Finalizada em: 04/12/2022

Capítulo Único

O som seco da bola quicando no chão da quadra era intenso, quase como um tambor, me encarava furiosamente da linha de sete metros, sua bela face contorcia-se em uma expressão de insatisfação. Ele possuía três arremessos livres, eu não o permiti acertar nenhum, aquele era o seu último lance antes da partida finalizar e sua equipe ser derrotada, o gigante colégio particular Dom Tarist cairia diante uma escola pública outra vez, eu não permitia que meu gol fosse maculado com os arremessos deles…
A muralha do Colégio Estadual Dianísio não era algo a ser subestimado, professores, diretores de colégios bem conhecidos da grande Curitiba haviam ofertado belas e tentadoras bolsas de estudos que incluíam a participação obrigatória nas equipes de Handsal. Um novo esporte de origem Holandesa que tinham em seus fundamentos as bases do Handebol e Futsal, mas foi estilizado pelos alemães e chineses que tornaram o esporte popular gerando uma febre mundial ao incluir equipes mistas que tornou assim o esporte acessível devido ao baixo número de garotas que conseguiam formar equipes de futsal, handebol, e futebol; elas assim encontraram seu lugar no Handsal.
Aceitar aquelas bolsas significava deixar a equipe que ampliou meus horizontes, mostrando-me que eu não era inútil, apenas não havia encontrado o meu lugar. Não podemos comparar as habilidades de um peixe ao escalar a uma árvore, logicamente ele falharia, as vezes somos como peixes tentando escalar árvores quando devemos continuar a nadar e nadar!
A equipe do Colégio Dianisío era a minha família, aquele lugar mesmo que com poucas verbas, com um time de trabalhadores honestos dispostos a estender suas horas para orientar e dirigir um bando de adolescentes de classe média baixa e periferia, eram os nossos botes salva-vidas, nossa oportunidade de ouro, o pote de ouro no fim do arco-íris, a chance de mudar a realidade em que vivíamos e a de nossas famílias! Era por isso que não permitia que acertassem a rede às minhas costas, defendia aquela área com afinco e extrema concentração.
Com o passar dos jogos, aprendi a ler os movimentos dos atletas, identificar seus lances favoritos, manobras para me distrair… Você aprende com as derrotas, o importante era sempre se levantar mesmo que naquele momento sentisse o pior dos derrotados. olhou para a bola uma última vez, a segurou com uma mão testando seu balanço como se ela possuísse as respostas que ele precisava. Ele a passou para sua mão esquerda, ali eu soube qual seria o seu lance, empertiguei minha postura estendendo meus braços para as cobrir os ângulos de arremessos, reduzi a abertura das minhas pernas sem desviar meu olhar do dele.
O juiz soprou seu apito autorizando o último lance livre de , ele se inclinou para trás sem mover seu pé direito da linha e então soltou a bola, vaselina, eu estava preparada para esse lance. Dei um passo para frente segurando a bola no ar e arremessando rapidamente para Bruno que era o nosso ala armador que passou a bolsa rapidamente para Fernando que entregou a Camila que fez uma finta antes de arremessar no gol de Rodolfo, o goleiro do time rival.

— Como você sabia qual seria o meu arremesso?
Me assustei, não havia se mexido, ele me encarava com frustração, seus cabelos castanho-escuros estavam mais próximos do preto devido ao suor. Seus olhos pareciam ouro líquido e jamais admitiria que naquele instante mesmo com seu semblante furioso, parecia majestoso! Mordi o interior da minha bochecha contendo a vontade de sorrir em gozação, com o último arremesso de Camila, nosso colégio havia vencido o de , mesmo que os atletas do Som Tarist fossem extremamente insuportáveis e cruéis ao vencerem seus adversários, nós tentávamos ser diferentes, melhores, mantendo o respeito mesmo que ouvíssemos insultos lastimastes.
— Eu sou a goleira, tenho que estar preparada para qualquer lance direcionado ao meu gol. — O respondi por fim retirando minhas luvas e esticando meus braços para o alto ouvindo minhas articulações estalarem.
— Você está desperdiçando seu talento permanecendo nesse seu colégio. — Havia um insulto velado ao pronunciar colégio, sentia repulsa por qualquer instituição pública.
— Acho que não, nosso colégio derrotou o seu nos últimos dois anos, . — O respondi com sarcasmo antes de me direcionar à linha onde todos se alinhavam antes de cada time seguir seu caminho.
— Você é a única talentosa, , não seja estúpida desperdiçando as oportunidades que mudaram a sua vida. — Havia uma revolta fervilhante em sua voz, me encarava com seus orbes claros tempestuosos.
— É você que não entende, , essa equipe mudou a minha vida. — Puxei a camisa dele o forçando a se abaixar para olhar em meus olhos. — Não os desrespeite na minha frente, você me entendeu? — O soltei com um empurrão, exatamente quando notei nossos técnicos se aproximarem junto com o juiz, nós éramos os únicos que ainda não haviam entrado na linha para finalizar a partida.
Com a presença dos adultos, foi obrigado a permanecer em silêncio, engolindo suas odiosas e cortantes palavras. Diante de Rodolfo, eu pude ver que discutir com o capitão da equipe era como ganhar inimigos de graça, sorri tranquilamente para ele. Para alguém que tinha a defesa como um queijo suíço, ele estava longe de me causar qualquer reação. Apertei a mão dele, repetindo as mesmas palavras que usávamos em todos os jogos, e assim que o juiz anunciou o resultado as equipes puderam ser liberadas, aquela partida específica fora realizada na base esportiva da polícia militar, o local não possuía espaço para espectadores, apenas os recrutas daquele regimento puderam assistir à partida. Acenei para alguns antes de me juntar aos meus companheiros de equipe sentindo o olhar intenso de em minha nuca.

🥇 X 🥈


Com a vitória, a equipe se dirigiu ao Habib's mais próximo, estávamos conversando, rindo, mas todos morrendo de fome. Assim que o Sr. Ramirez, nosso técnico, deixou a van acompanhado da assistente/nossa professora de português, para pegarem a comida, todo o time resolveu me interrogar.
— Não comecem, vocês sabem que eu não aturo o capitão do Dom Tarist. — Os avisei em um tom impaciente, eu não suportava as piadinhas a respeito do ódio gratuito que e eu tínhamos um com o outro.
— Toda vez que vocês se olham, parece sair faíscas. — Bruno riu se apoiando nas costas do banco, ele estava sentado no banco em frente ao meu.
— Se fosse apenas faísca, ok, mas vocês já viram como o fica cada vez mais furioso com a rejeição da nossa ?! — Camila exclamava animada, ela era a fofoqueira do grupo.
— Eu detesto que vocês fiquem tão ficcionados nele, infelizmente acabou sendo um bom atleta, como se a vida não tivesse lhe oferecido tudo! — Resmunguei revirando os olhos cruzando os braços e olhando para a janela.
— A vida é injusta, , mas convenhamos, o cara tem um ponto: você é uma atleta maravilhosa, ano que vem você deveria aceitar a proposta do Dom Tarist, eles encaminham os estudantes diretamente para o time de base do nosso país. — Fernando falou seriamente ignorando o olhar de Camila, a qual o fuzilava com os orbes cinzas quase azuis.
— Isso não é justo com ela, Fernando! — Camila se levantou parando em frente a Fernando.
— Você sabe que ele tem um ponto, Cami. — Paula a repreendeu, ela era a nossa capitã e pivô do time.
— Eu não vou deixar o Dianisío. — Os alertei, fuzilando Bruno e Fernando que concordavam com a ideia de . — Agora ou vocês mudam de assunto ou convenço a professora Carla para os mandar para casa de vermelhão*.
Me olhando ainda insatisfeitos, eles acabaram engatando em outro assunto após Vicente comentar que havia conseguido o número da reserva do Dom Tarist, Camila logo se interessou atraindo os olhares para ela, rindo, agradeci movendo meus lábios sem emitir som para Vicente que piscou para mim enquanto respondia as inúmeras perguntas de Camila.

*Vermelhão: é como os curitibanos chamam carinhosamente os ônibus biarticulados vermelhos. Eles são biarticulados por possuírem duas sanfonas de borracha que dividem os ônibus em três partes, esses ônibus param em estações tubos e possuem sua própria via.

🥇 X 🥈


A vitória gerou uma comoção em nossos colegas de colégio, eles organizaram uma mini comemoração no fim de semana; haveria mais duas partidas com os outros dois gigantes do estado para então ser decidido o terceiro e quarto lugar. Para nós, o campeonato estadual já havia chegado ao fim, agora era esperar o chaveamento para saber nossos adversários no campeonato interestadual; o colégio vencedor atraía mais patrocínios e verbas para os colégios. Vencemos o Dom Tarist nos últimos dois anos, mas perdíamos nas semifinais contra o Centro Politécnico de São Paulo, eles possuíam uma defesa excelente que atrapalhava nossos armadores a pontuar, mesmo Paula que era a segunda melhor pivô do estado encontrava dificuldades em vencer a marcação deles. Tentando aproveitar a comemoração, peguei um pedaço de torta salgada em cima da bancada observando minha equipe interagir com o pessoal do colégio; preferia ficar na minha, eu tive o suficiente de interação social nas últimas horas. Estava tentando manter minha boca com comida como desculpa para não conversar, estava funcionando até aquele instante em que um trio que havia visto na última quarta-feira entrou pelos portões de ferro atravessando a maré de adolescentes.

"Vicente havia convidado a reserva do Dom Tarist que chamou e Rodolfo?!"

Respirando fundo peguei algumas comidas e segui para os blocos mais afastados da entrada, desviando das pessoas pedindo desculpas a cada esbarrão. No muro dos fundos, havia mesinhas de concreto coloridas com um tabuleiro de xadrez de pastilhas preto e branco, o que era quase uma piada, não havia ninguém meramente interessado em xadrez no colégio. Com as costas apoiadas contra o muro, estiquei meus pés na banqueta também de concreto a minha frente desembolando o fone de ouvido para matar o tempo até que notassem minha ausência.
Eu não entendia como os fios do fone podiam fazer tanto nó, mesmo que os guardasse perfeitamente alinhados! Estava tão focada na tarefa de desfazer os nós, que não me dei o trabalho de erguer meus olhos ao ouvir o som de passos.
— Se querem um local para darem uns amassos, o laboratório de biologia está aberto, deem o fora daqui! — Berrei sem levantar o meu olhar, eu estava quase conseguindo quando uma risada me fez soltar os fios deixando o fone cair no chão se embolando outra vez.
— Eu já fui melhor recebido, .
A inconfundível e odiosa voz me saudou, levantei meus olhos irritada, podia ter anunciado sua presença como uma pessoa normal, mas preferiu me pegar de surpresa. Me abaixei pegando o fone do chão, me recusando a responder sua provocação tosca, voltando as tentativas de desembolar os fios.
— Nem um pio? — Ele arqueou sua sobrancelha, revirei os olhos antes de voltar meu olhar para os fios. — Vamos lá, , eu atravessei a cidade para conhecer o local que você se recusa a abandonar.
— Por que você não me deixa em paz? — O respondi batendo a mão na mesa em um estalo que formigou a minha palma, mas me recusei a esboçar isso.
— Eu odeio sua teimosia, odeio o quanto desperdiça seu talento nessa instituição, odeio cada mínima parte sua. — Ele cuspiu as palavras igualmente agitado, sua "polidez" havia ido para o espaço, ali estava o que eu conhecia, o rival que eu odiava tanto e amava impedir seus arremessos. — Mas aqui eu estou, tentando te fazer entender o quanto é boa, eu detesto a sua personalidade, sua existência só tem alguma validade se estiver no meu time para que alcancemos a vitória máxima, o primeiro lugar em todo o Brasil. — Ele apoiou suas duas mãos na mesa, sua face que espelhava minha própria expressão raiva. — Eu engulo tudo o que odeio em você contanto que jogue em minha equipe, você sabe que a única coisa que impede o meu colégio é a falta de bons goleiros.
— Como eles aturam engolir suas bobagens desvairadas?! — O respondi em um tom seco, coloquei o fone em meu bolso de qualquer jeito, pronta para deixar vomitando suas besteiras para o nada. — Eu não me curvo ou cedo a egomaníacos. — Dei a volta na mesa com uma expressão de enojo para ser segurada pelo braço por .
— Eu não terminei a conversa. — Ele me respondeu além da raiva, seu olhar efervescente havia congelado, furioso eu conhecia mas no modo frio? Eu não queria ficar ali por nada!
— Mas para mim sim! — Retirei meu braço da mão dele colocando a mão sobre o peito dele para garantir que ele se mantivesse distante. — Não me toque! — Proferi entre os dentes, o olhando com desgosto e fúria.
, podemos apenas conversar? — Ele ergueu suas mãos se sentando em uma das banquetas, pegando um dos pedaços de bolo sobre a mesa que eu havia levado até ali. — Eu não quis te assustar, mas parece que você sabe exatamente como me tirar da linha! — Ele parecia estar se acalmando, me mantive de pé por um tempo antes de me sentar na mesinha ao lado.
— Eu não vou deixar o time. — O avisei suspirando me levantando e pegando meu copo de suco e o outro pedaço de bolo. — Se quiser mais pegue você mesmo sua própria comida!
— Você é uma incógnita teimosamente irritante, , eu quero você na equipe e sei que seu time também pensa que deveria estar em um local melhor. — usou um tom mais suave, tentando não soar tão desgostoso.
— E o que será deles? , essa equipe é como minha própria família. — Me levantei deixando o bolo inacabado sobre a mesa. — Eu sou a razão pela qual seu colégio não vence o meu.
— Se não aceitar agora, talvez não haja outra oportunidade de seguir no esporte, sabe quantos talentos foram esquecidos por recusarem uma oportunidade na hora errada?! — exclamou se levantando também.
— Talvez, mas porque isso importa tanto para você? — O questionei, me aproximando dele, meu tom de voz era puro sarcasmo enquanto tentava tirar a motivação por trás dessa estranha fixação que ele tinha sobre mim.
— Maior do que meu ódio por você é a frustração em não conseguir ganhar de você, prefiro você na minha equipe do que esquecida e presa nessa vida medíocre. — Ele cobriu a distância que nos separava, sua face a centímetros da minha, o ouro líquido em seus olhos, lábios avermelhados… Por que ele tinha que ser tão atraente?! — Eu não vou conseguir ter uma noite de descanso se te deixar para trás.
— Você é estranhamente ficcionado em mim, . — Arqueei minha sobrancelha cruzando meu braço sobre meu tronco, ele engoliu em seco.
— Você é a minha rival perfeita, eu não me importo com o que as outras pessoas pensem a respeito disso, antes de você surgir tudo era estranhamente entediante, me revolta o fato de sua equipe medíocre não conseguir vencer os imbecis do politécnico. — suspirou irritado passando suas mãos pelos fios de cabelo, eu odiava essa atração massiva que sentia por ele, eu o odiava mas isso não significa que era cega, ele tinha uma boa aparência.
— Perfeita?! — O instiguei vendo-o balançar a cabeça contendo um sorriso.
— O que você quer para se transferir para o Dom Tarist? — indagou num tom mais baixo, quase aveludado.
— Me diga você, Sr. . — Retruquei, mantendo minha posição, não recuando um centímetro mesmo que tivesse se aproximado, ele manteve sua palavra em não me tocar, mas sua face estava há centímetros da minha.
— Você é a incógnita aqui, , eu não leio mentes. — revirou os olhos mas manteve um sorriso felino em seus lábios.
— Eu posso pensar sobre isso, a questão é: até onde está disposto a ir para me ter em sua equipe? — Era claro que eu estava zombando com a cara dele, mas ele interpretou errado o meu sarcasmo.
— Até onde for preciso. — Sua falta de hesitação me impressionou, nossas respirações se misturavam, ficar diante dele não fazia bem para o meu sistema me trazia a adrenalina dos jogos e isso seria um desastre!
Não saberia dizer quem iniciou o beijo, meu olhar fechou enquanto sentia as mãos dele me puxar para mais perto, envolvi seu pescoço com meus braços, minha mão esquerda entremeou entre os fios castanhos do cabelo dele. Lábios aveludados porém ferozes, não era algo suave ou gentil! Era uma batalha de controle, nem um espaço era cedido, o mesmo ocorria com nossas mãos, eu o empurrei o obrigando a se sentar antes de me colocar sobre suas coxas voltando a beijá-lo. Eu não havia o respondido, mas isso não era o que realmente importava naquele instante.
"Será?!"




Fim?!



Nota da autora: E chegamos ao fim da short mais curta da minha vida que se criou praticamente sozinha, só para constar: eu não devia estar criando uma shortfic atolada de ficstapes e especiais para entregar mas adivinhem só: toda oportunidade que uma fanfiqueira encontra para se afundar, ela irá se jogar de cabeça!
Enfim, espero que tenham gostado dessa história que deu um trabalho do cão pelo limite de páginas (POR QUÊ 5 páginas FFOBS? POR QUÊ?!) sem mais dramas, espero que tenham se divertido. Não esqueçam de comentar o que acharam, nos vemos no próximo capítulo? Quem sabe?!

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