Factory Girl

Última atualização: 11/05/2018

Capítulo 1

— Veja só, . Eles estão comparando você a princesa mais bonita da história! Isso não é promissor?
Christine Bryant sacolejava a última edição da British Vogue diante do rosto de . A mais velha parecia realizada com o feito da sua pupila enquanto a própria não demonstrava mais do que desinteresse pelas páginas que eram empoleiradas diante dos seus olhos maquiados.
estava exausta. A noite anterior fora preenchida por um desses eventos chatos onde a sua presença rendia alguns zeros a mais para a sua conta bancária e intensificava as dores de cabeça precoces que vinha tendo há meses. Tudo que menos queria era ver seu rosto estampado em mais uma revista junto de um slogan típico e insignificante.
Faria 21 anos em algumas semanas e sentia como se não tivesse vivido nada que uma garota da sua idade tinha de viver. tinha tudo que grande parte dessas garotas almejavam, mas, olhando de dentro, era tudo mais oco e desinteressante do que aparentava aos olhos ingênuos.
Por fim, mesmo a contragosto, agarrou a revista com uma das mãos e deixou que ela caísse em seu colo quando sua empresária, tomada pelo mais puro entusiasmo, saiu do camarim soltando exclamações satisfeitas.
Uma muito maquiada sorria na capa — acompanhada da manchete "Seria a nova rainha da beleza? Teria da realeza uma sucessora?" — e, quando a real examinou a expressão completamente artificial que a primeira reproduzia na capa, perguntou-se como ninguém enxergava a mentira que berrava naquele molde padrão de capa de revista.
Nem de longe aquele era um sorriso sincero, não fazia sentido que enganasse a tantas pessoas. Talvez, no fundo, realmente não enganasse e as pessoas só estivessem preocupadas de menos com aquele detalhe.
Foda-se se a modelo está realmente feliz, o que importa é que está fazendo o seu trabalho e enchendo os nossos olhos com essa disseminação elitista do padrão de beleza que destrói a autoestima de tantas jovens.
suspirou profundamente e colocou a revista na prateleira da penteadeira a sua frente, empurrando alguns produtos de beleza e maquiagem que estavam espalhados pela superfície branca.
— Ei, bonitinha! — o homem que arrumava os cabelos enegrecidos da modelo reclamou com a voz afinada. — Essas bases são caras e se você quebrar qualquer uma, serei eu quem terei que vender um rim para comprar outra.
acompanhou com o olhar nublado quando ele largou seus cabelos e saltitou para reorganizar os produtos que o desleixo da garota havia derrubado.
— Desculpe — disse ela, os lábios estreitos em uma linha fina.
O homem retornou para seus cabelos segundos depois, sem dizer nada, e precisou reencontrar a figura de cabeça amarela através do reflexo do espelho onde várias lâmpadas adornavam a moldura branca. No meio do caminho vislumbrou o seu rosto maquiado, os lábios vermelhos e brilhantes berrando na sua face pálida e contrastando com os olhos azuis vívidos, mas evitou passar tempo demais observando aquela versão demasiadamente produzida de si mesma. Não apreciava os pensamentos que lhe corrompiam quando isso acontecia.
— Você quer dar o fora daqui, não é?
piscou quando a voz mais afável do homem alcançou sua audição. Ele revezava a atenção entre o rosto dela, através do espelho, e o coque impecável que montava em cima da sua cabeça.
— Como você...?
— Qualquer pessoa mais observadora é capaz de perceber — ele respondeu antes mesmo que terminasse de formular a pergunta. Os lábios da morena se partiram em surpresa e ela mexeu a boca sem saber o que falar. — Não se preocupe em explicar. Vendo de perto consigo entender o motivo. Na verdade, acho que todos veem e apenas não têm a sensibilidade de demonstrar.
não soube bem porquê, mas sorriu, mesmo que a forma como seus lábios se repuxaram fosse fria e vazia de humor.
— Eu me sinto vazia — confessou em voz baixa, alguns segundos depois de uma breve reflexão.
O maquiador finalizou o coque e depois espalhou spray fixador nos fios. suspeitou que não tivesse escutado sua pequena confissão e engoliu em seco, concluindo que foi melhor assim.
Mas o homem a surpreendeu quando, depois de lançar um olhar satisfeito para o próprio trabalho, puxou-a pelas mãos e fez com que ficasse de pé.
— Ninguém merece se sentir vazio, querida — ele sorriu, compreensivo, e a ponta dos seus dedos deram base para o queixo da garota. sentiu a vista embaçar. Sua respiração se tornava gradualmente mais pesada. — Se algo não te faz feliz, apenas tire da sua vida. Se isso tudo não te faz feliz, apenas dê o fora.
riu, a cabeça balançando em negação. Estava prestes a explicar que aquilo não era possível, que não podia jogar tudo para o alto quando tantas pessoas contavam com ela. Sua mãe e sua empresária, principalmente.
Mas o barulho da porta abrindo barrou as intenções da modelo e fez com que ela buscasse o responsável pela interrupção por cima do ombro.
Seu segurança particular, dentro de um dos seus tantos ternos negros, estava com uma mão na maçaneta e com a outra posicionada atrás do corpo de musculatura proeminente.
Ele olhou de para o maquiador em dúvida e, então, ao voltar para ela, arrumou a postura e avisou:
— Todos a esperam no estúdio.

Sentia-se estúpida e sem valor diante de todas aquelas câmeras e dos olhares admirados que enquadravam seu rosto.
Nada mais era que um editorial para uma marca de cosméticos, mas para se assemelhava muito a uma tortura, como se fosse o prato principal de um banquete. A posição afetada onde suas mãos emolduravam seu rosto só tornava tudo aquilo ainda mais incômodo.
Era tudo tão frio e artificial, que a garota se questionava se não estava, na verdade, na presença de robôs monitorados pelo parlamento inglês. Não que o parlamento tivesse interesse na sua figura, sua mente é que não tinha limites para a criatividade.
Mas todos eram tão ridiculamente iguais em vestimentas e em gestuais que não tinha como refrear os pensamentos de adentrarem um limbo de questionamentos. Cabelos impecavelmente arrumados, roupas de cores neutras e clínicas, e gesticulares discretos. Tudo perfeitamente equilibrado.
Não fosse pelo rapaz de terno escuro que comia uma maçã no canto da sala e destoava de toda a neutralidade do estúdio. Ele encarava os sapatos sociais cintilantes que calçavam seus pés como se nada naquele ambiente fosse mais interessante do que eles.
podia arriscar que realmente não era.
Qualquer coisa parecia mais atraente que assistir aquele circo refinado que montaram em volta dela.
Perguntou-se se o seu segurança pessoal almejava sair daquele lugar tanto quanto ela mesma. Então, de forma repentina e inesperada, enquanto ainda estava distante da realidade, um flash a cegou, apagando a visão do engravatado enfadado com uma mancha esbranquiçada, e fez com que seus ouvidos zumbissem.
fez uma careta e cobriu as orelhas com as mãos. Agonizou durante alguns instantes com os olhos fechados até que sentiu mãos envolverem seus pulsos e afastarem seus braços.
, o que houve? Você está bem? — reconheceu a voz de Christine e por isso abriu os olhos. Respirava com dificuldade quando enquadrou de forma nublada o rosto preocupado de sua empresária. — , diga alguma coisa.
olhou para além da mulher e viu todos dentro do estúdio assistirem sem ao menos piscar sua pequena crise. Na verdade, o que entendia como o princípio de uma crise de ansiedade. Distúrbio que ela adquiriu há cerca de dois anos e em raras ocasiões dava as caras.
Depois de tantos pensamentos negativos não era surpresa que seu sistema nervoso decidisse responder da pior maneira. Sentiu suas bochechas arderem em constrangimento.
A garota se livrou do toque da empresária de forma rude, sua respiração perdendo o compasso e tornando-se cada vez mais ofegante. Arrastou as mãos pelo vestido justo onde foi colocada e sentiu as pontas dos dedos dos pés pinicarem dentro dos escarpins.
— Eu preciso sair daqui — confidenciou para a empresária, de forma vaga e com certo desespero. A mulher levou alguns segundos para rir com incredulidade.
Olhou para trás rapidamente, com medo de que alguém tivesse escutado as palavras da pupila, e, quando voltou para , foi determinada.
— De onde tirou essa ideia descabida? — indagou, olhando-a com uma firmeza afiada. — Sabe que é impossível. Você assinou um contrato que precisa cumprir e está protagonizando um dos editoriais que prometem ser os melhores do ano.
— Eu não me importo — balançou a cabeça e seus olhos ficaram úmidos. — Eu não aguento mais, Christine.
Christina estava pronta para rebater , mas o editor responsável pelo editorial se aproximou de forma afoita. Ele retirou os óculos de grau e eles penderam em uma corda que envolvia seu pescoço. Segurava alguns papéis e parecia impaciente enquanto os apertava fortemente com os dedos.
— O que está acontecendo, Christine? — olhava para , mas perguntou para a empresária.
Eles sempre perguntavam para a empresária.
Como se não existisse. Como se não tivesse voz e pudesse responder por si mesma. Como se tudo que importasse àquelas pessoas fosse sua aparência, e sua palavra fosse dispensável.
apenas teve uma tontura, Leclair — Christine respondeu o homem, mas fuzilava de forma ameaçadora. — Nada que respirar um pouco não resolva. Não é mesmo, querida?
Leclair soltou uma exclamação indignada e desceu os olhos pela figura franzina de como se ela fosse um bichinho malcriado.
— Alguém traga água para a garota! Temos um editorial a terminar! — berrou para todo o estúdio e foi o suficiente para que tudo se transformasse em uma caótica busca por um copo de água. Todos ali dentro queriam agradar aquele homem mais que tudo.
Ele sacudiu a mão no ar com desdém, como se considerasse todas aquelas pessoas e a forma como o bajulavam ridículas, e se afastou em sua postura vaidosa.
estava a ponto de chorar.
Sua empresária não colaborava enquanto repetia próxima demais do seu ouvido como aquele trabalho era importante, como aquela capa colocaria seu nome em maior destaque no meio da moda fotográfica. Fazia carinhos persuasivos no seu rosto e nos seus braços, afirmando que a garota não podia desistir, que seria uma atitude completamente irresponsável e egoísta.
Todos ali contavam com ela, era o que a mulher dizia.
sabia disso como ninguém e sentiu uma culpa avassaladora se misturar com o desejo de sair dali.
Quando tantas garotas gostariam de estar no seu lugar, como ela não estava satisfeita?
Perguntou-se se o problema era com ela, se era mal-agradecida e pouco profissional. Talvez aquele não fosse o princípio de uma crise de ansiedade, mas de uma dessas crises de estrelismo que via tantos tabloides noticiarem sobre outros artistas.
Era uma mistura destruidora de sentimentos que avançavam pelas terminações nervosas e pela corrente sanguínea de . E foi quando a primeira pessoa apontou com um copo de água que a primeira lágrima escorreu por sua bochecha.
Estragaria a maquiagem se chorasse, pensou por um segundo, antes de agarrar o copo que lhe foi direcionado com a mão trêmula.
levou o plástico até a boca, bloqueando a voz de Christine, e, quando bebericou do líquido transparente, chegaram mais pessoas com copos de água para ela.
afastou o copo dos lábios, assustada com o amontoado de pessoas que se colocaram à sua volta, e em um piscar de olhos alguém o tirou da sua mão e tentou empurrar outro no lugar. Ela não respondeu ao estímulo e o plástico foi ao chão, derramando todo o líquido transparente no assoalho de madeira branca.
soltou uma exclamação muda, cobrindo a boca com os dedos finos de unhas compridas.
Christine se afastou e, quando a modelo percebeu, uma confusão crescia ao seu redor. A empresária passou a esbravejar com os jovens estagiários que assediavam há poucos segundos enquanto os mesmos tinham coragem o suficiente para responder a mais velha com tons de vozes elevados.
se assustou quando uma auxiliar de limpeza se agachou nos pés dela e deu um pulo para trás. A mulher não disse nada, na verdade, mal olhou para ela, e começou a secar o chão.
sentiu outras lágrimas riscarem sua pele e olhou para os lados sem saber o que fazer. Sentia-se no olho de um furacão devastador, mesmo que isso parecesse exagero da sua parte. E em meio a uma busca incerta e aflita encontrou um par de olhos escuros que a observava com atenção logo abaixo de sobrancelhas grossas franzidas e de uma testa com vincos.
deu um passo para trás e seus lábios se partiram. Ela não sabia o que dizer ou como dizer. Mas não esperava que não fosse preciso, muito menos que dois segundos fossem o bastante para o garoto no terno atravessar o estúdio e chegar até ela.
— Por favor, me tira daqui — sussurrou sem pensar quando a figura masculina a alcançou, encarando as orbes negras que a fitaram por entre cílios espessos e apertando os braços largos cobertos por camadas de tecido.
O segurança sequer assentiu antes de se livrar do seu toque desesperado para agarrar um dos seus antebraços. E apenas se deixou ser levada dali. Mesmo que não fizesse ideia de para onde.




Continua...



Nota da autora: Sem nota.

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