudo ótimo, obrigada. Jack, preciso te pedir uma coisa importante. — Não se preocupe , Jack é compreensivo, vai dar tudo certo. Recebo um "hum?" como resposta. — Pode, por favor, permitir que eu chegue mais tarde hoje? Prometo que não vou me atrasar mais do que uma hora e reponho cada minuto no final do expediente. Pode, por favor? — Não me importo em soar desesperada, o que, de fato, estou. Jack fica em silêncio por alguns segundos. Imagino que vá dizer não.
— Se me prometer não demorará mais do que uma hora, sim, pode chegar mais tarde. — Uma onda de felicidade chega em mim.
— Jack, já te disse que é o melhor chefe do mundo? Você é incrível. — E ele realmente é. Assim que puder vou aceitar um almoço com ele para explicar todos os nãos que eu havia lhe dito. O elevador para no térreo. — Nos vemos mais tarde então? Bom trabalho.
— Tudo bem. Tchau. — Desligo o telefone, por pouco não correndo até a garagem.
***
Estou parada em frente aos dormitórios da faculdade de . O celular na minha mão está aberto na aba de mensagens.
", estou na porta do prédio do seu dormitório. Quero muito falar com você. Já está acordada? Podemos conversar?"
Se tudo que me lembro estiver certo tem aula às 08:30 nas sextas feiras. Sendo exatos 08:06 ela provavelmente não está mais na cama. A menos que tenha dormido na casa de alguma amiga. Droga, como não pensei nisso?
Meu celular vibra e o movimento faz meu coração acelerar. Uma mensagem de .
"Ok."
Respiro fundo. Talvez ela esteja brava. Concordarei se estiver. Se não quiser falar comigo também a respeitarei. Só quero que, de alguma forma, ela perceba que quero acertar as coisas. Os minutos parecem infinitos enquanto observo a entrada. Cada vez que a porta se abre imagino ser .
Toco na tela do celular para me distrair. Mais um minuto encarando a porta e eu entraria ali para ir até por mim mesma.
A tela acende ainda na página das minhas mensagens com ela. Começo a ler cada uma delas. Foram semanas de silêncio entre nós. Como deixamos isso acontecer? Certamente o vazio que deixou doía, e eu não estou nem um pouco preparada para continuar a sentir essa dor. Continuo lendo nossas mensagens. Chego em uma que me faz sorrir.
" e eu brigamos, eu to péssima. Posso ficar no seu apartamento essa noite?"
Quando a li pela primeira vez havia ficado completamente nervosa. Ah, se eu soubesse. Continuo sorrindo e releio suas palavras.
— E esse sorriso, hã? — Levanto os olhos ao som de sua voz.
está de cabelo preso e, como sempre, um pouco bagunçado. Está com uma calça de moletom preta e uma blusa de alça da mesma cor. Nunca a vi tão linda.
Meu sorriso se abre quando a olho.
Ela não me parece com raiva, nem um pouco triste. Seus olhos sorriem para mim, mesmo que seus lábios não me permitam ver um sorriso seu. Quase esqueço o que preciso fazer admirando seu rosto.
Desfaço o sorriso. Quero parecer séria. Completamente determinada com o que preciso fazer.
— , me desculpa. — Olho nos seus olhos sem me desviar por nem mesmo um segundo. Estou com medo de sua resposta, mas não me importaria de lutar por mesmo que dissesse que não quer mais ver. Perde-la uma vez já havia sido ruim o suficiente.
nega com a cabeça com quase um sorriso nos lábios.
— Não tem o que se desculpar, . Eu que fui completamente estúpida. — Ouvir o som de sua voz era maravilhoso. — A beijei completamente bêbada, sumi por dias e quando resolvi te ver novamente tentei te agarrar sem nem mesmo saber se o desejo era recíproco. Eu que preciso te pedir desculpas. — Não pude negar que está certa, mas eu a magoei, disse coisas estúpidas por querer desesperadamente a afastar com medo do que aconteceria se continuasse por perto.
— Mas eu disse coisas que sabia que iriam te magoar. Fui tão idiota...
— E eu já a desculpei por isso, . — Um sorriso triste surgiu nos seus lábios. — Já a desculpei faz dias. Como conseguiria ficar com raiva de você? — Minhas borboletas voltam ao meu estômago. É tão bom senti-las. — E você? Você me desculpa? — Sorrio.
— Como eu posso conseguir ficar com raiva de você? — Repito sua frase e ela sorri. Um sorriso de verdade dessa vez. Meu coração se agita. Preciso contar tudo a ela. — , eu não sei se ainda sente tudo que me disse, mas — Respiro fundo. — Preciso que você saiba que me sinto da mesma forma.
"Não paro de pensar no nosso beijo, nos seus carinhos, seus toques. Não paro de pensar em nada que seja remotamente relacionado a você. Sempre pensei. Desde que te vi pela primeira, que vi seu sorriso, ouvi sua voz. Sempre foi você, . Me desculpa se não fui corajosa o suficiente pra te dizer tudo isso um mês atrás. E agora, não me importa que ainda esteja com , eu não consigo mais manter só pra mim tudo que eu sinto, não depois de tudo que tivemos." — Estou nervosa. Nunca me imaginei falando tudo que disse a , mas, embora quisesse muito que tudo entre nós fosse fácil, não me importo se não pudermos ficar juntas. Ela já sabe, e isso para mim já basta.
, no entanto, sorri. Ri abertamente enquanto olha para mim. Por que está tão feliz? Ela se aproxima, parando a um passo de distância.
— , eu e não estamos mais juntos. Terminamos um dia depois do que aconteceu entre nós. Eu ainda quero só você. — O sorriso que dou me parece pequeno ao tamanho da felicidade que suas palavras me causam. Meus ouvidos ainda não acreditam no que acabam de ouvir.
— Isso é sério? Pode, por favor, repetir mais uma vez? — se aproxima ainda mais.
— Eu e já terminamos. — Sua voz é baixa. — E eu quero só você. — Ela sorri mais, se é que isso é possível. — Agora você pode repetir o que disse? Só pra eu ter certeza de que não foi um sonho. — Sorrio, mas não a respondo. Me aproximo de seu rosto para juntar nossos lábios. As borboletas já tomam conta de todo meu corpo.
— Espera. — diz quando estou há milímetros de seus lábios. Me afasto e a olho confusa. — Você não é hétero? — Gargalho com sua pergunta. De onde ela tirou isso?
— , eu sou lésbica. — Não consigo descrever a expressão de , mas certamente não é nada de ruim.
— Como nunca falamos sobre isso? — Ela sorri e aproxima nossos rostos mais uma vez. Seus lábios tocam nos meus e meu coração agradece.
— Não tenho certeza se podemos continuar fazendo isso aqui... — Eu a digo entre beijos. se afasta e me olha nos olhos. Não sinto falta dos seus lábios agora que sei que posso tê-los outra vez. As mãos de descem da minha cintura para minhas coxas e então sobem mais uma vez parando centímetros acima, por baixo do meu vestido.
— Então nós vamos ter que terminar isso no seu apartamento... — Ela me beija mais uma vez, mas afasto seus lábios.
— Você tem aula, .
— Último semestre, . — Ganho um beijo. — Último semestre.
Leio a mensagem mais uma vez, tentando formular uma resposta. Com os dois minutos que se passaram talvez ela já esteja na frente da minha porta, e provavelmente já percebeu que eu não estou em casa. Droga, ela vai ficar chateada quando souber que ainda tenho um jantar. Provavelmente triste e precisando de companhia. Respiro fundo. Embora eu queira muito vê-la, não tenho nem um ano na empresa, não posso faltar a nenhum dos meus deveres. Se mantenha responsável, , responsável.
Olho pro celular mais uma vez. Vou dizer que sim, pode ficar no meu apartamento e pedirei desculpas, pois vou chegar no fim da noite. Vou desligar o celular e agir o resto da noite como uma adulta que lida perfeitamente com mensagens inesperadas.
— , se não sairmos em um minuto vamos perder a reserva. — É Jackson, meu quase chefe. Impaciente e provavelmente andando de um lado para o outro no corredor. — Eu juro que estou indo sem você.
Levanto apressada. Ele realmente iria sem mim? Pego minha bolsa que está em cima da mesa, convenientemente arrumada. Verifico a sala mais uma vez. Tudo em ordem. Olho o relógio. Droga, estou mesmo atrasada. Pego o celular pronta para sair.
Ah não, a mensagem.
"Sim, claro que pode. Você sabe onde ficam as chaves. Vou chegar tarde, tenho um jantar. Até mais."
Envio enquanto saio dali, repassando a frase algumas vezes. Jackson está no final do corredor quando saio. Correr até ele será uma péssima ideia com meus saltos finos. Pior ainda será perder o elevador. Corro assim mesmo, sem me impressionar com os ocasionais tropeços.
— Será que não podia me esperar mais cinco segundos? — Jack entra no elevador. O terno azul está impecável e, para variar, está usando gravata. Cinza e azul. Ótima escolha.
Jackson se apoia contra uma das paredes. Tranquilo e com um sorriso no rosto. Por acaso ele não estava me apressando um minuto antes?
— Se eu não tomasse uma atitude você passaria o resto da noite olhando pro seu telefone. Sério, , era uma mensagem do papa? — Sorrio, mas a piada de Jack só me lembra mais uma vez minha resposta, e, droga, tinha sido uma resposta horrível. Ainda assim pego o celular e o desligo.
Agir como uma adulta responsável. Isso não será problema.
Me viro para o espelho do elevador. Os trintas minutos em frente ao espelho do banheiro de funcionárias me caíram bem. O cabelo estava no lugar, o vestido preto impecável e a maquiagem como havia deixado. Respiro fundo para me livrar de qualquer instabilidade que sofri. Está tudo nos conformes.
— Sabe, se aceitar jantar comigo juro que não precisa ter pressa para nada. Pode responder quantas mensagens quiser. — Olho para Jackson através de seu reflexo. Seu sorriso é relaxado, um pouco tímido. Sempre adorei o jeito como sorri, é lindo, capaz de conquistar alguém apenas por estar ali, e Jackson... Bom, também não fica para trás. Seu cabelo castanho claro está longe de ser perfeitamente arrumado. As mechas soltas por vezes caem em sua testa e, quando o corte está por fazer, acabam atrapalhando seus olhos verdes. Jack é lindo, bem-sucedido, maduro e responsável e está chamando a mim para um jantar pela quinta vez. A pergunta, porém, nada causa em mim. Nem uma batida do coração descompassada, nem uma respiração perdida, ou agitação. Nem um porcento do que apenas uma mensagem fez comigo uns minutos antes.
Sorrio, tentando pedir desculpas através do gesto, e me viro para ele.
— Se me disser que será apenas um jantar entre amigos, eu aceitarei com prazer.
— Sabe que não quero ser só seu amigo — Ele abaixa a cabeça e coloca as mãos nos bolsos da calça. Mechas de cabelo cobrem seu rosto.
Suspiro. Era sempre a mesma coisa. Se não sinto nada por ele então por que me incomoda tanto dizer que não? Aliás, por que sempre me incomodou tanto dizer não a todos os garotos durante a vida?
Meu único sim me rendeu uma péssima noite de baile de formatura e um beijo roubado que considero o pior da minha vida.
Suspiro mais uma vez. Não é possível que eu seja tão bondosa a ponto de nunca querer magoar ninguém.
Plim. Salva pelo gongo. As portas do elevador se abrem no primeiro andar. Jackson me olha, esperando uma resposta. Não posso simplesmente dizer que não aceito, assim como não pretendo tocar nesse assunto dentro de um elevador.
Respiro fundo.
-Vamos, Jack.
A porta do elevador abre e sinto um alívio só de ouvir seu som. Os saltos já estavam me matando, o que me lembra de sempre usar saltos confortáveis em dias que serão longos. Além disso, quero muito chegar em casa. Ao que me lembro, e com certeza lembro muito bem, tenho lágrimas para enxugar e conselhos sobre relacionamentos para dar. A noite será longa.
Tiro os sapatos na hora em que meu celular finalmente liga, vibrando dentro da bolsa sendo acompanhado por bips de mensagens. Seguro os sapatos com uma das mãos, quase os derrubando, e pego o celular com a outra. Cinco mensagens, nenhuma ligação nem recado na caixa postal. Essa tinha sido fácil. Talvez eu mesma tivesse exagerado.
“Vai mesmo chegar tarde?”- Às 20:16
“Ok. Tem mesmo que ir nesse jantar???”- Às 20:17
“... por favor, não pode adiar isso?”- Às 20:20
“Tudo bem. Vou ficar aqui sozinha e completamente TRISTE”- Às 20:25
“Você realmente foi!!!” - Às 20:37
Cinco mensagens e foram o suficiente para me lembrar de que eu estou lidando com a rainha do drama. Se fosse qualquer outra pessoa eu não teria a mesma paciência.
O elevador abre mais uma vez. Meu andar, finalmente.
O incômodo nos pés não me impede de andar com pressa, mas, droga, eu não deveria parecer tão desesperada. Foram apenas dez dias sem vê-la, trocamos algumas mensagens e, três dias atrás, ela me ligou. Além de tudo, aquele não seria um encontro casual, ela está na minha casa por que estava triste e aquele era o lugar mais próximo no momento. Estava triste porque tinha brigado com o namorado, meu irmão, que mora dois andares acima.
Chego em frente à porta e coloco a chave na fechadura. Destrancada. Ótimo, além de conselhos amorosos também terei que passar um sermão sobre segurança. Entro no apartamento e largo os sapatos no chão antes de perceber o que acontece na minha frente.
— , ainda não se acalmou?
E lá está ela. Deitada no meu sofá, abraçando um travesseiro, que tenho certeza ser o meu. Com o nariz vermelhos e os olhos castanhos inchados. Droga, o que o fez?
Seu cabelo escuro está preso em um rabo de cavalo que mal chega abaixo dos ombros e ela está vestindo um baby doll azul. Em cima da mesa de centro meu saco de torradas está aberto e na televisão passam cenas de Cartas para Julieta. algumas vezes leva a mão até o rosto para secar as lágrimas que caem.
— Eu me acalmei meia hora atrás, mas voltei a chorar de tanta solidão. — Sua voz está afetada com o choro e o nariz com certeza entupido. Sorrio, deixando escapar uma risada. Mas que dramática! me acompanha, rindo entre o choro, seu senso de humor é infalível até consigo própria.
Deixo minha bolsa em cima de uma das cadeiras e vou até o sofá. Me sinto descansada só em andar descalça pelo carpete. Sento na ponta segurando seus pés no colo.
— Aconteceu alguma coisa séria? Quer que eu suba pra brigar com ele? — Ela sorri me olhando nos olhos. Se ajeita no sofá e se senta de frente para mim. Suas pernas esticadas de forma em que ainda consigo tocar seus pés. Pode estar como for, mas ainda está linda. Seu sorriso se desfaz quando começa a falar.
— Não precisa, , não foi nada demais. Apenas nós dois fazendo mais drama do que necessário. — A encaro e concordo. Com certeza acredito no que diz. Suas brigas quase sempre acontecem por conta de um exagero.
— Tudo bem, sabe que acredito. — Ela sorri mais uma vez. — Quer falar sobre isso?
— Sim. — Ela assente. — Mas antes disso — Seus pés me cutucam e seu rosto se contorce em uma quase careta — Tenho certeza de que está louca pra tomar um banho e trocar essa roupa. — Rio apoiando a cabeça no sofá. Ela me conhece bem. — Pode ir. — Ela faz um gesto com as mãos mandando que eu fosse. — Estarei bem aqui esperando.
Levanto sinceramente aliviada. Nem pode me fazer desistir de um banho quente depois de um dia longo.
— Só, por favor, não repita o banho que tomou no último feriado. — Suas mãos estão juntas enquanto fala e um biquinho surge nos seus lábios. Rio alto. Eu nunca vou ser esquecida disso. — Não sei se consigo esperar mais uma hora. — Sorrio e ela também. Já nem parece que passou a última hora chorando.
— Não se preocupe. — Passo por ela andando até o corredor.
Graças a Deus uma briga boba dessa vez. Ainda me lembro de quando e terminaram. Lembro das duas vezes. Foram necessárias cinco amigas e um dia inteiro para que sequer parasse de chorar. E , bom, encheu minha caixa de mensagens um dia após o término me pedindo para fazer mudar de ideia. Foi extremamente difícil me dividir entre dois.
Paro na porta do corredor me lembrando de algo que tinha esquecido.
— Ah, ? — Encaro parte de trás de sua cabeça. Seu rabo de cavalo balança e ela tira os olhos do celular para virar a cabeça e olhar para mim.
— Sim?
— Esqueceu de trancar a porta quando entrou. De novo. — Imagino o que essa frase vai causar. revira os olhos, como sempre faz quando falo do mesmo assunto. O gesto me irrita, como sempre. Irritou da primeira vez que o vi e rendeu um mês inteiro pensando que minha cunhada era a pessoa mais grossa que eu já tinha conhecido. E essa discussão, que já tínhamos repetido mais do que apenas algumas vezes, me irrita também. Ele não pode ceder nem mesmo na minha casa?
Me mantenho calma, porém. Argumentar com é sempre uma péssima ideia, ela pode debater com alguém por horas sem se cansar.
— Tenho certeza de que sabe que trabalha um ótimo porteiro nesse prédio. — Ela vira a cabeça e volto a encarar apenas seu rabo de cavalo bagunçado. Me viro e volto a andar para o corredor que me levará até minha suíte. Quando chego na porta no quarto ouço a voz abafada de .
— Eles não deixam qualquer um entrar! — Ela gritou para que eu pudesse escutar. Rio. Que determinada.
— Prontinho! — Chego na sala secando o cabelo com minha toalha.
A cena que vejo é o oposto do que vi quando entrei em casa. Trinta minutos são o suficiente para uma mudança no humor de . Não que eu esteja surpresa. Ela olha para mim e sorri. Está sentada, dessa vez longe do travesseiro. Meu coração bateu descompassado. Seu cabelo está solto, e cai até abaixo da clavícula. Uma respiração perdida. Seu rosto, mesmo que ainda vermelho, não me passa nenhum sinal de tristeza. Ela continua sorrindo.
Por acaso isso são borboletas na minha barriga?
Não é difícil que eu tire meu foco de , muito menos que eu adivinhe o que se passa em sua cabeça.
Meu pacote de torradas já não está mais na mesa de centro, ele deu lugar a minha garrafa de Château Mont caríssima que, até o momento, esperava tomar apenas em ocasiões importantes. com certeza não pensa como eu. Do lado da garrafa de vinho está a garrafa de vodca, com pouco mais de dois dedos do líquido, que sobrou do último happy hour que meus amigos organizaram. A televisão está desligada, mas no rádio está tocando Christina Aguilera.
Ah, sim, quer ficar bêbada em plena quinta feira a noite.
— Vamos logo com isso. — Ela levanta e anda até mim, visto que estou parada, digerindo a péssima ideia de para nossa noite. Digerindo que eu realmente estava propensa em aceita-la. Ela tira a toalha da minha mão e a joga em cima da bancada atrás de mim. — Me deixa derramar em você minhas lamentações sobre meu relacionamento completamente instável pra gente passar logo dessa parte e começar a beber como se não houvesse amanhã. — Ela segura minha mão e me leva até o sofá, onde jogo meu corpo, não exatamente sentada.
— A sua ideia é excelente, só seria péssimo se amanhã alguém tivesse que trabalhar de manhã. Ou se mais alguém tivesse aula na faculdade mais cedo ainda. — ri, já segurando a garrafa de vinho e o saca-rolhas.
— Se importa se eu abrir? — Ela aponta para o Château Mont. Faço que não com a cabeça, mas talvez me importe um pouco. — E eu não preciso mais ir a todas as aulas, , é pra isso que serve o último semestre. — Rio. Sempre imaginei que fosse o contrário.
Ela abre o vinho com tanta facilidade que a invejo. Duas taças estão em cima da mesinha e ela as serve. Uma ela entrega em minhas mãos, a outra ela segura e senta ao meu lado no sofá.
— E então? O que aconteceu dessa vez? — Não quero realmente tocar no assusto da briga, mas seu nariz vermelho me lembra que, o que quer que tenha acontecido, a havia magoado a suficiente. Levo a taça aos lábios enquanto espero sua resposta. O vinho é mesmo delicioso.
— Bom, por onde começo? — Um sorriso triste aparece por poucos segundos no seu rosto e ela o desfaz levando sua taça até os lábios. Sua expressão muda, virando quase uma cara de espanto. — ! Que vinho maravilhoso! — Sorrio. Ela leva taça a boca mais uma vez, dessa vez bebendo mais do que só um gole.
— Tem que ser, paguei 150 dólares pela garrafa. — A expressão de é impagável. Seus olhos se arregalam e ela literalmente espirra parte do vinho pela boca. Teria sido engraçado, e eu poderia rir, se meu olhar não tivesse ido direto para o carpete onde com certeza ficaria uma mancha. Ah não.
— Você por acaso conhece a existência das garrafas de 20 dólares? — Ela se levanta e segura a garrafa aberta nas mãos, lendo o nome no rótulo. — Seu emprego está pagando tão bem assim? — Não está. A garrafa foi parcelada em duas vezes no meu cartão de crédito, mas eu não vou entrar nesse assunto com ela.
Respiro fundo e bebo mais um gole do vinho. Uma adulta, .
— , senta logo nesse sofá e me conta o que aconteceu entre e você antes que eu a expulse daqui por manchar meu carpete. — Ela olha para o chão na direção onde tinha cuspido meu vinho caro. Ela com certeza imagina o quanto aquilo vai me incomodar.
se senta. Nunca usaria a palavra receosa para descreve-la em algum momento, mas talvez ela estivesse com um pouco de culpa. Ela bebe um gole da sua taça antes de recomeçar a falar.
— Bom, a verdade é que foi uma briga incrivelmente idiota. Consegui chegar a essa conclusão enquanto te esperava.
— Suas brigas sempre são sempre idiotas. Todas as três por semana. — Ela ri e eu a acompanho.
— Acredite ou não, o motivo foi que programa iríamos assistir na televisão do quarto. — Reviro os olhos. Claro que foi esse o motivo. — Estava passando aquele filme em que o casal sofre um acidente e seus espíritos se encontram antes de voltarem a vida, sabe? É tão lindo.
— Aham. — Na verdade não sei.
— Então... queria assistir futebol e queria que eu trocasse de canal. Obviamente não troquei. Ele ficou com raiva e eu comecei a discutir sobre ele nunca ceder às minhas preferências. — Mais um gole de vinho — E aí ele também começou a reclamar dizendo que faz de tudo por mim e eu nunca agradeço. Acredita nisso?
— , vocês dois precisam amadurecer. — Ela respira fundo e bebe o que resta de vinho na sua taça. — De qualquer forma sempre foi assim, não é? Sempre brigas por qualquer motivo... — ri pelo nariz e apoia a taça vazia em cima da mesa de centro. Imagino que ela vá se servir de mais vinho, mas ela apenas roda o dedo na boca na taça e volta a se apoiar no sofá, de mãos vazias. — O que importa é que vocês se amam. — A expressão de muda de forma tão sutil que eu não perceberia se estivesse olhando seu rosto.
— É... — Ela fixa seu olhar na garrafa em cima da mesa. Essa reação era incomum. A de sempre abriria o sorriso mais lindo que conheço e começaria a falar sobre todas as qualidades de que a deixavam tão apaixonada. Já ouvi a mesma coisa várias e várias vezes, o olhar de agora, porém, era novo.
— , não sente mais a mesma coisa pelo meu irmão? — Não sei se agradeço a Deus ou ao vinho pela coragem. De onde tirei uma pergunta dessas?
— Ah, , não quis dizer isso. — Ela levanta com pressa e respira fundo. Tudo bem, ela não quer falar sobre isso. — Por que não falamos sobre você, hã? — Um sorriso aparece no seu rosto, mas não tão sincero assim. pega a garrafa de vinho e enche sua taça mais uma vez. — Aliás, essa camisola azul te deixa maravilhosa.
— Everybody's watching her but she's looking at you, oh, oh
Levanto os braços e começo a mexer o corpo. Droga, por que é tão difícil dançar deitada no sofá? Eu devo estar ridícula.
Mas não paro.
não tem o mesmo problema. Gargalho da sua situação, nossa situação. Ela está cantando usando o controle da televisão como microfone. Seu corpo acompanha as batidas da música, mesmo que não muito bem. A garrafa vazia de Château Mont está no chão, ao lado da garrafa de vodca, que ela acabou de beber sozinha. As taças e copos que usamos também estão no chão, pois está em cima da minha mesa de centro dando seu show. Tem alguma chance de quebrar? Talvez seja mais fácil cair...
Ela olha para mim enquanto canta, e faz cara e bocas. Gargalho mais uma vez quando ela termina a música com uma pose. boceja e se espreguiça, mas não desce da mesa. A voz de Halsey começa e ela emenda mais uma dança, dessa vez não sabe a letra da música. Bocejo também. Desde quando meus olhos estão tão pesados?
Busco o celular que deixei em algum lugar no sofá. ainda está dançando, enrolando a língua tentando cantar o refrão. Acho meu telefone entre uma das almofadas e acendo a tela. Não acredito. 02:16 da manhã?
Levanto com mais pressa do que gostaria e vejo o mundo rodar. Apenas com algumas taças de vinho. Dessa vez ficar bêbada foi fácil.
— .
— Hum? — Ela olha para mim por um segundo e volta a fechar os olhos e balançar o corpo. Ah, não, não vou deixa-la passar o resto da madrugada assim.
— ! — Falo mais alto e atraio sua atenção. Ela não para de dançar, mas fixa seus olhos nos meus.
— Sim, ? — Ela diz com a voz completamente embolada. Se não tivesse a visto tantas vezes bêbada talvez não tivesse a entendido.
— Vamos dormir? Já está tarde e eu estou com sono.
— Ah, tudo bem. — Ela desce da mesinha, para alguns centímetros a minha frente e leva uma mão até meu cabelo. Seus dedos começam a enrolar as pontas. Meu coração bate forte. Muito forte. — Vou abaixar a música pra você dormir tranquila. — Sua voz, mesmo que ainda embargada, soa muito mais clara e consigo entender suas palavras. Ela sorri. Sorrio junto.
— Não. Você tem aulas pela manhã. Vamos as duas dormir agora. — Seu sorriso se abre mais um pouco. Seus dedos escorregam do meu cabelo e descem pelo meu braço. Acontece mágica em cada centímetro de pele que ela toca. Meu coração já não sabe mais como manter um só ritmo.
— Eu não vou às aulas da manhã. Não se preocupe com isso. — Por pouco não perco suas palavras por me concentrar apenas no seu toque. Respiro fundo. Não será a bebida que me fará fazer algo estúpido.
Recobro o controle da minha mente e assimilo as palavras de .
— Você vai sim. — Me afasto dela e quase prefiro não ter o feito.
Ando até o rádio e o desligo. As garrafas e taças podem esperar até amanhã. Quando me viro está sentada no sofá olhando para mim. Aparentemente ainda bastante acordada. Passo pelo sofá em direção ao corredor, mas ela não me acompanha. Paro para olha-la e ela já está me olhando de volta. Seus olhos me fazem perder uma respiração.
— Vou te esperar por mais cinco minutos. Se não aparecer venho aqui te buscar. — ri. — Pode apagar a luz quando for? — Ela mexe a cabeça dizendo que sim. Dou meia volta e entro no corredor.
— . -Viro para o som da sua voz. Agora sua cabeça está apoiada no sofá e ela está de olhos fechados.
— Sim? — Encosto na parede esperando que fale.
— Já disse o quanto está linda com essa camisola? — Meu coração retoma as batidas apressadas. E o que está acontecendo com meu estômago?
— Sim, e obrigada. — Ela mantém os olhos fechados e fica em silêncio por alguns segundos. Me afasto da parede e começo a andar.
— A cor combina com o azul dos seus olhos.
Não respondo. Não conseguiria sem entregar a reação que suas palavras causaram em mim. Entro no quarto e encosto a porta. Respiro fundo uma vez. Eu devo mesmo estar ficando louca. Respiro fundo mais uma vez. Que tipo de reação é essa? Mais um respiro. Por acaso sou uma adolescente?
Aja como uma adulta, .
Isso com certeza é culpa da bebida.
Ando até o banheiro com pressa. Preciso me recompor. Abro a bica e deixo a água fria cair pelas minhas mãos. Me concentro na temperatura em minhas mãos e não dou atenção ao burburinho que tomava conta de mim. Pego um pouco de água e molho meu rosto. Meu coração já está mais calmo. Repito o gesto. Eu estou bem.
Levanto o rosto e o espelho em minha frente me mostra uma que eu nunca tinha visto. O cabelo é o mesmo, apenas me lembra o gesto de minutos antes. Olheiras já aparecem de baixo dos meus olhos e eles estão diferentes. Esse brilho sempre esteve ali? Mesmo com a aparência cansada eu ainda pareço mais linda que antes.
O barulho da porta do quarto fechando me leva de volta a minha realidade. Saio do banheiro e está em pé próxima a cama. Ainda bem que não terei que buscá-la. Ela fixa seus olhos em mim assim que me vê.
— Vamos dormir? — As palavras saem da boca dela, mas poderiam ter sido ditas por mim. Ao invés de deitar se aproxima alguns passos. Droga, por que estou nervosa assim?
— Não quer tomar um banho antes? Você está bêbada, vai ajudar na ressaca amanhã. — Ela não responde, mas avança mais alguns passos. Sinto as batidas do meu coração se acelerarem. Isso está frequente demais para uma só noite. Sem muita consciência dou um passo para trás. ri e anda mais uma vez, agora parando bem à minha frente.
— Você cuidou tão bem de mim essa noite, . — Suas mãos tocam meus braços. Dou mais um passo para trás. Talvez até ela já consiga ouvir as batidas do meu coração, mas, mesmo que não consiga, minha respiração ofegante me trai, completamente descompassada. Ela se aproxima mais, seu corpo todo encontra com o meu. Suas pernas, barriga, seios, tudo está colado em mim. Suas mãos irradiam energia pura onde toca. Por um momento penso que vai me abraçar. Mas isso não acontece. Cada parte do meu corpo implora a mim que ceda ao toque de , e estou prestes a fazer isso, mas, pelo que ainda resta de racional em mim tento me afastar mais uma vez. Minhas costas, porém, encontram a porta do banheiro, fechada, sem ter aonde ir. Custo a admitir que gosto muito de ter encontrado aquele obstáculo. beija meu ombro. Minha pele poderia pegar fogo onde seus lábios tocaram. — Não só essa noite — Seu nariz caminha pelo meu corpo até meu pescoço e ela me beija ali. Ainda imóvel me arrepio. O que essa mulher está fazendo comigo? — Você sempre cuidou de mim como ninguém, sempre me ajudou... — beija cada centímetro de pele do meu até minha bochecha. Minha respiração releva toda minha euforia. Meu peito sobe e desce sinuosamente e minhas pernas por pouco não cedem. O que acontece no meu corpo, porém, não se compara ao que sinto dentro de mim. Meu estomago revira-se tanto quanto pode, meu coração está completamente desritmado e sinto um calor em cada canto da minha pele. Respiro fundo, quero tanto ceder...
— O que está fazendo, ? — Minha voz sai pouco mais alta que uma respiração, é apenas um sussurro. A respiração de tocava meu pescoço e tirou qualquer concentração que reuni para fazer a pergunta. Ainda toca, e ainda me distrai. Nem lembro mais porquê fiz essa pergunta estúpida. Ela beija minha orelha e passa língua ali. Um arrepio percorre meu corpo, eu me sinto extasiada.
— O que? Não está gostando? — Seu sussurro provoca meu ouvido e ela me beija mais uma vez. – Você é tão linda, . – Minha mente não pensa em mais nada além de cada centímetro do corpo de contra o meu, seus beijos no meu pescoço, sua mão que agora está alta em minhas coxas. Eu suspiro. Isso é realmente muito bom. dominou todos os meus sentidos com facilidade, e isso não me incomoda.
Fecho os olhos e respiro fundo. Quero sentir cada toque de seu corpo sem pensar em nada que nos rodeia. Não tenho chance de abrir os olhos novamente. Os lábios de tocam os meus e meu corpo entra em chamas. Sua língua brinca com meus lábios e eu os abro deixando que ela faça o que quer. Minhas mãos se movem e agarram a nuca de puxando-a para mais próximo ainda. Suas mãos respondem apertando minha cintura com força. Ouço um som, que mais me parece um gemido, mas não sei distinguir qual das duas o deixou escapar. Me concentro em seus toques. Nossas línguas brincam. Seu beijo é macio e com gosto de bebida. Meu corpo todo responde a seus estímulos. Eu realmente estou apaixonada por ela?
afasta seus lábios dos meus retornando para apenas mais um beijo rápido. Sinto falta quase imediatamente, mas seu rosto e todo seu corpo ainda está próximo a mim. Suas mãos se tornam o oposto das mãos fortes que me apertaram durante o beijo, agora elas acariciam minha cintura com calma. Abro os olhos e já está olhando para mim. Seus olhos fixos nos meus a apenas centímetros de distância. Nunca esquecerei essa imagem.
Respiro fundo. Toda minha euforia se esvai e dá lugar a uma tristeza. Eu devo estar ficando louca. Respiro fundo mais uma vez. ainda é minha cunhada.
Dói dizer as palavras que surgem na minha mente. se aproxima para me beijar mais uma vez, mas eu a interrompo.
— Vamos dormir, , por favor. — Ela para. Olha nos meus olhos. Se ficou decepcionada não demonstrou. Ainda com o rosto próximo ao meu ela assente e então se afasta.
Fico parada encostada na porta. A respiração voltando ao normal. Meu coração encontrando seu ritmo. Estou eufórica com o que aconteceu. Ainda não posso acreditar. Aquilo tinha mesmo acontecido? Se aconteceu, então por que estou tão triste agora?
se deita em um dos lados da minha cama. Será que ela se sente como eu? Droga, devia ter sido apenas a bebida a deixando confusa.
Abro a porta do banheiro e entro mais uma vez. No espelho uma muito mais linda do que a de antes. Cabelo desgrenhado. Camisola amarrotada. Lábios avermelhados que sorriem tristes.
Lavo o rosto com água fria. Preciso ir dormir.
Estou parada em frente ao meu bloco de notas com a caneta na mão. O banquinho em que estou sentada, bem em frente à bancada da cozinha, me incomoda e se torna desconfortável. Encosto a caneta no papel mais uma vez, mas nenhuma frase convincente surge na minha mente. Ainda duvido muito que deixar um bilhete na porta da geladeira seja a coisa certa a se fazer.
Levanto frustrada. Droga, não há certo ou errado. Nós estávamos bêbadas, completamente movidas pelo álcool, ela provavelmente nem vai se lembrar.
Guardo o bloquinho e a caneta. Vou acordá-la, pedir para que vá à faculdade. Não vamos trocar muitas palavras, pois tenho que ir ao trabalho. Vai ser completamente normal, como todas as outras vezes em que ela passou a noite no meu apartamento.
Entro no quarto absolutamente determinada a agir normalmente. Ando devagar evitando que os saltos façam muito barulho e chego na cama, sento na ponta, com virada para mim. Não é difícil acordá-la, balanço seu corpo uma vez e ela grunhi. Balanço outra vez e recebo um olhar, que se fecha logo em seguida.
— Vamos, , você tem aula. — A balanço mais uma vez. Preciso me lembrar de evitar deixar ficar bêbada no meio da semana. Recebo um sonoro "aaaa" como resposta.
— Estou morrendo de dor de cabeça, . — Sim, claro que está. Uma sessão de beijos não é a única surpresa que uma bebedeira reserva. Ela pega meu travesseiro que está bem ao seu lado e cobre a cabeça.
— Vou pegar um remédio e um copo d'água pra você, tudo bem? — Ela faz um som que se parece muito com um "uhum". Considero que foi o que disse. — Vai pra faculdade, não é? — Outro murmúrio, eu não conseguirei nada melhor que isso.
Saio do quarto e ainda está com o rosto coberto. Não posso ser babá dela, se não vai levantar então não há nada que eu possa fazer. Olho para o relógio no pulso. Só tenho mais alguns minutos. Demorar um pouco mais só para ficar com — e testar como age comigo — seria completamente imprudente, mas me sinto tentada a fazê-lo. Pego a cartela de remédio e encho um copo com água. Isso é o máximo que pode fazer, .
Quando chego no quarto já está sentada. O cobertor está jogado ao seu lado e ela abraça meu travesseiro. Me olha assim que entro no quarto, com tanta naturalidade que duvido que se lembre de qualquer coisa que tenha acontecido na noite passada. Não estaria me olhando de forma tão tranquila assim. Eu mesma estou concentrando cada parte do meu corpo em agir de forma indiferente àquele beijo. Parte da minha mente ainda me pedia para sentar na cama e começar a pedir desculpas por ter sido tão imprudente. Mas, de qualquer forma, não acho que seja tão boa atriz assim.
Sento na cama mais uma vez e lhe entrego primeiro o copo de água e então o remédio que tiro da cartela. Ela engole e bebe toda a água do copo com pressa. Seus olhos então com olheiras escuras e seu rosto ainda está amassado da noite de sono, nem um pouco parecida com a que me olhou a poucos centímetros de distância depois de um beijo, mas igualmente linda. Meu coração acelera. Acalme-se, . Ela me olha.
— Obrigada, , não sei o que seria de mim sem você. — sorri e se espreguiça.
-Não precisa me agradecer. — Levanto da cama, morrendo de vontade de voltar e passar o dia ali. Com ela. — Mas agora preciso ir. — Ela faz beicinho e encosta a cabeça na parede. Respiro fundo. Ainda tenho que ser responsável. — Tem pão no armário, caso queira fazer torradas, e frutas na geladeira. Quando sair deixe a chave no lugar de sempre. — Ela assente. – E tranque a porta! – Ela revira os olhos. Tudo como sempre.
Pego minha bolsa e paro em frente ao espelho. Saia vermelha no lugar, blusa branca impecável e cabelo preso em uma trança lateral. Minha aparência é o oposto dos meus sentimentos, que está absolutamente confuso. me olha através do meu reflexo, quando percebe que estou a olhando sorri.
— Está tão linda. Por acaso está tentando impressionar alguém no escritório? — Eu rio e balanço a cabeça negativamente. Estou tentando impressionar você. Vou até a porta, pronta para sair. — . — Me viro para . Seu sorriso sumiu e ela me olha nos olhos. — Quero conversar com você depois. — Meu coração acelera. Assinto e saio do quarto.
Às exatas 11:51 da manhã meu celular vibra em cima da mesa do meu escritório. Abandono a matéria que leio no meu notebook para olhar rapidamente em direção a ele. Eu teria ignorado e voltado ao trabalho se o nome de não estivesse no visor.
Pego o celular com mais pressa do que gostaria. Droga, pareço desesperada mais uma vez. É mais nervosismo do que qualquer outro sentimento, mas seria impossível não me sentir assim depois do que me disse. Será que ela falaria do beijo? Com certeza tinha achado um absurdo...
Desbloqueio a tela e abro sua mensagem.
", podemos nos encontrar na sua hora de almoço pra tomar um café?"
Ela quer conversar. Definitivamente não é apenas mais uma conversa casual, ou ela falaria por mensagem, como já fizemos diversas vezes. Além de tudo, não costuma me chamar pelo meu nome inteiro, dessa vez escreveu .
Com certeza é sobre o beijo.
Embora a ideia de um café no horário de almoço não seja nem um pouco agradável, eu respondo sim para sua mensagem.
Fecho o notebook. Ainda me restam alguns minutos de trabalho, mas minha mente não foca em mais nada. passou a me causar muitas reações desde aquele beijo.
Paro em frente a porta da cafeteria e respiro fundo. O pior que pode acontecer é me dizer a quão arrependida está. Talvez diga que foi algo estúpido. Nada que eu já não saiba. Abro a porta e um sino anuncia minha chegada, desejo imediatamente que ele não existisse. Olho para a direita sabendo exatamente onde encontrá-la. sempre escolhe a mesma mesa. A terceira mesa a direita do lado da janela. Ela está de costas, seu cabelo é levemente bagunçado e ela está usando uma camisa xadrez. Ela olha pela janela uma vez, talvez me procurando. Vou até sua mesa sem pressa, talvez eu esteja com medo da conversa que teremos, e meu corpo, inconscientemente, tenta adiar o máximo possível.
Passo por e sento a sua frente. Ela está com um copo de café na mão e em cima na mesa dois pratinhos, um com um pedaço de brownie inteiro, outro com o mesmo bolo, porém já com algumas garfadas. sorri ao me ver. Um sorriso simples, sem ao menos mostrar os dentes. Ela me empurra o prato com o brownie inteiro.
— Pedi pra você. — Ela mantém o mesmo sorriso e eu sorrio junto. Por favor, coração, é apenas um brownie, se acalme.
— Ah, obrigada, . — Ela mal espera que eu agradeça quando inicia sua próxima frase.
— Sei que prefere almoçar. Me desculpa mesmo. É que logo mais tenho aula, não posso demorar muito. — está estranha. Não está sorridente como sempre, mas tampouco está brava. O que será que ela quer?
— Tudo bem, não se preocupe. — Sua preocupação me faz sorrir enquanto falo, mas não me acompanha. Ah, o que está acontecendo? — Então... O que quer me falar? — Pego um pedaço de brownie na minha frente e coloco na boca. Faço de tudo para agir o mais despretensiosamente possível. , com certeza, não faz o mesmo, parece um pouco nervosa com a pergunta.
— Na verdade não é bem o que quero dizer, e sim o que quero perguntar... — Meu coração se agita, dessa vez de absoluto nervoso. Engulo o brownie com dificuldade e respiro fundo. Começo a pensar em respostas para a possível pergunta. Por que me beijou, ? Como pode trair seu irmão desse jeito, ? , por acaso sabe que abusou de mim enquanto eu estava bêbada?
— E o que quer perguntar? — Faço a pergunta, mas na verdade não quero saber a resposta. Nem o incrivelmente delicioso brownie que ganhei me distrai. olha para o copo do seu café por alguns segundos e volta seus olhos para os meus. Respira fundo antes de falar.
— O que exatamente nós fizemos na madrugada de hoje? — A pergunta me assusta. Como eu vou contar?
Tudo dentro de mim se agita. Encaro meu brownie por alguns segundos. Se ela não se lembra então como sabe que alguma coisa aconteceu?
— Está falando sobre ter dançado em cima da minha mesa de centro? — Tenho certeza de que não está, mas tenho que parecer descontraída.
— , tenho certeza de que sabe sobre o que eu estou falando. — Ela me olha, mas não retribuo o olhar, tiro os olhos da mesa e encaro os detalhes do fundo da cafeteria. Respiro fundo. Coragem, . Ela precisa saber.
Olho nos seus olhos, sem saber como começar.
— Bom...Hum... Antes de irmos dormir... Alguns minutos antes na verdade... Bom...Você se aproximou de mim e... Hum... Começou a me agradecer por eu ter te ajudado... De forma bem... Hã... Como posso dizer?... Física... Você me deu algumas... Hum... Carícias... E então... Bom... Talvez acabamos nos beijando. — Falo e desvio olhar de seus olhos, com medo da sua reação.
Respiro fundo. Preciso encara-la.
está com lábios comprimidos e expressão pensativa. Esperava que estivesse de alguma forma mais abalada, no entanto, a única que parece apavorada sou eu. Ela me olha pelo que parece uma eternidade.
— Me desculpa, . — Seu rosto agora me mostra todo o arrependimento que sente. Uma onda de tristeza me toca. Por acaso imaginei que de alguma forma ela tinha gostado do que fez? Eu estava tão extasiada que não pensei com clareza. Mas agora penso. Seu rosto me mostra tudo o que preciso saber. — Eu não tinha o direito de fazer isso dessa forma... Eu estava bêbada, deve ter sido terrível pra você...
Terrível? Eu ainda não posso imaginar algo que seja melhor que seu beijo.
Mas não digo isso em voz alta.
— Não se preocupe, , eu também estava bêbada, vamos deixar isso pra lá. — Eu com certeza não deixaria. Seu rosto passa de arrependimento para tristeza. Ela deve estar pensando em . Nem consigo imaginar como meu rosto está.
— Tudo bem. — Ela quase sussurra. — Vamos.
Entro no elevador do escritório pouco antes que a porta se feche. Mais duas mulheres estão ali e conversam entre si.
Me arrependo terrivelmente de não ter almoçado no escritório. O restaurante que comi — e também o mais perto que encontrei – me serviu uma salada borrachuda e cogumelos frios. Ainda sinto o gosto ruim mesmo após duas garrafinhas de água. Respiro fundo. Serviu de experiência.
Meu celular vibra dentro da bolsa e em seguida começa a tocar. Meu coração para por um segundo. Não, não deve ser ela.
Não vejo tem uma semana, desde o café com brownie e a conversa sobre o beijo. Prometemos uma a outra que o que aconteceu ficaria para trás e que nada entre nós mudaria, antes que ela tivesse que voltar para a faculdade. A promessa, porém, vinha sendo quebrada por nós desde então. Nenhuma mensagem ou telefonema, mas isso não me impedia de pensar que cada vez que meu telefone vibrasse seria com algum assunto para conversar.
Pego o telefone e a tela já está acesa. . Levo o celular até a orelha.
— Oi, . Algum problema?
— Alguns. — Ele ri — Mas não é por isso que estou te ligando. — Ufa. Me sinto culpada, mas fico verdadeiramente aliviada. Não imagino nada pior do que resolver algum problema agora.
— Então qual seria o motivo tão importante que me faz receber uma ligação do meu irmão caçula? — ri.
— Vai ter uma festa hoje de um amigo meu. Tenho um convite sobrando e pediu que fosse pra alguma amiga dela. Ela mencionou você. – Me mencionou? Droga, porque ela mesma não me ligou?
O elevador para no meu andar e desço. Me esquivo de algumas pessoas enquanto ando até minha sala.
— Hoje? — Recebo um "uhum" — Não sei, , talvez eu tenha algumas matérias pra revisar aqui na empresa e acabe ficando até tarde... — Quero ver . Quero muito ver . Mas não tenho certeza se reuni a coragem necessária.
— , por favor. Olha, se você não for a também não vai, e se a não vai então eu também não vou. Entende como a minha situação é complicada? — Sim, son, mas aposto que a minha é bem mais.
Entro na minha sala e respiro fundo.
— Eu prometo que vou pensar.
Saio do carro e já posso ouvir a música alta do lugar. Confiro mais uma vez a bolsa. Está tudo certo. Olho meu reflexo no vidro do carro. Azul realmente combina com meus olhos. Respiro fundo antes de começar a andar até a entrada, lugar onde, por mensagem, combinei de encontrar meu irmão e .
.
Seu nome faz borboletas surgirem no meu estomago.
Evitei pensar seu nome durante todo o dia. Como poderia trabalhar normalmente pensando que iria encontrá-la?
Quando cheguei em casa, porém, me permiti pensar em , e, principalmente, no que queria que pensasse quando me visse. Escolhi um vestido azul que revela minhas pernas e mantive o cabelo solto. A maquiagem pesada o suficiente para cobrir o cansaço de um dia inteiro de trabalho. Fiquei satisfeita com o resultado, agora, porém, estou nervosa. Os saltos estalam no chão e não demoro a encontrar o casal que estava procurando. Os dois conversam entre si. Mesmo de longe sei que ela está linda.
Me aproximo e ambos me notam. Meu irmão acena com a mão, ele não parece muito feliz. me olha. E então olha meu corpo. Meu corpo todo. Perco uma respiração. Ela volta para meus olhos, sorri e anda até mim antes de me abraçar. A abraço de volta rodeando os braços por sua cintura.
está de calça preta colada ao corpo. A blusa cinza acompanha um blazer na mesma cor da calça. Seu cabelo está quase bagunçado como sempre e o rosto sem maquiagem. O tênis a deixa mais baixa que eu.
Por que eu estava nervosa mesmo? Essa ainda é minha de sempre, a única diferença é que, depois do beijo, meu coração se agita cada vez mais.
A festa é, por pouco, mais interessante do que mais uma noite sozinha no meu apartamento. Faz o tipo balada com luzes, pista de dança e música alta. e eu trocamos apenas algumas palavras, pois, assim que entramos, , literalmente, gruda nela. parece não gostar, nem mesmo está muito feliz. Ambos parecem estar em um dia ruim. Deixo-os a vontade e não me importo de dançar sozinha as primeiras músicas.
Baby, this is what you came for
Fecho os olhos. Essa música nunca mais será a mesma.
Lightning strikes every time she moves
Penso em . Em cima da minha mesa de centro, de baby doll azul, quadris seguindo o ritmo da música, sua voz embolada...
And everybody's watching her
Seus beijos, suas mãos, sua respiração no meu pescoço, o beijo... Será que ela também pensa isso?
Abro os olhos para procura-la. Ela está a alguns passos de distância, algumas pessoas atrapalham que eu a veja completamente. Seu rosto está franzido e ela fala próxima a , que também não parece muito feliz. Ah não. Eles estão brigando?
se afasta de . Ele vira na direção oposta e caminha para longe dela, mas meu olhar não permanece nele por muito tempo. Olho para a mulher que estava ao seu lado. Ela me olha de volta. E sorri.
But she's looking at you, oh, oh
Seu quadril se move com a batida, dessa vez ainda melhor. Ela ainda me olha, ainda sorri, e anda até minha direção. Faço o mesmo sem fugir de seu olhar por nenhum segundo. Não me importo se meu coração acelera. Ou se perco alguma respiração. Só quero .
— Disso eu lembro. — Ela diz olhando nos meus olhos assim que nos encontramos. Suas mãos se apoiam nos meus ombros, ainda mantendo distância entre nós — Lembro muito bem. — E ela dança comigo até que a música acabe. Não duvido nem um pouco de que ela se lembra.
Não conto quantas músicas dançamos, na verdade, isso pouco me importa.
Paramos quando se aproxima de nós. Eu o vejo primeiro e sinalizo de sua presença, mas, depois da quase discussão, não tenho certeza de que quer falar com ela.
— Meninas, podem me acompanhar? Quero apresenta-las para uns amigos meus. — Ele passa o braço pela cintura de , que franze a testa e olha para ele. Não tenho chances de dizer um "tudo bem".
— Ah claro. E agora nós somos exposições que mostra a todos os seus amigos. — Ela fala completamente ríspida. — Viu, , como ele me trata? — tira o braço de de sua cintura com raiva. Ele a olha, sua expressão completamente confusa. Sinto pena dele. O que está fazendo?
— , só quero apresentar minha irmã e minha namorada para algumas pessoas. Meu Deus, qual o problema disso? — Ah, então é assim que começam suas brigas?
não parece realmente impressionado com o estresse repentino de , mas tampouco parece tranquilo. Droga, o que eu faço?
— Qual o problema disso, son? Qual o problema de você ter quase me obrigado a vir hoje? Qual o problema de tudo isso? — Algumas pessoas olharam para , tão confusas quanto eu. respira fundo, visivelmente irritado, mas conheço meu irmão, sei que ele não é tão inclinado a brigas em público como .
— Não vai me dizer nada? — Ela olha para ele, que se mantém em silêncio. Então me olha — Vamos embora, . — Ela segura meu braço meu braço e me puxa para seguir seus passos. Ah não. Esbarro em algumas pessoas pelo caminho.
Deixo que continue a me conduzir até estarmos fora do lugar. Nossos saltos ecoam mais alto longe do barulho.
Eu paro e solto meu braço de sua mão. Não penso em deixar o que aconteceu sem uma explicação. Nunca vi agir daquela forma com .
Ela para assim que deixa de sentir meu braço. Se mantém de costas por alguns segundos e então respira fundo antes de se virar para mim.
— Nós podemos ir pra sua casa, ? — Se não tivesse visto alguns minutos antes não diria que estava com raiva. Sinto um alívio. Lidar com irritada não é nem um pouco legal.
— , pode me explicar o que foi aquilo?
— Não foi nada. Vamos, . — Ela se vira e começa a andar. Ela realmente acha que vou deixar isso para lá?
— ! — Falo mais alto. Ela para e se vira para mim. Não está mais sorrindo e também não consigo decifrar seu rosto. Parece triste, mas esse não é o único sentimento que transpassa.
— TPM, . Estou de TPM. — Ela não me convence. sempre é tão transparente, é uma das coisas que mais gosto nela. Penso em responder, dizer que não acredito e exigir a verdade, mas, sinceramente, isso é entre e . Não preciso exigir nada.
me observa enquanto me mantenho em silêncio. Imagino que já saiba que não vou mais argumentar.
— Vamos. Nós conversamos melhor quando chegarmos no seu apartamento.
Não a respondo, mas começo a andar em direção ao meu carro. me segue.
O silêncio do caminho deu lugar a uma conversa onde apenas fala, assim que saímos do elevador no andar do meu apartamento.
— Na verdade eu não estava nem um pouco afim de ir àquela festa, sabe? O conhece tanta gente, assim é uma festa por semana. E ele quer sempre que eu vá porque quer que todos conheçam a namorada dele. Isso é tão chato. Você sabe que eu não sou fã de balada toda semana... — Chegamos à porta. Droga, onde estão minhas chaves?
— Se não queria ir então por que pediu que eu fosse? — Acho as chaves. está apoiada na parede do lado da porta e me olha enquanto abro a maçaneta. Entro e ela me segue.
Ainda sem responder passa os braços ao redor da minha cintura. Meu coração se agita por um segundo. Foco, . Seu corpo está colado em minhas costas. beija minha bochecha.
— Te chamei pra ter um incentivo pra ir. — Mais um beijo na bochecha. Um no ombro. Meu corpo responde imediatamente. Minha respiração desacelera, a pele onde ela me toca se esquenta, meu estômago se agita. Os beijos continuam. Ela espera alguns segundos entre um e outro. Ela está me testando?
Sei que está sóbria. Sei também que se lembra do que aconteceu há uma semana. Um beijo no meu pescoço. Dessa vez está consciente, me beija porque quer...
Mas eu também estou consciente, nem um pouco bêbada. é minha cunhada.
Respiro fundo e me afasto dela. Sinto falta dos seus toques imediatamente e meu coração reclama, mas não me importo. Preciso ser responsável. Me mantenho de costas.
— , o que está fazendo? — Falo alto e espero ter soado firme.
— O que? Estava te beijando, . — Respiro fundo. Com certeza sei que estava me beijando.
Me viro. O sorriso que brinca em seus lábios se desfaz assim que me olha. Não sei distinguir se está mais confusa ou triste.
— Não, . O que está fazendo? — Ela separa os lábios e respira fundo, mas não diz nada. — Você está ficando louca? — Não quero soar de forma rude, mas a expressão de me mostra que não consegui. Seu rosto não é mais confusão, apenas tristeza. Me arrependo.
— Se eu estou ficando louca? — Sua voz é baixa. Ela ri sem nenhum humor. — Talvez eu esteja louca mesmo. Não paro de pensar em você desde que nos beijamos.
Meu coração bate descompassado. Minha respiração pesa. Mil borboletas batem asas no meu estômago. Isso é tudo que queria ouvir, mas não dessa forma. Não com sendo a namorada do meu irmão. Fecho os olhos.
— Você nem lembra desse beijo. — Quero soar mais alto, mas falo pouco mais alto que um sussurro. Abro os olhos para olha-la. Seus olhos castanhos se prendem em mim.
— Talvez eu não lembre mesmo. Talvez todas as lembranças que eu tenha sejam dos sonhos que tive com você depois daquilo. — Meu coração se parte. Continua se partindo a cada segundo. Isso é mais do que eu queria ouvir. Meus olhos marejam, prestes a chorar. Fecho os olhos. Não sei quantas lagrimas caem.
— Você é minha cunhada, . — Não quero olhar seu rosto quando abro os olhos. Encaro o chão. As lágrimas ainda rolando. As borboletas se foram do estômago. Estão nos meus pulmões, me impedem de respirar e machucam.
— Não, . Eu e estamos mal, não consigo sequer passar uma noite com ele se só penso em você. Nós não vamos ficar muito mais tempo juntos. — Muito mais do que quero ouvir.
No meio da frase sua voz muda. Ela está chorando. Levanto os olhos e as lágrimas no seu rosto são reflexos das minhas.
— Mas ainda estão juntos, . Ainda estão! — Não quero falar alto, mas não controlo minha voz. Mais lágrimas.
— Você não... — Ela soluça — ... não gosta de mulheres? É isso? — Meu coração dói, quase insuportavelmente. Se você soubesse...
— , não consegue ver? O problema é você ser namorada do . Acha isso pouco? — Estou gritando. Isso a magoa. Me magoa ainda mais. Choro descontroladamente.
— Mas, ...
— Não, . — Eu a interrompo — é meu irmão e eu não vou traí-lo dessa forma.
— E eu? O que eu sou pra você?
Soluço. As lágrimas se intensificam e meu coração se parte, pois vou partir o dela.
— Você é só a namorada que ele me apresentou um ano atrás. — abaixa o rosto e suas lágrimas molham meu carpete. Fora de seu olhar me sinto livre para chorar livremente. Nunca imaginei que doeria tanto. Dói mais apenas saber que a fiz chorar dessa forma.
leva a mão ao rosto e seca algumas lágrimas. Vira de costas e continua em silêncio. Sua respiração é pesada e seu corpo soluça algumas vezes. Sei que ainda chora.
Ela dá um passo em direção a saída. Eu a interrompo.
— Não precisa voltar pra faculdade sozinha a essa hora. Pode dormir aqui.
Ela assente.
— Tudo bem. Só preciso de um cobertor. Posso dormir aqui no sofá.
Não sei o que responder. Não sei o que dizer que não seja um pedido de desculpas, ou uma declaração dizendo tudo o que sinto.
— E não se preocupe. Vou embora amanhã cedo.
Choro em silêncio.
— Tudo bem.
Meu celular desperta mais uma vez.
Sei que estou atrasada, mas meu corpo me implora que eu fique na cama. Vamos, , você tem trabalho. Desligo o despertador. Não quero acordar, levantar e passar mais um dia pensando em . Mais um dia pensando na última vez que nos vimos.
Lembrei dela antes de dormir. Seu sorriso, sua voz, seus beijos e toques, as palavras que me disse com tanto carinho. Ela sonhou comigo algumas vezes, disse que só pensava em mim... E então lembrei de suas lágrimas. Das minhas lágrimas. A forma como tentou me convencer a esquecer de . A dor excessiva que senti. Ao lembrar disso, mesmo depois de um mes, a dor voltou. E eu chorei mais uma vez.
Algumas poucas lágrimas se transformaram em um choro intenso com o passar da madrugada. Não sei que horas dormi, mas sei que ainda chorava quando isso aconteceu.
Como seria se eu tivesse dito a ela a verdade? Se não tivesse interrompido seus beijos?
Percebo que euero saber. Quero saber como é estar com , como é poder beija-la sem culpa. Quero saber como é ter apaixonada por mim. Só quero .
Abro os olhos disposta a levantar da cama. Não é dormindo o dia inteiro que descobrirei como é.
Sento na cama. Preciso fazer alguma coisa, qualquer coisa.
Ando para o banheiro. Vou tomar um banho. Me arrumar da melhor forma que conseguir. Quero estar linda, mas não para o trabalho e sim para .
— Alo? ? — Estou do lado de fora da porta do meu apartamento quando meu irmão me atende com voz de sono. Estou com pressa demais para me preocupar por ter o acordado.
— Droga, , o que foi? — Ando de um lado para o outro no corredor. Se acalma, . Vai dar tudo certo.
— A está aí com você?
— Não, , a e eu... — Não o deixo terminar de tanta euforia.
— Obrigada, . Você é fantástico. — E desligo.
Ela não estar com ele já é um bom sinal. Vai dar tudo certo.
Abro mais uma vez minha lista de contatos. A próxima pessoa para quem preciso ligar é Jack.
Disco seu número quando paro em frente ao elevador, as portas abrem em seguida.
Jack não demora a atender.
— ?
— Olá, Jack! Bom dia. Tudo bom? Espero que esteja de bom humor hoje. Como está? — Ele provavelmente percebe que estou nervosa, mas não quero soar muito agitada.
— Sim, estou de bom humor e sim, está tudo bem, e com você? Aconteceu alguma coisa? — Uma ponta de preocupação passa por sua voz. Quero dizer que está tudo bem comigo, que não é nada demais, mas estou com pressa.
— Está tudo ótimo, obrigada. Jack, preciso te pedir uma coisa importante. — Não se preocupe , Jack é compreensivo, vai dar tudo certo. Recebo um "hum?" como resposta. — Pode, por favor, permitir que eu chegue mais tarde hoje? Prometo que não vou me atrasar mais do que uma hora e reponho cada minuto no final do expediente. Pode, por favor? — Não me importo em soar desesperada, o que, de fato, estou. Jack fica em silêncio por alguns segundos. Imagino que vá dizer não.
— Se me prometer não demorará mais do que uma hora, sim, pode chegar mais tarde. — Uma onda de felicidade chega em mim.
— Jack, já te disse que é o melhor chefe do mundo? Você é incrível. — E ele realmente é. Assim que puder vou aceitar um almoço com ele para explicar todos os nãos que eu havia lhe dito. O elevador para no térreo. — Nos vemos mais tarde então? Bom trabalho.
— Tudo bem. Tchau. — Desligo o telefone, por pouco não correndo até a garagem.
Estou parada em frente aos dormitórios da faculdade de . O celular na minha mão está aberto na aba de mensagens.
", estou na porta do prédio do seu dormitório. Quero muito falar com você. Já está acordada? Podemos conversar?"
Se tudo que me lembro estiver certo tem aula às 08:30 nas sextas feiras. Sendo exatos 08:06 ela provavelmente não está mais na cama. A menos que tenha dormido na casa de alguma amiga. Droga, como não pensei nisso?
Meu celular vibra e o movimento faz meu coração acelerar. Uma mensagem de .
"Ok."
Respiro fundo. Talvez ela esteja brava. Concordarei se estiver. Se não quiser falar comigo também a respeitarei. Só quero que, de alguma forma, ela perceba que quero acertar as coisas. Os minutos parecem infinitos enquanto observo a entrada. Cada vez que a porta se abre imagino ser .
Toco na tela do celular para me distrair. Mais um minuto encarando a porta e eu entraria ali para ir até por mim mesma.
A tela acende ainda na página das minhas mensagens com ela. Começo a ler cada uma delas. Foram semanas de silêncio entre nós. Como deixamos isso acontecer? Certamente o vazio que deixou doía, e eu não estou nem um pouco preparada para continuar a sentir essa dor. Continuo lendo nossas mensagens. Chego em uma que me faz sorrir.
" e eu brigamos, eu to péssima. Posso ficar no seu apartamento essa noite?"
Quando a li pela primeira vez havia ficado completamente nervosa. Ah, se eu soubesse. Continuo sorrindo e releio suas palavras.
— E esse sorriso, hã? — Levanto os olhos ao som de sua voz.
está de cabelo preso e, como sempre, um pouco bagunçado. Está com uma calça de moletom preta e uma blusa de alça da mesma cor. Nunca a vi tão linda.
Meu sorriso se abre quando a olho.
Ela não me parece com raiva, nem um pouco triste. Seus olhos sorriem para mim, mesmo que seus lábios não me permitam ver um sorriso seu. Quase esqueço o que preciso fazer admirando seu rosto.
Desfaço o sorriso. Quero parecer séria. Completamente determinada com o que preciso fazer.
— , me desculpa. — Olho nos seus olhos sem me desviar por nem mesmo um segundo. Estou com medo de sua resposta, mas não me importaria de lutar por mesmo que dissesse que não quer mais ver. Perde-la uma vez já havia sido ruim o suficiente.
nega com a cabeça com quase um sorriso nos lábios.
— Não tem o que se desculpar, . Eu que fui completamente estúpida. — Ouvir o som de sua voz era maravilhoso. — A beijei completamente bêbada, sumi por dias e quando resolvi te ver novamente tentei te agarrar sem nem mesmo saber se o desejo era recíproco. Eu que preciso te pedir desculpas. — Não pude negar que está certa, mas eu a magoei, disse coisas estúpidas por querer desesperadamente a afastar com medo do que aconteceria se continuasse por perto.
— Mas eu disse coisas que sabia que iriam te magoar. Fui tão idiota...
— E eu já a desculpei por isso, . — Um sorriso triste surgiu nos seus lábios. — Já a desculpei faz dias. Como conseguiria ficar com raiva de você? — Minhas borboletas voltam ao meu estômago. É tão bom senti-las. — E você? Você me desculpa? — Sorrio.
— Como eu posso conseguir ficar com raiva de você? — Repito sua frase e ela sorri. Um sorriso de verdade dessa vez. Meu coração se agita. Preciso contar tudo a ela. — , eu não sei se ainda sente tudo que me disse, mas — Respiro fundo. — Preciso que você saiba que me sinto da mesma forma.
"Não paro de pensar no nosso beijo, nos seus carinhos, seus toques. Não paro de pensar em nada que seja remotamente relacionado a você. Sempre pensei. Desde que te vi pela primeira, que vi seu sorriso, ouvi sua voz. Sempre foi você, . Me desculpa se não fui corajosa o suficiente pra te dizer tudo isso um mês atrás. E agora, não me importa que ainda esteja com , eu não consigo mais manter só pra mim tudo que eu sinto, não depois de tudo que tivemos." — Estou nervosa. Nunca me imaginei falando tudo que disse a , mas, embora quisesse muito que tudo entre nós fosse fácil, não me importo se não pudermos ficar juntas. Ela já sabe, e isso para mim já basta.
, no entanto, sorri. Ri abertamente enquanto olha para mim. Por que está tão feliz? Ela se aproxima, parando a um passo de distância.
— , eu e não estamos mais juntos. Terminamos um dia depois do que aconteceu entre nós. Eu ainda quero só você. — O sorriso que dou me parece pequeno ao tamanho da felicidade que suas palavras me causam. Meus ouvidos ainda não acreditam no que acabam de ouvir.
— Isso é sério? Pode, por favor, repetir mais uma vez? — se aproxima ainda mais.
— Eu e já terminamos. — Sua voz é baixa. — E eu quero só você. — Ela sorri mais, se é que isso é possível. — Agora você pode repetir o que disse? Só pra eu ter certeza de que não foi um sonho. — Sorrio, mas não a respondo. Me aproximo de seu rosto para juntar nossos lábios. As borboletas já tomam conta de todo meu corpo.
— Espera. — diz quando estou há milímetros de seus lábios. Me afasto e a olho confusa. — Você não é hétero? — Gargalho com sua pergunta. De onde ela tirou isso?
— , eu sou lésbica. — Não consigo descrever a expressão de , mas certamente não é nada de ruim.
— Como nunca falamos sobre isso? — Ela sorri e aproxima nossos rostos mais uma vez. Seus lábios tocam nos meus e meu coração agradece.
— Não tenho certeza se podemos continuar fazendo isso aqui... — Eu a digo entre beijos. se afasta e me olha nos olhos. Não sinto falta dos seus lábios agora que sei que posso tê-los outra vez. As mãos de descem da minha cintura para minhas coxas e então sobem mais uma vez parando centímetros acima, por baixo do meu vestido.
— Então nós vamos ter que terminar isso no seu apartamento... — Ela me beija mais uma vez, mas afasto seus lábios.
— Você tem aula, .
— Último semestre, . — Ganho um beijo. — Último semestre.