Capítulo Único

Peter fitou o teto escuro da nave. Estava num pequeno compartimento que chamava de quarto. Após vários segundos, soltou um longo suspiro e se ajeitou sobre o fino colchão, tentando achar uma posição confortável para dormir. Acontece que, mesmo que conseguisse, pegar no sono custaria muito. Não que ele tivesse insônia ou algo parecido, a questão era outra.
Todos os anos, quando aquele dia chegava, ele se lembrava de tudo. Recordava-se de sua vida na Terra, mesmo que a tivesse deixado para trás há muito tempo. De quando era uma criança e gostava de correr na rua. Algo inevitável numa data como aquela. Vinte e cinco de dezembro. Um dia como outro qualquer para o restante do universo, mas para os humanos na Terra significava uma coisa grande.
Ele sabia muito bem o que as pessoas diziam comemorar naquele dia, ainda assim soltou um riso anasalado, pois sabia que elas faziam de tudo menos o que realmente deveriam. No fim, o Natal, como era chamada aquela festividade que sempre estava em suas lembranças, servia apenas para reunir a família e os amigos.
— Família... – Peter sussurrou.
Ele lembrava vagamente da sua, especialmente de sua mãe. E ele ainda amava e sentia sua falta. Quando o natal chegava, ela sempre o acordava com um bom-dia e um chocolate quente para que pudessem encher a árvore de enfeites coloridos, até quando ficou doente.
Sem sono, Peter se inclinou para o lado e enfiou a mão debaixo da cama. Tirou de lá uma caixa de papelão onde guardava coisas que considerava serem de valor. Ligou a luz do abajur ao lado e retirou a tampa da caixa. Lá dentro encontrou os objetos que já conhecia. Fitas para discman, uma lanterna antiga, moedas de civilizações por onde havia passado, além de outros objetos.
Pegou a fita que sua mão havia lhe dado de presente e teve vontade de escutá-la, porém, não o fez, pois sabia que a música faria com que ele sentisse tudo menos sono. Assim, largou a fita e enfiou a mão mais fundo na caixa. De lá, retirou algo que o fez franzir o cenho.
— Eu não acredito! – ele falou incrédulo.
Com um sorriso de canto, ele aproximou a peça do seu rosto. Uma presilha rosa em forma de asas de fada. Ele sabia a quem aquilo pertencia.
— Fairy... – Peter sussurrou para si mesmo.
Fairy. Era assim como ele chamava a dona do enfeite de cabelo. Desde que ela o havia lhe dado, ele nunca se separava do objeto. Ele o havia trazido consigo no dia que fora abduzido. O mais incrível era que, apesar de se lembrar que Fairy era sua melhor amiga de infância e que em todos os natais sempre estava em sua casa, ele não fazia ideia de como era seu rosto. Sabia apenas que ela tinha cabelos vermelhos e olhos verdes. Algo impossível de esquecer.
Suspirando outra vez, Quill largou a presilha entre os outros objetos e fechou a caixa. Não faria diferença se esforçar em se lembrar da garota. Era muito improvável que se vissem mais uma vez. Incomodado com aquelas lembranças ele devolveu a caixa ao seu lugar e deitou-se de lado. Fechou os olhos, pois precisava dormir. A galáxia não se salvaria sozinha.
Peter estava sentando na poltrona havia muito tempo. Ele não sabia o quanto, apenas que deveria ter passado toda a tarde ali e agora se sentia entediado. Fitou o ambiente ao redor e suspirou, mas então parou de supetão. Desconfiado, olhou ao redor novamente. Dessa vez conseguiu perceber que estava em sua casa, na Terra.
A sala estava completamente enfeitada para o Natal. Uma árvore grande jazia no canto, rodeada de piscas-piscas e de enfeites e uma estrela brilhava no topo. De onde estava, avistou a mesa farta, repleta de alimentos típicos da data. Tudo estava perfeito. Até mesmo o frio que o obrigava a usar luvas.
— Peter, querido! – de repente ouviu uma voz atrás de si e olhou para lá automaticamente.
Assim que o fez, encontrou quem menos esperava. Sua mão estava de pé perto da porta e usava roupas pesadas. Um grande casaco marrom, um cachecol ao redor do pescoço e uma touca com desenhos de flocos de neve. Enquanto a encarava, ele piscou os olhos várias vezes, tentando entender o que estava acontecendo.
Ao vê-la se aproximar, porém, prendeu o ar e esperou que ela falasse. Quando as mãos cobertas tocaram seu rosto carinhosamente, ele sentiu seu interior se aquecer. O sorriso que ela lhe deu o fez sorrir também e ele ficou ali, fitando-a sem dizer nada.
— Querido, está tudo bem? – ela estranhou a atitude do filho.
— Sim... – ele respondeu e a voz de garoto chegou aos próprios ouvidos.
— Peter, sua amiga já chegou. – a mão voltou a falar. – Ela perguntou se você quer brincar lá fora.
— Q-quero... – ele respondeu, mesmo sem entender nada.
Lentamente, Peter se levantou e segurou a mão que sua mão lhe estendeu. Começaram a caminhar para o lado de fora da casa. Ao passar pela porta, o garoto se deslumbrou com a visão que teve. Ainda estava claro e a neve que cobria a rua de um lado ao outro dava ao ambiente um aspecto incrível. Era como olhar para dentro de um globo de neve.
— Olá, Peter! – uma voz fina o fez sair do transe e ele se virou até a pessoa.
Encontrou grandes olhos verdes que o fitavam com entusiasmo. Os cabelos vermelhos estavam soltos, mas parte dele estava preso para trás com uma presilha em formato de asas de fada para que não caísse no rosto. Imediatamente, ele soube quem ela era.
— Fairy... – ele sussurrou quando a garota deu dois passos em sua direção.
— É claro que sou eu! – ela soltou uma gargalhada e então se virou para a mãe dele. – Senhora Quill, podemos brincar na neve?
— Claro, querida! – a mulher sorriu para eles. – Mas não demorem, logo será noite e os outros convidados irão chegar.
— Pode deixar! – a pequena sorriu de volta.
Sem avisos, ela agarrou a mão de Peter, que assistia a cena em silêncio. Quando ela começou a correr para a calçada ele apenas a seguiu. Juntos, foram até o pequeno jardim na frente da casa que agora estava coberto de neve. Antes que chegassem, Quill viu seu reflexo no vidro de um carro e ele era uma criança, então teve a certeza de que aquilo não poderia ser real. Ele apenas não entendia o que seria, pois era perfeito demais para ser um sonho.
— Peter! – a garota o chamou e ele a encarou. – Ouviu o que eu disse?
— Hã? – ele fez uma careta. – Desculpa, eu...
— Ai, você está bem estranho hoje. – ela apoiou as mãos na cintura. – Eu disse que vamos construir um boneco de neve.
— Ah tá... – ele balançou a cabeça. – Legal.
— Então vamos lá. – ela bateu as mãos com luvas rosa. – O boneco não vai surgir com o poder de nossas mentes.
Os dois se juntaram e iniciaram o trabalho. Juntavam neve sem parar e corriam de um lado para o outro enquanto riam e conversavam. Eram melhores amigos desde bem cedo. Depois de horas ali, Peter já havia deixado de lado a estranheza que sentiu no começo. Sua mãe estava bem, ele estava em casa e tinha uma amiga que ele amava muito. Pelo menos era o que sentia. E ele desejava aproveitar aquele momento de felicidade plena até o último instante.
Quando terminaram o boneco, as crianças se deitaram no chão para poder descansar. Isso durou um tempo incalculável, que se passou sem que pudessem acompanhar. De onde estavam olharam para seu trabalho finalizado e o garoto fez uma careta.
— Não ficou muito legal... – ele observou. – Está mais parecido com um saco de batatas do que com um boneco de neve.
— Se você tivesse trabalhado mais, ele teria ficado melhor. – a menina torceu os lábios.
— Ei! – ele se sentou. – É claro que trabalhei!
— Sim, sim... – ela o imitou e cruzou as pernas. – Mas eu fiz muito mais.
— Fairy, eu fiz sim! – Peter insistiu.
— Que seja... – ela balançou os ombros e fitou o boneco.
Ao perceber a amiga calada demais, Peter franziu o cenho e se aproximou um pouco. Eles eram crianças, mas se conheciam muito bem. E o menino sabia que falar era a maior característica da outra. Não ouvi-la por mais de vinte segundos era algo que merecia consideração.
— Ei, tudo bem? – a voz ingênua fez a garota baixar o rosto.
— Eu vou embora... – ela murmurou baixinho.
— Quê? – ele aproximou mais.
— Eu vou embora, Peter! – dessa vez ela praticamente berrou.
— Mas... – ele se assustou mais com a notícia do que com a reação dela. – Você... não pode...
— Eu não quero. – ela balançou a cabeça. – Mas papai disse que precisamos e que quando estiver maior vou entender.
Os dois voltaram a ficar em silêncio. Peter não sabia se deveria chorar, afinal sua amiga disse que iria embora. Eles iriam separá-los e ele não poderia fazer nada. Ainda assim, segurou as lágrimas quando a amiga se movimentou. Fairy agarrou o enfeite no cabelo e o retirou de lá. Imediatamente, as mechas avermelhadas caíram sobre seu rosto, escondendo metade dele.
— Toma. – ela estendeu o objeto para o amigo.
— O que... – ele franziu o cenho.
— Só pega. – ela balançou a mão uma vez.
— E pra que eu quero isso? – Peter pegou a presilha.
— Pra se lembrar de mim. — ela respondeu num tom óbvio.
— Mas eu não vou me esquecer de você. – ele afirmou com convicção. – Somos amigos.
Fairy sorriu para Peter e sem esperar, o abraçou. Quill mordeu os lábios ainda tentando prender o choro. Ficaram ali até ouvirem a mãe do garoto os chamar para dentro, então se afastaram.
— Nos vemos por aí, Peter .– Fairy disse.
Os olhos esverdeados brilhavam por conta das lágrimas acumuladas e essa foi a última coisa que viu antes que ela se levantasse e corresse pela neve.

Peter abriu os olhos de supetão. Sua respiração estava descompassada, mas mesmo assim ele se levantou. Enquanto seguia para o banheiro, as palavras do seu sonho ecoavam em sua mente.
Nos vemos por aí, Peter.
Quill soltou um riso abafado e entrou debaixo do chuveiro, pensando em como eles haviam sido ingênuos. Se bem que a culpa não havia sido deles e sim daqueles que o tiraram de casa. Eles realmente poderiam ter se encontrado novamente.
Depois de pronto, ele saiu do seu quarto e seguiu pelo corredor que o levaria até a cabine de piloto. Ao chegar, encontrou os amigos. Gamora e Drax estavam sentados nas poltronas e a moça pilotava a nave.
— Peter, e aí?! – de repente ele ouviu atrás de si e olhou para lá, encontrando o pequeno Rocky.
— E aí, cara! – ele disse. — Sabe pra onde estamos indo?
— Estamos indo para a base da Tropa Nova. – Gamora respondeu ao ouvir a pergunta. – Eles querem conversar conosco.
— Acho que temos uma nova missão. – Drax completou.
— Legal! – Peter respondeu, se apoiando numa das poltronas. – Vamos lá então.
Depois de pousarem, os Guardiões da Galáxia seguiram para a base da Tropa Nova, onde eram aguardados. Enquanto caminhavam, uma boa conversa fluía entre eles e Peter se virou para a frente dos amigos, começando a andar de costas.
— Escutem essa! – ele começou a contar uma piada. – Por que o louco ficou feliz quando montou o quebra-cabeças em seis meses? Porque na caixa estava escrito: de 4 a 6 anos.
— Quê? – os outros perguntaram em uníssono.
— Mas... isso não faz sentido. – Gamora franziu a testa.
— Não é pra fazer sentido, é uma... – ele tentou dizer.
Mas, no momento, ele se esbarrou com alguém e se virou rapidamente para pedir desculpas. Quando o fez, olhos esverdeados o encaravam com confusão. E isso o deixou tão confuso quanto. Fitou a garota à sua frente de baixa à cima e os cabelos avermelhados presos num rabo de cavalo balançavam de acordo ao ritmo do vento.
— Fairy... – as palavras saíram de seus lábios antes que pudesse pensar.
— Me desculpe, como? – a mulher franziu o cenho.
— Errr... – ele piscou os olhos algumas vezes. – Nada. Eu só... pensei que fosse alguém que eu... conhecia. Desculpe.
— Tudo bem. – ela sorriu gentilmente. – Apenas olhe melhor por onde anda.
Sem mais palavras, a garota saiu caminhando pela avenida movimentada. Ainda fora do ar, Peter acompanhou sua caminhada por alguns instantes. Mas foi um momento rápido. Balançou a cabeça ao se dar conta de que aquela era apenas mais uma garota ruiva entre muitas. Afinal, o que Fairy estaria fazendo ali?
— Vamos. – ele disse aos outros que não tinham entendido nada.
Juntos, seguiram ao seu destino. Assim como eles, a vida caminhava para frente. As coisas passadas não voltavam, se tornavam lembranças. Boas ou ruins. E, para Peter, Fairy era uma das melhores.




Fim!



Nota da autora: Sem nota.



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